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Mestrado em Administração Educacional

Unidade Curricular:
Avaliação de Processos, Organizações e Políticas Educativas
Professor Doutor Carlos Barreira
Professora Doutora Ana Seixas

Avaliação do Projeto de Lei “Escola sem


Partido”

Realizado por:
Vinicius Lins

Janeiro, 2019
Índice

1. Introdução................................................................................................ 03
2. Apresentação do Projeto de Lei ............................................................... 04
2.1 Ambientação histórica da criação do “Escola Sem Partido” ............... 04
2.2 Explicitando o Projeto ........................................................................ 05
3. O Papel da Escola e a postura do Professor em sala de aula................. 07
3.1 Doutrinação ....................................................................................... 08
3.2 Liberdade de Cátedra X Liberdade de Expressão ............................. 09
3.3 Direitos e deveres do Professor à luz da Constituição ....................... 10
4. Há doutrinação em sala de aula? ............................................................ 12
5. Avaliação e observação de aulas ............................................................ 16
6. Conclusão e Reflexões Finais .................................................................. 18
7. Referências Bibliográficas ....................................................................... 19

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1. Introdução
O tema deste trabalho foi escolhido em virtude da importância em debater
sobre o assunto e da necessidade de se adotar ferramentas para identificar e repelir
a doutrinação política-ideológica nas escolas e universidades brasileiras. O Projeto
de Lei nº 7180 de 2014, de autoria do Deputado Erivelton Santana, que, por meio de
mutação da Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
pretende incluir, entre os princípios do ensino, o respeito às convicções do aluno, de
seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre
a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa
e ficou conhecido como Projeto Escola sem Partido.

Com os movimentos sociais pró-projecto como o Movimento “Escola sem


Partido” tornou-se possível trazer à população a realidade da postura de muitos
professores em sala de aula e isso tem gerado grandes consequências no nível do
aprendizado dos alunos, podendo, inclusive, ser observados seus resultados em
exames internacionais, como o PISA, por exemplo. Desta forma, o tema assume-se
de vital importância aos estudantes, pais e professores e pretende promover e
incentivar o pensamento crítico acerca do assunto.

O trabalho divide-se em 4 partes. A primeira parte faz uma revisão do Projeto


de Lei, bem como de uma contextualização histórico-situacional do Movimento
supracitado. A segunda parte explicita acerca da doutrinação e liberdade do docente
em sala de aula. A terceira parte faz uma análise sobre a existência da Doutrinação
nas Instituições de ensino. Por fim, a quarta parte, tem por objetivo realizar as
reflexões sobre o assunto, observando a necessidade de adoção de ferramentas de
avaliação, como sugestão, a avaliação dos docentes, levando em conta seus direitos
e deveres previstos na Constituição Federal Brasileira, em defesa dos direitos dos
estudantes em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em
consonância com o Plano Nacional de Educação e, ainda, com a Convenção
Americana dos Direitos Humanos.

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2. Apresentação do Projeto de Lei
2.1 Ambientação histórica da criação do “Escola sem Partido”

O Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004, por iniciativa do advogado


e então procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, como uma resposta a
uma utilização do ensino nos colégios para fins político-ideológicos, que, segundo
ele, representa doutrinação e cerceamento da liberdade do estudante em aprender.
O procurador acredita que muitos professores, sob o pretexto de despertar o
pensamento crítico do aluno, disseminam suas ideologias e realizam propagandas
político-partidárias em vez de se preocuparem com o processo educativo.

Em suma, este movimento reivindica a imparcialidade e a objetividade do


professor, quando em sala de aula, com o propósito de combater qualquer viés
ideológico, com a alegação de que caso um aluno venha a ter posicionamentos
divergentes do docente, será negado a ele o acesso a outras explicações e
abordagens alternativas para os fenômenos estudados.

Essas propostas permaneceram inertes até meados de 2014, quando, a


convite do Deputado Estadual Flávio Bolsonaro, o procurador Nagib escreveu um
projeto de lei (PL 2974/2014), de forma a ser proposto à Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro. No mesmo ano, o irmão do Deputado Flávio Bolsonaro, o
vereador no Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, lançou o PL 864/2014, com a mesma
proposta de tema, para apreciação da Câmara Municipal. Ambos os projetos foram
disponibilizados no site do movimento.

