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Ansiedade e depressão na
adolescência
Isabel Brito*
RESUMO
As perturbações da ansiedade e depressivas são frequentes na adolescência. Provocam situações problemáticas na família,
na escola e socialmente. O clínico geral/médico de família, que segue estes doentes ao longo do seu desenvolvimento, está
numa posição privilegiada para os avaliar, tratar e referenciar. A confiança que a família e o adolescente depositam nele per-
mite-lhe controlar a evolução e prevenir situações de risco do jovem com o suporte familiar.
Palavras-Chave: Adolescência; Perturbações da Ansiedade e Depressivas; Avaliação; Tratamento; Prevenção; Clínico Geral/
/Médico de Família.
membros, nas costas, cefaleias, fadiga. Podem ter uma panhados de sintomas físicos e emocionais, sem cau-
sudação excessiva, tremer, sentir tonturas e «desmaios». sa aparente.
O CG/MF deve tentar estabelecer uma relação de in- Mais frequente nas raparigas, inicia-se entre os 15 e
teresse e empatia com o jovem, para que este consiga os 19 anos.5
expressar as suas emoções e sentir-se mais seguro. O adolescente sente um medo intenso, acompanha-
A ansiedade pode interferir com a aprendizagem e do por sintomas físicos como uma sudação excessiva,
com a inserção escolar, comprometer a relação com o dor no peito, náuseas, tonturas e dificuldade em respi-
grupo de pares, acentuar os conflitos com a família e rar. Por vezes refere que pensa que vai morrer.
conduzir ao isolamento do adolescente. Na tentativa de evitar situações que possam desen-
O adolescente pode desenvolver ataques de pânico cadear o ataque de pânico, reduz ou abandona as suas
ou fobias. Apresentar comportamentos de risco, consu- actividades habituais.5
mindo álcool e drogas ou ter um comportamento sexual
impulsivo, como tentativas para negar os seus medos. Fobias
Considera-se uma fobia quando aparece um medo
Perturbações da Ansiedade irracional perante uma situação ou objecto específico.5
A terminologia que usamos neste artigo está de acor- O adolescente pode apresentar queixas somáticas
do com o DSM-IV-TR (Manual de Diagnóstico e Esta- como gastralgias, cefaleias e náuseas.
tística das Perturbações Mentais (2002).3 O adolescente pode negar-se a frequentar a escola.
Pela sua especificidade não abordaremos aqui a per- Se o afastamento escolar se prolongar, torna-se mais di-
turbação de ansiedade pós-stress traumático. fícil retomar a escola, porque ele sente-se mais afasta-
do dos colegas e com mais receio de não acompanhar
Ansiedade de Separação as tarefas escolares.
O adolescente manifesta receio em se separar dos
seus pais e da sua casa. Mostra-se preocupado com a Fobia Social
sua saúde e a saúde dos pais. Tem dificuldade em dor- A fobia social manifesta-se em contextos sociais
mir sozinho e tem pesadelos. Apresenta queixas somá- como acontecimentos musicais, desportivos e outros.
ticas. Pode recusar-se em ir à escola. O jovem sente-se incomodado em ambientes não fa-
Por vezes manifesta-se após uma situação preocu- miliares e o desconforto desaparece quando deixa de
pante como o divórcio dos pais, a doença ou a morte estar em ambientes sociais.5
de um familiar próximo. Às vezes um dos pais também O adolescente apresenta queixas somáticas, evita os
apresenta um grande receio com a separação, que co- locais que ele pensa que lhe desencadeiam mal estar.
munica ao filho e este evita separar-se.4
Perturbação Obsessiva-Compulsiva
Perturbação de Ansiedade Generalizada O adolescente manifesta obsessões, pensamentos
Manifesta-se no adolescente por uma preocupação recorrentes sobre limpeza, contaminação, receio de ter
excessiva e mantida em diversas áreas como a escola- agredido alguém, incluindo os pais, temas sexuais e ou-
ridade, as relações sociais, familiares, a saúde, aconte- tros. Estes pensamentos têm correspondência em com-
cimentos mundiais e desastres naturais. portamentos e rituais como frequente lavagem de mãos
Pode apresentar queixas somáticas. Tende a ser per- e outros locais do corpo, permanente revisão e contro-
feccionista e geralmente os pais têm uma elevada ex- lo sobre as actividades desenvolvidas, toques repeti-
pectativa em relação às suas realizações mas por outro dos, ordenação, contagem e acumulação de objectos.5
lado acedem facilmente aos seus pedidos. O início destes sintomas é geralmente pelos 10 anos.
