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Poder Judiciário

Justiça do Trabalho
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

01151-2012-144-03-00-3 RO
RECORRENTE(S): POSTO GRUMARI LTDA.

RECORRIDO(S): DANIELA GREGORIO

EMENTA: RESCISÃO INDIRETA. AUSÊNCIA


DE ANOTAÇÃO DA CTPS. A rescisão indireta do
contrato de trabalho decorre da prática, pelo
empregador, de quaisquer das condutas previstas
no art. 483 da CLT. Da mesma forma que na justa
causa obreira, impõe-se averiguar se a conduta
do empregador é de tal gravidade que torne
insuportável para o empregado a continuidade do
contrato de trabalho, pelo que se faz imperioso o
imediatismo entre a conduta faltosa e a
pretendida ruptura contratual. A ausência de
anotação da CTPS constitui falta gravíssima, que
se renova diariamente, e gera ao empregado
incontáveis prejuízos (não só trabalhistas, mas
também previdenciários, inclusive para obtenção
e cálculo do seguro-desemprego - inc. III do art.
201 da Constituição da República).

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de


recurso ordinário interposto contra a sentença proferida pelo MM. Juiz da 2ª.
Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo/MG, em que figura como recorrente
POSTO GRUMARI LTDA e, como recorrida DANIELA GREGÓRIO, como a
seguir se expõe.

RELATÓRIO

O MM. Juiz Luis Felipe Lopes Boson, da 2ª Vara do


Trabalho de Pedro Leopoldo/MG, pela decisão de fls. 74/75, publicada em
24/08/2012, cujo relatório adoto, e a este incorporo, julgou procedentes, em
parte os pedidos deduzidos na inicial.

O reclamado opôs embargos de declaração em


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31/08/2012, às fls. 77/78. Decisão de embargos às fls. 79/80, julgando
improcedentes os pedidos deduzidos no incidente, publicada em 21/09/2012.

Recurso ordinário apócrifo enviado por email,


supostamente pelo reclamado, às fls. 81/88v.

Inconformado, o reclamado interpôs recurso ordinário em


01/10/2012 (fls. 89/95v). Comprovação do pagamento de depósito recursal e
custas às fls. 101/102, em petição protocolada em 05/10/2012.

Em 15/10/2012 (fl. 98), a reclamante foi intimada da


interposição do recurso pelo reclamado, e apresentou contrarrazões em
19/10/2012 (fls. 103/106).

Procuração da reclamante à fl. 10. Do reclamado,


procuração e substabelecimento às fls. 56 e 96.

Dispensada a manifestação do Ministério Público do


Trabalho, a teor do artigo 82 do Regimento Interno deste Egrégio TRT da 3a
Região.

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Verifico que o recurso ordinário inicialmente encaminhado


por e-mail encontra-se apócrifo (fls. 81/88v), uma vez que dele não consta
assinatura eletrônica, tal como previsto no art. 1º, III, da Lei nº 11.419/06, que
trata da informatização do processo judicial, e tampouco a manual.

A utilização do e-mail é permitida, mas deve o usuário


cercar-se dos cuidados necessários para garantir a legitimidade do ato
praticado, utilizando-se, por exemplo, do scanner, equipamento que permite a
“digitalização” da peça processual, com a reprodução da assinatura do
procurador constituído, com o fito de que ela ganhe existência jurídica e possa
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ser ratificada posteriormente.

Com efeito, da mesma forma que um fax apócrifo não


poderia ser ratificado pela apresentação da peça original assinada, assim
também não se deve admitir a ratificação de um e-mail sem assinatura. Trata-
se de conferir segurança ao ato, visto que, ao contrário do e-doc, que já conta
com a chancela do profissional no momento em que é transmitido, o e-mail não
poderia ser atribuído, com segurança, ao profissional com poderes constituídos
para representar a parte em juízo.

Registre-se que deve ser observada, in casu, a


sistemática da Lei 9.800/99.

Assim, o recurso de fls. 81/88v é inexistente, a teor da OJ-


SDI1 120 do TST, in verbis:

OJ-SDI1-120 RECURSO. ASSINATURA DA PETIÇÃO OU DAS


RAZÕES RECURSAIS. VALIDADE (nova redação) - DJ
20.04.2005

O recurso sem assinatura será tido por inexistente. Será


considerado válido o apelo assinado, ao menos, na petição de
apresentação ou nas razões recursais.

