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ViajandocomEckhout

Recife · 2002
Roteiros para viajantes-professores
Sumário

Convites para uma viagem


Duas perguntas às professoras e aos professores 3
JoaquimFalcão
Educar é preciso! 5
ReginaBatistaeSilva
Carta aos professores e às professoras 7
NúcleoEducação
Aventurar-se 9
Olhando pelo telescópio: potencialidades das expedições 12
Viajando com Eckhout pela pluralidade das etnias 19
Viajando com Eckhout e encontrando culturas 26
Viajando com Eckhout e celebrando a natureza 33
Diário de bordo — a memória da viagem 40
Glossário 41
Bibliografia recomendada 46
Anexos
Arte e Ciência no Brasil Holandês 48
EllydeVries
Lendo a linha do tempo 53
RobertaAymar
Linha do tempo 56
Duasperguntasàsprofessoras
eaosprofessores

JoaquimFalcão

Permitam que faça algumas perguntas nhos e intrigantes, como caranguejos.


aosnossosprofessores.Sãoasseguintes: Uma mata, uma terra, um mar, uma pai-
oquemaischamouaatençãodeEckhout sagem de grande beleza e novidade, um
quandoesteveaquinoRecifeeemOlinda deslumbramentoenfim.
há mais de trezentos anos? O que tanto
o impressionou, a ponto de inspirar sua Finalmente, Eckhout viu também uma
pintura e sua arte? Depois: qual a princi- cultura muito diferente da sua. As pes-
pal tarefa da professora ao apresentar soas se vestiam diferentemente. Co-
Eckhout a seus alunos? Como podem miam de forma diferente. Tinham re-
entender, hoje, uma arte feita há cen- ligiões estranhas. Eram até antropó-
tenas de anos? Vejamos as respostas, fagas! Falavam línguas incompreensí-
umaauma. veis, tomavam banho diariamente.
Hábitos estranhos quando compara-
Primeiro, Eckhout logo percebeu que dos com os seus.
nosso povo, o brasileiro de então, não
era branco como o europeu. Era dife- Eis aí uma possível resposta para a nos-
rente. Era uma mistura de etnias: bran- sa primeira pergunta. O que chamou a
ca,negraeíndia.Era,comoaindasomos, atenção de Eckhout e que ele fixou para
e a cada dia mais, um povo mestiço. a eternidade, em suas pinturas, foi uma
Mameluco. Ameríndio. Foi uma grande natureza múltipla e exuberante, um
novidade. Diversidade étnica. povo mestiço, a partir de várias étnias,
e uma cultura diferente, nem bárbara,
Segundo,Eckhoutviueseencantoucom nem européia.
uma natureza exuberante e delicada ao
mesmo tempo. Diferentes fauna e flora. Qual então a principal tarefa da profes-
Nada parecido com seu país, com a Ale- sora ao apresentar a seus alunos esses
manha. Frutas e flores nunca antes ima- quadros, esse olhar de Eckhout sobre
ginadas, como hibiscos; animais estra- Pernambuco, sobre o Brasil?

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Ao meu ver, a tarefa fundamental só Eckhout, um futuro que nos engrande-
pode ser uma: estimular para que todos ça, na preservação da natureza, na cele-
entendam e gostem ainda mais do nos- bração do povo mestiço e no respeito
so Recife, do nosso Pernambuco, do às diferenças culturais.
nosso Brasil. Estimular a auto-estima do
brasileiro. Que o aluno defenda, prote-
ja e preserve nossos rios, nossos mares,
nossas matas, nosso ar, nossa cidade. E
não aceitem a poluição, a destruição, a
devastação. Celebrem nossa natureza
como a beleza que Eckhout retratou.

Que nossos alunos se orgulhem de nos-


so povo, forte, plural e mestiço, como
Rivaldo ou Ronaldinho. Que nossos alu-
nos combatam a discriminação racial, o
preconceito e a desigualdade social.

Por fim, que nossos alunos pratiquem,


no dia-a-dia, a nossa cultura, a nossa
música, a nossa dança, a nossa culiná-
ria, os nossos sorvetes das frutas que
maravilharam Eckhout; se orgulhem de
nossa maneira de ser; que sejam nor-
destinamente brasileiros.

Tudo isso pode ser feito, e a professora


pode mostrar aos alunos, através do
olhar de Eckhout, que parte do passa-
do, mas que agora é o presente, não
mais de Eckhout, mas nosso. Um olhar
que, sendo crítico, é, sobretudo, cons-
trutivo. Que explica e rejeita a antropo-
fagia, por exemplo, e defende a solida-
riedade social. Um olhar de esperança
no futuro dos próprios alunos. Sem que
o aluno acredite que o futuro possa ser
melhor que o presente e o passado, não
haverá futuro. A principal tarefa do pro-
fessor é esta: é buscar, através de

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Educarépreciso!

Regina Batista e Silva


Museóloga

Iniciar um novo trabalho exige esforço educativa e cultural para a exposição


concentrado e objetividade no que se AlbertEckhoutvoltaaoBrasil1644–2002.
quer atingir. Implantar uma proposta
de educação e ação cultural em museus Congregando instituições de ensino
é sempre um desafio para museólogos público e privado, educadores,
e educadores que reconhecem a neces- museólogos e técnicos numa visão
sidade de novas práticas pedagógicas multidisciplinar — Arte, História, Ciên-
para além das funções tradicionais dos cias, Geografia e Literatura Portuguesa
serviços de informação. O desafio é, —, propomos uma programação volta-
portanto, encontrar novos enfoques e da para a capacitação, a formação do
estratégias para a apresentação de ex- olhar e a apreciação da obra de
posições e para a organização de ativi- Eckhout, reunida num conjunto de 24
dades pedagógicas e interativas, que telas pintadas em Pernambuco por esse
permitam ao museu motivar os indiví- artista e botânico holandês, que esteve
duos a encontrar sua própria identida- no Brasil há 360 anos com o Conde
de e a compreender o mundo que o ro- Maurício de Nassau. Essa relação entre
deia. Despertar a consciência cultural do arte, ciências e identidade cultural sina-
público, motivá-lo a aprender algo novo lizou para uma prática pedagógica inte-
e ganhar sua simpatia e seu apoio é ta- grada como forma de consolidar o en-
refa que só poderá dar certo com a to- tendimento entre a produção de Albert
tal participação e cooperação do con- Eckhout no séculoXVII e a vida brasi-
junto de profissionais envolvidos com leira contemporânea. O compromisso
a educação e o patrimônio. com a educação, mais uma vez, faz-se
presente, beneficiando o público em
Para ilustrar claramente essa experi- geral, que recebe o seu passado trans-
ência, o Instituto Ricardo Brennand está formado, por assim dizer, tratado e apre-
vivenciando pela primeira vez uma ação sentado através de métodos que são

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próprios da comunicação museológica, momento de crescimento não apenas
ou seja, a exposição. intelectual, mas também lúdico; um lo-
cal de evocação das origens, um
A proposta educativa consistiu em for- referencial para o entendimento da cul-
necerosmeios deconhecimentodaobra tura brasileira. Dessa forma, é que en-
de Eckhout, com o intuito de facilitar tendemos o indivíduo como senhor de
sua interpretação, a partir dos seguin- si mesmo e dos seus conteúdos, a par-
tes referenciais: a história local, nacio- tir do acesso a coisas, lugares, proces-
nal e mundial; Pernambuco, Brasil, sos, acontecimentos e registros. A ga-
Holanda e Europa no século XVII; re- rantia desse acesso representa, em sín-
lações interétnicas e culturais, meio tese, um passo importante no processo
ambienteepaisagem. de transformação do indivíduo em ci-
dadão e sujeito de sua história.
Ao mesmo tempo, julgamos importan-
te fundamentar os conhecimentos abor-
dados, pois, no contexto atual, arte-edu-
cação não representa mais trabalhar
materiais e técnicas, mas, sim,
instrumentalizar o olhar para a compre-
ensão da realidade onde a arte se inse-
re. E o professor, enquanto educador,
é o mediador e responsável pelo acesso
aos novos códigos de leitura da obra de
arte, condição para o desenvolvimento
do aluno e de possibilidades de estabe-
lecer uma reflexão crítica sobre os fe-
nômenos artísticos.

Nessaperspectiva,aexposição, comolin-
guagem de comunicação da arte, permi-
te usar simultaneamente de todas as fa-
culdades do conhecer, do sentir, do cons-
tatar, do refletir e do interpretar, num
cenário/exposiçãoondeoaprendizadose
realiza de modo comprometido e
envolvente, mas sem o formalismo do
sistema tradicional de ensino, o livro.

Esperamos, assim, que essa exposição,


pelos conteúdos que propõe, seja um

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Cartaaosprofessores
eàsprofessoras

Núcleo Educação

O convite é para uma viagem! dentro de nós mesmos e de nossos par-


ceiros, frente à realidade que se apre-
Qual é o passaporte necessário? O que senta. É deixar que nossa pele/corpo
levar em nossas bagagens? Quem parti- sensível penetre no universo que nos é
lharáconoscodasdescobertasetambém oferecido, sem deixar de lado as nossas
das inquietações que surgem quando referências, para que possamos expan-
adentramos em campos ainda pouco di-las para aspectos nunca antes perce-
explorados? O que é sentir-se como um bidos, e sem deixar também a realida-
estrangeiro? de conhecida, para que possamos vol-
tar a percebê-la sob novos ângulos e
O mundo, mesmo sendo uma realida- perspectivas.
de já conhecida, pode vibrar do lado
de fora de nós. Sempre há o que captu- É para esta viagem que você é convida-
rar pelo olhar, pelo ouvir, pelo tatear. do. Uma viagem adornada com o tapete
Sentir o cheiro, a textura, o gosto. Sen- vermelho da memória e da percepção,
sação de encantamento ou de com o colar de flores da imaginação e
estranhamento? Nosso olhar vagueia, com a luminosidade do mistério, da
passeia ou nem repara? magiaedassensações.
Do lado de dentro, filtrado pela nossa O seu passaporte será o desejo, a curio-
pele/corpo sensível, o que vemos desen- sidade e a sensibilidade. Mas você não
cadeia, de muitos modos, imagens in- embarcará sozinho. Tal qual a expedi-
ternas que se movem e se transformam ção interdisciplinar que trouxe Eckhout
pelo modo de ver, ouvir, tatear, sabore- em 1636, você estará junto com outros
ar as imagens do lado de fora. professores, atentos e sensíveis a aspec-
tos múltiplos e diversos que o espaço
Iniciar uma viagem é estar atento ao que expositivo revelará. Estará também com
acontece do lado de fora e do lado de as peles/corpos curiosos de seus alunos

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aprendizes. Pode ser que alguns ainda é encontrar novas terras, mas ter um
não tenham visitado uma exposição ou olhar novo”.
não tenham visto quadros tão grandes
ou tão antigos. Vamos lá?!

A cada vez que você estiver diante das


obras de Eckhout, como você será cap-
turado? Como seus alunos serão captu-
rados? Como é estar na presença de
imagens antes conhecidas em reprodu-
ções de livros, jornais, slides...?

Diante de uma obra de arte, nosso olhar


recolhe sensações, percepções, informa-
ções. Ao mesmo tempo, a obra também
nos olha e nos interroga. Para onde esse
nosso olhar/viagem pode nos levar? Va-
lorizar o passado? Compreender o pre-
sente? Projetar o futuro?

Parasuabagagem,oferecemosestema-
terial de apoio. Nele, mapeando o acer-
vo presente na exposiçãoAlbertEckhout,
exploramos possibilidades de desloca-
mentos interpretativos pontuados por
roteiros, hipóteses possíveis e questões
instigadoras. A perspectiva dialógica
que o orientou, buscou realçar idéias
possibilitadoras para que cada profes-
sor, a seu modo e com seu grupo de alu-
nos, possa aventurar-se no território das
imagens de Eckhout.

Na condição de viajantes, espera-se que


o percurso poético seja inventivo para o
aprender e o ensinar de novos olhares
sobre a arte, a cultura, a ciência e a vida.

Como dizia Marcel Proust: “Uma ver-


dadeira viagem de descobrimento não

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Aventurar-se

Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava Inglês.


A noiva do cowboy, era você, além das outras três...
Eu enfrentava os batalhões, os alemães e os seus canhões,
guardava o meu bodoque e ensaiva o rock para as matinês.
Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz.
E pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz!
Chico Buarque de Holanda

Viajar, conhecer territórios desconheci- Pequenos deslocamentos como esses


dos, descobrir novas paisagens, novas podem gerar novas percepções sobre
pessoas... os outros, sobre nós mesmos e o mun-
do que habitamos. E o que pode gerar
Nas memórias de infância de todos uma viagem que é especialmente pre-
nós, as viagens se fazem presentes. parada para chegar a territórios desco-
Reais ou imaginárias, de verdade ou nhecidos ou pouco conhecidos? Quan-
vividas nos jogos simbólicos, viaja- do visitamos um museu, seja qual for
mos... É na felicidade das brincadei- o seu acervo, adentramos num territó-
ras, viajando para a lua ou para luga- rio a ser explorado e revelado aos nos-
res longínquos, que vivemos a atitude sos corpos de viajantes da cultura.
de quem faz expedições e conhece o
mundo, com todo o corpo, vigilante Este material que você tem às mãos, foi
às novas descobertas e ao reconheci- construído por muitas cabeças viajantes,
mento do que já se conhece. com o desejo de trazer à tona o que ainda
não se sabe, não se conhece, não se viu,
E hoje, como educadores, para onde vi- através das pinturas de Albert Eckhout.
ajamos? Talvez muitas viagens estejam
sendo sonhadas... Mas, se nosso corpo/ Antes de iniciar essa viagem, imagine-
olhar se faz viajante sensível e atento, se como um viajante a um território
uma viagem pode se tornar real quan- desconhecido e pergunte-se: O que se-
do visitamos a praça próxima, a rua de ria imprescindível levar nessa viagem?
nossa casa ou da escola, ou mesmo a
casa do vizinho; quando nosso corpo/ Talvez sua preocupação inicial seja re-
olhar identifica as semelhanças e perce- colher todas as informações possíveis,
be as diferenças nos modos de viver, como mapas, prospectos, reportagens
pensar e habitar os territórios. retiradas de jornais, revistas, Internet,

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livros, relatos de outros viajantes, etc. Excursão ou expedição? Tudo depende
Você já pensou sobre a importância da atitude. É uma excursão, se a atitude
dos primeiros viajantes à América, que não pretende mergulhar no desconheci-
cartografaram seus mapas com o obje- do; se o olhar do viajante é um olhar in-
tivo maior de saber voltar para casa? gênuo, que apenas vagueia pela paisa-
Hoje os satélites nos ajudam, e a gem. É uma expedição, se a atitude é
visualização das estrelas no céu, os investigativa, com a pretensão de colher
astrolábios ou as bússolas foram sen- informações, porque o olhar do viajante
do substituídos por mapas e fotos mais é curioso e sensível. Não teria sido este
detalhadas e por instrumentos mais so- o próprio olhar de Eckhout que encon-
fisticados e precisos. tramos nas informações visuais de suas
paisagensecenas?
Você pode ter lembrado de artigos para
sua sobrevivência, pois não sabe o que Uma exposição de arte estimula a uma
vai encontrar, e pensou em levar comi- viagem expedicionária, quando vamos
da, remédios, roupas apropriadas. Ou com os sentidos em alerta, em vigilância
você pensou em algo para o registro? criativa para capturar e ver mais e mais.
Máquina fotográfica ou filmadora, pa- Encontramos, num espaço expositivo, a
péis e lápis, canetas ou tintas, gravador, oportunidadeparapercebersonoridades,
um diário de bordo... odores,sensaçõeseexercitarnovosolha-
res através das obras. A viagem pode se
Sua resposta, entretanto, pode ter sido tornar emocionante, pois os sentidos po-
outra, como a que foi dada por um gru- dem ficar mais aguçados se houver uma
po de professores, quando iniciamos a boapreparação.
Ação Educativa da exposição de
Eckhout, que disseram: uma mente Para alguns, isso pode significar perder
aberta para investigar, muita curiosida- o gosto da descoberta. Porém, mesmo
de, uma expectativa que acolhe o ines- que tenhamos refletido, lido, visto, ou-
perado, o acaso, o que se expande para vido e conversado olhando uma repro-
além de nossas referências. dução, estar diante do original provoca
uma singular experiência estética. Além
Essa atitude investigativa, inquieta e cu- da sensação diferenciada de ver algo
riosa, é imprescindível em nossa baga- que já se tornara familiar através de re-
gem. Sem ela, as informações podem fi- produção, somos tomados por novas
car cristalizadas naquilo que os outros percepções convocadas pela dimensão,
já viram e nos contaram, os registros nitidez e qualidade das cores e formas
podem se limitar àquelas fotos dasobras.Umareprodução,mesmoque
reproduzidas nos mesmos locais dos acompanhada de informações sobre as
cartões-postais e que simplesmente di- dimensões de uma obra, não suscita a
zem: “Eu estive aqui”.

