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Economia
Autores: Prof. Maurício Felippe Manzalli
Profa. Ivy Judensnaider
Colaboradores: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Glaucia Aquino
Prof. Me Livaldo dos Santos
Professores conteudistas: Maurício Felippe Manzalli / Ivy Judensnaider
Economista pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e também é
coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade.
Ivy Judensnaider
Economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência. Atualmente é professora da Universidade Paulista
– UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração, no qual coordena o curso de Ciências Econômicas no
campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações, dirigindo a editora eletrônica arScientia, e é autora de
inúmeros textos de divulgação científica publicados na web.
128 p. il.
CDU 330
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Cristina Alves
Sumário
Princípios Gerais da Economia
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7
Unidade I
1 ABORDAGENS INICIAIS: FUNDAMENTAÇÕES TEÓRICAS DA ECONOMIA ....................................9
1.1 Antiguidade e Idade Média .............................................................................................................. 12
2 MERCANTILISMO E FISIOCRACIA .............................................................................................................. 17
3 DA ESCOLA CLÁSSICA AO MARXISMO ................................................................................................... 18
4 A SÍNTESE NEOCLÁSSICA, A REVOLUÇÃO KEYNESIANA E O
PENSAMENTO ECONÔMICO CONTEMPORÂNEO .................................................................................... 33
Unidade II
5 PRINCIPAIS CONCEITOS ECONÔMICOS: DA TEORIA À PRÁTICA .................................................. 60
5.1 Conceitos gerais .................................................................................................................................... 60
5.1.1 Problema econômico fundamental ................................................................................................. 62
5.1.2 O fluxo circular da renda e do produto ......................................................................................... 64
6 SISTEMAS ECONÔMICOS .............................................................................................................................. 72
7 POLÍTICA ECONÔMICA .................................................................................................................................. 75
7.1 Política monetária ................................................................................................................................ 76
7.1.1 Moeda.......................................................................................................................................................... 76
7.1.2 De volta à política monetária ............................................................................................................ 81
7.1.3 Política fiscal ............................................................................................................................................. 83
7.1.4 Política cambial ....................................................................................................................................... 86
7.1.5 Política de rendas.................................................................................................................................... 87
8 O PAPEL DO ESTADO ...................................................................................................................................... 88
8.1 O desemprego e suas causas ........................................................................................................... 92
8.2 Economia brasileira: da estabilização da inflação aos dias atuais ................................... 94
8.3 Desenvolvimento econômico ........................................................................................................ 107
APRESENTAÇÃO
Prezado aluno,
O livro-texto que aqui apresentamos servirá de apoio ao estudo da disciplina Princípios Gerais de
Economia. Note que ele está dividido em duas unidades.
Por fim, um esclarecimento se faz importante: nossa proposta não é a de tão somente transferirmos
um conjunto predeterminado de saberes. As escolhas metodológicas e didáticas a partir das quais o
livro-texto foi confeccionado incluem o aperfeiçoamento do espírito crítico e o desenvolvimento das
capacidades e habilidades de produção e geração de conhecimento. Dessa forma, o aluno poderá notar
que os conteúdos estão sempre entrelaçados aos contextos sócio-históricos que os geraram, bem como
aos problemas do cotidiano e do ambiente do Serviço Social.
Bom trabalho!
INTRODUÇÃO
7
No caso particular dos assistentes sociais, a necessidade de operarem a partir de conceitos econômicos
é mais premente. Afinal, são esses os profissionais que devem compreender, como ação preventiva
Assim, é claro que, para efeito desta disciplina, nossa expectativa vai além do conhecimento genérico
que a população tem sobre o tema econômico. Por isso, vamos às transformações da sociedade que
criaram o ambiente econômico tal como o conhecemos, título dado ao capítulo inicial desta apostila.
1
Texto disponível em: <http://www.ssrevista.uel.br/c_v1n2_conversando.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011.
8
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Unidade I
1 ABORDAGENS INICIAIS: FUNDAMENTAÇÕES TEÓRICAS DA ECONOMIA
Em outubro de 2008, todos se chocaram com as notícias que anunciavam uma crise econômica
de proporções tão imensas quanto a da quebra da bolsa americana em 1929. Segundo Judensnaider2,
Delfin Netto, economista que em vários momentos da história econômica brasileira desempenhou papel
de fundamental importância na formulação e na coordenação de políticas econômicas, em palestra
proferida na Universidade Paulista, “opinou que estaríamos vivendo mais uma das tantas crises da
história do capitalismo. ‘O mundo não vai acabar’, nas suas palavras”. Do ponto de vista da economia de
mercado, [...] [isto é] absolutamente correto.
A constatação de que o mundo econômico opera por meio de falhas e de forma cíclica nos leva a
indagar: afinal, que mundo é esse? Que instrumental teórico temos à nossa disposição que nos permitirá
conhecê-lo e nele operar?
Vejamos, inicialmente, do que trata a Economia. Os economistas, em geral, admitem que a discussão
sobre economia surge no mesmo período em que ocorre a Revolução Industrial e com o desenvolvimento
2
Em texto disponível em: <http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1185>. Acesso em: 15 dez. 2011.
3
A citação encontra-se disponível no mesmo link da nota anterior.
9
Unidade I
dos mecanismos de mercado de formação de preço e alocação dos recursos de produção. Assim, a
Economia é percebida como uma ciência já no século XIX e, desde então, seus especialistas debatem
incansavelmente sobre seu campo de atuação e seus limites.
Do ponto de vista antropológico, o ser humano vem estabelecendo relações de troca com seu
grupo e com a natureza desde sempre, assim o fazendo, em parte, para garantir as condições materiais
necessárias para a sua sobrevivência. Em período anterior ao século XVIII, havia atividade econômica, e
sobre ela foram escritas obras e realizados estudos.
Saiba mais
Como estava organizada a produção de bens e serviços antes da economia de mercado? Naquele
tempo, o chefe de família provia sua prole porque isso era o que a sociedade esperava dele. As trocas se
realizavam não para o lucro, mas para a sobrevivência material. Produzia-se comida não para vendê-la e,
a partir da venda, obter lucro. Produzia-se para consumir. Quando passou a existir governo, ele distribuía
a riqueza para os cidadãos, por que esse era seu papel. Foi apenas com o advento do capitalismo que os
fatores de produção (mão de obra, terra, conhecimento técnico, capacidade empresarial e dinheiro, entre
outros) não apenas se dirigiram ao mercado, mas fizeram mesmo parte dele. Comprava-se e vendia-se
mão de obra. Comprava-se e vendia-se conhecimento. O dinheiro passou a ter um custo, mensurado por
meio dos juros que os bancos cobravam para fornecê-lo sob a forma de crédito. Trabalhava-se não para
produzir os bens necessários, mas para obter recursos capazes de serem trocados pelos bens necessários.
Essa é uma diferença fundamental que marca um momento de transição nas formas de organização da
sociedade.
Normalmente, os atos econômicos anteriores às sociedades capitalistas, ou que nelas não estejam
inseridos, são objeto de estudo dos antropólogos econômicos. Considerando nossos objetivos, basta
10
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
não confundirmos a Economia (ciência) com o próprio sistema de mercado. Entende-se por ciência
econômica a ciência que investiga como fatores escassos de produção são alocados para a produção
de bens e serviços que se destinam a saciar necessidades ilimitadas. Em contrapartida, economia de
mercado representa a forma pela qual, nas sociedades capitalistas, a reprodução material das sociedades
passou a acontecer por meio de instituições orientadas para objetivos econômicos, como os mercados
(CERQUEIRA, 2001). Assim, nos mercados, as trocas produzem preços, sendo essas “trocas realizadas
como resultado de barganha, de uma negociação, onde cada parte é livre para buscar sua vantagem e
não tem que se submeter, por exemplo, a preços preestabelecidos por algum agente regulador externo”
(CERQUEIRA, 2001, p. 400). Portanto, compreenderemos que, na economia de mercado
Seria possível haver Economia sem economia de mercado? Os economistas não respondem de
forma consensual e unânime à questão. Para nós, e para efeito dessa disciplina, consideraremos que o
surgimento da Economia ocorre não apenas por que a estrutura econômica passa a ser a de mercado
(finalmente havendo o que se investigar), mas porque as condições do pensamento científico daquele
momento permitem que ela, enquanto saber, se organize enfim de forma sistemática e autônoma.
Também é importante ressaltar que naquele momento (e, de forma hegemônica, até os dias de hoje),
o que se há para investigar são justamente as relações que se estabelecem no mercado. Considerar
como seu objeto de análise única e simplesmente a economia de mercado significa represá-la de forma
tautológica à imutabilidade das estruturas e relações materiais tais como desenvolvidas no Ocidente
a partir do século XVIII: a Economia, sob essa ótica, seria tão somente o estudo das maneiras como o
Ocidente se organizou em termos de determinada estrutura econômica.
Saiba mais
11
Unidade I
Embora isso acrescente dificuldade à investigação econômica, há que se considerar, portanto, que
o sistema de mercado foi historicamente construído, não sendo “uma entidade acima do tempo e do
espaço”4. Da mesma forma, os pressupostos comportamentais de racionalidade econômica (autointeresse
e propensão para o lucro) não são “naturais”, mas socialmente construídos.
É evidente que a compreensão do contexto histórico que irá ensejar o nascimento das ciências
econômicas trás à tona uma questão de fundamental importância: afinal, se a Economia surge por
meio do esforço de se distinguir da História, da Sociologia, da Ética, da Filosofia Moral e da Política,
poderíamos ser levados a crer na existência de uma distância entre ela e essas outras áreas, especialmente
do ponto de vista da delimitação do seu objeto de estudo ou da determinação de sua metodologia de
investigação. Esse é um problema que economistas da atualidade vêm buscando lidar e equacionar
e aqui, nessa disciplina, serão debatidas não apenas as condições necessárias para o surgimento da
economia de mercado mas, também, os desafios que esse sistema e sua investigação têm a enfrentar
no tempo presente.
4
Texto disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/revista/eco/doc/artigo_90002.pdf>. Acesso em 15 dez. 2011.
5
A citação encontra-se disponível no mesmo link da nota anterior.
12
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Nesse período de asfixiante domínio conservador, forte desarticulação das forças de esquerda
e virtual ausência de um projeto alternativo de sociedade, trabalha-se sempre dentro de condições
preestabelecidas (sociedade capitalista globalizada), raramente questionando-se sua origem e seu
caráter histórico, o tipo de hierarquia e a desigualdade que produz e o tipo de ilusão (comumente
veiculada pela teoria econômica) que necessita para sobreviver6.
