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O CREPÚSCULO DOS PENSAMENTOS – ÉMILE M.

CIORAN
“... alimentei-vos com fizeram-no desabar. Mesmo um levanta, ameaçando como um frivolidade e a melancolia, e o
o pão e a água da verme perturbaria seu sono, pelo monstro antigo que destrói você com triunfo desta.)
pouco que é capaz de inquietude um olhar, ou preenche todos os O remorso é a forma ética
tristeza.” metafísica. instantes de sensações de chumbo do arrependimento. (O qual se torna
II Chroniques, XVIII, O pensamento de Deus faz fundido no sangue. problema, mas não tristeza.) Um
26 obstáculo ao suicídio, mas não à Os homens simples provam arrependimento elevado à classe de
morte. Ela não saberia cativar a do remorso por conseqüência de um sofrimento.
obscuridade que pôde amedrontá-lo acontecimento qualquer; como vêem Não resolve nada, mas com
quando ele procurava seu pulso em dele claramente os motivos, sabem ele tudo começa. A moral aparece ao
CAPÍTULO meio ao terror do Nada. de onde ele procede. Seria vão falar- primeiro estremecimento do
PRIMEIRO * lhes do “acesso” a ele, não remorso.
Diógenes, diz-se, teria sido compreenderiam a força de um Um doloroso dinamismo
Diga que o universo não falsificador de moedas. – Quem não sofrimento inútil. faz dele um suntuoso e vão
tem nenhum sentido, você não crê na verdade absoluta tem direito a O remorso metafísico é desperdício da alma. Só o mar, e a
zangará ninguém – mas afirme a tudo falsificar. uma perturbação sem causa, uma fumaça dos cigarros, reenviam-nos a
mesma coisa de um indivíduo, ele Nascido após Jesus Cristo, inquietude ética à margem da vida. sua imagem.
não faltará a protestar, e irá até Diógenes foi um santo. Para onde Não há nenhuma falta a lamentar, e O pecado é a expressão
tomar medidas contra você. poderia ser conduzida nossa no entanto você sofre de remorso. religiosa do remorso, o
Somos todos assim: logo admiração pelos Cínicos e dois mil Não se recorda de nada, mas o arrependimento sua expressão
que se trate de um princípio geral, anos de cristianismo. A um Diógenes passado envolve tudo de um infinito poética: este o seu limite inferior,
nos colocamos de fora e não temos terno. de dor. Sem ter feito nada de mal, aquele o superior.
nenhum incômodo em erigir-nos em Platão nomeou Diógenes você se sente responsável do mal do Você se lamenta sobre
exceção. Se o universo não possui “um Sócrates louco”. Difícil salvar universo. Sensação de Satã em qualquer coisa de que é causa. Era
sentido, há alguém que escape à Sócrates. delírio de escrúpulo. – O princípio livre para dar outro curso aos
maldição dessa sentença? Todo o * do mal agarrado aos problemas acontecimentos, mas a atração do
segredo da vida se reduz a isto: ela Se a agitação surda que me éticos e ao terror imediato das mal ou da vulgaridade venceu a
não tem nenhum sentido, cada um habita se exprimisse em voz alta, soluções. reflexão ética. Há no remorso uma
de nós, no entanto, nela o encontra. cada gesto seria uma genuflexão Quanto mais você mostra a mistura de teologia e de vulgaridade:
* perante um muro de lamentações. indiferença ao mal, mais se daí sua ambigüidade.
A solidão não ensina o ser De nascença eu carrego um luto – o aproxima do remorso essencial. Isso Jamais nos ressentimos tão
só, mas o só. luto desse mundo. é às vezes problema, equívoco: é dolorosamente da irreversibilidade
* * então que você suporta o peso da do tempo quanto no remorso. O
Deus tem todo interesse em Tudo que não se esquece ausência do Bem. irreparável não é senão a
proteger suas verdades. Um simples consome nossa substância; o * interpretação moral dessa
levantar de ombros, às vezes, remorso é o antípoda do O violeta, cor do remorso. irreversibilidade.