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sensação de surpresa que podemos ter inquietações, ou são encontros dificul-
quando estamos realmente frente a ela. tados pela apatia, pela omissão, pelo
confronto e pela oposição gratuitos, pe-
EntrarnaexposiçãoAlbertEckhoutsaben- los preconceitos.
do o que está exposto, entretanto, não
é garantia de que a visita irá ampliar nos- Cuidar atentamente da qualidade dos
sos conhecimentos. As informações são encontros com diferentes realidades que
importantes, quer sejam dadas por lei- podem, a princípio, parecer distantes,
tura, pesquisa ou pelo monitor, mas o externas e estranhas é nossa meta. Tra-
potencial da visita está naquilo que nos- ta-se de encontros que exigem atitudes
so olhar/corpo singular captura, amal- pedagógicas que podem reforçar e ins-
gamado com nossas referências pesso- tigar a construção de significações.
ais e sociais. O que nossos olhos vêem,
juntamente com o que o nosso corpo/ É por isso que uma atitude investigativa
mente sente, nos faz pensar. É com um é vital. É com nosso olhar sensível e
novo olhar que sempre saímos da visita pensante e com o nosso corpo recepti-
a uma exposição. vo, que nos deixamos capturar para o
diálogo com que a exposição nos pre-
Ao mesmo tempo, o clima gerado no senteia.
espaço cultural por nossa presença ex-
pande-se ainda mais na medida em que Tudo isso nos leva a refletir sobre a
trocamos idéias com os que estão necessidade de preparar nossos alunos
conosco nessa viagem estética. Nesse para a viagem. O ponto inicial, entre-
momento, a presença do professor ou tanto, está em dar importância ao que
do monitor é fundamental, pois pode vamos pensar e ver nos possíveis cami-
instigar, com questões provocadoras e nhos que poderão ser traçados para uma
jogos de percepção, o intercâmbio das expedição.
impressões sensoriais, de leituras, de
interpretações e da conversa sobre o que As obras de Eckhout chegam ao Reci-
as próprias obras nos interrogam. fe, de onde saíram, 350 anos mais tar-
de. Só esse fato já faz da exposição
Muitas perguntas nos fazemos quando um acontecimento extraordinário. O
estamos envolvidos em processos de que pode nos revelar a visão desse ho-
mediação geradores de encontros sen- landês?
síveis. Encontros germinam sensações,
ações, sentimentos e pensamentos que
vão configurando nossa forma singular
de habitar o mundo. São encontros
prazerosos que acolhem, com curiosida-
de e abertura, as descobertas e novas

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Olhandopelotelescópio:
potencialidadesdasexpedições

O olhar se educa, o gosto se forma.


Ana Claúdia de Oliveira

A importância do legado pictórico de Para buscar desenvolver as


Eckhout, por si só, já é motivo para potencialidades geradas por uma visi-
iniciar a viagem. Como professores/ ta, um bom caminho pode ser pensar
pesquisadores, já nos mobilizamos para em projetos com os alunos para de-
os preparativos iniciais. Como sencadear uma rede de ações signifi-
deflagrar uma viagem com nossos alu- cativas. Por isso, planejar cada mo-
nos, onde o ensinar e o aprender se mento tem sua importância.
coloquem como metas?
Nesse sentido, quando o foco do pla-
Agendar uma visita à exposição, reali- nejamento está na visita à exposição,
zando com alunos algumas leituras pré- qual ação seria mais significativa: levar
vias das obras e, no retorno à sala de os alunos, deixando-os vaguear pelo es-
aula, pedir para que registrem o que vi- paço, ou provocá-los com focos de ob-
ram, seria suficiente? servação, para que o olhar se torne
mais atento?
Pode ser um caminho. Essa atividade,
no entanto, ainda com resquícios de Seháumapreocupaçãocontemporânea
uma concepção de educação modernis- com a educação do olhar, a visita pode
ta, não permite uma ligação significati- vir a ser o espaço privilegiado para a
va entre a visita a uma exposição e seu construção de um olhar, de uma manei-
desdobramento na sala de aula. A ques- ra de olhar, de um olhar que pretende
tão é: que saberes podem gerar Eckhout compreender.
e suas pinturas, o espaço expositivo, o
contato singular de cada um provocado Olhar, apreciar, uma imagem pede uma
pela visita? Que interrogações essa me- orientação aos olhos, de tal modo que
mória pictórica pode nos levar a fazer todos os sentidos possam “olhar” e, in-
sobre o Brasil, sobre os brasileiros? versamente, o olhar possa sentir, escu-

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tar, tatear, pensar. Nesse trabalho gera- podemos imaginar potencialidades
dor de sentidos e significados, o olhar é de projetos.
cognição, sentimento, consciência.
Encarandoavisitaàexposiçãocomouma
Convocar esse olhar é uma tarefa de expedição que pode ser realizada no iní-
mediação do educador; tarefa de tirar cio, no meio ou quase ao final de um
os alunos de uma atitude passiva para projeto, compartilhada com professores
colocá-los em atitude ativa, observado- deoutrasáreasdoconhecimentoouape-
ra, atenta ao texto visual da imagem. nas cercando a sua disciplina, será neces-
sário planejar. Eis uma questão crucial:
Para isso, o educador é um perguntador, planejar projetos será determinar as ati-
é aquele que sabe fazer perguntas e le- vidades que serão realizadas pelos alu-
var o olhar a dialogar com a imagem, nos? Ou planejar projetos é pensar pos-
aguçando a curiosidade e o desejo de sibilidades e ir caminhando com avalia-
olhar o que ainda não foi olhado, insti- ções constantes, replanejamentos, ade-
gando uma aptidão interrogativa. quações,tendocomoprotagonistastam-
bém os alunos envolvidos, como parte
Para perguntar, é importante que o pró- integrante das decisões a serem toma-
prio educador tenha feito uma leitura das, como co-autores do processo de
pessoal das imagens, para saber que fo- aprendizagem?
cos de observação, tal qual uma pauta
do olhar, podem provocar um diálogo Essa é uma dificuldade enfrentada na
dos alunos com a imagem, com eles pró- elaboração deste material educativo.
prios sobre a imagem e com o educador. Como propor algumas idéias, sem
engessar e tornar o professor apenas um
Por isso mesmo, cuidadoso, o educador “executor”? Como oferecer propostas
procura não transformar essa listagem de atividades que se liguem entre si,
num roteiro rígido, como uma seqüên- superando seu entendimento como
cia de perguntas, tal qual um questio- ações isoladas? Como evidenciar que a
nário. Para tanto, ele deve ser um lei- arte pode ser uma linguagem estimulan-
tor das respostas de seus alunos, acom- te para provocar conhecimentos, tanto
panhando o percurso do olhar que es- dela mesma— enquanto um modo sin-
tão fazendo, identificando como eles gular do ser humano revelar e comuni-
olham, sentem, lêem, pensam e inter- car seus sentimentos, sensações e idéi-
pretam o que vêem. as — como também sobre contextos so-
ciais, políticos, culturais, científicos, éti-
Projetandoexpedições
cos, etc.? Como trazer o cotidiano para
Recolhidas informações, incorpora- o projeto, para que se possa pensar o
das atitudes de pesquisa e de amoro- presente e o futuro a partir das pintu-
so cuidado na preparação dos alunos, ras de Eckhout?

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Com essas preocupações, adotamos podemos escolher um deles para recriá-
como proposta o trabalho com projetos, lo e aprofundá-lo, com nossos parceiros,
devido aos seus fundamentos alunos e outros professores.
metodológicos e epistemológicos. Há
vários autores que estudam esse modo Abordaremos cada tema em separado,
deação,vistomaiscomoumaatitudepe- conscientes de que muito mais poderia
dagógicadoquecomoumametodologia. estar aqui sugerido. Mantendo uma es-
Trabalhar com projetos possibilita uma trutura próxima, cada tema é uma pro-
postura interdisciplinar, ou permite fo- posta de planejamento da viagem, uma
calizar uma única disciplina com os olhos via de acesso para desenvolver um pro-
voltados para o universo humano, dina- jeto. Como um referencial de onde par-
mizando o ensinar e o aprender, numa te o projeto, seu percurso não é reto.
perspectivadetrocas,interaçãoepesqui- Há voltas e reviravoltas, que serão di-
sa, a partir de interesses comuns, opos- tadas pelo diálogo e pela participação
tos ou complementares. Lidar com pro- dos alunos. São eles que conduzem a vi-
jetos nos impele, como educadores, a agem, dando as pistas do que já sabem,
debruçar-nos sobre um objeto de estu- do que não sabem e do que gostariam
do, ampliando as possibilidades de de saber, somadas às pistas do que você
compreendê-lo e interligando-o com a sabe que eles precisariam saber.
vida na e fora da escola.
Esperamos que muitas outras possibili-
Os projetos estão aqui visualizados dades de roteiros possam surgir e ser
como roteiros da viagem, e devem ser reveladas através da ação educativa des-
recriados por cada professor e com sa exposição.
cada grupo. São apenas sugestões ar-
ticuladas, como possíveis trilhas para Acartografiadosroteirosde viagem
umaviagem.
Todo roteiro parte de uma localização.
As paisagens, a fauna, a flora, os dife- Tal qual um cartógrafo, apresentamos
rentes tipos humanos desvelados por a seguir o desenho estrutural que esta-
Eckhout instigam múltiplas possibili- rá presente nas três possíveis viagens/
dades para projetos, mas optamos por projetos, a partir das obras de Eckhout.
selecionar, neste material norteador,
Aquecimento: momento inicial de
três temas centrais:
mapeardesejos
· Pluralidade das Etnias.
· Encontro das Culturas. Frente à escolha de uma viagem/proje-
· Celebração da Natureza. to, pode-se perguntar: Por onde come-
çar? Como gerar interesse para o que
Certamente as obras de Eckhout nos
pretendemos abordar, de modo a desen-
fazem tocar nesses três aspectos, mas
cadear aprendizagens significativas?

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Para cada projeto, como um aquecimen- breotema.Essareflexãoajudaráaelencar
to, algumas ações são propostas, os objetivos. Num projeto, os objetivos
objetivando instigar os alunos a fazer terão de ser claros e palpáveis, cercando
parte da viagem, não esquecendo de o que se pretende atingir, seja como con-
que a própria visita à exposição pode teúdos, procedimentos ou atitudes.
ser a iniciadora do projeto. Ao mesmo
tempo, o objetivo é também gerar uma Investigandoduranteavisitaàexposição
avaliação diagnóstica inicial sobre o
tema escolhido, como um eixo condu- Como preparar a visita à exposição?
tor da viagem. Quando ela deverá ser realizada? O que
fazer no retorno à sala de aula?
Refletindo sobre a avaliação
diagnóstica Esse momento poderá acontecer no iní-
cio, no meio ou próximo ao final do
O que descobrimos sobre nossos alu- projeto. Na preparação da visita, pode-
nos e sobre as potencialidades do tema se conversar sobre as regras de
junto a eles? visitação, a conduta adequada no espa-
ço expositivo, a observação de linhas de
Os dados colhidos e registrados através chão para o necessário distanciamento,
do aquecimento oferecem o perfil do esclarecendo o porquê desses cuidados
grupo, mapeando possibilidades de ca- e relacionando-os com a importância da
minhos para o desenvolvimento do pro- conservação do patrimônio cultural.
jeto, gerando idéias para: Mas é preciso ir além.

Questõesproblematizadoras O termo visita e o verbo visitar signifi-


cam primeiro vista e ver. Acrescente-se
Como uma etapa importante de cons- aí um percurso: quem visita vai ver, ob-
trução junto aos alunos, as questões le- servar, pesquisar. Por isso mesmo, al-
vantadas levam à investigação e apon- gumas questões são propostas aos alu-
tam os objetivos que serão transforma- nos, ajudando-os a olhar e a pensar so-
dos em justificativa e serão indicadores bre os temas presentes não só nas obras
dos conteúdos. de Eckhout, mas também no próprio
modo de expor as obras.
Sistematizandoaproposta:ajustificati-
va,osobjetivoseosconteúdosdoprojeto Como eles imaginam que está montada
a exposição?
Costurando a síntese da avaliação
diagnóstica com a definição da questão Haverá somente as obras de Eckhout
oudasquestõesproblematizadoras,omo- expostas?
mentoédeargumentarefundamentara
importância do que será investigado so- Como imaginam o espaço? Que referên-

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cias eles têm de exposições de artes plás- A socialização desses registros pode se
ticas? Quais exposições já visitaram? dar com a apresentação individual ou
em pequenos grupos. Se a classe é nu-
A partir dessa conversa inicial, é possí- merosa, é interessante propor um pri-
vel levantar prováveis focos para o olhar/ meiro momento de troca em pequenos
corpo, que podem ser norteadores para grupos, para depois socializar as desco-
a discussão, ampliando o tema que es- bertas comuns e os pontos diversos mais
tão trabalhando. Esses focos seriam interessantes.
como questões provocadoras para a visi-
ta, elaborados pelos alunos como exer- Desse material retirado da visita, enca-
cício de um olhar mais sensível e atento. rando-a como uma expedição, é que no-
vosencaminhamentospodemserpropos-
É importante relembrar essas questões tos. Caso a visita ocorra próxima ao en-
no momento inicial da visita, como tam- cerramento do projeto, o material colhi-
bém os próprios alunos comunicarem ao do poderá encaminhar a finalização.
monitor que os acompanhará sobre os
interesses do grupo. Nada impede que Encaminhamentos/ProposiçõesDidáticas
outras questões possam surgir ao longo
da visita/viagem, seja pelo monitor ou Quais as ações para se chegar aos ob-
pelos próprios alunos. jetivos pretendidos e para tocar os con-
teúdos, de modo a gerar reais aprendi-
E na volta? zagens?

