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Acorda hip-hop!
Despertando um movimento
em tranformação
DJ TR
Patrocínio Apoio
opyright © 2007 DJ TR
COLEÇÃO TRAMAS URBANAS
curadoria
HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
consultoria
ECIO SALLES
projeto gráfico
CUBÍCULO
ACORDA HIP HOP: DESPERTANDO UM MOVIMENTO EM TRANSFORMAÇÃO
produção editorial
ROBSON CÂMARA
copidesque
CECÍLIA GIANETTI
revisão
TETÊ OLIVEIRA e ROBSON CÂMARA
revisão tipográfica
ROBSON CÂMARA
L478a
Leal, Sérgio José de Machado
Acorda hip-hop! : despertando um movimento em transformação / Sérgio
José de Machado Leal. - Rio de Janeiro : Aeroplano, 2007.
il. ;
ISBN 978-85-86579-99-8
1. Hip-hop (Cultura popular). 2. Rap (Música). I. Título.
Aos irmãos Nelson Triunfo, Nino Brown (Zulu Nation Brasil), Tha-
íde e DJ Hum por terem brigado ao lado de outros tantos irmãos
para manter o nome da cultura hip-hop nacional sempre elevado.
Que a Paz do Senhor esteja com vocês!
Ao amigo de muitas horas, Ecio Salles. Obrigado, irmão, por me
atender no momento em que não possuía nem o dinheiro para o
registro desta obra. Jamais esquecerei essa atitude! Que o Senhor
seja contigo irmão!
Aos irmãos Paulo Jr. e Quinho, que muito me ajudaram nas primei-
ras digitações deste livro, e no período em que não possuía com-
putador para registrar todas as pesquisas. Que Deus os abençoe
imensamente!
Aos colegas escritores Paulo Lins, Rolf Preto, Jadiel Guerra, Ferréz
(Capão pecado), Spensy Pimentel (O Livro vermelho do hip-hop),
Alessandro Buzzo, Sacolinha, Sérgio Vaz (Cooperifa) e DJ Raffa
(Trajetória de um guerreiro). Que o Espírito Santo de Deus continue
lhes dando toda a inspiração possível para levar literariamente as
riquezas das periferias brasileiras ao mundo.
II Timóteo 3:16
Sumário
14
Acorda hip-hop! 15
É o quinto elemento exercido não só por quem quer, mas por quem
há muito entendeu que o conhecimento e que os livros devem
estar juntos e misturados a qualquer manifestação popular.
Marcelo Yuka
Apresentação
ACORDA HIP-HOP!
Despertando um movimento em transformação
16
Apresentação 17
CAP.01
PARTE INTERNACIONAL
20
A história do hip-hop 21
1971
Nova York: ainda movidas pelo Movimento Black Power dos anos
60, as casas noturnas dos guetos utilizam o soul e o funk como
as principais trilhas sonoras das pistas de dança.
Vale lembrar!
A figura do DJ vai de encontro ao surgimento do rádio (1921-22) nos
EUA. Locutores da época, que podem ser considerados os primeiros DJs,
entretinham o ouvinte intercalando conversas com seleções musicais nos
toca-discos – isso quase meio século antes de terem surgido os aparatos
tecnológicos que impulsionariam o movimento nos anos 70. Na Era do
Rádio, os DJs, ainda desprovidos de equipamento adeqüado, animavam
festinhas caseiras e bailes de formatura selecionando os hits da estação.
1973
Vale lembrar!
Toast é um termo que resume uma tradição do reggae que consiste em os
músicos falarem e cantarem de improviso sobre trechos instrumentais.
Criado no fim dos anos 60 pelo DJ jamaicano U. Roy e sua equipe de som
El Paso, o toast ganhou a Jamaica, tornando-se tempos depois um dos
elementos fundamentais para a construção musical do hip-hop.
1974
1 Documentário de 2001 dirigido por Doug Pray e exibido pelo canal a cabo GNT.
26 Acorda hip-hop!
Vale lembrar!
A figura do MC originou-se na Jamaica. Apenas mais tarde o DJ Kool Herc
introduziria a idéia no Bronx. Até então, a função era assumida duplamente:
DJ-MC. No entanto, na Jamaica, além dos DJs, os toasters também
controlavam o palco.
Ao contrário do que se imagina, o MC nada tem a ver com o rapper; sua
origem jamaicana precede o surgimento do rap no Bronx. Além disso, o MC
cria versos de pronto, enquanto o rapper os elabora antes no papel. Ainda
que nada impeça a possibilidade de um MC ser um rapper ou vice-versa,
cada elemento possui seu valor distinto.
1975
Starski, Busy Bee, Melle Mel, Sequence, Grandmaster Flash & The
Furious Five, Fearless 4, Funk 4 Plus 1, Sugar Hill Gang, Kurtis Blow,
Whodini, Run DMC, Kool Moe Dee, The Tracherous 3, Sweet G, Fat
Boys, LL Cool J, T La Rock, Spoonie Gee, Doug E Fresh, Cold Crush
Brothers e Fantastic Freaks, entre outros artistas lançados lá.
1976
1977
1978
Vale lembrar!
Arthur Baker era proprietário de um estúdio e da bateria eletrônica TR-808,
responsável por reproduzir a timbragem pesada que, em 1982, levaria o
hip-hop a ultrapassar fronteiras com as descobertas sonoras de Afrika
Bambaataa.
1979
*****
nomes como Julio 204, Frank 207 e Joe 136, considerados tam-
bém precursores dos bombardeios em Nova York. Mesmo com
o surgimento de outros nomes, Taki 183 é tido como o “rei dos
bombardeios”, pela grande quantidade de nomes assinados nos
vagões de metrô. Essa forma de expressão é identificada como
subway art (arte do metrô).
Do Primitivo ao Moderno
Vale lembrar!
As tags podem não apresentar o mesmo valor artístico representado pelos
grafites mais elaborados. No entanto, se assim não fosse, certamente, em
questão de tempo, não haveria vestígio da presença desses artistas dos
subways e a história do graffiti art seria velada e extinta.
Trak, Dome e DC, são alguns nomes que ainda se pode perceber
circulando.
Vale lembrar!
Dentro da cultura grafite, até então, um vagão de metrô decorado
representava toda a autenticidade de um escritor de grafite, enquanto
muros, vagões de trens cargueiros, sucatas e telas se restringiam
aos falsos.
No final dos anos 80, a MTA havia retirado todos os vagões das
três divisões do sistema de metrô. Os carros viram sucata em
um pátio no bairro do Brooklyn. Muitos grafiteiros, buscando
deixar suas marcas como lembrança de uma época próspera,
passam a pintar os vagões abandonados. Alguns o fazem ape-
nas por diversão. Eles acreditavam que não seriam incomoda-
dos pela segurança metroviária por se tratar de sucatas. Mas
a polícia intervém e o número de artistas das sucatas diminui
drasticamente.
Vocabulário
*****
Em meados dos anos 70, o rocking deixa de ser visto como uma
dança exclusiva das gangues, tornando-se algo tão popular e
acessível a todo o bairro, que chega a ser uma prática comum
nas teen dances e block parties da região.
Vale lembrar!
Nessa época, o Brooklyn era marcado pela presença das gangues que,
em sua maioria, se organizavam em grupos de motos. Elas influenciaram
intensamente a indumentária e o comportamento dos dançarinos de up
rocking.
No início dos anos 90, dois b-boys, Numbers e Burn One, inconfor-
mados o desaparecimento do up rocking, iniciam no Brooklyn uma
busca pelos autênticos up rockers (ou simplesmente rockers).
Finalmente nomes como King Uprock, Clark, Lil Dave, Noel, Cuz,
Buz, Duz, Diana, Danny Boy, Lil Ed, Lucan, Manny, Carlos Casa-
nova, Jefferey, Gary Crumb, Lil Tito, Lil Bebop, Gee, Disco Ed, Mr
Loose, Rocky Nelson e Chino, entre outros tantos dançarinos,
são localizados e incentivados a retornar à ativa. Eventos impor-
tantes como o aniversário da Zulu Nation e o “B-boy Masters
Pro-Am” tornam-se acolhedores do up rocking, reconhecendo-o
como expressão típica do Brooklyn e do hip-hop.
Vale lembrar!
Boogaloo Sam, é responsável também pela criação do passo backslide,
introduzido no popping e no boogaloo. Copiado por Michael Jackson e
apresentado em cadeia nacional durante a execução ao vivo de seu sucesso
“Billie Jean”, no programa Motown 25: Yesterday, Today, Forever, em 1983, o
movimento é rebatizado pelo cantor de moonwalk e creditado mundialmente
como invenção do pop star, sem quaisquer créditos para seu inventor.
Interpretando o Popping e o Locking
Vale lembrar!
O breaking teve um papel muito importante na preservação da cultura hip-
hop durante os anos 70, quando a disco music explodiu nas FMs e nas pistas
de dança: as crews de breaking se reuniam nos pontos mais movimentados
da cidade e abriam rodas ao som do rap e do funk. O resultado dessa
iniciativa foi tão positivo que, em pouco tempo, os elementos do hip-hop
estavam invadindo novamente as rádios, boates, as indústrias fonográfica e
cinematográfica e as academias de dança.
Movimentos do Breaking
*****
66 Acorda hip-hop!
1980
1981
1982
Vale lembrar!
O electro funk foi o responsável por revelar uma série de nomes importantes
como Newcleus, Egyptian Lover, Twilight 22 e Pretty Tiny, entre outros.
Vale lembrar!
O comércio de mixtapes existe ainda hoje, na forma de CD e continua
revelando muitos talentos do rap.
70 Acorda hip-hop!
72 Acorda hip-hop!
1983
Vale lembrar!
Os membros do Run DMC foram os primeiros a afirmar que o DJ podia ser
uma banda. O trio formado pelos rappers Run, DMC e DJ Jam Master Jay
aderiu a um estilo mais minimalista, utilizando somente bateria eletrônica,
toca-discos e microfones.
