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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E

SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
Campus Universitário da UFAM, Manaus, 14 a 17 de Agosto de 2018

Este trabalho aproxima-se da temática do Grupo de Trabalho (GT1)

O CAMPONÊS AMAZÔNICO: Vida de trabalho

FRAXE, Therezinha1; LANDAU, Laura2; NOGUEIRA, Laelia3; NORTE, Antônio 4

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma resenha critica do Livro Terras, florestas e águas de trabalho: os
camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais, do Professor Doutor Antonio
Carlos Witkoski, onde serão apresentadas constatações empiricas do conteúdo da obra,
compararando a pesquisa com a vida das pessoas na várzea, tendo como principal foco a
compreensão de que para o homem varzeano vida e trabalho se relacionam de forma intima e
existencial, visto que ambos não se diferem, pelo contrário: as relações de trabalho nos diversos
meios amazonicos- terra, florestas e águas são os principais construtores da cultura e das relações
sociais na qual a vida se suporta. Este artigo aborda, portando, os principais pontos apresentados pelo
professor, em seu trabalho de grande importância para a ciência na Amazônia, vista a gama
fantástica de descrições detalhadas feitas pelo mesmo, sobre vida dos diversos tipos amazônicos:
caboclos, índios, brancos, europeus e todos os demais povos que nessa região habitam com
caracteristicas diversas, relacionando a construçao material de diversos instrumentos e ferramentas,
bem como a construção do pensamento cultural e da própria construção da vida.

Palavras Chave: Amazônia, trabalho, várzea.

AMAZONIA PESANT: Life of labor

ABSTRACT
The present work presents a critical review of the book “Terras, florestas e águas de trabalho: os
camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais”, of Prof. Ph.D. Antonio Carlos
Wistkoski, where we will present empirical statements of what was presented in the content of the
work, comparing the research with the life of the people in the floodplain, having as main focus the
understanding that for the varzean man life and work are intimately related and existential, since both
do not differ, on the contrary: labor relations in the various Amazonian means - land, forests and

1
Doutora em Sociologia, Professora Associada da Universidade Federal do Amazonas, Coordenadora do Núcleo de
Socioeconomia (NUSEC/FCA/UFAM), Vice Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências do ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia (PPGCASA/CCA/UFAM), E-mail: tecafraxe@uol.com.br.
2
Graduada em Design, Instituição, Mestranda em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, UFAM, E-
mail: laulandau@gmail.com.
3
Mestre em Arquitetura e Urbanismo; Doutroranda no Programa PPGCASA, UFAM, E-mail: laelia.design@gmail.com.
4
Mestre em Direito Ambiental; Doutorando em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, UFAM, E-mail:
nortefilho@gmail.com.
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Anais do Seminário Internacional em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, v. 5. Manaus: EDUA. 2018. ISSN 2178-3500
V SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
Campus Universitário da UFAM, Manaus, 14 a 17 de Agosto de 2018

water - are the main constructors of culture and social relations in which life is supported. This
article deals with the main points presented by the professor, in his work of great importance for
science in the Amazon, given the fantastic range of detailed descriptions he made about the life of
the various Amazon types: Caboclos, Indians, all the other peoples who in this region with different
characteristics present themselves, relating the material construction of various instruments and tools
as well as the construction of thought and culture - and the construction of life itself.

Keywords: Amazon, labor, floodplain.

INTRODUÇÃO

Amazônia, mundo de diversas facetas onde para lidar com a dinâmica de suas aguas, de suas
terras e suas gentes, homem e ambiente se tornam um só. Essa simbiose é muito bem expressa no
livro que apresentaremos a seguir “Terras, florestas e águas de trabalho: os camponeses amazônicos
e as formas uso de seus recursos naturais” escrito pelo professor Antonio Carlos Witkoski (2. ed. São
Paulo: Annablume, 2010).
Ao longo do trabalho apresenta-se a dinâmica da vida do povo ribeirinho da várzea
amazônica na qual vida e trabalho andam lado a lado construindo a cultura e os valores por essa
população expressa em seus elementos materiais. Além disso, o ponto focal do livro é a compreensão
da dimensão da vida ribeirinha totalmente aliada às relações de trabalho pelas quais o homem
amazônico desenvolve o seu habitar, sendo estes os principais norteadores de suas relações
interpessoais e com o meio ambiente objetivo e subjetivo que o cerca.
Ao pensar a construção da vida por meio do trabalho, Witkoski faz alusão direta ao livro de
Afrânio Raul Garcia Junior, “Terra de trabalho”, na intensão de demonstrar exatamente que a vida
ribeirinha e os processos produtivos que suportam a vida não se separam.
O livro traz uma “teoria de negação do esquecimento da Amazonia”, conforme exposto pelo
Professor José Aldemir no prefácio, Witkoski aponta a força com a qual a Amazonia aparece em
diversos momentos da historia global, seja como “Paraiso desconhecido”, seja como “pulmão do
mundo”.
Abordando a vida da várzea amazônica, são percorridos os municípios de: Coari, Iranduba,
Manaquiri, Careiro da Várzea e Manaus, nos quais são feitas descrições da vida cotidiana a partir de
uma leitura de Karl Marx e Alexander Chayanov, onde a compreensão desses autores é fundamental
para a compreensão do pensamento conformado pelos autos, visto que são essas as suas principais
referências trabalhadas.

Conforme Silva (2000, p. 2):


A Amazônia sempre esteve na lembrança dos atores sociais, sejam
estes representados pelas forças de processos de mudanças ou por
indivíduos privilegiados, [além disso], o fato de que a região
continua a despertar a preocupação quanto ao seu desenvolvimento,
deve-se mais a intensidade dos impactos de suas formas de
ocupação, do que ao esquecimento propriamente dito. A Amazônia
pode ser vista como uma formação econômico-social produzida,
desde a sua origem, pela dinâmica do capitalismo e, portanto, sujeita
aos processos de expansão e crise do capital.