O registro individual do encontro com São várias as possíveis proposições


as obras de Eckhout é fundamental para didáticas que podem ser vividas pelos
queasimpressõespossamviràtona,tor- alunos. Cada uma delas pode ser realiza-
nando-semaisconscientesparaquepos- daemmomentosdiferentes.Nãoháuma
sam ser socializadas. Uma atenção espe- seqüência a ser obedecida. Não é obriga-
cial, por parte do professor, é necessária tório iniciar com a leitura de imagens
para que os alunos não reproduzam ape- para depois propor ações expressivas ou
nas o que ouviram ou leram. Nessa tare- abordar certos conteúdos ou, ainda, vi-
fa, é imprescindível puxar as próprias sitar a exposição antes do início das pes-
sensações e impressões, valorizando as quisas.Osencaminhamentospodemser
opiniões pessoais. A sugestão é que es- planejados, mas a seqüência e o modo
ses registros sejam feitos de diferentes como serão vividos dependerá de avalia-
formas: um relatório da visita, uma car- çõesconstantes.
ta para alguém que ainda não foi ver a
exposição,umconto,desenhos,umahis- Independentementedosrumosdoproje-
tória em quadrinhos, uma história con- to,algumascondutasdevemserobserva-
tadasempalavras,etc. dasparaasváriaspropostas:

16
Para ler em obras de arte: A escolha outras classes o que foi realizado, as
daimagemouimagensquecomporãoos descobertas, as produções?
exercíciosdeleituradeveserfeitaparapro-
vocaroolhardosalunosemdiversosaspec- Há diferentes modos de se fechar um
tos.Nãoseráprecisoserestringiràsobras projeto, de finalizar um ciclo de apren-
deEckhout,incluindo-setambémobrasde dizagem.Pode-secriarmesas-redondas,
artistas de outros tempos e lugares, foto- debates e seminários com alunos e pro-
grafiasrecentesdoRecifeedeseushabitan- fessores; jogos e gincanas entre as clas-
tes,alémdasreportagensquesaíramnas ses; eventos com as produções dos alu-
mídias sobre a exposição. O importante é nos: exposições (com convite à comuni-
formularquestõesquepromovamaleitu- dade, monitoria de alunos, livro de as-
ra,queprovoquemestranhamentos,ampli- sinaturas, cartaz), mostras de teatro,
ando modos de ver, ler e interpretar, esta- dança, música, vídeos, etc. (com carta-
belecendorelaçõesintertextuaisaofazerlei- zes, várias apresentações); painéis que
turascomparativas. contêm as histórias do projetos vividos;
grafitagem nos muros da escola, produ-
Para pesquisar: Orientar propostas de ção de um livro do grupo, entre muitas
pesquisaemdiversasáreasdoconhecimen- outras possibilidades.
to ou com questões delimitadas, com o
objetivoderesponderà problematização, Avaliandooprojetovivido
éumespaçoimportante.Comopesquisa-
dores, os alunos poderão fazer entrevis- O que aprendemos com o projeto? O
tas,buscarmateriaisemlivros,sitesegru- que deveria ser repetido em qualquer
pos de discussão na Internet, catálogos, projeto? O que não foi tão acertado? O
CDs, visitas a outros museus, filmes e que faltou? O que poderíamos ter feito
vídeos,alémdasmídiasimpressas. ainda? Como lidamos com o tempo? O
projeto, com seus objetivos e conteú-
Para produzir: A criação é parte inte- dos, foi adequado ao grupo?
grante de um projeto. É o espaço da ex-
pressãopoéticapessoale/oucoletiva,que A avaliação constante para definir os
abrecaminhosparaacomunicação,aso- próprios passos do projeto faz parte de
cialização de idéias, sentimentos, sensa- todas as etapas, começando pelo aque-
ções e reflexões, interligando a vida aos cimento e se ampliando nas avaliações
projetos da escola e ao contato sensível dos trabalhos apresentados pelos alu-
com as pinturas de Eckhout. nos ao longo do projeto. No entanto,
no encerramento do processo, a avalia-
Propostasdefinalização ção ganha um peso diferenciado.

Como aglutinar o que foi aprendido É preciso estabelecer critérios para ava-
durante o projeto? Como mostrar para liar as ações realizadas, o tempo, a di-

17
nâmica e a participação de todos, con- po, essa estrutura será reapresentada a
frontando com os objetivos propostos, seguir, com as temáticas acima descri-
as questões problematizadoras, os con- tas.Comocartógrafodessaviagem,cabe
teúdos que se esperava trabalhar. A sis- a você selecionar, ampliar, definir per-
tematização de todos os conteúdos tra- cursoseações,juntamentecomseuspar-
balhados, elencando o que foi aprendi- ceiros, alunos e professores. Tome es-
do, permite perceber a estrutura e a or- sas sugestões apenas como lugares que
ganização do projeto que foi sendo con- podem ser visitados, com perspectivas
cretizado durante todo o processo. diversas, pois seu grupo e você saberão
buscar os pontos de vista mais
É vital também que tanto professores instigantes.
como alunos realizem uma auto-avalia-
ção, para que possam levar em conta o
modo como ensinaram e aprenderam e
quais as relações construídas na apren-
dizagem com a vida, com o cotidiano,
com a compreensão e com o conheci-
mento do mundo.

Amemóriadaviagem

Como é possível a articulação de todos


esses movimentos em um projeto?

Registrar a viagem pode se tornar um


prazer para você e seus alunos. Um diá-
rio de bordo individual, ou trabalhado
coletivamente, pode contar a história do
que foi realizado, incorporando anota-
ções, textos lidos, reportagens, idéias
abandonadas, etc. Tal qual um portfólio
do artista, as memórias registram des-
de esboços de idéias até a documenta-
ção das produções finais, contribuindo
para a construção da avaliação final,
pois engloba a somatória dos percursos
vividos.

Como partes de um todo que se matiza


e é colorido pelas vivências de cada gru-

18
ViajandocomEckhout
pela pluralidade das etnias

No estádio de futebol em dia de jogo mestiçagem do nosso País. Com as peles


ou na hora do recreio da escola, pode- retingidaspeloscruzamentoscomoutros
mos observar a diversidade de cores, povos,fiosdecabelos,formasfaciaisecor-
texturas e formas que precisaríamos poraisforamtambémsubmetidosàmeta-
utilizar para pintar os tipos humanos morfose.Masnãosóapelesemiscigenou,
presentes nesses locais. comotambémasherançastrazidaspelacul-
tura, pelos mitos, pelos ritos, pelas cren-
Os holandeses também aqui encontra- çaseportodasassuasmanifestações,as-
ram uma comunidade mestiça forma- sim,mesclandomodosdesersingulares.
da por negros, brancos, mulatos, Oraopostos,oracomplementares,orase-
cafuzos, índios, mamelucos. Essa diver- melhantes, constituindo a pluralidade ét-
sidade étnica foi ampliada com a pre- nicadanossaformação.
sença de ruivos (Leste europeu), italia-
nos, franceses, ingleses, judeus ibéri- Tematizar nossa construção plural atra-
cos (sefarditas) e judeus do Leste eu- vés do legado pictórico de Albert
ropeu (asquenazitas), que deu um belo Eckhout, que representou, nas suas
colorido à grande massa de brasileiros monumentais telas de tamanhos natu-
que habitam o Brasil até hoje. Descen- rais, a etnografia dos nossos ancestrais,
dentes das comunidades holandesas es- poderá ser um ótimo ponto de partida
tão espalhados pelo Nordeste brasilei- para refletir sobre os vínculos e as rela-
ro, constituindo as famílias denomina- ções humanas no passado e seus desdo-
das de Wanderley, Lins, entre outras. bramentos na contemporaneidade.

A pele cor de terra avermelhada, dos pri- Mas como torná-la instigante para nos-
mitivoshabitantes,foigradativamenteto- sos alunos?
mandooutrostons,cores,comachegada
de outras etnias que provocaram a Aquecimento: momento inicial de
mapeardesejos

19
São muitas as possibilidades de desper- ·Cada aluno faz o retrato de um(a) co-
tar para o foco aqui pretendido. Sugeri- lega e apresenta-o ao grupo/classe para
mos duas possibilidades, como pontos que, através das características físicas
de partida. Uma não impede a realiza- representadas, seja identificado.
ção da outra, como também você pode-
rá inventar outros modos de trazer à Questõesproblematizadoras
tona a questão da pluralidade das etnias.
· De que modo representamos a diversi-
Possibilidade1 dade de nossas características físicas?
· Por que há essas diferenças e seme-
Observando características físicas lhanças?

Objetivando levar os alunos à observa- A discussão com o grupo de alunos


ção de características físicas, sugerimos pode gerar a percepção das diferen-
asseguintesações: ças étnicas, suas características e a mis-
cigenação, abrindo espaço também
· Desenhos de observação, através de para a percepção do modo como es-
espelho, de fragmentos do rosto: os sas características foram representa-
olhos, o nariz, a boca, a cor da pele, etc.; das através da linguagem das artes vi-
Depois, montagem de um painel coleti- suais e do corpo como suporte expres-
vo, agrupando fragmentos e perceben- sivo e cultural. A moda certamente
do semelhanças e diferenças, tanto nos trará outros ângulos para abordar a
modos de representação como nas ca- questão. Por exemplo: os ditames da
racterísticas apresentadas. moda de cabelos lisos em relação aos
cabelos cacheados.
· Jogo coletivo propondo que os alunos
caminhempelasalaisoladamente.Pode- Possibilidade2
se iniciar solicitando que andem lenta-
mente, rapidamente, depois como em Ouvindo Etnia de Chico Science
câmara lenta, para que pisquem sempre
que cruzar os olhos com outro ou outra Escuta atenta da música Etnia, presente
colega. Depois, entrando no jogo pro- no CD Afrociberdelia, de Chico Science &
priamente, pedir para que formem agru- Nação Zumbi (1996). A percepção da
pamentos que são sempre desmancha- sua letra e melodia, registrada primei-
dos por novos desafios. Por exemplo: a ramente por cada aluno, abre para a
mesma cor de cabelo, textura ou com- troca e a discussão coletiva tanto dos
primento; o mesmo tipo de nariz; as aspectos sonoros (altura, duração, tim-
mesmas cores dos olhos; o mesmo tom bre, intensidade, ritmo, melodia, etc.),
de pele; o mesmo tamanho de braços; o as referências culturais que conhecem,
mesmo desenho de sobrancelhas, etc. como das interpretações possíveis.

20
Questõesprovocadoras: e a utilização dessas linguagens?
· Como se dá a discussão no grupo de
· Como e por que a música valoriza as alunos: sabem ouvir os outros? Têm
origens e as diferentes culturas? facilidade para expressar-se?
· Há orgulho em ser diferente? Ou a iden-
tificação é por “modelos” mitificados? Possíveisobjetivoseconteúdos/conceitos
· O que sabem sobre o rap?
Promover situações de aprendizagem
Refletindosobreaavaliaçãodiagnóstica que movam os alunos para:

Frente às ações expressivas realizadas, · Investigar por que e como Eckhout va-
o professor poderá colher respostas a lorizou os tipos étnicos no Brasil Ho-
algumas questões que ao mesmo tem- landês e qual a importância de seus tra-
po levam a novas problematizações, tais balhos no passado e no presente quan-
como aspectos a serem pesquisados, to a essa questão.
repensados, ampliados. · Identificar a diversidade étnica do povo
brasileiro, como conseqüência do am-
· O que descobrimos sobre nossos alu- plo processo de miscigenação.
nos frente ao tema? · Conscientizar-se do seu pertencimento
· Que valores revelam quanto às suas na grande malha humana pluri e
origens?Foipossívelconhecê-lasmelhor? interétnica, de modo a ser capaz de acei-
· Quais os sentidos que o conceito de tar, respeitar, apreciar e valorizar as di-
etnia tem para eles? Percebem diferen- ferentes etnias.
ças nos termos etnia e raça? · Perceber como as características étni-
· Quais etnias conhecem? O que carac- cas extrapolam as aparências físicas.
teriza cada uma?
· Há etnias puras? Sãomuitosospossíveisconteúdosecon-
· Há preconceitos étnicos no mundo ceitos que poderão ser abordados e am-
contemporâneo? Como são revelados pliados dentro dessa temática. Sugeri-
através das mídias? E através de nosso mos que as respostas do grupo às situa-
comportamento? ções apresentadas direcionem o
· Conhecemos expoentes de várias aprofundamento da compreensão da
etnias que deixaram suas marcas na his- pluralidade das etnias, através das obras
tória brasileira? E hoje? de Eckhout, por ângulos múltiplos e di-
· Conhecemos os nossos ancestrais? versos. O olhar de cada disciplina so-
... bre esse tema poderá trazer perspecti-
· O que revelam os desenhos e o jogo vas singulares. Pode-se dar foco para:
corporal coletivo (possibilidade 1) e a
escuta e interpretação da música (possi- -Etnias: histórias humanas na luta pela
bilidade 2) em relação à expressividade valorização e o respeito às diferenças.