1984
Em 23 de Abril, o Run DMC lança “Rock box” (do álbum Run DMC,
que venderia mais de um milhão de cópias), o primeiro clipe de
rap a ser exibido pela MTV.
Vale lembrar!
“Roxanne, Roxanne” contribuiu muito para o aumento da cena feminina no
ambiente do rap por ter provocado o que ficou conhecido como as Roxanne
Wars (Guerras de Roxanne): série de canções criadas em resposta ao
sucesso do U.T.F.O.
1985
que não sabia que eu era negro. Disse que naquela época a MTV
se dirigia a um público branco do interior. E, assim, não exibiam
vídeos de negros. Até deu um exemplo de como eram rigorosos.
Citou Rappinghood, que era um desenho animado... Disse que
soava muito negro, e por isso não exibiam.
Vale lembrar!
“Walk this way” foi responsável por influenciar muitos artistas de outros
gêneros. A exemplo disso, Erik Parker, colunista da revista Vibe, em
entrevista ao documentário Walk this way, comenta:
“A música influenciou o nascimento de grupos como Korn e
Anthrax. O Anthrax participou da canção ‘Bring the noise’ do
álbum Apocalypse 91... The Enemy Strikes Black, de 1991, do
Public Enemy e, no clipe, víamos o Anthrax se divertindo. Acho
que a base disso foi a relação entre o Aerosmith e o Run DMC”.
KRS-One
“Run DMC mostrou que o rap chegou para ficar.”
Ice-T
“‘Walk This Way’ fez muito pelo rap. Foi um salto à frente.”
Rick Rubin
Joe Perry
1986
Vale lembrar!
“Bassline” é considerada uma das produções mais pesadas de rap até então
e faz sucesso em todo o país.
1987
Vale lembrar!
Tal postura, politizada e de resistência, levou ao jovem daquela geração, no
gueto, a consciência das suas raízes africanas.
A história do hip-hop 89
Vale lembrar!
Mesmo tendo o público se dividido em torcidas durante as batalhas,
nenhuma briga é detectada então.
1988
Just Jammin’ Fresh and Def, ou J.J. Fad, torna-se o primeiro grupo
feminino de rap a ser premiado pelo Grammy na categoria Pop-
Rap com o hit “Supersonic”. O trio de Los Angeles formado por
MC JB (Juana Burns), Baby D (Dania Birks), e Sassy C (Michelle
Franklin) prova ser um contraste completo, comparado aos seus
colegas de selo (Ruthless Records) e a seus produtores: o grupo
Pela primeira vez uma posse – termo utilizado no rap para defi-
nir família, clã, crew –, formada por quatro MCs-rappers (Kool
G Rap, Big Daddy Kane e Masta Ace) grava uma música: “The
simphony”. Dentro dos próximos anos, essa prática se tornaria
mais uma tradição entre os rappers de diferentes bairros.
16 Efeitos eletrônicos de voz muito usados no electro funk e no funk dos anos 70.
A história do hip-hop 95
1989
17 Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o revolucionário oitavo álbum dos
Beatles, lançado em 1967.
96 Acorda hip-hop!
Vale lembrar!
Grupos como Arrested Development, The Roots e A Tribe Called Quest deram
seqüência à nova linguagem do rap estabelecida pelo De La Soul.
O rapper Ice Cube, acaba deixando o NWA para seguir carreira solo.
1990
1991
Vale lembrar!
O sucesso do Cypress Hill foi todo construído sobre um tema um tanto
polêmico e completamente fora dos padrões ideológicos do hip-hop: a
maconha! Em entrevista à revista DJ sound, B-Real, líder do grupo declara o
seguinte a respeito:
“Muitos vão dizer que isso é ruim, mas preferimos falar a respeito
de algo que existe do que ficarmos inventando histórias fantásticas
sobre violência, mulheres vulgares e sobre o quanto somos bem
dotados sexualmente. Fazemos parte de um movimento para a
legalização do uso de marijuana por termos estudado a respeito,
termos concluído que ela tem uma série de usos terapêuticos e que é
um produto inteiramente natural e menos ofensivo que o cigarro, por
exemplo. Falar sobre o uso positivo de uma planta não pode ser ruim.
O que é ruim é glorificar a prática de assassinatos e a promiscuidade,
como muitos fazem”.
110 Acorda hip-hop!
1992
Vale lembrar!
O “Open Mic” revelou artistas como Foxy Brown, Notorious BIG e Eminem.
Vale lembrar!
KRS-One é bem visto ainda por participar de shows beneficentes como o
“Nelson Mandela 70th Tribute Concert” e “Earth Day”.
1993
Vale lembrar!
Todos os integrantes do Disco 3 pertenciam ao Fat Boys.
1994
1995
Neste mesmo ano falece também Buffy, dos Fat Boys, vítima de
ataque cardíaco, deixando pendente o trabalho que representa-
ria o retorno do grupo.
1996
1997
1998
1999
Vale lembrar!
Os Beastie Boys são os primeiros a acumular tantos prêmios nas categorias
“rap” e “alternativa”, em toda a história do hip-hop até então.
PARTE NACIONAL
Advertência
*****
1976
1977
1979
1982
1983
Começa também a excursão do Funk & Cia. por todo o país para
divulgar a nova dança. Além de Triunfo, outros nomes se des-
tacam, colaborando para o registro da história do hip-hop no
Brasil: Billy, Star, Lilá, Def Paul, Raul, Maguila, Moacir, Charlie,
Nayce, Tatu, Everaldo, André, Função, Maleiro, Silvio, Jack, Vadão,
ET e Pulguinha, são algumas das personalidades que levantam,
então, a bandeira da cultura hip-hop em São Paulo. Nesta mesma
época, a equipe de som Chic Show lança o primeiro programa de
rap do Brasil, o Estúdio 33, também na rádio Band FM (SP).
146 Acorda hip-hop!
1984
26 O filme, de 1984 (no original Beat Street), foi dirigido por Stan Lathan.
A história do hip-hop 147
1985
1986
1987
São Bento. Thaíde & DJ Hum não são mais garotos que cantam
rap. Hoje têm mais respeito. O DJ é um músico do hip-hop.
28 Confusão.
29 Bairro de origem.
30 Um grande acontecimento.
31 Transeunte, passante.
32 Recortes em couro costurados na calça jeans, muito utilizados por aqueles
que curtiam o black power.
A história do hip-hop 153
154 Acorda hip-hop!
1988
33 Grupo de rap paulistano, não tão bem visto por outros rappers, devido ao seu
estilo romântico.
A história do hip-hop 155
1989
35 Caçoar, zombar.
36 Equipe de som que costumava interagir com o público do baile com músicas
próprias.
37 Playboy, garoto de classe média ou classe média alta.
A história do hip-hop 157
158 Acorda hip-hop!
44 Ice Rock e Eazy Rock são considerados os primeiros gangstas do rap nacional.
45 Sucesso do NWA, principal grupo americano de gangsta, como visto anterior-
mente.
162 Acorda hip-hop!
A história do hip-hop 163
1990
1991
48 Apelido da Zimbabwe.
166 Acorda hip-hop!
1992
51 Rapper carioca.
52 No Centro do Rio de Janeiro.
172 Acorda hip-hop!
pra c...!’ Ainda falaram pra minha namorada: ‘Andréa, você tá com
esse cara? Esse cara viaja na maionese...’ E esse cara que tava
duvidando era o Edu. A gente é superamigo hoje, e sempre que a
gente se encontra, eu falo pra ele: você lembra...?”, risos. Eles na
época não acreditaram, então, eu disse que eles iam se enganar.
Eles pensavam assim: ‘imagina que o CEAP vai ajudar, eu não vou
me vender!’. Porque era assim: tinha a história que o CEAP conse-
guiu o apoio do Mairton Bahia,53 que na época era dono do selo
Radical Records, distribuído pela Virgin-EMI. Quando começou a
reunião, nós abrimos a pauta falando sobre o disco que ia sair e
neguinho só faltou se matar ali”, lamenta. “E por que neguinho só
faltou se matar? Porque viu que o negócio era real, e aí deixou
crescer aquela coisa do ego, a vaidade começou a falar mais alto.
Aí eu comecei a enxergar que aquela estrutura, aquela ação polí-
tica que a gente tinha forte, aquele radicalismo, era tudo areia, e
com um vento mais a favor de um e menos a favor de outro, aquilo
ali começaria a se desmanchar”, conta. “Exatamente naquele
momento que a gente tava produzindo o Tiro inicial, eu comecei a
me desassociar da ATCON, porque, como prova o meu trabalho até
hoje, eu sempre acreditei na coisa, eu sempre... podem me cha-
mar de sonhador, de idealista, eu sempre carreguei isso comigo, e
isso era verdadeiro dentro de mim”, declara. “Quando eu comecei
a ver que na associação tinha esse inflar de egos e vaidades, eu
me afastei, mas terminei de produzir o disco. Nesse tempo foi
quando eu comecei a me afastar também do Gabriel, e também
até dos meus próprios primos. Por quê? Porque eu observei que
o Gabriel assinou o contrato com a Sony, e ele também começou
a se achar, se sentir importante. Era o contrário de tudo aquilo
que a gente pregava até então. Antes de ter a possibilidade de
ganhar dinheiro e assinar contrato, a gente falava que tinha que
ter união”, ressalta.
Richard completa:
“Você lembra que onde um ia fazer show, chamava todos os outros,
não existia aquela coisa que eu chamo de papagaio de pirata?54
Com o contrato do Gabriel na Sony, o que aconteceu com a pos-
sibilidade de sair o Tiro inicial? Eu não sei dizer se ele foi orien-
tado pelo marketing da Sony, ou o que foi. Eu sei que eu fiquei
fodido no dia, eu tava assistindo o RJ TV – 1ª edição, aí apareceu
a divulgação do clipe ‘Retrato de um playboy’, e o jornalista vira e
fala: ‘você vai ver agora a gravação do primeiro clipe de hip-hop
carioca que o Gabriel O Pensador, um dos mais famosos rappers
brasileiros, líder do hip-hop carioca, junto com sua turma...’ E
aí o Gabriel dá a entrevista. Ele aparece no primeiro plano e a
negrada toda atrás dele”, lamenta. “Ali era um exemplo claro do
que os escravocratas preparavam pra gente. Sempre que tem a
possibilidade de ascensão de um grupo negro, eles escolhem um
representante com a pele mais clara, no caso branco, pra colocar
à frente. Assim, se você pegar a história da música mundial, como
foi o caso do Elvis Presley, foi a história do Vanilla Ice no hip-hop,
foi a do Gabriel O Pensador. Aquilo ali começou a me desmoronar.
