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A REFUNDAÇÃO MORAL DA “VALE”: A Contribuição dos “Modelos Mentais”

de D. North e da “Imaginação Moral” P. Verhane

Ihering Guedes Alcoforado

Com o desastre de Brumadinho os ativos físicos da Vale, salvo os de Brumadinho


permanecem inalterados, já os ativos simbólicos, aqueles que configuram sua imagem
públicas foram, em boa parte, carreados junto com a lama que escorre levando
destruição do meio ambiente e ceifando vidas. Dado a perda de valor de mercado da
Vale fica evidenciado a importância dos ativos simbólicos na sua determinação..

Esta constatação coloca como uma possibilidade no enfrentamento da crise, e, da


recuperação do valor, uma refundação moral da vale, ou seja, o estabelecimento de
novos fundamentos para sua ação empresarial que sinalizem uma reversão na politica de
segurança nas suas barragens.

Na efetivação desta reconfiguração ela deve enfrentar com uma lacuna nos estudos
organizacionais focado na conduta ética dos grandes conglomerados, a exemplo da
Vale, a despeito da relevância da orientação ética na conformação da sua estrutura de
governança e do seu desempenho operacional e financeiro.

Isto porque a Vale dado a sua magnitude e influência é de fato não só um econômico,
mas também um agente político, já que tem influência no processo que define o desenho
das regras do jogo, que ela própria via jogar. A ação econômica e política é articulada a
partir de uma base ética que informa o conjunto de valores que se materializa nos
modelos mentais e nos frames que constituem sua cultura organizacional, a qual
estrutura simbolicamente a ação e decisão ao longo de toda a cadeia hierárquica,
envolvendo desde s seus executivos aos operados das suas instalações e, que no
conjunto forma sua cultura organizacional.

Este arcabouço simbólico vigente até recentemente ruiu e as evidências são que ele se
ancorou numa postura ética que, no rastro do insight de Milton Friedman(1984), assume
como principio moral maximizar a rentabilidade da empresa, tornando imperativo a
redução dos custos, com destaque para os associados aos investimentos ambientais
(aqueles dedicado a atividades preventivas dos danos da ação da empresa sobre
terceiros). A obsessão pelo lucro é magnificada pela sua capacidade de desenhar as
regras do jogo, em especial as que estabelece sua relação com o meio ambiente.

Esta situação atrai grandes acionistas que estabelecem uma estrutura de governança
ancorada no interesse dos acionistas, em contraste com a estrutura de governança
fundada nos concernidos. O resultado desta excepcionalidade organizacionais e
institucional foi uma, talvez a mais importante, das causas da naturalização que os
investimentos ambientais não contribuem para aumentar o lucro e, consequentemente o
valor da empresa e da riqueza dos detentores de suas ações.

Esta visão ética e sua correspondente estrutura de governança passa a ser


problematizada depois do desastre de Mariana, e, entra em colapso com o desastre de
Brumadinho, que do ponto de vista da empresa é medido pela perda do seu valor de
mercado. Ou seja, a busca exclusica pelo lucro e pela valorização da empresa apresenta
hoje, como resultado, o oposto do previsto, o que evidencia o colapso não só dos
fundamentos éticos, mas principalmente da sua estratégia de atender a demanda dos
acionistas por altos lucros.

Em função disso torna-se plausível uma restruturação organizacional que tenha como
referência não seus ativos materiais, os quais continuam intactos e, salvo engano,
utilizados de forma eficiente. A restruturação que se faz necessário é na esfera dos seus
ativos simbólicos, entre os quais destaco é ética conseqüencialista na versão de M
Friedman. . Esse giro deve ter como ponto de partida um deslocamento dos seus
fundamentos éticos do consequencialismo friedmaniano, o que é justificável pelos
prejuízos causados a Vale, ou seja, pelas evidências manifestas de perda de valor em
decorrência do Desastre de Brumadinho.

Diante deste desafio se coloca duas alternativas que se complementam. A primeira é a


alteração dos ” modelos mentais’ com que opera seus agentes, desde os que se dedicam
a definição das estratégias, até os que operam nas suas instalações, os quais
“normalizam” uma determinada forma de conceber e executar as ações da organização.
A segunda é explorar as possibilidades em latência da sua “imaginação moral”, até
agora embutida, de forma a criar uma norma referência moral que ancore suas ações
vindouras.
Na confluência dos esforços de reformatar seus “modelos mentais” e explorar sua
“imaginação moral” de forma a repaginar sua cultura organizacional, a Vale poderá
contar no que se refere aos modelos mentais com os insights de Douglas North e
Denzau, e, no que se reporta a “imaginação moral” poderá se beneficiar dos insights
de P. Verhane.

Douglass Norte e Denzau sinalizam que

“ […] institutions are the rules of the game of a society and consist of
formal and informal constraints constructed to order interpersonal
relationships. The mental models are the internal representations that
individual cognitive systems create to interpret the environment and the
institutions are the external (to the mind) mechanisms individuals create to
structure and order the environment. Some types of mental models are
shared intersubjectively. Different individuals with similar models enables
them to better communicate and share their learning.”[DENZAU &
NORTH, 1999]

Ou seja, a consciência crítica da institucionalização, no sentido das “regras” formais e


informais, com que opera os mais diversos setores e níveis hierárquicos da Vale, levará
a compreensão que tanto seus estrategistas como seus milhares de funcionários no dia a
dia são modelos mentais ideológicos formatados fora da empresas e internalizados, a
partir do que funcionam como a argamassa que une os mais diversos membros da
comunidade Vale.

A consciência das aporias da cultural organizacional vigente deve se efetivar a nível


individual e, nessa direção a Vale poderá avançar com os insights de Patricia Verhane,
uma das fundadoras do campo da ética empresarial que, em poucas palavras desvela a
“viseira” dos frames internalizados, eis suas palavras:

“We all perceive, frame, and interact with the world through a conceptual
scheme modified by a set of perspectives or mental models. Putting the
point metaphorically, we each run our “camera” of the world through
certain selective mechanisms: intentions, interests, desires, points of view,
or biases, all of which work as selective and restrictive filters. We each have
what I call our own metaphysical movies of the world, because they entail
projections of one’s perspective on the given data of
experience.[WERHANE, 1999)

Enfim, a consciência critica dos condicionantes ideológicos dos valores morais, dos
modelos mentais e dos frames que se articulam para formar a cultura organizacional da
Vale é, a condição sine qua non, para que inicie o processo de requalificação dos ativos
simbólicos, que combinados com seus ativos físicos poderão criar as condições
necessárias para que a Vale volte a ser um orgulho nacional.

BIBLIOGRAFIA

DENZAU,Arthur T. & NORTH, Douglass C.,Shared Mental Models: Ideologies and


Institutions. Kyklos, 1994

GENTNER, Dedre, and Whitley, Eric W.. 1997. “Mental Models of Population
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