Com isso, estes projetos serviram e têm servido de inspiração para a


disseminação de projetos do mesmo tipo em Câmaras Municipais e Assembleias
Legislativas de vários Estados brasileiros: Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do
Sul Espírito Santo, São Paulo, Amazonas, Distrito Federal, dentre outros. Além
disso, em âmbito federal, o PL 867/2015 e outros quatro projetos de lei tramitam na
Câmara com propostas também inspiradas no movimento Escola sem Partido.

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2.2 Explicitando o Projeto

O Projeto de Lei sobre o Escola sem Partido dispõe sobre o direito dos alunos
de aprender, a conduta dos professores na transmissão dos conteúdos e sobre o
respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência
aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados
à educação moral, sexual e religiosa, bem como tornar defesa a inserção de
questões relativas à ideologia de gênero no âmbito escolar. Em seu conteúdo,
observamos o seguinte:

Art. 1º Esta lei disciplina o equilíbrio que deve ser buscado entre
a liberdade de ensinar e a liberdade de aprender, no âmbito da
educação básica, em todos os estabelecimentos de ensino públicos e
privados do País.
Art. 2º O Poder Público não se imiscuirá no processo de
amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de
dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero.
Art. 3º No exercício de suas funções, o professor:
I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para
promover os seus próprios interesses, opiniões, conceções ou
preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;
II - não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos
em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou
religiosas, ou da falta delas;
III - não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem
incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e
passeatas;
IV - ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas,
apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias,
opiniões e perspetivas concorrentes a respeito da matéria;
V - respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos
recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as
suas próprias convicções;

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VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens
anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro
da sala de aula.
Art. 4º Para o fim do disposto no caput do art. 2º, as escolas
afixarão nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais onde
possam ser lidos por estudantes e professores, cartazes com o
conteúdo previsto no Anexo desta Lei, com, no mínimo, 21 centímetros
de altura por 29,7centímetros de largura (padrão A4), e fonte com
tamanho compatível com as dimensões adotadas.
Parágrafo único. Nas instituições de educação infantil, os cartazes
referidos no caput deste artigo serão afixados somente nas salas dos
professores.
Art. 5º O disposto nesta lei aplica-se, no que couber:
I - às políticas e planos educacionais;
II - aos conteúdos curriculares;
III - aos projetos pedagógicos das escolas;
IV - aos materiais didáticos e paradidáticos;
V - às avaliações para o ingresso no ensino superior;
VI - às provas de concurso para ingresso na carreira docente;
VII - às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no
art. 207 da Constituição Federal.
Art. 6º O art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de
diretrizes e bases da educação nacional, passa a vigorar acrescido do
seguinte inciso XIV e do novel parágrafo único:
“Art. 3º.
..............................................................
............................................................................
XIV - respeito às crenças religiosas e às convicções morais,
filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis,
tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação
escolar nos aspetos relacionados à educação moral, sexual e
religiosa.
Parágrafo único: A educação não desenvolverá políticas de ensino,
nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo
de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a
ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’.” (NR).

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Art.7º No âmbito da educação básica, as escolas particulares de
orientação confessional e ideologia específicas poderão veicular e
promover os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico
autorizados contratualmente pelos pais ou responsáveis pelos
estudantes.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo,
as escolas deverão disponibilizar aos pais, ou responsáveis pelos
estudantes, material informativo que possibilite o pleno conhecimento
dos temas ministrados e dos enfoques adotados.
Art.8º Esta Lei entra em vigor após decorridos 2 (dois) anos da
data de sua publicação.

Nota-se que este Projeto de Lei não fere a liberdade do Professor de


ensinar, mas sim, impede ou restringe a instrumentação da posição de
docente, de líder educacional em sala de aula para a doutrinação político-
ideológica.

3. O Papel da Escola e a postura do Professor em sala de


aula
Uma escola ou mesmo uma universidade não pode, de forma alguma, adotar
um posicionamento ostensivo acerca de suas preferências políticas, ideológicas ou
partidárias, de forma a não ferir e não permitir que sejam feridas a liberdade de
expressão, crença e pensamento dos alunos.