Aí eu escrevi o seguinte no jornal AfroReggae Notícias, em que
eu era colunista: ‘se vocês estão cansados dessa encheção de
“Lôra burra” e “Retrato de um playboy”, ouçam Racionais’. Porque
os Racionais não eram tão conhecidos no Rio de Janeiro. Dava
inclusive o endereço de como conseguir o vinil deles. Ali no Largo
da Carioca tinha uma lojinha, que ficava até próxima de onde o
Marcelo D2 tinha a banquinha dele de camelô, ele e um outro
parceiro vinham pra São Paulo, pegavam umas coisas e vendiam
lá... Nessa época o D2 não cantava rap e nem rock, ele visitava os
nossos shows de rap.”
1993
55 Aquele que não segue estritamente o modelo dos b-boys dentro da cultura
hip-hop.
56 Em alusão ao grupo revolucionário negro norte-americano.
A história do hip-hop 177
porque ela não tinha refrão, não tinha ironia e nada engraçado e
tocou bastante!
Enquanto bandas fundiam rap com rock nos EUA, como o Rage
Against The Machine, para confrontar o sistema americano com
um som feroz, no Rio de Janeiro, uma banda com letras também
politizadas, falando especialmente sobre maconha e sua legali-
zação, começa a fazer shows pelo Brasil levantando a bandeira
da liberdade de expressão: é o Planet Hemp, que tinha à frente
os vocalistas Skunk e Marcelo D2.
1994
1995
1996
1997
Vale lembrar!
Os Racionais foram, direta ou indiretamente, os maiores incentivadores da
eclosão das crews de break e grafite, dos novos grupos de rap e dos MCs
da cena carioca. Até então, o que se via no Rio era unicamente os grupos de
rap, quase todos oriundos da ATCON.
Vale lembrar!
Inicialmente, o trabalho de Alpiste foi visto com certa desconfiança entre
os evangélicos, mas com o tempo ele se tornou uma influência positiva na
implantação do gênero junto à linha gospel nacional.
Vale lembrar!
Na época, a arte da rima improvisada era dominada por pouquíssimas
pessoas, e sendo assim, o episódio ocorrido naquela noite pode ser
considerado um marco na história dos autênticos MCs, já que a grande
maioria ali presente apenas recitou trechos de suas músicas previamente
compostas, enquanto Nelboy representou autenticamente o freestyle,
envolvendo em suas rimas o que rolava naquela noite em três idiomas
diferentes.
Vale lembrar!
Nomes como Black Alien, Gabriel, O Pensador e MV Bill eram um dos poucos
que, verdadeiramente, podiam ser considerados autênticos freestylers
cariocas, numa época em que na cidade não se ouvia sequer rumores sobre
as famosas batalhas de rima.
A história do hip-hop 199
1998
Com o término dos anos 90, o Super Demo entra numa espé-
cie de entressafra, fazendo com que LZA Cohen desenvolva
um novo projeto: eis que surgiu o Zoeira Hip-hop. Trabalhando
exclusivamente com b-boys, grafiteiros, DJs e MCs, o Zoeira se
tornou o cartel do hip-hop carioca, influenciando o surgimento
da nova geração do hip-hoppers do estado. A respeito deste
mais novo projeto LZA declara:
“Eu sempre gostei de hip-hop, sempre achei uma cultura super
bonita. Além da música, a gente tem a arte do grafite, do breaking,
a coisa do DJ, dele preservar o vinil, e aí, foi interessante, por-
que na época que rolou o ‘Zoeira’, foi na Lapa, num ponto aonde
todo mundo podia chegar de ônibus, metrô e qualquer meio de
transporte, de várias partes da cidade, e era um espaço em que
todo mundo se sentia à vontade. O hip-hop, ele não cabe num
A história do hip-hop 201
lugar muito sofisticado. E ali na Lapa era tipo street pra caramba,
a galera se sentia super bem por isso”, admite. “Então foi uma
coisa bem informal, porque eu não fiz com grandes pretensões,
foi mais pelo prazer mesmo de escutar o hip-hop, de mostrar a
cultura mesmo. E eu queria ser um instrumento também – nunca
tive uma pretensão de ser do hip-hop – pra ajudar a galera
divulgar, comprar, trocar idéias e se desenvolver. O Zoeira serviu
bastante pra isso, tanto é que a gente recebia todo mundo que
vinha de outro país, e como era num ponto central, tinha acabado
de fechar o Circo Voador,72 a galera migrou pro Zoeira”, explica.
“O interessante, é que às vezes, você encontrava no Zoeira, punk,
clubber, muita gente que antes tinha preconceito com o hip-hop,
e que mudaram completamente: ‘então, é isso que é hip-hop? Isso
é muito legal!’ Então, muita gente inconscientemente passou a
ter interesse pelo hip-hop indo no Zoeira.”
72 Espaço cultural, situado à frente dos Arcos da Lapa, considerado o celeiro das
geração dos anos 80 da música brasileira.
202 Acorda hip-hop!
1999
Vale lembrar!
Simpatizantes, como o músico de reggae Toninho Crespo e a ativista do
Movimento Negro Unificado (MNU), Sueli Chan, se tornaram verdadeiros
aliados na divulgação do hip-hop no Brasil. O DJ Armando Martins, também
foi outro nome importante para a programação do rap nacional, com o
programa Projeto Rap Brasil, revelando vários grupos de rap durante o
período em que esteve no ar.
****
****
A história do hip-hop 207
208
CAP.02
Quando Afrika Bambaataa idealizou a cultura hip-hop na década
de 70, nos EUA, em nenhum momento citou que todos os rappers,
MCs, DJs, b-boys e grafiteiros deveriam seguir uma linha de
militância política obrigatória em seus trabalhos. Mesmo assim,
alguns conservadores teimam em bater de frente com rappers
que estão aparecendo com estilos mais comerciais ou polêmi-
cos mas nada conscientizadores na linha do rap nacional. Mas
será que esses conservadores já pararam para traduzir algumas
letras de seus ídolos americanos? Embora sua postura apresente
seriedade nos pôsteres, revistas, CDs e clipes, nem sempre suas
letras falam de auto-estima, política e consciência, como fazem
Public Enemy e KRS-One, por exemplo.
210
Conservadores Vs. Comerciais 211
1 Imitam.
212 Acorda hip-hop!
Conservadores Vs. Comerciais 213
214 Acorda hip-hop!
2 Embaraçoso.
Conservadores Vs. Comerciais 215
bou a carreira dele”, critica. “Então, eu acho que você pode fazer
um rap comercial, mas faça algo de qualidade, alguma coisa dura-
doura. O que é uma coisa duradoura? Vamos falar, por exemplo,
nos caras que são os papas do comercial: DMX, Jay-Z, Master P,
Puff Daddy. Esses caras são comerciais pra c... Só que eles con-
seguem alcançar um nível de equilíbrio em que eles são comer-
ciais, eles retornam pra sua comunidade, eles revertem, ganham
dinheiro – porque no capitalismo você pode ser o que for, mas se
você não tiver uma boa casa, um bom carro, se você não tiver bens
materiais, você não é respeitado – e é ilusão a gente achar que o
mundo é o contrário disso, e que isso não é verdade.”
Johnny acredita que o rap mais radical venha a ter uma penetra-
ção tão positiva na mídia enquanto estilo comercial, mas abre
uma crítica quanto ao trabalho em conjunto entre underground
e comercial, sem qualquer rivalidade, pois a existência de um
depende da vaidade do outro:
“A industrialização traz poder. O poder traz instabilidade. Sem
poder e dinheiro, você não pode ajudar ninguém. Eu posso can-
tar ‘batatinha quando nasce esparrama pelo chão (...)’ e ganhar
milhões com isso. E com esses milhões eu posso ajudar aqueles
que vão ser pretos até morrerem”, exemplifica. “Então eu acho
que os fins não justificam os meios. Do mesmo modo que a gente
aprende a roubar – porque ninguém nasce pra ser ladrão e o pobre
não vai ao clube de tiro pra aprender a atirar –, você tem que
aprender a ser um homem de negócios. Você só vai aprender a ser
218 Acorda hip-hop!
4 Trabalho.
220 Acorda hip-hop!
7 Base instrumental de miami bass muito utilizada pelos MCs e DJs de bailes
funk cariocas.
Conservadores Vs. Comerciais 223
Suave, rapper de origem carioca que reside em São Paulo, tem uma
visão completamente diferenciada do que é ser comercial dentro
do rap. Para ele o modelo de comercial que é vendido no nosso
país, ainda não contaminou o nosso rap. Ele acredita que está
havendo uma certa confusão da nossa parte sobre tal conceito:
“Existem vários conservadores e outros que começaram talvez
como conservadores, e aproveitaram essa onda pra virar comer-
cial. Na música você tem que mandar uma mensagem, e talvez
a sua ideologia seja conservadora. Mas isso não quer dizer, que,
a partir do momento em que você, com aquela ideologia, atinge
um maior público, você tenha virado comercial”, explica. “Muita
gente mistura: aquele cara que começou conservador atingiu um
público grande e agora virou comercial. Isso não tem nada a ver.
Comercial é você aparecer na televisão com duas loiras ou more-
nas rebolando. Isso é o que a gente pode chamar de comercial.
Até agora eu não vi ninguém fazendo isso com o rap nacional.
Então eu acredito, sim, que no rap existem pessoas conservado-
ras atingindo um grande público.”