21
- A genética desvendando as questões Possibilidade1
étnicas.
- A diversidade cultural e suas manifes- Lendo a pintura Mamemluca
tações(leiatambémViajandocomEckhout
e encontrando culturas). O diálogo provocativo pode ser
- A miscigenação e a antropofagia mo- norteado por questões, tais como:
dernista: repercussões na arte e na vida
· O que vocês reconhecem nesta obra?
- Hegemonia branca: presença, poder e
· Observando o tom da pele, o tipo de
superação.
cabelo e as feições do rosto (nariz,
- Brasilidade - identidade, alteridade e
olhos, boca), pode-se afirmar que essa
pertencimento.
mulher é branca, índia, negra ou mes-
- Família: vínculos afetivos para além das
tiça? Por quê?
relações de parentesco.
· Para quem/onde ela está olhando?
- A representação da figura humana nas
Formulem hipóteses e argumentem so-
artes: etnia, costumes e objetos.
bre essas hipóteses.
· Como a figura feminina foi tratada,
Continuidadedoprojeto:encami-
sendo foco principal da imagem? O
nhamentospotenciais que você pode perceber através de sua
gestualidade, de sua roupa, dos ador-
Para ler nas obras de arte
nos que usa, de sua proporção?
Começando com os desenhos de obser- · Como Eckhout estruturou a compo-
vação ou com a escuta e a discussão a sição plástica? Se você fosse
partir da música Etnia, após o levanta- esquematizar em formas geométricas
mento das questões e dos conteúdos essa imagem, como faria?
centrais, pode-se levar os alunos à leitu- · Vocês consideram que essa pintura
ra de obras. Sugerimos aqui três alter- foi feita através da observação direta,
nativas não excludentes. de memória ou da imaginação?
· Vocês conhecem alguma obra pareci-
Lembramosqueasquestõesprovocado- da com essa?
ras do olhar não deverão ser lidas por -...
você, como mediador, mas poderão
nortear o diálogo provocativo. As respos- Possibilidade2
tas devem gerar novas questões, provo-
Uma leitura comparativa entre
cando o envolvimento e o
obras de Eckhout
aprofundamento da leitura, que deverá
ser encaminhada para uma sistematiza- A proposta é iniciar com uma leitura
ção das idéias e dos conceitos levanta- comparativa entre quatro obras:
dos, apoiados também em informações Mameluca, Negra, Índia Tapuia, Servo
sobre a obra.

22
com a caixa de ouro. Trabalhar com vá-
rias obras, comparativamente, possi-
bilita a percepção de colher semelhan-
ças e diferenças entre elas. Ao mesmo
Rosana Paulino ·
tempo, exige o cuidado para que cada Sem título, 1997,
uma das obras não seja olhada super- xerox transferida e
ficialmente. costuradasobrete-
cido montado em
Algumasquestõesprovocadorasdoolhar: bastidor,31,3x310
x1,1cm,Museude
Arte Moderna de
· Pelas feições dos rostos, tonalidades das São Paulo, SP
peles e tipos de cabelo, é possível identifi-
car os tipos étnicos dessas imagens?
· Todos esses tipos humanos estão ves- Vick Muniz · Valentina, the fatest, 33 x 27 cm, Gale-
tidos de acordo com os costumes étni- ria Camargo Vilaça, São Paulo
cos da sua cultura de origem? Justifi- É provocador promover uma leitura
que a sua resposta. comparativa de obras criadas em tem-
· Quais seriam os ancestrais desses ti- pos e locais diferentes. Uma boa discus-
pos humanos? são, tanto em relação aos procedimen-
· As espécies humanas e os animais re- tos artísticos quanto a possíveis inter-
conhecidos nessas imagens apresen- pretações, pode ser gerada colocando
tam as mesmas características nos dias as obras de Eckhout lado a lado com,
de hoje? O que mudou? O que perma- por exemplo, Instalação, Sem título,
neceu? 1997, uma obra de Rosana Paulino, que
· O que revelam os adornos e a trabalha com bordados expressivos so-
expressividade dos corpos de cada per- bre imagens de pessoas negras, impres-
sonagem? sas em tecidos fixos em bastidores. Ou
· Se pensarmos numa pirâmide social junto a uma obra de Vik Muniz,
durante o período holandês, que po- Valentina,amaisrápida,fotografiadeum
sições ocupariam os diversos persona- desenho feito com açúcar sobre papel
gens? Qual desses seria mais privile- preto,dasérieCriançasdeaçúcar(1996).
giado na hierarquia social? Por quê?
Como as imagens evidenciam essas re- Algumasquestõesprovocadorasdoolhar:
lações sociais? Por quais signos?
·... · As figuras humanas representadas nes-
sasimagenspertencemaqueetnia?Que
Possibilidade3 características você visualizou para
identificá-la?
Uma leitura comparativa - Eckhout · É possível identificar diferentes faixas
e artistas contemporâneos etárias? Há figuras femininas e masculi-

23
nas? O que esses aspectos nos revelam? Beateasorigensétnicasdosritmostraba-
· Que modalidades e técnicas foram uti- lhados por seus grupos musicais.
lizadas na produção dessas obras? ·Antigamente,sexoeraassuntoproibido.
· Quais são os conceitos e preconceitos Ainda hoje falar de sexo é muito comple-
queessasimagenssuscitam? xo. No período em que viveu Albert
· Observando essas obras, quais as rela- Eckhout, de que forma era explicitada a
ções de identidade e alteridade que a so- reproduçãohumana?Asdoençassexual-
ciedadebrasileiraestabeleceueestabele- mentetransmissíveiseramasmesmasdo
cecomessestiposhumanos? nosso tempo? A forma de tratá-las ainda
·.... éamesma?Emquaiscamposdeconheci-
mentopoderemosinvestigaressasques-
Lembre-se de que a leitura das obras vi- tões?
suaispodeaconteceremqualquerumdos ·AestruturadascomposiçõesdeEckhout,
momentos do projeto. Da leitura, novas com um primeiro plano mais detalhado,
questões provocadoras podem ser aber- situado numa baixa linha de horizonte,
tas, relacionando-se com os objetivos e emcontrastecomumgrandeespaçosu-
conteúdosquevãosendodefinidosduran- perior, está presente em outras obras ho-
te a vivência do projeto. landesas. Pesquise em outras obras da
épocaeinvestiguequeinfluênciasditaram
Paradescobrirnavisitaàexposição essasregras.
· A grafia utilizada por Albert Eckhout na
A partir das ações propostas para o
assinatura de seus quadros foi repetida
“aquecimento”,estaremosnospreparan-
nonomedaexposição.Masháoutrasva-
do para a visita. Algumas leituras anteri-
riações em documentos de época: Albert
ores, como as já elencadas, podem ser
Eckholt, Albert Eijkhart e Elbert
feitas também, mas nada exclui o encon-
Eeckhout. Pesquise sobre nomes própri-
tro vivo com as obras.
os de cada etnia e de cada região do Bra-
Para relembrar, volte a ler em A Cartogra- sil. Que influências recebem os nomes
fiadosRoteirosdeViagem,assugestõespara própriosemcadaépoca?
a preparação, a visita e as ações propos-
Paraproduzir:
tas na volta à sala de aula.
·Colagemapartirdepropagandaseviden-
Parapesquisar:
ciandoomodocomotratamaquestãodas
· Considerando as várias origens étni- etnias, e dentro dela: as relações de pa-
cas, pesquisar personalidades, nos diver- rentesco, as “famílias ideais”, as valoriza-
sos campos da cultura e da ciência, que ções profissionais, etc.
deixaram suas marcas na história brasi- · Fazer a leitura da obra A Redenção de
leira no ontem e no hoje. Cam (1895), de Modesto Broccos y Go-
· Pesquisar sobre o movimento Mangue mes, interpretando as relações de pa-

24
Modesto Broccos y ·Construçãodeárvoresgenealógicasdos
Gomes · A Redenção
alunos, utilizando fotos e/ou desenhos.
de Cam, 1895, óleo
sobre tela, 199 x 166
cm, Museu Nacio- · Ler as obras A Gênese ou Massacre dos
nal de Belas Artes, Índios, de Tereza Costa Rego; e O Paraí-
Rio de Janeiro so, de Wellington Virgolino, levantando
os aspectos formais e simbólicos das
obras e suas relações com as situações
contextuais em que estão envolvidos os
índios representados. Diante das ques-
rentesco entre os tipos humanos repre- tões identificadas, produzir textos lite-
sentados. Nessa obra, o artista faz refe- rários e/ou dissertativos que reflitam
rência à história de Cam, um dos filhos sobre as situações expressas nas obras.
de Noé (amaldiçoado) e que durante os
séculos XVI e XVII foi considerado pro- · Coletar informações sobre as línguas,
genitor dos negros. O mito do branque- os hábitos, os costumes, as músicas e
amento das gerações através das mistu- as vestimentas típicas de várias etnias,
ras das raças aparece nessa obra, com a e, com essas informações produzir uma
presença da avó negra, a filha mulata encenação como se fosse um programa
junto ao seu marido, um homem bran- de TV: um jornal, uma novela, um pro-
co, e o neto branco. Elaborar um enre- grama de entrevistas, de auditório, etc.
do envolvendo a cena, criando diálogos
entre os tipos étnicos envolvidos. Os · Fazer uma reportagem jornalística pro-
resultados poderão ser transformados duzida como um telejornal ou um pro-
em encenações teatrais que fomentarão grama de rádio posto no ar no interva-
debates sobre questões étnicas e sobre lo, como uma rádio-pirata.
a linguagem cênica e seus signos.
·Elaboraçãoderap,poema,paródiaoucor-
delsobreEckhouteapluralidadedasetnias.
Tereza Costa Rêgo
·AGêneseouMassa- Comofinalizar?Queaspectosavaliar?
cre dos Índios, ano,
Acrílico sobre ma- Volte a ler A Cartografia dos Roteiros de
deira, 220 x 160
cm, Museu de Arte Viagem e reveja as possibilidades
Moderna Aloísio sugeridas para a finalização de seu pro-
Magalhães, Recife jeto. Conversando com os alunos, dis-
cutam as formas de socializar o que des-
WellingtonVirgolino· cobriram a partir da viagem com
OParaíso,ano,óleoso- Eckhout e como promover a avaliação
bre tela colada em final, somatória de todas as que foram
duratex,100x180cm.
feitas ao longo do projeto.

25
ViajandocomEckhout
eencontrandoculturas

Diversas línguas eram faladas no Brasil duziram diferentes culturas transfor-


no período nassoviano. Além do tupi - mando nosso Estado em um espaço
língua nativa - as pessoas se comunica- multicultural, refletido em manifesta-
vam em inglês, italiano, francês, ções culturais heterogêneas. Valores
hebraico, holandês e espanhol. Havia até estéticos, éticos, religiosos mesclam
um catecismo escrito em tupi, holandês hábitos e costumes, línguas e canções,
e espanhol, segundo o pesquisador Leo- artesanatos, festas e crendices.
nardo Dantas.
Oreconhecimentodessaheterogeneidade
O que teriam deixado todas essas lín- na formação cultural do povo brasileiro
guas e seus interlocutores como marcas merece nosso respeito pelas diferenças
culturais? O que ficou do tempo de e pela valorização de todas, sem privilé-
Eckhout instaurado em nossas raízes? gios e/ou menosprezo por nenhuma de-
las, reconhecendo as similaridades e
Pernambucovemseapresentandocomo especificidades entre os diferentes
uma rica colcha de retalhos de manifes- grupos.
tações culturais, tanto por sua ocupa-
ção geográfica - do litoral ao alto Sertão Essa é a proposta para a abordagem
nordestino, passando pela Zona da dotemaEncontrodasCulturasapartirdos
Mata e pelo Agreste - quanto pelas documentos etnográficos de Albert
etnias que continuam e se multiplicam Eckhout.
na ocupação de nosso solo. A conseqü-
ência dessa diversidade é traduzida atra- “Aquecimento”:momentoinicialde
vés de uma sociedade multiétnica e mapeardesejos
multissocial.
Buscando mobilizar os alunos para o
Negros, brancos, índios e mestiços de tema e coletar suas hipóteses, sugeri-
variadasprocedências, trouxeram e pro- mos, como ponto de partida, duas pos-

26
sibilidades estruturadas a partir do es- as e reportagens. A proposta é aproxi-
tímulo fornecido pela produção cultu- mar os alunos do tema, discutindo so-
ral contemporânea. bre a presença de aspectos culturais nos
ideais de beleza e modos de se vestir.
Possibilidade1
Pesquisando em revistas, jornais, catá-
OuvindoamúsicaLeãodoNorte,de logos de roupas e outros meios, coletar
Lenine e Paulo César Pinheiro imagens que apresentem tipos diferen-
ciados de roupas, cabelos, estampas de
Primeiramente, proporcionando uma tecido e adornos.
escuta atenta da música, levar os alu-
nos à percepção da letra, da melodia e Propor aos alunos que discutam as ima-
do ritmo. Em seguida, os alunos, orga- gens coletadas, criando critérios de agru-
nizados em grupos e utilizando o corpo pamento, por exemplo: as influências
como instrumento de percurssão, recri- africanas, européias, asiáticas, indígenas,
am sonoramente a música que ouviram. etc. Em folha grande de papel, organi-
A idéia é estimulá-los a produzir, atra- zar, coletivamente, os agrupamentos.
vés do corpo, os sons, os ritmos mais
marcantes, além do próprio movimen- Questões provocadoras:
to-dançante motivado pela música.
· Quais os critérios usados para os agru-
Após a apresentação de cada grupo, é pamentos?
necessário um diálogo apreciativo sobre · Quais influências culturais foram re-
as criações, comparando quais são as presentadas na pesquisa?
semelhanças e diferenças. · Por qual estilo de roupa os alunos têm
preferência?
Questõesprovocadoras · A moda valoriza a cultura brasileira
ou a cultura de outros lugares?
· Quais foram os ritmos e movimentos
que vocês conseguiram construir? Refletindo sobre a avaliação
· Identifique os mais utilizados e expli- diagnóstica
que por quê.
· Qual o significado e sentido de cultura
Possibilidade2 para nossos alunos?
· Partindo do conceito de que somos in-
Olhando a linguagem da moda divíduos culturais, como os alunos se
percebem como indivíduos culturais? O
A moda, entendida como linguagem vi-
que eles conhecem sobre outros grupos
sual, utiliza-se de referências culturais na
culturais?
sua produção, divulgando-se principal-
· O que eles conhecem do seu meio
mente através de campanhas publicitári-
cultural?