Acontece tanto em raparigas como em rapazes.4
Diagnóstico Diferencial
Perturbação de Pânico Atenção às situações clínicas que podem provocar
São episódios agudos de ansiedade intensa acom- estados de ansiedade, sendo necessário um exame mé-
dico cuidadoso para as excluir. São elas: solicitar o suporte dos pais e eventualmente medicá-lo.
• Hipertiroidismo; hipoglicémia; arritmia cardíaca; Os medicamentos de eleição são os inibidores se-
feocromocitoma; doenças convulsivas; hipoxia e tu- lectivos da recaptação da serotonina, nomeadamente
mores cerebrais.5 a sertralina ou a paroxetina. Deve iniciar-se com ½
Há medicamentos e drogas que podem desencadear comprimido e ir subindo gradualmente. Os efeitos po-
ansiedade, como: derão não ser visíveis antes de 3 a 6 semanas. No caso
• Cafeína; nicotina; anti-histamínicos; anti-asmáticos de uma perturbação obcessiva-compulsiva o efeito po-
(teofilina); simpaticomim’eticos; esteróides; antipsi- derá não se fazer sentir antes de 10 a 12 semanas.4
cóticos; inibidores selectivos da serotonina; estimu- Uma abordagem psicoterapêutica está indicada.
lantes (incluindo a cocaína); marijuana.5 Quando os sintomas duram há mais de 3 meses e o
É necessário verificar se o adolescente está a fazer al- adolescente não vai à escola há mais de 2 semanas, deve
guma desta medicação ou a tomar outras drogas. ser enviado, com a família, a um especialista de saúde
Pode haver um quadro de ansiedade independente- mental. Será necessária uma abordagem psicotera-
mente de tomar ou não estas substâncias. A história pêutica e psicofarmacológica.
clínica é decisiva.
A DEPRESSÃO
Avaliação e Tratamento Introdução
A perturbação da ansiedade deve ser diagnosticada O papel decisivo dos CG/MF na detecção, avaliação
quando interfere com o funcionamento diário do adoles- e tratamento desta patologia é reconhecido pela Aca-
cente e da família. Torna-se necessário avaliar o impacto demia Americana de Pediatria, que desenvolveu gui-
que está a ter na aprendizagem e na frequência escolar do delines, baseadas na evidência científica, para os Cui-
adolescente, nas relações familiares e com os pares. dados Primários de Saúde sobre a depressão no ado-
O tratamento deve ser planeado envolvendo o ado- lescente.6
lescente, a família, a escola e por vezes os amigos. O papel dos CG/MF é ainda mais relevante pela es-
A família deve ser informada que os sintomas da an- cassez de especialistas em saúde mental.
siedade são involuntários. Mesmo parecendo que o Como escasseiam os estudos epidemiológicos na
adolescente pretende «manipular» os que o cercam, nossa população, iremos socorrer-nos deste trabalho,
não está a fazê-lo por vontade própria. Os pais fazem que, pela nossa prática clínica, julgamos não se dis-
parte do tratamento. Os pais devem transmitir segu- tanciar muito da nossa realidade nacional.
rança ao adolescente, não se mostrarem críticos em re- A depressão major nos adolescentes é considerada
lação aos seus receios e menos ainda castigá-lo pelos uma séria doença psiquiátrica com uma extensa mor-
seus comportamentos desajustados.4 bilidade, aguda e crónica, e mortalidade.7,8
Como existem quase sempre repercussões do pro- Estudos mostram que, nos cuidados de saúde pri-
blema na escola, deve ser feito um trabalho em ligação mários, 2 em 3 adolescentes com depressão não são
com ela. O adolescente frequentemente baixa o seu identificados e não recebem nenhum tratamento.9 Dos
rendimento escolar e não se sente bem na escola; se pu- que são diagnosticados só metade são devidamente
der dispor de um professor «tutor» com quem possa fa- tratados.10
lar e o possa ajudar a manter-se na escola, pode ser es- A perturbação depressiva major (PDM) está descrita na
sencial para o sucesso escolar. Quando o adolescente DSM-IV-TR,3 que inclui outros tipos de depressão como
já não vai à escola, a possibilidade de um professor se a perturbação distímica (PD) e a doença bipolar (DB).