228
Rap à brasileira 229
1 Forma de cantar.
230 Acorda hip-hop!
“Gosto muito do Jair Rodrigues, mas não concordo com o que foi
feito. Pra ter sido ele, teria que ter feito e colocado: isso aqui que eu
tô fazendo é rap”, explica. “Mas não, ele fez uma composição. Todo
mundo que faz composição, sabe com é... Você tá andando na rua,
dá a idéia de se escrever alguma coisa, e ele fez. Tanto que o maes-
tro que produziu foi o Hermeto Pascoal, e ele falou que não tinha
como harmonizar aquilo lá, porque não tinha melodia”, conta. “Deu
um certo problema na hora de produzir a música. E não foi uma
coisa feita com propriedade”, reconhece. “Saiu uma coisa falada,
que inclusive eu e o P.MC usamos no refrão, porque é bem parecido
com rap, mas não dá pra falar que ele criou o nosso rap”, justifica.
Segundo Deco, muitos de nós ainda não dão a real atenção para
o hip-hop. Para ele, não conseguimos ser profissionais e ter uma
projeção maior porque negligenciamos alguns detalhes impor-
tantes, que ao nosso ver reflete como obsoleto, como, por exem-
plo, a elaboração dos instrumentais do rap, dando mais ênfase
às letras:
“Quando Afrika Bambaataa teve aqui no Brasil, no Fórum de Hip-
hop, eu percebi que ele ficou meio decepcionado com as coisas
que a gente perguntou, porque tava uma coisa muito política, sem
musicalidade na conversa... Acho que uma coisa que eu sempre
pensei e que meu irmão sempre falava: quando começamos a
fazer rap, a gente se preocupa muito com as letras. Lógico, tem
que se preocupar com as letras!”, concorda. “Só depois eu come-
cei a lembrar de que, antes do rap nacional, que na minha cidade
[Governador Valadares – MG] começou entre 86/87, do começo
dos anos 80 até essa época, a gente adorava música de lá de fora
[EUA]. A gente tentava cantar o que a gente ouvia, sem conhecer
uma palavra em inglês, sem saber de nada que os caras estavam
falando. E a gente já gostava, a gente corria atrás das músicas,
queria comprar os discos; se não tivesse os discos, queria fita-
cassete”, relembra. “Então, a princípio, o mais importante não era
a letra. Porque se fosse, a gente não ia ter gostado do jeito que
gostava, e gosta até hoje”, enfatiza. “A maioria das coisas que a
gente ouve, a gente não sabe do que tá falando”. “Então eu acho
que se perdeu muito nisso”, lamenta. “Já ouvi gente que faz rap
hoje em dia dizer que a base não importa! O que importa é o que
232 Acorda hip-hop!
A gente ouve muito rap gringo, parou o sample lá, aqui automati-
camente começa a mudar também. Aí voltou o sample lá, aí aqui
volta também. E essa história de deixar o rap brasileiro samplear
as músicas daqui, é uma conseqüência natural, eu acho que tem
que acontecer e se der pra samplear, vamos samplear. Isso ajuda
até criar uma identidade no rap brasileiro, porque se o rap cubano
mistura música de Cuba, e o da França, a música francesa, natu-
ralmente o Brasil vai misturar a música brasileira – que aqui ele
tem milhões de ritmos, não existe só o samba também.”
dizer, também dividido, porque tem uma porcentagem que vai pro
dono da música sampleada.”
de ouvir essa música. Então, nós temos que pagar aquilo que usa-
mos e temos que ser responsáveis por isso.”
“Eu sou brasileiro e saí do Brasil com 10 anos, morei fora e posso
garantir a vocês que não tem nenhum país com a musicalidade que
a gente tem. Talvez por causa dessa coisa africana dentro do Brasil,
que trouxe todos os ritmos. A gente é rico em ritmo, não precisa
samplear coisa de fora. A gente não precisa também só samplear
MPB ou outros ritmos brasileiros, mas aproveitar a nossa criati-
vidade e fazer com que esse ritmo nosso atinja outros países ou
atinja o próprio Brasil, que seja uma coisa gostosa como os cuba-
nos com um grupo aí, que talvez algumas pessoas achem muito
comercial, o Orishas. Mas eles aproveitaram o suingue cubano
e fizeram daquilo um rap”, exemplifica. “O brasileiro tem muita
chance e vai conseguir, talvez não sei, com samba, com samba-
rock, ou com os ritmos africanos, fazer com que a cultura rap tenha
uma característica única e uma sonoridade só brasileira.”
246
Rap vs. Funk carioca 247
piores do que muitas das letras do rap gringo que a gente gosta
de ouvir”, afirma. “E, em contrapartida, eu acho que ao invés de
discriminar o gênero e quem faz, deveriam criar mais debates e
discutir sobre o assunto pra poder aproximar os gêneros, porque
o rap discrimina muito”, critica. “O rap é um gênero musical que
fez muitas pessoas se tornarem preconceituosas com relação a
tudo: em relação à cor, à música, à BPM”, lamenta. “Quer dizer que
se o cara fizer uma letra consciente, mas acima de 127 BPMs, tá
errado? Ele tem que fazer em cima de 85/86, que tá certo!”, ques-
tiona. “Isso aí é uma coisa que eu não consigo entender do jeito
que se fala aqui [em São Paulo]! Então eu acho que deveria haver
uma aproximação, e ver, sim, o que tá certo e o que tá errado”,
questiona. “Porque é muito fácil você bater no peito e falar: eu
tô certo e você tá errado! Eu gostaria muito de ver em quê um tá
certo e o outro tá errado”, ironiza.
que gosta disso, que vive disso, que faz funk carioca. E se eles
conseguiram se estabelecer até melhor do que o pessoal do
rap, do chamado hip-hop consciente, algum valor deve ter. Eu,
particularmente, ainda não descobri qual é esse valor. Mas eu
tenho a humildade de falar que eu reconheço que algum valor
eles devem ter, e tão na caminhada deles por aí. Acho que pra
mim não vale essa coisa de briga, essa rixa que tem, e diga-se
de passagem, quando eu tô com os meus filhos, eu adoro ouvir
também aquelas músicas de funk – que é bom pra dançar – com
aquelas caixas, aqueles bumbos pesados, só que falar que aquilo
é uma coisa que você vai encontrar no case1 do meu carro, não é.
Mas eu respeito.”
1 Porta-CDs.
Rap vs. Funk carioca 249
Mano Brown não esconde seu carinho pelo Rio, nem o respeito
pelo funk. Sobre essa questão, ele tem uma definição muito
simples:
“A gente tem que respeitar as culturas regionais de cada lugar!
O Brasil é um continente! O Rio de Janeiro poderia ser um país,
e São Paulo, outro, pela distância e pelo tamanho! O Rio é do
tamanho de Portugal, acho! São Paulo é maior que muitos países
da Europa juntos! As distâncias criam uma outra forma de cul-
tura, uma outra forma de pensar, outras gírias, outros ritmos, e
o Brasil, é um exemplo disso”, considera. “O funk, não é um ritmo
desprezível. Jamais! É uma cultura de morro, de subúrbio, de
periferia do Rio de Janeiro, como é o rap, que nasceu nos bairros
pobres de São Paulo. Tudo tem um por que, como as músicas do
Nordeste, as músicas regionais, que eram consideradas também
músicas sem cultura. É só o sistema precisar de uma moda nova
pra ganhar dinheiro, que eles resgatam a cultura nordestina e faz
explodir, como fizeram com a lambada, e agora com o forró. Eles
vão, põem um estilo mais moderno, um instrumento de aceitação
geral, e vira um ritmo pra popular, mas sempre existiu o forró! E o
funk, é a mesma coisa: ele não pode mudar a essência dele, pra
agradar ninguém de São Paulo ou de lugar algum. Tem que ser cru,
como é lá! Quando eu chego no Rio de Janeiro, eu ouço um funk no
rádio e eu falo: tô no Rio de Janeiro! É como você ver uma camisa
do Flamengo na estrada e você fala: tô no Rio! Muda o ar, é mais
quente, é o funk, são as mulheres, é o Rio! É a realidade! Então o
rap tem que compreender isso, é uma cultura muito forte, o rap
também é forte, a gente tem que se respeitar e tem que agir jun-
tos”, afirma. “É o mesmo povo, a mesma época! Nós vamos perder
tempo, dinheiro e saúde se continuarmos com essas idéias! Um
tem que respeitar o outro.”
que não curte, que não acha graça no funk e gosta mais do
rap o tempo inteiro; tem outros que já sabem ver o valor nos
dois estilos musicais – que são propostas diferentes, mas que
têm uma raiz em comum. Inclusive dentro do funk dá pra fazer
letras mais conscientes e dentro do rap você também pode
falar de coisas de curtição, como é mais o espírito do funk.
Hoje em dia o público brasileiro é bem eclético e eu acho que o
melhor caminho é esse mesmo.”
258
Graffiti e Breaking Vs. Rap 259
1 Caso.
2 Nunca ostentaram.
266 Acorda hip-hop!
Graffiti e Breaking Vs. Rap 267
268 Acorda hip-hop!
Magno acredita que o rap teve a sua parcela de culpa neste con-
flito, já que a sua projeção junto ao mercado, também foi mais
forte que a dos demais elementos do hip-hop. Magno se mostra
decepcionado com a postura dos rappers, mas consegue ver uma
luz no fim do túnel através da nova geração que surge no hip-hop:
“Alguns diziam: ‘eu faço parte do movimento rap’! Nunca houve
o movimento rap”, contesta. “É um bando de ignorantes, que
pegaram o bonde andando e não sabiam o que estavam fazendo
e falando”, critica. “Devido a esse bando de bobagens desses gru-
pos que estavam em ascensão, isso acabou ofendendo os b-boys,
que passaram a não considerar o rap nacional como música
apropriada para eles”, justifica. “Só que, graças a Deus, isso tá
mudando”, considera. “Tá vindo uma nova geração de MCs que
estão começando a cantar, e procurando se informar pra saber o
que é o hip-hop. Tá começando a ter uma geração de b-boys que
tão percebendo que a música do b-boy não é só o breakbeat, o
electro, o funk e o soul dos anos 70. Como houve a evolução do
rap, tem que haver a evolução da dança. E a dança está integrada
com a música. Esse novo rap está conseguindo unir de novo os
outros elementos”, garante.
