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JC De Bragança

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Ecdise De Uma Nação

JC DE BRAGANÇA

ECDISE DE UMA NAÇÃO

3ª edição

Vila Velha – ES
Jefferson Carlos de Bragança
2018

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JC De Bragança

Ficha Catalográfica:
Nome: Ecdise de Uma Nação
Capa, Contracapa e orelhas: O Autor
Páginas: 180
Autor: JC De Bragança

Copyright @ 2018 Jefferson Carlos De Bragança


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Ecdise De Uma Nação

Índice

Dedicatória
Reconhecimentos
Prefácio 007
Introdução 009
I. Ecdise, O Que É? 017
II. Ecdises Da Humanidade: Duas Gotinhas 022
III. Ecdise Dos Humanos: Gutemberg 025
IV. Ecdises Em Países Selecionados 031
V. Comentários Históricos Brasileiros 042
VI. De Emergente a Imergente 046
VII. Ecdises No Brasil 055
VIII. 1ª Ecdise Do Brasil: Capitanias Hereditárias 060
IX. 2ª Ecdise Do Brasil: Transferência Da Corte 067
X. 3ª Ecdise Do Brasil: Estado Novo 076
XI. 4ª Ecdise Do Brasil: Nossa Vez? Diagnóstico 087
XII. 4ª Ecdise Do Brasil: Nossa Vez? Prognóstico 111
XIII. 4ª Ecdise Do Brasil: Nossa Vez? Terapia 117
XIV. Conclusão 136
Anexo 1: Reflexões De Leitor Para Historiador 139
Anexo 2: Ecdise Descrição Científica 142
Anexo 3: Voto Obrigatório, Facultativo Ou Voluntário 145
Anexo 4: Análise De Causa-Raiz – RCA 150
Glossário 154
Bibliografia 156

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Dedicatória

Dedico à minha amada Dalza, penhoro muita gratidão pela


paciência e o milagre de serenar-me turbulências da alma.

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Ecdise De Uma Nação

Reconhecimentos

Em primeiro lugar a meus saudosos pais João e Yolanda que


não me obrigaram a cumprir spcripts de vida. Permitiram-me
flanar por livros, estilingues, florestas, amizades, viagens,
cães, monaretas, aviões, córregos, mochilas, voos, praias e
outras travessuras; se por um lado divertidas por outro expe-
riências úteis. A minha querida segunda mãe Rosa Minamiz-
awa que conduziu-me pela cultura. Ensinou-me inglês e a
amar livros. Na casa dela extasiei-me com a coleção comple-
ta de "O Sítio" de Lobato, National Geographic, Conan
Doyle e quase tudo de bom que se colocou em papel. As
filhas dela Iliana e a saudosa Cristina, adotei-as como irmãs,
em suas aulas de pianos descobri "Le Lac De Come",
Debussy e outras clássicas. Jazz foi no Tom & Jerry.
Meu saudoso professor de português Sílvio Schoenberg. O
melhor de todos. Desde meus 14 anos dizia que eu deveria
ser escritor. Como poderia? Morando num país encantado
pelo sol, sentar-me a datilografar? Dele recebi a métrica e a
estética e suadas notas 6. Suas notas tinham regras: “seis é o
máximo que tirarão, 7 é para mim que sou professor, 8 é para
meu professor, 9 é para quem escreveu o livro e 10 é para
quem inventou essa coisa toda”. Por isso ficávamos feliz
com a nota 6.
A muita gente que se esforçou em construir em mim algo de
muito bom, ainda lhes deveria citações, agradecimentos e
homenagens. Faltou a idade que tenho hoje para ter
aproveitado mais aquelas sabedorias. Já passei da idade de
ter certeza em tudo. E também da que dúvida de tudo. Agora
estou na idade em que se consegue se perdoar por ter
sonhado tanto.
JC De Bragança
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Ecdise De Uma Nação

Prefácio
Índice

Ao ler este livro, enxerguei duas coisas. Primeiro, a


maioria dos países desenvolvidos já passaram, alguns mais
de uma vez, por momento de grande atribulação como este
que se vive no Brasil, e acabaram por resolver por si
mesmos. Segundo esta crise está confusa porque tem-se
focado setorialmente: crise da segurança, crise econômica,
crise na educação, crise política, passagem de ônibus, crise
no judiciário; julgamentos; prisões e assim por diante. Não
existem recursos para responder a todas as demandas, nem
materiais, humanos e nem sequer de conhecimentos.
Apesar de não pretender ser um roadmap, defende a
tese de que a verdadeira crise e solução está nos
fundamentos de nossa democracia. Apesar de ter evoluído
bem, o certo é que ficaram algumas pendências a serem
revisitadas. Talvez nem tenham sido erradas na época, no
entanto, o mundo e as pessoas mudaram. E hoje essas
pendências estão sendo usadas em detrimento dos desígnios
da população. Com a aceitável resolução destes
fundamentos, se terá consolidada base para o
encaminhamento de todos os outros problemas, porque duas
cabeças pensam melhor do que uma; e duzentas milhões me-
lhor ainda.
Uma necessidade que se impõe, por exemplo, é o rees-
tudo do sistema federativo. A União precisa desvencilhar-se
das responsabilidades que cabem aos Estados e Municípios.
Devolver aos Governadores e aos Prefeitos o histórico poder
de decidirem em suas respectivas comunidades como
qualquer país civilizado. Nossas cidades e estados, com esta
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assimetria, estancaram e entraram em decomposição
acelerada devido ao desvio que se fez na década de 90 do
poder, principalmente de investir. Aquilo que deveria ser
correção circunstancial do endividamento público, tornou-se
permanente, enfeixando poder inaceitavelmente descomunal
nas mãos de poucos entes da União. O resultado é o que se
viu, o maior e mais avassalador volume de corrupção do pla-
neta em todos os tempos. E mais, ainda não se pode aquilatar
com precisão o prejuízo dificilmente recuperável da retrogra-
dação causada pela incompetência e malícia de eleitos pelo
voto obrigatório. Talvez tenha-se perdido décadas de cresci-
mento, estabilidade e bem-estar.
Este país precisa parar de ser “tocado” como boteco do Zé.
Tem que virar uma S/A.

In Memorian Lothar Schimitus Krauter


Escritor

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Ecdise De Uma Nação

Introdução
Índice

"Não me proponho escrever uma ode ao desânimo,


mas gargantear com o vigor de
um galo matutino empertigado no poleiro,
nem que seja apenas para acordar os vizinhos."
Henry David Thoreau

M eu público-alvo não é formado pelo estudioso ou


o especialista, mas por este novel personagem que
começa a irromper no país interessado em
informações, questionamentos; aquele que não mais confia
inteiramente em formadores de opinião; livros escritos por
celebridades; na imprensa show-business de tecnologia
rococó; em propagandas TTT e até mesmo em instituições
[G123]

tradicionais; aquele desencantado com ideologias e crendices


herdadas ou adquiridas; ou que se sentem traídos por
lideranças ardilosas. Aquele que já possui o que perder.
Pessoas que intuem que as origens do atraso são mais
profundas e, numa autocrítica sincera e corajosa, admitem
podem estar incrustadas em si mesmas. Na sua omissão. Na
terceirização que faz candidamente através de voto
deformado por poderosos e caríssimos esquemas de marke-
ting, técnicas de manipulações subliminares ou ainda
deslumbramentos por personagens teatrais. Talvez, ainda, no
seu alheamento e nas suas críticas raivosas porém vazias de
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JC De Bragança
atitude e ação. Nos seus braços cruzados e nas suas mãos nos
bolsos.
Este livro pode parecer rústico, empírico ou com algu-
mas desatenções, por isso exigirá certa complacência própria
de quem toma conhecimento de teses desbravadoras como
esta. Mas tenho plena convicção da sua necessidade e
oportunidade. Se cumprir o objetivo de fornecer ferramenta
para que outros, mais aquinhoados, possam usá-la, corrigi-la,
ou mesmo fundamentadamente desqualificá-la; ficarei
recompensado. “Conheça bem os fatos depois distorça-os ao
seu bel prazer” não foi Mark Twain que disse isso?
Também não usei referências bibliográficas. Não signi-
fica que não esteja fatualmente apoiado. Muito estudo foi de-
dicado a arcabouçar o raciocínio que se segue. Referências
bibliográficas jamais são exaustivas e raramente imparciais.
A ideia é instigar o debate e cogitações pessoais, não con-
frontar experts nas diversas áreas. O fundamento da teoria da
ecdise aplicada às ciências sociais aqui aventada é a tomada
de decisões de forma heurística, sem referenciais anteriores.
O conhecimento existente aprendido nas escolas se baseia
em fatos passados, a maior parte das soluções não se aplica
ao momento fluente que exige abordagens inovadoras,
tocando as raias da anarquia e da irresponsabilidade.
Em determinado momento, ao se escrever, ocorrem di-
gressões que avolumam-se e adquirem importância que não
podem ser desconsideradas. É quando crio anexos, às vezes
para abrir polêmicas paralelas, propriamente, do que
fornecer informações extras.
Publicar livro é expor-se a dragões fumegantes. Princi-
palmente sobre ideias novas. O Novo significa mudança,
mexe com estabilidades, ameaça posições consolidadas,
questiona dogmas, impõe desconfortáveis reconsiderações e
autoanálises, expõe falácias e jacobeus. Mudanças são terrí-
veis. Mudanças são maravilhosas Mudanças são inevitáveis.
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Ecdise De Uma Nação
A História é a mãe de todas as disciplinas. Ela é o
registro acumulativo de todo o conhecimento. É pela
existência dela que sabemos ler, escrever, fazer continhas,
meditar sobre mecânica quântica, ouvir Pixinguinha,
conhecer o novo smartphone. Mesmo a selfie ou o
printscreen é História. Ela nos fornece o mundo atual e nos
guia através dele. Leia História, divulgue História, ame a
História, pois é lá que estão seus antepassados e bom pedaço
de você mesmo. Conviva com a História nos seus diversos
sabores, e terá compreensão melhor da vida.
Tudo começa e termina com a História.
Porque este livro foi escrito?
Usa-se a palavra “crise” ou “revolução” para definir
quaisquer discrepâncias nos acontecimentos normais da vida
– dentro de u’a margem de erro, comumente chamada de ris-
co calculado. Todos conhecemo-las. Ocorrem em sistemas
complexos – os simples não as tem (motor de carro não entra
em crise). Geralmente são associadas a ameaças e perigos,
reais ou imaginários. São inesperadas e exigem mudanças e
ações imediatas. Acontecem com seres, empresas e nações.
Exemplos de fatos que podem gerar crises são altera-
ções naturais, tais como a passagem da infância para a ado-
lescência. Ou plano de diversificação agrícola. Ou ampliação
do mix de produtos na empresa. Ou simples modernização
tecnológica. Ou ainda a proclamação de independência de
um povo. As entidades que sofrem tais choques
permanecem, intrinsecamente, as mesmas, bem ou mal,
atuantes da mesma forma. Mesmos objetivos. Mesma
estrutura básica. Mesmas relações. Com poucos agentes que
se equilibram e digladiam nas situações. A temporalidade é
relativamente previsível e limitada. Topograficamente
circunscrita ao local, grupo ou sistema afetado. Permite
qualificação, quantificação e relativo controle. Pode ser
eventualmente comparável a fatos assemelhados anteriores.
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JC De Bragança
Crise é processo de transformação onde velhos
sistemas não mais poderão subsistir. Segundo os estudiosos,
crise tem quatro características essenciais são (1) específicas,
(2) inesperadas, (3) episódicas e (4) exigem mudanças. Se
não exigir mudança o evento seria mais acuradamente
descrito como imperfeição ou desarranjo. Crises normais têm
começo, meio e fim. Para o bem ou para o mal as coisas
tendem e/ou permanecem mais ou menos à ordem anterior.
Os métodos de resolução geralmente são por comparação
com outros problemas semelhantes, cuja solução é
conhecida.
Contudo, existem fatos incomuns cuja complexidade,
velocidade e abrangência e mais, a interveniência de
numerosos atores em ambientes instáveis ou ameaçadores,
provocam resultados aleatórios que extrapolam áreas
específicas e adquirem amplitude de mudanças profundas,
catastróficas ou até mesmos terminais. Também são
evolutivas e raramente previsíveis – algumas como veremos
duram décadas e até séculos.
Mega-crises mudam tudo e mudam muito. Ferramentas
tradicionais e disciplinas estanques não bastam para análises
destes fenômenos monstruosos. Sua compreensão exige
abordagem muito mais holística, visão do todo, de sua
dinâmica, de suas relações, das características
transdisciplinares além das enormes consequências
temporais. Por mais que se esforce não se consegue
acompanhá-los, quanto mais ordená-los e meditar sobre eles
de forma a permitir tomadas de decisão racionais ou
vislumbres previdenciais. Os próprios especialistas, as
lideranças, os historiadores e os jornalistas (narradores)
ficam confusos e inseguros de emitir opiniões afirmativas.
Previsões são repetidas e quase imediatamente desmentidas
por fatos. É a situação em que o técnico por maior que seja
seu grau de formação ou experiência não oferecerá diag-
nóstico eficaz. A solução, só será possível com a conjunção
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Ecdise De Uma Nação
de dois eventos coordenados: evolução positiva dos
acontecimentos com a conscientização e comprometimento
da população para a gravidade do momento, e surgimento de
lideranças novas, intuitivas e criativas.
No Brasil atual (virada e início do século XXI) por
qualquer disciplina que se queira analisar os dramáticos
acontecimentos que se desenrolam vertiginosa e
avultadamente, espraiando-se até a outros países, o efeito é
estonteante. Não se consegue ponto de entrada, de apoio ou
referência basilar para, minimamente, tentar organizar as
informações que jorram. Acrescente-se a dificuldade de fazer
recorte histórico, delimitação física, geográfica, ou ainda
esboçamento orgânico ou social, dos fatos, personagens,
consequências, ideologias. Pane total na captação, validação,
processamento, de dados para informações.
O caos!
Mas eu quero saber o que está acontecendo… quero sa-
ber de forma eficaz, articulada, coerente, fundamentada, opi-
nativa, racional, verdadeira e, principalmente, útil. Mas
como? Como analisar esse ambiente do tipo pesadelo de
inteligência artificial: estocástico, episódico, dinâmico,
contínuo, parcialmente observável e multiagente?
Não encontrei modelo que se aplicasse. Nada. Achei
análises de crises padronizadas que urgem respostas e
agentes que encaminhem movimentos de buscas em áreas e
momentos específicos, com ferramental e diretrizes mais ou
menos estabelecidos. Todavia, essas crises leviatânicas não
são estudadas, nem mesmos balizadas. São debatidas nas
diversas esferas disciplinares história, economia, política,
sociologia, administração ou outras mas de maneira quase
modular, e até mesmo num viés de especulação diletante, e
como tal inútil.
Obedecendo à prescrição do saudoso Anibal, aquele
mesmo dos elefantes: “ou encontramos o caminho ou abri-
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JC De Bragança
mos um”, resolvi pensar um modelo novo para estudar essas
crises colossais com metadados suficientes para identificá-
las, parametrizá-las com a finalidade de compará-las, prever
modificações e encaminhar objetivos desejáveis e ações ou
omissões eficazes. Teria que partir do zero (built from
scratch) por isso resolvi buscar orientação na Mãe Natureza,
decifrada e apresentada pelos versados na consolidada
ciência da Biologia. A ideia era descobrir fenômeno que
realizasse mudanças radicais num organismo – verdadeira
metamorfose – daí montar o modelo. O que se encaixou mais
perfeitamente é a ecdise. Falaremos dela depois. Antes
vejamos como este livro está organizado.
No primeiro capítulo apresenta-se o evento biológico
da ecdise, seus metadados, sua estrutura e dinâmica além das
interações (relações), inclusive ambientais. Por isso é impor-
tante que se leia em primeiro lugar, todos os outros podem
ser lidos independentemente. É capítulo curto e simples e
bastante intuitivo. A adaptação às ciências sociais também é
feita empiricamente sem rebuscamentos científicos. O que se
colima é exatamente forma de pensar racional, básica, clara
sem prescrições dogmáticas que qualquer pessoa possa utili-
zar ao nível de detalhamento e profundidade que queira ou
possibilite seus conhecimentos. Espécie de “código aberto”
filosófico a permitir o uso desse recurso maravilhoso que hu-
manos possuem, a intuição, flua solta; tão reprimida e
desprezada na era da informação. Ouso dizer que a Era da
Intuição está furtivamente ocupando a forma de pensar atual
dita “racional” dos humanos. Talvez a próxima seja a Era da
Intuição.
Do segundo ao quarto capítulos busca-se localizar
estas mega-crises na História, traçando comparações com
crises normais para familiarização com a teoria proposta. A
escolha de períodos e locais foi arbitrária.
Do quinto ao décimo terceiro são todos dedicados a
encaixar recortes históricos brasileiros na teoria da ecdise.
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Ecdise De Uma Nação
Fiel à simplicidade que estabeleci no conceito inicial
do livro, a bibliografia foi mantida ao mínimo. Com as
facilidades de pesquisa online – chamam-na de
“exteligência” essas consultas ao Google – poder-se-á
aprofundar à discrição do(a) leitor(a) as matérias, nomes e
fatos aqui citados. Além do mais mantém o livro fininho e
baratinho.
No Anexo 1 cometi o atrevimento de monologar com
historiadores. No Anexo 2 ampliação mais científica não
muito técnica ou profunda sobre ecdise para os mais
curiosos. No Anexo 3 talvez o único momento que
escorreguei para a prescritibilidade fazendo apologia dos
aperfeiçoamentos do processo eleitoral. No Anexo 4
descrevo bem sucintamente a técnica de análise de causa-raiz
e fatores causais, como usada no livro. Encerro com breve
Glossário e desidratada Bibliografia.
Para quem é este livro?
Em princípio para quaisquer pessoas interessadas em
obter quadro mais geral de dada sequência de fatos aparente-
mente desconectados ou complexos demais no Brasil atual;
ou ainda buscar certa ordem, hierarquia ou sequenciação em
determinada conjuntura. Pode ser útil a decisores de
qualquer nível que se deparam com maciças, confusas e
turbulentas alterações, que afetem ampla gama de aspectos.
Situações com múltiplos agentes demandando soluções
setoriais simultâneas. A proposta não é ferramenta de
soluções ou de apresentação de alternativas, mas de
formação de visão nais abstrata, intuitiva e desligada de
detalhamentos.
Qual a profundidade ou tecnicalidade envolvida?
Como dito acima essa é proposta código-aberto. É ape-
nas ensaio sobre estrutura bem básica de tentar enxergar
eventos que mudam tudo e mudam muito. Não é livro para
se ler salteando capítulos que mais atraiam pelo título. O
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JC De Bragança
melhor aproveitamento será conseguido através da leitura
romanceada de A a Z, pois existe o processo da construção e
internalização da teoria e princípios além de se basear na
sequenciação histórica. Considere este livro como conversa
de varanda à noite…. mas daquelas que nos fazem perder o
sono.
Qual o objetivo deste livro?
a) Contribuir para a elevação do ponto de vista. Quanto
mais alto, maior o alcance no tempo e no espaço das avalia-
ções, além de se afastar das minudências do dia-a-dia que na
verdade não passam disso. Diz-se que o diabo mora nos
detalhes, ao que se pode contrapor que os sonhos moram nos
grandes cenários.
b) Fornecer arcabouço conceitual onde se possa encai-
xar questões para entendê-las, prever tendências pouco ex-
plícitas, obter respostas e esboçar soluções prováveis às
vezes fora do escopo de abordagens mais comuns e
consolidadas.
c) E, o principal objetivo: instigar. Aqui não se encon-
trará considerações prescritivas, estáticas e definitivas. A não
ser muito gerais. Muito menos novas revelações, elaboradas
pesquisas ou elucubrações. O máximo que posso pretender é
de, ao sentir-me incomodado por não conseguir adquirir per-
cepção global do que está acontecendo ao meu país,
recombinei conhecimentos estabelecidos numa ferramenta
que se revelou, pelo menos para mim, muito útil.
Não é o fim da procura, é o começo.

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Ecdise De Uma Nação

Ecdise, O Que É
Índice

“I must create a system or


be enslaved by another man’s.
William Blake

Do Dicionário tiramos a definição:


Classe: substantivo feminino
Rubrica: zoologia.
Definição: processo de muda ou troca do exosqueleto
Etimologia: do grego arcaico ékdusis, eós, ἐκδύω (ekduo), é
'ação de se despir, tirar fora, estripar'

E cdise ou muda é quando algum animal cresce tanto


que não caiba mais naquilo que Miller [002] chamaria
de subsistema delimitador, ou seja, carapaça,
exoesqueleto, cutícula, pelagem, pele, penas etc. Havendo
necessidade de mudar para maior.
Antes de prosseguir há que se alertar que o objetivo
principal dessa apresentação não é a ecdise ou mesmo tentar
forçar a visão de fenômenos sociais humanos através de me-

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JC De Bragança
canismos biológicos, seria uma impropriedade em vista da
infinita complexidade daqueles em comparação a estes.
A ecdise é fato muito atípico e grandioso, próprio de
certas espécies, os cientistas dedicaram estudo específico do
fenômeno, tendo que desenvolver toda uma teoria e
conceitos próprios e únicos. Criaram até mesmo o clado
Ecdysozoa do sistema filogenético de classificação.
O que se passa com o Brasil hoje também entra nessa
categoria de fato muito atípico e grandioso, portanto precisa-
mos de teoria e de conceitos próprios e únicos. Notei que o
fenômeno da ecdise se presta como luva às análises destes
fatos, a começar pelo aspecto palpável de que o Brasil
cresceu muito mais do que seu exoesqueleto. Estamos sufo-
cando. O Brasil ainda tem exoesqueleto, por isso terá que
executar tantas ecdises quantas necessárias até eliminar este
óbice que o isola do futuro que merece.
Mudança e crescimento é a incumbência categórica e
infinita do Universo. Previsão e controle é a temática cate-
górica e infinita dos viventes no Universo. Previsão e contro-
le só podem ser almejados com coleta e organização de
dados naturais transformados em Conhecimento para
alimentar modelos de construção de cenários esquemáticos
que serão mais assimiláveis e processáveis pelo limitado –
apesar de extraordinário – recurso cerebral dos viventes.
Aqui proponho a ecdise como um desses modelos, para
analisar os mais complexos e abrangentes do que aqueles
geralmente chamados de crise.
A ecdise se desenvolve em quatro fases.
Pro-ecdise: preparação com acumulação de ar e água,
aumento rápido de tamanho e peso. Não é crescimento é in-
chamento. Músculos atrofiam-se para passar pelas estreitas
aberturas da carapaça (cutícula).

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Ecdise De Uma Nação
Ecdise: exoesqueleto antigo é abandonado. Há a reten-
ção de alguns minerais, proteínas e outros nutrientes e com-
ponentes úteis da antiga cutícula. Cutículas abandonadas são
chamadas de exúvias.
Pos-ecdise: Após a muda o animal fica vulnerável
devido à fragilidade de proteção, sujeitando-o a ataques de
predadores e dos elementos. Deve haver aumento rápido de
tamanho e endurecimento da nova cutícula. Os músculos
desenvolvem-se novamente. Água sendo substituída por
tecido muscular, acumulação de reservas energéticas,
glicogênio e lipídios nos músculos.
Intermuda: intervalo entre ecdises quando o animal
efetivamente cresce. Aumento natural de tamanho e fortale-
cimento. A vida volta à rotina normal.
Essas fases são controladas pelos hormônios chamados
ecdisteróides, principalmente dois: o ecdisônio que estimula
células epiteliais a darem início ao processo; e o MIH
hormônio inibidor de muda (Moulting Inhibitor Hormone).
Existem fatores exógeno que interferem neste metabo-
lismo como temperatura, nutrientes — pois se consome
grande quantidade de energia — e disponibilidade de água.
Estes fatores externos podem determinar não só a velocidade
como a qualidade do processo, chegando até impedir que se
complete, levando à morte do indivíduo.
A capacidade de mudar o exoesqueleto é vantajosa es-
tratégia evolutiva, principalmente para animais pequenos que
vivem na água ou que voam. Exoesqueletos não mineraliza-
dos são mais leves e exigem menos energia para formarem-
se, além de serem eficazes em diversos ambientes.
A principal característica dos artrópodes é justamente a
presença de exoesqueleto de quitina (mesmo tecido que for-
ma as unhas e cabelo), que lhes conferem sustentação para
músculos e órgãos e proteção contra agentes externos, como
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JC De Bragança
impactos e desidratação. Porém, essa armadura rígida
impede crescimento direto do animal, sem interrupções para
muda. Aqui é que mora o problema de países parcialmente
democráticos, que não podem evoluir sem peias.
Outro aspecto diferenciador entre crise e ecdise é a
abrangência. Todo o exoesqueleto é trocado, não só o braço
ou a perna. Tudo. Onde os analistas e administradores erram.
Focam seus esforços em setores de sua especialidade, como
educação, renda, segurança, distribuição, justiça, política,
saúde etc., pensando com isso resolver o todo. Na ecdise tem
que se atuar equilibrada e gradualmente em todas as áreas de
forma simultânea, ao custo de não se obter resultados
duradouros. No Brasil consegui contar apenas três ecdises
Façamos resumo do que foi visto.

✔ A mudança e crescimento são inevitáveis.


✔ Controle sobre tempo e resultado possível.
✔ No período de preparação há vulnerabilidade..
✔ A proteção antiga é abandonada, salvo alguns
itens úteis.
✔ Após o abandono do antigo sistema protetor
ocorre certa vulnerabilidade.
✔ Ato contínuo inicia-se fortalecimento, enrijeci-
mento e crescimento.
✔ Finalmente volta-se à normalidade.
✔ Existem dois catalisadores principais que atuam
no processo, iniciador e finalizador.
✔ O ambiente pode acelerar, atrasar ou extinguir.
✔ O ambiente é fonte de energia para a evolução.
✔ Existem predadores oportunistas atentos.

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Ecdise De Uma Nação

Isto é tudo o que se precisa saber para a construção do


modelo simples, interessante e eficaz de análises, sínteses e
buscas de soluções de macro-complicações.
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JC De Bragança

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Ecdise De Uma Nação

II

Ecdises da Humanidade: Duas


Gotinhas
Índice

“Existem atualmente cento e noventa e três


espécies de macacos e símios.
Cento e noventa e duas delas
têm o corpo coberto de pelos.
A única exceção é um símio pelado
que a si próprio se cognominou Homo sapiens.“
O Macaco Nu, Desmond Morris [003]

1ª Ecdise da Humanidade: O Fogo

Ambiente Humanos coletores e caçadores friorentos.


Ecdisônio: Senhor Ua-Arghut de Magnon.
MIH: Indeterminado.
Pro-ecdise Raio provoca fogo.
Ecdise Aproveitamento e preservação do fogo.
Pos-ecdise Homem dominando os metais.

A cabeça latejava, o mundo escurecera, o corpo todo


avermelhado ardia. Seus instintos tomaram o
comando, mesmo de costas no chão caranguejava

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JC De Bragança
desesperadamente, doloridamente. Queria se afastar dali
onde tudo parecia girar num zumbido alucinante.
UaArghut de Magnon já vira antes gotas do sol caírem
de nuvens negras ao longe. Nas ocasiões que visitava o local
tomava conhecimento do grande estrago que causavam. Mas
agora que seus sentidos voltavam ao normal podia constatar
que o raio quase caiu na sua cabeça e havia criado clareira
fumegante de material calcinado com vivas fogueiras aqui e
ali. Divisou o grande javali que perseguia transformado
numa massa escura e sangrenta. Estava o pobre animal
totalmente sem pele e... deliciosamente assado! Sua família
teria carne por bom tempo. No momento o que lhe chamava
a atenção eram pequenos pedaços de madeira incandescentes
que se espalhavam. Cuidadosamente pegou o maior que
pode e levou para sua caverna. Depois viria com os outros
hominídeos buscar o javali churrasqueado.
Essa foi a primeira ecdise – que me permiti romancear
– da Humanidade. Um raio transformou o senhor Ua-Arghut
no primeiro ecdisônio. Com o fogo ele teria luz e proteção
contra predadores e inimigos. Sobreviveria às eras glaciais e
teria acesso a toda a inimaginável tecnologia metalúrgica e
química pelos séculos futuros.
O fogo mudaria tudo, e mudaria muito.

2ª Ecdise da Humanidade: Semente Animais Domésticos

Ambiente Humanos coletores e caçadores aquecidos.


Ecdisônio: Senhora Ua-Arghutesse de Magnon Z.
MIH: Indeterminado.
Pro-ecdise Observação de nascimento de vegetais úteis.
Ecdise Plantio de vegetais, domesticação de animais.
Pos-ecdise Humanidade fixada territorialmente e
processo de socialização.

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Ecdise De Uma Nação
Num pano rápido de 500 milênios depois, poderíamos
nos aventurar a elaborar a segunda ecdise: a Agricultura. Go-
tinhas de vegetais caídas ao léu floresciam em batatais, cafe-
zais, milharais, melanciais e algodoais aos olhos da nossa ad-
mirada Ua-Arghutesse de Magnon Z. Ela poderia enterrar es-
sas gotinhas de alimentos e fibras que brotariam mais outras
para si, sementeiras e até lindas flores. Tendo o controle da
alimentação pode, gradualmente, domesticar animais que se
tornariam grandes amigos e servidores da família.
Agora seu marido poderia deixar o velho emprego de
caçador-coletador e fixar residência como agricultor. Dar
mais atenção à família. Talvez trocar os excessos da
produção por roupas, armas e até mais terrenos de plantio.
Acumular patrimônio, até uma Kombi, e ter maior lon-
gevidade sem riscos e incertezas das caçadas. Confiar e se
aproximar mais amistosamente de outros humanos, unindo-
se em pequenas aldeias chamadas Nova York, Rio de
Janeiro, Paris, Barcelona, Tóquio, Moscou.
A semente mudaria tudo, e mudaria muito.

29
JC De Bragança

[Fig.01]

30
Ecdise De Uma Nação

III

Ecdise dos Humanos: Gutemberg


Índice

"Imprensa é um exército de 26 soldados de chumbo


com o qual se pode conquistar o mundo.”
Joanenses Gutenberg

1ª Ecdise dos Humanos: A Imprensa.

Ambiente Aldeões agricultores, artesões, analfabetos.


Ecdisônio: Herr Joanenses Gensflish zur Laden zum
Gutemberg
MIH: Indeterminado.
Pro-ecdise Idade das trevas.
Ecdise Acumulação e difusão de conhecimento.
Pos-ecdise Humanidade mais informada e produtiva

O fogo e a agricultura sempre existiram foram, por


assim dizer, descobertos, dominados e domesti-
cados. Os desenvolvimentos posteriores seriam
apenas aperfeiçoamentos ramificados mais ou menos
previsíveis e naturais, alguns talvez acidentais. Progresso era
lento uma vez que a transmissão de técnicas e competências
31
JC De Bragança
era presencial, processamento de tecido e couro, cerâmica e
vidro, metalurgia e madeira, de construção e de transporte.
O Homem, apesar de todo seu despojamento corporal,
logo se tornou o mais poderoso dos animais como Senhor do
Fogo, e o mais bem-sucedido ao resolver o problema de
segurança alimentar e de proteção contra os elementos. A
agricultura permitiu a gregarismo multiplicando
vertiginosamente a população, com o que se assustou
Malthus em 1798, “se continuar assim vai faltar comida”. E
com razão. Até aquele período as coisas eram produzidas
como a família Ua-Arghut milênios antes, isto é
artesanalmente, com conhecimento empírico transmitido de
pai para filho, dentro da mesma guilda. Seria impensável o
filho do sapateiro sonhar em ser alfaiate. Além do profundo
desgosto que causaria ao pai, não tinha como aprender a
nobre arte do tailleur, a não ser que tivesse nascido dentro da
corporação dos alfaiates. Para sair da profissão-herança só
havia dois caminhos aceitos pelo pai: ou salvador de almas
numa carreira religiosa, ou assassino de almas numa carreira
militar.

