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04/02/2019 Dialética e marxismo: Isaak Illich Rubin e o fetichismo da mercadoria

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Lunes 4 de Febrero de 2019


18:27 hs.

TEORIA

Dialética e marxismo: Isaak Illich Rubin e o


fetichismo da mercadoria

Juan Dal Maso

Continuaremos com a série de marxismo e dialética com alguns aspectos da leitura de


Isaak Illich Rubin sobre a importância teórica e metodológica do fetichismo da
mercadoria no pensamento de Marx.

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Isaak Illich Rubin (1886-1937) foi um destacado economista e pesquisador da obra e Marx.
Antes da revolução russa havia militado na fração menchevique do Partido Operário
Socialdemocrata Russo. Em 1926 ingressou como pesquisador no Instituto Marx-Engels,
coordenado por David Riazanov. Em 1930 foi preso e acusado falsamente de conspirar para
reorganizar um centro menchevique. Foi liberto em 1934 e enviado ao Cazaquistão em uma
espécie de exílio externo. Em 1937 foi detido no marco do “Grande Expurgo” levado adiante
pelo regime de Stalin e executado em alguma data próxima a 25 de novembro de 1937.

Sua obra mais conhecida são os Ensaios sobre a teoria marxista do valor (1928) na qual faz
uma série de contribuições fundamentais para a reflexão crítica sobre a obra de Marx, em
especial O Capital.

Daremos foco neste artigo, em sua leitura sobre a questão do fetichismo da mercadoria, seu
lugar no desenvolvimento da compreensão marxista o capitalismo e sua importância teórica
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para compreender os argumentos e o método dialético de Marx.

Rubin questionava aqueles críticos de Marx (Tugan-Baranovski entre outros) que haviam
interpretado a exposição de Marx sobre o fetichismo da mercadoria como uma digressão
filosófica sem relação com a crítica à economia política. Pelo contrário, ressaltava que a
questão do fetichismo da mercadoria era inseparável da teoria do valor de Marx e era chave
para compreender o capitalismo, já que era “uma teoria geral das relações e produção da
economia mercantil”.

Antes de retomar os argumentos de Rubin, vejamos como Marx definia o fetichismo da


mercadoria em sua conhecida passagem de O Capital:

“O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela


reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos
próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por
isso, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação
social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por meio desse quiproquó que os
produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensíveis-suprassensíveis ou sociais. A
impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo óptico não se apresenta, pois, como um
estímulo subjetivo do próprio nervo óptico, mas como forma objetiva de uma coisa que está fora
do olho. No ato de ver, porém, a luz de uma coisa, de um objeto externo, é efetivamente
lançada sobre outra coisa, o olho. Trata-se de uma relação física entre coisas físicas. Já a
forma-mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho em que ela se representa não
tem, ao contrário, absolutamente nada a ver com sua natureza física e com as relações
materiais [dinglichen] que dela resultam. É apenas uma relação social determinada entre os
próprios homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação entre
coisas. Desse modo, para encontrarmos uma analogia, temos de nos refugiar na região
nebulosa do mundo religioso. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida
própria, como figuras independentes que travam relação umas com as outras e com os homens.
Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu
chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como
mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.” [1]

Rubin assinalava que o fetichismo da mercadoria não era uma ilusão ideológica, mas sim o
resultado de um processo social. Suas bases objetivas estavam dadas pelo fato de que ao
caracterizar-se a sociedade capitalista moderna pela organização da produção em função da
troca no mercado, os produtores atuavam como produtores privados independentes sem
relação estabelecida de antemão. Ao estabelecerem relação através da troca de mercadorias, a
relação social entre as pessoas efetivamente se realizava através da mediação das coisas, ou
seja, das mercadorias. As mercadorias, neste contexto, se caracterizavam por ter uma
existência material e uma função social e essa dualidade é chave para compreender a crítica de
Marx à economia política.