274
Grupos vs. Bandas 275
uma experiência com um grupo que vai nesse sentido. Nos anos
anteriores, eu sempre toquei no estilo convencional, com MC e
DJ, com o grupo CulturalMentes. Agora com o Amandula temos o
desafio de conhecer a música como um todo. A gente vem fazendo
um som que é rap com influências de ritmos afro, percussões,
berimbau... Tem sido muito bom pra ampliar esse leque musical,
no sentido de conhecer melhor a música negra.”
que banda não é hip-hop. E também não dá pra falar que é inova-
ção. Banda é a coisa mais velha do mundo, formar uma banda é a
coisa mais antiga que existe”, diz. “A inovação mesmo tá na idéia,
na letra, no tipo de som. E, assim, o formato da banda é uma coisa
que o público já conhece, já aceita melhor, já assimila melhor. No
caso do Câmbio Negro, ele tocava em lugares que nunca nenhum
outro grupo de rap vai tocar, e isso sempre divulgado como uma
banda de rap, e não como banda de rock”, ressalta. “Então, eu acho
que a banda abre mais espaço pra você mostrar o som pra mais
gente. Se muda o som que o grupo quer fazer ou não, aí é ele que
decide. Não é porque eu tô sem toca-discos que o som vai ficar
diferente”, afirma. “A banda pode reproduzir muito bem a batida
do disco, tem bateria eletrônica também, tem bateria acústica, e
eu acho que é um caminho a seguir. Não sei se é o melhor ou o pior,
mas é uma tendência. Tem um monte de grupo de rock fazendo
rap, e caras que montaram uma banda de rock e começaram a
fazer rap. Por que o rap não pode formar uma banda e fazer rock
também misturado com rap? Aí depende mesmo de quem tá que-
rendo formar, abrir a cabeça e não se limitar na história.”
Rooney aproveita para explicar que o rap não surgiu com toca-
discos porque quis, mas por causa das condições da época:
“O hip-hop já surgiu com o toca-discos por causa do custo. Não é
muito diferente na favela! Na favela, não há condições de colocar
uma banda, que nem é feito no samba. O samba é uma coisa que
tem mais de cem anos, e todo mundo conhece, desde a minha avó
até o meu filho. O rap é uma coisa que não tem 20 anos no Brasil.
O toca-discos já é caro, imagine, então, banda, toca-discos e toda
uma infra-estrutura? Mas eu sou a favor de os MCs fazerem uma
fusion.”
3 Esse fato ocorreu quando Suave pertencia ao grupo Jigaboo, extinto grupo de
rap que tinha em sua formação além de Suave, o DJ Deco e o P.MC.
Grupos vs. Bandas 283
coisa que você começar, daqui pra frente, a querer fazer samba
numa bateria programada”, exemplifica. “Trocar 280 pessoas
tocando por uma programação de bateria. A mesma coisa é o rap.
É legal fazer outros gêneros, eu já gravei um monte de outras coi-
sas assim, tipo Rita Lee, João Jr., o próprio Charlie Brown e outros
por aí”, declara. “Eu acho legal pelo fato de estar se fazendo um
intercâmbio, que a gente não pode ser uma coisa fechada no meio
da música” reconhece. “Não pode querer fazer disso uma tendên-
cia, porque eu já vi vários músicos falando que uma música pro-
gramada não tem alma, e eu acho que não é bem por aí”, contesta.
“Na minha geração, muitos são testemunhas de que, quando
começou a surgir o rap, as músicas gringas começaram a chegar
e a gente só queria saber daquilo. Esquecemos que existia qual-
quer outro tipo de música”, relembra. “Eu acho que mais do que
alma, o rap tem essência e ele tem a nossa linguagem”, justifica.
Deco também alega que o custo gerado com uma banda ainda
não condiz com a realidade do rap:
“Quem já tocou com uma banda sabe disso. A estrutura de que
você precisa pra colocar uma banda no palco tá muito longe
daquilo que se oferece pro rap, que são alguns microfones e dois
canais pro mixer”, explica. “Quer dizer, se começar a enfiar isso
onde é feito o rap, já vai ter que mudar tudo”, considera. “Porque
com o cachê que se paga pra um grupo de rap não paga os músi-
cos da banda.”
288
Identidade do hip-hop carioca 289
Por outro lado, o Rio é uma grande metrópole e, por isso, sua
realidade diante da violência e da miséria não é tão diferente
ou mais amena em relação a outras cidades. Porém, no âmbito
musical, a situação é bem diferente. São Paulo, por exemplo,
possui um estilo de rap mais comprometido com as causas
sociais. Big Richard explica que essa diferenciação do rap no
Rio se deve a uma geração que, ao contrário dos outros estados,
teve seu primeiro contato com o movimento através da tecno-
logia. Algo que está muito longe das condições de uma comuni-
dade carente carioca:
“Se você for ver hoje o lado mais forte do rap carioca, você vai
ver o rap feito pela classe média”, ri. “Então, a classe média, ela
290 Acorda hip-hop!
294
hip-hop vs. Mulher 295
09. Hip-hop vs.
Mulher
296
CAP.09
Big Richard explica que por mais que muitos de nós se esfor-
cem para ser diferentes no hip-hop, ainda refletimos muito do
machismo da sociedade. Aproveita também para apontar outro
298
hip-hop vs. Mulher 299
não tem nenhuma diferença a não ser que nós somos de sexos
opostos”, finaliza.
que colocam a mulher como a mera vadia, que não presta, enfim,
todos aqueles estereótipos da vagabunda, ou o estereótipo que a
polariza, como o da mulher santa, chegando a parecer que exis-
tem apenas dois tipos de mulheres: aquela que é a santa Virgem
Maria ou a p... Madalena”, ironiza. “Só esse elemento, pra mim, já
é muito complicado, porque é um dos aspectos mais difíceis de a
gente debater até hoje: o que é padrão de comportamento sexual
e quem define o padrão de comportamento sexual de cada pes-
soa? As mulheres não têm o poder pra julgar o comportamento
sexual dos homens! Não conseguem fazer este questionamento.
Eu acho que nem devem também, porque essa coisa do compor-
tamento sexual é pessoal. Por outro lado, a gente reproduziria
essa coisa da sociedade de que o homem pode tudo. E aí, ele faz
tudo o que quiser, inclusive desrespeita. Algumas coisas também
que passam batido: se o cara violenta a mulher, isso fica dentro
de casa”, alerta.
10. Hip-h
313
314
hip-hop vs. Rap na mídia 315
“Não tem que ter medo, se surgir a oportunidade, você tem que
mostrar o seu serviço. Porque se o cara do rap ou do hip-hop que
é bom não mostrar, a gente vai ficar reclamando que não tem
espaço, sem razão pra reclamar”, critica Big. “Você reclama e,
quando esse espaço aparece, não aproveita a oportunidade. E se
o cara que for fazer a entrevista contigo vier na trairagem,1 você
tem que ‘tá’ suficientemente preparado pra saber contornar essa
situação”, adverte. “Eu tenho uma história de uma única vez, e eu
tô no hip-hop publicamente desde 1992, do cara que não colo-
cou realmente o que eu falei. E foi quando eu fui preso no Vale do
Anhangabaú, em 1994. O Ricardo Valadares, que trabalhou como
jornalista no Notícias populares, foi numa delegacia localizada
no Centro de São Paulo, pra saber por que eu tava sendo preso.
Eu falei pra ele: ‘agora eu tô sem condições, recebi o alvará de
soltura. Mas se você quiser, depois você me liga e a gente se fala
melhor. Eu tentei contornar essa situação assim”, explica. “Ele,
pra não perder a matéria, foi lá, pegou o boletim de ocorrência,
fez a matéria com o delegado, e colocou só a versão da polícia.
E ainda colocou coisa que eu não tinha falado”, conta, indignado.
“E aí, é onde eu digo que você tem que estar preparado, eu tinha
advogado na época, ele entrou com o pedido de direito de res-
posta, e o jornal deu um espaço bom pra resposta. A situação foi
tão boa que depois eu virei colunista do Notícias Populares, apre-
sentei festas com eles, o próprio aniversário do jornal, o único
debate que teve dentro do auditório da Folha de São Paulo, no ano
de 2000, falando sobre hip-hop e consciência negra fui eu que
organizei, associado a uma revista que eu tinha na época, a Hip-
hop Cultura de Rua. Aliado ao Notícias Populares, organizamos
um debate onde levamos o Rodrigo Brandão [ex-VJ do programa
Yo! MTV Raps], o DJ Hum, o Túlio Cam [sociólogo do Núcleo de
Violência da USP], e uma pá de gente. Tudo a partir de uma notícia
mal dada que esse mesmo jornal deu ao meu respeito”, lembra,
orgulhoso. “Eu abri um leque lá dentro. Então, se você tiver cons-
ciência do que você faz e firmeza naquilo que você divulga e se
propõe a fazer enquanto artista, não tem nenhum problema apa-
recer na mídia. Tem muita gente que me critica também, mas são
aqueles falsos críticos. Aquele cara que não teve a oportunidade
1 Falsidade.
318 Acorda hip-hop!
“Eu vou usar uma coisa que o próprio Malcolm X falava: a mídia
é uma faca de dois gumes. Tanto ela te corta, como ela te ajuda
a cortar. O hip-hop, pra ter a sua própria independência, ele não
tem que depender da mídia, ele tem todo o seu posicionamento,
sua essência pra não se vender, pra não virar a banalização de
um modismo. Mas os espaços de mídia são necessários. Os artis-
tas de hip-hop precisam se apresentar, precisam mostrar o seu
trabalho”, afirma. “Em certo momento, principalmente no Brasil,
já não terá mais como segurar; é como água escorrendo entre os
dedos. A mídia acabará se obrigando a abrir os espaços, por mais
que ela possa podar esses espaços da cultura hip-hop dentro
da televisão, principalmente o rap, chega um momento em que
não dá mais. Vai escorrer entre os dedos, caso do nosso saudoso
Sabotage,3 que começou a fazer essa ponte, mostrando o que é a
cultura hip-hop sem precisar se vender. Então, começaram a abrir
espaços que até então não se abriam. Por exemplo: ele foi ator
em filmes, começou a aparecer em programas de televisão, se
apresentar em alguns deles. Aí é que tá a importância de mostrar
a nossa cultura sem perder a essência. Vários b-boys aparecem,
alguns grafiteiros também, mas o importante é mostrar a essên-
cia da nossa cultura sem perder a originalidade.”
e tem uma chacina, você acha que tá tudo errado”, ressalta. “Que
diferença tem entre um filme e um rap falando de violência, que
é o que acontece no dia-a-dia? Existe essa situação e o rap tá
só contando essa história. Muitas dessas histórias são verídicas,
aconteceram com a própria família do cara que tá cantando. Aí
a mídia fala que o cara é marginal, bandido etc. O cara pode até
ser, mas nem todos são. Conheço muitos que não são! Nem todo
mundo é tão perigoso como se diz nas letras. Nas letras, é uma
fantasia, uma história. É como ler um livro, assistir a um filme,
uma peça de teatro.”