[Fig.02]
Gutenberg

32
Ecdise De Uma Nação
Assim caminhava a humanidade rumo à catástrofe ali-
mentícia e mesmice profissional. Quando surge um ecdi-
sônio para provocar a terceira (e última?) ecdise do mundo:
Joanenses Gutemberg, na escola alguns o apelidaram de
“Arghut”. Esse senhor arquitetou uma invenção
relativamente simples, tão simples que pouco se alterou até
hoje, o “sistema mecânico de tipos móveis” aliado ao uso de
tintas e prensa para imprimir letras em páginas. A combi-
nação destes elementos foi a sua notável contribuição à
salvação da humanidade. A escrita existia desde os sumérios
e hebreus 70 séculos anos antes. E a produção era artesanal,
caríssima e o consumo apenas por nobres, ricos, intelectuais
e sacerdotes. À reprodução e difusão eficaz da escrita se
pode atribuir, em grande parte, a sobrevivência de antigas
civilizações como os hebreus e gregos. Mas mesmo assim
não assegurou a quebra de tradicionalismos que
proporcionaria o progresso nestes povos, pois eram muito
dogmáticos e não havia possibilidades de inovações, de
aberturas de novos campos, de especulações. Outro dos
motivos principais foi a baixa difusão entre o povo comum,
que em última análise, era analfabeto também.
Herr Gutenberg era um jovem arteiro da Mogúncia. De
família rica, erudito, ativista, espécie de playboy medieval
cerebral e engajado. Filho de rico e bem-sucedido relojoeiro,
desde cedo convivia com livros da biblioteca da família e no
ambiente de oficina mecânica. Seu lado aventureiro e
romântico às vezes o colocava em dificuldades, chegou a ser
processado por quebra de promessa nupcial. Também foi a
falência com o negócio de venda de espelhos de metal que
“captavam emanações sagradas de relíquias religiosas”. Essa
irrequietude transgressora, própria dos que realizam grandes
façanhas, granjeou-lhe apoio financeiro de seu cunhado para
essa maluquice – que tudo indica seria a impressora.
Inaugurou-a prensando um poema alemão. Com o aporte de
mais sócios e financiadores montou a gráfica de onde saiu as
33
JC De Bragança
famosas 180 cópias da Bíblia, em dois volumes num total de
1.282 páginas. Hoje, incomprável, chegam ser avaliadas em
30 milhões de dólares. Existem apenas 48 exemplares
conhecidos atualmente no mundo.
A invenção dele – por proporcionar registro e difusão
do conhecimento acumulado de geração a outra, principal-
mente com baixo custo e universalidade – resolveu dois
fundamentos a qualquer progresso: alfabetização e acesso à
instrução. Quem aprende se torna livre para buscar a
realização de seus sonhos. A liberdade gera os recursos
durante a jornada.

Liberdade também é sinal de perigo para os poderosos,


consciente disto a Igreja Católica emitiu o Index Librorum
Prohibitorium, com isto o Papa Paulo IV em 1559 inau-
gurou, a longa e pungente história da censura contra livros,
protagonizada pelos ditadores mais sanguinários. Gênios
como Galileu, Copérnico, Giordano Bruno, Maquiavel,
Erasmo de Roterdam, Baruch de Espinosa, John Locke,
Berkely, Diderot, Pascal, Hobbes, Descartes, Rousseau,
34
Ecdise De Uma Nação
Montesquieu, David Hume, Kant, Alexandre Dumas,
Voltaire, Defoe, Vitor Hugo, Zola, Stendhal, Flaubert,
Balzac, Sartre, Kazantzákis e tantos outros pilares da ciência,
artes e sabedoria sofreram a tentativa de amordaçamento.
Apesar de abolido pelo Papa Paulo VI em 1966, a Igreja
ainda considera o Conhecimento, ameaça ao seu poderio
sobre mentes e corações. Hoje em dia se emite o
admonitum, ou advertência sobre os riscos de obras. O
“Código Da Vinci” que critica o Opus Dei, e “Harry Potter”
acusado de promover bruxarias entre crianças foram agracia-
dos com este prêmio. Antigamente havia riscos em livros
banidos, afinal a Inquisição era ciosa e letal vigilante. Mas o
livro venceu. Bastaria aquele jovem sapateiro comprar o
manual de costura para realizar seu sonho de ser um feliz
alfaiate. Que se dane a opinião do pai….
Foi no seguimento da terceira ecdise da humanidade
que se descortinou a Renascença, Reforma, Iluminismo bem
como revoluções industrial e político-filosófica e o
florescimento das artes. Paulo IV tinha razão: livros são
perigosos.
A disseminação massiva de informações alterou
permanentemente a estrutura, o funcionamento e as relações
da sociedade. Sua circulação relativamente irrestrita,
incluindo ideias revolucionárias transcendeu fronteiras e
mobilizou massas, ameaçou ou extirpou poderosos; o rápido
crescimento do acesso à literatura quebrou monopólios de
elites literatas na educação, aprendizado e interpretação;
sustentando a emergente e salvadora classe média.
Subversão total, até mesmo o filho poderia saber mais que o
pai. Absurdo!
Através da Europa a crescente autoconsciência do povo
levou à assunção de um proto nacionalismo acelerado pelo
florescimento linguístico e organização léxica e gramática de
idiomas vernaculares europeus em detrimento do status do

35
JC De Bragança
latim como linguá franca. No século 19 a máquina a vapor
permitiu impressões em escala industrial inundando e
libertando o mundo com literaturas técnicas e lúdicas em
todos os idiomas. Enorme janela representada no minúsculo
livro, se abrira para a fantasia, o sonho e a realização.
Grandes enciclopédias, tratados científicos, narrativas de
viagens, história, geografia, outros povos e culturas, manuais
de instrução, jornais noticiosos. Romances incendiavam as
tristes solidões noturnas com narrativas inebriantes. Tudo
sofregamente consumido. O homem comum estava se
conhecendo melhor, sua história e ao seu mundo. “A verdade
vos libertará”.
A imprensa mudaria tudo, e mudaria muito.

A Gráfica do Gutemberg

36
Ecdise De Uma Nação

IV

Ecdises em Países Selecionados


Índice

“Não poríamos a mão no fogo


pelas nossas opiniões:
não temos assim tanta certeza delas.
Mas talvez nos deixemos queimar inteiros
antes mudar as nossas opiniões.!!br0ken!!
Friedrich Nietzsche

P assaram-se milênios para a ocorrência de apenas três


ecdises que afetaram toda a Humanidade. O fogo, a
agricultura e a imprensa. Tentar-se-á neste capítulo
identificar ecdises que afetaram países. A escolha foi
arbitrária. Servirá apenas para exemplificar como pensar
fatos.
Ecdise não é crise, ecdise é mutação profunda, estrutu-
ral, funcional, relacional, indelével e permanente em toda a
tecitura do organismo que leva ao estágio intermuda. Crise é
circunscrita a um ou alguns subsistemas, muitas vezes
derivados de problemas de outros subsistemas. Não raro,
geradores de outras crises.

37
JC De Bragança
Alguns fatos históricos relevantes no mundo, que
causaram crises de grande impacto, raramente podem ser
considerados como ecdises; pois, apesar de enormes
transformações advindas não se revelaram suficientemente
profundas, perenes e estruturais. As teorias de ciclos
econômicos põem em relevo diferenciador significativo, pois
as ecdises não são ciclotímicas.
Europa
A Grande Guerra em 1914 foi marcante mas não
mudou significativamente a Europa do pós-guerra, a não ser
parcialmente em setores como a tecnologia, a geopolítica e a
economia. As pessoas continuaram vivendo e pensando da
mesma forma e a distribuição de forças permaneceu a
mesma. Versalhes em 1919 apenas esmagou a economia
alemã e postergou, na realidade, a solução do conflito para
1945; com a trágica ascensão do nazi-facismo.
Apesar da extensão e grande custo em vidas e
materiais, e tendo sido ecdise para muitos países, a 2ª Guerra
em termos estritamente europeus foi apenas a solução de
alguns problemas geopolíticos localizados. Mesmo o
imediato pós-guerra com a recuperação, tudo seguiu
funcionando como status quo antebellum, salvo naturais
oscilações de desenvolvimento. Os mesmos estados líderes
vigorando nos mesmos regimes. Potsdam talvez teria sido o
caso de se considerar como ecdise, pois alterou
profundamente tudo – pelo menos no leste europeu. Deixo
ao(a) leitor(a) amigo(a) esta análise.
O que poderia ser considerado ecdisônio europeu, sem
dúvida, foi o Plano Marshall na sua concepção de
inspiradora do unionismo e talvez tenha reforçado a ideia da
formação da Comunidade do Aço e Carvão em 1949,
composta por seis países numa zona de livre comércio de
bens. Fato seminal com destino à União Europeia
configurada em 1957 na Itália com o Tratado de Roma.
38
Ecdise De Uma Nação
Nunca nos 50 séculos anteriores a Europa esteve unida, isto
mudou tudo e mudou muito.
Alemanha
Os povos germânicos formados de muitas etnias,
existiam desde 1800 AC. Em tribos compostas por clãs.
Como caçadores e coletores sem território definido, nem
aglomerações significativas. Eram os bárbaros conquistado-
res deambulantes do norte. A partir do século X formaram a
espinha dorsal do Sacro Império Romano-Germânico, que
durou até 1806. mas, só foi unificado como país em 1871 (49
anos depois da independência do Brasil). O ecdisônio foi o
vigoroso chanceler prussiano Bismarck que fundou o país
Império Alemão, mesmo às custas da Guerra Franco-Prussia-
na. Alguns podem considerar a divisão da Alemanha após a
guerra como ecdise. Não penso assim a divisão durou 40
anos e não alterou profundamente o alemão nem a trajetória
de desenvolvimento a longo prazo.
Argentina
Em 1861 se completava a longa guerra de independên-
cia da Argentina. O que deveria ser início de persistente e
pacífica intermuda na verdade, foi período de muitas
agitações, ditaduras e crises econômicas. Alejo Julio
Argentino Roca Paz foi o ecdisônio da Argentina moderna
com políticas liberais e maciça onda de imigração, conquista
da Patagônia, expansão da logística de transportes,
desenvolvimento das exportações, tornando-se potência
média entre nações. Promoveu extraordinária ação
educacional, onde o ensino primário obrigatório era gratuito
e laico. Exatamente aí a Argentina, com a imigração e a
educação, começou a ultrapassar-nos culturalmente, refletido
no fato de que só em Buenos Ayres existem mais livrarias
que em todo nosso país. Outras agitações, ditaduras, crises
econômicas, peronismo, Militarismo, Malvinas, kirch-
nerismo eis a Argentina contemporânea com grande
39
JC De Bragança
potencial mas ainda plena de problemas de difícil solução.
Está faltando a ecdise final.
China
A China existia antes de 2000 anos AC. Consecutivas
guerras e rebeliões sangrentas – segundo algumas
estimativas mais de 100 milhões de mortos – e sucessivas
hordas de clãs feudais, conseguiu ser unificada numa monar-
quia na dinastia Qing em 114 AC.
Com a proclamação da república em janeiro de 1912,
tudo muda. As lideranças, os mecanismos políticos, os valo-
res e atitudes da população, a economia, as relações internas
e externas. Novo país – com problemas e soluções resolvidos
interna e soberanamente – mas acima de tudo com a seguran-
ça de perpetuidade nacional e de nova e abrangente identida-
de cultural assumida pelo povo. Esta foi a primeira ecdise
chinesa.
A revolução comunista em 1948, a coletivização, a ten-
tativa de industrialização forçada em 1958, a miséria sempre
crescente, as tolices ideológicas maoistas. Nada disso teve a
competência de transformar a China em algo muito diferente
do que 1912. Apenas mudança de algozes e crises inúteis.
Em 1978 Deng assume e inicia a descoletivização da
agricultura, protege as reformas direcionadas à economia de
mercado, tantos dos que são contra como os que querem
apressar demais. Em 1997 o congresso do Partido endossa as
teorias de Deng Xiao Ping, e desmantela a predominância do
centralismo estatal no setor industrial, transferindo à iniciati-
va privada o encargo e a liberdade de empreender. Ainda
hoje falta muito para liberalização chinesa, mas a marcha já
foi iniciada por Deng, a população, as instituições e a
liberalização do regramento jamais terão recuos
significativos. O mais importante é que valores e atitudes
tanto do Estado como do indivíduo alteram-se extensa e

40
Ecdise De Uma Nação
profundamente. Essa é a segunda ecdise chinesa e Deng o
seu ecdisônio.
Coreia
A Coreia repete a história da China pela sua existência
milenar. Também os embates entre os grandes senhores da
guerra, dos quais Sylla em 668 une os Três Reinos num só
em toda a península, podendo ser considerada sua primeira
ecdise. Muitas lutas e invasões mongóis desembocam numa
monarquia dinástica chamada Joseon em 1397, estendida até
1910 quando foi submetida pelo Japão.
Ato contínuo de sua liberação em 1945, pelos aliados,
se vê enredada em disputas ideológicas de grandes potências
estrangeiras que levou à divisão, Coreia do Sul e do Norte;
considerar-se-ia que a ecdise terminou mal.
A do norte optou pelo modelo socialista – onde das pri-
meiras providências foi a estatização da agricultura – forte-
mente centralizado e fechado. A do sul formula incipiente
democracia, voltada à exportação e abertura cultural ao resto
do mundo – onde das primeiras ações foi reforma agrária. O
esforço educacional despendido à época pelos sulistas foi
fundamental e notável no vertiginoso mergulho que optou
pela economia liberal. Em 1961 o General Park depois do
golpe de estado, desenvolve esforços de crescimento rápido
industrial com foco na iniciativa privada.. Apesar de viés
ditatorial ele pode receber o título de ecdisônio da moderna e
rica Coreia.
EUA
Os EUA são, como de resto, todos do Novo e Novíssi-
mo Mundo, países “fundados” dentro de conceitos e
formatos modernos da burocracia europeia, não evoluíram de
sociedades bárbaras tribais pós-neolíticas. A diferença
marcante foi o conceito de liberdade ferreamente perseguido
pelos “pais da pátria” norte-americana (o Brasil sempre teve
41
JC De Bragança
“patrões da pátria”). Enquanto os demais se mantiveram por
séculos apenas como colônias duramente subjugadas a
prover de riqueza às matrizes; os EUA já nos seus primeiros
cem anos de efetiva existência buscou trilhar caminhos pró-
prios. Um pouco pelo desinteresse da Inglaterra, cujo predo-
minante objetivo colonial era prove-se de produtos oriundos
do sul mais tropical, principalmente o algodão para a nascen-
te indústria têxtil. Outro tanto pela forte e cosmopolita
migração que chegou a incríveis 30 milhões de sonhadores
ambiciosos no começo do século 20.
A liberdade assegurada pela declaração dos direitos e a
imigração cosmopolita e multiétnica transformaram os EUA
na potência que é. Dos 80 trilhões de dólares do produto
mundial bruto (PMB), 20 trilhões são fruto do trabalho de al-
gum ianque, e crescendo. Dos gastos em armamentos em
todo o planeta 40% é deles.
Aqui se revela a exceção que confirma a regra: os EUA
é o único país que não sofreu e, até onde a vista alcança, não
terá necessidade de passar pela dolorosa ecdise. Pelo simples
fato de que pode crescer à vontade. Não possui exoesqueleto
nem quaisquer outros impedimentos pois é nação originaria-
mente democrática e seus componentes são livres para tentar
realizar seus intentos. Só é necessária a ecdise em nações que
estão obstaculizada em seu desenvolvimento por carapaças
do tipo reis absolutistas, imperadores, ditaduras, sistemas
eleitorais defeituosos ou – mais difícil de resolver –
aprisionamentos de espíritos em ideologias dogmáticas
profundamente arraigadas.
Devido à sua colossal magnitude e abrangência os
Estados Unidos da América, desde o final do século 19, tem
tido peso específico na geopolítica e até mesmo nos assuntos
internos de muitos países, na realidade, maioria deles.
Japão

42
Ecdise De Uma Nação
O Nihon koku, mais conhecido como Japão, provavel-
mente teve suas ecdises antes do aporte dos portugueses no
século XVI. Esta visita surpreendente provocou intensa mu-
dança, crescimento acelerado e modernização na sociedade,
sofisticada porém isolada e provinciana dos nipônicos. Ela
bem poderia ter sido ecdise, mas ocorreu a recidiva chamada
xógum Tokugawa. Este senhor da guerra tomou o poder, ex-
pulsou os portugueses, e enterrou o país num regime ditatori-
al que durou mais de um quarto de século, reduzindo-o nova-
mente a país de povo pobre, isolado e sem perspectivas.
Mas não é por aí que quero analisar, mas sim a chegada
do almirante ianque Perry em 1854. este grande marinheiro
em viagem de aberturas de mercados pelo extremo oriente,
ao passar pelo Japão constatou que o xogunato estava
mantendo em sufocação aquele grande país. Por essa época o
Japão era o maior país do mundo em população
geograficamente contínua e culturalmente unificada. Doce
mercado aos americanos, principalmente depois da anexação
da Califórnia. O marinheiro espalhou ostensivamente suas
moderníssimas naves a vapor de guerra ao largo e deu o
recado, devidamente acompanhado por tonitruante salva de
canhões, ao xógum: “Estou indo até o sudeste asiático e
Indonésia, na volta quero ver o Japão pacificado e
democrático. O senhor entendeu?” Esta interferência
americana, proporcionou a transformação daquele país
insular, isolado e medieval em grande potência, que jamais
deixaria de ser. Almirante Perry o ecdisônio do Japão.
Talvez o último. Existe até busto em homenagem a ele em
frente a Prefeitura de Tóquio.
Esta forma de agir foi incorporada pelo estado america-
no e usada inúmeras vezes nos cinco continentes. A maioria
das vezes agiu com truculência militar causando grande des-
truição e sofrimento. Mas aqui é que se pode verificar que
nem sempre ecdises terminam bem. As interferências
ianques no Iraque, Afeganistão, Líbia, na brutal destruição
43
JC De Bragança
do Viet Nam e alguns outros – para não nos estendermos
muito – ou deram mal ou os resultados ficaram tão
indefinidos que gerações poderão se passar antes que se
chegue a algum termo.
França
A França nascida como quase todos os países europeus
de evoluções, aculturações, invasões teve talvez, entre as
grandes nações modernas ocidentais, a ecdise mais
complicada e demorada – se considerarmos Capeto em 987
até a 5ª República 1948.
Por volta do século 10 a agricultura sofre grande
transformação tecnológica; também a Economia ganha o
aperfeiçoamento da cunhagem e uso extensivo de moedas
que transforma dramaticamente a estrutura com introdução
de milhões de produtores e consumidores no comércio;
camponeses começam a pensar em produzir excedentes para
venda; houve grandes saltos de produtividade também na
agroindústria. O homem comum passou a pensar em
dinheiro, e não mais em escambo.
Muitas guerras intestinas, mudanças de regimes além
de fortes, carismáticos e aguerridos personagens causaram
sofrimentos a população. O país chegou a um regime
republicano e democrático. Todas essas experiências
traumáticas proporcionaram não só ao povo francês a
maturidade e o conhecimento dos complexos mecanismos de
democracia pluralista, multiétnica e transmarina, como
difundiu-se os ensinamentos ao resto do mundo. Potência
militar, econômica, financeira e cultural centraliza inúmeras
formulações dos modernos interesses mundiais como
tecnologia, bélica, política e humanidades.
Inglaterra
Apesar de ser a causadora direta da única ecdises dos
humanos, a invenção da imprensa, é difícil localizar o evento
44
Ecdise De Uma Nação
que possa ser nomeado ecdise na sua história. Salvo suspiro
republicano de Cromwell – que foi decapitado mesmo depois
de morto – sempre foi monarquia evoluindo para monarquia
parlamentarista constitucional. Das naturais crises políticas,
econômicas e humanitárias além de rica história de guerras e
conquistas sempre foi reino como o estabelecido em 927.
Rússia
Depois de séculos de indefectíveis conflitos e invasões
bárbaras a Rússia entra na era do feudalismo pelas mãos de
Ivã III, O Grande que uniu o Rus, assumindo o título de
“Grão Duque de Todas as Rússias” centralizado no principa-
do de Moscóvia. Sucedido por Ivã, O Terrível, que foi
coroado oficialmente como o primeiro czar da Rússia em
1547. Governou por muitos anos organizando e expandindo
a Rússia transformando-a num Estado de imensa extensão de
terras multiétnico, multi-confessional e transcontinental, o
maior do mundo. Ivã, O Terrível seria o primeiro ecdisônio
da grande e profunda transformação desta vasta extensão de
terras e gentes. Expansões, guerras, conquistas e a
modernizações através da transformação em Império e
inserção na Europa Ocidental por Pedro I. Resistiu às
sangrentas guerras europeias e principalmente as
napoleônicas aglutinando sentimentos patrióticos do povo
para com a Rossiya-Matushka (Mãe Rússia).
Em todos esses séculos o povo via-se esmagado pela
autocracia monárquica, o que oportunizou a segunda ecdise
em 1917 com a profunda e indelével revolução comunista
iniciada pelo ecdisônio Lênin. A nação que surgiu não tinha
nada do velho reinado. A cabeça da população mudara, suas
lideranças eram novas e inovadoras, a economia tinha novos
objetivos e experiências de produção e novos sonhos.
Sonhos impedidos aos anteriores súditos do Czar. Entretanto,
os sonhos do homem comum seriam esmagados por
ditatorial poder de grupos tentando implantar a antinatural

45
JC De Bragança
ideologia de igualdade entre indivíduos, não existente na
Natureza. Cada indivíduo é único. Este grupo transformou
sonhos em projetos de poder e novamente acabou por
devolver o povo russo e outros à quase servidão,
escravizados pela miragem de ideologia infactível de
igualdade. A cortina de ferro umbrosamente desceu sobre os
países do leste europeu na forma do sovietismo republicano.
Atravessou duas guerras mundiais e outros conflitos de
monta, com catastrófico desperdício de vidas humanas.
Tornou-se a segunda potência militar e tecnológica no

mundo – em detrimento de satisfação das mais básicas


carências, a que foi submetido o povo – com isto trazendo
instabilidade e conflitos localizados além de quase levar a
humanidade à extinção nuclear. No velho dilema de
economia, o canhão venceu o arado e a população sem de
alimento, liberdade e supérfluos.
Com o tempo, no começo dos anos 90, pequenas
trincaduras começaram a fender a cortina que acabou se
esfarelando, na 3ª ecdise russa: a abertura para o liberalismo,
arrastando consigo não só o leste europeu mas influenciando
o monstro populacional, a China e o sudeste asiático. O
heroico ecdisônio foi Gorbie.
46
Ecdise De Uma Nação
Primavera Árabe
Um novo personagem candidato a gerador de ecdises
altamente tecnológicos surgiu no cenário do mundo moderno
das comunicações: o ciberativismo. O suicídio do jovem
Muhamad na Tunísia poderia ter caído no esquecimento e
não ter consequência nenhuma, como tristemente tantos
outros o no oriente médio. Mas a internet ateou fogo em
descontentamentos centenários no mundo árabe e no norte da
África. Alastrou-se da Tunísia atingindo Egito, Líbia, Síria,
Argélia, Barein, Djibuti, Jordânia, Omã, Iêmen, Kwait,
Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e
Sahara. Nobrezas e famílias poderosas que dominavam por
séculos foram varridas ou, pelo menos, seriamente abaladas.
As motivações elencadas em cada caso foram específicas e
variadas. Tratamos de ecdises com resultados bem suce-
didos, porém, outras acabaram mal. Poucas conseguiram
completar a ecdise satisfatoriamente. Talvez devido ao
enfraquecimento por múltiplas revindicações, sempre
conflitantes entre si, em vez de se manterem colimadas em
resolver as causas-raiz. Como a ecdise não tem com-
promissos sérios com o tempo. Ela pode levar muito tempo
prosseguindo até a última.
Com esse pragmático esboço histórico podemos inferir
que primeiro, a mudança é indirimível, o resultado não.
Crescimento, evolução, atingimento de objetivos desejáveis
é processo volitivo, trabalhoso e dificultoso para qualquer
povo. Não existem privilegiados ou bem-dotados ou
favorecidos pelos deuses, assim como não existem povos
desassistidos pelos deuses, sem recursos, infiéis ou “vira-
latas”.
O objetivo é atingir grau de desenvolvimento tal que
não se tenha jamais que realizar outras ecdises no futuro.
Que consiga obter liberdade de organismo adulto para poder
crescer quanto se queira sem ter que trocar de carapaça.

47
JC De Bragança
Ecdises doem muito, doem tudo.

48
Ecdise De Uma Nação

O Mar Tenebroso

49
JC De Bragança

Comentários Históricos Brasileiro


Índice

"Em geral, um erudito tão exclusivo de uma área


é análogo ao operário que, ao longo de sua vida,
não faz nada além de mover determinada alavanca,
ou gancho, ou manivela, em determinado instrumento
ou máquina, de modo a conquistar
um inacreditável virtuosismo nessa atividade."
Arthur Schopenhauer, A Arte de Escrever, pg. 16.

A o contrário de europeus e orientais, países do Novo


Mundo foram fundados já estruturalmente
organizados dentro dos conceitos renascentistas de
poderes centrais, administração, organização social e
profissional, sistema judicial, forças armadas e processos
econômicos, burocracias e delimitações fronteiriças. Não
evoluíram de antigas famílias coletoras-caçadoras do
holoceno para tribos, depois hordas bárbaras e, afinal, se
consolidando em feudos. Atravessando sangrentos e
extensos embates geopolíticos, ideológicos e econômicos. As
famílias coletoras-caçadoras das Américas não progrediram
tanto. Talvez a amplitude espacial junto à afável ecologia
não estimulassem disputas e soluções tecnológicas
competitivas. Nas Américas, salvo limitados conflitos locais
de baixa tecnologia e alcance, nada é comparável aos cercos,
combates campais, estratégias e táticas bélicas, cargas de
cavalaria, canhões que levavam a extensas e demoradas
atrocidades e destruições na Europa e na Ásia mongóis,
50
Ecdise De Uma Nação
dinastia Qing, Reinos Combatentes, e Dungan onde o
morticínio se elevou a dezenas de milhões.
Com a exceção planetária dos EUA, os demais países
nasceram herdando o conceito absolutista centralizador euro-
peu: o cidadão e suas conquistas, propriedades e serviços
pertenciam ao soberano imediato. Brasil idem.
Existem correntes que defendem, muito bem
fundamentadas a tese de que 1500 foi apenas o ano
divulgação formal das descobertas das terras brasileiras.
Supõe-se que alguns anos antes Portugal, pequeno e frágil,
omitiu o achado, mantendo intencionalmente secreta a posse.
Os “degredados” seria boa forma escamotear o envio de
aventureiros ambiciosos, competentes e corajosos com
missão de se estabelecerem e defenderem a terra. Dos quais
o mais decantado foi o judeu Bacharel de Cananeia, cuja
aventura é digna de Hollywood. Documentos, cartas e tudo o
que pudesse cair nas mãos da espionagem era criterio-
samente destruído. Temos poucas provas materiais. Talvez
se encontre nos subterrâneos ou poços de Lisboa algum baú
pleno de ricas revelações.
Portugal deveria ter a esperteza da pequena raposa
diante da faina rapinosa de matilhas formadas por grandes
Estados europeus ricos e populosos. Apesar de respeitável
potência marítima, possuidora de admiráveis recursos ma-
teriais e humanos proficientes em alta marinharia de longo
curso; além de profundos conhecimentos técnicos e geográfi-
cos, os melhores cartógrafos da época eram lusitanos – a cor-
te lusitana era consciente das suas limitações quantitativas
humanas e materiais a médio e longo prazo. Infelizmente a
partir do século XVII foi perdendo suas descobertas para
corsários, piratas e invasores holandeses, franceses e ingleses
desavergonhadamente apoiados e incentivados pelas cortes
europeias.

51
JC De Bragança
En passant: sempre notei a importância dada pelos his-
toriadores à caravela, à bolina, ao astrolábio como de-
cisivas invenções que proporcionaram as grandes
navegações. Mas se esquecem do bacalhau seco e
salgado, essencial fonte de proteína – mais durável do
que a carne de porco usada pelos ingleses – sem o qual
as longas viagens seriam quase impossíveis. Portugal
produzia o melhor sal da época.

Outros estados europeus se ocupavam exclusivamente


com pilhagens, domínios, posses, escravizações e destrui-
ções. O nome do jogo era “enriquecei e voltai à terra-mãe”.
Em contraponto Portugal desenvolveu modelo inteligente e
eficaz em relação às novas terras apoiado no tripé: comércio
monopolista, catequização amistosa pela religião católica e
disseminação de aldeolas colonizadoras. Com isso evitava
caros e desgastantes conflitos em custos materiais e vidas, ao
mesmo tempo incorporavam fiéis parceiros, ao invés de beli-
cosos inimigos entre os nativos. Português não é burro, não.
Desde o nascimento Brasil teve viés liberal. Com a
distância, limitações de recursos e priorização da exploração
do comércio com o oriente pela matriz; seria impossível o
exercício eficaz do puro absolutismo europeu, principal-
mente diante da insuspeitável extensão territorial que, com o
tempo, seria revelada. Portanto a ordem dos reis lusitanos era
sempre genérica “vai, crescei e multiplicai ao vosso
discernimento, lembrai-vos sempre de que tudo deveis ao
rei”. Assim foi feito.
De forma tosca, primitiva, brutal até, a economia e a
sociedade configuraram-se. Pau-brasil, escravatura, açúcar,
ouro e preciosidades e o café, cada ciclo se desenrolando.
Com muito trabalho pesado, orientação técnica e delimita-
ções morais imprescindíveis dos dedicados jesuítas, além do
enfrentamento eventual de conflitos, entrando no
assombroso século 19 com povo, território, história e
autonomia soberanos. Poucos Estados na época – e até hoje
52
Ecdise De Uma Nação
– podem viver em paz fronteiriça e se bastar internamente
como o Brasil.
Fomos implantados na alta idade colonial, descobrimo-
nos na baixa idade colonial, tornamo-nos país na monarquia,
definimo-nos poderosos, autossuficientes e independentes no
império constitucionalista prontos a tornarmo-nos a
república democrática de hoje.
Nesse período foram experienciadas várias arquiteturas
político-institucionais. Sempre tivemos coragem (ou irres-
ponsabilidade?) de atirarmo-nos a aventuras ou sujeitarmo-
nos à imposições ditatoriais na busca de formas organizacio-
nais que proporcionasse crescimento e plena liberdade na
busca de objetivos tanto grupais como individuais.
A sensação resultante é de que não se tem encontrado
resultados decisivos, apesar de sentirmos de que podemos e
devemos realizar muito mais. Depois de tantas experiências,
o brasileiro se debruça sobre a questão que se torna quase
existencial: afinal o que há de errado conosco como povo?
Todas as crenças baladas uma a uma: religiosas, ideológicas,
políticas, grandes vultos históricos, grandes sacrifícios,
miscigenações. De alguma forma os encaminhamentos que
se deram a grandes problemas nacionais modernos
mostraram-se ineficazes e decepcionantes. Nesse momento
se infiltra a sensação que, afinal, temos que admitir somos
povo amaldiçoado pela exuberância de recursos que
possuímos e a incompetência de conduzir nosso próprio
destino. Nascemos, crescemos e morremos sem moldar
nossas vidas – nem por aproximação – de acordo com nosso
sonhos. Claro, salvando-se as mui individualísticas e
louváveis exceções.
Temos pelos menos duas provas de que não somos ge-
neticamente comprometidos com o fracasso. A primeira é
nossa história muito bem resolvida; a segunda o estimulante
inconformismo: sabemos que somos melhores do que isto.
53
JC De Bragança

VI

De Emergente a Imergente
Índice

Se iniciarmos uma disputa entre


o passado e o presente,
vamos descobrir que perdemos o futuro.
Churchill

N enhum outro país do continente experimentou tantos


regimes políticos e ideológicos diferentes. Saímos
do estágio de colônia para monarquia, império,
império constitucionalista, república sarapintada com
ditaduras, parlamentarismo para desembocarmos na
remendada e indefinida democracia atual, onde temos o
direito de falar, escrever e até mesmo fazer passeatas, mas
não de sermos ouvidos.
Usemos a teoria da ecdise para tentar interpretar isso
tudo. Em todos esses períodos estivemos protegidos e
confinados em cutículas (carapaças) chamadas reis,
imperadores, presidentes, ditadores...podíamos crescer até a
dimensão permitida pela cutícula, a partir daí apenas com
dolorosas ecdises. Por isso nos acostumamos a tentar
resolver nossos problemas com soluções traumáticas, tipo
golpes. Uma das atitudes que devem ser desconstruídas.