demole-o por completo; pois há bom esquecimento. É por isso que ele se (O estranho nele vem da luta entre a
tempo que nossos pensamentos
O mal nos revela a * que somente a covardia nos empurra Há clareiras onde os anjos
substância demoníaca do tempo; o O mundo é um Não-Lugar aos braços desse mundo. vêm fazer estada: a bordo dos
bem, a potência da eternidade do universal. É por isso que você não A religião é uma revelação desertos, ali plantaria flores para
devir. O mal é abandono, o bem, tem nenhuma parte aonde ir, atenuada do silêncio, um poder repousar-me à sombra desse
cálculo inspirado. Ninguém poderia jamais… abrandamento da lição do niilismo símbolo.
diferenciar racionalmente um do * que nos sopra seus murmúrios, *
outro, mas sentimos todos o calor Todos esses momentos em filtrados por nossa inquietude e Seria necessário ter o
doloroso do mal e o frio estático do que a vida se cala, por deixar você nossa prudência… espírito de um cético grego e um
bem. entender sua solidão... Em Paris, Assim, o silêncio se coração de Jó para experimentar os
Seu dualismo se transpõe como numa aldeia remota, o tempo estabelece entre os antípodas da sentimentos em si mesmos: um
do mundo dos valores para um outro se retira, se restabelece num canto vida. pecado sem culpabilidade, uma
mais profundo: inocência ou da consciência, e permanece consigo * tristeza sem razão, um remorso sem
conhecimento. mesmo, suas sombras e suas luzes. A Cada vez que a palavra causa, um ódio sem objeto…
O que distingue o remorso alma se isolou, e nas convulsões desvario (égarement) me vem ao Os sentimentos puros – os
do desespero, do ódio ou do pavor, é indefinidas, sobe à superfície como espírito, o homem se revela a mim. que têm seu equivalente numa
um enternecimento, um patético do um cadáver emergido das A cada vez, parece-me que as filosofia sem problemas. Assim, a
incurável. profundezas. É então que se toma montanhas estão adormecidas sobre vida e o pensamento perdem toda
* conta de que se pode perder sua minha fronte. relação com o tempo e a existência
Tantos homens são alma, e não no sentido bíblico. * se torna uma suspensão. O que se
separados da morte como que pela * Em sua autobiografia, Suso passa com você não saberia
nostalgia que eles nela têm. A morte Todo pensamento se relata que gravara o nome de Jesus, relacionar-se com o que seja, não
aí se forja como um espelho da vida assemelha ao gemido de um verme como à punção, ao lugar do coração. levando a nenhuma parte e
onde possa ela contemplar-se. que pisoteia os anjos. O sangue não jorrara em vão pois, esgotando-se na finalidade interna
A poesia: instrumento de * ao cabo de algum tempo, ele viu do ato ele mesmo. Você se tornou
um narcisismo fúnebre. Você não pode naquelas letras uma luz, que mais essencial arrancando à sua
* compreender o que significa a recobriu para que nunca ninguém história seu caráter de
Os animais, assim como as “meditação” se não está habituado a pudesse percebê-la. Que poderia temporalidade. Os olhares para o céu
plantas, são tristes, mas não fizeram ouvir o silêncio. Sua voz convida à escrever eu sobre meu coração, são intemporais, e a vida, em si, é
da tristeza um instrumento de renúncia. Todas as iniciações senão infortúnio? E ver-se-ia repetir- menos localizável que o nada.
conhecimento. Nesse ponto, religiosas são imersões em suas se a surpresa de Suso, de século em A nostalgia do absoluto tem
precisamente, o homem cessa de ser profundezas. Eu comecei a século, se somente o diabo tivesse a algo da pureza do indefinível, que
natureza. Ao olhar ao redor de nós, compreender a doutrina de Buda luz por emblema. Assim, o coração deve nos curar das contaminações da
quem não se apercebe de que somos desde o instante em que me soube o do homem se faria a insígnia temporalidade, e servir de modelo a
ligados por amizade às plantas, aos terror do silêncio. O mutismo luminosa de Satã. essa incessante suspensão. Pois esta,
animais e a todos os minerais, mas cósmico nos ensina tantas coisas, * no fundo, não faz senão
ao homem, jamais.
desembaraçar a consciência desse obra… A dúvida metafísica crê que escapatória: o paradoxo, forma ceticismo religioso não é outra coisa
parasita que é o tempo. nós sejamos uma natureza que sorridente do irracional. que sua prática consciente.