322
323
324 Acorda hip-hop!
5 Loucos.
6 Quadro extinto do programa Domingo Legal, do SBT, por exibir nudismo em
horário impróprio.
7 Programa da Rede Record.
hip-hop vs. Rap na mídia 325
332
O hip-hop e a Política 333
1 Embaraço, vergonha.
2 Celso Pitta, o primeiro prefeito afro-brasileiro e único, até então, de São Paulo.
334 Acorda hip-hop!
cito que vem da periferia, pra você poder induzir o teu vizinho a
votar no cara. Só que a gente também tem que ir atrás, lutar por
aquilo que a gente tá precisando. Não é só o dinheiro, porque na
época de eleição, todo mundo quer uma graninha, e aí esquece de
cobrar aquilo que você lutou, e tem um monte de gente que acaba
fazendo só por grana. A gente tem que entender que o hip-hop é
muito sério, a política do hip-hop é uma questão mais séria ainda,
e o militante é o cara mais importante dessa história, porque ele
faz, só que depois ele tem que dar continuidade. Não adianta
você eleger o político e fazer o cara tá lá dentro. Hoje a gente tem
que saber cobrar e, pra isso, a gente tem que estudar um pouco.
Vamos tomar cuidado pra não misturar as coisas, porque hip-hop
não é política! A gente pode usar o hip-hop dentro da política, da
filosofia etc. Mas uma coisa não tem nada a ver com outra.”
5 Policial.
340 Acorda hip-hop!
O hip-hop e a Política 341
342 Acorda hip-hop!
socia 12. O Hip-hop e sua ação socia 12. O Hip-hop e sua ação socia 12
12. O Hip-hop e sua ação socia 12. O Hip-hop e sua ação socia 12. O Hip-hop e
Embora ainda falte dinheiro nos cofres do hip-hop, em função
da falta de experiência por parte de muitos de nós, nada impede
que façamos algo para melhorar o intelecto das pessoas ao
nosso redor. É claro que não podemos abraçar o mundo com as
pernas, mas, se tentarmos transformar a nossa comunidade,
logo receberemos a atenção e o apoio popular devidos para
modificarmos positivamente nosso ambiente social, desper-
tando o encorajamento para enfrentar nossos problemas com
sabedoria. Este tipo de ação pode ocorrer com o breaking,
caso você seja um dançarino; com o grafite, caso você seja um
grafiteiro; ou com o rap, caso você seja um rapper ou DJ. Tais
atividades poderão acontecer com o apoio da igreja local, da
associação de moradores, da escola, da escola de samba ou de
todos juntos. Só cabe ao idealizador apresentar um bom projeto
para o desenvolvimento dessas atividades.
346
O hip-hop e sua ação social 347
“Eu queria ter feito muito mais, mas ainda é muito pouco o que
eu consegui! Eu queria ter uma independência econômica, aí
sim eu ia saber se é isso que eu quero mesmo. Então, quando a
gente coloca que o cara do movimento tem coragem de comprar
um tênis de 200 reais, e não tem coragem de investir na cultura,
você precisa chegar pra ele e explicar qual é a real. O trabalho
social não é só você ganhar a sua grana, e fazer o seu trabalho.
Não! Também é gerar os multiplicadores. Quando você começa
a mudar a cabeça de algumas pessoas que são difíceis, aí sim
o hip-hop tá começando a transformar aquele local. Eu trabalho
na periferia, onde muita gente do hip-hop não gostaria de atuar,
como é o caso do Jardim São Luís. Chego num lugar totalmente
excluído, sem endereço, com uma equipe como a Zulu e fazer um
trabalho de conscientização e cidadania.”
Nino acredita que um dos fatores que mais implicam para a pre-
cária ação social do hip-hop é a falta de conhecimento:
“O fato é que não se fala no quinto elemento [o conhecimento, de
acordo com a Zulu Nation]. Esse elemento surgiu pra pregar pras
pessoas que têm essa consciência ética e cidadã. O hip-hop não
vai formar nenhum artista, pelo contrário, todos já somos artistas.
A minha função não é formar um artista, mas sim um ativista! A
gente fala muito de consciência, mas que consciência é essa?
348 Acorda hip-hop!
Você vai num show, aí no final a galera sai do baile e faz arrastão
na rua? Não dá! Faço uma bela letra, canto a favor do meu povo,
ganho um dinheiro, depois vou morar num condomínio fechado?
Então, existem poucas resistências visíveis”, critica. “A Casa do
Hip-hop é a única casa da América Latina que trabalha o ano
inteiro a cultura hip-hop. E a Casa do Hip-hop é tipo um espelho:
o que der errado lá, todo mundo vai ficar sabendo! O que se tra-
balha lá são puramente aqueles elementos de que muitos estão
fugindo e que são os ensinamentos da Zulu: paz, amor, respeito,
união e diversão!”
que você sabe, e que isso vai se expandir e mostrar o que o hip-
hop pode conseguir através disso, eu acho que é viável.”
Bad acredita que o hip-hop já nasceu com esse papel social. Ele
só não concorda com a obrigatoriedade imposta para os seus
membros:
“O hip-hop, em si, ele já foi criado como uma ação social. Ele já
foi criado naquela direção de ocupar a juventude da época lá em
Nova York. E quando veio pro Brasil, em 84, foi direcionando o pes-
352 Acorda hip-hop!
356
CAP.13
358
O hip-hop nacional no mercado aberto 359
o mesmo que você, e as pessoas não tão nem aí, porque você tá
num mundo capitalista, e o capitalismo é isso: selvagem! E cada
um vem te engolindo da maneira que der! Há 15 anos, quando
começou a vender alguma coisa de hip-hop, ninguém acreditava
nele. Hoje todo mundo grava um disquinho, e é um comércio. As
gravadoras tão abertas pra você fazer mil cópias, 50 mil, 100 mil,
200 mil, um milhão de cópias como alguns artistas de hip-hop já
venderam. Ao mesmo tempo, há 10 anos não havia roupas! Hoje
tem 20, 30 marcas nacionais. Eu acredito que dentro de cinco, dez
anos, o hip-hop vai ‘tá’ no padrão que deveria ‘tá’ hoje: razoavel-
mente bom! Daqui a uns 20, 30 anos, com a força de periferia, eu
acredito que o rádio vai ‘tá’ aí, a televisão vai ‘tá’ mais aberta pra
nossa cultura, e o mercado vai abrir cada vez mais! Pra isso, tá
precisando de mais rádios, canais de TV, mais marcas, as pessoas
pararem de usar o surfwear, porque aqui [São Paulo] ninguém
anda na praia e surfa. Nós somos urbanos, com exceção de algu-
mas pessoas que moram no litoral, mas, apesar de a gente ter a
segunda ou a terceira maior orla do mundo, isso não quer dizer
que todo mundo é surfista! Então, eu acho que a gente pode usar
uma roupa de hip-hop mesmo na praia. Pode ter um bermudão
louco, uma viseira louca e um camisão florido, e você não vai dei-
xar de ser o que é! E, por enquanto, ainda não temos profissionais
do hip-hop. Precisamos de modelos pra capas de disco, estilistas
pra fazer desenhos de roupas, desenhistas, um bom produtor
musical; o espaço tá aberto pra todo mundo! Acho que você pode
inventar aquilo que quiser. Se quiser criar um boneco no estilo do
hip-hop, vai vender pras crianças, e todo mundo vai comprar, com
certeza”, acredita. “Se você entrar no site da Melissa,1 ela desen-
volveu um sapato escrito ‘Hip-hop’, aí, tem uma bonequinha preta
deitada e um rádio-gravador ao lado dela...! Então, o mercado taí!
Você tem que abrir o olho e comprar aquilo que você sabe a pro-
cedência, de quem é do hip-hop, pra poder gerar dinheiro dentro
dele mesmo.”
“A abertura tem que ter! Sem expansão não tem jeito! Mas todo
mundo que foi, se machucou. Isso começou com o DJ Raffa e os
Magrellos.2 O Xis também foi e se arrebentou. Quem foi pra gra-
vadora Trama, que tinha um dinheiro para investir, se arrebentou.
Porque o mercado fonográfico é muito perigoso”, adverte. “Se
ele for agora, ele tem que ter consciência. Ele tem que continuar
fazendo shows baratos na periferia, por exemplo. Não adianta ele
fazer show só em lugar bacana, que ele vai se afundar. O boy3 é
consumista e só! E, seis meses depois, ele não vai mais lembrar
de você”, alerta.
2 Grupo de rap nacional de estilo comercial que emplacou nos anos 80.
3 Playboy.
O hip-hop nacional no mercado aberto 367
370
Rappres pretos vs rappres brancos 371
falar: ‘isso aqui é meu! Isso aqui sou eu que faço!’ Qualquer bran-
quinho que vier, vai ser tirado, porque a quebrada é nossa, e não
tem pra ninguém! Só que isso não tira o direito de alguns brancos,
que se identificam com a cultura, de ficarem impedidos de fazer”,
justifica. “A gente fala mal dos MCs branquinhos só quando eles
incomodam. Muita gente fala mal do Eminem,1 porque o cara é
branco! O cara é branco, mas o cara é bom!”, afirma. “Ninguém
fala, por exemplo, do MC Surk, lembra dele? Do grupo 3rd Bass...?!