Por dever ético, o professor deve ser consciente e cauteloso acerca do


conteúdo ideológico de suas expressões e de quanto suas experiências pessoais, e
não estritamente científicas, definem o seu modo de pensar e comprometem o
aprendizado.

Se, por um lado, tentar coibir a manifestação de convicções constitui-se em


tarefa inócua, por outr, admitir que se estabeleça, em sala de aula, determinada
militância política ou ideológica, permitindo uma única forma de pensar, sugere um
desvio de finalidade da proposta educacional.

A doutrinação política e ideológica em sala de aula ofende a liberdade de


consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do
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Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza
o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um
dos competidores.

Por outro lado, a exposição, em disciplina obrigatória, de conteúdos que


possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais,
viola o art. 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo o qual
“os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que
esteja de acordo com suas próprias convicções.”

O Movimento Escola sem Partido afirma que essas práticas, todavia, apesar
de sua manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade, tomaram conta do sistema de
ensino.

A pretexto de “construir uma sociedade mais justa” ou de “combater o


preconceito”, professores de todos os níveis vêm utilizando o tempo
precioso de suas aulas para “fazer a cabeça” dos alunos sobre
questões de natureza político-partidária, ideológica e moral.

3.1 Doutrinação

Neste sentido, de forma a clarificar a importância do tema abordado, faz-se


necessário percebermos o significado de alguns conceitos, com o intuito de não
violar o direito de expressão dos professores e nem ferir o desenvolvimento de
nossos alunos.

Para Antonio Gramsci, a chegada ao poder deveria ser antecedida por


mudanças de mentalidade e que os agentes dessas mudanças deveriam ser os
intelectuais e a ferramenta essencial deveria ser a escola. Enquanto a maioria dos
pensadores marxistas enfatizava as relações entre economia e política, Gramsci deu
maior importância à ação ideológica nos campos da educação, da cultura e da
intelligentsia no processo histórico de transformação.

A ameaça da doutrinação marxista nas escolas é fruto, principalmente das


obras de Antonio Gramsci, entendendo que a luta pela transformação social, nas
sociedades capitalistas ocidentais, não pode ser restrita à conquista do Estado.
Gramsci formulou a ideia de um combate pela hegemonia que inclui a disputa por

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projetos e visões do mundo, em diferentes espaços da sociedade civil (Gramsci,
2000 [1932-4]).

Para o professor Odiombar Rodrigues “nossas escolas estão vazias de


professores e repletas de doutrinadores, há um exército militando nas salas de aula,
num afã constante para mudar a realidade e para formar alunos conscientes e tantos
outros chavões que ouvimos da boca dos pedagogos.

Rodrigues ainda afirma que o foco destes “educadores” não é o crescimento


do aluno nem a transformação social, mas a velha proposta marxista de mudança
social através da luta de classes.

Carl Marx examinou, com propriedade, os fundamentos da sociedade


do século XIX e concluiu que a transformação social só é possível pela
luta entre as classes. Marx não propõe uma educação para a
transformação da sociedade, mas uma educação para o momento “pós-
capitalismo”, o que é, portanto, uma postura utópica.

A postura marxista não contempla um modelo educacional, deixando o campo


aberto e à mercê de qualquer aventureiro que queira impor um modelo de acordo
com seus objetivos.

Em verdade, nem Marx nem Engels, pelo fato de não terem produzido
um estudo mais analítico abordando especificamente a problemática da
educação em seu todo, se referiram à questão, a não ser através de
ideias esparsas, espalhadas ao longo de toda sua obra, sem a intenção
de organizá-las de modo a constituírem um conjunto coerente e
ordenado, em resumo, uma teoria” (NOGUEIRA: 1990, p. 51).

3.2 Liberdade de Cátedra X Liberdade de Expressão

É importante analisar os princípios constitucionais e pedagógicos da liberdade


de cátedra ou de ensino, bem como da autonomia universitária frente ao projeto de
lei em tela.