deslocar a casa, para o ajudar a organizar o estudo e o
manter a par das matérias escolares, para além de o in- OS SÍNDROMES DEPRESSIVOS
centivar a retornar à escola, pode ser decisivo para o seu
percurso escolar. Perturbação distímica
Se a ansiedade for moderada e não for inibidora do Há poucos estudos clínicos e ensaios controlados
dia-a-dia do adolescente, o CG/MF poderá explicar e para o tratamento da distimia nos jovens. Segundo a
American Psychiatric Association,11 os tratamentos uti- bilizadores do humor e os antipsicóticos atípicos, de-
lizados na PDM são idênticos aos para a PD. vendo juntar-se a psicoterapia e a intervenção junto da
A PD consiste numa prolongada alteração do humor, família e da escola.16
durante mais de um ano, com irritabilidade e depres-
sividade, alterações do sono e do apetite, baixa con- Perturbação Depressiva Major
centração e baixa auto estima.3 A perturbação depressiva major (PDM) na adoles-
O curso é menos intenso mas mais crónico do que a cência é considerada uma perturbação sindromática.8
PDM. Os sintomas não são tão intensos mas causam Os pais trazem o adolescente ao CG/MF, que, pelo
considerável prejuízo psico-social.12,13 conhecimento que tem da família e a relação já esta-
Estes sintomas devem ter repercussões negativas em belecida com o adolescente, poderá ter uma interven-
várias áreas da vida do adolescente como o desempe- ção de grande valia, pela confiança nele depositada e
nho escolar, nas relações familiares e com os pares. pela continuidade relacional que proporciona.
A prevalência da depressão está estimada em 4% a
Doença Bipolar 8% dos adolescentes, com um rácio de rapaz/rapariga
É controverso e objecto de debate científico o diag- de 1:2.17 Aos 18 anos a incidência é de aproximadamente
nóstico de doença bipolar na adolescência. 20%.18
O diagnóstico de doença bipolar deve ser colocado O CG/MF pode ser a primeira pessoa a quem o ado-
quando o humor do adolescente se mostra expansivo lescente refere já ter pensado no suicídio (60% dos ca-
ou eufórico, mesmo explosivo, com manifestações de sos referem-no e 30% já fizeram uma tentativa).19
acentuada irritabilidade por vezes com agressões, agi- O conhecimento destes casos, que o CG/MF possui,
tação psicomotora, falta de sono, falta de atenção e fuga e o seu relacionamento com o jovem permitem-lhe in-
de ideias.8 tervir quando a situação clínica surge e controlá-la ao
Nos adolescentes o quadro é geralmente misto com longo dos anos. Mesmo que a situação imponha uma
o da depressão e pode haver passagem de um para ou- intervenção especializada, o CG/MF não deve “aban-
tro quadro. donar” o caso, deve manter a relação com o jovem e a
Segundo a DSM-IV-TR,3 a doença bipolar I requer a vigilância sobre a sua evolução.
ocorrência de um episódio maníaco ou misto, com a A recorrência é frequente, cerca de 20% a 60% nos
duração de pelo menos 7 dias. Não é necessário haver primeiros 2 anos após a remissão e 70% após 5 anos de
episódios depressivos, mas a maioria dos doentes ex- remissão.20,21 Estas recorrências continuam na vida
perimentam episódios major ou minor de depressão ao adulta. Os adolescentes com depressão estão em alto
longo da vida. risco de desenvolverem dependência de drogas, doen-
Segundo alguns estudos a prevalência da doença nos ças físicas, dificuldades no trabalho académico, na in-
adolescentes é de 1%.14 serção social e terem problemas com a lei.8
A PDM manifesta-se de forma polifacetada, por uma
Factores de risco alteração persistente do humor, irritabilidade, com-
São considerados factores de risco para o eclodir da portamento de oposição, diminuição do desempenho
doença bipolar em adolescentes: (1) episódio depres- escolar, desistência de actividades desportivas ou cul-
sivo de começo súbito e sintomas psicóticos; (2) histó- turais, até então apreciadas, afastamento dos amigos e
ria familiar de perturbações afectivas, especialmente queixas somáticas, como cefaleias, gastralgias, insónia,
doença bipolar; (3) história de mania ou hipomania falta de apetite ou fadiga.3
após tratamento com antidepressivos.15
É frequente a comorbilidade com o consumo de Factores de Risco
substâncias (álcool, cocaína, anfetaminas, opiáceos). Vários são os factores de risco para a depressão no
adolescente, que o CG deve valorizar na história pes-
Tratamento soal e familiar: (1) depressão, (2) doença bipolar, (3)
Considera-se como 1.a linha do tratamento os esta- comportamentos suicidas, (4) abuso de drogas, (5) ou-
tras doenças psiquiátricas, (6) transtornos a nível psi- do entre todos. Deve ser sempre plurimodal, incluindo
co-social como crises na família, negligência, abuso fí- psicoterapia, medicação e o envolvimento da família.