O cara é branquinho, mas ninguém fala mal dele porque o cara
bate no Vanilla Ice no clipe de ‘Pop goes the weasel’. Ninguém fala
mal dos Beastie Boys, por quê? Eram os Beastie Boys e o Run DMC
os f... (bons)?!, exemplifica. “Aqui no Brasil tem o Paulo Napoli, o
De Leve, o Suave [rappers brancos]. Mas o pessoal fala mais mal
do Suave, porque no meio dos branquinhos todos um dos poucos
bons é ele”, considera. “O Gabriel também é bom! Falam mal dele,
entendeu? Todo mundo fala mal de quem é bom, não de quem é
ruim. O ruim não faz sucesso”, ironiza. “Vai falar mal de quem já tá
mal falado? Todos somos músicos, e o rap só vai crescer a partir
do momento em que ele respeitar a si mesmo, e os outros estilos
musicais.”
1 Rapper dos EUA, que se revelou no início dos anos 2000 por contestar a socie-
dade e ironizar os artistas pop, os movimentos gays e até a própria mãe.
Rappres pretos vs rappres brancos 373
Suave admite que o rap sempre será a música dos pretos. Ele
também ressalta que o rap tem sido um veículo importante no
Rappres pretos vs rappres brancos 375
abriu! Foi o Mar Vermelho dos pretos! Então, eles não podem ‘tá’
reivindicando uma parcela do rap, porque isso não é justo!”
Vale ressaltar que faixas como o remix de “Walk this way” ser-
viram para unir dois públicos que não se ouviam – os pretos
e os brancos – pelo simples fato de a música ser metade rap,
metade rock. Em cima dessa questão, Erik Parker, colunista da
revista Vibe, explica:
“‘Walk this way’ abriu as portas do mainstream e foi uma enxur-
rada. Outros discos surgiram logo depois. Fight for your right to
party, dos Beastie Boys, fez muito sucesso. É um disco de rock
pesado, mas não é de hip-hop. Mesmo assim, eles faziam rap.
Então, abriu as portas para uma colaboração entre o rap e o rock,
e também fez com que a juventude branca começasse a entender
o rap e a aceitá-lo. Antes havia a divisão racial. Agora, o rap trans-
cende a divisão racial. Passamos a ver qualquer raça fazendo rap.
Há rappers de todas as cores e em todos os continentes...”
382
Rap político vs. Rap marginal 383
‘Se liga homem, não importa o meu nome, mas o que eu vou dizer
Veja o que eu fiz pra você
Sou movido a Neston e Tubaína
Eu prefiro cevada, uma brejinha
À cocaína...
Desculpa aí, mas você se enganou, me julgou
Mas não sabe quem eu sou
Respire, inspire, fume o hip-hop
Você também pode
O meu som não é de drão, é de revolução
Venha junto, me dê as mãos
Somos a nova onda do hip-hop, hip-hop-uha-aha! Trazendo novos ares
Ressuscitando os ideais de Palmares
O povo que pensa sabe, o crime não compensa
A gente tenta
Inventa novos caminhos
E na batalha da vida não estou sozinho
Por isso agora vou apresentar minha rapaze
Gente que chega e vem pra arregaçar...’”
1 Impostor.
Rap político vs. Rap marginal 385
meu mano Sabotage, que era um cara nota 10, merece ser con-
siderado e era um cara simplesmente verdadeiro. Mas 99,9% são
uma pá de comédia querendo ganhar um qualquer dizendo que é
bandido, e não é p... nenhuma.”
Bonga não esconde a sua predileção pelo rap político, que julga
ser mais real do que o marginal. Para ele existe muita fantasia
naqueles que fazem um rap meio marginal, pois a grande maio-
ria não viveu sequer aquilo que canta:
“O microfone tem um poder muito grande. A molecada é muito
influenciável. Todo mundo que tem seus ídolos se deixa influen-
ciar por eles. Então, o poder da palavra, ele é muito forte. A
questão do gangsta... Será que existe gansgsta no Brasil? Será
que não é uma parte da cultura que vem dos chicanos? O que eu
questiono é o seguinte: pra falar do cotidiano você tem que ter
base. Se você quer falar de crime, de marginalidade, você tem
que vivenciar, fazer parte disso. Você não pode ser hipócrita, falar
de cadeia e nunca ter visitado um camarada seu dentro de uma
cela”, critica. “A hipocrisia é derrubada assim, quando você fala de
onde você vem realmente, a essência que você vive. E se você vive
isso, então, você tem razão de falar. Se você não vive, então, isso
é uma grande mentira e você tá criando uma situação que é equi-
vocada pra você e pros outros”, ensina. “O rap político é positivo
em termos de construção, algo que passe uma mensagem. Não
é só você reclamar da situação do sistema, do governo, porque a
gente culpa o sistema e o governo mas grande parte da culpa é da
própria população”, ressalta. “Será que o problema não tá muito
entre a gente também? Quem passa a mensagem tem que passar
uma mensagem positiva, não só criticar, mas mostrar uma saída,
um caminho, mostrar uma construção. É muito fácil você falar de
um montão de coisas, criticar um montão de coisas, falar que dá
tiro, e nunca deu tiro. Falar de preto e nunca foi preto. Falar de
cadeia e nunca foi preso. Aí é que tá: seja verdadeiro! Seja você
mesmo! Enquanto você fala um montão e critica alguém, e você
tá na sua casa com as pernas pra cima, alguém que abraçou a sua
idéia vai ‘tá’ sofrendo por isso”, adverte. “Se você fala pro moleque
dar tiro, o moleque vai dar tiro e vai morrer, e você vai ‘tá’ na sua
casa. Pensa nisso!”
386 Acorda hip-hop!
Rap político vs. Rap marginal 387
388 Acorda hip-hop!
todo mundo é bandido! Nem todo mundo que canta o gangsta rap,
se é que eu posso dizer assim, é o ladrão, o bandido, o traficante.
Eu conheço muitos grupos de rap que nunca cometeram nenhum
delito. A gente tem que prestar atenção nessa idéia também, por-
que o rap é muito cineasta: faz o filme, mas nem sempre você tem
que interpretá-lo. Então, vamos prestar atenção ao conteúdo de
cada letra, e à história de cada artista, porque nem todo artista é o
personagem real da sua letra.”
3 Caixão funerário.
392 Acorda hip-hop!
Essa é uma luta que o rap vai travar até o fim em nosso país,
mas uma pergunta persiste: existe realmente o gangsta rap no
Brasil? A meu ver, não. O gangsta rap foi uma linguagem muito
própria dos guetos afro-americanos, e não se compara à nossa
linguagem.
394
Precisamos nos questionar sempre se estamos no hip-hop por
militância convicta ou interesses próprios, e se for pela segunda
opção, eu lhes pergunto: interesse em quê exatamente? Talvez
muitos de nós estejamos no movimento errado, pois alguns
querem ganhar muito num curto espaço de tempo e sem medir
as conseqüências, que podem prejudicar o companheiro.
396
Ativismo pesado ou excesso de realismo? 397
você ser conhecido, e dali você seguir essa linha. Isso não é bom,
porque fica rotulado logo da primeira vez que te ouvem”, adverte.
“Então, você vai ter que ser pesado pelo resto da vida. Se amanhã
você mudar, você não é ninguém, é um mentiroso. Com certeza,
é excesso de realismo. Aí a gente cai naquilo: ‘essa é a realidade
que eu vivo! Essa é a realidade da periferia!’ Não dá pra gente
falar que todo mundo que mora na periferia vê um presunto por
dia. A periferia é muito grande. Há os focos de violência que todo
mundo sabe onde são, mas também não é assim como contam
nas letras. Tem gente de bem que morou na periferia a vida inteira,
e nunca foi assaltada”, exemplifica. “Então, não podemos genera-
lizar e dizer que é isso e acabou.”
1 Excelente.
2 Filme de ficção científica lançado em 1999, dirigido por Andy e Larry Wachowski.
400 Acorda hip-hop!
Bad diz que o rap tem levantado uma violência fictícia que só se
encontra no imaginário de quem o faz:
“Na minha opinião, os dois, o ativismo pesado e o excesso de rea-
lismo, têm o mesmo peso nesta questão. Têm povos que sofrem
muito mais que o povo negro, e não choram tanto. Por exemplo,
os judeus sofrem até hoje. Só que, em 50 anos, eles criaram uma
nação superpoderosa. Já os negros não criaram. Não tiveram
oportunidade? Tudo bem, foram escravizados há pouco tempo
pra que pudessem reagir”, admite. “Eu nasci num bairro peri-
goso como a maioria das pessoas. Se fosse o tanto de tiro que
o pessoal canta nas músicas, o chumbo não valeria nada. Os
caras falam que acordam de manhã, e é tiro que mata o outro. Só
tem morte ou eles resolveram fazer igual a um jornal policial? Só
contar desgraça? Quem é que vai ficar escutando só desgraça?
Tudo bem, tem quem goste! Então, continua cantando, continua
ouvindo. Mas que realmente pra mim é um exagero, é um exagero.
Ouvir tiros, todo mundo ouve, mas do jeito que estão cantando
é apologia mesmo”, acredita. “Eles falam do crime, do tráfico,
mas eu ainda não vi ninguém ter a moral de falar o que é bom
ou ruim. Ficar falando, falando, falando, é só divulgar desgraça
mas ninguém tá dando opinião em cima”, declara. “Todo mundo
fala que dá tiro, que é o bambambã, mas não vi ninguém cantar
numa música que tiro dói! Que tiro aleija! Que tiro mutila! Por
quê? Tá com medo de algum mutilado chegar e cobrar a bronca?4
Estão poetizando muito a marginalidade”, critica. “Tão pintando o
quadro da violência, mas pra deixar bonito e não pra deixar real
mesmo do jeito que é.”