* repugna à sociedade, um tormento. Que é, para a lógica, senão Tudo que não entra nos
Quão imediatamente meus A falta de audácia para com os um jogo irresponsável, e para o bom limites da razão é motivo de dúvida;
pensamentos vão ao homem, a homens – quando a força se decante senso, uma imoralidade teórica? mas, nela, não há nada. Donde o
piedade lhes invade. Assim, não em desdém – vem de uma vitalidade Mas o paradoxo não queima tudo impulso fecundo do pensamento
chego de nenhuma maneira a incerta que é essencial ao mundo, que é insolúvel, os contra-sensos e paradoxal, que preencheu a forma
reencontrar seu vestígio. Uma agravada de dúvidas. Um instinto conflitos que, sorrateiramente, com conteúdo e deu curso oficial ao
ruptura na natureza se impõe na certo e uma fé decidida lhes atormentam a vida? Desde que as absurdo.
meditação. conferem o direito à impertinência e sombras tumultuadas vieram se O paradoxo emprestou à
* mesmo a ela lhes obriga. A timidez é confessar à razão, esta esconde a vida o charme de um absurdo
A paixão da santidade uma maneira de encobrir um origem dos seus burburinhos sob a significante… ele renuncia ao que
substitui o álcool, da mesma maneira lamento: pois a audácia não é mais elegância do paradoxo. O paradoxo ela lhe deu ao início.
que a música. Assim como pelo que a forma que toma a ausência de de salão é ele outra coisa que a *
erotismo e pela poesia. Formas lamento. expressão a mais profunda que possa Se eu fosse Moisés, faria
variadas do esquecimento, * afetar a ligeireza? emanar os lamentos golpeando a
perfeitamente substituíveis. Os A cada ilusão perdida, tem- O paradoxo não é uma rocha com meu bastão. De todo
alcoólatras, os santos, os amantes e se o sentimento de ter servido de solução, ele não resolve nada. Ele modo, aí está uma maneira de matar
os poetas se encontram, no início, à espelho ao lavabo íntimo da vida. não pode mais que servir de a sede dos mortais…
mesma distância do céu, ou após da Não há mistério mais comovente ordenamento ao irreparável. Mas *
terra. Somente diferem os caminhos, que o amor da vida; ele sozinho poder, graças a ele, corrigir uma O religioso não é atarefado
mas todos estão em vias de não ser pisoteia todas as evidências. É coisa, aí está a maior grandeza dos por conteúdo, mas por intensidade.
mais homens. É por isso que a necessário não pertencer a nada no paradoxos. Eu não posso me Deus se determina como momento
voluptuosidade da imanência os mundo de modo que a vida pareça representar sem desiludir a razão, de nossos frêmitos, e o mundo onde
condena igualmente. um absoluto. Do céu, é a perspectiva que, por falta de pathos, é obrigada a vivemos se torna raramente objeto
* que se tem. dar ouvidos ao murmúrio da vida, e da sensibilidade religiosa, pelo fato
A timidez é um desdém * de renunciar à sua autonomia. No de que não se pode pensá-lo senão
instintivo da vida; o cinismo um Que emerja o paradoxo, o paradoxo, a razão se anula ela nos momentos neutros. Sem febre,
desdém racional. O enternecimento sistema morre e a vida triunfa. É mesma; abrindo suas fronteiras, ela não transpassamos o campo da
é o crepúsculo da lucidez, uma através dele que a razão salva sua não pode mais interromper o assalto percepção – tanto quanto dizer que
<degradação> do espírito ao nível honra face ao irracional. Só a dos erros que surgem, palpitantes. não vemos nada. Os olhos não
do coração. blasfêmia ou o hino podem exprimir Os teólogos são os parasitas servem Deus senão quando não
Toda timidez se tinge de o que a vida tem de turbulência. do paradoxo. Sem o seu uso distinguem os objetos; o absoluto
uma nuance religiosa. O medo de Quem não seria capaz de valer-se de inconsciente, eles teriam devido, por receia a individualização.
não pertencer a ninguém, que Deus guarida tão somente nessa muito tempo, dispensar as armas. O A intensificação de
não seja ninguém; quanto à sua qualquer sensação é sinal de
religiosidade. Um desgosto, levado * conjurar o medo do incompreendido. dissocia. Quanto melhor percebe-se
ao mais elevado ponto, desvela-nos Se se admite no universo A mística é a expressão suprema do o tempo, mais se avança na
o Mal (a via negativa em direção a um real infinitesimal, tudo é real: se pensamento paradoxal. Os santos desarmonia orgânica.