54
Ecdise De Uma Nação
Apesar de remendado e indefinido o regime atual é
democrático. Enorme, sacrificada e respeitável conquista. A
maior prova é podermos debruçar sobre soluções. Nunca
tivemos, como povo, este privilégio. A sensação é de que
hoje estamos instrumentalizados e capacitados para,
autonomamente e sem cutículas, encaminhar construção da
grande nação cujos recursos indicaram que seria possível e
cujo crescimento populacional indicou ser necessário. Dois
motivos nos apontam que este é o momento para oportunizar
a última e definitiva ecdise: nossos "patrões da pátria" e nós
mesmos. Aqueles defeituosos, eleitos ou arrogados por
sistemas defeituosos. Quanto a nós, estamo-nos conhecendo
e reconhecendo como povo ignorante e em estágio de
evolução pouco acima da barbárie. Eventos comprobatórios
desfilam aos nossos olhos ao vivo e a cores, bem como
estatísticas cotejadas com outros países. A sociedade está
trucidando nossa juventude, nossos líderes, nossas
autoridades, juízes, policiais, delegados; por ação ou
omissão. Ocorreram melhorias, mas lentas e pontuais, além
da pouco efetividade.
Para não citar nomes, afinal a lista de pessoas e entida-
des é enorme, vamos meditar sobre o que aconteceu de 2002
até hoje. Escreveu-se, gravou-se e filmou-se toneladas sobre
o assunto. Apenas chamar-se-á atenção a aspectos pouco
enfatizados dessa sequência trágica de episódios que atin-
giram o Brasil.
Comecemos por questionar a ideia comum errada de
que a corrupção começou nessa época. Sempre existiu cor-
rupção no Brasil, sempre existiu corrupção no mundo todo e
sempre existirá. E mais, não existe comunidade hierárquica
sem corrupção. Na verdade é antiga facilitadora de relações
de troca de interesses. Há que se notar a estreita distância
entre corrupção e negociação genuína. Não vamos entrar
nesta seara se é ruim ou bom cabe aos filósofos moralistas
esta resposta. A verdade é que se mostra eficaz em situações
55
JC De Bragança
específicas. Para acabar com a corrupção é simples basta que
eleitores perfeitos elejam apenas pessoas perfeitas…

O problema de 2002 para cá é o volume, a velocidade e a


abrangência que transformou a corrupção em assalto, furto,
roubo, chantagem achaques e miríades de formas criminosas
e de apropriação indevida de valores do outro. Excedeu
muitas vezes a capacidade do país e empresas de arcar com
este “mecanismo”. O Brasil esfarelou econômica, financeira,
social e moralmente sinalizando o explosivo aumento da
criminalidade popular. E ainda, escorregando pelo periculoso
e íngreme ladeirame da falta de líder. Essa descida poderá
levar a generalizadas e custosas turbulências ou ascensão de
outra entidade hipnótica e malévola, talvez até ditatorial.
Todavia, esses momentosos eventos sacudiram o ci-
dadão comum, distanciado e complacente e o levou a algu-
mas reflexões. A primeira, sobejamente declarada, é a assun-
ção inexorável do Poder Judiciário ao papel protagonista de
látego implacável sobre o lombo dos criminosos eleitos e as-
sociados. Além de se revelar à sociedade brasileira e ao per-
56
Ecdise De Uma Nação
plexo mundo exterior que o verdadeiro pilar da
constitucionalidade brasileira é a Lei – papel que sempre se
arrogaram intrusivamente os militares – num momento em
que Legislativo e Executivo e grandes grupos econômicos se
acham nocauteados por denúncias e impopularidades.
A segunda evidência é a malícia e eficácia com que se
faz leis extremamente detrimentosas ao cidadão. Compra-se
leis com assombrosa desfaçatez. O código eleitoral – institui-
ção que deveria ratificar a democracia em qualquer país – no
Brasil é trapo remendado, fétido e circunstanciado no sentido
de perpetuar poder nas mãos de quem o conceberam e detur-
param. Forças interesseiras, fora do sistema eleitoral, colabo-
ram em manter esse cancro aberto na democracia. Com isso
não existe alternância e arejamento na política. Famílias do-
minam-na hipnoticamente desde o Império! Taí uma boa
pauta à imprensa investigativa: quantos políticos são filhos
netos, bisnetos etc. de outros políticos. Com o sistema
tecnológico de eleição mais seguro, rápido e transparente do
mundo, sendo, porém, conspurcado pelos mais nefastos
procedimentos antes da urna. Tenho a convicção de que a
maior prova da infalibilidade do CEV - Coletor Eletrônico
de Votos, (urna eletrônica brasileira) não é apenas o fato dela
ter passado pelos os inúmeros testes e desafios de
programadores do mundo todo, mas sim o fato simples de
que governantes de outros países não se dispõem a adotá-la.
Como sabemos, políticos corrupto não é privilégio apenas
nosso. Como poderia manipular resultados numa urna
perfeita?
A terceira é o desinteresse ostensivo do brasileiro pela
política e a res publica. O eleitor terceiriza a cada quatro
anos todas as decisões de governo nas urnas. Acredita
piamente no dito “todo poder emana do povo”, mas se
esquece de que na democracia "todo poder emana do povo
QUE SE INTERESSA!". No Brasil ninguém se interessa

57
JC De Bragança
mais em poder do que os piores exemplos de seres humanos.
Fácil fechar o silogismo.
Este atávico distanciamento do homem comum
brasileiro das coisas públicas, permeia toda a história. Típico
dilema ovo ou a galinha, o povo se desinteressa porque não
tem voz, ou não tem voz porque é desinteressado? Esta
mudança de atitude é pedra basilar na próxima ecdise. Sem a
atuação direta do cidadão a polis estará entregue às mãos
cobiçosas e furtadoras. Sem mudança dessa atitude o Brasil
tende a se tornar, aí sim, numa republiqueta fornecedora de
bananas, feliz, acomodada e desprezivelmente miserável.
A longa e histórica lista de problemas escancarada a
partir 2002: incompetência funcional; analfabetismo popular;
insegurança em todos os aspectos; péssima estrutura logísti-
ca; burocracia paralisante, caríssima e ineficaz; poderosíssi-
mo corporativismo do funcionalismo público; sofrível ambi-
ente de negócios; desesperadora carência na geração e nova-
ção de lideranças válidas; indefinição nacional de longo pra-
zo; eleitores venais, ignorantes, crédulos, manipuláveis e
descompromissados; predominância de meios de
comunicações publica concedida enredada ideológica ou
famélico interesse financeiro; o descomprometimento da
sociedade com a cultura, artes e o esporte em geral; baixa
produção erudita seja nas artes, ciências ou filosofia; os
desatinos fiscais. Lista longa? Talvez infinita. Como resolver
tudo isso, numa sociedade complexa com a nossa? A
fórmula é simples – a execução nem tanto – identificar e
atuar nas causas-raiz em seguida atuar nos fatores causais
específicos. Sempre pela via da ampla, franca e transparente
negociação; com a vigilância proativa da sociedade. Não
existe outro caminho com efeitos eficazes e duradouros.
Aliás, o que se pretende é que seja a última ecdise.
A origem de todos esses e muitos mais defeitos é a
falta de liberdade. A esmagadora, onipresente, equivocada e
centralizadora atuação do Estado. A incomparável e estúpida
58
Ecdise De Uma Nação
regulamentação balizando cada gesto e pensamento das
pessoas e, se possível, cobrando caro por esse assalto às
liberdades. Este é dos mais fechados países do planeta. A
Democracia, para pleno funcionamento, precisa da
permeabilidade para exercer sua mobilidade "la democrazia
è mobile", diria Verdi; imprensa livre; direito à propriedade;
voto livre, universal, direto e comprometido; alternância de
lideranças; conscrição voluntária e profissional; poderes
funcionalmente harmoniosos; moeda e ambiente de livre
competitividade econômica; sistema fiscal adequado,
aprovado e supervisionado pelos agentes que pagam;
proteção e autoproteção do indivíduo sua família e sua
propriedade como direito irrefragável; livre circulação de
bens e pessoas qualquer que seja a origem ou destino; visão
humanista de longo prazo dos recursos naturais; projetos de
desenvolvimento em áreas específicas como recursos
humanos, conhecimento, de produção e instrumentalização;
eleição da classe média e setores produtivos como heróis da
nação, pois são eles que detém volição e poder de mudanças.
Nessa altura voltamos ao dilema: o brasileiro não se
compromete com a política porque não há liberdade; ou não
há liberdade porque o brasileiro não se compromete com a
política? Como mudar? Por onde começar? Para se eliminar
vício, de alcoolismo, por exemplo, segundo especialistas, o
primeiro passo é o paciente reconhecer que possui a doença.
Todo o trabalho de cura dependerá desta dolorosa primeira
assunção. Este deverá ser o primeiro passo que a sociedade
brasileira mutagênica deverá dar, reconhecer seus vícios
principalmente de pensamentos e atitudes; pois somos povo
de sólidos e desejáveis princípios morais. Mas pensamentos
e atitudes certamente tem contribuído para males cíclicos no
funcionamento do nosso grupo.
O fundamento da mudança é descontentamento e o
poder, nem que potencial de mudar. Os poderes dominantes
desejam mudança? Claro que não. Os partidos políticos, os
59
JC De Bragança
sindicatos, a grande mídia, as corporações, as instituições
fundadas nas credulidades, as instituições estatais, pessoas
bem colocadas estão satisfeitas com a situação. Mesmo que
digam o contrário. A luta dos que estão por cima é apenas
por posicionamento relativo entre eles, não por
sobrevivência muito menos por mudanças. Esse pessoal não
quer mudar nada, apesar de terem o poder de mudar tudo.
Não só não querem mudar como cercam-se de “leis” e
“otoridades”, acenam com a bandeira do medo. “Em time
que está ganhando não se mexe”, concordo. Mas quem está
ganhando o que?
Vamos analisar a outra extremidade quem está na base,
quem é destituído de quase tudo, quem mata um leão todo
santo dia pela própria sobrevivência. Este cidadão pode até
declarar o desejo, o que acho difícil é conseguir elaborar um
interesse poderoso o suficiente de mudança, pela simples
carência de vislumbres de objetivos, pela impossibilidade de
sonhar com futuro melhor. Ainda, o mais importante óbice à
atuação eficaz do destituído, realmente, é a falta de poder
intrínseco, pois é pobre, ignorante, desarticulado, sem
relações eficazes, além de não ter tempo para elucubrações.
Pode, no máximo ser ativado em quentes manifestações
episódicas por lideranças populistas. O rico não muda
porque não quer. O pobre não muda porque não pode.
Quem restou?
A classe média, os sans-culottes. Esta tem todas as con-
dições de ser o agente de mudança, a História não só
brasileira mas universal tem confirmado esses protagonismos
nas mudanças, exatamente pelas classes médias descontentes
e, quando unidas por propósito, se tornam irresistivelmente
poderosas. Que o diga Luís XVI. No entanto, há que existir
aquele ratinho corajosos o suficiente para colocar o guizo no
pescoço do gato, ou seja, o surgimento do ecdisônio
competente, motivado, eficaz e, principalmente, corajoso
para conduzir o processo todo. Um verdadeiro El Atatürk ou
60
Ecdise De Uma Nação
Gorbachev entre tantos exemplos. Perdemos gerações
esmagadas politicamente no fatídico 64.
O que significa “guizo no pescoço do gato”? Essa lide-
rança não só terá que aplicar as mais eficazes e acertadas
ações administrativas de governo, como enfrentar poderosas
forças políticas e não tão políticas assim. E caberá a ela a
mais difícil das tarefas: a mudança da mentalidade da
população brasileira em suas mais arraigadas atitudes e até
valores, sem a qual tudo voltará a ser o que sempre foi. Esta
será tarefa mais ingente. Só para ilustrar coloquei aqui a fala
de Mustafá Kemal Atatürk, o grande estadista que guindou o
povo turco de existência arcaica; mental e emocionalmente
anestesiada num grotesco fundamentalismo religioso. Leia e
medite:

"As regras e teorias de um velho sheik árabe chama-


do Maomé e as abstrusas interpretações de gerações de su-
jos e ignorantes padrecos fixaram a lei civil e penal da Tur-
quia. Eles determinaram a forma da constituição, as mais
pequenas ações e gestos do cidadão, como se vestir, a sua
alimentação, as horas para levantar e dormir, tradições e
hábitos e mesmo os mais íntimos pensamentos. O Islam,
essa absurda teologia de um beduíno amoral, é um cadáver
podre que envenena a nossa vida. A população da república
turca, que reclama o direito a ser civilizada, tem de
demonstrar a sua civilização através das suas ideias, sua
mentalidade, através da sua vida familiar e seu modo de
vida."

Na Quartelada Catolicista da Classe Média de 1964


(QCCM64), apesar dos dramas individuais dos envolvidos,
jamais vi alguém levantar teses de que o maior prejuízo insti-
tucional causado ao Brasil pela Ditadura/Revolução de 64 foi
o estrangulamento da formação de toda uma geração de líde-
res, cuja falta sentimos agora. Pessoas que teriam acumulado
experiências e biografias cujas idades estariam por volta dos
60 e 80 anos, a faixa etária mais produtiva para atividades de
61
JC De Bragança
gerenciamento e decisões. Não os temos. Os que entraram na
politiquice reinante na época ou desistiram ou apodreceram
moralmente no processo.
A sensação que tive ao ver os eventos de entrega da se-
gunda delação e do julgamento, é de que a parte da Justiça
foi cumprida, com muita dificuldade e coragem heroica. Mas
agora é que começará a parte mais difícil e incerta: como
preencher o vácuo de poder que se seguirá? Onde encontrar
um presidente, 500 deputados, 80 senadores, 27 governado-
res, centenas de deputados estaduais, 5 mil e tantos prefeitos
e dezenas de milhares de vereadores etc. etc. honestos para
preencher ética e eficazmente essas vagas abertas? Isso pode
levar séculos! Mesmo que tivéssemos ambiente estimulante
a formação de líderes, quão insana seria a batalha pelas
mentes dos brasileiros hipnotizados por pregações
dogmáticas ensinando-lhes que suas vidas pertence aos seus
superiores, deuses, reis, imperadores e presidentes! Que não
se deve rebelar! Que não vale a pena se rebelar! Que rebelar
dói! Melhor deixar do jeito que está….
Este é o quadro atual do Brasil. Triste e desesperador
porque tudo dependerá dos brasileiros. Excitante e confiante
porque tudo dependerá dos brasileiros.

62
Ecdise De Uma Nação

63
JC De Bragança

VII

Ecdises No Brasil
Índice

"O 'coração íntimo' dos brasileiros


da época que se seguiu à proclamação da república,
se examinado de perto haveria de mostra-lhe
que existia entre a gente do Brasil, do Norte ao Sul do país,
uma unidade nacional já tão forte, quanto às crenças,
aos costumes, aos sentimentos, aos jogos, aos brinquedos
dessa mesma gente, quase toda ela de formação patriarcal,
católica e ibérica nas predominâncias dos seus característi-
cos,
que não seria com a simples e superficial mudança
de regime político, que aquele conjunto de
valores e de constantes de repente se desmancharia!"

Gilberto Freyre respondendo


às previsões sombrias a respeito da
Proclamação da República no Brasil de
um invejoso Eça de Queirós,
pois só 21 anos depois Portugal
se tornaria república,
e ele não chegaria a conhecer.

64
O
Ecdise De Uma Nação
s mais relevantes países na História passaram por
ecdises. Alguns sobreviveram e permaneceram,
outros desapareceram. Nestes, a ecdise não findou
bem. Não achamos produtivo comparações pois países,
assim como pessoas, são indivíduos em suas circunstâncias.
Os fundamentos e a história de cada um são únicos. Aqui
não se usa benchmarking.
Os resultados são referências de forma a se chegar
onde e quando decisões das nações foram produtivamente
tomadas e implementadas. Existem similitudes causais das
situações. De acordo com estudos as mutações ocorrem na
totalidade do organismo mais ou menos harmoniosa e simul-
taneamente. Dentro de condições adequadas propicia a
consequente evolução, ou extinção do organismo. Ecdise não
é crise, ela mata.
A primeira ecdise, o fogo, ocorreu num tempo onde a
vida era mais simples. Resumia-se em o que comer de dia e
não ser comido a noite. O fogo mudou tudo e mudou muito.
Na segunda ecdise, vimos, a importância da semente e da do-
mesticação. Que mudou tudo e mudou muito.
De lá até Gutemberg houve crises revolucionárias,
evolucionárias, involucionárias, mas nada abrangendo todos
os campos. O sistema feudal nada mais era do que tribos
neolíticas ampliadas e relativamente mais tecnológicas. A
impressão de livros mudou tudo. Criou Estados e
nacionalismo; acesso do cidadão a bens e riquezas
reservados à nobreza inclusive dinheiro – no sentido de que
o homem comum poderia ter na carteira. Criou as gramáticas
e léxicos consolidando idiomas; a circulação e transferência
de direitos; artes, filosofia e ciências puras, com mercados
próprios, se livraram de patronatos e suas predeterminações,
despertando com isso a irresistível revolução tecnológica
industrial. E, a mais contundente das mudanças a assunção
do homem comum ao protagonismo histórico, só possível

65
JC De Bragança
através do liberalismo e da industrialização em massa. A
evolução – com inevitáveis oscilações, é claro – prosseguiu
até o mundo que temos sob nossos pés hoje.
Como visto acima a respeito do Brasil, “fomos implan-
tados na alta idade colonial, viramos colônia na baixa idade
colonial, tornamo-nos país na monarquia, definimo-nos
poderosos, autossuficientes e independentes no império
constitucionalista e prontos a tornarmo-nos a república
democrática plena e constitucional de hoje”, vamos ver,
baseado nesse desidratado resumo, quais teriam sido nossas
ecdises. Quando, como e com quais consequências tudo
mudou no Brasil. E mudou muito.
O objetivo é construirmos a noção de como decisões
são tomadas e implementadas especificamente ao estilo
brasileiro. O que pode ser melhorado, o que deve ser
mantido e o que deve ser descartado nessa operação.
Historicamente podemos descobrir quais os tipos mudanças
tenderam a permanecer, e outros a refluir, além daqueles ti-
pos de mudanças que, por acertadas que foram, não
prosperaram.
De posse dessas observações, suas causas, agentes,
ações e omissões e resultados – que serão específicos ao Bra-
sil – se poderá, aí sim, traçar diretrizes gerais que orientar-
nos-ão na próxima e decisiva ecdise, talvez a última. O pro-
pósito deste trabalho é sugerir, apenas, forma diferente de
analisar fatos. A prescrição de terapias é outro campo.
O sistema de Capitanias Hereditárias foi projeto ti-
picamente capitalista: empreendedores na sua função de cor-
rer riscos, em ambiente de negócios promovem mudanças
usando recursos, insumos, logística, concorrência, permeabi-
lidade, segurança jurídica, vigilância institucional e sustenta-
bilidade com isso proporcionando progresso, justiça social,
segurança e, principalmente, soberania. Tudo isso cercado de
Liberdade.
66
Ecdise De Uma Nação

O agente de mudança empreendedor, ambicioso,


corajoso e persistente é o originador de tudo. Mas estará
latente até que vislumbre ambiente propício. Entenda-se por
agente não só o empreendedor corporativo, mas qualquer
pessoa ou grupo que pretenda modificar determinada
situação não só com a finalidade de auferir lucro. Artes,
áreas de caridade, política em busca de eleição, trabalhos no
terceiro setor, sindicalismo, esportes, ciências, carreira
pessoal, partido político, até mesmo dona de casa preparando
festa de aniversário pode se identificar como empreendedora.
Note-se que ao lado da atração pelo risco, o vislumbre ou
mesmo a criação da oportunidade é atributo do
empreendedor; não do ambiente ou de governo.
Uma pequena observação. O brasileiro, às vezes, tem
dificuldades com certas palavras e conceitos tais como ambi-
ção, ganância, sucesso, competitividade, lucro, poder. Aqui
67
JC De Bragança
em nossa discussão definamos ambição e sinonímias como o
aspecto motivacional de busca de realização, e não ato
pecaminoso, como crendices inculcaram em mentes mais
simplórias. A maior parte das grandes eminências bíblicas
eram senhores ricos, poderosos e, claro para isso teriam que
ser ambiciosos também. Desejo é o absoluto combustível de
qualquer mudança.
Liberdade de empreender. Algo indescartável ao
impulso de suceder e manter o desempenho nas suas diversas
fases. Os fatos demonstram que o Brasil nasceu e cresceu
liberal. Tinha-se mais liberdade aqui do que no próprio
Portugal! Pena que hoje já não é bem assim. Essa liberdade
envolve principalmente independência e amplitude de ação,
acesso a informação, tempo suficiente e segurança de
regramentos justo e consolidados além de competição
balanceada.
A principal característica dos recursos é que sejam mo-
bilizáveis em quantidade e qualidade suficientes. Recursos
humanos e não humanos com qualificação suficiente ou,
pelo menos, adaptáveis às funções. Um recurso desprezado
no Brasil é a base de conhecimento em outras palavras a
educação, a qualificação profissional e a cultura além de
know-how específico desenvolvido, próprio, importado,
pirateado enfim adquirido. Recursos financeiros, a
disponibilidade de fontes de financiamento do projeto
principalmente capital de risco ou a fundo perdido, pouco
acionado crucial na mudança. Outro aspecto importante é o
acesso a materiais de fontes confiáveis a custos certos e
razoavelmente estáveis. Isto é tudo que o sistema precisa, o
resto fica entregue ao empreendedor – afinal é do seu ofício,
correr riscos – que fará sua mágica transformando criando
em bens e serviços desejáveis e/ou necessários e, no
processo, empregos e remuneração suficiente para gerar em
consumidores válidos que adquiram além da simples
subsistência proporcionando enriquecimento material e
68
Ecdise De Uma Nação
cultural de todo o sistema. O ciclo se estende a agentes for-
necedores e mais sadio ainda à livre competição.

69
JC De Bragança

VIII

1ª Ecdise do Brasil:

Capitanias Hereditárias
Índice

“Talvez entre as dez mais brilhantes


decisões da Corte de Portugal
com relação ao Brasil
(Tordesilhas uma delas, sem dúvida)
se pode colocar a divisão
em capitanias hereditárias.
Certamente aí nasceu o país e
se construiu a nacionalidade.”
Este livro

C om o comércio no oriente explodindo de efervescên-


cia, Índia et alli, Portugal logo adquire proeminência
no cenário econômico internacional. Todas as
“comodidades” – termo versado para o inglês e usado até
hoje como “commodities” – são quase monopólios
avidamente consumidas por toda Europa. Os marinheiros
lusos bronzeados pelos sete sóis dos sete céus nos sete
mares, rústicos e ambiciosos constituíam profissionais do
mais alto gabarito. Operando tecnologia de ponta, jamais
70
Ecdise De Uma Nação
sonhada por países contemporâneos. Ninguém dominava a
marinharia de longo curso e de alto-mar como os lusitanos
na época; a cartografia; os dispositivos autônomos de
sustentação da vida; capacidade de autorreparos; espíritos e
corpos fortes, capazes de suportar as pressões dos elementos
e o sentimento de casa; soberbo trabalho em equipe,
navegação à bolina, coisa impossível às naus com vela
redondas. A Escola de Sagres – ou seja lá o que se suponha
existiu com esse propósito, muitos a contestam – seria a
NASA da época mundo concebendo e acumulando conhe-
cimentos navais que até hoje se usa.
De repente a Terra de Santa Cruz é descoberta! Com li-
mitações a Corte hesita em deslocar recursos e desviar aten-
ção para o outro lado do Atlântico, terra distante, inóspita,
desconhecida e desprovida de riquezas óbvias. Mas a desco-
berta cobra atenção. Expedições são enviadas para proteger,
explorar e levar os primeiros “degredados” colonizadores.
Logo a arabutã, ou ibirapitá, ou orabutã, ou ibirapitanga, ou
ibirapiranga é descoberta, verdadeiro ouro lenhoso. Existia
certa madeira brasil rara e cara na Ásia, que fornecia resina
vermelha. Mas esta era melhor e mais abundante, logo os as-
somados lusitanos incluíram a paubrasilia echinata no rol de
riquezas mundiais. Interessante notar que o primeiro código
mundial de proteção ambiental surgiu nesta época nas Orde-
nações Manuelinas e Filipinas que regulamentaram o uso de
recursos naturais.
Como sempre, se a riqueza por um lado produz solu-
ções, por outro cria novos problemas. Logo os navios portu-
gueses e a Terra de Santa Cruz eram alvos de intensas
piratarias, agressões e contrabando por corsários
institucionalizados pelos respectivos e desavergonhados
governos. De qualquer forma o pau-brasil havia acabado de
dar importância à inóspita e desvalorizada terra distante.
Algumas expedições de proteção armada foram deslocadas
para atender novos desafios nos 30 ou 40 anos seguintes.
71
JC De Bragança
Mas não estavam funcionado. O Brasil ainda não tinha
nascido, continuava apenas terra, uma terra distante, uma tal
Terra de Santa Cruz. Mas já terra cobiçada.
Neste momento cabe pausa para refletir sobre a índole
portuguesa, do ponto de vista brasileiro. Portugal e Espanha
eram de longe as duas maiores potências comerciais, navais
e exploratórias. Ambas as cortes extremamente católicas e
pias, porém o espírito aventureiro e ambicioso lusitano tinha
característica própria, era comercial e colonizador. Não
possuía sôfrega e sanguinária rapinagem por ouro, com que
espanhóis com malevolência dizimaram civilizações pré-
colombianas inteiras às dezenas de milhões. Os portugueses,
ao contrário dos espanhóis, pretendiam colonizar ou, se fosse
o caso implantar “vice-reinados” títeres como o fizeram na
Índia, Mombaça, Egito. Sempre atuando com boa vontade,
como explicitava o Regimento de Viagem de D. Francisco à
Índia: “que fizesse no caminho fortaleza em Çofala, fazendo
amizade com o xeque local; que partisse de Quiloa fazer
outra, tratando o rei como amigo – inimigo só se resistisse”.
Como claramente indicava a famosa carta do mesmo D.
Francisco de Almeida ao rei D, Manuel: “Que tenhamos
fortalezas ao longo da costa mas apenas para proteger as
feitorias porque a verdadeira segurança delas estará na
amizade dos rajás indígenas... abandonemos a ideia de
conquista para não padecermos das moléstias de
Alexandre”. O mesmo espírito – talvez influenciado pelo
exemplo de D. Francisco de Almeida sob o qual serviu – foi
praticado por Fernão de Magalhães, português, na
circunavegação do globo, sob a bandeira do espanhol Carlos
V. Sempre se aproximava das comunidades nativas
amistosamente e com bom ânimo presenteando-os e em
seguida propondo comércio. É importante essa distinção de
procedimento entre as duas grandes potências para se enten-
der a abordagem diferente que a teoria da ecdise dará sobre o
episódio das capitanias.
72
Ecdise De Uma Nação
É bem comum e propalada a opinião, entre historiado-
res luso-brasileiros, de que o sistema capitania hereditária foi
redondo fracasso. Que apenas Pernambuco e São Vicente
prosperaram e daí por diante. Gostaria de chamar a atenção
do(a) prezado(a) leitor(a) para a nova forma de ver os fatos
do mundo, a ecdise. As análises feitas pelos historiadores
está focada num só item: o sucesso econômico da empreitada
realizada pelos pequenos nobres convocados pelo rei. Sob
este aspecto é perfeita a análise, quem, na época investiu
perdeu com exceção de Duarte Coelho e Martim Afonso de
Souza. Modelo analítico típico que se usa até hoje. Ótimo
para se analisar crises num determinado domínio. Todavia, o
entendimento pela técnica da ecdise nos ensina a ter visão
mais holística, mais abrangente. Quando ocorre a ecdise ela
muda tudo e muda muito. Não só o rico dinheirinho do
capitão donatário.
Essa é toda a diferença.
Talvez entre as dez mais brilhantes decisões da Corte
de Portugal com relação ao Brasil (Tordesilhas uma delas,
sem dúvida) se pode colocar a divisão em capitanias
hereditárias. Certamente aí nasceu o país e se construiu a
nacionalidade. Vamos aos fatos.
Brasil até 1540 era terra distante, ignota, e sem atrati-
vos. Algumas aglomerações e aldeias existiam aqui e ali sem
expressão ou significado. Alguns calculam 2 milhões a
quantia de nativos neolíticos caçadores/coletores; falando um
milhar de dialetos, incluindo alguns cacicados mais
sofisticados. Com a descoberta do pau-brasil vieram os
assaltantes de riquezas. Se fosse deixado ao léu este
majestoso pedaço de terra teria, ao cabo de algum tempo,
sido transformado em dezenas de plantations, principados,
países, condados e outras formas mais ou menos soberanas
falando francês, holandês, inglês, alemão, árabe, turco,
espanhol e português. Em resumo babel belicosa, como soi

73
JC De Bragança
acontecer entre europeus nestes casos, sugada em suas
riquezas e deixada apodrecer em suas pobrezas. Não foi isso
que aconteceu com a África?
Esse sistema de capitanias já tinham sido utilizadas
antes com certo grau de sucesso. Portanto havia know-how a
ser aplicado. A ideia é simples oferecer a pequenos nobres,
comerciantes e novos-ricos terras devolutas no Brasil onde
pudessem investir, progredir e enriquecer. Com módica
contribuição à coroa e o concorde de que a terra e tudo
debaixo dela pertence ao Rei. Isto é capitalismo! O que fosse
produzido seria vendido à Portugal que detinha o
monopsônio. Lembremo-nos, caro(a) leitor(a), daquele
gráfico acima onde tudo começa com o agente que identifica
ambiente favorável e por aí vai. Aqui se desenvolve o
esquema em toda a sua glória. Muda tudo, e muda muito.

Capitanias Hereditárias
Primeira mudança. Todos que vieram ao Brasil o fize-
ram para tomar posse do que era ou que poderia vir a ser seu,
documentado no Foral e na Carta de Doação. Mesmo o mais
singelo dos emigrantes tinham a esperança de conquistar sua
própria data ou sesmaria e sua riqueza, nova vida enfim na
nova terra, absolutamente impensável no Portugal da época.
Criou os adventícios o sentimento misto de pertencer e de
possear. Não só com relação à Europa e Portugal deixados
para trás, mas até entre as próprias províncias locais. O baia-
no se sentia brasileiro e baiano o que era diferente do
brasileiro e pernambucano, o capixaba e o carioca. Isto era o
embrião da nacionalidade, da cidadania. O lusitano se fixava
na terra e sonhava com o futuro aqui, nos trópicos.
Estabelecia vínculos com os nativos, em vez de massacrá-
los; chegaram a constituir famílias multiétnicas. Nenhum dos
espanhóis coetâneos tiveram este sentimento, pois vieram
para a América em busca de ouro fácil e voltar o mais rápido
74
Ecdise De Uma Nação
possível para a Espanha, ricos e nobres. Conquistavam,
pilhavam e assassinavam em nome do Rei e da Igreja. O
resultado? Sabêmo-lo hoje, o Brasil filho de Portugal enorme
e íntegro soberano e pacificado em suas fronteiras em
contraste com os domínios espanhóis divididos em nove
outros países, e ainda com sérias cicatrizes étnicas e
geopolíticas.

75
JC De Bragança

As demais mudanças foram ao longo do tempo, pois


como vimos a ecdise pode se estender muito mais que crise.
A economia teve transformações, adaptações sempre no sen-
tido do progresso e enriquecimento mais ou menos equilibra-
76
Ecdise De Uma Nação
do dos dois lados do Atlântico. A cultura mudou completa-
mente com influências indígenas e africanas. Todos os seto-
res da cultura música, teatro, dança, culinária etc. Até o idio-
ma como bem proclamara pitorescamente o poeta Salomé
Queiroga “Escrevo em nosso idioma, que é luso-bundo-gua-
rani!”.
Costuma-se dizer que as capitanias foram fracassos. Ao
contrário foi sucesso retumbante não só pelo exposto acima
mas, mas principalmente, porque cumpriu todos os objetivos
propostos que era o de promover o desenvolvimento e a fixa-
ção do migrante bem como proteger à terra e suas riquezas
de invasores, além de prover riquezas à Matriz. Tanto deu
certo a grande invenção de D. João III – o ecdisônio – que,
num certo sentido, perdurou até hoje, com alguns ajustes, a
mesma divisão territorial.
Tudo mudou, e mudou muito. Por isso a implantação
do sistema de capitanias hereditárias foi a primeira ecdise do
Brasil. Mesmo com a implantação da governadoria geral em
1548 não houve alteração significativa. Apenas o estabeleci-
mento de fiscal geral da Coroa. O fato ter sido “extinta” pelo
Marques de Pombal em 1759, não mudou nada. Na verdade
o sistema foi realmente terminado por D. Pedro II em 1850.
Permanecendo divisões provinciais que se tornaram os atuais
Estados. Sucesso!

77
JC De Bragança

78
Ecdise De Uma Nação

IX

2ª Ecdise do Brasil:

Transferência Da Corte
Índice

"Dos quatro países envolvidos –


Portugal, Brasil, Grã-Bretanha e França –,
apenas o último lamentaria o evento.
Ao contrário de outros países
invadidos por Bonaparte,
a própria essência da nação portuguesa
– a família real e a corte – sobreviveu incólume,
manteve o seu reino e até mesmo prosperou
em sua rica colônia.
A presença da monarquia no Brasil
acelerou o desenvolvimento do país,
com a abertura dos portos em 1808, e,
uma vez criado o Reino Unido de Portugal e
Brasil em 1815, tornou inevitável a independência."
A Viagem Marítima Da Família Real
Kenneth Light

79
A
JC De Bragança
s extraordinárias mutações ocorridas por ocasião das
capitanias levaram ao aumento da população e da
complexidade nas interações sociais com
assimilação de novas etnias e nacionalidades; culturas e
costumes; emersão de burguesia e classe média;
consolidação das diversas expressões artísticas oriundas de
esfuziante mescla multicultural; expansão e diversificação da
economia; desenvolvimento e aquisição de novas
tecnologias; expansão geográfica e logística; despontar de
lideranças, poderes e polos de influências ideológicas entre
outras. Em resumo o organismo Brasil crescia em tudo
forçando seu exoesqueleto, criando com isso ominosa tensão
intestina que poderia levar a situações limites de conflitos e
sectarismos. A situação encaminhava-se para nova ecdise.
Revoluções e guerras sangrentas com a popularização e
desenvolvimento das novas tecnologias de morticínio armas
de fogo, granadas, canhões, metralhas, minas etc. O mundo
no século 19 não tinha a ideia ainda da letalidade em massa
da arma de fogo e seus derivados, além das novas táticas de
combate tragicamente exposto em Matabele, África pelos in-
gleses. Guerras se tornavam rapidamente em montanhas de
cadáveres. Demorou a Humanidade perceber a enorme
capacidade de se destruir mutuamente. Precisou duas guerras
mundiais e duas bombas atômicas. Mesmo assim a
predominância do estúpido militarismo hipnótico
pseudopatriótico aliado a monstruosos interesses econômico
da indústria bélica geram terríveis dramas humanos até hoje.