Façamos então uma viagem ao tempo. Na Europa do medievo, o mundo era bem diferente
daquele que hoje conhecemos: em vez de trabalhadores livres, políticos, organizações não
governamentais, supermercados e shopping centers, havia reis, senhores feudais, cavalheiros,
servos e clérigos. Assim estava organizada a sociedade durante o feudalismo, e essa estrutura
iria sofrer abalos contínuos até a degradação total, num processo que levaria alguns séculos para
se completar.
Sobre o período medieval, a imagem mais comumente lembrada é a do feudo, grande propriedade
trabalhada por camponeses que aravam não apenas a terra arrendada, mas também a terra do senhor.
Nesse sistema, que sobreviveria na Europa até o século XVIII, o castelo era o centro do mundo: era nele
que morava o senhor e sua família. O feudo, unidade autossuficiente, era o espaço em que ocorriam as
relações de vassalagem entre o servo e o seu senhor.
O servo não era um escravo: não podia ser vendido ou ter sua família desmembrada. Por mais
incrível que possa parecer aos nossos olhos do século XXI, o servo fazia parte da propriedade, e só
passava a ter outro patrão se a terra fosse vendida. E se imaginarmos que, àquele tempo, não eram
comuns as transações imobiliárias, podemos alcançar a real dimensão do relacionamento entre
servo e senhor. O servo muda de senhor, mas não de terra e, portanto, não pode ser expulso e dela
não pode escapar.
O senhor do feudo, como o servo, não possuía a terra, mas era, ele próprio,
arrendatário de outro senhor, mais acima na escala. O servo, aldeão
ou cidadão “arrendava” sua terra do senhor do feudo que, por sua vez,
“arrendava” a terra de um conde, que já a “arrendara” de um duque, que,
por seu lado, a “arrendara” do rei. E, às vezes, ia ainda mais além, e um
rei “arrendava” a terra a outro rei! A relação de vassalagem, inclusive, é
transferida hereditariamente, de pai para filho: o filho será servo daquele a
quem seu pai e seu avô também foram servos (HUBERMAN, 1986, p. 10).
O feudo tinha suas próprias regras e leis, e elas serviam para reger tudo e todos. O senhor feudal
era quem decidia sobre casamentos, litígios e conflitos. Ele resolvia o que, como plantar e quanto
colher. Em algumas regiões da Europa, o senhor feudal tinha o direito “da primeira noite”, ou seja,
podia desvirginar a noiva que morasse em sua propriedade, ou que fosse esposa de alguém que
more nas suas terras. Longe de ser mero capricho, esse direito selava seu papel de senhor absoluto e
também consagrava a continuidade da vassalagem por meio da suspeita em relação à paternidade
dos filhos do servo.
6
Texto disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/2252/2640>. Acesso em: 15 dez. 2011.
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Unidade I
Saiba mais
Tudo o que era necessário para a sobrevivência podia ser produzido dentro do próprio feudo. O
comércio era inexistente e, quando ocorria, era baseado no escambo, ou seja, na troca de mercadorias
sem que qualquer dinheiro fosse utilizado, necessariamente, como meio de pagamento ou padrão de
referência.
Havia moedas, claro. Elas existiam e sua variedade era imensa: cada uma delas tinha valor apenas
numa determinada região e não havia referência cambial com outras moedas de outras regiões. Porque
haveria de existir referência, afinal? A vida econômica ocorria dentro dos muros do próprio feudo, não
havendo quaisquer relações comerciais com o que era exterior.
É provável que, à essa altura, surja um questionamento: como, a partir dessa organização
econômica, poderia ter surgido algo como o sistema de mercado? Quais foram os caminhos
percorridos para que esse modelo (o feudal) fosse substituído por outro (o mercado) em que
tudo era mercadoria e tinha um preço? Como o feudo, afinal, se tornou pequeno demais para as
necessidades da sociedade e como seus muros acabaram por ruir? Foram vários os fatores que, com
o tempo, criaram rachaduras e fissuras irreversíveis no sistema feudal e, agora, os investigaremos
de forma resumida.
Um deles foi a realização das Cruzadas, expedições armadas que tinham como objetivo a reconquista
da terra santa para os cristãos. Os cruzados precisavam de provisões e, ao longo do trajeto que percorriam
em direção ao Oriente, foram sendo criados entrepostos comerciais e feiras. Ao longo dos séculos, esse
comércio cresceria cada vez mais, surgindo então, em torno dele, as primeiras cidades.
Os senhores feudais, donos das terras onde se realizavam as feiras, tinham direito a receber comissões
pelos negócios lá efetuados; assim, eles eram receptivos às atividades comerciais por que elas traziam
lucro e prosperidade. Esse comércio também ensejaria o surgimento de uma figura muito importante:
o trocador de dinheiro, responsável pela troca e pelo câmbio entre as várias unidades monetárias. Já se
pode perceber: lentamente, a economia sem mercado transformava-se em economia de vários mercados,
já bem distante do sistema autossuficiente dos feudos.
14
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Esta população, de outro tecido social que não aquele costurado pelo feudal, exerceria
pressão por leis menos arbitrárias do que as do senhor feudal: afinal, era preciso liberdade para
se mover, para comerciar, para vender e comprar. Da mesma forma, o camponês se distanciava
do senhor feudal, já que o seu excedente agora podia ser negociado e transformado em dinheiro.
Sua sobrevivência não dependia mais da vassalagem, mas podia ser providenciada com o uso do
talento para produzir o que outros necessitassem ou com o talento para comerciar o que outros
desejassem consumir.
A riqueza agora não era medida pela propriedade possuída, mas pelo dinheiro possível de ser ganho
com a atividade comercial. Aliás, o golpe de morte no sistema feudal ocorre justamente no momento
em que se percebe ser a terra também uma mercadoria.
Lembrete
Nas guildas, os meios de produção (ferramentas e utensílios necessários para a fabricação das
mercadorias) pertencem aos artesãos que produzem e comercializam o fruto do seu trabalho. O espírito
é de fraternidade, e não de concorrência: se algum membro introduzir alguma inovação, todos devem ter
acesso à mudança. “Patentes” ou “diferenciais produtivos” são práticas desleais, e passíveis de punição.
Nas guildas, reunir-se-ão padeiros, pintores, curtidores de couro, ferreiros, açougueiros, fruteiros,
cirurgiões, jornaleiros, entalhadores, costureiros, sapateiros, e
15
Unidade I
Saiba mais
Aos nossos olhos, estruturas como as das guildas podem parecer muito estranhas. Afinal, no mundo
em que vivemos, as competências relacionadas à competitividade são atributos positivos e desejados,
seja em se tratando de um empresário, seja de um trabalhador. No entanto, é importante entender as
regras da guilda no seu contexto específico, ou seja, o da transição entre um sistema autossuficiente
e fechado para outro, aberto aos negócios e à participação de todos. É claro que o tempo também se
encarregaria de provocar a desintegração das guildas e o justo preço sendo substituído pelo de mercado.
No entanto, àquele momento, a existência das corporações era o que permitia o exercício da atividade
artesanal, a sobrevivência dos artesãos nos centros urbanos e a regulação de uma atividade que se
distanciava, pouco a pouco, das tradições e costumes feudais.
O surgimento das nações também teria sua participação ativa no processo de deterioração
do sistema feudal. O senhor feudal já não conseguia proteger a população (e seu poder havia
diminuído com a perda de terras, servos e recursos gastos em expedições ao Oriente), tampouco
funcionar como autoridade central. Dessa forma, era necessário que alguém ocupasse esse vácuo,
chamando para si a tarefa de centralizar o poder. Quem o faria seria o Rei, aliado das cidades
na luta contra os senhores feudais. Será ele quem arregimentará um exército profissional, quem
tratará de armá-lo e treiná-lo usando os recursos obtidos pela cobrança de impostos. O mais
importante é compreender que esse exercício de poder se faria em subtração ao poder das próprias
cidades e dos comerciantes.
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PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
O Rei representará a unidade nacional, e a Nação (o conjunto de pessoas que acreditam compartilhar
entre si um passado e um futuro em comum) passa a lutar por seus territórios e pela formação de sua
identidade: língua, moeda e legislação nacionais. Todas essas serão conquistas que, guiadas e conduzidas
pela unidade central de poder, construirão um novo mundo. Não à toa, será o Rei também o responsável
pelo empreendimento ultramarino, de descoberta, povoamento e exploração do que se acreditava ser
realmente um novo mundo, mundo esse que fornecerá a matéria prima, depois, para as indústrias
nascentes e que consumirá as mercadorias produzidas nas metrópoles. Os muros dos feudos haviam
ruído e, agora, as fronteiras avançavam em direção a terras desconhecidas.
Saiba mais
2 MERCANTILISMO E FISIOCRACIA
• Mercantilismo
Para os mercantilistas, a origem da riqueza estava relacionada ao acúmulo de ouro e prata. O metal era
obtido com as exportações; de forma contrária, as importações representavam o envio de metal para outras
nações. Como uma determinada nação deveria proceder para obter esse superávit? Quanto mais poderosa ela
fosse, quanto mais numerosas fossem suas rotas comerciais, quanto maior a dependência de suas colônias
em relação à metrópole, maiores seriam as possibilidades de acumular ouro e prata (BRUE, 2006). Para isso, é
evidente que se fazia necessário um Estado forte. O espírito nacionalista associado a um conjunto de instituições
militares capazes de dar conta da ação expansionista também seriam fundamentais. Um governo centralizado
bastante forte era outra exigência e o controle governamental bastante rigoroso deveria dar conta das políticas
e das metas mercantilistas, com esse controle tornando-se visível por meio da concessão de monopólios, da
edição de leis protecionistas, e da elaboração e fiscalização de normas que regulamentassem a produção e a
distribuição de mercadorias. O controle das importações era rigoroso, quando não proibido, e a fixação de preços
dos produtos nacionais no mercado interno obedecia às exigências da política mercantilista.
17
Unidade I
• Fisiocracia
A fisiocracia francesa, representada pelas obras de Quesnay e Turgot, pode ser considerada
como uma reação às antecessoras práticas mercantilistas. A oposição se dá, principalmente, em
relação ao excesso de regulamentação e de normatização da ação governamental. Os fisiocratas
introduzirão (ao menos no campo econômico) a ideia de ordem natural, até por influência da
mecânica newtoniana e dos desenvolvimentos da medicina: acreditava-se numa ordem da natureza
que se responsabilizaria por manter tudo em equilíbrio. A mesma ordem natural seria responsável por
manter os planetas no céu, realizar o movimento circular do sangue e também cuidaria da harmonia
econômica terrestre. A oposição à regulamentação e à intervenção do Estado na economia explica
o lema fisiocrata: laissez-faire, laissez-passer (deixe fazer, deixe passar). Finalmente, é importante
salientar a importância que a agricultura tem no pensamento fisiocrático: é ela a responsável pela
produção de riqueza por meio da geração de excedente, sendo o comércio e a indústrias estéreis,
apesar de úteis.