A liberdade de cátedra tem por finalidade assegurar ao professor o direito de


pautar o magistério pelo pluralismo de ideias, sem que esteja jungido a determinado
critério metodológico ou didático. Por evidente, por não se constituir em direito
absoluto, não autoriza que seu exercício descambe para quaisquer fins, pois a
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educação deve veicular conteúdo científico, fundado na racionalidade nos
contrapontos estabelecidos por opostas correntes de pensamento.

Desta forma, encontra limites tanto na liberdade de aprender, prevista na


Constituição Federal (CF, art. 206, II), que veda a manipulação do conhecimento,
quanto na própria função da escola que tem a grande missão da socialização, de dar
a conhecer o mundo que existe ao redor de cada indivíduo e não somente uma
visão do mundo, ainda mais se estiver a encobrir propósitos doutrinários, que
procure transformar o aluno de aprendiz em um fiel seguidor.

É preciso que bem se faça a diferenciação entre a liberdade de expressão do


professor, já que também é um cidadão, da liberdade de cátedra, exercida em sala
de aula. Neste local, a liberdade de expressão sofre, naturalmente, restrições, pois
jamais se poderia admitir a utilização da relação professor-aluno para o fim de incutir
determinado pensamento que seja de sua predileção.

Portanto, a liberdade de cátedra não se confunde com liberdade de


expressão, pois esta não existe no exercício estrito da atividade docente, sob pena
de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam,
em sala de aula, uma audiência cativa.

A solução para o aparente conflito encontra-se no sistema constitucional,


especificamente na ética e na razoabilidade, estudada na perspetiva de adequação
dos meios utilizados e na opção pelo caminho por meio do qual se possa obter o
melhor resultado.

3.3 Direitos e deveres dos Professores à luz da Constituição

Como acabara de ser explicado, o Professor tem o direito constitucional à


liberdade de cátedra. A liberdade de ensinar não confere ao professor o direito de se
aproveitar do seu cargo e da audiência cativa dos alunos, para promover os seus
próprios interesses, preferências ideológicas, religiosas, morais e políticas;
tampouco o direito de favorecer, constranger ou prejudicar os alunos em razão de
suas convicções; e, ainda, não deve manipular o conteúdo da sua disciplina com o
objetivo de obter a adesão dos alunos a determinada corrente ideológica; e, por fim,

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não tem o direito de dizer aos filhos dos outros o que é a verdade em matéria de
religião ou moral;

Um dos métodos defendido pelo projeto, de maneira a orientar os pais, alunos


e professores acerca do assunto, é a afixação de cartazes nas salas de aulas e dos
professores nas escolas com os deveres desses professores (fig. 1), de forma a
esclarecer a imparcialidade que devem ter em ensinar sobre questões políticas,
socioculturais e econômicas, de forma a não prejudicarem os alunos que não
possuam as mesmas características religiosas, políticas e ideológicas semelhante
aos demais.

Figura 1 - Cartaz Deveres do Professor

Os Deveres do Professor já existem, pois decorrem da Constituição Federal e


da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isto significa que os professores
já são obrigados a respeitá-los ‒ embora muitos não o façam, sob pena de ofender:

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• a liberdade de consciência e de crença e a liberdade de aprender dos alunos
(art. 5º, VI e VIII; e art. 206, II, da CF);

• o princípio constitucional da neutralidade política, ideológica e religiosa do


Estado (arts. 1º, V; 5º, caput; 14, caput; 17, caput; 19, 34, VII, ‘a’, e 37, caput,
da CF);

• o pluralismo de ideias (art. 206, III, da CF); e

• o direito dos pais dos alunos sobre a educação religiosa e moral dos seus
filhos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 12, IV).

Portanto, o único objetivo do Programa Escola sem Partido é informar e


conscientizar os estudantes sobre os direitos que correspondem àqueles deveres, a
fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses direitos, já que dentro das
salas de aula ninguém mais poderá fazer isso por eles.