Deus). O vício é mais próximo do ele não tem <alguma coisa>, ele não mesmos brincaram com a Normalmente, o passado se
absoluto que um instinto pervertido, tem nada. Fazer concessões à indeterminação para <precisar> o perde na atualidade do presente,
pois não podemos participar do multiplicidade e tudo reduzir a uma indecifrável divino. adiciona-se e funde-se nele. O
divino senão na medida em que hierarquia das aparências, é carecer * lamento – expressão da acuidade
deixamos a natureza. da coragem da negação. A distância Sensações etéreas do tempo temporal, da desintegração do
Um homem lúcido mede teórica e a fraqueza sentimental que onde o vazio se sorri a ele mesmo… presente – isola o passado como
suas febres a cada passo, espectador se tem pela vida conduzem à solução * atualidade, dá-lhe vida numa
de sua própria paixão, medíocre dos graus da irrealidade, A melancolia – nimbo verdadeira ótica regressiva. Pois o
incessantemente sobre seus traços, ao mesmo tempo para e contra a vaporoso da Temporalidade… lamento confere ao passado um
no abandono equívoco às invenções natureza. * possível virtual: do irreparável
da sua tristeza. Na lucidez, o O ponto de vista do A existência demoníaca convertido em virtualidade.
conhecimento é uma homenagem à paradoxo exprime uma aumenta a cada instante à dignidade Quando se sabe
fisiologia. indeterminação essencial do ser, do acontecimento. A ação – morte continuamente que agente de
Quanto mais nos onde as coisas não são do espírito – emana dum princípio destruição é o tempo, os sentimentos
conhecemos a nós mesmos, mais nos estabelecidas. O paradoxo, tanto satânico, de sorte que nós lutamos à emergem ao redor para tentar salvá-
subscrevemos às demandas duma como situação real quanto como medida que temos alguma coisa a lo por todos os meios. A profecia é a
higiene que procura obter a forma teórica, tem sua condição em expiar. Mais que qualquer coisa a atualidade do futuro, como o
transparência orgânica. Graças a inconsumabilidade. Um só atividade política é uma expiação lamento é o do passado. Não
tanta pureza, vemo-nos através de paradoxo, e faria saltar no ar o inconsciente. podendo residir no presente, nós
nós: chega-se assim a assistir ao paraíso. A sensibilidade em relação transformamos o passado e o futuro
espetáculo de si mesmo. A contingência – esse oásis ao tempo segue da incapacidade de em presença, de modo que a atual
* de arbitrariedade no deserto da viver no presente. Dá-se conta a nulidade do tempo nos facilite o
A fonte da histeria dos Necessidade – não é reparável entre cada momento do movimento acesso à sua infinidade.
santos não pode ser senão a escuta as formas da razão senão pela impiedoso do tempo, que se substitui Ser doente significa viver
do silêncio, a contemplação do mobilidade que vem introduzir a ao dinamismo imediato da vida. Não na consciência do presente, num
silêncio da solidão. – Mas a vivacidade do paradoxo. O que é, se vive mais no tempo, mas com ele, presente translúcido a si mesmo,
palpitação interior do tempo, a perda senão uma irrupção demoníaca na paralelamente a ele. pois o medo do passado e do futuro
da consciência nas ondas do tempo? Razão, uma transfusão de sangue na Apenas fazendo-se único dilata o instante na medida da
A fonte da histeria laica. Lógica e uma tortura das Formas? com a vida, é-se si mesmo tempo. intensidade temporal.