Para que dessas vertentes pudesse surgir um pensamento econômico que desse conta da análise
da atividade econômica, era necessária uma mudança nos valores morais e nas atitudes em relação ao
lucro e ao trabalho: faltava agora uma nova ética que norteasse e conduzisse os agentes em direção à
acumulação do capital. Afinal,
Portanto, se quisermos compreender como nos transformamos em seres sedentos por sucesso e lucro,
devemos retroceder à transição de uma sociedade que se baseava na noção do justo preço para outra
que perseguia o sucesso econômico. Temos que supor que tal transição fosse requerer uma mudança
drástica na maneira de pensar e agir: era necessária uma nova ética. “A suspeita e o constrangimento
que cercavam as ideias de lucro, mudança e mobilidade social devem dar lugar a novas ideias que
encorajem essas mesmas atitudes e atividades” (HEILBRONER, 1987, p. 64). Vamos tratar, então, de
compreender como surge essa ética e como ela passa a conduzir o comportamento da sociedade que a
ela se submete.
Vamos pensar e refazer esse caminho: até o final da Idade Média, a Igreja Católica era a responsável
pela difusão e pela manutenção dos valores morais. Com base no texto sagrado, ela defendia a vida
como mera passagem transitória pela Terra, anterior à ida para o Paraíso, destino daqueles que haviam
cumprido seu papel aqui.
18
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
O que era considerado pecaminoso? Por exemplo, a busca pelo lucro ou pelo ganho pessoal e o
trabalho (além do necessário para satisfazer as necessidades mais básicas). Quem tivesse o suficiente
para viver e, apesar disso, continuasse a trabalhar incessantemente, “seja para conseguir uma posição
social melhor, seja para viver mais tarde sem trabalhar, ou para que seus filhos se tornassem homens
de riqueza e importância – todos esses estavam dominados por uma avareza, sensualidade ou orgulho
condenáveis” (HUBERMAN, 1986, p. 47). A ética católica pregava o conformismo e abominava qualquer
tentativa de romper com o que estava dado e acertado. Mais: obter qualquer vantagem em relação
ao seu concorrente (se é que existia esse conceito) era simplesmente inimaginável. Como novamente
aponta Huberman (1986, p. 67):
Como se pode perceber, a mudança capaz de introduzir uma nova forma de pensar deveria ser ampla
e irreversível. O que se sabe é que o Calvinismo e a Reforma transformaram, à sua época, a forma de ver
o mundo, trazendo em seu bojo uma nova ética e uma nova moral.
Trabalhar, especialmente além do necessário, era virtuoso. A conquista da riqueza não era imoral,
especialmente se a piedade e a virtude direcionassem o uso dessa riqueza: nada de luxo, jogos e hábitos
faustosos. O trabalho era sagrado, e sagrado também era o seu fruto. Os homens deveriam viver com
simplicidade, com economia e com humildade:
Essa moral criaria o que Max Weber, no século XIX, ao estudar a fundo a relação entre a religião e o
capitalismo, identificou como sendo o espírito do capitalismo:
essas inovações seriam responsáveis por profundos desenvolvimentos em relação às atividades das
indústrias de lã e siderurgia, embora ainda existissem pequenas firmas que empregavam poucos
trabalhadores (nessas, o empregador não era o grande capitalista, mas o empreiteiro intermediário).
A manutenção desses padrões de indústria domiciliar, inclusive, representaria um obstáculo na
consagração de um caráter homogêneo da classe trabalhadora, às vezes envolvida nos processos
produtivos das grandes indústrias, em outras ainda vinculada aos sistemas dos ofícios e pequenas
unidades produtoras.
Saiba mais
As degradadas e sujas cidades inglesas viam circular trabalhadores esfomeados e que viviam em
condições totalmente inadequadas; ao mesmo tempo, os pensadores e a elite empresarial discutiam o
terrível destino que aguardava a humanidade (em especial, a fome resultante da explosão populacional
e da escassez de terras aráveis e produtivas); outros pensadores e capitalistas buscavam alternativas que
pudessem criar um sistema social justo dentro (e a partir do) contexto de industrialização e da economia
de mercado.
Num período em que a crença na ideia do progresso era hegemônica, essas alternativas
incluíam sonhos extravagantes e projetos – às vezes mais, outras menos – mirabolantes. Saint-
Simon e seus seguidores pretendiam construir uma pirâmide social na qual se ganharia em
função do trabalho útil para a sociedade. Fourier escreveria sobre as falanges, locais parecidos
com hotéis, onde todos viveriam e “todos teriam que trabalhar, é claro, porém poucas horas por
dia. Mas ninguém tentaria escapar do trabalho, porque cada qual estaria fazendo o que mais
gostava” (HEILBRONER, 1996, p. 118).
21
Unidade I
Outras iniciativas ocorreriam de forma mais pragmática como, por exemplo, a fábrica de Nova Lanark,
localizada nas redondezas de Glasgow, de propriedade de Robert Owen (1771-1858).
Owen, apesar de capitalista, mostrava sentimentos bastante negativos em relação ao uso do dinheiro
e à propriedade privada; em função disso, proporia a criação de aldeias de cooperação, comunidade de
pobres onde estes poderiam se tornar “produtores de riqueza se tivessem chance de trabalhar e que seus
hábitos sociais deploráveis podiam se transformar com facilidade em hábitos virtuosos sob a influência
de um ambiente decente” (HEILBRONER, 1996, p. 118). No entanto, aquele era um tempo de exploração
humana, das crianças em particular. Em uma passagem do livro A riqueza do homem de Leo Huberman,
podemos ver o que era considerado normal, no século XIX, em termos de duração de um dia de trabalho
em uma fábrica inglesa:
22
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Heilbroner (1996) também se espanta com a miséria e a exploração infantil. Conforme o autor,
em 1828, The Lion, uma revista radical para a época, publicou a incrível
história de Robert Blincoe, uma das oito paupérrimas crianças que haviam
sido enviadas para uma fábrica em Lowdham. Os meninos e as meninas —
tinham todos cerca de dez anos — eram chicoteados dia e noite, não apenas
pela menor falta, mas também para desestimular seu comportamento
preguiçoso. E comparadas com as de uma fábrica em Litton, para onde
Blincoe foi transferido a seguir, as condições de Lowdham eram quase
humanas. Em Litton, as crianças disputavam com os porcos a lavagem
que era jogada na lama para os bichos comerem; eram chutadas, socadas
e abusadas sexualmente; o patrão delas, um tal de Ellice Needham, tinha
o horrível hábito de beliscar as orelhas dos pequenos até que suas unhas
se encontrassem através da carne. O capataz da fábrica era ainda pior.
Pendurava Blincoe pelos pulsos por cima de uma máquina até que seus
joelhos se dobrassem e então colocava pesos sobre seus ombros. A criança e
seus pequenos companheiros de trabalho, viviam quase nus durante o gélido
inverno e (aparentemente apenas por pura e gratuita brincadeira sádica) os
dentes deles eram limados! (HEILBRONER, 1996, p. 101).
Saiba mais
Aquele era um tempo em que mudanças surgiriam não apenas sob a forma do livre pensamento de
políticos e capitalistas, mas também sob a forma de teorias que buscavam explicitar uma ordem racional
na história da humanidade, ordem essa sempre no sentido de avanço e da melhoria.
Entre 1775 e 1875, o mundo passaria por um intenso progresso econômico, embora desigual
se comparados países, ou mesmo se comparados diferentes setores industriais. Os trabalhadores
23
Unidade I
concentram-se num só lugar, a fábrica. O processo de produção agora é coletivo e, do operário, não é
mais esperada vontade própria ou aptidão especial, mas apenas destreza e obediência às exigências das
máquinas. Também,
Nesses termos, a Revolução Industrial pode ser descrita como “uma série contínua de transformações
que perdurou além mesmo do século XIX, em vez de como uma modificação feita de uma só vez” (DOBB,
1987, p. 269). No entanto, “uma vez vinda a transformação crucial, o sistema industrial embarcou em
toda uma série de revoluções na técnica de produção, como traço notável de uma época do capitalismo
amadurecido” (DOBB, 1987, p. 270). As invenções provocavam a especialização do trabalho que, assim
dividido, facilitava a introdução de novas inovações, caracterizando um processo cumulativo e irreversível
em termos do aumento da produtividade, da concentração da produção e da acumulação.
As invenções surgiam em função das necessidades prementes das indústrias e, com o auxílio do
espírito prático e comercial dos capitalistas, mudavam a face da economia e das estruturas sociais.
A força de trabalho não apenas era uma mercadoria, mas uma mercadoria disponível e disposta a se
empregar em troca de salários extremamente baixos. Os cercamentos de terra e o êxodo da população
rural disso resultante, também faria aumentar o número de trabalhadores dispostos a trabalhar em troca
de qualquer salário. A acumulação do capital, portanto, excedia o crescimento da oferta de trabalho.
São os pensadores clássicos que irão consagrar uma forma de “ler” esse novo mundo. As preocupações
desses primeiros teóricos resumem-se a três categorias: produção, distribuição e circulação de riqueza,
essa última vista como consequência da consolidação do Estado burguês na Europa oitocentista. Os
principais pensadores dessa escola foram Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e John Stuart
Mill. Essa doutrina, a do liberalismo econômico, terá em suas bases a liberdade pessoal, a propriedade
privada, a iniciativa individual, a empresa privada e a interferência mínima do governo: as ideias clássicas
eram liberais, em contraste com as restrições feudais e mercantilistas sobre a escolha de profissões, as
transferências de terra e o comércio.
24
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Esse liberalismo clássico irá defender a interferência mínima do Estado na economia, o comportamento
econômico individual baseado no autointeresse e buscará leis explicativas dos fatos econômicos. Para
ele, não é apenas a agricultura que cria riqueza: a origem desta se encontra em todos os ramos da
atividade econômica.
Adam Smith (1723-1790) é o precursor dos autores clássicos, desenvolvendo um padrão de análise
a ser reproduzido por seus sucessores (o sumário de A riqueza das nações, sua principal obra, é quase
o mesmo daqueles dos escritos de Malthus e Ricardo). Para Smith, a riqueza de uma nação é medida
pela produção total anual de um país, que será consumida por um determinado número de pessoas.