Ocorre que, ainda no curso do prazo recursal, em


01/10/2012, o reclamado interpôs o recurso ordinário de fls. 89/95v, esse sim
devidamente assinado de forma eletrônica.
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Conheço, portanto, do recurso ordinário interposto às fls.
89/95v, porque presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de
admissibilidade.

Registro que a Portaria TRT3/GP/DJ nº 3, de 1º de


outubro de 2012 e a Portaria TRT3/GP/DJ nº 2, de 20 de setembro de 2012
determinaram que o prazo para o pagamento de depósito recursal e custas
seria prorrogado até três dias úteis depois do fim da greve dos bancários,
sendo que a comprovação dele deveria ocorrer até o quinto dia útil
subsequente, fixando que o movimento paredista encerrou em 28/09/2012

O reclamado pagou às guias de fls. 101/102 no segundo


dia útil após o término da greve (02/10/2012) e realizou a comprovação do
pagamento no quinto dia útil (05/10/2012 – fl. 100), pelo que seu recurso deve
ser conhecido.

Conheço também das contrarrazões apresentadas pela


reclamante, porquanto cumpridas as formalidades legais.

PRELIMINAR

NULIDADE DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DE


FUNDAMENTAÇÃO

O reclamado suscitou tal preliminar sob a alegação de


que na sentença não foram expostos os fundamentos jurídicos que
amparassem o deferimento dos pedidos.

Sem razão.

Não apresenta os vícios apontados pelo reclamado a


sentença recorrida.

Como se lê às fls. 74/75, o juiz analisou a prova em cotejo


com as pretensões deduzidas, e declinou suas razões de convencimento. A
simplicidade da sentença prolatada não impede a identificação da estrutura
básica exigida, verificando-se que é dotada de relatório, fundamentação e
dispositivo.
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Diversamente do alegado pelo reclamado, a sentença
contém devida fundamentação, tendo o sentenciante demonstrado que para a
solução da lide desenvolveu raciocínio lógico mediante a apreciação da prova
produzida, indicando claramente os motivos de seu convencimento.

Ressalto que a falta de expressa indicação do artigo de lei


no qual se baseou para deferir o pedido não implica ausência de fundamento
jurídico. Isto porque não há qualquer exigência no CPC de que a sentença
mencione o dispositivo de lei aplicado, estando as partes acompanhadas de
advogado, o que pressupõe que dele tenham conhecimento. Ademais, no caso
da presente demanda, o fundamento jurídico já se encontra entrelaçado de tal
sorte aos próprios fundamentos fáticos, que se tornou desnecessária a sua
explicitação.

Na fundamentação, o juiz tem o dever de motivar sua


decisão, dizer por que decide daquela forma, a teor do art. 93, inciso IX, da
CR/88 e do art. 131 do CPC, o que foi devidamente engendrado na sentença.
Observa-se às fls. 146/147 a adequada concatenação dos fatos e motivos que
conduziram à decisão proferida.

Portanto, não se confunde uma fundamentação


alegadamente lacônica com ausência de fundamentação, desde que seja
possível perceber as razões de fato e de direito com base nas quais o órgão
jurisdicional formou a sua convicção, o que torna patente a existência de
motivação e impede a nulidade arguida.

Incólumes, portanto, os dispositivos constitucionais e


legais invocados.

Rejeito a preliminar de nulidade da decisão.

JUÍZO DE MÉRITO

DATA DE INÍCIO DO PACTO

O reclamado pretende a reforma da decisão, no tocante à


data de início do contrato de trabalho declarada, alegando que a prova dos
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autos é frágil e insuficiente para ilidir a presunção de veracidade de anotação
da CTPS da autora.

Examino.

Na inicial, a reclamante declarou que foi admitida em


04/01/2011, mas que sua CTPS foi anotada em 04/09/2011. A cópia da
Carteira de Trabalho encontra-se à fl. 11.