27
- O que consideram distante da sua Esses objetivos poderão ser desenvol-
cultura? vidos, a partir dos seguintes focos:

Questõesproblematizadoras · A cultura como manifestação de idéi-


as, imagens, hábitos, costumes e formas
· Existe cultura e/ou culturas? A cultu- de viver a vida humana.
ra brasileira é única ou é plural? · A formação cultural brasileira: a cons-
· Como a cultura brasileira foi forma- trução pela contaminação entre índios,
da? brancos e negros.
· Qual a relação entre cultura e etnia? E · O ritual antropofágico na cultura.
entre cultura e natureza? · Relações entre cultura e natureza.
· Há preconceitos e valorizações cultu- · Cultura, língua e linguagem.
rais no mundo contemporâneo? · Relações entre cultura popular e folclore.
· A diferença entre masculino e femini- · Cultura e globalização: relações do Bra-
no nos papéis sociais é uma questão sil com o mundo.
cultural? Como isso é percebido no co- · A moda, seu consumo e suas significa-
tidiano? E nas mídias? ções culturais.
· Cultura é folclore? · A arte e seus códigos como fonte de
· Quais os aspectos que envolvem a cul- invenção cultural.
tura? Que particularidades são
explicitadas em diferentes culturas? Continuidade do projeto: encami-
· O modo de pensamento de uma cultu- nhamentos potenciais
ra opera modificações no campo das ar-
tes — música, artes plásticas, cinema, te- Para ler nas obras de arte
atro, dança, literatura. Por quê? Como?
· ... Lembre-se de que a leitura das obras de
artepoderáaconteceremqualquerumdos
Possíveisobjetivos/conteúdos/conceitos momentosdodesenvolvimentodoproje-
to.Pensandoaleituracomoumcaminho,
Reconhecendo que a cultura brasileira aescolhaestáligadaaoscaminhantes;ou
nasce e continua sendo gestada sob o seja,aosalunoseàssuasnecessidadesde
signo de uma multiplicidade de referên- construção de sentidos sobre o tema.
cias e misturas, possibilitar aos alunos:
Possibilidade 1
· Compreender, interpretar e explicar a
cultura como produção da atividade Lendo a pintura Dança Tapuia:
humana.
· Analisar a formação da cultura brasilei- Questõesprovocadorasdoolhar:
ra face às influências de diferentes povos.
· Relacionar a cultura brasileira ao con- ·Descrevaoquevocêvênessaimagem.
ceito de antropofagia. · Quais os elementos conhecidos? E os

28
desconhecidos? retrato,natureza-morta,etc.)dessasobras?
· Onde se encontram as cores mais vi- ·Ostiposhumanosrepresentadosperten-
brantes neste trabalho? cem a algum contexto sociocultural?
· Como a sombra e a luz estão presentes ·DequeregiãodoEstadodePernambuco
nestaobra? sãoasfrutaseosoutroselementosrepre-
· Qual a cor predominante? sentados?
· Que relação existe entre a representa- ·HáumarelaçãoentreaobraMulherTapuia
ção da pele do índio e da terra? eaantropofagia?Qual?
· Que sentimentos são revelados nas ex- · Como a linguagem estilística naturalista
pressões e nos movimentos corporais do está presente nas pinturas de Eckhout?
grupo? · Qual era a função sociocultural da arte
· Como participam da cena as figuras fe- no tempo de Eckhout?
mininas?
· Esta dança estaria ligada a algum ritual Sugestão:ExibirofilmeGuerradoFogocomo
indígena? pontodeanáliseecomparaçãocomasima-
· Quais os adornos usados pelo grupo? gensapreciadas,enfocandoasrelaçõesdo
Esses adornos são usados atualmente? homemcomanaturezaecomacultura.
Porquem?
·Quaissensaçõesaimagemprovocapara Visitar a Funai e pesquisar acervo e for-
quem a olha? mas de atuação enquanto instituição que
· Você se surpreende com os corpos des- lida com as questões indigenistas.
nudos do grupo? Por quê?
Possibilidade 3
Sugestão: Exibir o filme Xingu: a arte
Análise comparativa entre:
viva dos índios, de Washington Novaes.
Observar o cotidiano, os costumes, DançaTapuia(Eckhout);RodadeSamba
os rituais na cultura indígena e a pre- (HeitordosPrazeres-1958);CantodoPal-
sença da aculturação. coDuranteoBalé (EdgarDegas-1883).
Possibilidade 2

Uma leitura comparativa entre três


obras de Eckhout: Mulher Tapuia; Servo
comcaixadeouro;Cabaça,frutasecacto.

Questõesprovocadorasdoolhar:

·Existemelementoscomunsentreastrês
imagens?Quais?
·Quaissãoosgênerosdepintura(paisagem, Heitor dos Prazeres · Roda de Samba, Rio de Janeiro

29
Edgar Degas · Canto Alex Flemming · O
doPalcoduranteoBalé, eu só, 1993, acrílica
1883, Coleção Parti- sobretecido,33x100
cular, EUA cm, Coleção Gilber-
to Chateaubriand,
São Paulo

Anselm Kiefer ·
São Paulo, 1998,
Técnica mista,107
x 164 cm, Coleção
Questõesprovocadorasdoolhar: Ricardo Akagawa

Questões Provocadoras do Olhar:


· Os assuntos abordados nas imagens
apresentadas giram em torno de um · Quais são os elementos comuns entre
mesmotema? estas três imagens?
· As paisagens representadas têm algu-
· O que é similar entre as obras? O que ma relação entre si?
é específico de cada uma? · Através da forma e do conteúdo das
· O modo como o corpo está represen- imagens é possível identificar o tempo
tado sugere movimentos de quais rit- e o espaço da sua construção?
mos? É possível perceber a música que · Se você fosse escolher personagens
está embalando os movimentos? para vestir as roupas e os adereços re-
· A forma de representar a cena remete presentados nas três obras, como os
a contextos de tempo/espaço diferenci- identificaria?
ados? · Quais as relações que existem entre
· O que é possível perceber, através do os títulos e as roupas visualizadas?
segundo plano – cenários, paisagens –,
sobre as relações sócio-históricas?
· As poéticas ou formas de representar Paradescobrirnavisitaàexposição
dos artistas são diferentes? De que
modo? Preparação-Conversacomosalunospara
a criação de focos do olhar sobre o tema
Possibilidade4 Oencontrodasculturas.
Análise comparativa entre as obras: Visitação-Relembrarosfocosdoolharcom
Mameluca(Eckhout);SãoPaulo(Anselm os alunos, conversando com o monitor
Kiefer - 1998); Oeusó (Alex Flemming - sobreotemaqueestãopesquisando.
2001).

30
Volta da viagem - Registro posterior indi- des na maneira de vestir do povo bra-
viduale/oudiscussãoemgrupo. sileiro, através dos tempos,
correlacionando com os grupos étnicos
Parapesquisar: que compõem a nossa população. Con-
cluir se houve o predomínio do costu-
· Mapear quais são os frutos, as flores, as me de uma cultura sobre a outra e se
árvores de Pernambuco, agrupando as ainda hoje isso acontece.
espéciespor sub-regiões,conformeaárea · Organizar diferentes formas de com-
de origem e/ou o cultivo. posição visual de natureza-morta atra-
· Traçar um panorama da evolução da vés de colagem, utilizando imagens de
moda na sociedade, entendida como sig- frutos, flores, animais, etc
no,relacionandocomaspectosrelevantes · Gravar em vídeo, diretamente da TV,
do contexto histórico e cultural. Pode-se imagens da programação televisiva:
focalizar a moda, desmembrando em jornalístico, novelas, programas de au-
moda masculina, moda feminina, moda ditório, infantis, de variedade, de hu-
infantil,chapéus, luvas, bolsas, sapatos, mor. Discutir sobre a amostragem re-
jóias, bijuterias, etc. colhida, girando em torno da questão:
· Entrevistar artistas, artesãos e outras a TV revela ou oculta a pluralidade cul-
pessoas que atuam em meios culturais tural brasileira? Produzir uma pesqui-
diversos, investigando sobre a profissão, sa de opinião junto as outras classes
o processo de criação, o modo de divul- sobre a questão.
gação da produção, etc. · Fazer leitura de obras do artista
· Relacionar as diferentes culturas aos Roberto van der Ploeg, procurando
acervos de diversos museus — da Abo- identificar quais delas são releituras de
lição, do Homem do Nordeste, do Es- obras de Albert Eckhout. Propor aos
tado de Pernambuco, Regional de alunos novas abordagens (releituras,
Olinda, Mamam, etc. citação e/ou apropriação) a partir das
· Investigar sobre a antropofagia como obras dos dois artistas.
manifestação cultural, em diversos con-
textos históricos.
· Coletar vocábulos de diversas proce-
dências que compõem a linguagem es-
crita e oral do povo brasileiro.

Paraproduzir

· Confecção de bonecos de papel vesti-


dos com trajes típicos europeus, afri-
canos e asiáticos. Discutir sobre a in-
RobertoPloeg·Recife,óleo
fluência de cada uma dessas socieda- sobretela,210x130cm

31
ações e os resultados. Rever o item A
cartografia dos roteiros de viagem
pode ajudar para um olhar/analisar mais
distanciado, como com um telescópio.
O objetivo é que alunos e
professorespossam se apropriar do que
planejaram e construíram, percebendo
acertos e desacertos, identificando o
RobertoPloeg·AdãoeEvaeoCãoChupandoManga,
óleo sobre tela, 210 x 260 cm
que seria ou não repetido num próxi-
mo projeto.

Propostasdefinalização:

· Organizar um desfile de moda, com a


criação de figurinos com referências de
diferentes culturas, valorizando os signos
querevelamasdiversasculturas.

· Apresentação de coreografias criadas


a partir de ritmos presentes em danças
de diferentes grupos culturais.

·Elaboraçãodeumpainelemassemblage,
utilizando objetos/elementos que repre-
sentem diversas culturas.

· Organizar um debate sobre os resulta-


dos da pesquisa de opinião sobre a ques-
tão: A TV revela ou oculta a pluralidade
cultural brasileira.

· Confecção de um dicionário contendo


os vocábulos pesquisados e seus respec-
tivos significados.

Avaliação:

A partir do portfólio desenvolvido du-


rante o projeto, avaliar o processo
vivenciado por alunos e professores,
revendo as questões levantadas, as

32
ViajandocomEckhout
ecelebrandoanatureza

As representações naturalistas de e a cultura com que hoje convivemos,


Albert Eckhout documentam a fauna, para refletir sobre o que foi documen-
a flora e os tipos étnicos que habitavam tado, idealizado e as transformações
Pernambuco no período nassoviano, ocorridas até os dias atuais.
época em que não se dispunha das faci-
lidades de reprodução advindas com as Analisando o legado de Eckhout sob o
técnicas da fotografia. enfoque da natureza e refletindo sobre
as relações dos homens entre si e as
O talento desse pintor holandês foi uti- relações dos homens com o meio ambi-
lizado, assim, para fazer um inventário ente, propomos a comparação entre as
iconográfico que registrasse para os ha- diversas paisagens documentadas por
bitantes do Velho Mundo as paisagens ele, relacionando-as com o que hoje se
eomodusvivendidoshabitantesdoNovo conhece dos ambientes retratados, para
Mundo. levantar questões ambientais atuais
como:devastaçãodemanguesedamata
A exuberância da floresta em contraste nativa, ameaças aos mananciais de água
com a caatinga, as formas, as cores e a potável, ocupação desordenada do solo,
intensa luz dos trópicos, que desde os disposição do lixo, mudanças climáticas,
primórdios da colonização extasiou os entre outros impactos antrópicos.
europeus, foram retratadas em telas de
grandes proporções, que constituem um Dessa forma, o legado de Eckhout, que
acervodegrandeimportânciaparaoses- tantoserveparaodeleitedos olhos,pode
tudoseoentendimentodaquelestempos. contribuir também para levantar as im-
plicações éticas no tratamento que o ho-
A celebração desses recursos, através memvemdandoaomeioambiente.
da iconografia eckhoutiana, requer
um olhar atento, investigativo sobre Éapartirdesseenfoquequetematizamos
sua obra e sobre o espaço da natureza a Celebração da Natureza.

33
“Aquecimento”:momentoinicialde Questõesprovocadoras:
mapeardesejos
· O que é percebido de comum e de di-
Possibilidade1 ferente nessas duas imagens?
· Como a natureza está representada
Vendar os olhos dos alunos e oferecer nessasobras?
objetos relativos à natureza e à cultu- · O que, nessas imagens, não faz parte
ra (folhas, pedras, flores, frutas diver- da natureza?
sas, vagens, conchas, cascas de árvores, · Que elementos são conhecidos e des-
madeiras, especiarias, penas, tecidos, conhecidos?
instrumentos musicais, cestaria, etc.) · Como classificar os elementos da natu-
para serem manuseados e identificadas rezaedaculturaapartirdessasimagens?
pela audição e pelo tato, olfato e/ou · Como é percebida a relação homem-
paladar. naturezanessasimagens?
· Na obra Negra, que atividade humana
Questõesprovocadoras: aparece ao fundo?
· É importante que as questões sejam Possibilidade3
feitas com os alunos ainda com os olhos
vendados. Dividir a classe em dois grupos. Propo-
· O que foi possível identificar através nha a um grupo a discussão sobre a re-
das texturas, das formas, dos pesos, dos lação ciência-natureza e para o outro,
cheiros, dos sons e dos sabores? sobre natureza-cultura. Promover um
· É possível propor alguma classificação debate entre os dois grupos.
para esses elementos experimentados?
Como poderia ser feita? Por quê? Questõesprovocadoras:
·...
· Na relação homem-natureza, qual o
Possibilidade2 papel da ciência?
· Qual a similaridade e a diferença en-
Partindo das obras de Eckhout, fazer tre ciência/natureza , natureza/cultura
uma leitura comparativa entre as obras e entre ciência e cultura?
Frutas(abacaxi,melancia,etc.)eNegra. · Os avanços tecnológicos interferiram
na natureza e na cultura? De que modo?

Refletindo sobre a avaliação


diagnóstica

· Qual a reação dos alunos ao serem


Albert Eckhout · Frutas convidados a não utilizar o sentido da
(abacaxi,melancia,etc) visão?

34
· Quais os conceitos de ciência e de cul- · De que modo ocorriam os tratamen-
tura expressos pelos alunos? tos de doenças no século XVII e como
· Quais relações foram estabelecidas en- acontecem hoje? Como a natureza era/
tre homem, natureza, ciência e cultura? é usada nesses tratamentos?
· De que modo a tecnologia é percebida
pelos alunos? Justificativa/Objetivos
· Como os alunos se percebem enquan-
to seres da natureza e da cultura? O legado de Albert Eckhout, ao docu-
mentar os tipos étnicos, a fauna e a flo-
Questõesproblematizadoras ra, visualizadas pelo olhar de um pin-
tor europeu naturalista do século XVII,
· O conceito de natureza é cultural e his- poderá ser um excelente ponto de par-
tórico. Qual a concepção de natureza no tida para refletir sobre o nosso meio
século XVII? Nessa concepção incluía- ambiente de ontem e de hoje.
se o conceito de natureza humana e a
percepção do outro? Utilizar o meio ambiente, natural e o
· Quais as concepções científicas e res- representadoatravésdasimagens,como
pectivas ciências do século XVII? objetos de investigação e pesquisa, para
· O conceito de ecologia foi estudado a construção de conhecimento sobre as
desde o século XVII ou é atual? A rela- questões ambientais, contribuirá para a
ção do homem com o ambiente naque- formação de uma consciência ecológica
le século era semelhante à que observa- tão necessária para a preservação da
mos hoje? Por quê? vida no planeta Terra.
· Quais as descobertas científicas do sé-
culo XVII, e quais as de hoje nos cam- Conteúdos
pos da biologia, astronomia, física e quí-
mica? · Conceito de natureza e natureza hu-
· Como a natureza é expressa nas pro- mana e suas inter-relações no século
duções artísticas do século XVII e na XVII e nos dias atuais.
contemporaneidade no Brasil? · As ciências e suas concepções científi-
·Queartistascelebraramanaturezaatra- cas no século XVII.
vés das suas criações nos diversos cam- ·Conceitodeecologiaearelaçãohomem-
pos da arte no passado e no presente? ambiente numa perspectiva histórica.
· Todas as espécies animais e vegetais · As ciências e seus campos de atuação
retratadas por Albert Eckhout se per- no século XVII e nos dias atuais.
petuam até a presente data? · Conceito de naturalista e naturalismo.
· As plantas pintadas por Eckhout são ·Naarte:onaturalismoeoabstracionismo
tropicais? Por quê? narepresentaçãodanatureza.
· Como se dava a conservação dos ali- · Arte contemporânea: o uso de materi-
mentos no passado e no nosso tempo? ais da natureza e dos detritos da socieda-

35
de no processo de produção das obras. · Qual a forma de maior tamanho em
· A fauna e a flora nas obras de Eckhout. cada uma das imagens?
· Os alimentos e suas técnicas de con- · Como a sombra e a luz se apresen-
servação. tam nessas imagens?
· Doenças e suas formas de tratamento: · É possível reconhecer algumas fru-
da fitoterapia à alopatia. tas representadas nas obras de
Eckhout e de Arcimboldo como pro-
Continuidadedoprojeto:encaminha- duzidas em alguma região do Estado
mentospotenciais de Pernambuco?
· O que é desconhecido nas imagens
Paralernasobrasdearte de Arcimboldo? Por quê?
· Que sensações e pensamentos as
Possibilidade1
obras de Arcimboldo provocaram?
Apresentarasobras Vertumnus(cercade
· Como a realidade está expressa nas
1590) e Ar(sem datação) de Arcimboldo
obras de Eckhout e Arcimboldo?
e propor leituras comparativas com as
. Teriam utilizado, os artistas, a me-
obrasFrutas(abacaxi,melão,etc.)eNegra
mória, a observação ou a imaginação?
de Albert Eckhout.
· Para você, o que as obras comuni-
Questõesprovocadorasdoolhar: cam? No que elas nos fazem pensar?