Assim, a riqueza é dada pela relação entre a produção anual e a população. A divisão do trabalho gera
a riqueza e esse processo (o de consecutivas divisões e especializações) só encontra limites no tamanho
do mercado: a divisão do trabalho ocorrerá até o limite das possibilidades do tamanho do mercado.
Para Smith, o sistema econômico tende ao equilíbrio natural, tal como observado na natureza física, e é
resultado do comportamento egoísta que, direcionado ao bem-estar individual, gera o bem-estar social.
Como isso ocorre?
Para Smith, ao buscar seu próprio interesse, cada agente tem também que considerar o interesse do
outro: um bom exemplo é o de um comerciante que diminui o preço de sua mercadoria se os clientes
optam por outro comerciante que venda mais barato. Será essa busca pelo progresso individual, busca
essa motivada pelo autointeresse, que resulta no crescimento das cidades, no aumento da eficiência
econômica e no acúmulo da riqueza material.
Saiba mais
Smith tentaria, dessa forma, compreender o sistema econômico como um todo, em especial no que
diz respeito à alocação de recursos para os fatores de produção, aos mecanismos de autorregulação do
mercado e ao modelo de crescimento. Segundo Heilbroner e Milberg (2008, p. 75),
25
Unidade I
O exemplo utilizado por Adam Smith em A riqueza das nações é o da fábrica de alfinetes. Por meio
das atividades observadas nessa fábrica, ele explicará como a divisão de trabalho acaba por gerar riqueza
a partir do aumento da produtividade:
Por seu turno, Thomas Malthus (1766-1834) está preocupado com outra coisa: o que o atormenta
é a fome e a imensa miséria dos trabalhadores. Para ele, é visível que, como consequência dos
desenvolvimentos da Revolução Industrial, a acumulação do capital e da renda da terra se faz a partir do
arrocho do salário dos trabalhadores; Malthus escreve sob efeito dos conflitos de seu tempo, conflitos
esses marcados pelo confronto dentro da elite econômica entre os interesses do capital agrário e do
capital industrial, ainda nascente. Os proprietários de terra desejam impostos altos de importação para
os cereais para que possam elevar os preços internos. Os industriais querem os cereais vendidos a preços
menores para que não tenham que aumentar os salários. Os pobres e miseráveis perdem, aos poucos, a
parca ajuda financeira das paróquias.
Malthus está extremamente preocupado com o destino da espécie humana. Para ele,
tem sido dito que uma grande questão está hoje em debate: se doravante o
homem se lançará para frente, com velocidade acelerada, em direção a um
aperfeiçoamento ilimitado e até agora inimaginável, ou se será condenado
a uma permanente oscilação entre a prosperidade e a miséria e, depois
de todo esforço, ainda permanecerá a uma incomensurável distância do
objetivo desejado (MALTHUS, 1996, p. 243).
26
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Teoria de Malthus
Crescimento populacional
Produção de alimentos
Fome, doenças, crises sociais, políticas, mortes
Capacidade de produção de alimentos
Para Malthus, essa era a tendência natural da humanidade: “independentemente do êxito conseguido
pelos reformadores, em suas tentativas de modificar o capitalismo, a atual estrutura de proprietários
ricos e trabalhadores pobres reapareceria inevitavelmente” (HUNT, 2005, p. 69). Essa divisão de classes
era uma consequência inevitável da lei natural: “parecia que, pelas leis inevitáveis da natureza, alguns
seres humanos teriam de passar necessidade. Essas eram as pessoas infelizes que, na grande loteria da
vida, tinham tirado um bilhete em branco” (idem, p. 69).
Malthus, apesar da rigorosa formação religiosa, é contrário a contra qualquer tipo de ajuda aos
pobres. Em sua opinião, se a ajuda aos menos privilegiados surtisse qualquer efeito, eles já teriam
desaparecido da face da terra. Segundo ele, “o fato de que aproximadamente três milhões são coletados
anualmente para os pobres e, entretanto, sua miséria ainda não tenha sido eliminada, é um objeto de
permanente assombro” (MALTHUS, 1996, p. 268). Sua opinião apoia-se na seguinte justificativa:
27
Unidade I
Observação
Ideias não nascem sós: evidência disso é a série de estudos que vem sendo
feita para investigar a relação entre as ideias de Thomas Malthus e as de Charles
Darwin. Ambos partiram de uma mesma realidade e suas obras apresentam
aproximações interessantes. Afinal, ambos buscaram compreender os processos
de seleção natural e de sobrevivência da espécie humana.
Saiba mais
David Ricardo (1772-1823) tinha ideias em comum com Malthus. Discordava, porém, em uma série de
coisas: apesar da enorme amizade pessoal entre os dois, eram inimigos intelectuais. Ricardo concordava
com a ideia de o crescimento populacional ser responsável pela “corrosão” salarial do trabalhador, sempre
levando esse salário ao nível de subsistência. No entanto, Ricardo discordava de Malthus em relação à
renda da terra. Para Ricardo, “o preço dos cereais, em relação ao preço das mercadorias industrializadas,
era regulado pela tendência do trabalho e do capital, quando empregados em terras cada vez menos
férteis, a produzir cada vez menos cereais” (HUNT, 2005, p. 87). Quer dizer, eram as terras menos férteis
que determinavam a renda das terras mais férteis.
Saiba mais
28
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Entre a perspectiva otimista de Smith e o olhar pessimista de Malthus e Ricardo, temos a obra de
John Stuart Mill: nascido em Londres, em 1806, filho do filósofo James Mill, iniciou sua educação ainda
muito criança. Talvez seu maior desafio tenha sido sobreviver à rotina massacrante de estudos imposta
pelo pai: o estudo de grego teria começado aos três anos de idade, e aos sete os primeiros seis diálogos
de Platão já eram conhecidos. Fiel defensor dos direitos das mulheres e do sufrágio universal, Mill
acreditava na necessidade de dar voz às minorias como forma de legitimar a decisão majoritária. Nas
suas obras, Mill indaga: como conciliar uma visão histórica do homem e da sociedade com os critérios
8
Disponível em: <http://images.wellcome.ac.uk/indexplus/obf_images/fa/25/d2c7707f809bd259eb86d61d1cc5.
jpg>. Acesso em 15. dez. 2011.
9
Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3b40000/3b45000/3b45800/3b45889r.jpg>. Acesso em:
15 dez. 2011.
29
Unidade I
De fato, entre o pessimismo e o otimismo, uma grave crise estava sendo alimentada: essa crise
resultaria da expansão da produção associada à redução da lucratividade dos negócios: dificuldades
para abertura de novas oportunidades, rapidez na acumulação de capital e limites para a exploração
da mão de obra contribuíram para o desenvolvimento da crise que romperia ao final do século XIX,
aparentemente tão promissor nos seus primórdios.
A substituição crescente da mão de obra por maquinário gerava desemprego, e a revolta era tão
grande que, ao final do século XVIII e nos primeiros anos do século XIX, eram normais as invasões de
fábricas por hordas de trabalhadores. Conforme afirma Heilbroner (1996, pp. 102-103),
Ao final do século XIX, a concorrência exigia a criação de mecanismos de defesa contra a redução
de preços e de margens de lucro. “Essa maior preocupação com os perigos da concorrência sem
barreiras veio numa época em que a crescente concentração da produção, principalmente na indústria
pesada, lançava os alicerces de uma centralização maior da propriedade e do controle da política
dos negócios” (DOBB, 1987, p. 310). Esse contexto enseja a formação de trustes, de associações de
produtores industriais e de cartéis. As empresas europeias (especialmente as de capital britânico),
desesperadas por conquistar novos mercados, irão exportar bens de capital para a Ásia, a África e a
América.
Assim será com a exploração do salitre no Chile, com a construção de ferrovias e portos no Brasil,
no México, no Japão, no Canadá e na Argentina: se o capital já não pode ser traduzido em acumulação
nos seus locais de origem, irá ser exportado para o exterior, e de lá trará os lucros tão desejados pelos
empresários.
30
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Saiba mais
Inspirados pela visão dos sucessos de levantes operários e envolvidos no trabalho de entender
e resolver os problemas oriundos da acumulação capitalista, Marx e Engels buscarão a análise do
capitalismo, defendendo sua inexorabilidade rumo à destruição.
Marx, acrescentando, fará uma previsão: o capitalismo se destruirá por si mesmo. A produção não
planejada, a desorganização do sistema, as constantes oscilações de preços, tudo estaria conspirando
para a inexorável crise.
31
Unidade I
Algumas das principais ideias de Marx podem ser assim resumidas: para ele, o capital era quem
gerava lucros para uma específica e especial classe social; a relação econômica básica era a da troca e,
nesse sentido, as mercadorias tinham um valor de uso (criado pelo trabalho útil) e um valor de troca
(criado pelo valor abstrato); o valor de troca era expresso em termos de preço monetário; ainda, “o valor
de uso não poderia ser a base do valor de troca” (HUNT, 2005, p. 198). Tendo “estabelecido a ligação
entre o valor de troca de uma mercadoria e ‘a quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário
para sua produção’, Marx [...] mostrou as condições sócio-históricas específicas necessárias para os
produtos do trabalho humano se transformarem em mercadorias” (idem, p. 200).
Para Marx, enquanto numa sociedade não capitalista o fluxo de troca poderia ser descrito por mercadoria
– dinheiro – mercadoria (o processo, nesse caso, envolvendo a troca com o objetivo de adquirir outras
mercadorias para uso), numa sociedade capitalista o fluxo caracterizava-se por dinheiro – mercadoria –
dinheiro (ou seja, o dinheiro era gerado pela produção e troca de mercadorias produzidas a partir do capital
disponível); a diferença entre dinheiro recebido pela troca das mercadorias produzidas e dinheiro gasto com
salários era denominada mais-valia, gerada no processo de produção e que tinha como origem o fato de
os capitalistas comprarem um conjunto de mercadorias (fatores de produção, incluindo o trabalho que o
operário vendia como mercadoria) por um valor abaixo daquele representado pelo conjunto de mercadorias
vendidas (resultantes do processo produtivo).
Para Marx, essa análise permitia concluir que a única maneira de o capitalista sobreviver era por meio
da acumulação cada vez maior de capital, e essa a luta pela sobrevivência acabaria por gerar concentração
econômica e queda da taxa de lucro (em suma, crises setoriais, alienação e miséria da classe operária).
Saiba mais
Esse seria o contexto a partir do qual se desenvolveria a depressão da década de 1870 e, em consequência,
a articulação de um discurso analítico feito sob medida para compreendê-lo em toda a sua extensão.