* A prova de que os místicos Vivendo-o, morre-se com ele, sem Um doente que poderia
O tempo é uma imitação não resolveram nada, mas tudo dúvidas nem tormento. A saúde viver espontaneamente não é
metafísica do mar. Não se pensa nele compreenderam? Essa avalanche de perfeita se realiza pela assimilação realmente um doente, pois pode-se
senão para vencer a nostalgia. paradoxos ao redor de Deus para do tempo, enquanto que a doença o bem ser atingido por câncer, se não
se tem terror pelo seu desenlace – se um simples utensílio do silêncio, vincula aos seus enganos. Mas o Nas igrejas, eu penso
esse futuro que corre em nossa da eternidade ou do vazio: crê-se nevoeiro é da cor da amargura. frequentemente que a religião
direção, em vez de nós atrás ele – triste, sem saber eles que respiram * poderia ser uma grande coisa se não
permanece-se são. Não há doenças através de si. É-se vítima de uma Um estado de fraqueza houvesse os crentes, mas somente a
para a consciência senão a que se conspiração das forças obscuras, precede os acessos de piedade angústia religiosa de Deus, que nos
tem, para sempre acompanhada pois uma tristeza não pode nascer universal, como quando se anda com dizem os órgãos.
duma hipertrofia do sentido da dum indivíduo se não puder habitá- o anseio de não se chocar com os *
temporalidade. lo: tudo que nos excede adquire sua objetos. A piedade é a forma A mediocridade da filosofia
Às vezes, chega-nos a fonte fora de nós, tanto o prazer patológica do conhecimento se explica pelo fato de que se pode
apalpar o tempo, fazendo-se quanto o sofrimento. As místicas intuitivo. Contudo, não se saberia refletir apenas à baixa temperatura.
escorrer por entre os dedos nos trouxeram a Deus a profusão das classificá-la entre as doenças, a Quando domina-se a sua febre,
excessos de intensidade que lhe dão delícias do êxtase, porque elas não piedade é um desfalecimento… arranja-se os pensamentos como
os contornos materiais. Ou de senti- podiam admitir que a insuficiência vertical. Tomba-se na direção da sua marionetes, tira-se as idéias e o
lo, por vezes, como uma brisa sutil individual fosse capaz de tanta própria solidão. público não se recusa à ilusão. Mas
nos cabelos. Estaria fatigado? plenitude. E é assim com a tristeza, e * quando o olhar sobre si mesmo é
Procura um abrigo? Há corações com o resto. É-se só, mas com toda As noites brancas – os sós incêndio ou naufrágio, quando a
mais exaustos que ele que não lhe solidão. negros – fazem de você um paisagem interior mostra a suntuosa
recusariam no entanto um asilo… * verdadeiro escafandrista do tempo. destruição das chamas que dançam
* Quando tudo se faz mineral, Desce-se, desce-se para sua ausência sobre o horizonte dos mares – então
O mal, abandonando a a nostalgia ela mesma se torna de fundo… O mergulho musical e se escapam dos pensamentos que
indiferença originária, tomou por geometria, os rochedos parecem indefinido para as raízes da estão como colunas atormentadas
pseudônimo o Tempo… fluidos ante a petrificação da temporalidade permanece uma pela <epilepsia> do fogo interior.
* vagueza na alma, e as nuances são voluptuosidade incompleta, pois se *
Os homens construíram o mais abruptas que as montanhas. pode tocar os limites do tempo Se eu soubesse de uma vez
paraíso filtrando a eternidade, as Não há mais anseio então que o do apenas saltando para fora dele. Mas por todas que os homens souberam
<quintessências> de eternidade. O olhar tremulante dos cães esse salto o torna externo a nós: me deixar triste, por vergonha
mesmo procedimento aplicado à esmagados, ou o do relógio demente percebesse-lhe à margem, mas sem dispensaria as armas. Pode-se, às
temporalidade torna a nós o dum outro século – travesseiro para ter propriamente a experiência. A vezes, amá-los ou detestá-los,
sofrimento inteligível. Pois, na a fronte de um louco. suspensão o transforma em lamentá-los sempre, mas dar-lhes a
verdade, o que é ele senão * irrealidade e deleita-lhe o poder de honra de uma tristeza é uma
quintessência do tempo. Cada vez que eu passeio no sugerir o infinito – decoração das concessão degradante. Esses
* nevoeiro, descubro-me mais noites brancas. instantes de generosidade divina, em
Após meia-noite, pensa-se facilmente a mim mesmo. O sol O sono não tem outro fim que se gostaria de abraçá-los todos,
como se não se estivesse mais à vida torna-lhe estrangeiro a você mesmo, que o esquecimento do tempo, do são de inspirações raras, de
– nos melhores dos casos – como se pois descobrindo o mundo ele lhe princípio demoníaco que vela nele. verdadeiras <graças>.