4 Tirar satisfações.
402 Acorda hip-hop!
406
hip-hop contra as drogas 407
Eu acho que a gente tem que ter uma certa postura também, se
a gente é referência para a maioria dos adolescentes que estão
formando a sua identidade. No entanto, sou contra chegar e falar:
‘drogas, blah!’ Esse chavão aí é coisa de burguês, e eu acho que
não tem nada a ver com a nossa realidade. A droga tá na nossa
cara, na nossa porta. Como passar essa história sem parecer cer-
tinho demais? Tendo a postura mesmo de referência e mostrando
pra molecada que a gente é contra, mas porque prejudica mesmo!
Isso aí foi colocado pra gente se f... e ficar f...no mundo mesmo!”
3 Cheirar cocaína.
418 Acorda hip-hop!
Mas eu acho que o rap deve alertar àquelas pessoas que se exce-
dem, e isso vale pra qualquer coisa. Eu tomo a minha cerveja no
final de semana, mas não sou viciado em álcool. Até mesmo o
rap: se você ouvir muito ele, pode ser prejudicial à saúde”, ironiza.
“Então, cuidado, vocês que ficam as 24 horas do dia ouvindo raps
de má qualidade!”
422
Estamos confrontando o sistema 423
ou a nós mesmos?
que pelo hip-hop a gente vai garantir emprego pra todo mundo,
e não vai, a gente também não muda nada, a gente vai continuar
confrontando a nós mesmos”, admite. “A partir do momento que
eu achar que é o hip-hop que vai trazer emprego pra todo mundo,
por exemplo, eu vou começar a tretar com você, porque você con-
seguiu um trampo ali e eu não!”
2 Donos da razão.
3 Convencida, soberba.
430 Acorda hip-hop!
ser mudado. Cabe a nós mudar. A gente tem todo o espaço daqui
pra diante pra mudar esse sistema e não ficar parado reclamando,
só dizendo que é culpa dele a gente ‘tá’ nessa situação”, critica. “O
mundo se tornou civilizado justamente nas guerras, porque um
povo tinha que mostrar mais poder que o outro. É isso que a gente
tem que fazer: se o sistema é contra a gente, então, a gente tem
que lutar contra isso”, declara. “Mas cabe a gente arregaçar as
mangas e fazer. Falar é fácil, mas vestir a camisa é difícil.”
432
CAP.19
União 433
ro
Muito se prega e muito se cobra dentro do nosso movimento
a respeito de “união”. No entanto, vemos que na maioria das
vezes ela não acontece. Será que entendemos o seu verdadeiro
significado?
434
União 435
Por outro lado, quem está de pé que tome cuidado para não cair.
O problema não se encontra tão somente na base. Ofertas inde-
corosas nos tragam a ponto de negligenciarmos nossas origens,
e a usamos somente no intuito de autobenefício e não dentro de
um conceito coletivo.
da música, ela passa a não gostar mais. Eu acho que isso é falta
de união e de aprendizado, falta de profissionalismo. Falta muita
coisa pro rap como música e pras pessoas que fazem o rap. Pras
pessoas também que têm a responsabilidade de divulgar o rap,
falta muita coisa em em termos de união!”
DJ Deco
Big Richard
União 437
Magno C-4.
Mara
RDO
“A palavra união tem que vir sozinha pra que todos entendam o
sentido dela. Se vier com ganância, dinheiro, vaidade e outras coi-
sas negativas, porque hoje é normal falar ‘vaidade’, que virou uma
expressão bonita, não é união. A inveja mata!”, afirma DJ Johnny.
“Se um cara se destaca, ele já não faz mais parte da banca.1 A
gente tá em sete aqui,2 se um chegar a ganhar dinheiro, ele vai
ter compromisso. Por ele passar menos tempo com a gente, nós
vamos falar que ele debandou. Então, a união é a maior mentira
do rap!”, desabafa. “Ninguém é unido! Todo mundo quer para si!
O egoísmo impera! Aquela história: ‘eu tenho, eu ajudo.’ Ajuda
por obrigação, pra não ficar mal. Isso quando ajuda, quando não
mente também”, critica. “Então, é um bando de safados e men-
tirosos. Os caras que ajudam, dá pra contar nos dedos, e os que
contam nos dedos, ajudam porque outros dão dinheiro (...). São
poucos que ajudam de coração. A união não existe, é inveja”, desa-
bafa. “Se você tá fazendo seu CD no estúdio tal: ‘tá virando boy!’
ou ‘tá com dinheiro e não anda mais com a gente!’ Você tem que
ser um eterno viciado, pobre, zoado, morando mal e longe, sem
carro, sem emprego, sem dinheiro, sem p... nenhuma, pra ter res-
peito no hip-hop. Aí você é aliado, mano, você é o cara”, ironiza DJ
Johnny. “A união, pelo menos por aqui, evita o crescimento.”
DJ Johnny
1 Expressão usada pelos rappers para designar um grupo de amigos que agem e
pensam do mesmo jeito.
2 Havia sete pessoas no momento da entrevista.
440 Acorda hip-hop!
DJ Marcelinho
Bonga
“Todo mundo tem ego, todo mundo quer fazer do seu jeito. Por
exemplo, o meu parceiro de 20 anos de hip-hop, DJ Ninja, a gente
não se entende mas a gente tá unido! Ele quer fazer do jeito dele,
eu quero fazer do meu, a gente briga, a gente faz! Cada um faz
do seu jeito! A gente se respeita. Quer dizer, nós nascemos dife-
rentes, todo mundo é diferente”, afirma Rooney Yo Yo. Se existe
união? Acredito que não! A idéia de ter união é única, mas pra
poder fazer isso valer, primeiro, tem que respeitar os limites de
onde o seu direito começa e o do outro termina, e assim vai. A
gente tem que ter respeito pelo próximo! Já é um bom passo! Pra
ter união vai demorar muito, porque todo mundo tem que pensar
igual, todo mundo tem que fazer as mesmas coisas e cada um
faz o que quer, como quer”, explica. “As pessoas precisam fazer
aquilo que elas têm vontade. Entre dez, um só fazer é uma coisa;
agora, você, os seus DJs, dançarinos, grafiteiros, todo mundo
pensar igual, e cada um dominar o mesmo setor de uma maneira
União 441
única, fica difícil. Não acredito que tenha união! Mas todo mundo
tá caminhando por coisas parecidas, e isso acaba tendo um sen-
tido positivo em algum ponto.”
Rooney Yo Yo
“Eu consigo conviver com vocês aqui numa boa, mas há pessoas
que não sabem viver em união! Porque as pessoas estão estre-
las demais. Não pegam nem na tua mão. Esse negócio de ir pra
show e falar que tem que sair fora porque tem grupo famoso, pra
mim isso não é união! O James Brown, quando ele fazia o show
dele, ele queria que as pessoas saíssem do show com energia
positiva, com garra, e não com a sua auto-estima baixa. Não tem
união, mas têm aqueles poucos que lutam por ela. Então, vamos
nos juntar àqueles que querem o mesmo que a gente! O hip-hop
tem o sentido de família. São 20 anos de hip-hop no Brasil. Ele
tá engatinhando ainda. Nós ainda não temos uma data definitiva
pra comemorar e nem local. Mas eu acho que precisamos ter ao
menos maturidade, humildade para conhecê-lo, porque até eu
mesmo não o conhecia como movimento”, confessa. “Eu quero ser
verdadeiro! O hip-hop não pode morrer por erro de muitos!”
Nino Brown
Bad
Suave
Só Calcinha
“União, em todo o tipo de trabalho, é uma coisa que tem que ser
conquistada aos poucos. Depende só da vontade do grupo. A gente
tá falando de um movimento que envolve muita gente. Não é fácil
transformar isso numa coisa que tenha realmente uma união
sólida. Indiretamente, tá todo mundo junto, um contribui com o
outro. Normalmente eu vejo pequenas ações isoladas de cada
um, o sucesso isolado de cada um também, como uma coisa que,
mesmo que indiretamente, fortalece a todos. É claro que quanto
União 447
Gabriel O Pensador
Mano Brown
448
CAP.20
(Daniel 11:36)
“E se fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força; e des-
truirá maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver; e
destruirá os poderosos e o povo santo.”
(Daniel 8:24)
(Apocalipse 17:13)
450
Unificação do hip-hop 451
(Romanos 16:20)
Sobre o autor
TR é membro do movimento hip-hop há 15 anos. Nascido na
Cidade de Deus, iniciou sua carreira como DJ, acompanhando
o rapper MV Bill por quase 10 anos. Paralelamente, dedicou-se
a pesquisas sobre o hip-hop, palestrando em escolas dentro de
favelas, centros culturais, universidades, fóruns, simpósios etc.
Ingressou na carreira de escritor no extinto jornal Afroreggae
Notícias, do grupo Afroreggae. Escreveu por dois anos para o
jornal Estação Hip-hop (SP). Foi coordenador da extinta ATCON
(Associação Atitude Consciente). É membro da organização
Zulu Nation Brasil. Colaborou na pesquisa das obras Abalando
os anos 90 e Funk e hip-hop invadem a cena, do professor da
UFRJ Micael Herschmann. É também membro fundador do
COMDEDINE (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do
Negro). Atualmente é colunista dos sites “Rap Nacional” (rap-
nacional.com.br), “Enraizados” (enraizados.com.br), “LUB” (lub.
org.br), “Zulu Nation Brasil” (zulunationbrasil.com.br) e “Rio
Festa” (riofesta.com.br). Por último, é pesquisador do “Projeto
Geração Hip-hop” (SESC-RJ/ FINEP), e Educador Social da Pre-
feitura do Rio, onde atende moradores de rua.
455
Este livro foi composto em Akkurat.
O Papel utilizado para a capa foi o cartão Suprema 250g/m2,
Para o miolo foi utilizado o Pólen Bold 90g/m2
Impresso pela gráfica Imprinta Express LTDA. em novembro de 2007.