O que se tornou conhecido como Grande Depressão, iniciada em 1873, interrompida por surtos
de recuperação em 1880 e 1888, e continuada em meados da década de 1890, passou a ser encarado
como um divisor de águas entre dois estágios do capitalismo: aquele inicial e vigoroso, próspero e cheio
de otimismo aventureiro, e o posterior, mais embaraçado, hesitante e, diriam alguns, mostrando já as
marcas de senilidade e decadência (DOBB, 1987).
Afinal, se os mercados são tão necessários para a sobrevivência do capital, as nações desenvolvidas
entrariam em guerra para disputá-los.
32
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Para refletir
Veja o mapa a seguir. Ele mostra as regiões do mundo que sofrem com o problema da fome. Em sua
opinião, as previsões de Malthus estavam corretas?
-180º -135º -90º -45º 0º 45º 90º 135º 180º
45º 45º
0º 0º
-45º -45º
Como vimos ao final do item anterior, o marxismo marcou indelevelmente o pensamento econômico ao
final do século XIX: colocando sob o holofote crítico do materialismo histórico, ele veio se configurar como
a mais estruturada manifestação contrária ao capitalismo. É evidente que os liberais e os adeptos do livre
mecanismo de mercado precisavam reagir, e eles reagiram: em verdade, a síntese neoclássica se mostrou,
ao menos no primeiro instante, como uma tentativa de responder às previsões pessimistas de Marx quanto
ao futuro da relação capital-trabalho que até então se mostrava hegemônica e insubstituível.
Dessa forma, podemos entender o pensamento neoclássico como resultante das ideias que
33
Unidade I
A crise de 1929 traria outros ingredientes para a análise do pensamento econômico, e a escola
neoclássica teria que proporcionar soluções antes não cotejadas no seu desenvolvimento teórico.
Vejamos um texto publicado na revista Veja sobre o famoso outubro daquele ano:
34
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
década gloriosa para os americanos, via seu baluarte, a rica e poderosa Bolsa
de Nova York, despedaçar-se em poucos minutos naquela que já entrou para
os anais como a “quinta-feira negra”. Uma onda súbita e sem precedentes de
vendas tomou de assalto o pregão nova-iorquino. Ações outrora valorizadas
simplesmente não encontravam novos compradores, nem mesmo por
verdadeiras ninharias. Os preços dos papéis, fossem eles da United States
Steel ou da American Telephone and Telegraph, caíam vertiginosamente,
arrastando com eles as economias, esperanças e sonhos de milhares de
americanos levados à bancarrota instantânea12.
Observação
A notícia faz referência à quebra da bolsa da maior economia do mundo em 1929, que, por sua
dimensão, disseminou a crise por todos os continentes. Para Dobb (1987, p. 322), o que desmontava era
o sonho de um paraíso econômico:
Os próprios fatos desses anos sombrios, com suas falências repentinas, fábricas
abandonadas e filas de gente a pedir pão, forçaram nos espíritos já refeitos a
conclusão de que algo – muito mais fundamental do que uma adaptabilidade
lenta de desordenadas relações de preços – devia estar errado no sistema
econômico, e que a sociedade capitalista teria sido tomada por algo com
todos os sinais de ser uma doença crônica que ameaçava tornar-se fatal.
Saiba mais
Entendamos, portanto, a crise. A atividade econômica tinha, naquele momento, a produção de massa
como principal característica. O antigo artesão, o produtor independente da máquina e o agente que operava
12
Texto disponível em: <http://veja.abril.com.br/historia/crash-bolsa-nova-york/especial-quebrou-panico-acoes-
wall-street-impressao.shtml>. Acesso em: 16 dez. 2011.
35
Unidade I
a máquina, todos eles haviam sido substituídos, aos poucos e de maneira irreversível, por máquinas que
operavam e comandavam a produção. Ela se tornara um processo de equipe, mecanizado e unificado.
Nas primeiras décadas do século XX, tudo parecia funcionar exatamente como o previsto pelo
modelo da “mão invisível”: aos capitalistas e industriais, era requerido apenas que se conhecesse o
mercado para conduzir a oferta em sua direção. Porém, problemas não previstos passaram a ocorrer: o
mercado parecia dominado cada vez mais por monopólios e oligopólios. As margens de lucro não mais
aumentavam e os preços pareciam não admitir elevação. O emprego se reduzia cada vez mais e mesmo
isso parecia não elevar a rentabilidade dos negócios. Uma situação como essa não poderia culminar em
outra coisa que não crise e foi exatamente isso que se observou ao final da secunda década daquele
século que parecia tão promissor.
O otimismo que havia conduzido os negócios até então contrastava com a triste realidade da
superprodução e do desemprego, sendo esse otimismo perceptível na febre de poerações na bolsa de
valores: os lucros eram tão imensos que todos compravam ações. Do padeiro ao motorista de ônibus,
todos compravam ações, embalados pelo sonho da prosperidade rápida e sem riscos, sequer imaginando
que o fim estava muito mais próximo do que se imaginava. Mas, por qual motivo?
Desde muito, o governo americano incentivava o cidadão a participar do mercado acionário. Seria
nesse tipo de mercado que agentes superavitários encontravam formas alternativas de valorizar suas
riquezas, deixando-as à disposição dos empresários que investiriam mais e mais na produção de coisas
úteis. Ao final do processo, o empresário vendia sua produção e repassava parte dos lucros aos agentes
superavitários que acreditaram no “negócio”. No entanto, essa participação entusiasmada no mercado
de ações acabou perdendo o contato com a realidade cruel da superprodução e do desemprego reais:
na ânsia capitalista de querer acumular mais e mais capital, algumas pessoas chegaram a hipotecar
seus imóveis para arriscar os lucros extraordinários do mercado financeiro. Já se deve ter percebido a
cilada: para que lucros maiores fossem repartidos entre mais pessoas, maiores deveriam ser os lucros das
empresas; para aumentar os seus lucros, empresas deveriam diminuir custos e salários, produzir mais e
vender mais. Como aumentar o consumo se os salários baixavam para aumentar a margem dos lucros?
Como desaguar a produção se cada vez havia mais desempregados fora do mercado de consumo?
36
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Para piorar a situação, o monopólio, estrutura na qual operava a maior parte do mercado, tinha como
característica a imposição de obstáculos à entrada de novas empresas. A queda de investimentos logo se
faria sentir. Capacidade ociosa: esse seria o resultado da adoção desse conjunto de práticas, e a ociosidade
seria não apenas de equipamentos e ativos imobilizados, mas especialmente da mão de obra, que se
caracterizaria como exército industrial de reserva de dimensões alarmantemente ampliadas. Superprodução
e desemprego seriam, dessa forma, as características mais evidentes da crise que se anunciava.
Os Estados Unidos, antes reconhecidos como país de sucesso e de oportunidades para todos, seriam agora
identificados como geradores de crises. Os milhões de desempregados eram como obstruções nas veias pelas
quais circulava a riqueza da nação e, embora sua evidente existência demonstrasse que algo estava errado
no sistema, os economistas simplesmente não conseguiam entender, diagnosticar ou receitar: não havia, no
referencial teórico à disposição, qualquer remédio conselhado para essa situação inédita. Desemprego — este
tipo de desemprego — simplesmente não se encontrava na lista dos possíveis problemas do sistema; era
absurdo, irracional e, portanto, impossível. Mas estava ali. (HEILBRONER, 1996, p. 234).
Subconsumo
e
superprodução
Desemprego Baixa de preços
Quebra
Diminuição das ações
do crédito Falências
bancárias
37
Unidade I
O que fazer com o mundo que parecia não encontrar o caminho para o equilíbrio tão prometido,
previsto e preconizado pelo liberalismo vigente até então? Como fazer se a oferta não criava a sua
própria demanda? Várias foram as estratégias que inspirariam os governantes dos mais diversos países
do mundo, rompendo com determinados paradigmas do pensamento econômico e se configurando
como uma verdadeira revolução.
O contexto gera a oportunidade de desenvolvimentos teóricos: a partir das catástrofes causadas pela
grande depressão (consequência direta da crise de 1929), vamos perceber uma ruptura com a ciência
clássica e com os principais pressupostos sobre a capacidade de os mercados, sem a interferência do
governo, utilizarem de maneira eficiente os recursos disponíveis, ou seja, produzirem esses recursos com
pleno emprego. As teorias econômicas, até então, sugeriam a existência de uma tendência automática
ao pleno emprego de recursos, sem o desemprego de trabalhadores. Por conta da grande depressão dos
anos 30, a evidência empírica mostrava agora pessoas buscando constantemente emprego sem alcançar
sucesso.
Outro elemento complicador (e, portanto, estimulador da crise) diz respeito ao desenvolvimento do
setor de serviços, que dava suporte e assistência às indústrias. Para que as empresas do setor de prestação
de serviços pudessem operar, eram necessários trabalhadores que, de forma muito provável, deveriam ser
“roubados” do setor da indústria. Como esses trabalhadores somente mudariam de emprego se a relação
de salário fosse melhor, ou seja, se o setor de serviços pagasse salários maiores, percebia-se que os lucros
nesse setor eram baixos se considerados os pagamentos de salários elevados, comparativamente aos
salários industriais. Lucros baixos remetiam à baixa remuneração do investimento em ações na bolsa de
valores. Tudo parecia conspirar para que a crise atingisse, portanto, diversos setores, disseminando-se e
alastrando-se com rapidez.
Se a crise já tinha contornos bem visíveis, faltava agora a solução. Em 1933, Roosevelt assumiu
a presidência dos Estados Unidos, herdando a pesada conta de 17 milhões de desempregados. Para
tentar solucionar a crise, sua equipe elaborou um plano que passou a ser conhecido como New Deal
(Novo Acordo) e que envolvia, basicamente, a atribuição ao Estado da responsabilidade de intervir na
economia, vigiando o mercado e os empresários, corrigindo as distorções e monitorando as atividades
38
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
nas bolsas de valores. De forma resumida, o New Deal procurou consertar o desequilíbrio na economia
por meio de algumas estratégias:
• criação de um grandioso e ambicioso programa de obras públicas a serem executadas por órgãos
públicos e empresas estatais: estradas, escolas, hospitais, aeroportos e toda uma infinidade de
obras de infraestrutura;
• criação da Previdência Social e elaboração de leis sociais para a proteção dos trabalhadores e
desempregados;
• criação do salário mínimo;
• diminuição da jornada de trabalho e manutenção dos salários;
• compra de estoques de cereais e sua posterior queima, para manter a remuneração dos setores da
economia envolvidos com o setor primário;
• arbitragem dos conflitos entre empresários, forçando-os a concretizar acordos sobre os níveis de
produção e preços;
• renegociação e perdão das dívidas dos pequenos proprietários;
• concessão de crédito aos fazendeiros.