não se fosse mais si mesmo. Torna- *
O amor dos homens é uma montanhas e os órgãos – de maneira O sofrimento é a ruína do mancha de vazio que é a
doença tônica e, ao mesmo tempo, diferente, e no entanto a mesma, são conceito: uma avalanche de consciência?
bizarra, porque não se apóia sobre o coroamento de um fim que, sensações que recusa toda forma. *
nenhum dado real. Um psicólogo embora consumindo-se no tempo, Tudo em filosofia é de Há tanto crime e poesia em
amante dos homens: isso jamais conduz a destruição para além dela. segundo, de terceiro grau… Nada de Shakespeare que seus dramas
existiu, nem existirá jamais. O Pois o sublime é uma crise temporal direito. Um sistema se constrói de parecem ser concebidos por uma
conhecimento não vai em favor da da eternidade. derivações sucessivas, ele mesmo rosa em demência.
humanidade. – Há, no entanto, O sublime, no caso de sendo a derivação por excelência. O *
pausas na lucidez, recriações para o Jesus, vem da perambulação da filósofo não é nada mais que um Qualquer que seja nossa
conhecimento, crises do olho eternidade através do tempo, de sua gênio indireto. amargura, não é tão grande para nos
impiedoso que o empurra a essa degradação desmedida. Mas tudo * dispensar as tristezas de outro. É por
estranheza: o amor. Ele quereria que, na existência do Salvador, é Nós não podemos ser tão isso que a leitura dos moralistas
então alongar-se no meio da rua, meta, enfraquece o sublime, ao qual generosos para conosco, que nos franceses é como um bálsamo para
beijar os pés dos mortais, desfazer exclui as alusões éticas. Se Ele poupamos à liberdade que nos as horas tardias. Eles sempre
os laços dos mercadores e dos voluntariamente descer para nos atribuímos. Se não se pusesse a si souberam o que é ser único entre os
mendigos, esgueirar-se por todas as salvar, interessar-Nos-á somente à mesmo obstáculos, quanto de cada homens; raramente essa que é a
chagas e ferimentos sanguinolentos, medida que degustemos instante seria sempre não mais que solidão no mundo. Pascal mesmo
dar aos olhares do criminoso a esteticamente um gesto ético. Se, ao uma sobrevivência! Não devemos não soube superar sua condição de
brancura alada das pombas, ser o revés, Sua passagem entre nós não é freqüentemente persistir em ser nada homem isolado da sociedade. Um
último dos homens por amor! mais que um erro da eternidade, uma quanto à idéia de nossos limites? pouco menos de sofrimento e não se
O conhecimento e o tentação de morte, inconsciente, da Uma pobre lembrança de uma teria registrado mais que uma grande
desgosto dos homens fazem do perfeição, uma expiação do absoluto individualização passada, um inteligência. – Entre os Franceses e
psicólogo, tão bem embora mal, uma no tempo, então a enormidade dessa farrapo de nossa própria Deus, sempre houve o salão.
vítima dos seus próprios cadáveres. inutilidade não se eleva até ao individuação… Como um objeto do *
Pois para ele, todo amor é uma sublime? – Que a estética salve qual se procura um nome na Duas coisas sempre me
expiação. – Os homens, reduzidos a sempre a cruz, como símbolo da natureza sem identidade. O homem é preencheram de uma histeria
nada pelo conhecimento, morrem eternidade. feito – como todos os seres – à metafísica: um relógio que não
em você; as vítimas do seu desgosto * medida de certas sensações. Ora, funciona e um relógio que marcha.