O ônus de provar o início do contrato de trabalho antes da


data registrada na CTPS é da reclamante, consoante o disposto no art. 818 da
CLT e no art. 333, inc. I, do CPC, além do inc. I do art. 40 da CLT.

As testemunhas ouvidas na audiência do dia 16/08/2011


(ata de fls. 70/72) declararam que, antes de 04/09/2011, a reclamante prestou
serviços em prol do reclamado, na função de vigia. De se ressaltar que a única
testemunha ouvida a rogo do reclamado, Sr. Rogério Charles, declarou que
"via a reclamante trabalhar no posto em frente, de bandeira Ipiranga, do
mesmo grupo, como vigia" (fl. 72).

Comprovado, portanto, que a reclamante prestou serviços


ao reclamado, sem o devido registro da CTPS, ilidindo a presunção de
veracidade da anotação de fl. 11.

Diante da fraude perpetrada, correto o critério adotado


pelo douto sentenciante, de reconhecer como válida a data de admissão
indicada pela reclamante, na inicial.

A sentença deve ser mantida por seus próprios e


jurídicos fundamentos, pois decorre de um trabalho escorreito de valoração
do material probatório que não deixa dúvidas.

Nego provimento.

RESCISÃO INDIRETA

O princípio da continuidade da relação de emprego e do


valor social do trabalho consagrado na Constituição Federal (arts. 1º, inc. IV e
170, caput) devem estar sempre no alcance da solução das lides envolvendo o
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término do contrato de trabalho. A verdade é que ao empregado será imperioso
perpetuar a execução do contrato de trabalho, além do interesse social remoto.
Princípios da continuidade da relação empregatícia e da hipossuficiência do
obreiro.

Daí porque a rescisão indireta do vínculo empregatício,


assim como a dispensa por justa causa devem se basear em falta que
provoque a insustentabilidade da manutenção do contrato de trabalho, ou seja,
a falta deve ser grave.

No contrato de trabalho da reclamante, assinado


tardiamente (após a efetiva admissão), há cláusula que prevê a possibilidade
de descontos por má-fé, dolo ou culpa (fl. 43).

O parágrafo 1º do art. 462 da CLT prevê a possibilidade


de desconto nos salários do empregado quando este causar dano ao
empregador, sendo certo que a reclamante exercia a função de caixa.
Lado outro, o princípio da intangibilidade salarial veda os descontos no salário
do empregado, salvo expressas exceções, tais como: adiantamentos;
dispositivos de lei; previsão em normas coletivas; dano causado pelo
empregado, comprovado o dolo ou a culpa, além do nexo causal, exigindo-se,
no último caso, também a prévia e expressa autorização do empregado para os
descontos (art. 462 da CLT).
Como não há prova de que a reclamante tenha agido com culpa ou dolo,
possível reputar verdadeira a alegação de os descontos eram indevidos, tal
como reconhecido na origem (fl 74), e que o reclamado, na condição de
empregador, não poderia transferir os riscos do empreendimento à autora.

Há que se ter em vista, além disso, a natureza alimentar


presumida e inegável do salário, pelo qual o empregado adquire seus víveres
básicos (alimentação, saúde, habitação, vestuário) e contrai seus
compromissos financeiros na expectativa de receber seus salários. Assim, se o
empregador realiza descontos indevidos, o obreiro passa por graves
dificuldades, pois seu trabalho normalmente é sua única forma de sustento, e
se vê privado de satisfazer suas necessidades básicas pessoais e de sua
família. Tem-se, portanto, que o reclamado descumpriu obrigação contratual, e
sua conduta se repetiu ao longo do tempo, impedindo falar-se em perdão
tácito, e por isso dá ensejo à rescisão indireta.
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A ausência de anotação da CTPS (v. item supra), por sua
vez, constitui também falta gravíssima, que se renova diariamente, e gera ao
empregado incontáveis prejuízos (não só trabalhistas, mas também
previdenciários, inclusive para obtenção e cálculo do seguro-desemprego).

Mostra-se acertada a decisão que reconheceu o


descumprimento de obrigação contratual, suficientemente grave para a
configuração da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Por tais fundamentos, denego provimento.