O grande embate sobre este Projeto gira em torno de uma abertura à


perseguição e censura que se empreenderia ao trabalho do docente. Um dos
critérios estabelecidos pela proposta é a instalação de um cartaz nos corredores e
salas de aula contendo seis deveres do professor (Fig. 1). Na visão dos críticos ao
projeto, ao se de impor “limites” ao trabalho do professor, ele deixaria de ser um
mediador da aprendizagem e passaria a ser um mero transmissor de conteúdos
disciplinares. Para os defensores do Projeto, no entanto, a imparcialidade e a
neutralidade em sala são fundamentos primordiais para que a formação do aluno
ocorra sem influências ideológicas e/ou partidárias, uma vez que, ao influenciar o
aluno com uma ideologia, impedindo-o de trabalhar e desenvolve o pensamento
crítico, o docente atrapalha consideravelmente a compreensão da realidade e é
dever do professor ensinar as coisas como realmente são independentemente de
convicções pessoais.

4. Há doutrinação em sala de aula?


É facto notório que professores e autores de livros didáticos estão a utilizar de
suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a
determinadas correntes políticas e ideológicas e para fazer com que eles adotem
padrões de julgamento e de conduta moral incompatíveis com os que lhes são
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ensinados por seus pais ou responsáveis. Trata-se, portanto, de práticas que violam
os direitos e liberdades fundamentais (como já citados anteriormente),
principalmente dos estudantes, tais como:

1 – A liberdade de consciência e de crença – assegurada pelo art. 5º, VI, da


Constituição Federal – compreende o direito do estudante a que o seu conhecimento
da realidade não seja manipulado, para fins políticos e ideológicos, pela ação dos
seus professores;

O facto de ser obrigatório o ensino não pode anular, tampouco restringir essa
liberdade. O estudante é obrigado a assistir às aulas de um professor, isso implica
ao professor o dever de não utilizar sua disciplina como instrumento de doutrinação
político-partidária ou ideológica. Neste sentido, é evidente que a liberdade de crença
dos estudantes também estará ameaçada

2 – Liberdade de ensinar – assegurada pelo art. 206, II, da Constituição


Federal, como já foi mencionada anteriormente, não pode ser confundida com
liberdade de expressão;

A doutrinação política e ideológica em sala de aula compromete gravemente a


liberdade política do estudante, na medida em que visa a induzi-lo a fazer
determinadas escolhas políticas e ideológicas, que beneficiam, direta ou
indiretamente as políticas, os movimentos, as organizações, os governos, os
partidos e os candidatos que desfrutam da simpatia do professor;

3 – Os estudantes que se encontram em tal situação estão sendo


manipulados e explorados politicamente, o que ofende o art. 5º do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual “nenhuma criança ou adolescente
será objeto de qualquer forma de exploração”;

Ao estigmatizar determinadas perspetivas políticas e ideológicas, a


doutrinação cria as condições para o bullying político e ideológico que é praticado
pelos próprios estudantes contra seus colegas. Em certos ambientes, um aluno que
assume publicamente uma postura que não seja a da corrente dominante, corre
sério risco de ser hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isso se
deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação;

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4 – A doutrinação infringe, também, o disposto no art. 53 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que garante aos estudantes “o direito de ser respeitado
por seus educadores”. Com efeito, um professor que deseja transformar seus alunos
em réplicas ideológicas de si mesmo evidentemente não os está respeitando;

5 – Acerca da educação religiosa e moral, a Convenção Americana sobre


Direitos Humanos, prevê, em seu art. 12 que “os pais têm direito a que seus filhos
recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções”; Além do art. 5º, VI, da Constituição Federal, que prevê ser inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias;

Portanto, cabendo aos pais a decisão do que seus filhos devem aprender em
matéria de religião e de moral, os professores não têm o direito de utilizar a sua
posição para tratar sobre tais assuntos sem terem sido aprovados pelos pais dos
alunos;

E, obviamente, um Estado que se define como laico, o que significa que deve
manter uma posição de neutralidade em relação às religiões, e, portanto, dar
liberdade de culto às pessoas, não pode utilizar-se do sistema de ensino para
promover uma determinada moralidade, já que a moral é muitas vezes inseparável
da religião;

Não se pode esquecer que a educação, para Marx, é uma ação correlata ao
trabalho e à luta política. A crítica que ele faz é contra a “escola capitalista” que
prepara profissionais para o mercado, especializando os indivíduos e, com isto,
promovendo o “comércio da mão de obra”. Na visão marxista não há saída para a
educação dentro de uma sociedade capitalista, por isso a necessidade de primeiro
promover a “luta de classes” e, assim, instituir uma nova sociedade. Desta forma, é
possível compreender que não há conteúdo, apenas método. Na visão marxista, a
educação é instrumento político como bem esclarece o ex-presidente Lula ao afirmar
no 5º Congresso do PT em Salvador (12/06/2015) que O Plano Nacional de
Educação é “o melhor instrumento político que o PT pode utilizar para trabalhar
nesse momento.”