apodrecem no seu coração. E todo Não existe prazer maior que acontece que eles não se arranjam *
esse cemitério, que apreende a vida o de crer que se foi a filosofia – e mais uns após os outros, em sua Quanto mais nos
no delírio do amor, nos espasmos da que cessou de existir. sucessão normal, mas emergem desinteressamos pelos homens, mais
expiação! Sofrer significa meditar todos numa fúria elementar, tornamo-nos tímidos ante a eles, e
* sobre uma sensação de dor: filosofar, tempestuosa ao redor de destroços – quando chegamos a desprezá-los,
O sublime é o meditar sobre certa meditação. por plenitude – que sou eu. Onde começamos a murmurar. – A
incomensurável como uma sugestão restaria então um lugar para essa natureza não perdoa nada além de
de morte. O mar, a renúncia, as sua irresponsabilidade, e prossegue-
se por todas as veredas do orgulho, As verdades morrem arrepender-se. Tu proporás que é o coração na lembrança da
cobrindo-o de lamentos. Como psicologicamente, mas não demasiadas questões a Deus? Então, eternidade que é a beleza!
explicar de outro modo que a cada formalmente; elas guardam sua por que te estarreces do fardo das Retemos nosso fôlego ante
triunfo sobre a condição humana, validade continuando a <não-vida> respostas não recebidas? ao que não pertence ao tempo. As
junge-se um lamento equivalente? das formas, embora não tenham Indiretamente, por sombras da eternidade, que tombam
A timidez empresta ao ser mais valor para ninguém. conseqüência, o conhecimento é um logo que a solidão inspirada pelo
humano alguma coisa da discrição Tudo que é vida nelas se ato religioso. espetáculo da beleza, cortam-nos a
íntima das plantas e, a um espírito passa no tempo; a eternidade formal Nós expiamos o espírito respiração: como se os vapores
agitado de si mesmo, uma as situa num vazio categorial. com voluptuosidade, abandonando- profanassem a imobilidade
melancolia resignada, extraída do Quanto tempo <dura> para nos à inevitabilidade. Dado que não infinita…
mundo vegetal. Eu não tenho ciúmes um homem uma verdade? Não mais saberíamos nos desintoxicar do *
de um lírio, a não ser quando não que um par de botas. Há apenas os conhecimento, porque o organismo Se tudo que eu tocasse
estou tímido. mendigos que não mudam jamais. ele mesmo o demanda, incapaz de se ficasse triste, se um olhar furtivo ao
* Mas porque estamos em marcha habituar a pequenas doses – então, redor do céu lhe emprestasse a cor
Se o sofrimento não fosse com a vida, é necessário renovar-se fazemos também do ato reflexo uma da aflição, se não houvesse mais em
um instrumento do conhecimento, o sem cessar, pois a plenitude duma reflexão. Assim, a sede infinita do torno de mim um só olho seco, se eu
suicídio tornar-se-ia obrigatório. E a existência se mede pela soma de espírito encontrará uma expiação perambulasse sobre as alamedas
vida mesma – com sua dolorosa erros marcados, pela quantidade de equivalente. como sobre cardos, onde o sol
inutilidade, sua obscura bestialidade <ex-verdades>. * absorveria as sombras dos meus
que nos arrasta com seus erros até * O culto da beleza se passos para se entorpecer de dor,
nos prender, de tempos em tempos, a Nada do que nós sabemos assemelha a uma delicada covardia, então somente eu teria direito de
uma verdade – quem a suportaria, se permanece sem expiação. Nós uma deserção sutil. Não amar-se-la- afirmar a vida com orgulho. Toda
ela não fosse um espetáculo do pagamos caro, cedo ou tarde, por ia porque ela nos poupa de viver? aprovação teria para ela o
conhecimento único? Vivendo os todo paradoxo, coragem do Sob o charme de uma sonata ou de testemunho da infinitude dos
perigos do espírito, nós nos pensamento ou indiscrição do uma paisagem, nos dispensamos da sofrimentos, e toda alegria o apoio
consolamos, em intensidades, da espírito. Há um charme estranho vida, com um sorriso de alegria das tristezas. É feio e vulgar <tirar>
ausência de verdade final. naquela punição que segue todo dolorosa e de superioridade a força da afirmação de que há