· Que elementos são comuns nas obras Possibilidade2


dos dois artistas?
Leitura comparativa entre as obras de
· Quais os vegetais que estão presentes
Eckhout: Negro, Mameluca e Homem
nasimagens?Seriapossívelclassificá-los?
Tupinambá.
E quanto aos animais?

Guiseppe Arcimboldo · Vertummus, 1590, Óleo so-


bre madeira, 70,5 x 57,5 cm, Balsta, Suécia
Guiseppe Arcimboldo · Ar, não datado, Óleo so-
bre tela, 74,5 x 56cm, Coleção Particular, Basiléia Albert Eckhout · Negro e Homem Tupinambá

36
Questõesprovocadorasdoolhar: pesquisando.
Volta da viagem - Registro posterior indi-
· Quais paisagens geográficas você iden- viduale/oudiscussãoemgrupo.
tifica nessas imagens?
· Na parte inferior esquerda do quadro Parapesquisar
HomemTupinambá,Eckhoutrepresentou
um rio que corre em curvas sinuosas · Investigar os artistas cujas obras estão
chamadas de meandros, tal qual o Rio sendo indicadas como objeto de leitura
Capibaribe, quando corta a planície do comparativa com as obras de Albert
Recife. Que relação pode se fazer entre Eckhout, focalizando seus contextos e
esse rio e o Capibaribe hoje? poéticas.
· A cor, o formato e o tamanho das nu- ·Proporumestudosobreoabstracionismo
vens podem nos dar indicações do tem- comoformaderepresentaçãodanature-
po meteorológico. Tomando como base za,atravésdografismoindígenaedaspro-
os céus pintados por Eckhout, qual se- duçõesdeartistasmodernosecontempo-
ria a previsão do tempo em cada cena râneos.
representada? · Investigar formas de “celebração da na-
· Como a luz está refletida nas imagens? tureza” nas produções de diferentes lin-
O foco de luz está mais evidente nas fi- guagensemodalidadesartísticas.
guras ou no fundo? De que forma? · Investigar que artistas contemporâneos
· Os diferentes tons de verde das paisa- trabalham com a questão do
gens de fundo bem como as formas que meio ambiente, cercando o processo de
sedistribuemnosespaçosrepresentados criação e os materiais que utilizam.
indicam variações na cobertura vegetal.
Quaisseriamasáreascultivadas?Porquê? Para produzir
· A floresta tropical ou Mata Atlântica do-
· Desenvolver um projeto sobre o Rio
minavaquasetodaafaixacosteiradoBra-
Capibaribe durante a ocupação holande-
sil.PorqueseráquenapinturaMamelucaa
sa, fazendo um paralelo com os dias atu-
floresta tropical aparece só em pequenas
ais.Fazercomparaçõescomosoutrosrios.
áreas?Houvealgumaintençãodoautorou
Investigar em que parte do rio pode ha-
eleretratouarealidadedaépoca?
vermaispoluição(nascente,foz,próximo
Paradescobrirnavisitaàexposição às cidades, próximo às plantações). Pedir
queosalunosincluamentrevistascompes-
Preparação - Conversa com os alunos soas mais velhas, para lhes informar
para a criação de focos do olhar sobre como era, no seu tempo, o Rio
otemanatureza. Capibaribe, e comparar com os dias de
Visitação - Relembrar os focos do olhar hoje, verificando o que permaneceu e o
com os alunos, conversando com o que mudou nesse rio ao longo do tempo.
monitor sobre o tema que estão Concluir o projeto com os cuidados que

37
se deve ter para evitar que os rios fiquem var o céu, sempre na mesma hora,
poluídoseaságuassetornemimprestáveis marcando a tabela no lugar correspon-
paraousodaspessoas. dente. A critério do professor(a), essa
· A partir do estudo feito sobre o tabela poderá conter desenhos ou pa-
abstracionismoeografismoindígena,ela- lavras. No fim do mês, analise com os
borarcomposiçõesvisuais,tomandoana- alunos qual o tempo que predominou
turezacomofontedeinspiraçãoepesquisa. e que hipóteses eles têm para as trans-
formações ocorridas. Produzam uma
síntese coletiva do estado do tempo do
mês estudado, para comparar com os
meses seguintes. Repita esse procedi-
mento, a cada mês, ao longo do ano
letivo, discutindo com os alunos o mo-
tivo das transformações na atmosfera,
relacionando-o às estações do ano.
Franz Kracjberg · Flor do Mangue, 1973, Madeira, · Fórum de debates sobre as questões
320 x 900 cm, Nova Viçosa, Bahia
ambientais e elaboração de um manifes-
· Propor uma leitura comparativa entre a to de celebração da natureza.
obra Flor do Mangue (1973) de Frans · Leitura, análise e reflexão sobre o
Krajcberg e uma das naturezas-mortas Artigo 25 da Declaração Universal dos
de Albert Eckhout. Discutir sobre o con- Direitos Humanos, relativo ao Pacto In-
ceitodenatureza-mortanaobradecadaum ternacionaldosDireitosEconômicos,Sociais
dos artistas. Encaminhar a elaboração eCulturais(Pidesc).
de produções artísticas, tendo como
matéria-prima elementos descartados PropostasdeFinalização
pela natureza.
· Apresentação dos trabalhos por equi-
· Utilizando o desenho de observação, pes, na sala de aula, seguindo para
elaborar produções artísticas bi e apresentações entre as salas da escola
tridimensionais, representando os ele- e da escola para a comunidade.
mentos da natureza e/ou paisagens pre- · Participação em publicações (elabora-
sentes no seu contexto. Um dia claro, das nas escolas, revistas, jornais, etc.).
com o céu azul e nuvens brancas, indi- · Painéis que contam a história do pro-
ca tempo bom, sem chuvas. Um céu jeto.
com muitas nuvens cinzentas, ao con- · Grafitagem nos muros da escola a par-
trário, prenuncia tempo chuvoso. Mon- tirdotema:Celebrandoanatureza.
te com seus alunos uma tabela com os · Divulgação do texto do Manifesto de
seguintes dados: tempo bom, tempo CelebraçãodaNaturezanaescolaenaco-
nublado e os dias do mês. A cada dia munidade, através de sua distribuição,
um aluno será encarregado de obser- de panfletos e/ou discurso oral dos alu-

38
nos, recolhendo assinatura de adesão
após a leitura, escuta e aceitação do
mesmo.

Avaliação

Propõe-se para o processo de avaliação


a criação conjunta, entre professor e alu-
nos, de critérios de avaliação. A constru-
ção do portfólio, realizado durante o de-
senvolvimento do projeto, permite
visualizar os passos, os conteúdos traba-
lhados, as idéias desenvolvidas e aquelas
queforamabandonadasnopercurso.

Embora a avaliação se dê antes, duran-


te e no final do processo, é no momen-
to final que se sistematizam os caminhos
percorridos. Volte a ler A Cartografia dos
RoteirosdeViagemparareverospassose
as decisões tomadas. Talvez a avaliação
aponte para a construção de um novo
projeto, ampliando questões surgidas
nesse rico momento.

39
Diáriodebordo
amemóriadaviagem

Mas as coisas findas/muito mais que lindas/essas ficarão.


CarlosDrummonddeAndrade

Individual ou coletivo, um diário de bor- çãoeconhecimento.Quelevememsuas


do pode contar toda a história, revelan- mochilas boas lentes para a observação,
do como fomos capturados pelas obras, caderno para diário de bordo e materi-
pela vida e pelo tempo de Albert al para registro, seja máquina fotográfi-
Eckhout. Um espaço para marcarmos o ca, gravador ou mesmo suas canetas.
que aprendemos sobre o passado, o que Professores-cartógrafos leitores e medi-
percebemos sobre o presente e o que adores que criem viagens-projeto que
desejamos para o futuro. possam convocar, aguçar e materializar
o olhar/corpo sensível e pensante dos
São com esses diários de bordo, com o alunos. Cartógrafos–professores–pes-
que conseguimos recolher e com o que quisadores que descubram diferentes
produzimos, que podemos marcar a modos de abordar, compreender e re-
memória de nossa viagem e avaliá-la, fletir sobre a cultura e a arte brasileira,
considerando nossas descobertas, nos- entrelaçando relações com o Brasil, so-
sos acertos e os caminhos que poderi- breserbrasileiro.
am ser trilhados de modo diferente.
Desejamos que, como professores-via-
Comoálbumdefotografiasqueamorosa- jantes, possamos viver percursos poéti-
mente guardamos ou como um portfólio cos inventivos, sensíveis e provocantes
de um artista, essas memórias se para o aprender e o ensinar de novos
condensamnasmãosdeeducadores,que, olhares sobre a arte, a cultura, a ciência
comocartógrafos,mapearampossibilida- e a vida, capturados pelas obras de
des, descobriram lugares pouco explora- Albert Eckhout.
dos, percorreram atalhos provocadores,
encontraramtrilhaseclareiras.

Professores-cartógrafos que tenham


uma bússola composta de ousadia, cria-

40
Glossário

Academicismo · Nome dado ao estilo se caracteriza por enormes pinturas,


de arte produzida por artista com for- utilizando imagens fotográficas e desen-
mação nas Academias — Escolas de volvendo símbolos visuais que comen-
BelasArtes, na qual os padrões estéti- tam aspectos trágicos da história cultu-
cos obedecem a regras rígidas de com- ral humana. Em suas paisagens, há a
posição. presença física de objetos e o uso da
perspectiva e de texturas de modo
Alex Flemming · Artista brasileiro, incomum. Seus temas incluem referên-
nascido em São Paulo, em 1954, que cias à história dos hebreus e egípcios.
mora na Alemanha. Em seu trabalho, Na obra Lilith, o artista apresenta o
transita da pintura à fotografia como do caos urbano de São Paulo, lugar que ele
objeto ao texto. A roupa, na sua obra, chama de Lilith, referência à mitológica
sai do universo pessoal e cotidiano para mulher-demônio primordial.
se tornar arte-objeto.
Antrópicos · Relativo ou pertencente
Alopatia · Sistema ou método de tra- ao homem ou ao seu período de exis-
tamento em que se empregam remédi- tência na terra; relativo às modificações
os que, no organismo, provocam efei- provocadas pelo homem no meio ambi-
tos contrários aos da doença em causa. ente.
Alteridade · Natureza ou condição do Antropofagia Modernista · Pensa-
que é outro, do que é distinto. Estado mento filosófico que fundamentou a
ou qualidade que se constitui através Semana de Arte Moderna (1922) e o
de relações de contraste, distinção, di- Manifesto Antropofágico (1928), que
ferença. propunham uma ruptura com padrões
estéticos e comportamentais importados
Anselm Kiefer · Pintor alemão, nas- da cultura européia e impostos; para
cido em 1945, em Born. Sua produção defenderumaestéticanacionaldecorren-

41
te da ingestão/digestão de diversas cul- ca, mas influenciado pela proposta
turas no processo de criação artística. impressionista. O tema mais recorren-
te nas suas obras foi a dança, pintando
Arcimboldo · Giuseppe Arcimboldo bailarinas ensaiando, dançando, amar-
(1527-1593)nasceuemMilãonomesmo rando sapatilhas ou repousando. Degas
ano em que Roma foi conquistada e sofreu durante 30 anos, com sérios pro-
saqueada pelos mercenários de Carlos blemas de visão, o que é evidenciado
V. Além de usar com freqüência frutas em muitas de suas obras. Morreu em
e legumes para criar os seus retratos, 1917aos83anos.
Arcimboldo era também conhecido por
utilizar vasos, panelas e até ferramentas Especiarias · Conjunto de temperos
paracriarsuasimagensmisteriosas.Suas (cravo, canela, pimenta-do-reino,
pinturas foram consideradas um tanto cominho, noz-moscada, baunilha, etc.)
malucas, embora tenham sido imitadas que os europeus traziam de terras dis-
com certa freqüência. Ele só se tornou tantes, especialmente da Índia, do su-
popular quando os surrealistas o reco- deste asiático, da África.
nheceram como um colega artista, que
gostava de fazer trocadilhos visuais. Etnia · Coletividade de indivíduos que
se diferencia por sua especificidade
Arte-objeto · Utilização de qualquer sociocultural, refletida principalmente na
objeto, material, matéria-prima, pré-fa- língua, na religião e nas maneiras de agir.
bricado ou produto industrial como
obra de arte. A atividade do artista des- Etnografia · Estudo descritivo das di-
loca-se da manufatura da obra para o versas etnias, de suas características an-
ato de escolher um objeto compatível tropológicas, sociais, etc.
com o suporte de uma idéia.
Fitoterapia · Tratamento ou prevenção
Artigo 25 do Pidesc · “Toda pessoa dedoençasatravésdousodeplantas.
tem direito a um padrão de vida ade-
quado à saúde e ao bem-estar, nisso es- Frans Krajcberg · Nasceu na Polônia
tão incluídos alimentação, vestuário, ha- em 1921, é naturalizado brasileiro. Ini-
bitação, assistência médica e os neces- cialmente radicado em São Paulo, resi-
sários serviços sociais.” diu depois no Paraná e Rio de Janeiro,
hoje habita no sul da Bahia, divisa com
Assemblage·Composiçãoartísticacom o Espírito Santo, em uma reserva eco-
retalho de papel ou tecido, objetos des- lógica preservada por ele mesmo. Sua
cartados,pedaçosdemadeira,pedras,etc. obra, no início figurativa, tornou-se abs-
trata. Começou trabalhando como pin-
Edgar Degas · Pintor francês nascido tor, procurando, nas rochas e terras co-
em 1834, iniciado na pintura acadêmi- loridas de Minas Gerais, os pigmentos