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Este tema da doutrinação é complexo, mas indispensável para a
compreensão do caos em que se encontra a educação brasileira.

Abaixo, encontra-se um panfleto atual, que estava a ser distribuído na da


Universidade Paulista – UNIP, em São Paulo, Brasil (Fig.2). Com os dizeres:

“Fascismo”

“O que é e como combatê-lo?”

Curso de formação teórica Marxista

Ministrado por Rui Costa Pimenta do PCO

A ser realizado de 12 a 27 de janeiro de 2019

Cabe ressaltar, que no verso do mesmo, encontravam-se os dizeres “Fora Bolsonaro


e todos os golpistas” (Jair Messias Bolsonaro é o atual presidente do Brasil, eleito
nas últimas eleições e que tomou posse em 1º de janeiro de 2019).

Figura 2 - Panfleto

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5. Avaliação e observação de aulas
Há de considerar, portanto, a necessidade de um maior aprofundamento nos
estudos relacionados ao assunto, de forma a impedir qualquer tipo de doutrinação
ideológica ou política em um ambiente educacional, principalmente em virtude das
consequências oriundas de uma doutrinação política-ideológica nas escolas e
universidades, tanto em relação às questões de cidadania, quanto às próprias
questões de ranking de universidades ou de nível médio (secundário). Cabe
ressaltar a importância e a necessidade da imparcialidade quando das
investigações, de maneira a não comprometer o resultado das análises realizadas.

Contudo, é urgente e necessária a adoção de medidas político-educativas nas


instituições de ensino no Brasil, de forma a garantir o direito básico das crianças,
jovens e adolescentes à uma educação de qualidade e, sobretudo, garantir a estes
os seus direitos constitucionais.

Qualquer processo supervisivo procura reforçar a capacidade de


as escolas contribuírem de forma mais eficaz para a educação e o
sucesso académico de cada um dos seus alunos, através da promoção
da interação, da capacidade de resolução de problemas e do
desenvolvimento profissional dos professores (Fullan, Hill e Crevola,
2006; Sergiovanni e Starratt, 2007; Zepeda, 2003).

Dentro desta perspetiva, de forma a dar maior credibilidade e transparência


aos trabalhos desenvolvidos e, principalmente, com o intuito de corroborar com o
referido Projeto, uma alternativa das formas de diagnosticar a existência ou a
inexistência de uma ameaça prejudicial ao processo de ensino-aprendizagem nas
escolas seria a adoção e aplicação de um programa de avaliação por parte do
Ministério da Educação e Secretarias de Educação, quer seja de caráter
institucional, quer seja de caráter mais específica, como um programa de avaliação
de desempenho de docentes, de forma a identificar e superar qualquer fragilidade de
cunho individual ou coletivo, em complementação ou como fruto da aprovação do
Projeto de Lei em questão

A prática da supervisão, por exemplo, baseia-se no estudo de


situações reais do contexto escolar e recorrem à observação para
analisar padrões no comportamento em sala de aula e melhorar o

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ensino através da colegialidade e da interação entre professores e
supervisores (Alarcão, 2002; Sá Chaves, 2002). Trata-se de um
processo de observação e ação sobre a prática, centrada na resolução
de problemas concretos, que implica uma colaboração estreita entre o
observador e o observado. Neste processo, o observador assume o
papel de colega crítico, que funciona como apoio e recurso para a
superação das dificuldades sentidas (Alarcão e Tavares, 2003).

Além disso, a observação em sala de aula, de acordo com Reis (2001)


desempenha um papel fundamental na melhoria da qualidade do ensino e da
aprendizagem, constituindo uma fonte de inspiração e motivação e um forte
catalisador de mudança na escola.