Hiram Maxim inventou


a metralhadora onde o
recuo pelo tiro pro-
vocava a expulsão do
cartucho automaticam-
ente. Imprimindo
velocidade de tiros de
100 rifles. Bastava o
soldado só manter o
80
Ecdise De Uma Nação
dedo pressionando o gatilho o tempo que quisesse. A
Maxim disparava 10 balas por segundo! Era a mais letal
das armas jamais inventada.
Os britânicos de Lord Kitchner tinham seis metralhadoras
Maxims contra a multidão de lanceiros e espadachins
dervixes sudaneses, seguidores do Mahdi. Depois do ata-
que, 11.000 foram morreram contra apenas 48 britânicos!
As Maxims britânicas espalharam corpos por toda a
África. Como as dos alemães; dos russos na guerra russo-
japonesa; dos franceses. Estudiosos afirmam que nenhu-
ma arma matou mais humanos na História. Com ela
acabou. a romântica noção de que guerras eram ganhas
pelo valor humano. A metralhadora tornou este valor
inútil.
Isto ficou bem patente nas Américas, onde não se tinha
ainda poder central amplo e inquestionável. Lideranças
locais acendiam estopim do que logo se espraiaria em
sangrentos conflitos armados, guerras civis e massacres de
nativos como nos EUA, no México e demais países. Na
América do Sul a independência açodada da desinteressada
Espanha instigada por glamorizados lideres populistas
provocou guerras civis em suas antigas colônias que
comprometeram por mais de séculos o crescimento e
afirmação como países soberanos. A Argentina em guerra
civil causou 60.926 mortes em combate nas 431 batalhas,
equivalente a 95 guerras das Malvinas entre 1.813 e 1.884.
Não incluídas as dezenas de milhares que morreram de
ferimentos ou pela tortura, campos de prisioneiras e apreen-
são posterior a cada ação bélica. O Chile com mais de
10.000 combatentes, Peru ultrapassa 4.000. Além da
Colômbia e da Venezuela e demais países. Não só a tragédia
do sangue irmão nas mãos e amargos ressentimentos; mas
esse morticínio desenfreado atingia principalmente
populações civis estima-se que mais de 2 milhões morreram
nesta era de caudilhismo e militarismo, dos quais 70% não-
combatentes. Isto afetou seriamente a forma de tomada
decisão e oportunização de novas lideranças, o

81
JC De Bragança
desenvolvimento econômico e a evolução demográfica
destes países que se reflete até hoje e sabe-se lá até quando.
O mundo havia já passado pela sua terceira ecdise a in-
venção da imprensa por tipos móveis partejava as revoluções
industrial e francesa. O sistema Portugal/Brasil precisava
urgente e rapidamente se reciclar, se reinserir. Mesmo em
Portugal a imprensa chegou com quase meio século de atraso
após Gutenberg. É bom registrar-se que se imprimia já na
virada do século 15 para o 16 as Ordenações Manuelinas.
Nada melhor do que a viagem de um rei para isso. A nação
precisava de novo estímulo, novos horizontes e desafios,
novos espaços. Era necessário, mudar e mudar tudo..
Permita-me breve digressão a respeito deste fato tão
grandioso. É tradição na história até em narrativas
estrangeiras a versão inverídica de que a família real fugiu de
Napoleão para o Brasil. Todos sabemos que o acanhado e
pobre Portugal não teria a menor chance de encarar o
extraordinário poder militar francês da época que estraçalhou
não só os maiores reinos da Europa, como até coalizões
inteiras de países. O estilo napoleônico era extirpar o
governante e sua família da face da Terra – como gostava de
dizer – e colocar ditador, preferencialmente da família
Bonaparte, no lugar, completando a posse sumária do país,
subjugando o povo e arrebanhando seus filhos para seu
exército sangrento. Essa versão de fuga não raro é seguido
por comentário de “rei medroso”. Só quem repete sem
meditar versões desinformadas ou maliciosas pode
compartilhar isso. Atravessar os mar-oceano naqueles
tempos era ato de extrema bravura e tenacidade. Prova é que
o único monarca que o fez foi D. João VI!
Na época o rei era o Estado como o declarara com
petulância Louis XV “L’état c’est moi”. E estes eram
mesmos os costumes da época, por isso, rei morto, antes até
de seu sepultamento, coroava-se o novo rei. Ao contrário das
democracias modernas em que o presidente é apenas peça
82
Ecdise De Uma Nação
circunstancial, permanecendo a soberania intocada,
imaculada. Os conselheiros de D. João VI há alguns anos
trabalhavam num plano de retraimento do rei para o Brasil
em caso de invasão iminente. Pois que o rei, Portugal e todas
as suas possessões, além do próprio povo, estariam perdidos
no caso de seu aprisionamento e eventual execução. Assim
como o fizera Alexandre I que falou que se retiraria para a
península mais asiática do Império. Com efeito, mudou-se
para o interior, São Petersburgo a 560 km de Moscou.,
quando o francês atravessou a fronteira ocidental.
Mais do que uma simples retirada estratégica, a coroa
portuguesa desde muito tempo antes, levou em conta a ideia
de transferir todo reino de Portugal para o Brasil. Já em 1580
se pensou nesta hipótese diante da iminente derrota do
Priorado do Crato, com a qual a Espanha reinou durante os
60 anos subsequentes; só liberado em 1640 por D. João IV, o
primeiro dos reis da dinastia bragantina.
O Marquês d’Alorna em 1801 manifestou ao príncipe
regente: "Em todo o caso, o que é preciso é que V.A.R.
continue a reinar, e que não suceda à sua coroa o que
sucedeu à de Sardenha, à de Nápoles e o que talvez entre no
projeto das grandes potências que suceda a todas as coroas
de segunda ordem na Europa. V.A.R. tem um grande
império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com
vantagem, talvez que trema, e mude de projeto, se V.A.R. o
ameaçar de que dispõe a ir ser imperador n’aquele vasto
território adonde pode facilmente conquistar as colônias
espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as
potências da Europa. Portanto é preciso que V.A.R. mande
armar com toda a pressa todos os seus navios de guerra, e
todos os transportes que se acharem na praça de Lisboa." É
bom consignar que a marinha lusa era a quinta mais
poderosa na época, atrás apenas da Inglaterra, França, Rússia
e Espanha. Além de possuir marinharia, oficialato e

83
JC De Bragança
marujada de alta qualidade. Inclusive muitos oficiais eram
ingleses.

Esquematicamente quais eram as opções de D. João,


uma vez que enfrentar Napoleão de peito aberto nem a
superpotência de Jorge III se atrevia.

(1) Fazer paz com Napoleão e perder colônias e o


Portugal europeu. Enfim perder tudo? Talvez até a vida?

Ou

(2) Manter a amizade com os ingleses, sacrificar Portugal


europeu num gambito temporário, e ficar com tudo?

Foi o que aconteceu.

Voltemos à questão, isto é, o que D. João VI fez? Co-


mecemos pelo que ele não fez. Isto não foi movimento de
salvação pessoal ou familiar, lembremo-nos de que viajar na-
quela época era colocar a si e a família em tremendo risco e
desconforto; prova disso é que jamais rei ou alta nobreza ha-
via feito viagem oceânica. Ainda mais com cerca de 15 mil
pessoas fazendo parte. Também não foi manobra política ou
geopolítico ou mesmo comercial. Não se vê aí, igualmente,
características de recuo estratégico visando reagrupar e
iniciar contra-ataque. Enfim, para mantermos a concisão, isto
foi a simples e clássica manobra militar denominada
"Operações Defensivas". Ah, se Lobengula soubesse disso
em Matabele, ou Abdullahal-Taashi em Omdurman. Talvez
não tivessem perdido os 3.000 e de 20.000 valorosos
guerreiros respectivamente...

84
Ecdise De Uma Nação
Operações defensivas são ações destinadas neutralizar
o ataque inimigo, ganhar tempo, poupar recursos e
identificar oportunidades favoráveis ao contra-ataque.
No Brasil de acordo com o Manual EB20MF10.103
Operações, do Exército Brasileiro, operações defensivas
dividem-se e dois tipos: Defesa de Posição e Movimento
Retrógrado.
A Defesa de Posição possui duas formas de ser aplica-
da, a forma de Defesa Móvel e a Defesa de Área. O outro
tipo possui três formas distintas: o Retraimento onde se tem
contato com o inimigo. A Retirada que é o movimento
retrógrado sem contato com o inimigo, com a finalidade de
evitar combate em condições desfavoráveis. A Ação
Retardadora, possui contato com o inimigo, troca espaço por
tempo, inicia em território inimigo, obedece a Matriz de
Sincronização (seja lá o que isto signifique).
O que D. João VI fez, tecnicamente, foi bem idealizada
e brilhantemente executada – daí o estado possesso em que
deixou Napoleão – Movimento Retrógrado de Retirada. Isto
não é fuga. Tanto não é que jamais D. João VI colocou os
pés fora de Portugal. O Brasil e a nau onde viajou eram
territórios portugueses também.
Quanto a rapinagem do erário de Portugal, que se lhe
atribuem, maliciosamente, foi a salvação possível do
patrimônio do povo português (do qual fazia parte o povo
brasileiro). Não fizesse isso iria para os bolsos ávidos de
Napoleão para financiar suas aventuras sangrentas e adornar
pescoço de suas duvidosas amantes. E a malícia não termina
aí, quando D. João VI voltou a Portugal mais uma vez
“rapinou” os cofres do Brasil? Que Joãozinho traquinas,
hein! Ninguém enxergou que D. João estava devolvendo o
erário português com lucros, o que por direito, como
monarca absoluto, lhe pertencia.

85
JC De Bragança
D. João VI jamais saiu do território português. Ele não
fugiu. O Brasil era colônia, província portuguesa. Mesmo
durante a viagem, na Príncipe Real, quando recebeu a visita
do almirante inglês que o escoltava na travessia. O nobre ofi-
cial notou a situação de desesperadora carência de espaço e
desconforto em que viajava o monarca e sua família, e
propôs que o rei se transferisse para as belonaves britânicas
mais bem organizadas e dotadas de conforto. D. João
permitiu que quem quisesse poderia ir, mas ele permaneceu a
bordo do sofrido navio português até a Bahia. Como se sabe
navio é a extensão território de sua bandeira. Aquele navio
era pedacinho de Portugal na imensidão do Atlântico
Essa vinda da família real para o Brasil é, sem dúvida
daquelas dez mais brilhantes decisões da Corte de Portugal.
Salvou Portugal e originou o Brasil no contexto das nações.
Não é à toa que Napoleão escreveu amargurado em suas me-
mórias que em toda sua vida guerreira bem sucedida só um o
havia logrado: D. João VI! Só faltava dominar Portugal para
ele ser reconhecido como Imperador da Europa.
Todos sabemos em detalhes as espetaculares mudanças
basilares que ocorreram no Brasil com a implantação do go-
verno português no Rio de Janeiro. Toda a capacitação deci-
sorial, burocracia de estado e o funcionamento institucional
do país foi rapidamente estruturado. Em pouco tempo o Bra-
sil estava mui favoravelmente exposto nas vitrines do
mundo. Tornou-se atrativo às mais brilhantes mentes
artísticas, filosóficas e científicas. Adquiriu musculatura
política e econômico-financeira próprias. Consolidou quase
todo o espaço geográfico. Tornou-se militarmente
respeitado. Estava pronto a entrar soberana e definitivamente
no século 19 com pompa e circunstância e muita solidez. E
principalmente desenvolveu forte liderança regional. Este foi
o legado de D. João VI, país organizado pronto a se projetar
com segurança a futuro de realizações.

86
Ecdise De Uma Nação
Tudo mudou e mudou muito. Essa foi a segunda ecdise
do Brasil. Após ela nada que não fosse previsível, aconteceu.
Mudanças setoriais, crises, trocas de grandes vultos
históricos, até mesmo de regime, revoluções localizadas.
Nada que se assemelhasse à ecdise, no sentido que temos
usado aqui. A troca de monarquia para império,
independência, sucessão de imperadores. Nem mesmo a
proclamação da república alterou profunda, abrangente e
radicalmente a sociedade brasileira nesse tempo. Nada mais
parecido com o segundo império do que a velha república.
Os mesmos políticos ou famílias, os mesmos sistemas de
tomadas de decisão, as mesmas instituições, os mesmos
problemas, e as mesmas faltas de solução. E, pior, o mesmo
povo desinteressado e hedonista. Estávamos andando, mas
em círculos e quase parando. Nesse período é que fomos
definitiva e profundamente suplantados – e de certa forma o
resto do mundo também – pelos Estados Unidos.

87
JC De Bragança

Nota de 500 cruzeiros, “rebaixada” à 50 centavos pela


astronômica inflação do “Milagre Econômico” de 64

88
Ecdise De Uma Nação

3ª Ecdise do Brasil:

Estado Novo
Índice

“Por ora, a cor do governo é puramente


militar e deverá ser assim.
O fato foi deles, deles só porque a
colaboração do elemento civil foi quase nula.
O povo chorou com aquilo tudo
bestializado, atônito, surpreso,
sem conhecer o que significava.
Muitos acreditaram seriamente
estar vendo uma parada!"
Jornalista Aristides Lobo testemunha ocular
da Proclamação da República.

P ode-se afirmar sem medo que a Terra de Santa Cruz


era, e o foi por muito tempo, a única das novas terras
que se pode chamar realmente de colônia, visto que
desde o início a Coroa portuguesa objetivou estabelecer e
fixar o homem, e não só a caça de fortunas. Nas demais
regiões, apropriadas por outras nações, o único objetivo era o
de arrancar riquezas mesmo a custa de muita destruição e
89
JC De Bragança
sangue. Confunde-se a solução colonial com a de invasão
espoliativa simples. Colonialismo está voltado à viabilização
de nova fronteira, novas oportunidades. Existe a
intencionalidade de permanência e progresso local. Na
África fica evidente a diferença entre regiões que foram
colonizadas com as "plantations" e as que foram
simplesmente explotadas.
A paisagem era de inóspita terra povoada por esparsas
comunidades autóctones além de pequenos e distanciados
núcleos familiares alienígenas, já adrede colonizadores, nas
áreas costeiras. Promissora porém frágil e desprotegida. Em
1534 acontece o parcelamento do Brasil (1ª Ecdise) pelo sis-
tema de Capitanias. Foi brilhante a solução, antecipando – e
assim tomando controle do processo – aquilo que inevitavel-
mente aconteceria com o tempo: a dilaceração em dezenas de
inviáveis e pobres países nanicos nem todos lusófonos, como
ocorreu nas terras espanholas. Este belo, variado e frutuoso
naco de natureza selvagem contínuo com mais de 8 milhões
de quilômetros, se manteria uno e indivisível sob a proteção
e orientação lusitana. É certo que a custa de muita luta
interna e pirataria externa. Os efeitos deste exitoso
parcelamento – que, tecnicamente, poder-se-ia chamar de
germinal da federalização, principalmente após a
implantação de governos gerais – permaneceram até hoje.
Com o crescimento, crises internas eram inevitáveis e
insolúveis. A tendência seria o desenrolar de infindáveis e
sangrentos conflitos sectários, causando o esfarelamento ter-
ritorial. Mas a sorte nos ri novamente, a 2ª ecdise vem na
pessoa de D. João VI, que se revelou liderança ao mesmo
tempo carismática e forte. Seu espírito democrático e
conciliador às vezes interpretado como ambíguo e vacilante,
contornou extremismos que poderiam agrava-se em conflitos
trágicos. Foi administrador no melhor sentido da palavra.
Empreendeu novas situações; organizou e ampliou a atuação
do Estado; deu ao povo a inédita autoimagem de
90
Ecdise De Uma Nação
"brasileiros"; expôs o país ao mercado mundial; gerou novos
objetivos nacionais. Mudou muito. Mudou tudo. Montou os
elementos essenciais para era de longo e firme crescimento
que se seguiria até o fim da República Velha em 1930. Neste
período de crescimento e afirmação houve problemas, mas a
estrutura e os métodos institucionais de soluções já existiam,
sempre estiveram à disposição e foram usados.
O Brasil cresceu, perdeu seu Rei, ganhou regentes,
príncipes, vices reis e imperadores. Ficou independente; en-
frentou revoltas, guerras, revoluções, levantes. Diversificou-
se. Sofisticou-se. Europeizou-se. Constitucionalizou-se. Mas
tudo dentro de determinada curva relativamente previsível: a
casta dirigente sobre a classe produtora sobre povo que não
existia no horizonte da cidadania.
O Segundo Reinado refere-se aos 49 anos de governo
de D. Pedro II que também seguiu a mesma curva, com certo
acirramento de disputas entre elites. Ideologias esboçavam-
se no horizonte político do século 19, principalmente
importadas da revolucionária Europa. O arremedo de
eleições fraudulentas e contaminadas pretendiam validar
arremedo de democracia. Mesmo assim começou a dar
mostras de exaustão operacional e perda da essencial
liderança em ambiente não democrático. O Império
enfrentou mais ou menos (pesquisa não exaustiva) 7
revoluções, 32 batalhas, 46 guerras, 2 levantes, 11 revoltas.
Desgastantes crises com a Igreja, com as forças armadas e
corrupção alastrando-se na corte. A incipiente classe média
pleiteando mais espaço político, perda de apoio de ruralistas
escravocratas e outras questiúnculas estressantes. Além da
idade avançada e doentia existência do Imperador, que não
vislumbrava sucessor válido, acabaram na serena Quartelada
Catolicista Civil da Oligarquia de 1889 (QCCO89), também
conhecida como Proclamação da República.
“Vocês fizeram a República que
não serviu para nada.

91
JC De Bragança
Aqui agora, como antes,
continuam mandando os Caiado
Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso,
antigo senador do Império

Os militares tiveram sua preponderância lentamente


erodida pela esperteza dos civis republicanos finando-se a in-
tervenção com implantação de eleições diretas – cuidadosa-
mente operadas com o voto de cabresto, o coronelismo e a
política toma-lá-dá-cá com governadores – que conduziu ao
poder o civil Prudente Morais seguido de mais doze
Presidentes. Consolidou-se o conluio chamado “política do
café com leite”, que assegurava a presidência seria exercida
alternativamente pela oligarquia rural mineira ou paulista. Os
partidos políticos tinham representação apenas estaduais
PRM (Partido Republicano Mineiro), o PRP (Partido
Republicano Paulista) e o PRR (Partido Republicano
Riograndense).
Mesmo com decisões republicanas mudancistas nos
anos seguintes, tudo continuava como sempre. A mesma
elite dominadora alternando-se entre liberais e
conservadores, a mesma burguesia ávida mas fraca e com
baixo nível de rebeldia, o mesmo povo anulado pela
ignorância e alheamento. A economia beneficiando exclusi-
vamente grandes proprietários de terra, exatamente como no
Império. A República Velha, era o resumo da forma que his-
toricamente se toma decisões no país. No Império havia o
Poder Moderador. Na República não. Ou a ditadura militar
(República da Espada) ou o poder de elites (República
Oligárquica).
O Leviatã estava enfraquecido, doente e desamparado.

E neste livro "Lusardo, o Último Caudilho", volume I,


João Batista Luzardo assim descreve as ações de
Getúlio quando governador do Rio Grande do Sul:
“Quando assumiu a presidência do Estado (Getúlio)
92
Ecdise De Uma Nação
botou todo o pessoal da administração, da polícia, tudo
para fora, porque – só para dar um exemplo – polícia
aqui só dava bandido. Os capangas do Flores (da
Cunha), os mais inocentes, tinham duas mortes nas
costas.... Bem, o finado Getúlio botou todos para fora, e
empregou gente, sem se importar se era blanco (PRR)
ou colorado (Partido Libertador), desde que fosse
competente. Foi aí que o povo obteve mais liberdade
sem distinção de partido. Aí os coronéis blancos
desapareceram quem não foi preso morreu de desgosto,
e o banditismo que reinava foi desaparecendo. Mas a
situação foi se apaziguar mesmo em 1930, quando os
dois partidos de juntaram para marchar contra o
governo federal".

Getúlio Dornelles Vargas era desses gaúchos fronteiri-


ços. Rijo, acostumado com a lide, com senso de aguerrido
nacionalismo. Todos conhecemos sua história, sua
inteligência, seu carisma e sua força de espírito. Quem não
conhece faça o favor a si mesmo e leia das suas biografias.
Nasceu em 1882, na cidade de São Borja, divisa com a
Argentina e faleceu em 1954, no Rio. Com 18,5 anos foi o
presidente que mais tempo governou o Brasil. Formou-se em
Direito e serviu no exército por certo período. Dedicando sua
vida inteiramente à política.
Originário de família muito atuante na área militar, seu
pai lutou na Guerra do Paraguai, tinha clara noção das movi-
mentações da caserna e essa intimidade teve grande valia dos
graves acontecimentos que permearia sua vida. Aspecto
importante de seu governo foi apartar a classe militar das
atividades políticas. Redirecionou as funções militares, bem
como estabeleceu programa de treinamento e capacitação
seguido de reequipamento modernizante de toda a tropa.
Ainda no governo do Rio Grande do Sul demonstrou o
descortínio e coragem de estadista. A nível nacional verbera-
va o fim da corrupção eleitoral, a adoção do voto secreto e
do voto feminino. Como dirigente no seu estado fundou o
93
JC De Bragança
Banco do Estado do Rio Grande do Sul, incentivou o
surgimento da VARIG (Viação Aérea Riograndense).
Reorganizou as finanças e deu golpe de morte na corrupção e
ineficiência da máquina pública.
Quando a oposição ganhou em vários municípios, acei-
tou o resultado das urnas, numa época em que isso era com-
portamento raro. Em reportagens do mais influente órgão de
imprensa da época, a revista “O Cruzeiro”, ficou conhecido
nacionalmente como grande político emergente. Logo que
presidente eleito do estado, atuou de forma conciliatória,
unindo forças políticas gauchas antagônicas numa grande
frente que lhe serviu de importante sustentação em seus futu-
ros voos políticos nacionais.
Apesar de declarar-se agnóstico, viu na Igreja Católica
forte aliada para o golpe de 1930. Em que pese ter possuído,
em determinados momentos, extremo poder, se revelou espé-
cie de déspota esclarecido pois caracterizava-se como grande
negociador e conciliador tendo mediado vários conflitos in-
clusive foi fundamental no Tratado Brasil-Uruguai para defi-
nição das fronteiras entre os dois países.
Grandes fatos históricos distantes no tempo geram, in-
variavelmente, versões e opiniões as mais diversas contidas
entre os extremos das explicações radicalizadas. O(A)
leitor(a) amigo(a), naturalmente esposará uma ou outra cor-
rente de opiniões, ou mesmo, o que seria muito bem-vindo,
elaborará sua própria tese. É o que tenho feito neste pequeno
trabalho.
Tudo ia bem na política pingue-pongue do café com
leite, até que na vez dos mineiros assumirem o poder os
paulistas derramaram a xícara na toalha. Da eleição em 1º de
março a 3 de outubro de 1930 dia do golpe, Júlio Prestes, o
coelho eleitoral da cartola paulista, saiu da posição de
presidente eleito com mais de 1 milhão de votos contra 730
mil do gaúcho para a de exilado.
94
Ecdise De Uma Nação
Dia 24 de outubro de 1930 a Junta Militar formada
pelos oficiais de alta patente Isaías Noronha, Mena Barreto e
Augusto Fragoso determinaram a prisão do Presidente da
República Washington Luis. Pode?!! Cinco dias depois
entregaram a faixa a Getúlio. A Quartelada Catolicista do
Estado Novo de 1930 (QCEN30) atingiu completo sucesso.
Historicamente são citadas outras causas afluentes, mas
o cerne dos acontecimentos estava contido na coragem e
oportunismo de Getúlio apoiado por forças que ele mesmo
de certa forma cooptou e coordenou, como alguns
governadores, a Igreja, e os militares e, até mesmo parcela da
população deu seu aval.
O Estado Novo não foi a excrescência que alguns ana-
listas pretendem. Na época grandes países europeus sofriam
de pesadas ditaduras. Stalin na União Soviética, Mussolini
na Itália, Hitler na Alemanha, Franco na Espanha e até o
português Salazar. Uns fascistas, outros comunistas, outros

nazistas. Enfim, ideologias boicotando a democracia. Na


Argentina a Revolução de Setembro de 1930 do General
Uriburu. Muitos destes golpes ditatoriais ocorreram no crash
de 1929.
As bem acasteladas forças da República Velha em
décadas de domínio egotístico que remontavam o Império,
95
JC De Bragança
jamais aceitariam entregar o poder apenas pelo voto
democrático. Um poder com estrutura e funcionamento
jamais contestados por oposições válidas – o índice de
eleitores na vitória de Prudente de Morais, o primeiro
presidente civil, foi de menos de 2% da população, mesmo
assim votos contaminados. Só por ato de força se quebraria a
poderosa gangorra café com leite.
Os velhos oligarcas e seus métodos herméticos de
tomadas de decisão estavam extintos, ou, pelo menos,
letalmente feridos; e com eles o coronelismo com seu voto
de curral. O Presidente trabalhava num plano para eliminar
em definitivo o predomínio sufocante da classe rural: a
industrialização moderna do Brasil. Provisório,
constitucional, ditador ou eleito democraticamente não
interessa muito à tese deste livro os papéis exercidos por
Vargas, senão a visão do grande quadro da ecdise e seus
efeitos.
Com poderes quase ilimitados, Getúlio Vargas passa a
implementar políticas de modernização do país. Não sem a
reação que desembocou na Revolução Constitucionalista
Paulista de 9 de Julho 1932, rapidamente levada à rendição
em 28 de setembro. Mesmo com inequívoca vitória, a reivin-
dicação dos republicanos de promulgar a Constituição de
1934 é atendida, porém trazendo novidades jamais sequer
sonhadas nos governos e regimes anteriores. Por outro lado
passou a nomear interventores federais desembaraçando-se
da contumaz corrupta política de governadores. Os estados
perdiam grande parte da sua autonomia política
Não é objetivo destas linhas o relato histórico, as narra-
tivas aqui visam ilustrar a tese da ecdise, como mudança
grande em todos os aspectos do organismo. Muito mais do
que se pode elencar com visão circunscrita à análise de sim-
ples crise. A Era Vargas foi muito mais do que isso.

96
Ecdise De Uma Nação
Instituiu o voto secreto retirando aos “coronéis” o con-
trole sobre eleitores facilmente realizado quando o voto era
declaradamente aberto. As mulheres passaram a ter o direito
ao voto; a título de comparação a Suíça só reconheceu o voto
feminino a nível nacional em 1971. Também o reduziu a ida-
de do eleitor de 25 para 18 anos. E criou a Justiça Eleitoral.
O ensino primário tornou-se obrigatório. Extraordinário salto
de qualidade do indivíduo rumo à cidadania. Como
estaríamos hoje sem esta simplória iniciativa, quando
constatamos que mesmo assim, quase um século depois,
amargamos acima de 10% de analfabetismo?
Reconstruiu a carcomida estrutura administrativa do
Estado. Revelando a preocupação com a população elevando
em nível de ministério as áreas trabalhistas, da indústria, do
comércio bem como da educação e saúde . "A História da
Saúde Pública no Brasil da instalação da colônia até a
década de 1930, as ações eram desenvolvidas sem
significativa organização institucional. A partir daí iniciou-
se uma série de transformações."[1001]
Visando maior eficácia no comércio internacional lan-
çou a Política de Valorização do Café (PVC), criando tam-
bém o Conselho Nacional do Café, além do Instituto do Ca-
cau. Mudanças essas que perduram até hoje. Em 1933 exigiu
ampla auditoria da trágica situação do endividamento exter-
no. Este estudo embasou a brilhante negociação com os cre-
dores acordada em 1943, com redução de 60%! Por esse
tempo foram fundadas a FIESP, e a OAB. Enfatiza a
industrialização de base o que induziria o deslocamento do
centro de gravidade da economia e da sociedade para áreas
urbanas. Industrialização mais urbanização igual a terreno
fértil à manipulação das massas através de ideologias de
força e domínio seja de esquerda ou de direita.
O fato do Partido Comunista Brasileiro existir desde
1922, não impediu que Vargas o declarasse ilegal em 1935,

97
JC De Bragança
causando o levante chamado Intentona Comunista que se se-
guiu e foi facilmente superado, mas devidamente
aproveitado para justificar o golpe de 1937. O Brasil não
conseguiria passar incólume por aqueles conturbados anos
do início do século 20, abalados pelas guerras ideológicas.
Aqui também as duas principais correntes a Direita com
pregação de governo corporativista; e a Esquerda estatizante
e com planificação central. Ambos centralizadores. Ambos
incompatíveis com regime democrático. As grandes
discussões políticas atingiram amplitude nacional – ao
contrário dos partidos regionais estaduais da República
Velha – seriam a semente dos três grandes partidos nacionais
PSD, UDN e PTB.
Na verdade ameaça de comunização do Brasil foi exor-
cismada pela Consolidação das Leis do Trabalho (C.L.T.) no
dia 1º de maio de 1.943 no campo do Vasco, Estádio São Ja-
nuário, pelo presidente Getúlio Vargas: “O trabalhador
brasileiro possui hoje seu código de direito, sua carta de
emancipação econômica. Ele sabe perfeitamente o que isso
vale.” Sem perseguições, prisões, mortes ou outras
violências. Por motivo muito simples: tirou a bandeira de
propagandas populistas da esquerda! A C.L.T. era e continua
a ser, tão avançada e completa que os anarquistas não
conseguiam mais construir discurso com ressonância junto
às emergentes classes operárias urbanas. Astuta manobra que
preveniu a crescente pressão do incipiente trabalhismo
industrial. Até hoje estudiosos não chegaram a consenso se
era real gesto de proteção social ou manobra de contenção
dos agitos trabalhistas. De qualquer forma impôs o
trabalhador como sujeito de direitos. A minha opinião é que,
um monumento legal complexo e abrangente como aquele
não se constrói de afogadilho visando apenas contornar crise
localizada. Aliás, a bem da justiça esta obra prima foi lavra
de Lindolfo Collor. Foi exaustivamente pesquisado, estudado
e construído. Jamais seria implantado, a não ser num regime
98
Ecdise De Uma Nação
forte. Agora o mundo mudou e a CLT tem que ser
atualizada.
A Quartelada Catolicista da Classe Média de 1964
(QCCM64) não percebeu que o risco de comunização já ha-
via sido extinto há décadas. Nem a esquerda nem a direita.
Aquela embarcando numa patética aventura brancaleônica;
esta usando canhão para matar rato, de quebra destruindo a
casa. Desembarcando num regime militar com desastradas
decisões, a mente binária – como deve ser mesmo – de mili-
tares assessorados por economistas experimentalistas incon-
sequentes, surfaram tolamente na onda de excessiva solvên-
cia mundial. Abandonaram o país arrastando inflação
estratosférica, enterrado em dívida impagável (moratória de
1987) e rastro de obras faraônicas abandonadas e sucateadas
no tempo. Em que pese os tristes dramas pessoais e fa-
miliares, o maior prejuízo que essa tolice causou ao país foi
sufocar três gerações de vocações políticas. Hoje o país paga
alto preço por não ter lideranças alternativas conhecidas.
Trancado o último político ladrão corrupto, quem guiará o
país?
Sem contar que, ironia das ironias, a QCCM64 não só
criou aquilo que se queria evitar pela força: o crescimento
das esquerdas, como glamorizou-as tanto com as
perseguições, prisões e torturas que elas se tornaram heroicas
forças políticas após 1985, incrustadas no imaginário
popular. Nem Dedé, Muçum e Zacarias teriam sido mais
perfeitos no papel de Trapalhões. As esquerdas elegeram
presidentes por 14 anos, tempo suficiente para destruir a 8ª
economia do mundo. E mais, meu(minha) caro(a) leitor(a)
essas autodenominadas esquerdas se revelaram nem de
esquerda, nem centro ou nem de direita. Seus líderes nunca
foram políticos, mas sim criminosos comuns com boa lábia.

99
JC De Bragança
Getúlio morto. Dutra presidente. País “mordendo os
freios” para crescer e se frutificar rumo ao futuro brilhante
de respeitável e democrática potência mundial. Instituições
implantadas. Burocracia moderna e eficiente. Os três poderes
harmônicos entre si. Enfim estávamos em nível de cruzeiro
navegando com excelente nau. A confiança, era tão grande
que floresceu Brasília, estradas asfaltadas, indústrias pesa-
das, novas fronteiras agrícolas, reformas fiscais, extensas
infraestruturas, poderosas empresas estatais, inúmeras
faculdades, crescimento assombroso. Tropeços políticos aqui
e ali, com a tal “Revolução/Ditadura”, cassações de
presidentes, manifestações. Enfim, tudo normal num país
que busca.
Só que não.
A sensação que permanece é que falta crescermos por
dentro. Na verdade só inchamos. A ignorância é a mesma,
seguida da mesma pobreza, provincianismo, isolacionismo,
individualismo, falta de cultura e educação, péssima
administração pública, sem planos e rumos e dependência
externa de séculos atrás.
Será que estamos num maelstrom sem salvação?