42
com os quais preparava as tintas para efígies, retratos, estátuas e monumen-
suas telas. Como escultor, Krajcberg usa tos de qualquer espécie, sem levar em
grossos cipós recolhidos em Mato Gros- conta o valor estético que possam ter.
so, nas florestas devastadas pelo fogo,
ou troncos de árvores tiradas dos man- Impressionismo · Movimento artísti-
gues, já mortas pela ação das plantas co, surgido na segunda metade do sécu-
parasitas, restaurando suas vidas. lo XIX, que busca captar as impressões
de luz, cor e forma, através do emprego
Funai · Fundação Nacional do Índio, é mais livre e pessoal dos materiais de
um órgão do Governo Federal, que tem pintura, diluindo os contornos e abolin-
a incumbência de tratar as questões dos do os tons sombrios.
povos indígenas.
Mameluca · Mestiça de branco euro-
Heitor dos Prazeres · Carioca, nasci- peu com nativa da América (“índia”).
do em 1898. Seus conhecimentos devi-
am-se a sua avó e ao seu pai que era Modesto Broccos y Gomes · Pintor,
marceneiro e tocava clarinete. Traba- gravador e professor, nascido em 1852.
lhoucomosapateiro,mas,comoerabas- Iniciou seus estudos artísticos na
tante atraído pela música, rondava pe- Espanha. Foi para Buenos Aires em
las ruas fazendo serenatas e compondo 1871, onde trabalhou como gravador.
músicas e letras. Compôs para a Portela Chegou ao Brasil em 1872. Trabalhou
e a Mangueira, fez parceria com Noel como gravador e ingressou na Acade-
Rosa, consagrando-se como compositor. mia Imperial de Belas-Artes em 1875.
A partir de 1937, passou a pintar “para Estudou, entre outros, com Zeferino da
enfeitar parede” e gradativamente foi Costa e Victor Meirelles. Foi para Pa-
se firmando no campo das artes plásti- ris, apresentando-se em salões oficiais.
cas, tematizando: ensaios, serenatas, ci- Viajou para Roma como bolsista do
randas, negras gingando, etc.; que sem- governo espanhol e retornou ao Brasil
pre fizeram parte do seu universo, utili- em 1891. Foi nomeado professor da
zando uma poética primitivista, até sua Escola Nacional de Belas-Artes do Rio
morteem1966. de Janeiro. Faleceu em 1936.

Ícone · Signo que apresenta uma rela- Poética · Deriva histórica e semantica-
ção de semelhança ou analogia com o mente do grego poíésis, criação. Relativo
objeto que representa. à linguagem pessoal de cada artista.

Iconografia · Estudo descritivo da re- Primitivista · Tendência artística que


presentação visual de símbolos e ima- busca seus modelos na ingenuidade de
gens tal como se apresentam nos qua- forma e expressão dos povos primiti-
dros, gravuras, estampas, medalhas, vos. Incorporada a partir dos anos 30

43
ao Movimento Modernista por pintores Fala da feminilidade com imagens de
autodidatas, que utilizavam intensas co- mulheres negras. Usa como modalida-
res nas formas simples de representar des a pintura, serigrafia, recortes e a
cenas do dia-a-dia, paisagens e festas costura. “Minha mãe sempre costurou
populares e religiosas. para fora” – diz ela, referendando o seu
trabalho, pois opta por trabalhar com
Raça · Conjunto de indivíduos cujos questões que mexem com seu univer-
caracteres somáticos, tais como a cor da so pessoal.
pele, a conformação do crânio e do ros-
to e o tipo de cabelo, são semelhantes e Tereza Costa Rego · Nasceu no Reci-
se transmitem por hereditariedade, em- fe e começou a pintar ainda criança. Aos
bora variem de indivíduo para indivíduo. quinze anos ingressou no curso de pin-
tura na Escola de Belas-Artes. Expôs
Rap · Gênero de música popular urba- pela primeira vez no Museu do Estado
na, que consiste numa declamação rápi- de Pernambuco, obtendo o primeiro
da e ritmada de um texto, com alturas prêmio. Hoje mora na cidade de Olinda,
aproximadas. onde possui um ateliê na Rua do Am-
paro. Em comemoração aos 500 anos
Roberto van der Ploeg · Artista ho- do Brasil expôs a mostra As Sete Luas de
landês radicado há vinte anos no Esta- Sangue no Museu de Arte moderna
do de Pernambuco. Aqui chegou com o Aluízio Magalhães (Mamam), abordan-
objetivo de fazer um mestrado em Teo- do sete momentos ou circunstâncias his-
logia e trabalhar em educação popular. tóricas do Nordeste, em que a luta pela
Em meados de 1980 foi residir na cida- liberdade e pelos direitos do homem
de de Olinda, entrando em contato com foram o estopim da morte.
a comunidade artística da “cidade alta”,
onde passou a freqüentar cursos, ofici- Vik Muniz · Paulista, nascido em 1961,
nas e ateliês de artes plásticas. Fez sua morando atualmente em Nova York.
primeira exposição individual em 1996. Começou trabalhando como publicitá-
Estudioso da obra pictórica de Albert rio, emergindo para o campo das artes
Eckhout, produz releituras com fortes visuais através do desenho e da fotogra-
características de crítica social. fia. Transita entre o desenho e a pintu-
ra, utilizando materiais simples, como
Rosana Paulino · Negra, nascida em grafite; ou materiais sensuais, como
1967, no interior de São Paulo, em uma chocolate; doces, como o açúcar; áspe-
família simples, desiste de cursar Bio- ros, como a terra; e leves, como o algo-
logia após ter prestado vestibular na dão, reinventando imagens veiculadas
Unicamp, para se dedicar às artes plás- em diversas mídias e fotografando os
ticas. Em seu trabalho, trata de te- resultados dessas reconstruções.
mas como violência, racismo e sexo.

44
Wellignton Virgolino · Nasceu no
Recife, no ano de 1929. Pintor, grava-
dor e escultor, expõe seus trabalhos
desde a década de 50, quando ao lado
de outros importantes artistas, integra
o ateliê coletivo da Sociedade de Arte
Moderna do Recife. Possuindo uma lin-
guagem própria e inimitável, pinta figu-
ras humanas com grandes olhos ovala-
dos, envoltas num mar de texturas e
cores intensas. A obra O Paraíso faz par-
te de uma série de quadros inspirados
em episódios do Velho Testamento.

45
Bibliografia
Recomendada

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47
Arte e Ciência
noBrasilholandês

Elly de Vries

ContextoHistórico colas — visando o domínio sobre a pro-


dução do açúcar — era a pirataria, ou-
No final do século XVI, a Holanda de- tro objetivo da Companhia. Ao fim da
senvolvia-serapidamentenoscamposda trégua de doze anos, entre 1609 e 1621,
cartografia, da construção naval e dos a Holanda voltaria a atacar o inimigo,
instrumentosdenavegação,começando não somente nos seus próprios territó-
a participar da conquista de novos ter- rios (BR território esp.) como também
ritórios, ao lado de portugueses e espa- nos mares, corseando a carga de navios
nhóis. que retornavam carregados à Espanha.
Ao bloquear a entrada dessas riquezas,
Em 1580, com a união das coroas ibé- dificultava-se o financiamento da guer-
ricas, que duraria até 1640, o Brasil pas- ra deste país contra a Holanda. Um pon-
sara a ser domínio espanhol. Em 1581, to estratégico de onde a pirataria facil-
a Holanda, dominada pela Espanha des- mente poderia ser organizada era a cos-
de 1551, declarara-se uma república in- ta do Nordeste brasileiro.
dependente, tendo combatido Madri até
1648 (com uma trégua entre 1609 a Do ponto de vista econômico, a costa
1621). brasileira era particularmente atraente.
Após uma tentativa frustrada de tomar
Em 1602, foi fundada a Companhia das Salvador, na Bahia, em 1624-1625, a
Índias Orientais (WOC), rapidamente Companhia passou a empenhar esfor-
transformada numa grande fonte de ri- ços para conquistar Pernambuco — re-
queza para a Holanda, que, incentivada gião igualmente favorável, devido ao
pelo sucesso do empreendimento, fun- cultivo da cana-de-açúcar.
dou, em 1621, a Companhia das Índias
Ocidentais (WIC). Tão importante Em 1628, os holandeses capturaram
quanto o comércio de açúcar e pau- uma importante carga de navios espa-
brasil e a implantação de colônias agrí- nhóis, o que lhes permitiu investir no

48
equipamento de uma nova esquadra tante diverso do adotado pela maioria
para invadir o Brasil. Dessa forma, em de seus contemporâneos que iam para
1630, os holandeses capturaram o Oriente. Isso fica evidente logo de
Olinda, firmando-se assim no Brasil e saída, quando da escolha dos integran-
cuidando logo de expandir seu territó- tes de sua comitiva, constituída não so-
rio, de modo que uma razoável exten- mente dos soldados e oficiais de praxe,
são da costa do Nordeste brasileiro fi- mas também de cientistas e artistas.
casse sob seu domínio. Entre estes encontravam-se os cientis-
tas Willem Piso (ou Pies) e Georg
Em 1636, os diretores da WIC decidi- Marcgrave e os artistas Albert Eckhout
ram enviar ao Brasil um governador- e Frans Post. É sobre o trabalho inesti-
geral que consolidasse o poder nos ter- mável realizado por essas pessoas no
ritórios conquistados, aumentando a Brasil, no século XVII, que falarei no
produçãodeaçúcare,conseqüentemen- próximo bloco.
te, os lucros da Companhia. A escolha
recaiu sobre um jovem oficial de ape- Durante sua estada de quase oito anos
nas 32 anos, João Maurício de Nassau- no Nordeste, Maurício de Nassau cons-
Siegen. truiu dois palácios — o Friburgo e o Boa
Vista — , diques, pontes, praças, bem
O Conde de Nassau (em 1652, prínci- como concebeu uma nova cidade, a “Ci-
pe) nasceu em 1604, em Dillemburg, dade Mauritia”. É interessante salien-
Alemanha. Por parte de pai, tinha pa- tar que esses feitos não encontram pa-
rentesco com a família real holandesa ralelo em nenhum outro território ocu-
e, pelo lado materno, com a corte dina- pado pelos holandeses.
marquesa. Após estudos nas Universi-
dades da Basiléia e de Genebra, Nassau O Palácio Friburgo era também conhe-
estudou em Kessel, na Alemanha, onde cidocomoPaláciodasDuasTorres,ambas
começou a interessar-se por artes e ci- utilizadas por Marcgrave como obser-
ências. Por volta de 1620, iniciou car- vatórios astronômicos. Nassau fez com
reira militar em Haia, alistando-se mais que ali fosse também instalado e orga-
tarde no exército holandês, quando veio nizado um jardim zoológico e botânico,
a adquirir certa fama nas batalhas con- com todos os tipos de animais e plantas
tra os espanhóis. Confiando nas suas ca- encontrados na região. Muitos desses
pacidades administrativas e habilidades animais eram presenteados a Nassau
militares, a Companhia designou-o por moradores e colonos de localidades
como seu representante e governador. maisafastadas.

A partir de então, é interessante notar Torna-se, pois, evidente aqui o papel de


como a administração de Nassau desen- Maurício de Nassau como mecenas das
volveu-se a partir de um conceito bas- artes e da ciência no Novo Mundo — um

49
príncipe colonizador humanista —, já Georg Marcgrave. Todos jovens, com
que, ao longo de sua estada no Brasil, idades que variavam de 25 a 27 anos.
foram incentivados e realizados estudos
em diversas áreas do conhecimento, tais Guilherme Piso era médico pessoal de
como a zoologia, a botânica, a etnologia, Maurício de Nassau e desenvolveu aqui
a cartografia e a astronomia. um valioso estudo das plantas e suas
atribuições medicinais.
Do ponto de vista político e econômico, a
situação começou a deteriorar-se rapida- Georg Marcgrave, alemão, era médico,
mente depoisde1640,quandoospor- astrônomo, cartógrafo, matemático e
tuguesestornaram-senovamenteindepen- naturalista; estudara na cidade de
dentesdaEspanha,voltandoapreocupar- Leiden, após ter freqüentado já nove
se com seus domínios no Brasil. universidades na Alemanha. Era um
desses cientistas multidisciplinares e en-
Maurício de Nassau insistiu várias ve- controu no Brasil um campo ilimitado
zes para que os diretores da Compa- para sua pesquisa.
nhia lhe enviassem mais recursos para
expandir suas forças militares. Suas re- O trabalho realizado por Piso e
quisições, no entanto, não foram ouvi- Marcgrave resultou, após o regresso à
das, em parte devido a problemas finan- Holanda, na publicação do livro Historia
ceiros que a Companhia então enfren- Naturalis Brasiliae em 1648, editado por
tava, em parte porque pendia sobre ele Johannes de Laet sob o patrocínio do
a suspeita de ser um esbanjador que se próprio Maurício de Nassau. É impor-
ocupava de empreendimentos elitistas tante mencionar que se trata de uma
às custas da Companhia, sem visar lu- obra subdividida em oito volumes: os
cros para a mesma. três primeiros tratam das plantas; o
quarto, dos peixes; o quinto, das aves;
Em 1644, Maurício de Nassau retornou o sexto, dos quadrúpedes e serpentes;
à Holanda. Em 1654, Pernambuco ren- o oitavo, da região e de seus habitan-
deu-se aos portugueses. Em 1661, a tes, incluindo-se neste um apêndice so-
Companhia, num acordo, abriu mão de bre os tapuias e chilenos. Os dados ci-
todos os seus direitos sobre o território. entíficos contidos na obra foram princi-
pal fonte de pesquisa no campo da ciên-
CientistaseartistasnoBrasilho- cia natural para espécies da flora e fauna
landês brasileiras, até o final do século XVIII,
sendo somente então suplantados.
Sob o patrocínio e orientação de Mau-
rício de Nassau, trabalharam aqui dois Os resultados artísticos da estada de
artistas — Frans Post e Albert Eckhout Nassau e sua equipe no Brasil não fo-
— e dois cientistas — Guilherme Piso e ram menos impressionantes.