A proposta do New Deal baseou-se numa combinação bastante simples: por um lado, procurou
aumentar a capacidade de consumo da sociedade; por outro, evitou-se aumentar a capacidade de
produção das empresas. A preocupação maior de Roosevelt era proporcionar à sociedade novos tempos
de consumo e produção, e não aumentar a estocagem de produção vigente, já imensa; assim, procurou-
se transferir renda para a sociedade, por meio da ação do governo.
Acompanhe o raciocínio: para que o governo possa construir uma escola, ou um hospital, por
exemplo, precisa inicialmente de um espaço geográfico, um local físico. Terá, então, que adquirir
uma fábrica fechada em função da crise anterior; ao comprar o imóvel, o governo está, portanto,
repassando renda a uma família que pode voltar ao mercado de consumo. Agora, é necessário
construir a escola ou o hospital: o governo terá que adquirir, no mercado de construção civil,
todos os materiais necessários à construção; também terá que contratar pessoas que trabalharão
nas obras. Cada um desses profissionais receberá um salário como forma de remuneração de sua
atividade, podendo então voltar ao mercado de consumo de mercadorias. E, assim por diante.
Por outro lado, os empresários, incentivados também pelo governo com subsídios à produção,
retomam o interesse na continuidade de seus negócios, percebendo agora que a sociedade também
retorna ao mercado de consumo. Assim, empresas voltam a empregar outras pessoas e a produzir. O
círculo do incentivo se fecha.
Esse exemplo, bastante simples, mostra o efeito da intervenção do governo no status quo da
economia: aumento no nível de emprego da economia, da produção e da contratação de empregados,
manutenção da atividade econômica e controle das tensões sociais. De tal monta é o resultado da
39
Unidade I
intervenção do Estado que a resposta à pergunta de qual a solução para o capital parece ser uma só: a
resposta é: o Estado. O Estado, finalmente, salva o capital. Chega ao fim a era da crença no equilíbrio
natural e automático do mercado e esse será o contexto a partir do qual se desenrolará aquilo que
chamamos de revolução keynesiana.
Lembrete
Vejamos como ele desenvolveu sua análise: partindo do estudo da riqueza de uma nação, Keynes
concluiu que sua medida é a renda em posse da população. Atenção: renda, aqui, não é um conceito
estático, porque ela se transfere de mãos no processo de produção e no consumo de mercadorias,
revitalizando assim a economia. Como parte da renda é gasta no consumo de bens e serviços e outra
parte é poupada (em bancos ou por meio da aquisição de ações), é esperado que essa renda retorne ao
sistema, via concessão de empréstimos ou por meio de financiamentos para a expansão das atividades
produtivas.
Apresentado dessa forma, o modelo parece ser simples; no entanto, o problema surge porque essa
comunicação entre poupança e investimento não é automática.
O fluxo circular da renda não funciona de forma automática e a economia fica paralisada, segundo
Keynes. Ele ainda descobriria mais uma coisa: a depressão e a crise da bolsa haviam acabado com o
montante de poupanças. De fato, sequer havia renda para o consumo, quanto menos para poupança.
No contexto da crise que se desenvolvera a partir de 1929, a situação era mais grave: a economia
encontrava-se paralisada exatamente quando precisava ser mais dinâmica. Não havendo excedente
de poupanças, não havia pressão na taxa de juros suficiente para encorajar os negociantes a pedir
empréstimos. “Se não havia empréstimos e gastos com investimentos, não havia ímpeto de expansão.
13
Ainda nos dias de hoje, uma boa parte da heterodoxia econômica se autointitula de “keynesiana”.
40
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
(...) Assim, dava-se o paradoxo da pobreza em meio à fartura e à anomalia de homens e máquinas sem
ter o que fazer” (HELBRONER, 1996, p. 252).
Nessa situação de paralisia, Keynes recomendaria o que se tentara antes, e de forma bem-sucedida,
com o New Deal americano: cabia ao governo tirar a economia do fundo do poço, investindo e criando
empregos. Ao criar empregos, criava-se renda para o consumo e para a poupança. Criando demanda,
criaria estímulos para que a oferta fizesse a produção retomar seu crescimento. Ao investir em obras
públicas, mesmo que fosse apenas para cavar buracos que, posteriormente, fossem tapados, o governo
atendia ao que era prioritário: a criação de empregos.
Em outras palavras,
A “mão visível” do Estado colocava ordem no mercado, ordem essa que outra mão invisível lograra não
conseguir. Os resultados obtidos foram satisfatórios. Como pode ser visto no gráfico da figura a seguir,
a economia americana voltou a crescer e nesse ritmo se manteria até a década de 70. Observe: a linha
pontilhada corresponde ao crescimento americano e as barras verticais correspondem ao crescimento
da economia brasileira.
41
Unidade I
Para Sandroni (1996), o objetivo da criação do FMI em 1944 era o de estabelecer mecanismos
para estímulo da cooperação monetária entre todos os países do mundo. A iniciativa tinha como
escopo a necessidade de equilibrar paridades monetárias justas entre diferentes moedas, evitando as
desvalorizações concorrenciais e formando um grande fundo com recursos dos países membros. A
manutenção do equilíbrio mundial das economias poderia exigir a utilização desses recursos em favor
de países que encontrassem dificuldades nos pagamentos internacionais, principalmente aqueles que
apresentavam recorrentes déficits em sua conta de transações correntes.
Uma das principais funções do Fundo era regular as paridades das moedas.
Tinha o objetivo essencial de presidir um regime internacional de câmbio
praticamente fixo, promovendo a cooperação monetária internacional
mediante uma instituição permanente que servisse de mecanismo para
consulta e colaboração sobre problemas monetários. Em seu instrumento
constitutivo estabeleceu-se, ainda, que recursos financeiros do Fundo
seriam oferecidos temporariamente aos países membros para proporcionar-
lhes oportunidades de corrigir desequilíbrios no seu balanço de pagamentos,
sem recorrer a desvalorizações cambiais, consideradas destrutivas da
prosperidade internacional (MANZALLI e GOMES, 2006, p. 96).
(BAUMANN, 2004). Formalmente, sua estratégia consistia na canalização de capital para investimentos
que elevassem a produtividade das empresas, o padrão de vida das pessoas e as condições de trabalho
nos países membros. Em outras palavras, a preocupação primordial do Banco Mundial estaria ligada à
melhoria das condições de vida da população, quer dizer, às questões de cunho qualitativo (ficando as
questões de cunho quantitativo-financeiro a cargo do FMI).
Os resultados das políticas keynesianas logo se fariam sentir e a economia americana viveria o seu
período de maior riqueza e crescimento.
No Brasil, também se adotaria estratégia parecida à do New Deal: ao tempo de Getúlio Vargas,
a produção de café seria comprada pelo governo apenas para remunerar os fatores de produção
empregados. Depois, esse café seria queimado, em vez de ser colocado no mercado, abaixando ainda mais
o preço do produto. Comprava-se café não para revendê-lo, mas apenas para manter a remuneração de
setores importantes da economia.
Cavando buracos
Em sua obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, Keynes explicaria a necessidade de investir
na criação de empregos como medida para manter a demanda agregada e evitar a queda da produção.
Se fosse necessário, que se cavassem buracos e os cobrissem novamente. Ou, nas palavras dele: “Cavar
buracos no chão, à custa da poupança, não só aumentará o emprego como também a renda nacional
em bens e serviços úteis” (KEYNES, 1996, p. 216).
Para refletir
Situação – Numa entrevista concedida nos anos 1970, Golbery do Couto e Silva, então Ministro
Chefe da Casa Civil, afirmou que a maior ou menor intervenção do Estado na economia assemelhava-se
43
Unidade I
aos movimentos cardíacos de sístole e diástole, o que os tornava, portanto, inexoráveis com o passar do
tempo14.
Proposta – Em que situações você acha ser importante a intervenção do Estado na economia?
Nesse mundo do pós-guerra, os avanços da ciência surgiam sob a forma de técnicas e tecnologias
que não necessitam ser compreendidos pelos usuários finais (HOBSBAWM, 1995). A física quântica,
desenvolvida por Einstein no começo do século, era agora visível nos produtos do cotidiano e, para
utilizá-los, não era sequer necessário entender qualquer teoria. Se na Terra, por inspiração da Guerra
Fria, americanos e soviéticos disputavam um lugar ao sol, a corrida espacial sugeria a imortalidade e
infinitude do espaço.
Para os Estados Unidos, aqueles seriam esplêndidos anos: os anos posteriores ao final da II Guerra
haviam sido nada mais do que a continuidade do estupendo desempenho que beneficiou o país nos anos
de conflito armado, embora tenha sido notável o fato de que as taxas de crescimento fossem lentas,
comparativamente às de outras nações. Nas economias dos países desenvolvidos, o pleno emprego era
uma realidade, finalmente atingida nos anos 1960: a perspectiva era de crescimento e prosperidade
contínua, não havendo por que duvidar que o desenvolvimento dessa década não se reproduzisse na
década posterior (HOBSBAWM, 1995).
Até as nações do bloco não capitalista cresciam e a fome e miséria ainda não se faziam visíveis,
apesar dos sinais de explosão populacional e de exclusão dos povos do Terceiro Mundo na repartição
do bolo dourado do capitalismo. Na década de 60, a produção de manufaturas produzidas no mundo
já havia se quadruplicado e o comércio mundial dos produtos da industrialização havia se multiplicado
por dez (HOBSBAWM, 1995).
Não havia porque temer nada, nem mesmo em relação ao esgotamento dos recursos ambientais:
apenas anos depois, o primeiro choque do petróleo impulsionaria a institucionalização das preocupações
ambientais e seu subsequente alastramento pelo mundo nos anos 80 e 90.
45
Unidade I
Como em outros momentos da história, o progresso tornava-se visível por meio das inovações
tecnológicas decorrentes dos desenvolvimentos científicos. O uso da terra e de seus recursos nada mais
era do que resultado do direito legítimo de o ser humano habitar o mundo e dele retirar o necessário, ou o
mais que necessário. Os números relativos à posse de automóveis, telefones e outros bens industrializados
(grande parte deles com base na tecnologia desenvolvida durante os anos de guerra) evidenciavam o
crescimento econômico e a disseminação do bem-estar para todos aqueles que houvessem adotado (por
bem ou por mal) o modelo capitalista. O crescimento desmesurado ocultava outra realidade: parcelas
cada vez maiores da população estariam desempregadas em breve, especialmente em função do uso
intensivo da tecnologia. Nesse contexto, portanto, não havia por que duvidar de que o sistema de
mercado não fosse a razão de ser da própria economia e, a partir desse ponto de vista, tudo aquilo que
teria sido obstáculo ao surgimento da economia de mercado também seria responsável pelos obstáculos
ao desenvolvimento da economia como ciência.