100
Ecdise De Uma Nação

XI

4ª Ecdise do Brasil:
Nossa Vez? Diagnóstico
Índice

“O desenvolvimento do capitalismo
consiste em que cada homem tem o
direito de servir melhor e mais barato
o seu cliente. “

Ludwig Von Mises


As Seis Lições

A té agora foi apresentado o sistema de ecdise dentro


de análise histórica com exemplos. Com a mesma
ferramenta faremos a anamnese do organismo
Brasil. Aquelas perguntas que o médico faz sobre nós ou
nossos parentes se tiveram tais e tais doenças, alergias etc.
As origens, suas características, seus defeitos e qualidades
através do tempo. Suas permanências e mutações. Essas
reflexões podem aparentar de feitios muito superficiais, e é
assim que tem que ser mesmo.. Afinal estamos perseguindo
visão generalista, subindo a árvore mais alta para o maior
horizonte possível. Sem visão geral, distanciada de
minudências e de cotidianos, não conseguiremos identificar a
causa raiz, e, portanto, vislumbrar a solução raiz.
101
JC De Bragança
Detalhamentos, deixemo-los para os chefes de
departamentos.
Agora é a vez do diagnóstico atual do paciente.
Não se pretende culpabilizar, mas diagnosticar. Na so-
lução que propomos, primeiro devemos alterar a cultura
reativa para a preventiva. Herdamos de doutrinas místicas a
atitude e o pensamento de que deve-se identificar o culpado
e condená-lo, sem nenhuma preocupação com as causas para
evitação. Usaremos simples e intuitivas técnicas de buscar
causas-raiz, pois ao identificá-las chegaremos à conclusão de
que, apesar da aparente complexidade, os problemas poderão
ser resolvidos com mudanças em poucas variáveis troncais
dos feixes de problemas, a partir daí o próprio sistema
cuidará de se reciclar ou se for o caso de se recriar. A é
chamada Análise da causa-raiz (RCA – Root Cause
Analisis). O objetivo primário da análise da causa-raiz é
identificar os fatores que resultaram na natureza, magnitude,
localização e temporalidade das consequências de um ou
mais eventos; determinar quais atitudes, comportamentos,
ações ou inações, bem como condicionantes deverão ser mu-
dadas para evitar ou provocar (no caso de serem alvos
desejáveis) recorrências e, finalmente identificar lições que
promoverão o comprometimentos de agentes com melhores
consequências. Para saber mais sobre a técnica consulte o
resumo Anexo 6: Análise de causa-raiz – RCA.
Transcorreu-se 274 anos desde a 1ª ecdise das Capi-
tanias até a 2ª de D. João VI, e mais 121 anos desta até a 3ª
do Estado Novo. Depois do profundo e abrangente legado de
Getúlio nenhuma alteração extensiva ocorreu que se possa
enquadrar como ecdise. Crises foram tantas e tão graves que
sustos e incertezas nos foram companhias constantes nestes
anos todos. Ainda o são. Nenhuma delas determinante ou
ampla o suficiente que mudasse o país e o povo para patamar
que o tornasse irreconhecível em relação ao anterior. Como
aconteceu com o país e o povo após as Capitanias; ou com o
102
Ecdise De Uma Nação
país e o povo após D. João VI; ou com o país e o povo após
Vargas. Lá se vão 65 anos de Brasil titubeante, sem âmago e
sem destino.
Na verdade estamos como aqueles antigos discos de vi-
nil riscados que ficam eternamente repetindo a mesma faixa.
O povo é o mesmo que foi erguido pelo trabalhismo de
Getúlio, incomparavelmente melhor e mais presente do que
eras pretéritas porém ainda ignorante, supersticioso,
emotivo, cirenaístas, desinteressado, individualista e
manipulável. Não culpemos os 15% de analfabetos, eles não
são decisivos. Culpemo-nos, os 85%, que sabemos ler e não
lemos, ou lemos besteiras inúteis.. Aliás, culpemo-nos pelos
15%!
Técnica e tecnologicamente, além de populacionalmen-
te crescemos, claro, o mundo nos arrasta pelas orelhas ao
modernismo consumista, afinal o ele precisa é de mercado.
Entretanto continuamos os mesmos, não evoluímos de forma
inerente e decisiva. Não pesquisamos, desenvolvemos,
produzimos e nem dominamos qualquer ciência teórica ou
prática. Nem qualquer filosofia. Nem qualquer arte –
ressalvada a música popular, na qual somos o único país do
mundo a ter alternativas modernas aceitáveis ao envelhecido
rock’n roll. Não temos prêmio Nobel (Argentina tem cinco),
outros cinco países da América do Sul, além de México,
Costa Rica e Portugal o conquistou. Não temos prêmio
Oscar. Conquistamos o Palma de Ouro de Cannes pelo
excelente “O Pagador de Promessas” lá nos anos 60.
Produzimos só 1% das publicações científicas sérias no
mundo, o Chile produz mais. A inglesa "Nature" nos acusa
de produzir “lixo científico”.
A lista de incompetências do Brasil é longa e foge ao
escopo deste trabalho. Continuamos como exportador de
commodities. Como diria, 370 anos atrás, D. João IV “A
vaca leiteira do mundo”. Só que bem pior, sem a propriedade

103
JC De Bragança
das sementes, dos defensivos e dos nutrientes, bem como dos
maquinários todos importados ou royaltados. Sem o
provimento dessa tecnologia estrangeira e cara, a agricultura
de exportação brasileira seria quase zero. O que consola é
que o domínio das ultra-corporações é mundial: 90% da
produção de grãos no mundo são controlados por cinco
empresas. Seis empresas os agroquímicos, absolutamente
essenciais na produção agropecuária moderna. A Monsanto,
Cargill, Nestlê e WalMart imperam na produção e
distribuição alimentícia no planeta; da semente às prateleiras.
Por isso um forte projeto de desenvolvimento de pequenas
propriedades rurais diversificadas (reforma agrária), não é
questão humanitária ou social. Mas problema de segurança
alimentar estratégica do país.
A indústria também. Até a incensada Embraer importa
tudo desde o rebite até os motores e tintas. Louve-se
enfaticamente a competência dos projetos, que são realmente
extraordinários e legitimamente brasileiros; desenvolvidos, é
claro, em supercomputadores e softwares importados. Não
temos fábricas massificadas de veículos rodoviários,
ferroviário, nem navais, nem motocicleta, nem mesmo
bicicleta. Muito menos autopeças e componentes. Isso se
repete em todos os setores industriais como eletroeletrônicos,
linha branca etc. Na indústria produzimos imóveis e móveis,
mesmo assim com tecnologias anacrônica com baixo nível
de automatização, além das indústrias calçadista e de
vestuário. Somos absurdo deserto de 200 e tantos milhões de
seres que não criam nem geram nada intencionalmente.
Tudo no Universo possui estrutura, função e relação.
Inclusive o Brasil. Usemos esses módulos para fazer
flagrante fotográfico, meio desfocado por causa da
cenarização generalista, e sem detalhamentos numéricos,
tabelas ou gráficos. Comecemos pela estrutura material.

104
Ecdise De Uma Nação
Estrutura Biogeográfica
Herdamos o mais extraordinariamente enorme, confor-
tável e rico pedaço contínuo de terra, água e clima do
planeta. Com orografia e climatologia amistosas
proporcionando excepcionais qualidades agroedáficas e
vivencial em grandes extensões; basta lembrar que nossos
nativos pré-cabralinos circulavam em total nudez e moravam
em rústicas choças, coisa rara em outros continentes.
Fronteiras externas e internas pacificadas e consolidadas,
cujo único custo de manutenção é da vigilância policial
contra tráficos ilícitos. Estados e municípios há muito
definidos em suas divisas partilham cultura, idioma e sentido
nacional sem desavenças religiosas, étnicas, nacionais ou
culturais.
Com seis biomas bem definidos, floresta tropical da
Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampas e o
maior Pantanal do mundo. Citemos ainda o rico e
diversificado bioma marinho que se constitui de vários
ecossistemas por 9.200 km de costa. E a extensa rede fluvial
que em si forma vários ecossistemas.
Aquinhoado com 11 classificações climáticas Koppen-
Geiger desde a Linha do Equador até o paralelo 33 no Chuí;
e 13 diferentes classificações de ordens solos e subclassifica-
ções. Nessa verdadeira sucursal do Jardim do Éden, a produ-
ção da terra – seja agricultura, criação ou extração, caça ou
pesca – não se poderia revelar mais notável. Caminha intuiu
mui perfeitamente, qualquer coisa aqui plantada teria
sucesso.
Nesta área não temos problemas, desde que cuidemos.
Estrutura de Industrialização
A indústria, na sua complexidade, é tributária de diver-
sas outras áreas. O fator iniciador do processo industrial é a
iniciativa individual do empreendedor, tudo começa ou se
105
JC De Bragança
frustra aí. Desde que encontre ambiente de negócios
minimamente estimulante e confiável. Os outros dois
grandes componentes mercado e insumos, o empreendedor
consegue viabilizar. Quando Ford iniciou a produção em
massa de veículos seus primeiros compradores foram seus
próprios empregados, a partir desse nicho aconteceu
progressiva adoção da “carruagem sem cavalos”. Este é o bi-
nômio que assegura o sucesso da indústria: empreendedor e
ambiente favorável de negócios.
Realizadores visionários brasileiros sempre existiram
com diversos graus de sucesso, mas o ambiente favorável ra-
ramente aconteceu de forma continua. Desde o domínio por-
tuguês quando era proibido à colônia manufaturar seja lá o
que for – apesar de terem desenvolvido incipiente invenção e
produção de maquinários para indústria de açúcar, e não fo-
ram enforcados por isso – passando pelo Império onde tími-
dos programas de incentivos não foram suficientes. Só mes-
mo na era Getúlio seguido por Juscelino Kubitschek é que se
levou mais a sério a industrialização. Mas, nunca se passou
do estágio de multinacionais instaladas aqui. Se algum dia,
por quaisquer motivos, as indústrias estrangeiras deixarem o
Brasil, viraremos gigantesca Cuba, que até hoje lustra
carinhosamente Cadillac americanos de 80 anos atrás. Em
resumo não temos indústria brasileira, apenas indústria
estrangeira instalada aqui.
Sem indústria, sem soberania. Em 2005 o governo
americano, simplesmente, vetou a venda de aviões Tucanos
da Embraer à Venezuela e à Bolívia, o que na época
significava 22% do faturamento da empresa. Poderiam ser
alegados motivos ideológicos. Mas em 2015 novamente aos
Emirados, que são parceiros americanos no oriente médio.
Com que poder um país proíbe a exportação de outro país?
Simples: supply chain. O Brasil é o terceiro maior produtor
de bauxita no mundo, cai para décimo lugar na produção de
alumínio primário, e desce mais ainda pois nos tornamos
106
Ecdise De Uma Nação
importadores de ligas finas de alumínio. Até os rebites
usados nos aviões da Embraer são importados! Essa é a força
do veto. Este drama industrial se repete em todos os ramos.
Não existe política industrial estratégica no país.
Ainda na área do alumínio em 2006 todo o complexo
bauxita-alumina-alumínio da Vale foi vendido à Norsk
norueguesa por 2 bilhões de dólares. Na década seguinte
importamos 2 bilhões de dólares da Alcoa! Que com
dumping safado quase quebrou a Alunorte. Aí tem muita
história nojenta escondida. Não vou irritá-lo(a) com mais
exemplos, caro(a) leitor(a). Já está justificada a assertiva de
que se deve ter cuidado em desenvolver e proteger a
indústria realmente nacional. Não estatizando. Não criando
monopólios. Não abrigando da competição mundial. Isso
atrasa o progresso. A indústria deve estar exposta à
competição internacional, para contínua atualização. Precisa-
se parar de exportar aço a US$ 700/tonelada e importar a
US$ 20.000 na forma de carros e royalties. Ver os alemães
vendendo café por preço 5 vezes maior do que paga a nosso
encantado cafeicultor. E ainda fazer a marca deles, o mundo
todo quer tomar “café da Alemanha”, sendo que não existe
um pé de café plantado em toda Europa.
Estrutura Logística
Esta é das áreas que estrangula seriamente todas as
outras. Afeta inclusive o direito de ir e vir do próprio indiví-
duo. É sobejamente conhecido as péssimas condições rodo-
viárias; da falência dos Correios, empresa monopolista esta-
tal; da ridícula distribuição de aeroportos no território; dos
escandalosamente ineficientes e caríssimos portos – em 144
países ocupamos a 135ª posição segundo Fórum Econômico
Mundial; nos transportes de longo curso renega-se o ferro-
viarismo e a extensa rede fluvial interna; sem considerar que
a cabotagem praticamente se extinguiu com 8% de participa-
ção na matriz de transporte de cargas (contra os 38% euro-

107
JC De Bragança
peus e 50% chineses). Em tempos de aquecimento global é
de se estranhar a baixa ocupação deste sistema menos
poluente,. O minúsculo uso ainda que se faz do
dutoviarismo. E para concluir, o atroz gargalo diário do
trânsito urbano e do transporte de massa, mesmo em cidades
médias. Foram realizados avanços com o pedagiamento de
rodovias, mas foi gravemente frustrado pela corrupção e
incompetência gerencial e fiscalizatória.
Mesmo levando-se em conta a modernização e
atualização política e gerencial a partir dos anos 90 onde
geração, transporte e comercialização de eletricidade para
atuais volumes de consumo possa ser considerado próximo
da suficiência; num quadro de aceleração das atividades
econômica, poderá se tornar grave empecimento. É notória e
invejada a abundância hidrológica do país, todavia, o su-
primento e distribuição de água potável ainda é problema sé-
rio. Morre-se por diarreia ainda no Brasil.
Tem-se ainda grande carência na capacidade
armazenagem técnica de grandes volumes, o que
compromete possibilidades especulativas e a lucratividade,
principalmente do setor primário; até mesmos contêineres
eventualmente faltam no Brasil.
Não se pode esquecer que ainda faz parte da logística
física o descarte adequado do lixo doméstico e hospitalar, as-
sim como os rejeitos industrial, refugos, lixos radioativos e
eletrônicos, rede e tratamento de esgoto. Até mesmo o plane-
jamento de implantação de necrópoles visando a não conta-
minação de águas subterrâneas.
Na logística temos graves e volumosos problemas,
porém, de relativamente fácil solução. Basicamente, depende
de vontade política e financiamentos. O mundo está ávido
para comparecer a esta grande festa de restauração da logísti-
ca brasileira.
Saltemos para as funções agora.
108
Ecdise De Uma Nação
Função de Conhecimento
A atividade mais crítica de qualquer espécie animal é a
transferência de conhecimentos, habilidades e sentimentos
entre gerações. Na espécie humana existe o agravante de ser
causa de progresso, estagnação ou até desaparecimento de
civilizações inteiras. As que desde cedo desenvolveram
sistema prático de cumprir esta função, como escrita e leitura
popularizadas, forte laços de tradição, apanágio de história
comum, visão grupal estratégica, mecanismos eficazes de
crítica e substituição de lideranças, certa liberdade de opinião
e realização, etc. Estas características grupais concorrem
para três fatores principais. O primeiro responsabilidade pela
coesão e funcionamento difundida entre os participantes
através de mecanismos de estímulo e coerção; segundo o
ambiente favorável ao surgimento de novas lideranças; e por
último, devido a cultura própria solidamente arraigada, a
segurança de poder ser permeável e participar de
enriquecedoras interações com grupos alienígenas. O corpo
de conhecimento é tão poderoso que resiste até a diásporas
ou movimentos migratórios. Como exemplo de permanência
nota-se que antigas civilizações possuidoras de capacidade
de transferência eficaz como os semitas e do extremo
oriente. Outras desapareceram como culturas, em seu lugar
surgiram descendentes genéticos mas não grupais.
A fonte originária dessa transmissão é o círculo
familiar de onde emana narrativas intuitivas ou formais,
conações e ações reflexas observadas internalizadas
indelevelmente na criança, vindo a ser corolário do futuro
adulto. Em idades subsequentes o indivíduo gradualmente
assenhora-se do processo conciliando-o com sua
personalidade, seus objetivos e estímulos ambientais.
Valores arraigados ainda na infância são de difícil
gerenciamento. Atitudes e comportamentos derivam
fundamentalmente desses valores. A fonte de muitos dos
graves conflitos que ocorrem, através de séculos, entre
109
JC De Bragança
tribos, etnias e nacionalidades podem ter sua gênese
identificada nessas raízes profundas das quais o indivíduo
não tem consciência, e quando a tem, encontra enormes
dificuldades em corrigíolas. Como contestar os graves ensi-
namentos dos mais velhos?
O julgamento que se faz da transferência de conheci-
mentos na história brasileira oscila, dependendo da área ana-
lisada, entre péssima e ruim. Começando pela fonte primária
nota-se, sem muito esforço, que a formação familiar da
criança é prescritiva do tipo “jamais faça isto” ou "cuidado
com aquilo" ou ainda "não posso permitir que meus filhos
tomem conhecimento disto" etc. Verdadeiro
enclausuramento comportamental. Esta excessiva proteção
acaba entregando adultos seguidores de scripts
idiossincráticos, produzidos por ascendentes ocupados com
suas existências, ou inseguros, ou frustrados em suas
próprias realizações. Pouco existe na educação parental que
estimule a criatividade, a inovação, ao expor-se a riscos, à
polêmica, a boa transgressão. O fracasso é introjetado como
algo a ser temido e evitado a todo custo. Quem erra se expõe
ao opróbrio público, na visão desses formadores, a pessoa
em formação corre o risco de se ver estigmatizada toda vida
pelo erro. A pessoa se transforma no erro. Educar assim é
educar para o fracasso ou no mínimo, para a mediocridade.
Também existem reforços deterministas negativos
destruidores da autoestima e da motivação do tipo "isto não é
para seu bico" ou "não adianta nós somos pobres" ou "você
acha que já não tentaram isto?" ou simples "não vê que isto é
loucura?", "porque não arruma coisa séria para fazer?",
"você pensa que é fácil assim?". Nem precisamos nos deter
nas observações e censuras grosseiras e absurdas frutos de
preconceitos intolerantes defeituosos a respeito de
comportamentos, gêneros, sexo, profissões, nacionalidades,
etc; pois estes estão na pauta de debates diários. Isto tudo
ocorre dentro do ambiente familiar, certamente com as mais
110
Ecdise De Uma Nação
inquestionáveis boas intenções de amorosa e cuidadosa
elaboração do futuro adulto. Neste contexto o jovem está
absolutamente indefeso: como questionar a sabedoria de sua
ancestralidade? Numa circunstância de ecdise, onde tudo
muda, o indivíduo provavelmente terá que visitar seus
conceitos mais profundos e, desaprendê-los, substituí-los ou
pelo menos reconstruí-los à luz da nova realidade. Uma
desconstrução criativa.
No campo da escolarização, propriamente dita, existem
os três níveis tradicionais: a alfabetização básica, o conheci-
mento funcional e a graduação técnica. De todos sabemos ad
nauseam os inúmeros problemas. O menor deles é a falta de
verbas. O segundo maior é a falta de clara conceituação do
que a sociedade deseja, precisa e pode esperar da educação.
Ouve-se com muita frequência de que os problemas do
Brasil se resolvem apenas com mais e melhor educação.
Será? Desconfio de que a raiz-causal do eterno malogro da
escolarização no Brasil é a falta de educação. Educar para
escolarizar.
Voltemos ao ambiente familiar.

Aqui, querido(a) leitor(a), chegamos ao âmago do pro-


blema da educação ou “a transferência de conhecimentos,
habilidades e sentimentos entre gerações”, não só no Brasil,
mas no terceiro mundo em geral. Não formamos leitores
logo, não temos sonhadores. Sem sonhar como se manter
motivado por década ou mais nos pesados labores do
aprendizado? Ou em qualquer atividade trabalho, hobby,
família, etc. O sonho é que nos sustenta a motivação. O
sonho inspirado de fora para dentro ao longo do tempo torna-
se propriedade pessoal. Porque o "Pequeno Burguês" de
Martinho da Vila, depois de tanto esforço terminou em
frustração, mesmo depois de formado? Porque ele estudou
para "subir na vida", para ganhar mais dinheiro, para ter mais
conforto, para ser mais respeitado. E não para realizar seu
111
JC De Bragança
sonho! O "Pequeno Burguês" jamais leu livro de príncipes,
aventuras, amores, Jules Verne, Lobato, Pinóquio, Cinderela,
Robinson Crusoé. Como criará o personagem com o qual se
identificará pela vida? Qual façanha o encantou a ponto de
querer ser marinheiro, enfermeira, piloto, guerreiro, médica,
detetive, bailarina, professor, cientista, astronauta? Sem
contar as importantes lições morais onde o personagem
enfrenta as vicissitudes e antagonistas na sua saga com força
e determinação, arriscando-se, cometendo erros e no fim
recebe as glórias de herói, as vezes acompanhadas por um
"felizes para sempre".
Quando Einstein disse que a imaginação é mais impor-
tante do que o conhecimento, queria dizer exatamente isto:
da imaginação, da fantasia, do sonho brota o conhecimento.
Não o conhecimento morto “múltipla escolha”, mas o
conhecimento perseguido e assenhorado, libertador,
viabilizador daqueles mesmos sonhos.
Nossas crianças sonham?
Pode ser que o(a) leitor(a) amigo(a) esteja pensando,
“mas nos dias de hoje, com tantos vídeos, internet etc, qual o
atrativo que livro pode exercer?”. O livro é fascinante porque
ao se ler compõe-se com o escritor. Participa-se ativamente
na história. No livro o leitor é intimado a idear seus persona-
gens, ambientes, sons, coisas e tudo mais. No livro temos
que comparecer com nossa fantasia mais íntima. Por esse
motivo a literatura sobreviveu milênios e jamais morrerá.
Mas voltemos à escolarização. “Viajemos“ numa cena.
Crianças cheias de fantasias, sonhos, personagens e histórias
no seu primeiro dia de aula. "Tia, é verdade que os bichos fa-
lavam antigamente?". Já pensou, querido(a) leitor(a), como
reagiria a professora a essa surpreendente e linda pergunta
no primeiro dia de aula? Que avenida gloriosamente
iluminada não se abriria nesta classe? Num instante, de
professora ela seria sublimada à mestra, talvez uma fada-
112
Ecdise De Uma Nação
mestra. Ela vai dar o máximo de si para transformar esta
pergunta aparentemente tolinha, numa jornada de
conhecimento lúdico, inesquecível e estimulante à essas
crianças. Ela conduzirá pela mão essas mentes férteis, crédu-
las que descobrirão, com ela, que sonhar é preciso.
Perdoe meu entusiasmo, juventude mexe comigo...
O resto já está no projeto dos especialistas, são apenas
detalhes técnicos aguardando a decisão volitiva. Coisas
como verbas, estrutura física, formação e remuneração de
professores, grade curricular, disciplinas, normas,
hierarquias, administração. Resolvida a base o restante da
pirâmide, automaticamente, se ajustará. Porque a solução da
base já foi deflagrada pelos adultinhos em busca de seus
sonhos. Eles apontarão e requisitarão os recursos. Ai de vós,
decisores, se não lhos fornecer!
Concordamos, lá atrás, que o segundo maior problema
da escolarização é a falta de clara conceituação do que a
sociedade deseja, precisa e pode esperar da Educação. Escola
eficaz é item caro sob qualquer prisma. O retorno é de longo
prazo quando acontece. Seja patrocínio familial ou estatal
deve ser feito de maneira planejada e consciente. É
assustador que noivos ainda não tenham aberto a sagrada
caderneta de poupança para educação dos futuros filhos – é
assim que se faz no primeiro mundo, sabia?. Existe ainda
certa filtragem social, econômica e étnica à participação do
bolo da educação pública. Isto é defeito de toda a sociedade,
em todas as áreas, a solução está no berço – pais conscientes
modernos, corajosos em questionar os métodos herdados dos
antepassados, que assumam a formação dos adultinhos
equipando-os uma estrutura de resolução de problemas por si
mesmos – para sobreviverem em ambientes e situações
sociais impensáveis hoje. Quem sabe em Marte? Por ser
amplificadora através de gerações, esta acepção de pessoas
na Educação produz efeitos nefastos impedindo revelação de

113
JC De Bragança
potenciais talentos dos quais tanto carecemos e da formação
de massa crítica de letrados e nossos futuros laureados.
A solução não deve partir da premissa “inclusão”, chei-
ra caridade. Não. A premissa deve ser aumento da riqueza do
país por simples aritmética: quanto mais gente ganhando
mais dinheiro, mais enriquecida a nação será, não só em bens
materiais. Diz-se que a cada ano de estudo cresce 200
dólares a renda futura do estudante.
O que se deseja da educação? O que a educação
fornece para satisfazer necessidades? Quais as limitações da
educação? Certamente não é cornucópia mágica de realiza-
ções e riquezas. É o caminho, e como tal deve ser trilhado.
Tive um amigo, o Silas que havia estudado na USP junto
com o Delfim Neto; na época ele era cobrador domiciliar de
carnets e o colega dele, Ministro da Fazenda. Exemplo
simples, mas penetrante em revelar que valores e atitudes
fazem enorme diferença na eficácia da educação. A educação
por si só não resolve. Conhecemos motoristas de táxi, caixas
de banco, atendentes de calls-centers formados nas mais
diversas faculdades. Empregos para o quais bastaria curso de
segundo grau. Formação profissional subutilizada. Tem
aquela antiga história a do Papa Sisto IV que ao vistoriar a
construção da Capela Sistina, perguntou a pedreiros na obra.
“O que fazes, meu bom homem?”, Ao que o pedreiro
respondeu “Uma parede, Padre.”. Mais á frente repetiu a
pergunta a outro operário, e este respondeu-lhe “Estou
construindo uma Igreja., Padre!”. O segundo tinha um
sonho...
Na educação de ponta, o Brasil está bem entre os 10
maiores, no ano de 2017 a matrícula em Harvard de alunos
estrangeiros apresentava a seguinte contagem:

China 1905
Canadá 826
Alemanha 534
114
Ecdise De Uma Nação
Índia 518
Inglaterra 435
França 377
Japão 348
Itália 284
Brasil 269

Daí vem a pergunta inescapável: quantos brasileiros


formados em Harvard se sentirão atraídos para o mercado de
trabalho brasileiro? É falácia a pregação de que basta escolas
e o Brasil se salvará. Precisa-se de parentes com visão
estratégica na criação. Nossos filhos durante sua juventude
conhecem apenas dois profissionais: o médico e o professor.
Não têm ideia de que existem outros. Nunca foram a um
aeroclube, numa piscina de natação, numa escola de dança,
numa exposição ou atelier, numa prosaica oficina mecânica
ou marcenarias. A vivência e a exposição, junto com os
livros criam sonhos também. Se a babá do seu filho se chama
Apple ou Pentium, isso é tudo que ele será na vida: teclador.
Tomara que ele seja feliz nisso...
Função de Estado
“Ora, quando um americano tem uma ideia,
procura logo outro americano que a partilhe com ele.
Se chegam a ser três, elegem um presidente e um secretário.
Se forem quatro, nomeiam um arquivista
e a sociedade funciona. No caso de serem cinco, convocam
uma assembleia geral e o clube fica constituído.
Foi assim que sucedeu em Baltimore.”
Júlio Verne, em "Da Terra à Lua"

A palavra Estado será aqui empregada referente a


entidades de administração pública em antonímia a
Indivíduo e Privado. Ao Estado cabe organizar e delimitar o
território, estabelecendo métodos, normas, associações e di-
vulgação. Além de administrar operações, apropriações, pro-
teções, provimentos e descartes Miller [002]. Outros encargo
115
JC De Bragança
importante em qualquer grupo social é a manutenção afetiva
da motivação e agregação. Tradicionalmente secionado em
poderes Executivo, Judiciário e Legislativo e órgãos auxilia-
res. Dentro de nossa abordagem generalista não temos inte-
resse nessas subdivisões, apenas nas contribuições ou óbices
advindas do Estado como um todo que afete projetos de gru-
pos e indivíduos.
Desde sempre o país foi definido e administrado por
robustos, inacessíveis e pequenos grupos políticos.
Independente de seus erros ou acertos, verdade é que a
população em si, só é convocada a ratificar situações adrede
definidas – eleições, guerras, atenção a catástrofes
pagamentos de impostos e a proverbial "cota de sacrifícios
que todos devemos dar nesta hora". Com isso, fica-se a
repetir aquele velho disco de vinil riscado. A nação cresce, a
parcela privilegiada se enriquece e se empodera, sob olhar
apalermado e até deslumbrado do restante.
Define-se democracia como "governo do povo". Na
minha opinião definição mais correta seria: "democracia é o
governo do povo que se interessa". Se a parcela do povo
que se interessa é a banda podre de corruptos, vendilhões e
ladrões de toda sorte; esta é a que governará. Isto,
fundamentalmente, é o que acontece no Brasil. Não porque
essa corja é mais esperta. Mas pela pura e simples omissão e
abandono praticado pela população pensante em relação ao
seu país. O Brasil só pode pedir socorro a um ente: os
brasileiros! Brasileiros que se interessem.
Existe, entre outras, a crendice prejudicial no imaginá-
rio popular brasileiro bem arraigada e muito bem cultivada
pelos manipuladores de que "política é coisa sórdida", e "po-
líticos não prestam", e mais "não se deve discutir política" e
por aí vai. Este tipo de pensamento ajuda a aplacar o descon-
forto pessoal por não se participar ativamente da política.
Outra consequência é de que a repetição dessa tolice aos jo-
vens, mesmo aos mais vocacionados, causa desistência, ina-
116
Ecdise De Uma Nação
ção e afastamento. Existem muitas outros efeitos nefastos ao
país, mas uma terceira que se destaca é a de que com essa
atitude se contribui para a supressão de alternância nas lide-
ranças – que é essencial na Democracia sadia, pois mantém-
na arejada, inovadora e desafiadora – sem a qual se
transforma em verdadeiro patriciado. Grandes famílias
dominam significativa parcela de decisões nacionais desde o
Império! Lembra-se da frase acima do General Felicíssimo a
respeito dos Caiados? Aquele é tio do FHC e estes familiares
do Senador Ronaldo Caiado. Herdeiros do poder de famílias
centenárias do tempo da Proclamação da República. Como
poderá haver mudanças? Diz-se que o Congresso renova-se
em 40% a cada eleição. Será? Duvido. Todos que entram es-
tão vinculados a um partido político, é lei. Logo estão presos
a fidelidades – nem sempre espúrias, é bom que se
excepcione – para com os que lhe proporcionaram apoio
financeiro e palanque do que ao eleitor que credulamente
depositou sua confiança no projeto que lhe foi apregoado.
Outro aspecto extremamente danoso é aquele que, com
a omissão o brasileiro entrega importantes fatias de poder a
forças alienígenas, como grandes empresas multinacionais,
igrejas transacionais, ideologias populistas, entidades finan-
ceiras influentes, contrabando e explorações sub-reptícias de
riquezas naturais, e até mesmo interesses estratégico-mili-
tares de longo prazo. O mundo tem privação daquilo que so-
beja no Brasil como sol, água, terra, animais, vegetais, clima
(temos duas safras por ano!) pedras – parece incrível, mas
tem países que não possuem pedras comum para construção
– minerais, amplitude, paz... continue você, leitor(a)
amigo(a), esta lista. Se não tomarmos conta com
sofreguidão, poderemos perder nosso lar.
Mas voltemos a discutir a Política, a mais sublime das
atividades humanas. Repetindo: Política é a mais sublime
das atividades humanas. Dedica-se à Política significa co-
loca-se a serviço da busca de soluções para os interesses do
117
JC De Bragança
grupo em detrimento do nosso´ tempo, da nossa família e
dos nossos interesses. É atividade muito exigente em
dedicação, paciência e tolerância e muita, mas muita
capacidade de negociar. É tão vocacional como sacerdócio,
medicina ou magistério. Exige algo mais, espécie de amor
desprendido; da capacidade de se comover com a fragilidade
do outro, e ao mesmo tempo de se elevar poderoso com santa
ira arrastando multidões ao embate. Me perdoem os ateus,
mas como exemplo básico da minha tese, terei que citar. O
Deus bíblico é o maior exemplo de político. Num estalar de
dedos Ele teria fulminado Lúcifer e seus seguidores – isto é,
a oposição. Ou se preferir, o gesto que bem demonstra Seu
espírito democrata, ao dar a possibilidade do casal comer ou
não do tal fruto? Deus demonstra de capa a capa na Bíblia
como se faz política e como ser democrata. Entre as grandes
lições está a de que você é o único agente e decisor do seu
destino!
É claro que a vida real rapidamente nos mostra que a
coisa não é bem assim. E não é mesmo, por sorte. Senão não
seria divertido. Não precisa ir longe. Fazemos política todos
os dias desde que acordamos até dormir, independente de sua
idade. Analise com cuidado, quantas vezes você teve que ne-
gociar, mentir, transgredir, ameaçar, elogiar, blefar, concor-
dar, discordar na sua vida, no trabalho, no estudo, no lazer e
até na família? Desde o berço negociamos choro a troco de
mamadeira. Não somos só nós que vivemos a negociar. O
mundo e a vida se desenrola em negociações eternas e cons-
tantes. Desde o abanar de rabo a troco de carícias, a poliniza-
ção a troco do néctar... ad infinitum. Negociar e fazer políti-
ca, na verdade, é a coisa mais natural, bacana e inevitável na
vida. Amir Klink[B004] disse como conseguiu, numa canoa a
remo, superar as ondas bravias do Atlântico sul:
“Negociando com elas.”
Fala-se muito em repeitar o ponto de vista do outro.
Não concordo. Você tem que respeitar o direito do outro ex-
118
Ecdise De Uma Nação
por seu ponto de vista, aí sim. Mas – a não ser que esteja
convencido do ponto de vista dele – continue divergindo,
negociando, argumentando, persuadindo. Este trabalho é
importante. Este é o verdadeiro trabalho. Nota-se na
sociedade brasileira distinto pavor ao contraditório. Talvez
até com certa razão, pois não fomos educados e treinados a
agir com controle emocional quando nos deparamos com
oposições. Certo professor meu dizia que só existe um único
tipo de trabalho: o da venda, ou seja, da persuasão. Você
pode criar a maior obra de arte, o mais espetacular navio, ter
a ideia mais fantástica ou habilidade insuperável; se não
vender não tem nada. Sem venda, sem feijão. Com venda,
caviar!
Com as considerações acima é fácil definir qual a
causa-raiz do Estado malévolo que sustentamos no poder. A
causa-raiz somos nós. Nossos valores. Nossas atitudes. Nos-
sos comportamentos. Nossas idiossincrasias. Nossos medos e
bloqueios. Mudemos isso e mudaremos o Brasil. Alguém já
falou para sermos a mudança que queremos para o mundo. É
difícil. Concordo, é quase como largar vício ou emagrecer
permanentemente. Mas tem gente que conseguiu. Tem povos
que conseguiram – e em situações infinitamente piores do
que a nossa – e hoje desfrutam de vida confortável, segura e
muito divertida. Resumo da ópera: o Governo que você tanto
critica é seu reflexo no espelho, portanto cale-se ou aja para
sempre!
Função Informacional
É comum a crendice de que basta voto direto para se
viver numa democracia. Não é tão simples. Democracia para
funcionar plenamente precisa de eleitores válidos, isto é,
mais do que envolvidos, comprometidos; mais do que
informados, céticos; mais do que interessados, atuantes. E
mais, deverão quantitativamente possuir massa e qualitativa-
mente possuir criticidade. Isso mesmo, física nuclear. U'a