Todo erro é uma antiga progresso do conhecimento. Tu sonhadora. Do seio da beleza, plenitude no mal, na dor e na
verdade. Mas não há erro inicial rasgaste um manto que cobria a qualquer rastro atrás de nós, e aflição: o otimismo degrada o
porque o que distingue a verdade do inconsciência da natureza? Expiarás apenas podemos olhar ao redor da espírito porque não decorre da febre,
erro tem lugar tão somente na por uma tristeza de cuja fonte não vida retornando. Qualquer emoção das alturas e das vertigens; assim
pulsação, na animação interior e no suspeitarás. Tu deixarás escapar um desinteressada, sem relação imediata como uma paixão que não tira sua
ritmo secreto. Assim, o erro é uma pensamento carregado de com a existência, retarda a marcha força das sombras da vida. No
verdade que não tem mais alma, transgressões e de perigos? Certas do coração. Com efeito, o que escarro, nos lixos, na poeira
uma verdade usada que espera ser noites podem não ser satisfeitas poderia marcar esse órgão do tempo anônima das ruelas repousa uma
reforçada. apenas pelas evoluções de fonte mais pura e infinitamente mais
fecunda que na comunhão sagrada e outras distâncias. A emoção religiosa Quando não se pode reunir
racional com a vida. Nós temos não espera consolação do espaço; seus pensamentos, e o que se
suficientemente veias por onde as além disso, é intensa apenas na apresenta, derrotado, a seu mercúrio
verdade possam correr, veias onde medida em que vê nele uma ocasião – o mundo se dissipa como a bruma
chove, neva e onde sopra o vento, de queda. e nós mesmos com ele, de modo que
onde os sóis se levantam e se Quando não há lugar onde parece-nos ouvir, a bordo de um mar
deitam. E no nosso sangue, as não se sofreu, qual outro motivo que se retira, a leitura de nossas
estrelas não caem neles para invocar ao apoio da perambulação? próprias memórias escritas numa
reencontrar seu brilho? E por que se vincular ao espaço outra vida… Onde corre o
* quando a nódoa negra da nostalgia pensamento, em que vazio
Nulo lugar sob o sol que se desenlaça de si mesma? dissolvem-se suas fronteiras? As
possa reter-me, nula sombra para me * geleiras, derretem-se nas veias? E
proteger, porque o escape se torna Se o homem não soubesse em qual estação do sangue e do
nebuloso no alce errante e na fuga conferir um delírio voluptuoso à espírito te encontras tu?
insaciável. Para residir em algum solidão – por muito tempo a Tu és ainda ti mesmo? Tuas
lugar, para ter seu lugar no mundo, é obscuridade teria ardido em fogo. têmporas não palpitam por medo do
necessário ter realizado o milagre de A mais horrível contrário? Tu és um outro, tu és um
se encontrar num ponto do espaço, decomposição num cemitério outro…
sem se curvar sob a amargura. desconhecido é uma pálida imagem … Os olhos perdidos ao
Quando se encontra num lugar, não do abandono em que se encontra redor do outro na imaculada
se faz mais que pensar num outro, de uma voz inesperada, vinda dos ares melancolia dos jardins.
modo que a nostalgia se instala ou das profundezas da terra, *
organicamente numa função devolve-lhes a sua solidão. Sobre qualquer coisa – e
vegetativa. O desejo de outra coisa, Não ter ninguém a quem primeiro sobre a solidão – somos
de símbolo espiritual, torna-se dizer nada jamais! Somente objetos; obrigados a pensar ao mesmo tempo
natureza. nenhum ser. E o melhor da solidão negativamente e positivamente.
A expressão da avidez do vem do sentimento de ser cercado de
espaço, a nostalgia termina por coisas inanimadas, às quais não se
anulá-la. Quem sofre tem nada a dizer.
exclusivamente da paixão do Não é por extravagância,
absoluto não tem anseio por esse nem por cinismo, que Diógenes
deslize horizontal sobre a extensão. passeia com lanterna em plena luz
A existência estacionário dos do dia, para encontrar um homem.
monges tem sua origem na Nos damos demasiado bem com a
canalização vertical, ao redor do solidão…
céu, desses desejos vagos para *

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