Rubin destacava que na sociedade capitalista se dá um processo de coisificação das relações


de produção entre as pessoas e personificação das coisas. Isto significa que as relações de
produção se materializam nas mercadorias e, por sua vez, o proprietário de coisas com
determinada forma social (por exemplo o capital) estabelece a partir destas coisas (falando
sempre de objetos produzidos para ser trocados no mercado ou por seu equivalente em
dinheiro) relações de produção concretas com outras pessoas. Uma vez que este processo de
“coisificação das relações de produção” se generaliza em um sem-número ininterrupto de
transações entre produtores de mercadorias, as “coisas” (mercadorias produzidas para o
mercado) mantém essa característica de condensar relações sociais ainda que
momentaneamente a troca se interrompa para casos específicos. Deste entrelaçamento entre
as relações sociais de produção e as mercadorias, surge o fetichismo de considerar que as
coisas “têm valor” como uma característica própria.

Rubin sustentava que ao destrinchar o problema do fetichismo, Marx estabeleceu uma relação
nova entre a existência material das categorias econômicas e sua função social. Isto significa
que analisando as categorias econômicas em seus distintos níveis de complexidade, Marx
expôs uma série de formas que expressavam as relações sociais através das “coisas”. Por
exemplo, o dinheiro que cumpre a função de vincular de forma direta o capitalista com os
trabalhadores têm a forma de “capital variável”, enquanto aquele que os vincula indiretamente
tem a de “capital constante”. Os conceitos básicos da economia política expressam relações de
produção entre as pessoas, que estão mediadas por coisas (mercadorias), assim estas
cumprem uma função social e adquirem portanto uma forma social. Por isso, para Rubin a teoria
de Marx analisava um conjunto de formas econômicas que respondiam a uma série de

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“relações de produção de complexidade crescente entre as pessoas”, incluídas aquelas mais


complexas como a “forma valor” e a “forma dinheiro”. Neste tratamento das formas residia,
segundo Rubin, a formulação metodológica totalmente nova dos problemas econômicos por
Marx. Rubin não se referia ao tratamento das formas como tais (questão que já estava presente
em Schiller, Hegel, no romanticismo e no idealismo alemão), mas sim ao tratamento das formas
econômicas em relação com suas determinações sociológicas.

Neste contexto, Rubin (assim como Antonio Labriola) caracterizava o método dialético de Marx
como um “método genético”: “Este método genético (ou dialético) que contém análises e
sínteses, foi contraposto por Marx ao método analítico unilateral dos economistas clássicos. O
caráter único do método analítico de Marx não consiste somente em seu caráter histórico, mas
também em seu caráter sociológico, na intensa atenção que presta as formas sociais da
economia. Partindo das formas sociais como dadas, os economistas clássicos trataram de
reduzir as formas complexas nas formas mais simples através de análises, isto com o intuito de
descobrir sua base ou conteúdo técnico-material. Marx, por outro lado, partindo de uma
condição dada do processo material da produção, de um nível determinado das forças
produtivas, tratou de explicar a origem e o caráter das formas sociais que assume o material e a
produção”

A leitura de Rubin permite aproximar-se da dialética marxista de um modo distinto dos habituais
(explicação de leis dialéticas). Ao eleger como centro de sua reflexão a problemática do
fetichismo da mercadoria e sua relação com as características específicas das relações de
produção no capitalismo, apresenta a dialética como um pensamento que expõe relações
sociais concretas entre sujeitos (os seres humanos que se relacionam em função da produção e
reprodução da vida material), entre sujeitos e objetos (as “coisas” produzidas com o fim de
serem compradas e vendidas no mercado) e entre planos da realidade que são reproduzidos
conceitualmente (categorias econômicas e formas sociais). Deste modo, as clássicas
problemáticas dialéticas de relações de interdependência entre essência e aparência e forma e
conteúdo, que muitas vezes são expostas de maneira abstrata, são reformuladas de maneira
original a partir de uma releitura metodológica do pensamento de Marx.

Esta proposta de leitura de Rubin representa uma importante contribuição para a compreensão
da dialética como um pensamento do concreto.

[1] Trecho em português retirado da edição de O Capital publicado pela Editora Boitempo.
Tradução de Rubens Enderle.
O Capital, Karl Marx, 2013, Ed. Boitempo. O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo. pp.
206-7.

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