119
JC De Bragança
massa crítica é quando se possui volume tal de material
fissionável que ocorre reação em cadeia autossustentável. É
isso que se busca num processo eletivo democrático. Volume
e qualificação suficiente de eleitores. É impossível qualificar
todos, nem as famílias e nem a Educação conseguiriam, pois
depende do interesse de cada indivíduo. Esta é a essência do
voto voluntário[3]: a vitória da maioria dos votos válidos,
conscientes e comprometidos; não obrigatórios e descompro-
missados. Da mesma forma como não se usa todos os
átomos para fissão nuclear, também não se precisa a
totalidade da população votando, basta os devidamente
politizados.
Diz-se, até com certa empáfia, que vivemos na Era das
Informações, como se fosse possível à espécie humana ter,
em alguma época, prevalecido contra outras espécies e a
natureza sem a intencional aplicação de processos mentais
intelectivos de experiencias anteriores. A pesquisa, produção
e difusão jornalística podem sofrer distorções intencionais ou
não da realidade. Dizia-se antigamente, não muito longe da
verdade, que o repórter é comunista, o redator-chefe
socialista e o dono do jornal capitalista. Adicione-se
complicadores tais como objetivos de marketing, a atuação
da concorrência, tecnologias, custos, influências politicas,
entre inúmeros outros vetores e ter-se-á a dimensão da
problemática em se captar, processar e divulgar informações
que se aproximem da verdade no jornalismo. Ao público-
alvo que compra e paga pela informação extrudada nesta
multíplice máquina – seja para saber ou tomar decisões –
cabe a maturidade, a senso crítico e busca de fontes
confirmatórias na medida da importância dos dados.
As pautas do jornalismo brasileiro são tão circunscritas
às nossas fronteiras que para se saber do que ocorre lá fora"
há que se perscrutar a imprensa estrangeira. Não temos
notícias cotidianas de Portugal, Europa, nem mesmo do
continente africano, velho parceiro de história colonial. A
120
Ecdise De Uma Nação
não ser casos de grandes catástrofes em que se obtêm
clippings da CNN, Fox News. Sabemos a data, hora, sexo e
nome do bebe da princesa, mas nada da meteorologia em
Asunción ou Montevideo, ou a greve em Buenos Ayres.
Mas houve evoluções extraordinárias e corajosas no
jornalismo interno. Não só noticiando como opinando, dando
a nós, distante dos fatos, a faculdade de percepções e cismas
do que ocorre sob a superfície. Extensas e perdulárias
transmissões e coberturas just-in-time nas diversas áreas da
cultura, esportes, política, crime e violência, personalidades,
economia e assuntos gerais.
Mas informação não é só imprensa. O Estado é (ou
deveria ser) grande fornecedor de informações. Apesar do
cidadão sustentar instituições estatais produtoras e processa-
doras de informação, mesmo assim existem custos e
barreiras a serem superadas pelo consumidor. A título de
exemplo: é mais fácil conseguir informações sobre as forças
armadas brasileiras no Jane's ou na Wikipédia no que em
órgão oficiais. Existe certa paranoia estatal sobre difusão de
informações.
O mundo acadêmico, que deveria ser gerador e propa-
gador de conhecimento, em grande parte não se revela nem
numa e nem noutra função. Tornaram-se centros de
ideologismos teóricos, cultos à personalidade e embates de
vaidades gongóricas ou simplesmente diuturnas burocracias.
O diagnóstico que se pode fazer sobre a função infor-
macional é que sofre dos mesmos obstáculos de outras áreas.
Não é informativa, não é acessível, não é estimulante, é es-
tanque internamente e hermética externamente. E, pior, não
produz pesquisas pioneiras.
Relações Do Organismo
O tipo de gente que povoou o Novo Mundo é estirpe
muito especial: imigrantes. Sinto segurança em afirmar que
121
JC De Bragança
considero a maior riqueza que se pode ter numa comunidade
é o volume de imigrantes que atrai. A História narra os
grandes movimentos europeus e suas consequências. A
Europa sempre esteve à frente no desenvolvimento
renovante de técnicas e tecnologias, graças à comoção de
massas em precipitações internas. O Novo Mundo veio a
confirmar o quanto o espírito de quem se move é forte e
criativo. “Keep Walking” não é o que a propaganda apregoa?
Só grandes sonhadores portadores de extraordinária
autoconfiança e ambição de vencer abandona o local de
nascimento para terras estranhas e estrangeiras. O custo
emocional cobrado ao imigrante é enorme. Não só o
afastamento de suas raízes familiares e sociais mais
profundas, mas interiormente sabe que terá que abrir mão –
mesmo que parcialmente – de sua cultura, suas crenças, sua
história. E a devastadora consciência de que sua des-
cendência estará irremediavelmente "contaminada", com no-
vas convivências. Em resumo, são pessoas fortes, individua-
listas, acostumadas ao embate. Somos, nós os brasileiros,
descendentes diretos dessa gente intrépida. Imigração rima
com desenvolvimento e sucesso. Se ainda restar alguma pon-
tinha de dúvida, vire a tabela de cabeça para baixo e verá,
salvos raras exceções, que países mais pobres são
exatamente aqueles que atraíram menos imigrantes.
Historicamente as relações entre o cidadão e o Estado
brasileiro nunca foram realmente conciliadas. De um lado a
confrontação e o escárnio por governo raramente sentido
como seu, num país cuja posse o brasileiro hesita em tomar
até hoje. De outro completo alheamento – até atrevido –
pelos anseios e necessidades da população. Aquele sem
ferramental de pressão, este com poderes absolutistas
proporcionados por desinteressada massa apaziguada nos
votos obrigatórios. Votos em comunicadores hipnóticos, não
em projetos nem em demandas.

122
Ecdise De Uma Nação
Outro aspecto das relações são as interpessoais, turbas
de torcedores em estádios são elaborações de pais pouco
atentos às consequências dos seus, aparentemente, inocentes
atos de transferir paixões esportivas desmedidas ao filho. Se
é paixão pode fugir ao controle, e a última coisa que vou
querer, num mundo complexo e populoso como o atual, é
filho meu descontrolado. Muito perigoso. Problema de vio-
lências nos estádios não é questão de leis ou polícia, mas,
principalmente, questão de família.
Relações com ou entre entidades estritamente discipli-
nadas são bem mais simples no entanto, podem ser bem mais
devastadoras. Cabe às forças armadas estarem sempre
prontas à "bordejar a nave inimiga estrangeira" como diria
Wellington. Estrangeira. Jamais arma de guerra, paga com
impostos de cidadãos empunhada por compatriotas, poderá
ser apontada contra brasileiros. Isto é inadmissível. Isto é o
que aconteceu muitas vezes. Não se poderá fazer ecdise do
Brasil para potência pelos séculos à frente, sem resolver em
definitivo esta equação. Militar é para combater estrangeiro.
O país já possui – na verdade sempre possuiu – leis, sistema
judiciário, policiais suficientemente eficazes para enquadrar
qualquer infrator nacional, seja indivíduo ou grupo. Não é
necessária ação de forças de guerra. O país é grande, a
população pode entrar numa comoção, eventualmente. Neste
caso é muito natural que o Estado tenha força
suficientemente doutrinada, instrumentalizada e treinada
para essas ações mais massificadas. Jamais forças militares
de guerra.
Por fim as relações do contribuinte com o Estado. Por
contribuinte entenda-se o assalariado, que é o único que não
pode repassar. O funcionamento dos governos brasileiros
sempre foram causas-raiz do enorme atraso do país. Desde o
paranoico isolamento da colônia para evitar contrabandos,
até o malandro fechamento do mercado inteno para
"proteger" empregos. Criou-se enorme aquário privativo das
123
JC De Bragança
forças que nos pescam os parcos e miseráveis frutos do duro
trabalho diário. O governo com impostos para sustentar suas
mazelas perdulárias e corruptas; as empresas multinacionais
que nos vendem o que querem pelo preço que querem; os
bancos com tradicional agiotagem legalizada; as poderosas
instituições religiosas estrangeiras que drenam verdadeiras
fortunas para o exterior; sistema político conivente, que
vende leis perpetuadoras dos mesmos interesses
dominadores. Tudo muito bem embrulhado numa imprensa
monopolista que chafurda nessa podridão em busca de seus
ganhos em mercado protegido de propaganda.
Seja qual for o ramo de atividade na economia
brasileira consegue-se colocar em dez cadeiras 80% do poder
econômico e financeiro decisor. Em alguns casos 100%
como os inexplicáveis e ineficazes monopólios estatais. E
não só patronal, mas empregatício também. Tudo é decidido
nessa suciata, desde o preço do fogão até do quilômetro de
asfalto, passando pelo spread bancário, passagens, pedágios.
Ali se reparte fatias de mercado, classes de produtos, linhas
de distribuição. Em qualquer país civilizado isto é prática
criminosa de cartelização. E pior, este sistema feudal é
garantido pelo equivalente no setor público onde poucas mas
poderosas “bancadas” dominam completamente as decisões
mais cruciais.
Por fim as relações externas. Temos dos mais caros e
glamourosos serviços diplomáticos do Mundo. E sem dúvida
dos mais inúteis. Não funcionam como "vendedores" nem
protetores do Brasil ou dos produtos brasileiros. Não
funcionam como espiões. Não servem de apoio a brasileiro
do exterior, onde não raro é omisso e desastrado. Não media
e nem atua ou tem posição firme nos grandes processos
mundiais, muito menos de liderança, nem mesmo regional.
Ah, sim para ser justo, eu diria que temos excelente quadro
de degustadores de vinho e caviar no Itamaraty.

124
Ecdise De Uma Nação
E por falar em viagens ao exterior. Fechemos este as-
sustador diagnóstico de doença terminal do Brasil registran-
do, brevemente, a sólida corrente de emigrantes que o país
está sofrendo. Ao invés de enriquecedores imigrantes, esta-
mos expulsando os melhores recursos humanos para fora do
país. Jovens e promissores estudantes; empresários de todos
os portes; profissionais altamente qualificados famílias
inteiras da classe média em peso; até mesmo as tão
necessárias vocações políticas e de lideranças estão indo
embora. O empobrecimento qualitativo de recursos
humanos, provavelmente, seja o derradeiro golpe. Até
empresas estão transferindo suas operações para o exterior,
principalmente Paraguay, o segundo maior país em
quantidade de brasileiros migrantes.

125
JC De Bragança

XII

4ª Ecdise do Brasil:
Nossa Vez? Prognóstico
Índice

Esperança não é estratégia.


Anônimo

Onde E Quando Estaremos Se Nos Omitirmos Agora?

E xatamente onde estamos hoje: num processo


acelerado de involução. A participação da indústria –
11,8% contra 27% nos anos 80. Abaixo do México,
Peru e Argentina – é a mesma de 1950 do Getúlio! Estamos
voltando ao doloroso país de terceiro mundo que já fomos,
quiçá desçamos mais degraus e nos tornemos,
proporcionalmente, o país mais miserável da América
Latina. O pior é que podemos ser, afinal não "herdamos o
mais extraordinariamente enorme, confortável e rico pedaço
contínuo de terra e clima do planeta."? Dormir em bancos de
praça, morar embaixo de pontes, montar cabana cercada de
milho para galinhas é a coisa mais simples neste "berço
esplêndido". Não passaremos fome, claro, 70% dos
alimentos ainda são produzidos por pequenas propriedades.
Mas, gostosamente, nos reproduziremos como ratos filhos
miseráveis e doentios, em escombros de cidades assoladas

126
Ecdise De Uma Nação
por AK47. Não é isto que já vislumbramos diariamente em
nossos telejornais?
O país se tornará monstruoso deserto de cana, soja, mi-
lho, bovinos, ferro, café, bauxita, algodão e eucalipto para
exportação. Poderíamos esperar que a agricultura fosse a
"salvação da lavoura"? Não, primeiro porque ela responde
por apenas 15% do PIB, praticamente é um "bico" brasileiro.
Segundo mais de 30% dos custos de produção são para
importação de insumos desde sementes até maquinários,
passando por defensivos e nutrientes. E mais essa agricultura
de exportação altamente mecanizada não dá empregos
massificados Seus preços de venda são regulados pela bolsa
de Chicago, devidamente ancorada nas prioridades das safras
americanas e dominados pelas quatro megacorporações
mundiais (conhecidas como ABCD) que controlam a
compra, logística e armazenamento de grãos no mundo.
Outras dez megacorporações mundiais controlam a produção
de agroquímicos, além das três megacorporações mundiais
controlam a produção de sementes. Sem contar as "sete
irmãs" que controlam os combustíveis fósseis do planeta e as
três que controlam a produção e comercialização de
alimentos industrializados. Coloca ainda na conta as pesadas
barreiras alfandegárias americanas e europeias aos produtos
primários. E a China, a maior boca do mundo poderia nos
salvar? Provavelmente estaremos aprendendo chinês nas
poucas escolas brasileiras que nos restarem…

Onde E Quando Estaremos Se Agirmos Agora?


A sensação que tive ao ver os eventos de entrega da se-
gunda delação e do julgamento, é de que a parte da justiça
está sendo cumprida. Com muita dificuldade e coragem cívi-
ca. O país está expelindo todo esse lixo ideológico, esses
personagens que vão do patético ao aterrador e seus feitos
monstruosamente desastrosos.
127
JC De Bragança
Teremos que resolver a devastação, a ruína em que o
país foi transformado. Não precisa de números, tabelas ou
gráficos basta, leitor(a) amigo(a), sair com espírito observa-
dor e notará o estado de decadência das vias públicas; dos
edifícios; dos logradouros; nas instituições como hospitais,
universidades, repartições e até quartéis; nos inúmeros
pontos de comércio fechados; dos carros abandonados na
rua; das carências do serviço público em materiais,
equipamentos, veículos e pessoal. Foi avassaladora a
destruição. Não atenha-se aos números dos analistas
econômicos, pois alguns comentários se esforçam,
tendenciosamente, pintar quadro favorável com previsões
otimistas de que “estamos saindo da crise”. Visite sua
própria vizinhança. Ainda abusando de seu espírito
observador, certamente notará a suntuosidade das agências
bancárias, firmas internacionais e certas empresas estatais
além de descomunais templos universais. Follow the money.
Fala-se dos milhões de empregos fechados, mas não
entra nesta estatística os patrões desempregados, muitos
arruinados em suas sacrificadas poupanças por décadas para
abrirem a própria firma. Microempresas que despediram seu
punhado de empregados fecharam as portas. O dono e, não
raro, membros de sua família também perderam seu trabalho
e renda que retiravam do negócio da família. Nas estatísticas
não aparecem as igrejas, os frelas (free lancers), os artistas,
as prostitutas, nem os autônomos de toda a natureza. Até
mesmo os catadores de lixo estão sentindo o impacto, pois
tive a petulância de perguntar: menos consumo, menos lixo.
O Mercado Livre e OLX aumentaram a oferta de bens à
venda cerca de 75%, é o consumismo deslumbrado
regurgitando os gadgets e outros supérfluos, para poder
“fechar o mês”. Isto tudo não aparece nas estatísticas
empoladas dos telejornais.
Teremos que começar pela parte mais difícil e incerta,
como preencher o vácuo de poder que se seguirá? Onde en-
128
Ecdise De Uma Nação
contrar um presidente, 500 deputados, 80 senadores, 25 go-
vernadores, centenas de deputados estaduais, 5 mil prefeitos
e dezenas de milhares de vereadores razoavelmente honestos
para preencher minimamente com ética e eficácia o vazio de
poder que se seguirá? Essa estrutura político-partidária e
suas atuais lideranças são confiáveis para esta tarefa? Existe
entre a população gente preparada e motivada para assumir
estas tarefas? Como estas pessoas poderão acessar o eleitor
sem se comprometer com as putrefatas e arcaicas estruturas
partidárias? E seus apoiadores interesseiros? Como
convencer o eleitor mais simplório dos dias mais difíceis
ainda pois serão de faxina e arrumação? Como invalidar o
discurso das oposições destrutivas?
Se agirmos com a devida sobriedade, inteligência e
muito debate bem pautado; pode ser que se consiga
reconstruir a possibilidade se voltar a sonhar com Brasil
grande. Quando perguntaram a Soichiro Honda como os
japoneses conseguiram se reerguer no pós-guerra e se tornar
a segunda maior potência (na época). Ele respondeu, "Foi
simples, conversamos." O Japão não só teria que se
reconstruir materialmente como país mas, terrivelmente mais
difícil, teria que mudar a cabeça de cada japonês. Eles fariam
dolorosa jornada saindo, praticamente, duma mentalidade
medieval onde se acreditava que o imperador era deus para
mundo moderno, tecnológico e competitivo; passariam pelo
tremendo orgulho destroçado pela derrota; teriam que
superar ainda seus ódios ao inimigo – que ironicamente era
sua única salvação; não poderiam se deter a julgar e culpar
ou mesmo odiar internamente – não tinham tempo; e, por
fim, de alguma forma atravessar a longa e atroz ponte do
extenso luto. Luto pela nação, pelos bens, pelos sonhos
interrompidos... luto pelas entes queridos.
Na Alemanha se descortinava o mesmo quadro. No en-
tanto, com decisiva ajuda dos EUA (Plano Marshall e outros)
conseguiram recuperar-se não só materialmente mas, princi-
129
JC De Bragança
palmente, superar os abalos sociais e emocionais. Os
alemães cresceram mais de 80% nos cinco anos do pós-
guerra, e os japoneses quase 50%. Entre 1960 e 1970 o Japão
cresce a alucinantes 17% ao ano! Não podemos nos iludir
com nossa realidade – existem muitas diferenças com rela-
ção ao Brasil. Aqueles dois países já eram potências
industriais antes da guerra inclusive com desenvolvimentos
científicos sofisticados (houve verdadeira corrida pelos
cérebros alemães entre russos e americanos no armistício).
Além disso, a população em geral já era muito preparada em
termos educacionais, organizacionais, técnicos, profissionais
e operativos. Eliminadas as cegantes seitas religiosas e
ideológicas, o povo retomou com urgência sua lide diária.
Temos que fazer o mesmo.
Mesmo que se adote as linhas gerais alentadas no
próximo item (A Terapia), será árdua e demorada a tarefa de
restauração do Brasil. Ter-se-á que enfrentar imensos
poderes encastelados; desarmar estruturas de engôdo dentro
de mentes e corações; resolver a carência de lideranças
francas e corajosas; assegurar o gerenciamento do nível de
informação e motivação da grande e informe massa popular;
superar naturais retrocessos e piora situacional ou exploração
de saudosismos por manipuladores retrógrados; a traiçoeira
elencagem de prioridades, onde se enfrentará populismo de
sustentação opinativa e oportunista, com ações dolorosa mas
pragmáticas e necessárias; o delicado equilíbrio com órgãos
de imprensa que, se não imediatista ou acumpliciada pelo
menos egotista em manter posicionamento competitivo; as
preocupações, interpretações e ações não só de governos,
megacorporações e até mesmo populações estrangeiras; e
tantos outros imprevistos invisíveis que certamente cobrará
resiliência e foco que o próprio brasileiro desconhece em si
mesmo ou que nunca foi posto à prova. Afinal esta é a
primeira vez que o povo vai real e inteiramente tomar em
suas mão os destinos do Brasil.
130
Ecdise De Uma Nação

A última coisa que se deverá colocar na equação é o


tempo. Se as expectativas e realidades não forem finamente
sintonizadas, poderá provocar aumento a tensão e cobranças
prejudiciais. Afinal das mais difíceis tarefas será a
reciclagem da população isto não pode ser cronogramado.
No entanto, o importante, num primeiro momento é
conseguir criar e difundir o sonho, o conceito de país forte,
autônomo, respeitado, estável, pacífico e atuante no cenário
mundial. E, principalmente, que correr em bloco, em equipe
– fator incerto na personalidade individualista do brasileiro –
atrás desse sonho vale a pena e é até divertido. Com esses
fundamentos ter-se-á o alicerce para política industrial e de
desenvolvimento tecnológico consistente; agronegócio com
agregação de valor enriquecedor; áreas de serviços, comércio
e financeira prósperas e comprometidas com a ética e não só
a mercancia. Um espírito empresarial raro de retribuição
desprendida à sociedade pela riqueza aqui amealhada na
forma de patrocínio e de contributos voluntário para a
cultura, educação e preservação e ciências puras do qual
exemplo notável bem brasileiro foi José Midlin.

.
131
JC De Bragança

132
Ecdise De Uma Nação

XIII

4ª Ecdise do Brasil:
Nossa Vez? Terapia
Índice

O maior perigo em
tempos de turbulência
não é a turbulência;
é agir com a lógica de ontem
Peter Drucker

C ontinuaremos trabalhando no sistema de análise de


causa-raiz (RCA). Conseguimos fazer o diagnóstico
e o prognóstico. Vamos à terapia. Pela técnica da
causa-raiz fica mais fácil identificar os problemas dos quais
se originam e se ramificam os demais. Depois de definidas
claramente as causas-raiz, cuidaremos de estudar soluções e
extensão aos fatores causais mais setorizados, ficará por
conta dos que porventura venham a aceitar a tarefa de
consertar esta coisa toda. Trabalho de especialistas.
Importante ter consciência de que causas-raiz são primárias,
não possuem antecedentes. Também não existe hierarquia
entre elas quando há mais de uma, por isso a ordem de
apresentação abaixo é arbitrária. Também que se
eliminarmos a causa-raiz eliminaremos o princípio de
encadeamento de fatores causais do problema. Que a causa-
raiz é tributária de vários fatores causais, o tratamento destes
133
JC De Bragança
não acaba com o problema. Fator causal, como sabemos, é
aquele cuja eliminação não termina o problema, ao contrário
da causa-raiz que extirpa o problema.
Um exemplo clarificador sobre estes conceitos. O leite
fervente está derramando-se no fogão. Vai sujar a panela e a
trempe; espraiar-se pelo chão; sufocar o fogo, daí o gás
vazará expandindo-se pela cozinha e... uma minúscula faísca
qualquer provocará a explosão, o incêndio e o
desmoronamento do prédio.
A panela, a trempe e o chão sujos; o fogo sufocado; o
gás vazando e expandindo-se; a faísca; a explosão; o
incêndio e o desmoronamento do prédio são, todos eles,
fatores causais. Interromper fatores causais não quebra a
cadeia de acontecimentos. Se a pessoa que está encarregada
de vigiar, apenas assoprar para esfriar o leite, não vai
resolver e evitar a tragédia. Ela terá que atuar na causa-raíz,
ela terá que apagar o bico de gás do fogão.
É ilusão pensar que impedir fatores causais, por
exemplo abaixar por decreto o preço das passagens de
ônibus, ou aumentar os salários, resolvem o problema. Seria
coo assoprar o leite quente. Precisa-se identificar a causa-raiz
e extirpá-la.
O tempo jamais está certo, pelas exigências dos huma-
nos. Atrasado ou lento demais. Cedo ou rápido demais. Im-
portante se alertar que no caso da ecdise biota até pode haver
intervalo de tempo relativamente previsível da ocorrência,
porém em ecdises sociais, como já exposto, é totalmente
incerto. Neste caso específico do Brasil, algumas ações bem
determinantes poderão e deverão ser tomadas e
implementadas de imediato, como, por exemplo, a reforma
do sistema eleitoral. Porém outras mais profundas ou
extensas poderão atravessar gerações até que sejam
satisfatoriamente declaradas concluída.
O Processo Político
134
Ecdise De Uma Nação
Em qualquer ação grupal ocorre determinado momento
capital que é o da tomada de decisão. O processo de tomada
de decisão deve se basear nos objetivos do grupo,
considerando a oportunidade e recursos disponíveis, além do
aspecto muito importante que é o estilo do líder no processo.
Ele surgirá e permanecerá enquanto tiver força ou prerrogati-
va normatizada pelo grupo. O processo de tomada de decisão
possui três grandes dimensões antecedentes: o mecanismo de
escolha da liderança; a atitude do liderado; e o ambiente
renovador de lideranças. O sucesso em atingir objetivos gru-
pais depende muito à forma de funcionamento dessas áreas.
Em grupos democráticos tem-se as figuras do eleitor,
eleito e sistema eleitoral. A qualidade da administração do
grupo é razão direta da qualidade do eleitor e do eleito,
muito mais do que circunstâncias ambientais. A qualidade do
eleitor deriva do grau de informação realista e de
comprometimento com o processo não só durante o sufrágio
mas, e principalmente, na fiscalização posterior. A qualidade
do eleito é assegurada pela pluralidade de surgimento de
novas lideranças candidatas, e a acessibilidade ao eleitorado.
A pluralidade assegura competitividade e seletividade; a
acessibilidade o conhecimento do eleitor, não só da pessoa
do candidato, mas, principalmente de sua proposta para o
grupo.
Mecanismo eleitoral
Uma das boas heranças portuguesas foi este
mecanismo de eleições – provavelmente pioneiro de forma
consistente no mundo naquela época. A primeira no Brasil
aconteceu em São Vicente em 1532. Tornou-se praxe, no
período colonial, eleições locais. No período imperial se
estendeu à eleição para assembleias. Entre outras
especificidades que foram variando ao longo do tempo
surgiu a obrigatoriedade. Provavelmente o voto compulsório
seja a maior causa isolada do nosso exasperante atraso.

135
JC De Bragança
Duas únicas coisas que nunca mudaram no Brasil em
todos estas décadas foi o voto obrigatório e a candidatura
independente. Jamais tivemos a liberdade de nos recusarmos
a votar em candidatos que se nos apresentavam; jamais
tivemos a liberdade sequer de nos recusarmos simplesmente
de votar. Sempre nos sujeitamos a eleger candidaturas do
establishment de plantão. Por isso virou praxe, só se pode
pretender mudar algo através de golpes de força como D.
Pedro I, D. Pedro II, República, Getúlio e 64. Nessas
circunstâncias, as mudanças não são sadias pois a falta de
debate o que desestimula comprometimento da população. O
grupo golpista para se preservar no poder, se isola,
comprometendo mais ainda suas tomadas de decisões que
perdem a necessária flexibilidade e transparência. Em pouco
tempo ocorre a desorganização do funcionamento anterior e
a aversão da sociedade. O golpista não corrigiu o que
pretendia, criou vários outros problemas que crescem e se
multiplicam e, pior de tudo, não preserva ambiente de forma-
ção de lideranças alternativas futuras.
O Brasil foi se distanciando aceleradamente nos
campos político, institucional, econômico, cultural e tudo o
mais dos demais países. Com a obrigatoriedade gerou-se ab-
surdos, como voto de cabresto ou de curral, os poderosos
“coronéis” e a permanência vitalícia e hereditária de famílias
no poder. Hoje ainda existe o voto de cabresto ou de curral,
os coronéis, foram substituídos por sindicatos comprometi-
dos, não com o trabalhador, mas com projetos de poder de
ideologias e partidos políticos. Também certas igrejas
tomaram o lugar do proverbiais coronéis. O Brasil é o único
país significativo de grande porte no mundo – a nona
economia – a ter sufrágio obrigatório. Saiba mais. A pessoa
não pode ser obrigada a exercer um direito.

136
Ecdise De Uma Nação
Qualidade do Eleitor e do Candidato
Não são muito definidas as causas da atitude distante
do eleitor brasileiro com relação à política, inclusive a
hesitação das famílias em incentivar e prover seus filhos para
essas atividades. Pode ser que pelo fato do poder público ter
se originado do absolutismo, seguidos por sucessões de
forças ditatoriais alternando-se com outras explicitamente
populistas e corruptas. Com efeito, o intransponível bloqueio
das ações do povo diante de grandes decisões despertaram
essa indiferença. Não chega a ser desencanto ou apatia, mas
a sensação de não pertença à política. No ocaso do regime
militar, com surgimento dos movimentos das "Diretas Já",
assunção ou retorno de personagens políticos de apelo
popular, timidamente, pessoas comuns foram alteando suas

137
JC De Bragança
vozes. Com crescente confiança "as ruas" atingiram o
protagonismo decisivo na cassação de 1992, na pressão para
aprovação de leis de iniciativa popular, também na cassação
de 2016 e no suporte firme da Operação Lava Jato. Este
último embate se deu, praticamente contra toda a classe
política unida a uma esquerda extremamente bem organizada
e beligerante e ala titubeante do Judiciário.
A verdade é que o brasileiro comum não sente nenhum
atrativo pela política. Isto é grave pois dos pilares da boa
democracia é a formação daquela massa crítica de eleitores
ativos e comprometidos, além de candidatos propositivos.
Tudo na legislação eleitoral brasileira joga, exatamente con-
tra a informação e politização do eleitor e tão grave quanto,
impede o surgimento de novas vocações. Novos
“candidatos” surgem a cada instante, basta serem capturados
por microfone/câmera da mídia se tornam imediatamente
críveis e, melhor ainda se forem burlescos. Desportista,
apresentadores, artistas, radialistas, até personagens de Big
Brother Brasil! Todos que, por incidente de vida, tropeçou
na mídia não só adquirem imediatamente o status de

celebridades instantâneas e candidatos potenciais como são


avidamente disputados pelos partidos, afinal são "puxadores
de votos".