JORNADA

O reclamado não se conforma com a condenação ao


pagamento de uma hora extra, durante o período sem registro, relativa ao
intervalo intrajornada não gozado, e de horas excedentes. Insiste na tese de
que estava dispensada de anotar a jornada da autora, por ter apenas 4
empregados, e que caberia a autora fazer prova da alegada supressão do
intervalo e de trabalho em sobrejornada. Aponta, por fim, erro material no
cômputo do saldo de horas devido à reclamante.

No caso em análise, a reclamante reconheceu, em seu


depoimento pessoal (fl. 70), que o reclamado tinha menos que 11 empregados.
Mera consequência, o reclamado estava dispensado de realizar o controle de
jornada dos seus empregados (§2º do art. 74 da CLT).

Assim sendo, o ônus da prova da alegada ausência do


intervalo intrajornada competia à empregada, por se tratar de fato constitutivo
do direito, nos termos do art. 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC, ônus do qual,
contudo, não se desincumbiu a contento.

Inicialmente, verifico que, na petição inicial, a reclamante


declarou expressamente que fruía uma hora de intervalo antes da anotação da
CTPS (fl. 03), o que limita, pois, seu pedido de horas extras intervalares ao
período posterior a 04/09/2011 (fl. 03).

E, na audiência de instrução, a reclamante confessou


que, depois do registro da CTPS, descansava por uma hora (fls. 70), o que
impõe o indeferimento do pedido.
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Dou provimento ao recurso do reclamado, nesse ponto,
para absolvê-lo da condenação ao pagamento de uma hora extra, durante o
período sem registro, relativa ao intervalo intrajornada não gozado, e seus
consectários, uma vez que sequer houve pedido nesse sentido.

Noutro giro, a reclamante provou o trabalho em regime de


sobrejornada. Segundo os Srs. Eduardo Lima de Godoy e Tiago dos Santos
Andre (fls. 70/71), inicialmente a reclamante laborava no regime 12x36, mas
durante um período de cinco meses passou a laborar todos os dias em
jornadas de 12 horas.

Nesse ponto, dou provimento parcial, apenas para reduzir


o montante de horas extras semanais para 33 horas, considerando o
cumprimento da seguinte jornada: das 6:00 às 18:00, com 1:00 de intervalo,
todos os dias da semana, observada a duração máxima do trabalho (inc. XIII
do art. 7º da Constituição da República) e os termos do §2º do art. 71 da CLT.
Registro que a reclamante não postulou que os dias de repousos semanal
remunerado não concedidos fossem pagos de forma dobrada.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso interposto pelo reclamado. Rejeito a


preliminar de nulidade da sentença, por ausência de fundamentação e, no
mérito, dou-lhe provimento parcial, para absolvê-lo da condenação ao
pagamento de uma hora extra, durante o período sem registro, relativa ao
intervalo intrajornada não gozado, e seus consectários, e reduzir o montante de
horas extras semanais, de 48 para 33 horas, mantidos os demais termos da
condenação.

Reduzido o valor da condenação, de R$13.000,00 para R


$10.000,00, com custas reduzidas de R$260,00 para R$200,00.

Autorizada a devolução das custas recolhidas pelo


reclamado junto à Receita Federal.

Fundamentos pelos quais, o Tribunal Regional do


Trabalho da 3 Região, pela sua Segunda Turma, unanimemente, conheceu do
a
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recurso interposto pelo reclamado; sem divergência, rejeitou a preliminar de
nulidade da sentença, por ausência de fundamentação; por maioria de votos,
vencido, em parte, o Exmo. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira,
quanto à rescisão indireta, deu-lhe provimento parcial, para absolvê-lo da
condenação ao pagamento de uma hora extra, durante o período sem registro,
relativa ao intervalo intrajornada não gozado, e seus consectários, e reduzir o
montante de horas extras semanais, de 48 para 33 horas, mantidos os demais
termos da condenação. Reduzido o valor da condenação, de R$13.000,00 para
R$10.000,00, com custas reduzidas de R$260,00 para R$200,00. Autorizada a
devolução das custas recolhidas a maior pelo reclamado.

Belo Horizonte, 26 de março de 2013.

ROSEMARY DE OLIVEIRA PIRES


Juíza Relatora

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