Como podemos observar, a doutrinação político-ideológica está, de facto,


presente em algumas instituições de ensino no Brasil e, por esta doutrinação estar
focada na grande maioria das vezes em ideologias de extrema-esquerda, um
instrumento de observação em sala de aula pode alcançar resultados negativos.
Portanto, por esta razão, se faz necessário um estudo mais específico, mais
pontual, de forma a encontrar o tipo de observação mais adequado.

A observação de aulas permite aceder, entre outros aspetos, às


estratégias e metodologias de ensino utilizadas, às atividades
educacionais realizadas, ao currículo implementado e às interações
estabelecidas entre professores e alunos. No contexto internacional, a
observação de aulas assume diferentes tipologias – formais ou
informais – de acordo com a cultura de cada instituição e os processos
estabelecidos para o desenvolvimento profissional e a avaliação de
desempenho dos professores. Existem situações de observação e
feedback com caráter informal (resultantes de visitas de curta duração e
sem aviso prévio às aulas dos professores ou de conversas diárias
estabelecidas entre estes e o mentor ou supervisor) e com caráter
formal (orientadas por determinadas regras, negociadas entre o mentor
ou supervisor e os professores, relativamente à frequência,
calendarização, duração, focagem, aos participantes e às formas de
concretização).

Reis (2001) diz que para cada observação de aula deverão ser definidos
focos específicos (eventualmente negociados entre o mentor ou supervisor e o

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professor), evitando observações livres que conduzem a análises pouco claras e
precisas. Além disso, ele ressalta que a observação poderá ser particularmente
reveladora quando se centra num número restrito de aspetos previamente definidos.

Alguns dos exemplos de competências de ensino específicas citadas por Reis


(2001) encaixam-se perfeitamente e podem ser utilizados como critérios de
avaliação acerca da Doutrinação em sala de aula (combatido pelo referido Projeto
de Lei), com o intuito de identificar e, desta forma, impedir ou modificar a postura do
professor, tais como: a correção científica do discurso, a gestão da sala de aula, a
adequação do discurso ao tipo de alunos, o início e a conclusão da aula, o clima de
sala de aula, a gestão de trabalho de grupo ou de outras formas de trabalho prático,
a utilização de recursos, a forma de questionar os alunos, a interação professor-
alunos, a gestão dos comportamentos na sala de aula ou o envolvimento dos alunos
nas atividades escolares.

6. Conclusão e Reflexões Finais


Como vimos, o Projeto Escola sem Partido busca atender defender os direitos
estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, na Convenção Americana dos Direitos Humanos e, acima de
tudo, na Constituição Federal do Brasil.

Observamos que acerca dos Deveres do Professor em Sala de Aula, bem


como a afixação de um cartaz (de forma a tornar público principalmente aos alunos),
não fere os direitos à liberdade cátedra e ensino do Professor, que são conceitos
distintos de liberdade de expressão, que ele, enquanto cidadão, poderá exercer, no
entanto, até mesmo por questões éticas, fora do ambiente escolar/académico.

Por fim, percebemos que a doutrinação, seja ela moral, política ou ideológica
existe e é urgente e necessária a adoção de políticas educativas, no sentido de
corrigir estas práticas e modificar os seus resultados, como por exemplo, a
implantação de um programa de avaliação do desempenho dos docentes, com
supervisão e observação de sala de aula.

Obviamente, com este Programa fazendo parte de uma estrutura de Políticas


Educativas do Ministério da Educação, alinhados ao previsto no Projeto de Lei e

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garantindo a todos (professores, pais, responsáveis e alunos) os seus direitos
constitucionais, podemos esperar por boas mudanças no processo de ensino e
aprendizagem no Brasil e melhores resultados dos alunos em âmbito nacional e
internacional.

7. Referências Bibliográficas
- Carvalho, Olavo de (2002). A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra &
Antonio Gramsci. Terceira edição, revista e aumentada;

- Constituição Federal – República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:


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- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 1990. Brasil.

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- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LNB), 1996. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm
- Neto, José L. S. & Cardoso, Henrique R. Sobre a autonomia universitária, liberdade
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