138
Ecdise De Uma Nação
Tudo errado. O sistema eleitoral – e por extensão, o
todo o processo de tomada de decisões políticas no Brasil –
está completamente errado. Visa apenas perpetuar no poder
os que lá estão. Veja-se a aprovação do rateio de verbas para
campanha onde só os maiores partidos, que já tem "cadeiras"
nos legislativos, podem participar. Enquanto deveria ser
exatamente o oposto, os pequenos e entrantes é que deveriam
receber financiamentos! Ou ainda outros filtros cogitados,
como a cláusula de barreiras e lei da mordaça.
A candidatura independente seria o único encaminha-
mento à criação de ambiente revelador e estimulante de
novas vocações políticas verdadeiras – e não celebridades
circunstanciais ou políticos profissionais. A causa-raiz da
forma defeituosa de tomada de decisões políticas no Brasil
tem como início de terapia a implantação de voto voluntário
e candidatura independente. Sem isso podemos parar por
aqui, pois nada mudará.
Rateio do Poder
O item política, não termina com a eleição de
proficientes lideres. Para eficácia do poder de direito deverá
ser corroborado com o poder de fato. Em outras palavras há
que se definir com clareza o orçamento, a filosofia de
arrecadação e rateio dos recursos que custeará e se investirá
no setor público. Aqui se apresenta outro embate muito mais
difícil pois dever-se-á inverter a lógica centralizadora que
vigora. Ou seja, o governo federal atualmente fica com a
maior parte, os estados com menos e o pouco que restar vai
para os municípios. Deve ser exatamente o contrário. Uma
reforma muito mais profunda deverá executada com muito
critério e bem debatida, exatamente para ser mais perene.
Deve-se presumir surgimento de soluções com viés
demagógico, como o pensamento de se taxar mais a renda e
a propriedade do que os salários, pois quem tem renda e
propriedades provavelmente possui o poder de repassar

139
JC De Bragança
custos que acabam sobrecarregando os salários. O debate
deve ser como taxar sem que tudo não recaia na ponta final,
isto é em quem vive de salário fixo e não tem como repassar.
Os impostos devem seguir o exemplo de uma taxa de
condomínio de apart-hotel onde, existe arrecadação mínima
para sustento básico que todos pagam, e a arrecadação cujo
pagamento recaia apenas sobre quem usar aqueles serviços
extras.
Nos anos 90 o Governo Federal assumiu dívidas de Es-
tados e Municípios, através de extenso de financiamento de
longo prazo chamado Refis. Este ajuste e a Lei de Responsa-
bilidade Fiscal, aparentemente encaminharia ajuste das
contas públicas. no entanto, no processo transferiu grande
parte do poder arrecadatório para área federal, minguando as
receitas de Estados e Municípios. Estes continuaram se
endividando e mais Refis foram sendo implementados e
estendidos à empresas privadas, setor rural e até clubes de
futebol. Governos moralmente fracos e populistas, cujo
único objetivo é manter-se no poder, num sistema eleitoral
devorador de dinheiro empurrou a administração pública
para a corrupção, endividamento e sucessão de Refis. Hoje a
renúncia fiscal ronda a casa dos 200 bilhões de reais. Num
estudo da OCDE sobre parcelamentos em 26 países, mostra
que em média o período máximo é de 12 a 24 meses, contra
60 a 240 meses como no Brasil. Tornou-se círculo vicioso,
as empresas não pagam impostos levando o Estado a perdoar
a cada 5 anos. Na verdade tudo isto ocorre porque a Estado
arrecada mais do que o setor produtivo suporta - a velha
curva de Laffer - resultando na devolução por manobras
fisco-contábeis, “incentivos” setoriais, favorecimentos em
instituições financeiras estatais perdões de dívidas, acordos
de leniências, abatimentos, renúncias, parcelamentos e outras
práticas inconfessáveis. Tudo legalmente ratificado em
conluio com um Congresso conivente, quando não, parte

140
Ecdise De Uma Nação
interessada votando leis em benefício próprio. Criando a
engenharia financeira de não pagar impostos.
Esta vergonhosa situação que quebra financeiramente
as contas nacionais se refletem na péssima prestação de
serviços ao público. E como todo círculo vicioso, a tendência
é de expansão. E não para aí, existem bilionárias isenções
regulamentadas por lei que políticos sancionam legalizando
sonegações, além das discutíveis imunidades tributárias..
Favor legislativo fartamente agradecido nas eleições, em
forma de doações.
A Lei de Responsabilidades Fiscais (LRF) que comple-
ta 18 anos foi verdadeiro marco de esperança, única no mun-
do a condenar também a pessoa física do governante funcio-
na, mesmo sob o leniente e postergante do Poder Judiciário.
no entanto, não se vê dirigentes punidos, mas sim o
município, isto, é a comunidade, com retenção do FPM ou
coisas do gênero.
O pacto federativo de 1988 foi muito danoso aos Esta-
dos e Municípios, retirando-lhes força arrecadatória própria e
com isso capacidade de decisão. Segundo estudo da FIRJAN
82% dos municípios brasileiros não geram nem 20% das
próprias despesas, em muitos casos nem 5%; quase 90% das
cidades fecharam 2016 e situação crítica ou difícil. Decisões
que poderiam ser tomada mais rapidamente e a custos meno-
res tem que percorrer longa, demorada e custosa
peregrinação até Brasília por gabinetes, carimbos, passagens
aéreas, hotéis e restaurantes cinco estrelas regados a
champagne, e negociações ao pé do ouvido. A ponte que
seria construída com 50 mil reais, acaba custando dez vezes
mais devido a corrupção para subir e descer os degraus
decisórios; consome dez vezes mais tempo e além do que
neste “passeio” as entidades desenvolvem compromissos,
lealdades e dívidas de favores que enfraquecem a lisura de
todo processo atual e futuros de tomadas de decisões nem

141
JC De Bragança
sempre favoráveis ao município. A forte liderança do
prefeito junto ao seu eleitorado fica sequestrada pela troca de
favores. As cidades estão sofrendo verdadeira decadência
física. Prédios, logradouros, equipamentos urbanos,
maquinários e veículos sem manutenção ou substituições. Se
não são desativados, estão obsoletos. Os serviços prestadas
por funcionários desatualizados ou com baixa formação,
onera e compromete a qualidade, com constantes
interrupções e greves
Os municípios têm que readquirir força financeira e
autonomia decisória. Essa pulverização do poder diminuiria
grandemente a oportunidade de estratosféricos volumes de
corrupção em nível nacional, a exemplo do que ocorre
atualmente. Esta repactuação federativa é absolutamente
essencial, é, também, causa-raiz de grandes problemas.
Reforma profunda teria que ocorrer não só no setor
fiscal mas também na organização, métodos e sistemas da
burocracia estatal. Eliminação de órgãos redundantes e
operações esdrúxulas. Uniformização de processos em todos
os níveis. Clareza e transparência não só na contabilidade
mas, principalmente, no planejamento, isto é, o cidadão
deverá estar ciente e participante das atividades propostas
para o futuro.
O Indivíduo
Viu-se acima a importância do núcleo familial na
formação basilar do indivíduo com seus valores
fundamentais, suas atitudes – aos quais ele próprio deve
assumir a responsabilidade de acrescentar, modificar,
enquadrar no transcorrer tempo, de maneira a ser mais
contributiva e convenientes ao desempenho social. Essas
ferramentas recebidas e aperfeiçoadas sustentam o
pensamento e comportamento do “homem bom” aristotélico.
Apesar de bem esquemático, serve para o contexto deste
trabalho. Duas coisas ficaram sem o devido destaque: as
142
Ecdise De Uma Nação
crendices, passadas de geração em geração; e o conceito de
auto-responsabilidade.
Crendices
Para nossas finalidades definamos "crendices".
Primeiro o que não é. Crendice não é crença, não é religião,
não é filosofia, não é ciência e nem política.
Houaiss define como, substantivo feminino
1 crença de cunho supersticioso, sem
base em religiões institucionalizadas e, por
isso, sem a sua sanção,
2 qualquer superstição, gerada de
origem popular; crendeirice.
Para encurtar, crendices são bobagens que devem ser
mantidas sob severa vigilância, se o indivíduo procura liber-
dade de criar base de conhecimentos mais racional e útil.
Dizendo assim parece simples. Fácil "manga com leite faz
mal": crendice; "colocar a vassoura atrás da porta para a visi-
ta ir embora": "gatos pretos"; tudo crendices inúteis. No en-
tanto, começam as complicações tais como "comer carne de
porco vai para o inferno", muitas religiões rezam que sim.
"A virtude existe na pobreza", será? "A pobreza gera
criminalidade" nunca se provou isto. “Ideologias socialistas
de esquerda são mais humanitárias”. É o que repete quem
vive fora de países socialistas. Não se iluda, em sua vida
existem muitas crendices não só inúteis mas, às vezes,
francamente boicotadoras de seu sucesso e felicidade.
Este interessante gráfico demonstra o quanto o apego
arraigado em valores tradicionalistas (crenças e crendices)
comprometem a evolução de um povo. Note que as duas
regiões mais pobres em realização são a africana e a latino-
americana, presas que são de centenárias culturas religiosas.
Na América Latina o poderio inaudito do catolicismo –
ultimamente sendo abalado significativamente por novas
denominações protestantes de missionarismo mais agressivo
143
JC De Bragança
como ideologia, pereniza essa pobreza. Apesar de ser mais
individualista, por ter sido povoada com imigrantes, do que a
África.
Observa-se que, por outro lado, no canto superior direi-
to valores individualistas e racionalistas se combinam para
produzir as sociedades mais evoluídas cultural, material e
politicamente. Essa é daquelas áreas em que se deverá pri-
meiro desaprender o que foi recebido de antepassados, antes
de dar passos rumo à evolução racionalista.
É difícil separar crendices de crenças e de conhecimen-
tos racionalmente justificados. Como trataremos aqui desse
assunto? Com a mesma abordagem que se tem defendido
desde o começo: no momento da ecdise, a mudança precisa
ser profunda em tudo.

No mapa se nota como países dominados por crenças e crendices


compõem porção de baixas realizações, enquanto países onde impera
a liberdade individual, visão mais crítica e racional o nível de
realizações são extraordinários.
Crendice é parlapatice inútil. Crença é útil conforto
personalíssimo diante da morte, é fé. Algumas religiões mais
elaboradas tratam também da temperança. O Conhecimento,
informação fundamentada dentro do campo de dados
disponíveis. Disso se infere que Crendices só servem como
folguedos dialogais; Crença diz respeito exclusivamente ao
plano espiritual do indivíduo; e Conhecimento é universal.
Aqui se pode dar passo importante e já se eliminando numa
só tacada numerosas fontes de conflitos e retrocessos, basta
colocar na rubrica de Crendices todas formas de dis-
criminações étnicas, de gêneros, sexuais, nacionalistas e
regionalistas radicais, ideologias fundamentalistas,
fanatismos religiosos, pigmentação de pele, faixa etária e
outros. Eliminar quaisquer vestígios dessas Crendices é sinal
não só de maturidade mas passo importante no mais alto
estágio de evolução do indivíduo a auto-responsabilidade.
144
Ecdise De Uma Nação
Responder a si e por si mesmo. Suprema liberdade auto-
concedida. Não precisar que alguém lhe diga em que
acreditar ou como agir.
O parágrafo anterior foi tão completo que seria até dis-
pensável este comentário, façamo-lo porém em respeito à
completude. Toda crendice é inútil, algumas são prejudicais
e outras causaram tragédias tão monstruosas que o estupefato
ser humano em determinados momentos sentiu abalada fé na
sua própria humanidade. Há que se distinguir cuidadosa e
exaustivamente toda crendice que se recebeu e, friamente,
eliminar aquelas que causam sensações e pensamentos de
desconfortáveis de sectarismo ou impulso de causar dano ao
outro. Quanto à crença, só o indivíduo pode fazer avaliação
da utilidade. Alerte-se, no entanto, para que não evolua para
seitas fanáticas ou se permita manipulação descontrolada. A
esse respeito há que ser lembrado o alerta bíblico "não sejais
meninos", manipulados por mentes maliciosas e
poderosamente persuasivas. Veja-se exemplos do quanto a
mente pode ser violada, no caso Jim Jones em Jonestown, ou
pessoas que se explodem com cintos de dinamite. Mata-se
mais por motivos de seitas do que qualquer outro.
Um dos mais sábios humanos resumiu cristalinamente
tudo o que se disse acima: “A César o que é de César, a Deus
o que é de Deus”. Separação absoluta entre o Estado e a igre-
ja, seja ela qual for. Se uma igreja precisa do poder estatal
ela não está cumprindo seus desígnios espirituais; por outro
lado se o Estado precisa da mística religiosa deixa de ser
pluralista. É bom que se acrescente que não sou contra
religiões – eu próprio teologo ao meu jeito. Acho fator
importante a religião para existência mais sóbria do indiví-
duo, das famílias e grupos. O alerta que se pretende é o fato
de que a democracia não funciona quando existe poder
ideológico ou religioso interferindo ou mesmo assumindo
tomadas de decisões.

145
JC De Bragança
E é fácil entender, a democracia lida com realidades,
não com idealizações. A realidade é mutante e com isso
exige contínuas deliberações em consideração as alterações
grupais. Ora é a maioria, ora é minoria, às vezes até caso
isolado que deva ser levado à consideração. Ambientes
ideológicos não permitem essa flexibilidade, existem regras
rígidas predeterminadas prevendo, supostamente, cada caso;
e tem que ser assim para manter coesão de grupo fechado. A
democracia lida com grupos abertos. Todos os anos
toneladas de bebês são despejados na sociedade, outro tanto
imigrantes, também há os que saem por óbito ou emigração.
Em grupos abertos informes, abundam infinitas e crescentes
reivindicações novas. Não existe sabedoria ou cânone que
possa prever respostas adrede a essa ebulição. Por isso o
alerta, atuação política não pode ser balizadas por seitas ou
ideologias. O cerne da política é a negociação, fun-
damentalismos não admitem negociação.
Roger Scruton, se debruça - com a autoridade de quem
nasceu num país bipolar como a Inglaterra, onde o Estado
tem dificuldades em lidar com a Religião - sobre o problema
no ótimo livro "Como ser um conservador"[008]
"A forma religiosa de ordem social nos é apresentada
na Bíblia hebraica e no Alcorão: é uma ordem em que as leis
são baseadas em prescrições divinas e as funções terrenas
são ocupadas por delegação da divindade. Olhadas de fora,
as religiões são definidas pelas comunidades que as adotam e
a sua função é uni-las, protegê-las contra distúrbios externos
e garantir o progresso da reprodução. Uma religião é fundada
na piedade, que é o hábito de se submeter às ordens divinas.
Esse hábito, uma vez criado, justifica todos os juramentos e
promessas, atribui santidade ao casamento e apoia os
sacrifícios necessários tanto na paz quanto na guerra. Por
essa razão, comunidades com uma religião comum têm
vantagem na luta pela terra, e todos os territórios povoados
de nosso planeta são lugares onde alguma religião
146
Ecdise De Uma Nação
dominante, em algum momento, demarcou e defendeu seus
direitos. Essa é a história narrada no Velho Testamento."
"A ordem política, ao contrário, é aquela em que a
comunidade é governada por leis feitas pelos homens e por
decisões humanas sem alusão às ordens divinas. Religião é
condição estática; política é processo dinâmico. Ao passo
que religiões exigem submissão inconteste, o processo
político oferece participação, discussão e elaboração de leis
fundadas na concordância. Assim tem sido na tradição
ocidental, e, em grande parte graças ao liberalismo, essa
tradição foi mantida diante da constante tentação a que
assistimos hoje em dia entre os islâmicos, na forma mais
vociferante, de renunciar à árdua tarefa de solução
conciliatória e refugiar-se em um regime de ordens
inquestionáveis."
"A contenda entre religião e política não é, em si,
moderna. Sabemos disso não somente pela Bíblia, mas pela
tragédia grega. A ação da Antígona de Sófocles depende do
conflito entre a ordem política, representada e confirmada
por Creonte, e o dever religioso, na pessoa de Antígona. A
primeira é pública e envolve toda a comunidade; a segunda,
privada e refere-se apenas a Antígona. A partir daí a
divergência não consegue ser resolvida. O interesse público
não tem influência na decisão de Antígona de enterrar o seu
falecido irmão, uma vez que o dever que lhe foi imposto pelo
comando divino talvez não pudesse ser razão para Creonte
pôr o Estado em risco.[...]"
"Na ordem política, somos levados a compreender que
a justiça substitui a vingança e as soluções negociadas
revogam os comandos absolutos. A mensagem da Oréstia
ressoa ao longo dos séculos da civilização ocidental: é pela
via da política, não da religião, que a paz é assegurada.
Minha é a vingança, disse o Senhor; mas minha é a justiça,
diz a cidade."

147
JC De Bragança
"Foi no contexto da Cidade-estado grega que começou
a filosofia política, e as grandes questões de justiça,
autoridade e da constituição foram discutidas por Platão e
Aristóteles em termos que estão vigentes hoje. O liberalismo
surgiu a partir de uma reflexão de vários séculos sobre o que
é imprescindível e se as pessoas devem ser governadas por
consentimento, assim como se devem se submeter de bom
grado às leis elaboradas por outros seres humanos e não às
leis criadas por Deus."
O Ambiente de Negócios
Com ambiente sob o jugo de indivíduos e oligarquias
astuciosas, secundados por estirpe de burocratas ciosos de
seus "poderes", poucos e heroicos mauás conseguiram
permanecer com a cabeça fora d'água tempo o suficiente
para consolidarem-se em grandes conglomerados
multinacionais brasileiros. Após Getúlio algumas famílias
estenderam a linha de vida de seus projetos. Alguns casos
pontuais no setor industrial, a maioria na área financeira e de
serviços. Quais as causas-raiz disso?
Estatismo
A primeira dela é a insana tendência o Estado ocupar
espaços da iniciativa privada e a não menos insana do
indivíduo ceder sem questionamentos.. Com discursos
arrevesados de proteger qualquer coisa, dependendo dos
ouvidos presentes (empregos, empresas, riquezas naturais,
segurança estratégica e outras) a verdade é que o primeiro
grande obstáculo é superar a intromissão estatal em áreas
que não lhe compete. Resultando em fracassos ou “sucessos”
a custo altíssimo para a sociedade na forma de ineficiência,
corrupção, malabarismos contábeis, aumento da carga
tributária, endividamentos público interno e externo e, a pior
das consequências, falta de formação de massa crítica de
empreendedores nacionais. A COBRA (Computadores
Brasileiros), é o exemplo mais gritante desta estúpida
148
Ecdise De Uma Nação
prepotente empáfia. Matou exatamente ali – momento
histórico quando todos os países estavam na linha de largada
da informática – a evolução e afirmação cibernética do
Brasil. Foi como atirar em codorna alçando o vôo. Tinham
acabado de registrar o sistema SOX, o governo retirou o
apoio. Exemplos como esse existem, talvez às centenas.
Com isso o Brasil perdeu todos os bondes da história
moderna! O que nos restou é mercado absolutamente depen-
dente de provimentos do exterior, nas mãos de poderosos
monopólios. Com produtividade que disputa entre as piores
do mundo, e decaindo. A solução para este fator causal é
privatize-se tudo o que for possível, o que não for terceirize-
se. Reserve-se apenas funções de estado para o governo.
Eleja-se o empreendedor como herói nacional. "O país que
valoriza empregado, vai ser empregado de outros países",
não sei onde ouvi isto, mas é verdade. A Coreia na sua
assombrosa arrancada da posição de país dos mais pobres do
mundo para a de poderoso tigre asiático atual teve como
mote exatamente isto. Oportunize-se o empreendedor,
facilite-se-lhe todos os recursos físicos, financeiros e
humanos. Suporte-o nos embates do mercado internacional.
Mas não o proteja, exponha-o à competição, aos desafios
tecnológicos.
Quanto ao empregado não deve ser valorizado, ele é
que tem que se autovalorizar-se. Assim como o empregador
investe no crescimento da sua firma, o empregado deve
investir na sua competência, na sua produtividade pessoal.
Acabou o tempo, a não ser em raras profissões, que o
formando saia da faculdade para uma profissão vitalícia. Não
existe mais profissão, mas sim empregabilidade e
inteligência financeira. Segundo estudos do Oxford Martin
School e o Citi, 57% dos trabalhadores estão em risco de
serem substituídos por máquinas nos próximos anos. Para
sobreviver no ambiente que surgirá, se acontecer esta última
ecdise do Brasil, o trabalhador terá que deixar de ser
149
JC De Bragança
produtor de salários, mas sim de renda. Como assalariado se
recebe apenas se estiver empregado e cumprindo a jornada.
Trabalha-se pelo dinheiro, diferente da renda onde ela
trabalha pelo dinheiro. Renda é o investimento. A renda é
que paga as contas quando o desemprego bate às portas. Isto
é conceito tão básico em educação financeira, e tão essencial,
que quase coloquei como causas-raiz da pobreza do
brasileiro. Mas isso é outra história. Merece outro livro. Mas
já existem tantos...
Impermeabilidade econômico-cultural
O Brasil é masmorra isolada do mundo, ainda! Povo
monoglota, cultural e geograficamente isolado e portanto
desinteressado por assuntos do restante do mundo, até
mesmo de vizindades. Discutiu-se a importância da leitura
para provocar sonhos nos jovens, existe outro método, talvez
até mais eficaz que é o da exposição. Expor as pessoas à vida
de mais qualidade que se desfruta em países mais avançados
desperta desejos. Com a multiplicação das comunicações,
televisão a cabo e internet, começa a não só saber que
existem coisas muito desejáveis, como até, em certo sentido
interagir. Hoje o brasileiro típico olha pela linda janela do
monitor, como criança olha para vitrine de doces.
Mas essa impenetrável barreira que sitia o país desde
tempos imemoriais, não só afeta o cidadão comum e suas de-
mandas. Afeta e gravemente empresas as quais, sem acesso a
técnicas e tenologias, sem o saudável estímulo de
concorrências aguerridas, sem cobranças de mercados
consumidores mais sofisticados, sem reclamações por
melhorias de condições de trabalho de colaboradores, sem as
exigentes normatizações para exportações; a empresa
brasileira acomoda-se, não investe em pesquisa e
desenvolvimento, não cria, nem mesmo copia. Fenece. A
agricultura é o motor do PIB, a indústria é o motor da
sociedade. A indústria gera e sustenta as cidades. Ela gera e
sustenta o que mais importa em qualquer economia moderna:
150
Ecdise De Uma Nação
a classe média. A classe média dá lucro para a classe alta e
emprego para a classe baixa. É ela, com sua ambição, que
faz toda a economia girar saudavelmente, proporcionando
crescente qualidade de vida a todos.
Liberdade
Antes de se abrir as comportas do país ao mundo
exterior há que se implantar verdadeira liberdade
internamente. A regulamentação massacrante bloqueia
qualquer movimento, por mais simplório que seja. Inúmeros
órgãos fiscalizam cada detalhezinho exigindo certificações,
recolhimentos de taxas, laudos, autenticações, carimbos em
cinco vias, vistorias, autorizações de Conselhos, peritagem
técnica, estudos de viabilidade, impacto ambiental. Um
americano, amigo meu, apaixonado pelo Brasil passou seis
meses tentando abrir filial. Desistiu. O engraçado é que o
contador dele ficou um ano e meio para poder “fechar” a
firma que nem chegou a funcionar! O Beltrão tentou
desregulamentar o Brasil. Não conseguiu mesmo tendo e
poder da “ditadura”
Nenhum ente alcança a plenitude de sua existência sem
liberdade, nem mesmo vegetal ou fungo. Não se pretende
laissez-aller generalizado, mas sim desimpedimento bu-
rocrático à evolução dos negócios. Tecnologicamente pode-
se fazer todo o controle e acompanhamento sem obstaculizar
o andamento natural. E mais, se todo estorvamento fosse
produtivo até que se poderia racionalizar, mas não.
Exatamente o contrário. Nossos spreads bancários são 4
vezes mais caros do qualquer outro no mundo, carro 2,5
vezes e meia, o minuto de celular 7 vezes mais caro! Somos
das cinco maiores nações em corrupção, violência e
criminalidade no mundo. Os tribunais estão abarrotados.
Com toda essa regulamentação, ironicamente, das
características mais presentes é a falta de segurança jurídica.

151
JC De Bragança
Como se poderia tê-la num sistema judiciário obrigado a
assimilar 18 novas leis por dia.

O Estado ter que abandonar o papel embaraçador


contra a atividade civil e assumir o oposto e necessário papel
de facilitador e defensor incondicional das empresas
nacionais. Seja nos fóruns internacionais, ou através do Ita-
maraty, que deverá ser transformado numa agressiva central
de vendas de produtos, turismo e do próprio país. Esta
facilitação também será muito eficaz na forma de
financiamento de profissionais e cientistas de ponta tanto
interna como em estudos e pesquisas no exterior.
Desenvolvendo um projeto estatal de atração irresistível de
cérebros e competências do exterior e até mesmo empresas
que busquem ambientes de negócio mais estimulantes e um
lugar mais agradável para se viver do que Estocolmo. Bolsas
de estudo devem ser encaradas como operações de
espionagem ou quase. Lembro da palestra do adido
comercial chines na FIESP, convidando abertamente os
industriais a se estabelecerem na China, lá pelos idos de 90:
“lá não tem CLT nem CUT...” Seriam recebidos de braços
abertos. Temos muito a aprender com eles no setor de agres-
sividade econômica internacional. Já vimos o desesperado
movimento entre as potências após a 2ª Guerra pela captura
de cérebros científicos de alemães. A Austrália, na década de
80 desenvolveu programa planejado e muito bem executado
de atração de migrantes. Hoje existem grandes movimentos
neste sentido em vários países importantes, inclusive da
Europa. "Está caindo a ficha" de que imigrante é solução, é
riqueza e não problema.

Quando li "O Desafio Americano" de Jean-Jacques Ser-


van-Schreiber[B005], no final dos anos 60 pensei ‘o Brasil
precisava de um livro assim’. Longe de comparações
incabíveis, mas os objetivos são os mesmos: mostrar que
temos nas mãos as soluções de nossos problemas, basta se
152
Ecdise De Uma Nação
dar ao trabalho se comprometendo em implementá-las.
Observe caro(a) leitor(a) amigo(a) que me ative apenas a
analisar as causas-raiz e eventualmente propor o que
pessoalmente, na minha limitada visão, considero solução-
raiz. Não me aventei em áreas específicas como fiscal,
previdência, saúde, educação, segurança não me atreveria a
tal. A tese aqui defendida é de que se se entregar diretamente
ao povo brasileiro a responsabilidade pelo seu destino, sem
subterfúgios maliciosos, a nação entra definitivamente na
rota do grande destino que o mundo todo sempre profetizou,
esperou e almejou. há cinco séculos. Este mesmo mundo se
pergunta espantado, ‘Como pode ser que esses brasileiros,
com tudo isso nas mãos, não conseguem sair dessa pobreza?’
O mundo precisa do sucesso do Brasil. Mesmo ao expor as
soluções-raiz me restringi a analisar as duas pontas do
processo que acho seminal, a qualidade do eleitor e na
qualidade da eleição. Que, supostamente por indução,
elegerá melhores lideres aos quais delegaremos o poder de
decidir sobre administração do país, a aplicação da justiça e
o regramento geral. Os detalhamentos cabem aos futuros
debatedores/decisores assessorados por técnicos. Só levantei
a bola.

153
JC De Bragança

154
Ecdise De Uma Nação

IV

Conclusão
Índice

“"Nossa linguagem é um instrumento imperfeito,


criado por homens antigos e ignorantes.
É uma linguagem animista,
que nos convida a falar a respeito de estabilidade e constâncias,
de semelhanças, normalidades e tipos,
de transformações mágicas, curas rápidas,
problemas simples e soluções definitivas.

No entanto, o mundo que tentamos simbolizar com essa linguagem


é um mundo de processos, mudanças, diferenças, dimensões, funções,
relações, crescimentos, interações, desenvolvimentos, aprendizados,
abordagens, complexidades.

E o desencontro entre este nosso mundo sempre em mutação


e as formas relativamente estáticas
de nossa linguagem é parte de nosso problema".“
Wendell Johnson
Psicologista americano

S e o(a) querido(a) leitor(a) me honrou com sua paciente


atenção até aqui, nada mais adequado do que fazer
esclarecedora e resumida conclusão de tudo o que foi
visto. Recapitulemos:
(1) Herdamos de linda e heroica história um excepcional
país. Assim como nossos antepassados, em sua época,
enfrentaram e resolveram problemas, chegou nossa vez
155
JC De Bragança
de enfrentarmos os nossos e dar-lhes as adequadas
soluções. É a responsabilidade para com nossos
descendentes.
(2) Todos os setores possuem graves problemas, indicando
que não é simples crise, mas muito mais: é ecdise. Há
que se mexer em tudo. Não podemos pretender
simplesmente resolvê-los num só movimento.
Sociedades complexas tem intricamentos de visões, todas
bem intencionadas, mas, eventualmente conflitantes.
(3) Negociação é a forma mais sólida e duradoura de
resolver e voltar a resolver se necessário. Que seja feita
de modo amplo e sem acautelamentos ou malícias.
(4) Toda negociação precisa de liderança que no caso seria o
ecdisônio. Este conduziria as equipes especialistas nas
soluções dos fatores de risco setoriais. Tem que ser forte
e ter bom ânimo.
(5) Para surgimento de ecdisônio válido há que se corrigir a
causa-raiz fundamental que é a oportunização de novas
lideranças. Ele será produzido no momento adequado.
Velhas lideranças, velhas soluções não resolvem mais.
Como nossas lideranças são eleitas a causa-raiz que deve
ser corrigida em primeiro lugar é o sistema de eleição.
Numa entrevista logo após a primeira edição, alguém
me perguntou se poderia esboçar um perfil para presidente
nas novas eleições de 2018, ao que respondi que minha visão
era macro, era generalista. Não haveria contribuição válida
se emitisse opinião numa simples eleição, ainda mais sob o
império do voto obrigatório. No entanto, a pergunta perma-
neceu baloiçando na mente.
Hoje tenho resposta mais refletida. Haveria necessidade
de não um, mas pelo menos cinco perfis de presidentes
(vamos preferir o vocábulo liderança) que deveriam ser

156
Ecdise De Uma Nação
cogitados no futuro independente de datas, mas sim de
missões.
O primeiro teria a missão de arrumar a bagunça em
que se transformou a casa; colocar as coisas em seus devidos
lugares; introduzir outras; excluir outras tantas; estabelecer
novas normas e procedimentos. O perfil seria o de implicante
diarista em república de estudantes.
O segundo trabalharia no sentido de ensinar o morador
da casa a usar adequadamente as coisas, mantê-las organiza-
das, defendê-las e, se necessário, aperfeiçoá-las; seria a
requalificação do(a) brasileiro(a) com respeito a atitudes e
comportamentos. Uma pessoa preceptora.
Com o país organizado e funcionando através de povo
capacitado e instrumentalizado, entraria em cena o terceiro
perfil que seria o de "monetizador(a)". A ele caberia
transformar o país em fonte de internalização de riquezas
pelo comércio, turismo e investimentos externos. Lembra-se
de Drucker? "As oportunidades estão lá fora", temos que ir
buscá-las.
O quarto líder deveria se empenhar na construção da
potência política e militar soberana chamada Brasil, através
de musculação interna, principalmente da indústria, ciência e
tecnologia. A este perfil caberia a circunspecta tarefa de
empreender a inserção de fato e de força no cenário mundial.
Não só militar, mas força moral e diplomática. E a
demonstração inequívoca de que o país é sólido, responsável
e grave.
Os quatro primeiros perfis cumpririam missões que se
assemelham ao do comandante que está ganhando altura com
sua aeronave. O quinto e demais conduziriam a navegação
em nível de cruzeiro, isto é, cuidaria que não houvesse
turbulências, desvios de rotas, oscilações na altitude,
sequestros, desânimos ou embaraços. Nem preciso
acrescentar que isto levaria muito, muito tempo, talvez mais
157
JC De Bragança
de uma geração. Alocaria muitas e muitas pessoas
sumamente motivadas. E cada missão cobraria perfil adequa-
do de líder para conduzi-la a bom termo. A missão atual dos
que vivem hoje aqui é consolidar os objetivos estratégicos e
iniciar a pavimentação da estrada.