A crise surgiria em meados da década de 70, com o esgotamento das políticas que combinavam
liberalismo econômico e bem-estar social (que, na Europa, significou a eleição de vários governos social-
democratas), e com o esquecimento das lições do período entre guerras e da depressão. A ação da
OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) no sentido de elevar significativamente o preço
do petróleo também faria sua parte, aumentando o endividamento dos países dependentes de sua
importância e acelerando o processo inflacionário no mundo todo.
O problema agora não era apenas o da garantia do pleno emprego, mas o da estabilidade monetária.
Afinal, embora a história já houvesse contabilizado outros momentos de inflação, eles eram apenas
passageiros, diferentes daqueles que penalizavam todas as economias do mundo, independentemente
do grau de desenvolvimento. Agora, a inflação era sinônimo de crise. Uma crise monetária de excesso de
moeda em circulação. Crise pois, apesar da expectativa em contrário que apostava na sua transitoriedade,
a inflação dos anos 70 configurava-se, naquele instante, como um problema crônico, tão sério quanto
a depressão de outrora.
O que se seguiu é do conhecimento de todos: ativos monetários sofrendo erosão, falências, tentativas
de conter o processo via tributação ou via recessão, adoção de estratégias ortodoxas e heterodoxas.
Tudo se tentou para secar a água que transbordava sem parar dos diques financeiros e a corrente
monetarista (uma vertente do pensamento econômico daquele instante) encarregou-se de estruturar
os diagnósticos e estratégias que buscariam resolver o problema da inflação.
Pode não parecer evidente, mas aquilo que o capital acabou por utilizar na resolução dos seus
problemas foi resultado do próprio processo histórico. Acompanhe o nosso raciocínio: durante o
século XVI, período da revolução comercial e da consolidação do pensamento mercantilista, as teorias
46
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
explicativas das relações comerciais prescreviam que cada nação deveria exportar o máximo e importar
o mínimo para que assim fosse possível um saldo positivo em sua balança comercial. Nesses termos,
o comércio com o exterior era visto como fonte de riqueza dos países. Conforme Dowbor (1990) e
Singer (1989), esse comércio trazia dois efeitos sobre a estrutura sócio-político-econômica da Europa. O
primeiro era o fluxo de metais preciosos para a Europa, e não coincidentemente a quantidade de ouro
chegou a dobrar em meados do século XVI. Como a produção de bens pouco se alterava, havia elevação
de preços e redução dos rendimentos dos senhores feudais pois,
Dessa forma, percebemos que o comércio internacional, por meio da abertura dos portos, era tido
como mecanismo para obtenção de metal precioso; mais: cada país só obteria vantagens à custa dos
demais. Posteriormente, outra visão substituiria essa (mercantilista): a capacidade de produzir seria a
variável explicativa da riqueza.
Em 1776, com A riqueza da nações de Adam Smith e, em 1817, com Princípios de economia política
e tributação de David Ricardo, ocorre uma transformação no pensamento econômico. Em verdade, a
musculatura do corpus científico da Economia começa a se estruturar, resultando nas formulações
teóricas clássicas do liberalismo. Essas formulações preconizavam que os capitalistas deveriam se opor à
intervenção do Estado central na economia, dado o declínio de políticas mercantilistas que dependiam
de forte regulamentação do Estado: o sistema econômico livre do Estado se apoiava na crença de que
cada capitalista e trabalhador deveria buscar o seu próprio interesse no mercado. Esse é o sistema que
47
Unidade I
identificamos com o laisse-faire, laissez-passer, que Dowbor (1990) entende como a recomendação
da irrestrita abertura dos portos e mercados – entre as nações – fato que, na época, favorecia o poder
industrial inglês. Dentro desse contexto, a abertura dos portos, ou dos mercados, era fundamental pois,
como enfatiza Smith (1996, p. 77),
[...] com plena segurança, achamos que a liberdade do comércio, sem que
seja necessária nenhuma atenção especial por parte do governo, sempre
nos garantirá o vinho de que temos necessidade; com a mesma segurança
podemos estar certos de que o livre comércio sempre nos assegurará o ouro
e a prata que tivermos condições de comprar ou empregar, seja para fazer
circular as nossas mercadorias, seja para outras finalidades.
O que podemos concluir disso? Podemos perceber que, aos olhos daquele contexto, o comércio
externo beneficiaria todos os países participantes já que, em primeiro lugar, permitiria o escoamento
da produção excedente de manufaturados caso não existisse demanda interna; em segundo lugar,
valorizaria, externamente, mercadorias que talvez não mais correspondessem às preferências do mercado
interno, e em terceiro lugar, resultaria na elevação da produção, “aumentando assim a renda e a riqueza
reais da sociedade” (SMITH, 1996, p. 430).
Conforme Manzalli (2000), já na segunda metade do século XIX, a economia dos países então
desenvolvidos alcançava a maturidade e, nos tempos e nos padrões de um capitalismo industrial ainda
caracterizado por mercados dominados por empresas de porte relativamente pequeno, associava-
se também a um grau elevado de evolução tecnológica. As transformações ocorridas nos setores de
siderurgia, metalurgia, mecânica e ferrovias e o crescimento da capacidade produtiva industrial levariam
à necessidade, cada vez maior, de novos mercados que dessem conta de adquirir a produção extraordinária
gerada pelo setor; precisava-se também, e com urgência, de novos mercados fornecedores de matérias-
primas. Esse é o período que corresponde, portanto, ao avanço do capitalismo em direção aos países em
desenvolvimento, que comprarão das nações industrializadas aquilo que lhes falta: estradas de ferro,
navios, tecidos, artigos de luxo e de consumo popular. Em troca, as nações periféricas enviarão ao Velho
Mundo e aos Estados Unidos as matérias-primas tão necessárias.
Vamos resumir, de forma simplificada, como a teoria das vantagens absolutas, de Smith, e a teoria das
vantagens comparativas, de David Ricardo, explicam esse processo de interdependência das economias:
cada país se especializa na produção de mercadorias com maiores vantagens naturais ou adquiridas na
produção. Também podemos fazer uso das ideias mercantilistas, que pregavam que o comércio exterior
serviria para a obtenção de mais metais preciosos. Fazendo uso das teorias neoclássicas do comércio
internacional, bem como com das teorias marxistas, podemos notar que a tendência à internacionalização
48
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
da economia, longe de ser algo inédito ao final do século XX, foi construída ao longo do tempo à
medida que as economias se especializavam em determinados produtos e trocavam estes produtos
entre si, atingindo um nível mais elevado de produtividade, consumo e acumulação de capital, ainda
que com distribuição não homogênea entre os países envolvidos no processo (MANZALLI, 2000). Ou
melhor, ainda que nesse processo houvesse países que lucrassem mais do que os outros. Dessa forma,
o conceito de internacionalização associa-se à possibilidade de comércio entre países e, facilitado pelo
desenvolvimento dos meios de transporte, acabou por resultar na interdependência de uma economia
às outras, com relação a mercados.
Por que estamos tratando disso? Porque vivemos na era da globalização, cuja principal característica
é a intensificação das relações comerciais entre os países, como se pode ver no gráfico da figura a
seguir.
(1950-2004)1950 = 100
Podemos perceber, pelas informações anteriores, que o comércio internacional aumentou mais do
que aumentou a produção mundial de bens. Assim, considerando aquele aumento resultante do próprio
crescimento econômico mundial, o comércio internacional apresentou taxas de aumento superiores.
Em outras palavras: a economia mundial cresceu, mas o comércio internacional cresceu mais. Esse
fato, aliado a outros (tais como a predominância do capital especulativo em detrimento do capital
produtivo, as estratégias de alocar etapas do processo produtivo em diferentes países e as iniciativas de
abertura das economias locais ao mercado internacional, por exemplo, caracteriza um fenômeno que
ficou conhecido como globalização.
De acordo com Chesnais (1996) e Mattei (1997), o termo globalização nasce no início dos anos
80 nas escolas americanas de administração de empresas, representando a nova ordem mundial
16
Gráfico disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cint/v29n2/v29n2a01.pdf>. Acesso em 16 dez. 2011.
49
Unidade I
única caracterizada por um processo de interdependência e interação entre países e povos no que diz
respeito às relações produtivas, comerciais, financeiras, tecnológicas e culturais. Esse seria um fenômeno
que interligaria o mundo todo a partir dos meios de comunicação e a partir dos desenvolvimentos
tecnológicos da informática.
Saiba mais
O filme Wall Street, poder e cobiça (Direção: Oliver Stone, 126 minutos,
1987) é icônico: nele são retratadas as atitudes e os novos valores morais
do período da globalização. Vale a pena assistir e entrar em contato com a
cultura do tatcherismo e do reaganismo daquele momento.
Já o processo de globalização, para o mesmo autor, pode ser visto como um aprofundamento do
antigo processo de internacionalização ao qual já nos referimos: a diferença se explicaria em função de
um maior padrão tecnológico e concorrencial, bem como da expansão dos meios de comunicação e de
transportes: assim, o processo de globalização resultaria numa maior intensidade na interdependência
entre economias.
É importante salientar também que a era da globalização na qual vivemos é aquela que pressupõe
um Estado bem diferente daquele representado pelos tempos do welfare state. Em verdade, temos
agora um retorno às práticas liberais de períodos anteriores. Inspirado no liberalismo dos séculos
XVIII e XIX, o neoliberalismo de agora reafirma valores que “defendem a menor intromissão do Estado
na dinâmica de mercado, devendo o poder público se voltar para um conjunto limitado de tarefas,
tais como a defesa nacional, a regulação jurídica da propriedade e a execução de algumas políticas
sociais” (BARBOSA, 2006, p. 88). Opondo-se ao Estado do bem-estar, o que se valoriza é o Estado
mínimo: mínima intervenção, mínimas barreiras ao livre-comércio, impostos mínimos, benefícios
sociais mínimos. A receita parece ser bem simples: sobreviverá quem souber melhor aproveitar as
oportunidades do mercado. Sobreviverá mais rapidamente quem encontrar vantagens competitivas.
Sobreviverá quem for mais capaz. É claro que esse ideário não leva em considerações as oportunidades
históricas de equidade e igualdade social.