50
Albert Eckhout, que veio como retratista, Tapeçarias
debruçou-setambémsobreafaunaeaflo-
ra. Muitos desses desenhos foram mais São conhecidas como aSérie das Índias.
tarde aproveitados como base para as Consiste de oito temas básicos, basea-
xilogravurasdolivroHNB,bemcomopara dos originalmente nos desenhos de
acomposiçãodequadrosetapeçarias. Eckhout, e confeccionada pela
Manufacture de Gobelins, na França, de
Para analisar as principais obras de 1687 a 1730. Quando os cartões fica-
Albert Eckhout, observemos os retra- ram desgastados pelo uso constante,
tos de quatro casais, que hoje perten- foram encomendados novos cartões ao
cem ao acervo do Museu Nacional da artista francês François Desportes. Essa
Dinamarca, a saber: nova série estabeleceu uma relação de
distinção com a antiga, passando a ser,
Homem - Mulher Tapuia ambas,conhecidascomoAnciennesIndes
Homem - Mulher Tupinambá eNouvellesIndes. Asegundasériefoicon-
Mestiço - Mameluca feccionada entre 1740 e 1786.
Negro - Negra
Frans Post, paisagista, foi incumbido de
Esses quadros têm 2,60 metros de altu- documentar os cenários rurais e urba-
ra e retratam as várias etnias residen- nos, os palácios, as fortificações milita-
tes no Brasil à época, bem como aspec- res, etc. Seu trabalho está inserido no
tos da miscigenação de raças. Os retra- contexto da pintura de paisagem na
tos impressionaram, a princípio, pelo Holanda do século XVII. Ele filtra a
tamanho e, a seguir, pela notável e deta- paisagem brasileira com seu modo ho-
lhada observação etnográfica dos tipos landês de ver e pintar. São reconhecí-
humanos. Representam etnias ao mes- veis em suas obras os mesmos recursos
mo tempo em que exibem a riqueza e de enquadramento e perspectiva da tra-
exuberância de pormenores botânicos dição holandesa. Tendo feito muitos
e zoológicos. desenhos aqui, retratando ora uma ca-
pela, ora um engenho, ao retornar para
Nunca antes os povos americanos foram
a Holanda, ele se utiliza desse material
vistos e tratados com a dignidade
com liberdade na composição dos cená-
conferida a essas figuras pelos artistas.
rios, não obrigatoriamente representan-
do situações reais.
Ospainéiscomfrutas
Quando Maurício de Nassau volta à
As naturezas-mortas de Eckhout mos-
Holanda, Eckhout e Post acompanha-
tram a riqueza das frutas tropicais e re-
ram-no e, durante certo tempo, ainda
velam uma postura quase didática do
trabalharam para ele, seguindo mais
artista em relação ao objeto retratado.
tarde suas carreiras independentes, mas

51
sempre retrabalhando os temas brasi- que, já há muito, vinha provando de seu
leiros, o que demonstra o quanto a ex- caráter de novidade e exotismo. Os ecos
periência tornou-se significativa, um da repercussão que esse material pro-
verdadeiro marco na carreira de ambos. vocou no campo das artes e das ciênci-
as permanecem inscritos no tempo,
Morando na Mauritshuis, em Haia, como prova de uma experiência sem
Nassau colhia os frutos de sua missão paralelo na história da colonização do
no Brasil. Primeiro, financiou a publi- Novo Mundo.
cação do livro de Gaspar Barléu, Rerum
perOcteniuminBrasiliae(1647),contendo
um relato dos feitos praticados duran-
te sua estada. Em seguida, publicou o
livro, já citado, de Piso e Marcgrave,
Historia Naturalis Brasiliae (1648).

Em 1652, Nassau entrou para o serviço


de Frederico Guilherme I, eleitor de
Brandenburgo.Suacoleçãocomeçou,en-
tão, a espalhar-se pela Europa, por meio
de presentes que oferecia em troca de
retribuições que lhe conferissem “status”
oualgumarecompensafinanceira.

O primeiro presente foi feito em 1652,


quando, além dos desenhos, Nassau
entregou pinturas, móveis e artefatos
ao eleitor de Brandenburgo. O segun-
do presente foi enviado, em 1654, ao
Rei Frederico III da Dinamarca. O pre-
sente constava de 26 pinturas a óleo e
objetos. A última transação aconteceu
em 1679, quando Nassau enviou, a Luís
XIV, os cartões de Eckhout para con-
fecção de tapeçarias, quadros de Frans
Post e objetos.

Desse modo, por muito mais de trinta


anos após seu retorno à Europa, semen-
tes dos frutos dos anos brasileiros es-
palharam-se pelo Velho Continente,

52
LendoaLinhadoTempo

RobertaRodriguesAymar

Umadasprimeirasformasdeconsciência DevorandoaunHijo,alegoriatemporalide-
doindivíduoéaconsciênciadotempo.Não alizada pelo célebre pintor espanhol Fran-
há uma só fração do tempo na história da cisco GoyayLucientes(1746–1828),que,
humanidade,emqueapreocupaçãocom inspirado no mito romano de Saturno
a sua fluidez não tenha perseguido, incô- (Chronos para os gregos), sintetiza o dra-
modaepertubadoramente,aespéciehu- ma humano frente ao caráter devorador
mana,umavezquesuaincessantefluên- dotempo.Aforçaimagísticadodevorante
ciaimpõeairremediávelinterrogação so- é uma das mais inquietantes e provoca-
bre a finitude do ser. doras metáforas do tempo — expressão
alegórica sem precedentes, que garantiu
É através do registro, da medida (conta- a imortalidade dessa obra de arte.
gem) e da contextualização que, de certa
maneira,seefetivaumaespéciedecatarse No intento de ultrapassar a apreensão do
do indivíduo em relação à consciência da tempo a partir de vivências pessoais, de
supremacia dotemposobresuaexistên- compreender e de assimilar a noção de
cia.Existemoutrostiposdecatarse,como, tempo nas suas diversas dimensões, o
por exemplo, os viabilizados pelo desen- homem, por meio da sua inata curiosida-
volvimentotécnico-científico(telecomuni- de e capacidade criativa, vem, incessante
cação,telemática,engenhariagenética,fí- emetodicamente,investindonainvenção
sicaquântica,etc.). de sistemas de medição (calendários) e
na construção de aparelhos (gnômon,1
Asartestambémexercemumpapelpre-
ponderante nesse processo catártico. A
1. Gnômon · conhecido também como relógio
propósito, um exemplo marcante da su-
solar. Instrumento que mede a hora do dia, atra-
peração da finitude do ser em relação ao vés da disposição de um estilete, uma coluna, uma
tempo,atravésdacriaçãoefruiçãoestéti- haste, etc., na vertical sobre um plano horizon-
cas, está cristalizado no quadro Saturno tal, indicando a altura do sol ou da lua acima do
horizonte.

53
clepsidra,2 astrolábio,3 ampulheta,4 reló- interpretar e de entender o tempo na sua
gios,etc.)cadavezmaissofisticadosepre- dimensão histórica, como produto cultu-
cisos para controlar com maior proprie- ral dediversasconcretudes espaço–tem-
dade o passar do tempo, na tentativa de porais. E é na cultura que surgem e
minimizá-lo como realidade abstrata, interagemasmaisdiferentesconcepções
transformando-o em realidade concre- de tempo, como o tempo cíclico das soci-
ta, passível de mensuração. edades agrárias, o tempo mítico da civili-
zaçãogreco-romana,otempoescatológico
Medir, demarcar, controlar o tempo são ou teleológico do medievo. Tais concep-
experiências tão contínuas na existên- ções permitem driblar a idéia de
cia das mais diversas formações sociais linearidade embutida no tempo cronoló-
quanto o próprio movimento do tempo gico — único, singular e irreversível — e
natural. Todavia, as sociedades não cri- trazer à tona os diversos ritmos e da sua
am calendários e aparelhos de medição duração, incorporando as noções de per-
apenascomomaisumaentretantasten- manência/continuidade, ruptura/
tativas de dominação dos movimentos descontinuidade e a dinâmica dialética
e das transformações da natureza. desses processos, o que possibilita uma
leitura ressignificada dos conceitos de
Há, além desses ensaios de materializar mudança e transformação, agora, nessa
o tempo, uma intenção simbólica que ul- perspectiva, não mais associados à idéia
trapassaessamaterialidadeerevelauma de linearidade e desenvolvimento pro-
necessidade imaterial de registrar, de gressivo.

Incorporar os diversos ritmos da dura-


2. Clepsidra ou relógio de água é um instrumento
muito antigo de medição do tempo com formato
çãodotempo(otempodosacontecimen-
constituído por dois cones, onde o gotejamento tos, das conjunturas, das estruturas)
da água do cone superior para o inferior possibi- abre um leque de possibilidades de in-
litava a indicação da hora pela leitura do nível de terpretação e reflexão do tempo crono-
água no compartimento de baixo.
3. Astrolábio é um instrumento de forma esféri- lógico. Aí ultrapassa-se a barreira da
ca com haste móvel, utilizado para medir a posi- dimensão quantitativa, em que a
ção dos astros, como as estrelas, por exemplo. datação serve apenas como registro
Tal utensílio foi amplamente utilizado pela na-
delimitador e demarcador, para uma
vegação e como uma maneira de determinar a
duração do ano. dimensão qualitativa desse registro, es-
4. Ampulheta ou relógio de areia, como é facil- tabelecendo novas pontes entre passa-
mente reconhecido, é um instrumento de medida do e presente. O registro do tempo pas-
do tempo formado por um recipiente de vidro,
dividido em dois compartimentos cônicos simé-
sa então a ter outros sentidos, como
tricos ligados pelo vértice (um canal estreito), por lembrar, rememorar, celebrar, comemo-
onde passa uma substância (areia, água ou mer- rar, cultuar, desconstruindo antigas vi-
cúrio) de um compartimento para o outro num sões e formulando novos significados.
intervalo de tempo determinado.

54
As linhas do tempo, um dos recursos Tal reflexão é um convite às novas e
didáticos mais utilizados para a organi- diferentes leituras sobre o tempo e, aci-
zação esquemática da História, podem, ma de tudo, sobre o encontro de cultu-
se bem construídas e dimensionadas, ras tão distintas, proporcionado a par-
refletir sobre a diversidade e a comple- tir da presença holandesa no Brasil do
xidade dos diferentes povos e culturas. século XVII (1630–1654): sobre um
tempo, sobre o tempo — O Tempo dos
Considerando o que a palavra linha su- Flamengos —, sobre um tempo do Brasil
gere, a idéia que se faz, automaticamen- em que ainda há muito por se conhecer
te, é de um traço contínuo e alongado, e se revelar.
representando uma determinada exten-
são, delimitada ou não. Destarte, tal ima-
gemremeteàdelinearidade—aoquese
estende em linha ou em comprimento;
ao que se projeta de forma linear.

Porém, partindo das múltiplas possibi-


lidades de leitura temporal, as linhas
do tempo podem assumir diversas
feituras ou tessituras que reflitam mais
além do que a simples demarcação ho-
rizontal de acontecimentos instituídos
e institucionalizados (os chamados fatos
históricos), selecionados e avaliados
pelo saber dominante, pela subjetivida-
de ideológica e pelo direcionamento
político de quem os seleciona.

Noutra direção, as linhas do tempo de-


vem ousar na forma, na função e nos
conteúdos (principalmente no teor dos
conteúdos), distanciando-se do simples
arrolamento de fatos inertes e amorfos,
no intuito de refletir sobre as visões de
mundo e os espíritos das épocas passa-
das e, sobretudo, na medida do possível,
oferecer um panorama sobre dúvidas,
questionamentos, indagações e outras
demandas sociais do presente, em rela-
ção à dinâmica dos tempos passados.

55
Linhadotempo

Índicedeimagens

01.1578·JeandeLéry.GuerreirosTupinambás.Levoyage 13.1637·AlbertEckhout. Mameluca,169x170cm,


auBrésil,1578.BibliotecaNacional,RiodeJaneiro. óleosobretela,1641.MuseuRealdaDinamarca.
02.1617· PeterPoulRubens(1577-1640).ORaptodas 14.1 637 · Moeda obsidional em ouro, mandada cu-
filhas de Leucipo, 222 x 209 cm. Munich, Alte nharporJoãoMauríciodeNassauprovavelmen-
Pinokothek. teentre1645e1646,resgatadadanauUtrecht,
03.1621·P.Scharck.EscritóriodaCompanhiadasÍndias afundadaem1648naBahia.ColeçãodoCentro
OcidentaisemAmsterdam.Gravura,ColeçãoJ.de Cultural da Marinha, Rio de Janeiro.
Souza Leão. Rio de Janeiro, GB. 15. 1637·ArmasdaCasadeOrange.ColeçãoBanco
04.1630·FrotadeMauríciodeNassau.Gravuraapartir Itaú.
de desenho de Frans Post. Ilustração do livro de 16.1638·GeorgMarcgrave.ImagemdolivroHistoria
GasparBarléu,42,5x55,5cm.AcervodaFunda- RerumNaturaliumBrasiliae,1648.ColeçãoRuySou-
ção Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, GB. zaeSilva.
05.1630·AlbertEckhout(1610-1665).ÍndioTupi,269x 17.1641· AlbertEckhout.Mulato,268x165cm,óleo
170cm,óleosobretela,1643.MuseuNacionalda sobretela,1641.MuseuRealdaDinamarca.
Dinamarca. 18.1641/1642·PaláciodeFriburgo.Gravuraemcobre
06.FransPost(1612-1680).VistadaSédeOlinda,óleo segundodesenhodeFransPost,pintadaamão,
sobremadeira,45x70cm. extraída do livro de Gaspar Barléu, 42,5 x 55,5
07.1632·Rembrant(1606-1669)LiçãodeAnatomiado cm. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio
Dr. Nicolaes Tulp, 162,5 x 216,5 cm. Acervo do deJaneiro.
Mauritshuis,Amsterdam. 19.1643·BoaVista.Gravuraemcobre,segundodese-
08.1633·FransHals(1582-1666).MalleBabbeouA nho de Frans Post, pintada a mão, extraída do
BruxadeHaarlem(c.1630-33)74,93x64,13cm. livro de Gaspar Barléu, 42,5 x 55,5 cm. Acervo
StaotlicheMuseum,BerlimOcidental. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
09.1633·Vermeer(1632-1675)ALeiteira(1655-1661)45 20.1644·ReynaldoFonseca.FernandesVieira,óleos/
x40cm.RijksMuseum,Amsterdam. tela,70x50cm,1993.
10.1635·FransPost.PaisagemdaParaíba,óleosobre 21.1649·1ªBatalhadosGuararapes,autorignorado,
madeira, 45,4 x 53,7 cm. Acervo do Museu de 264x259cm,óleosobremadeira,1709.Acervo
Belas-Artes,RiodeJaneiro. doMuseudoEstadodePernambuco.
11.1636·ZachariasWagener.OMercadodosEscravosda 22.1654·TerezaCostaRego.BatalhadosGuararapes
RuadosJudeus.ExtraídodoThierbuch,séc.XVII. ouAárvoredaLiberdade.Acrílicosobremadeira,
Kupferstich Kabinett, Dresden. 160x220cm,1993.
12.1637·ThodorMatham.JoãoMauríciodeNassau- 23.1678·TapeçariaLêdeuxTorreaux.
Siegen(1604-1679).Gravura,ilustraçãodolivrode 24. Séc. XX · Capa da edição do livro Tempo dos
Gaspar Barléu, 42,5 x 28 cm. Acervo Fundação Flamengos, do historiador José Antônio
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Gonsalves de Mello.

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