sico ou sexual ou outra circunstância traumática.22,23 O tratamento tem como finalidade a resolução dos
O risco de comportamento suicida aumenta se hou- sintomas depressivos e melhoria do funcionamento in-
ver história de tentativas de suicídio, comorbilidade tra e interpessoal, escolar, familiar e social do adoles-
com outras perturbações psiquiátricas, abuso de dro- cente.
gas, impulsividade e agressão, exposição a aconteci- A psicoterapia é uma abordagem considerada de 1.a
mentos violentos como abuso físico ou sexual, acesso linha.
a armas letais e história familiar de suicídio.24 A medicação preconizada é com anti-depressivos
O factor considerado o mais predisponente de PDM que sejam inibidores selectivos da recaptação da sero-
é a carga familiar desta patologia.25 tonina, como a Sertralina, o Escitalopram, Paroxetina,
A auto-mutilação não tem como finalidade acabar a Fluvoxamina e a Fluoxetina. As doses iniciais devem
com a vida, mas representa uma forma de circunscre- ser baixas e irem aumentando progressivamente.27
ver a dor psíquica a uma dor física, localizada e passa- Refere-se o que a GLAD-PC27 preconiza como segui-
geira. Como o êxito é momentâneo, tende a repetir-se mento desta patologia, que releva a sua gravidade na
e pode evoluir para tentativas de suicídio. vivência actual e futura do jovem, apesar do reconhe-
cimento da dificuldade destes procedimentos pelos
Avaliação nossos Cuidados de Saúde Primários.
A avaliação deve ser feita quer com o adolescente A GLAD-PC recomenda a observação do adolescen-
quer com a família, em separado.26 te e da família 1 semana após o início do tratamento e
O envolvimento da família é crucial em todas as fa- durante 4 semanas seguidas. Depois de 2/2 semanas
ses da intervenção. durante 4 semanas. A seguir às 12 semanas e assim su-
A comorbilidade deve ser avaliada: abuso de drogas, cessivamente. O tratamento deve durar 1 ano para evi-
perturbações ansiosas, doença bipolar, doença física, tar as recaídas. O maior risco de recaída é nas 8 a 12 se-
abuso físico, sexual ou outro trauma.27 manas após descontinuar a medicação. Por isso a me-
A possibilidade de uma gravidez deve ser equacio- dicação deve ser mantida por 6 a 12 meses após a com-
nada. pleta resolução dos sintomas. O contacto telefónico
As alterações no funcionamento escolar, familiar e deve ser assegurado no intervalo das consultas. Todos
com os amigos, devem ser estimadas.28 os doentes devem ser monitorizados mensalmente du-
rante 6 a 12 meses após a total resolução dos sintomas.27
Diagnóstico Diferencial A intervenção deve considerar que a depressão é
Algumas doenças médicas podem causar sintomas uma situação recorrente.
idênticos aos da depressão, como o hipotiroidismo, a Se o episódio depressivo é uma recorrência, o clíni-
mononucleose infecciosa, a anemia, as neoplasias e as co deverá monitorizá-la por um período de 2 anos e
doenças auto-imunes. manter a medicação por 2 anos após a resolução dos
Também alguns medicamentos, como os estimu- sintomas.
lantes, os corticóides e os contraceptivos, podem de- Se a resposta ao tratamento for parcial, é necessário
sencadear sintomas idênticos aos depressivos.27 considerar se está a haver pouca adesão ao tratamen-
to, comorbilidade, ou se existem outros conflitos na fa-
Tratamento mília ou mesmo situações de abusos.
Uma das primeiras atitudes terapêuticas que o O adolescente e a família devem ser informados so-
CG/MF deve assumir é a partilha de conhecimentos bre os limites da confidencialidade, no caso do adoles-
com o jovem e a família, sobre as causas e sintomas da cente estar em risco iminente de fazer algum mal, a si
depressão, os danos que pode causar e quais as expec- ou aos outros.
tativas em relação ao tratamento.29 O doente deve ser referenciado a um especialista de
O plano de tratamento deve ser discutido e acorda- saúde mental, quando o tratamento não está a surtir
ABSTRACT
Keywords: Adolescent; Anxiety Disorders, Depressive Disorder; Diagnosis; Drug Therapy; Prevention and Control; General
Practitioners.