Como seu país age nas grandes questões

A melhor ocasião para se avaliar a índole de uma nação


(ou pessoa) é durante situações de conflito expressivo. O
primeiro item é: comportamento de fuga ou enfrentamento?
O segundo é, no caso de enfrentamento como o faz, com
excessiva carga emocional ou como tarefa a ser cumprida
com frieza, descortínio e eficácia? Um terceiro é se na
derrota destila ódio e vingança ou desmancha-se
completamente em autopiedade; ou, ainda, já está pensando
e trabalhando na recuperação e alternativas de soerguimento?
Em vitória, esmaga o vencido com dominações e cobranças
de reparos e tirando vantagens; ou tem comportamento
sobranceiro e humanitário? Dois exemplos históricos
clássicos ilustrativos: o estúpido, raivoso, vingativo e inútil
bombardeio de civis em Dresden pelos ingleses; o frio,
pensado, quase humanitário e eficaz bombardeio nuclear do
Japão, que demoveu o Imperador do imobilismo e esvaziou o
poder militarista, poupando vidas. Só se tiver muita
curiosidade, sugiro que não entristeça seu coração
conhecendo estes fatos aterradores.
Os recortes abaixo são do magnífico, exaustivo, íntegro
e definitivo “Maldita Guerra”[006] de Francisco Doratíoto, a
respeito da Guerra do Paraguai, cujos fatos, são, muitas
vezes, distorcidos por interesses e ideologias de algum
narrador superficial de plantão. Para a produção deste livro,
percorreu vários países em três continentes, pesquisando
158
Ecdise De Uma Nação
fontes originais, cartas, papeladas oficiais. Contando com
colaboração de muitos respeitáveis e isentos historiadores
estrangeiros. Trabalho de fôlego sumamente bem validado
por extensa bibliografia. Não espere encontrar opiniões,
patriotadas, apologias ou acusações e julgamentos de
qualquer natureza feitos pelo autor; ele é, por excelência,
fatual.
Leia-o. Diz muito dos valores do seu Brasil e vizinhos
em situações limites.
"Em abril de 1869, existiam no Brasil 2458 prisioneiros
de guerra paraguaios, dos quais 2183 estavam no Rio de
Janeiro. Em janeiro desse ano foi criada, na Escola Militar
da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, um curso primário
destinado aos prisioneiros de guerra paraguaios. O curso
funcionou até 1870 e teve 180 prisioneiros matriculados,
inclusive várias crianças, pois, no transcorrer da guerra,
Solano López passou a utilizá-las como soldados. O curso
tinha aulas diárias de três horas de duração e oferecia as
matérias de leitura ('impressa e manuscrita”), caligrafia,
aritmética, doutrina cristã e rudimentos de gramática
portuguesa e civilidade (comportamento). Em 1870 houve
exame na escola e 129 alunos foram aprovados. As provas
foram assistidas por dom Pedro, que distribuiu medalhas
aos aprovados com melhor desempenho.”
“No Paraguai também foi dado aos prisioneiros do
[navio] Marquês de Olinda tratamento parecido ao que o
Brasil concedeu aos paraguaios aprisionados. Os oficiais
militares e funcionários públicos brasileiros, que se
encontravam no navio, foram enviados para viver em
Capilla de San Joaquín, e forneceram-lhes [aos prisioneiros
paraguaios] casa e metade dos seus soldos, desde que
dessem a palavra de honra de não fugirem. O total dos
soldos desses prisioneiros era de 242 patacões e passaram a
receber 121 pesos, quantia a que se chegou pela conversão
paritária entre as duas moedas quando, na realidade, o
dinheiro brasileiro valia mais.”
“O texto argentino para o projeto de paz parecia, à
maioria da cúpula política do Império, uma tentativa de
Buenos Aires para criar as condições necessárias para
159
JC De Bragança
anexar o Paraguai no pós-guerra. O texto brasileiro, por sua
vez, ao propor a manutenção das tropas aliadas no país
guarani, mesmo depois de assinada a paz, poderia ser
interpretado como tentativa de estabelecer um protetorado,
quando, na verdade, buscava evitar, com a presença de
tropas imperiais, que a influência argentina viesse a
ameaçar a independência paraguaia. Assim, no primeiro
ano de uma longa guerra, os dois aliados davam-se motivos
para desconfianças mútuas sobre a sinceridade existente
para a realização dos objetivos estabelecidos pelo Tratado
de 10 de maio." [...]
"Nos dias 24 e 25 de janeiro de 1869, por iniciativa de
Serapio Machaín, reuniram-se 32 cidadãos paraguaios e
encaminharam, no dia 30 do mesmo mês, uma petição aos
governos aliados em que solicitavam a instalação de um
governo provisório. Na disputa pelo domínio do futuro
governo provisório formaram-se dois grupos políticos. Um
liderado por Juan Francisco Decoud e outro por Cândido
Bareiro." [...] "O governo provisório paraguaio instalou-se
em 15 de agosto e aceitou, em documento dirigido a
Paranhos, as condições estabelecidas pelos aliados para seu
reconhecimento. O primeiro decreto do governo provisório
proibiu os paraguaios de continuarem a servir o 'verdugo'
Francisco Solano López e, ainda, declarou ser dever de todo
bom cidadão contribuir para a vitória da República e dos
governos aliados. O segundo decreto punha fora da lei o
líder paraguaio, 'como assassino de sua pátria e inimigo do
gênero humano', banindo-o para sempre do país. Nos
decretos, acrescentava-se à data: 'ano 10 da liberdade da
República do Paraguai'."[...]
"No dia 19 de agosto, Paranhos comunicou a devolução
da jurisdição civil ao governo provisório. Deixou de existir
a capitania brasileira no porto de Assunção; cessou a função
dos juizes incumbidos da justiça civil e criminal, e teve fim
o Tribunal Administrativo, criado três meses antes pelos
comandantes aliados para julgar as reclamações de cidadãos
paraguaios quanto à posse de propriedades, e também para
cuidar do aluguel de imóveis."
"Em 29 de agosto, o triunvirato [paraguaio] organizou
um ministério nitidamente favorável a Rivarola. Este
assumiu as pastas do Interior, da Guerra e da Marinha,

160
Ecdise De Uma Nação
enquanto Loizaga tornou-se responsável pelas Relações
Exteriores, e Bedoya passou a responder pelas Finanças. O
recém-criado Superior Tribunal de Justiça passou a ter
como presidente Facundo Machaín, enquanto como chefe
de polícia da capital foi nomeado Héctor Francisco
Decoud."
"Faltava às novas autoridades infraestrutura para
exercer suas funções. Assim, para atender às necessidades
dos refugiados de guerra, elas instalaram um precário
hospital, diante de outro, das forças brasileiras. A casa de
saúde paraguaia estava instalada em um edifício que servira
para o aquartelamento de tropas, com as paredes que
permaneceram sem caiar, sem leitos e que nem sequer
possuíam latrinas. As condições de higiene eram péssimas,
a ponto de o hospital paraguaio tornar-se foco de infecção,
inclusive para o hospital das tropas imperiais."[...]
"Nos meses seguintes, o governo provisório assistiu,
impotente, ao agravamento da situação. O Jornal do
Commercio, do Rio de Janeiro, registrou as carências do
país em correspondências não assinadas, remetidas de
Assunção. Era noticiado pelo periódico que fugitivos da
guerra, sem opção para onde ir, dirigiam-se esfomeados
para essa capital. Como consequência do acúmulo de
pessoas na cidade, em más condições de higiene, houve a
ameaça de epidemias e, ainda, os produtos alimentícios
alcançaram 'preço extraordinário'.[...]Sob a fiscalização
aliada, as novas autoridades paraguaias declararam livre a
exploração da erva-mate, abriram todos os portos ao
comércio exterior e criaram, para gerar receita, licença de
funcionamento para os comerciantes, bem como selos para
documentos e publicações. Os comerciantes estrangeiros
em Assunção, relatou o jornal argentino El Nacional
movimentaram-se contra essas medidas, mas o triunvirato
pôde mantê-las com o apoio de Paranhos, seu verdadeiro
autor, segundo o correspondente do periódico. Essas
medidas, porém, não carrearam os recursos mínimos
necessários ao funcionamento do governo provisório. Este,
em consequência, solicitou em setembro ao conde d'Eu
como forma de gerar receita e a título de empréstimo, que
lhe fossem entregues os produtos — erva-mate, couro e
tabaco — tomados pelos aliados a Solano López e
depositados em Assunção. A resposta do comandante
161
JC De Bragança
brasileiro foi que não podia falar em nome dos aliados, mas
que cedia a parte dos produtos apreendidos que coubera ao
Brasil."
"Por ocasião da tomada de Assunção, todos os produtos
existentes em seus depósitos, e que pertenciam ao governo
de Solano López e àqueles que tomavam parte na luta
contra os aliados, foram declarados, por estes, presa de
guerra. O pedido do governo provisório de entrega desses
produtos foi inspirado por Paranhos, tanto que, no mesmo
dia da nota dos triúnviros, esse diplomata já afirmava que
os generais Mitre e Castro cederiam a erva-mate apreendida
que coubera à Argentina e ao Uruguai. Emilio Mitre fora
contra a entrega da erva-mate, pois esperava obter 80 mil
patacões com sua venda."[...]"Por insistência de Paranhos
foram entregues, às autoridades paraguaias, objetos de ouro
e prata pertencentes a igrejas guaranis e que estavam de
posse de Solano López em Ascurra, onde foram
apreendidos. Emilio Mitre propusera que esses objetos
fossem divididos entre os aliados e, depois, vendidos.”
Grassa dolorosas convicções de desalento crescente
para com o futuro do Brasil, aliado à tristeza e insegurança
do momento que se vive. Entre tantos outros, um dos
objetivos deste livro é o de ser opinião contramajoritária à de
que somos inferiores e não sabemos tomar conta de nós
mesmos e de que não consegui(remos) prevalecer sobre as
poderosas iniquidades atuais. As fugidias pinceladas aqui
cometidas da história da civilização brasileira mostra ao
contrário, somos povos forte, valente, generoso e sabemos
muito bem o que queremos e como chegar lá. Mas como é
um país de proporções continentais de variegadas paisagens
humanas, ideias e ações levam tempo para se propagarem.
Obrigado pelo seu prestígio leitor(a), não se esqueça,
ecdise muda tudo, e muda muito! Experimente na sua vida...

162
Ecdise De Uma Nação

Anexo 1:

Reflexões de Leitor Para Historiador(a)


Índice

Eu tenho a licença poética, e você, Historiador(a) amigo(a),


que me honra com seu tempo, não a tem. Mas... você tem a
força da técnica para confirmar os fiapos de desafios que es-
palhei pelo texto. "Será que muito antes de Colombo o sobe-
rano português não plantou secretamente, sob disfarce de de-
gredados, homens capazes e ambiciosos?" "Será que D. João
VI (e até mesmo D. João V) não era(m) apaixonado(s) pelo
Brasil desde sempre?". "Será que D. Pedro II não era um
republicano dissimulado – admirador da democracia ianque
– que conluiou com Deodoro em favor de proteger a filha
para não assumir o poder – ruim para ela e ruim para o
Brasil?"
Sou apaixonado pela História. Leio de forma diletante,
sem compromisso. Não enfrento textos densos e herméticos.
A não ser Hobbes, que arrependo de não tê-lo abandonado
na proverbial 20ª página. Apenas fruo a narrativa da forma
como as pessoas e os grupos usam-se e aos recursos no
entorno para resolver seus problemas e aproveitar suas
oportunidades, bem como as consequências encadeadas. E
fantasio...
Correndo o risco de ser visto como indo além das san-
dálias, gostaria de dividir minhas observações sobre o produ-
to gerado pelo historiador que faz a diferença, isto é, aquele
que não apenas vê e descreve a formiga ao microscópio, mas
163
JC De Bragança
se esforça em pensar como a formiga. Os registros frios em
papeis oficiais – muitas vezes cheios de tergiversações para
encobrir as verdadeiras manobras; ou engajadas publicações
de imprensa da época; ou missivas escritas ainda no calor
dos acontecimentos; mesmo livros contemporâneos; por si só
não garantem a aproximação da verdade dos fatos, das
intenções, dos movimentos, dos recuos, das perdas e ganhos
ocasionais. Às vezes a hesitação ou atraso do agente pode ser
proposital… Movimento inexplicado pode ser finta
brilhante… Comportamento extravagante esconder
encenação eficaz... Grandes e dramáticas decisões listadas
como erros crassos, algumas até o são, dificilmente todas.
Não estou defendendo elucubrações que pretendam
mudar a narrativa histórica fartamente documentada e
comprovada, mas sim buscar motivações mais profundas e
dissimuladas. Medir o acerto da decisão pelos resultados
comprovados, mesuráveis e indiscutíveis. Não apenas em
opiniões ou visões sejam contemporâneas ou especialistas,
grande parte das vezes contaminadas com ideologias
dogmáticas. Isto tem seu peso, claro, mas o historiador
moderno vai em busca no incogitado até agora o que pode
ter de genialidade, loucura ou desespero, O estudo dessas
grandes decisões do gênero humano daria campo fértil à
autocognição como espécie.
O honesto historiador, na escrivaninha, diante da pilha
de material coletado deve-se perguntar, “o que pretendo com
isso tudo?”. Mas não pode se escravizar sob resposta que te-
nha obtido. Na evolução das pesquisas e do texto prioridades
afloram com icebergs no caminho, impedindo passagem até
que se os decifrem. Começar com certa amplitude e a medida
que evolui estreitar-se mantendo a partir daí dentro das
balizas auto-propostas.
Com sugestão penso que a dotação do I.B.G.E. deveria
ser aumentada, bem como sua estrutura e ser acrescentada le-
tra “H” de História à sua sigloide. E num segundo momento
164
Ecdise De Uma Nação
reunir-se em comissão com suporte dos principais especialis-
tas, até internacionais, em cada período ou área da história
brasileira e, escrever exaustiva e completa história muito
detalhada, e mais, comentada. Com os recursos da tecnologia
de e-book e hipertexto, poder-se-ia construir referência
mundial no que diz respeito a narrativa. Os comentários fica-
riam por conta de ideólogos e opinadores. A estrutura princi-
pal seria apenas a narrativa fatual, documentada (fartamente)
e consolidada. Só vi algo semelhante num História da
Civilização Mundial de Max Savelle, onde se reuniu não só
especialistas mas departamentos inteiros de várias
universidades.
Mas sua tarefa não terminaria aí, não se tem apenas pú-
blico-alvo erudito. Há que se pensar nas diversas categorias
de leitores e, portanto, linguagens. Faixa etária, nível
cultural, foco de interesse e muitos outros balizadores,
inclusive versões mais romanceadas poderiam ser produzidas
para ver se se conseguiria quebrar essa ojeriza que temos os
brasileiros pela História.

165
JC De Bragança

166
Ecdise De Uma Nação

Anexo 2:

Ecdise Descrição Científica


Índice

O texto neste capítulo é compilação integral da


Wikipédia, conforme pode ser conferido no link abaixo:
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ecdysozoa
Wikipedia – Ecdysozoa
Ecdysozoa é um clado de animais protostômios que
reúne os artrópodes, nemátodes e outros sete filos. Inclui
organismos que têm de se desfazer do exosqueleto
"apertado" e formar um novo para poderem crescer, um
processo designado muda ou ecdise. O grupo foi definido
por Aguinaldo e colaboradores em 1997, baseado em análise
molecular principalmente de genes 18S RNA ribossomal.
Dunn e colaboradores em 2008, confirmaram a monofilia do
clado.
O grupo Ecdysozoa é das duas grandes divisões dos
Protostomia, os animais em que a boca se forma primeiro
que o ânus no desenvolvimento embrionário. Por sua vez, os
Protostomia pertencem ao grupo dos Bilateria, os animais
com simetria bilateral.
O grupo tem sido contestado por significante minoria
de biólogos. Alguns têm se mantido fiéis ao agrupamento
taxonômico tradicional, outros têm contestado a
interpretação dos dados moleculares.
Características
A mais notável característica compartilhada pelos ecdi-
sozoários é a cutícula de três camadas composta por material
167
JC De Bragança
orgânico, que é periodicamente trocada a medida que o ani-
mal cresce. Este processo de muda é denominado ecdise e
deu origem ao nome do grupo. Os Ecdysozoa não possuem
cílio locomotor, produzem esperma amebóide, e seus embri-
ões não sofrem clivagem como em muitos outros protostô-
mios.
O grupo reúne os seguintes filos: Arthropoda,
Onychophora, Tardigrada, Kinorhyncha, Priapulida,
Loricifera, Nematoda e Nematomorpha. Outros grupos,
como o Gastrotricha, foram considerados como possíveis
membros, entretanto, tais grupos não compartilham a
principal característica do clado, e são agrupados em outras
categorias. Os filos Arthropoda, Onychophora e Tardigrada
têm sido agrupados juntos no Panarthropoda por causa de
sua distinguível segmentação corporal. Dunn et al. em 2008
sugeriram que os tardígrados podem ser agrupados com os
nemátodes, deixando o Onychophora como grupo irmão dos
artrópodes.
Os demais filos do grupo foram agrupados no Cyclo-
neuralia, mas este agrupamento é parafilético.
Críticas
O grupo proposto por Aguinaldo e colaboradores não é
universalmente aceito. Alguns zoólogos ainda mantém a vi-
são tradicional de agrupar o Panarthropoda e o Annelidano
grupo denominado Articulata, e que o Ecdysozoa épolifiléti-
co. Os nemátodes, com seus muitos táxons parasitas e com
um considerado número de autapomorfias constitui o princi-
pal ponto de contestação do agrupamento filogenético.
A principal característica dos artrópodes é justamente a
presença de um exoesqueleto de quitina, que lhes conferem
sustentação para músculos e órgãos e proteção contra
agentes externos, como choques físicos e desidratação
principalmente. No entanto, essa “armadura” rígida impede o
crescimento do animal de maneira direta. Para que os
168
Ecdise De Uma Nação
artrópodes, e os insetos, possam aumentar volume, é neces-
sário que ocorra o rompimento dessa estrutura, através de um
processo chamado ecdise ou muda. Todo processo de
mudança de carapaça é controlado por ações hormonais.
Para entender o processo de ecdise, é preciso entender
a composição do tegumento dos insetos, que é formado por
três partes, segundo:
a) Membrana basal: camada que separa a epider-
me da hemocele e é penetrada por nervos e traqueias;
b) Epiderme: camada simples de células secreto-
ras, responsável pela produção da nova cutícula;
c) Cutícula: formada pelas secreções das células
da epiderme que são depositadas na superfície externa do
corpo do inseto e se solidificam formando o exoesqueleto. É
formada pela epicutícula (parte não quitinosa que atua como
barreira contra a perda de água por evaporação durante a
ecdise) e procutícula (parte quitinosa, dividida em exocutícu-
la e endocutícula)
O processo inicia com degradação da endocutícula pelo
fluído da ecdise que proporciona surgimento de espaço
abaixo. Externamente, no corpo do inseto, há as chamadas
linhas de ecdise, por onde o tegumento fragilizado se abre e
permite a saída através de movimentos musculares. O
tegumento desprendido agora é chamado de exúvia
Uma vez fora da carapaça, o inseto começa a deglutir
água e ar, contrair as musculaturas para elevar a pressão san-
guínea possibilitando a expansão corporal da nova cutícula
que ainda é mole e flexível, enquanto que a epiderme realiza
nova produção da epicutícula. Atingido o crescimento, a
nova carapaça escurece pela pigmentação na camada de
polifenóis, e endurece pela junção da quitina com as
proteínas.

169
JC De Bragança

170
Ecdise De Uma Nação

Anexo 4:

Voto Obrigatório,
Facultativo ou Voluntário
Índice

Parece simples semântica mas existe diferença funda-


mental entre sufrágio facultativo e sufrágio voluntário, que
se pode, claramente perceber no dicionário do Huaiss:

Voluntário
] adjetivo
1 que não é forçado, que depende da vontade ou é
controlado por ela; espontâneo
Ex.: movimento v.
2 que se pode optar por fazer ou não
Ex.: demissão v.
3 que age apenas segundo sua própria vontade; capricho-
so, voluntarioso
Ex.: crianças v.
4 Regionalismo: Rio Grande do Sul.
que não precisa ser fustigado, que anda com facilidade
(dizse de cavalo)
 substantivo masculino
5 (XV)
aquele que ingressa no serviço militar sem ser
obrigado
6 aquele que ingressa livremente num exército para lutar
por suas idéias ou crenças, numa guerra ou luta civil
7 estudante que é admitido num curso em condições
diferentes daquelas que se aplicam aos estudantes
regulares
171
JC De Bragança
8 aquele que se dedica a um trabalho sem vínculo empre-
gatício, prestando ajuda quando necessário
Ex.: bombeiro v.

lat. voluntarìus,a,um 'que age por vontade própria'; f.hist.


sXV voluntaria, sXV uoluntaryas, sXV volluntarias

Facultativo
 adjetivo
1 que concede um direito ou poder
2 que dá ou deixa a faculdade de fazer ou não alguma
coisa
3 que não é obrigatório
 substantivo masculino
4 indivíduo que exerce legalmente a medicina; médico

rad. do lat. facúltás, átis 'faculdade, possibilidade' sob a f. fa-


cultat + ivo, prov. por infl. do fr. facultatif 'id.'; ver faz

O que é voluntário é iniciado pela vontade própria,


parte de desejo interno, é volitivo. Enquanto o facultativo
significa que é permitido por poder externo, que deixa (ou
não) o exercício do desejo. No primeiro caso o impulso da
ação se origina no indivíduo e sua livre aspiração. No
segundo, o facultativo, a origem do direto em expressar está
vinculada a agente externo concedente.
De qualquer forma sem eliminar essa excrescência do
voto obrigatário, podemos esquecer qualquer possibilidade
de mudança. O voto obrigatório coloca como poder decisor
do futuro da nação na maioria do eleitorado. Vale dizer
maioria que não lê, que não se informa, que não é politizada,
que não se envolve e muito menos se compromete. Não é
porque são ruins ou desqualificados, mas pelo simples fato
de que estão absorvidos demais na brutal luta pela

172
Ecdise De Uma Nação
sobrevivência e não sobra nada em sí que possa ser dedicado
a assunto tão abstrato, como a política.
A quem interessa a obrigatoriedade do voto?
Os primeiros da lista são os meios de comunicação de
massa, grandes redes de televisão, radio, jornais,
marqueteiros, agências de publicidade, artistas populares
(que cobram elevados cachês) até mesmo certo blogs. O
motivo é simples: voto obrigatório é caríssimo pois tem que
cobrir todo o universo eleitoral (cerca de 150 milhões de
pessoas em 8,5 km²), e essa despesa vai parar nas mãos
desses operadores de comunicação. Dinheiro fiscalmente
difícil de contabilizar pois pagam produções de material
intangível. Pode-se cobrar qualquer coisa pela criação de um
logotipo, jingle, slogan ou show. É arte, é criação. Numa
eleição com voto voluntário provavelmente orçaria entre 10
a 20% do custo da eleição obrigatória atual. Por lei a
campanha política receberá do governo 3 bilhões para a
próxima eleição. A França gasta um décimo disto, 300
milhões.
Nem vamos entrar na seara da corrupção, assaz conhe-
cida pela lavagem judicial que se desdobra nestes dias. Por
isso a mídia, os políticos e demais interessados
desconversamo, emudecem ou quando não produzem
reportagens francamente desfavorável ao voto voluntário na
grande mídia.
Depois vem os candidatos e, claro, seus partidos políti-
cos e a as “coligações”. O baixíssimo nível de candidatos –
muito bem exposto ao opróbrio até da imprensa mundial du-
rante as votações do impeachment – é irretorquível. Para
povo ignorante e com baixo nível de interesse se “vende”
qualquer coisa desde que ele seja obrigado a comprar. O
resto fica por conta do picaresco da auto-apresentação do
candidato e sua biografia. Quanto mais burlesco e divertido,

173
JC De Bragança
mais votos. O setor político está prenhe de bufões, sendo
eleitos e reeleitos ad nauseam.
Na verdade não tem graça nenhuma o que esses eleitos
e seus putrefatos partido políticos realizaram, não só agora
nesta última catástrofe ideológica, mas através de toda a his-
tória do país. Nestes partidos se pode entrar apenas de duas
formas, ou se tem dinheiro para gastar ou se é celebridade.
Jornalista, jogador de futebol, artista ou qualquer que tenha
sido exposto na grande mídia, de preferência na televisiva, se
torna imediatamente confiável e salvador da pátria para o
eleitor-submisso, para o eleitor-escravo. Apresentam-se
diplomas, currículos, qualificações e feitos bem ao estilo
curricular de quem procura emprego. Sempre defendendo os
clichês por melhores salários, atendimento na saúde e mais
segurança. Promessas totalmente vagas e sem
comprometimento.
Outros setores que muito ganham em se manter o voto
obrigatório são aqueles cuja existência já está satisfatoria-
mente resolvida. Ninguém quer mudar nada, se a vida está
boa do jeito que está. Incluem-se nesta categoria boa parcela
do alto funcionalismo público e sua burocracia; as grandes
empresas bem consolidadas no status quo, sem concorrência
válida; as estatais e paraestatais que navegam num mar de
verbas cor-de-rosa do Tesouro; sindicatos e conselhos de
classes profissionais; fundos os mais diversos; clérigos (com
a isenção de impostos para igrejas), clubes de futebol,
militares etc. etc. etc. Como se diz a sociedade dita
organizada, só que em estamentos e castas.
Porque o voto obrigatório é tão prejudicial?
O voto obrigatório cria o eleitor-escravo. É escravo
quem não é dono da própria vontade. O eleitor-escravo vota
obrigado quando, onde e em quem se lhe apresentam como
candidatos. Se não votar sofrerá sanções no pelourinho.
Como escravo mesmo. Mas estes castigos nem são a pior
174
Ecdise De Uma Nação
consequência mas sim o crescente desprezo por tudo o que
diz respeito a eleições, por parte de pessoas que, em outras
circunstâncias teria muito a contribuir, até mesmo como
candidatos. Mas este jogo de cartas marcadas não inspira.
Círculo vicioso que se alimenta mediocridades sustentado
com o voto-escravo, ou pior, voto-vendilhão. Demagogos em
todas á áreas recomendam hipocritamente, escolham bem
seus candidatos. Como?
O sufrágio compulsório tem outro aspecto perverso,
mantêm o foco em personagens e não em programas e linhas
de atuação. Como o eleitor poderá cobrar do sufragado que
defenda a proposta da qual ele é compromitente? Critica-se o
eleitor por algumas semanas não se lembrar em quem votou,
nada mais natural. no entanto, ele não esqueceria se tivesse
votado numa propositura nítida. Este sistema eleitoral ainda
tem o defeito de blindar o mandatário através de
distanciamento do eleitor. Só se encontram no período de
campanha. Não existe mecanismos de prestação de contas e
também de ratificações de ações em andamento. Tudo é feito
à distância.
Pode-se tentar dizer que a imprensa são os olhos e
ouvidos do eleitorado. Com efeito, a imprensa no Brasil tem
demonstrado excelente desempenho no seu mister, exemplar
até ao jornalismo de outros países. Mas não é função da
imprensa fiscalizar e sim de informar. Quem fiscaliza é a
população informada e reativa. Como tem acontecido no
Brasil pós 80. Houve muita evolução no mecanismo
democrático. Mas não acompanhou a evolução tecnológica e
a multiplicação da informação e interação. O cidadão hoje é
infinitamente mais bem informado do que poucos cinco anos
atrás. Ele quer participar mais de decisões, e com certeza o
faria com muita eficácia. A posição apenas de crítico ou
ratificador de ações impostas não está mais sendo aceita com
paciência. Aliás, isto é fenômeno sentido em todo o mundo.

175
JC De Bragança
Diz-se que a democracia está em crise. Quem sabe não será
ecdise?

176
Ecdise De Uma Nação

Anexo 4:

Análise de Causa-Raiz – RCA


Índice

Princípios Gerais
O objetivo primário da análise da causa-raiz (RCA –
Root Cause Analisis) é identificar os fatores que resultaram
na natureza, magnitude, localização e temporalidade das
consequências de um ou mais eventos; determinar quais
atitudes, comportamentos, ações ou inações, bem como
condicionantes deverão ser mudadas para evitar ou provocar
(no caso de serem alvos desejáveis) recorrências e,
finalmente identificar lições que promoverão o
comprometimentos de agentes com melhores consequências.
Para ser efetiva, a análise da causa-raiz (RCA) deve ser
realizada sistematicamente, geralmente como parte de in-
vestigação, com as conclusões e causas-raiz identificadas ba-
seadas em evidências incontestes. Em certos casos poderá
haver mais de uma.
O propósito é identificar a formula mais simples e de
mais baixo custo entre todas as soluções apresentadas de pre-
venir ou provocar a recorrência.
Um dos caminhos mais lógicos para traçar causas é
com blocos hierárquicos de pesquisas, e recorrendo à teoria
dos grafos usado em data minning. causa-raiz é definida
neste contexto com "as condições que possibilitam uma ou
177
JC De Bragança
mais causas". Para serem efetivas, as análises deverão
estabelecer sequências de eventos ou linha do tempo (time
line) para se entender relações entre os fatores contribuintes
(causal), a(s) causa(s) raiz(es) e o problema/alvo.
Um dos efeitos secundários mais desejáveis é o fato de
transformar uma cultura reativa (aquela que responde a estí-
mulos) em cultura prescritiva (aquela que previne o proble-
ma/alvo antes que ocorra ou entre numa escalada). Aspeto
importante é que a RCA gerencia a frequência da recorrência
do problema/alvo através do tempo.
Como a RCA é força de mudança e pode ser vista
como ameaça a muitas culturas e ambientes, com frequência
deverá enfrentar resistências. Por isso a gerência deverá se
comprometer com o apoio incondicional ao sucesso de
implementação da RCA. Uma boa política, por exemplo,
será a abordagem "não punitiva" aos testemunhos que
colaboram para a identificação do problema/alvo.
Processos De Desempenhar e Documentar Correções Ba-
seadas em RCA
1. Defina o problema/alvo ou descreva o evento a ser
evitado/provocado no futuro. Inclua os atributos (proprieda-
des) qualitativas e quantitativas dos resultados desejáveis.
Geralmente se inclui especificidades da natureza,
magnitudes, locações e tempos dos eventos. Em alguns
casos, simplesmente diminuindo as expectativas de previsões
de recorrências poderão ser objetivos aceitáveis. Por
exemplo, "diminuir os riscos" de acidentes automobilísticos
certamente é economicamente mais atingível do que o de
"prevenir todo" futuro acidente automobilístico.
2. Coletar dados e evidências, classificando-os ao
longo da linha do tempo até a crise/falha/alvo final. Para
cada atitude, comportamento, ação ou inação, especifique na
linha do tempo o que deveria ter sido feito em contraste com
o que foi feito.
178
Ecdise De Uma Nação
3. Em modelo de blocos hierárquicos de pesquisas para
data minning use os grupos de blocos e, em vez de classificá-
los: (a) destaque os grupos que exibem a causa específica;
(b) descubra seus grupos antecedentes; (c) identifique se as
características estão consistentes; (d) confira com experts e
valide.
4. Pergunte "porque" e identifique as causas associadas
a cada passo sequencial através do problema definido ou
evento. "porque" deve ser tomado como significando "Quais
eram os fatores que diretamente resultaram no efeito?".
5. Classifique as causas em duas categorias: fatores
causais que se relaciona a um evento na sequência; e causas-
raiz que quando eliminado interrompe aquele passo na ca-
deia de sequenciamento.
6. Identifique todos os outros fatores que possam ter
motivos melhores ou iguais de serem definidos como
"causas-raiz". Se houverem múltiplas causas-raiz, o que fre-
quentemente acontece, destaque-as para posterior melhor
seleção.
7. Identifique ação(ões) corretiva(s) que poderá(ão),
com certeza, prevenir recorrências de cada efeito
prejudicial/desejável e os relacionados resultados ou fatores.
Confira que cada ação corretiva poderia, se implementada
antes do evento, ter reduzido ou prevenido efeitos indesejá-
veis
8. Identifique soluções que, quando efetiva e dentro do
acordo consensual do grupo: previna recorrências com
razoável certeza; estejam dentro do controle da instituição;
atinja suas metas e objetivo; e não cause ou introduza outro
problema novo ou não detectado.
9. Implemente a(s) correção(ões) recomendada(s) da(s)
causa(s)raiz.

179
JC De Bragança
10. Assegure efetividade pela observação da
implementação das soluções em operação.
11. Identifique possibilidades de aplicação de outras
metodologias úteis para solução ou evitação do problema.
12. Identifique e ataque outras instâncias de cada resul-
tado indesejável ou fator prejudicial.

180
Ecdise De Uma Nação

Glossário
Índice

Os lexicômanos puristas me perdoem, mas


semanticamente não me sujeito muito às definições
dicionarísticas, uso descaradamente de estrangeirismos,
neologismos, gírias ou até mesmo crio algumas.
Comportamento esse bem alinhado com umas das linhas
defendidas neste livro: permeabilidade, flexibilidade,
criatividade... liberdade enfim.
Brancaleônico, refere-se ao filme Mário Monicelli "Incrível
Exército Brancaleone", uma espécie exército sonhador
e miserável estilo Dom Quixote.
Ciberativismo, movimentação engajada em propostas
políticas realizadas via internet.
Código-aberto, codificação em liguagem de programação
sem direitos autorais.
Cronogramado, programado de forma cronológica.
Programação temporal de ações.
FPE - Fundo de Participação De Estados
FPM - Fundo de Participação De Municípios
LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal
Oportunização, oportunizar: Estas palavras não existe no
VOLP-ABL (Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa da Associação Brasileira de Letras)
autoridade que oficializa o léxico no Brasil. Como
tantas outras antes, essa ausência é circunstancial.
Logo estará lá. Eu uso e no sentido de definir uma ação
intencional de abrir oportunidade, em contraponto a
oportunidades que surgem espontaneamente.
181
JC De Bragança
Pseudocódigo: descrição já em formato sequencial de
rotinas que deverão ser codificadas em linguagem de
software.
Exemplo:

Se
Não souber o nome da pessoa
Então
Peça o nome da pessoa
Fim

Royaltado, um direito qualquer sobre o qual se paga


compensação ou parte do lucro.detentor de .
SOX, Foi um sistema operacional padrão UNIX totalmente
desenvolvido no Brasil nos anos 80 péla COBRA
(Computadores e Sistemas Brasileiros S/A)
Transdisciplinaridade, abordagem científica que visa a
unidade do conhecimento. Busca maior compreensão
da realidade articulando elementos que passam entre,
além e através de disciplinas.
TTT, Tears, Teats and Toys. Lágrimas, tetas e brinquedos.
Propagandas que utiliza recursos apelativos a para
comoção, sensualidade e infantilidades.
V.A.R., Vossa Altíssima Reverendíssima (pronome de
tratamento)

182
Ecdise De Uma Nação

Bibliografia
Índice

[001]: 100 anos de Saúde Pública: a visão da Funasa


Copyright © 2004 Brasília
Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
Ministério da Saúde

[002]: MILLER, James


Living Systems Model
McGraw-Hill

[003]: O Macaco Nu, Desmond Morris 1967


Tradução de Hermano Neves
São Paulo, Brasil
CIRCULO DO LIVRO S.A.

[004]: Cem dias entre o céu e o mar


Por Amyr Klink

[005]: O Desafio Americano


Jean-Jacques Servan-Schreiber
Editora Expressão e Cultura

[Fig. 01] Ilustração de "Piltdown Man"


Charles Henry Bourne Quennell
1922

[Fig.02] Retrato imaginário de Joanenses Gensflish zur


Laden zum Gutemberg feito após sua morte. Wikimedia
Commons.

[006]Doratíoto, Francisco Fernando Monteoliva

183
JC De Bragança
Maldita Guerra : nova história da Guerra do Paraguai
São Paulo : Companhia das Letras, 2002.
ISBN 978-85-359-0224-2

[007]Reis, José Carlos.


As identidades do Brasil 2: de Calmon a Bomfim: a favor do
Brasil: direita ou esquerda?
Editora FGV, 2006.
Rio de Janeiro
ISBN – 978-85-225-1004-7

[008]Scruton, Roger, 1944-


Como ser um conservador
Record, 2015.
Rio de Janeiro
ISBN 978-85-01-10600-1

184
Ecdise De Uma Nação

CAPA:
Papel: Supremo 240.
Cor: 4x0 colorida.
Acabamento: laminado fosco.
Dimensões: 42,87 x 21 cm (A5) incluisive orelhas
de 6cm.

MIOLO:
Papel: Off set 75 g.
Cor: 1x1 preto e branco.
Acabamento: brochura, dobrada e colada em hot
melt.
Dimensões: 14,8 x 21 cm (A5).

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JC De Bragança

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