50
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
A década de 90 será, portanto, a dos ajustes: fiscal, monetário e administrativo. Todos eles se
comprometem a equacionar os problemas anteriores, causados pela excessiva participação do Estado na
economia. Como condição, portanto, requerem que o Estado não mais produza mercadorias: esse será o
tempo das privatizações. O Estado também não será mais o grande pai responsável por todos: esse será
o tempo em que o aparelho estatal ficará encarregado de apenas regular o sistema econômico. Não à
toa, o neoliberalismo empresta do liberalismo anterior a marca da liberdade aos agentes econômicos e
sua primazia nas decisões relacionadas à produção e comercialização.
O Consenso de Washington será o documento norteador dessa nova era. Fruto de decisões de
economistas que se reuniram em Washington em 1989, ele institucionalizará o discurso de um novo
tempo. Esse será um tempo em que as economias agirão no sentido de eliminar barreiras comerciais
e subsídios do governo a determinados setores, buscando um ambiente concorrencial mais “justo e
honesto”. Buscar-se-á a privatização das empresas estatais e a “flexibilização” das leis trabalhistas: tudo
deverá contribuir para um ambiente sem restrições às ações dos agentes econômicos, livres enfim de
quaisquer entraves e da coerção do Estado. O welfare state cede espaço à hegemonia da economia
de mercado. É evidente que tal discurso não obtém unanimidade. Para alguns, não se trata de uma
nova forma de gerenciar o funcionamento da economia, mas somente de um retrocesso em relação às
conquistas do passado. Afinal, as evidências mostram que, no seu rastro, a globalização deixa as marcas
da fome, da guerra, das ditaduras e do desrespeito aos direitos sociais.
A falta de unanimidade ocorre em relação ao próprio conceito do processo. Segundo Ianni (1997)
Por seu turno, Baumann (1996) afirma que a dificuldade em conceituar o que realmente designa
o processo de globalização está na variedade de significados que se têm atribuído às transformações
a ele relacionadas, em especial por que o fenômeno impacta diversas áreas da economia. Ainda, sendo
um processo difuso no próprio desenrolar da história, adicionar-se-ia a dificuldade da datação no
tempo. Para o autor, há indícios de uma gênese apontando para os acontecimentos e as condições
favoráveis ao crescimento do comércio internacional pós-II Guerra Mundial. A partir daí, a economia
mundial teria passado por transformações desde o pós-guerra: na esfera técnico-produtiva, dado o
avanço tecnológico; na esfera financeira, dado o movimento de “financeirização da riqueza”, ou, como
chama Chesnais (1996), dada a “indústria das finanças”; na esfera comercial, cujo fluxo do comércio
mundial é altamente crescente; e, na esfera organizacional das empresas, provocando uma mudança
de paradigma produtivo nas economias capitalistas. Todas essas mudanças seriam responsáveis pelo
constructo daquilo que denominamos globalização. Justamente em função dessa dificuldade, para
Baumann (1996), o fundamental é o conhecimento dos aspectos estritamente econômicos do processo
de globalização, em especial quanto à identificação dos fluxos de investimentos externos diretos entre
empresas transnacionais e suas subsidiárias: esse seria o principal eixo explicativo do fenômeno e nele
deveria estar focada a análise do processo.
51
Unidade I
Conforme Manzalli (2000), todas as transformações que acabaram por desaguar na globalização,
na sua maioria decorrentes de um ajuste macroeconômico e industrial que foi efetuado por países
centrais – leia-se Estados Unidos, Japão e Alemanha – logo após a II Guerra Mundial, teriam
surgido como resposta à crise financeira internacional derivada do primeiro choque do petróleo
em 1973. Essa crise refere-se à ação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
quando do aumento súbito dos preços do petróleo e que teria resultado na decadência de diversas
economias capitalistas, em função dos elevados endividamentos gerados pela subida dos preços
desse fator de produção. Com a subida dos preços do barril do petróleo, vários países passariam
por crises recorrentes em balanço de pagamentos devido à maior quantidade de dólares que eram
requeridos para pagamento de importações de petróleo, insumo de produção utilizado de forma
intensa por empresas.
O termo surge na escola austríaca do pensamento econômico com a figura de Friedrich August
von Hayek e seu O caminho da servidão, mas, como prática, somente aparece períodos mais tarde. Essa
escola de pensamento pregará, inicialmente, uma reduzida participação do Estado na condução da
economia e, em contrapartidade, uma total liberdade às leis de mercado como aquelas que levariam as
economias capitalistas ao equilíbrio.
Você deve estar se perguntando a essa altura: afinal, a globalização significa um retrocesso ou um
progresso em termos dos desenvolvimentos do pensamento econômico? Vejamos: como resultado das
políticas neoliberais, observa-se avanço em relação à estabilidade de preços; por outro, os avanços são
bastante tímidos quando pensada a questão social. Afinal, no neoliberalismo globalizador, a sociedade
ocupa um segundo plano, dando a primazia ao equilíbrio financeiro.
Talvez em função disso, muito da fala neoliberal não encontrou apoio em diversos países: muito
do receituário neoliberal se perdeu no caminho em função da recusa do paciente ao qual se pretendeu
administrá-lo. Dessa forma, contrariamente ao que se imaginava que iria acontecer, os Estados
nacionais continuam firmes e fortes. Contrariamente ao que se desejava, o Estado ainda é chamado
para apagar o incêndio das crises do capital, em todos os continentes e independentemente do grau de
desenvolvimento da nação em que ocorrem. Em outras palavras, apesar do discurso defensor da mão
invisível do mercado, o Estado vem sendo convocado para
Observação
Saiba mais
Miséria gera mais miséria. Não por acaso, a região africana é a que mais sofre com a escassez de água,
esse bem que um dia foi livre de valor econômico e que, no futuro, provavelmente, será o mais precioso
da humanidade. É o outro lado da promessa de um mundo justo, em que as riquezas se distribuíram
naturalmente, sob força das mãos invisíveis da economia do mercado. Segundo Barbosa (2006, p. 107),
Para os assistentes sociais, a compreensão desse contexto é fundamental, já que ele determina os
níveis de emprego, de escolaridade e de renda da população. Ainda, explica também a ação contida do
Estado, que agora deixa ao mercado e à sociedade civil a tarefa de se mobilizar na criação de mecanismos
que possam diminuir o impacto dos efeitos da pobreza.
Seja por falta de ação do Estado ou da pouca mobilização da sociedade civil, o Brasil ainda hoje
se depara com um déficit expressivo no que diz respeito ao atendimento às demandas sociais, sejam
elas relacionadas à habitação, à educação ou à saúde. Mesmo considerando os relativos sucessos
econômicos da última década, esses são problemas que ainda não foram resolvidos e que atingem
parcelas consideráveis da população brasileira.
17
Texto disponível em: <http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1185>. Acesso em: 16 dez. 2011.
54
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
No caso da habitação, por exemplo, a situação é dramática: embora o Estado tenha buscado orientar
seus investimentos com o objetivo de diminuir o déficit habitacional, a atual situação condena milhares
de famílias brasileiras a moradias em condições precárias. Segundo a Agência Câmara de Notícias,
mais de 5,5 milhões de moradias precisam ser construídas em todo o país para
acabar com o déficit habitacional, segundo dados da Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílios (Pnad) 2008, utilizados pelo Ministério das Cidades.
Lançado em 2009 e ampliado em março do ano passado, o programa Minha
Casa, Minha Vida pretende construir ou reformar três milhões de moradias
até 2014 para famílias com renda mensal de até dez salários mínimos18.
55
Unidade I
Saiba mais
Resumo
56
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Exercícios
Questão 01 (ENADE 2006). A ciência econômica nasce com os fisiocratas e Adam Smith, através
da concepção do sistema econômico. Embora o mercantilismo não possa ser descrito como uma escola
do pensamento, é natural que sejam comparados os seus pressupostos com aqueles defendidos pelos
fisiocratas e por Smith. Assim, como seria julgada a política econômica mercantilista pelos fisiocratas e
por Smith?
A) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Para Smith e fisiocratas, as políticas mercantilistas são inadequadas. A fisiocracia e Smith se apresentam
como ferrenhos opositores ao mercantilismo. Contrariamente à política mercantilista, os fisiocratas e
57
Unidade I
B) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Para Smith e fisiocratas, as políticas mercantilistas são inadequadas. São os fisiocratas que introduzem
a idéia de uma ordem “natural” da economia, princípio esse posteriormente desenvolvido por Smith.
Para os mercantilistas, fazia-se necessária a intervenção de um governo central forte, especialmente por
meio de normas, leis e regulamentações que permitissem o perfeito comportamento do mercado. Os
fisiocratas e clássicos, em oposição, pedem laissez-faire, laissez-passer: que o mercado possa funcionar
com toda a liberdade possível, confiando-se a ele mesmo sua autorregulamentação e equilíbrio.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Para Smith e fisiocratas, as políticas mercantilistas são inadequadas, mas não pelo motivo alegado.
Vale relembrar: o comércio mercantilista se baseia na importância do excedente de estoque de metais
preciosos (ouro e prata), excedente esse obtido por meio de exportações maiores que importações.
Para os fisiocratas e clássicos, entretanto, a origem da riqueza está na divisão do trabalho e em todas
as atividades econômicas. As práticas do mercantilismo são inadequadas não por que aumentam o
excedente econômico, já que isso não ocorre. São inadequadas, mas não por causar problemas de
demanda efetiva, já que isso tampouco ocorre.
D) Alternativa correta.
Justificativa:
Para Smith e fisiocratas, as políticas mercantilistas são inadequadas, e as razões são justamente as
mencionadas no item: os mercantilistas, ao apoiarem a regulamentação excessiva do mercado e de
seus agentes, acabam por interferir numa ordem que já está “dada” e que é natural. Se for deixada ao
mercado sua própria regulamentação, o mercado será capaz de alcançar o equilíbrio, especialmente
em função da existência de uma ordem na natureza que também se traduz em ordem na atividade
econômica. Para Smith e os fisiocratas, a riqueza de uma nação tem sua origem na atividade econômica,
58
PRINCÍPIOS GERAIS DA ECONOMIA
Justificativa:
Para Smith e fisiocratas, as políticas mercantilistas são inadequadas, e as obras clássicas têm como
eixo central a crítica ao mercantilismo. Em A Riqueza das Nações, por exemplo, Smith passa a maior
parte do texto justamente valorando – negativamente – as práticas do mercantilismo que seriam, na
opinião dele, prejudiciais ao crescimento econômico.
Questão 02. Segundo Malthus, “o fato de que aproximadamente 3 milhões são coletados anualmente
para os pobres e, entretanto, sua miséria ainda não tenha sido eliminada, é um objeto de permanente
assombro. (MALTHUS, 1996, p. 268). Veja a charge abaixo e responda:
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