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Dessa forma serão apresentados os principais pontos apresentados pelo professor, em seu
trabalho de relevância para a Ciência na Amazônia, dada a gama fantástica de descrições detalhadas
sobre vida dos diversos tipos amazônicos: caboclos, índios, brancos, europeus e todos os demais
povos que nessa região com caracteristicas diversas se apresentam, relacionando a construçao
material de diversos instrumentos e ferramentas, bem como a construção do pensamento e cultural- e
a propria construção da vida, tendo como principal foco a compreensão de que para o homem
varzeano vida e trabalho se relacionam de forma intima e existencial, visto que ambos não se
diferem, pelo contrário: as relações de trabalho nos diversos meios amazônicos, terra, florestas e
águas são os principais construtores da cultura e das relações sociais na qual a vida se suporta.
Morán (1990, p. 18) assevera:

A Amazônia não é um vazio demográfico ou cultural. Existem


populações indígenas e caboclas que conhecem as características
das suas localidades [...] O mundo Amazônico inclui muitos
ecossistemas inter-relacionados, cada um com sua própria história
natural e suas características geofísicas e químicas, suas populações
humanas com diferentes tecnologias e densidades demográficas.
Tais diferenças são resultados, em parte da adaptação dessas
populações à variabilidade dentro da Amazônia e, de outro lado
resultam do efeito de diferentes traços culturais.

É de extrema importância a compreensão de que a Amazonia é composta por diferentes


ecossistemas e que cada um deles possui sua própria história natural e caracteristicas fisicas,
consequantemente suas populações adaptam-se de diferentes formas aos diversos mundos que as
cerca. O homem da várzea, principal tipo abordado na obra, denominado pelo autor como
“varzeano” convive lado a lado com os três ecossistemas: terras, florestas e água, e com eles
interagem de diversas formas de acordo com a sazonalidade e o tempo natural – o tempo não
cronológico que o acompanha, e com eles se relaciona de forma simbiótica, compreendendo seus
momentos e movimentos, para que possam assim, sobreviver e produzir as diferentes tecnologias que
os possibilitam grande adaptabilidade e interação com o lugar.

2 O CAMPONÊS AMAZÔNICO E O SEU MUNDO DE VÁRZEA

A obra permite o entendimento da dinâmica do homem da várzea com o seu ecossistema. A


região de várzea na Amazônia é um ambiente muito dinâmico e com períodos bem marcados. No
local de estudo foi identificado a estação de inverno como sendo os períodos de enchente e cheia,
que dura 8 meses ao todo e vai de dezembro a julho. Já a estação de verão, bem mais curta,
representada pela época da vazante e da seca, dura ao todo 4 meses e vai de agosto a novembro. Os
camponeses deste local precisam estar integrados às dinâmicas da água para poderem desenvolver
suas atividades e assim sobreviver. As terras aqui são um produto das cheias e das secas e as
atividades deste camponês se estende á agua, a terra e a floresta. Estes fazem parte do Sistema

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Agroflorestal Tradicional Tropical de várzea. A gestão da biodiversidade neste sistema é feita de


duas formas. A primeira é diretamente, onde a atividade agrícola integra várias espécies florestais, e
a segunda é indiretamente, com uma ação sustentável e que respeita os ciclos do ambiente reduzindo
a pressão sobre estes ecossistemas florestais. O sistema agroflorestal de várzea engloba diversas
atividades polivalentes que formam seus subsistemas. O autor indica a produção agrícola, como
centro gravitacional dos subsistemas. E a criação de animais (ave, suíno, caprino, bovino) e o
extrativismo (vegetal e animal) como subsistemas onde o camponês dedica menos tempo, porém
extremamente necessárias para o funcionamento do sistema como um todo.
Witkoski (2010, p. 204) afirma:

O saber adquirido mediante a observação e a experiência retida na memória, através do


tempo, é sempre fruto da relação entre individuo e a sociedade, e passa constantemente por
ajustes culturais. É uma das formas de competição mais importantes da espécie humana.
Através do ajuste cultural, o homem (re)age rapidamente às mudanças ambientais, a elas se
adapta.

2.1 TRABALHO NA TERRA

A adaptabilidade do homem da várzea é diretamente relacionada à sua terra de trabalho, que


por sua vez é produto da atividade da água neste ambiente. Em uma lógica capitalista e intensiva de
produção os tempos e ações ecológicas não fariam o menor sentido, mas para o camponês de várzea
o descanso da terra e as cheias são fundamentais para que ele possa usufruir da terra na seca, logo,
este período onde não se “trabalha” a terra diretamente não é visto como atraso de produção mas sim
o momento onde a natureza corrige o que o homem alterou. A terra produtiva tem o mesmo valor da
terra que descansa.
Para se desenvolver um projeto de comunidade humana sustentável e permanente, deve-se
sempre levar em consideração os processos cíclicos da natureza e seus tempos ecológicos. A
exploração e o tempo linear não respeitam o ecossistema que deveria ser o sustento da ocupação
humana. Verifica-se então que os agricultores de várzea desenvolveram formas extremamente
permaculturais de habitar e existir em seu ecossistema. (MOLISSON e HOLMGREN 1983, p. 9).
A cheia é fundamental para fertilizar o solo, a água rica em nutrientes inunda a futura área de
trabalho e possibilita o plantio na seca. Essa dinâmica permite a fecundação e o trabalho de roçado.
Aqui a terra não é vista como mercadoria e sim área de trabalho, é o patrimônio que dá base para que
o trabalho seja feito. Durante a pesquisa foram identificados os tamanhos médios de 52,5 hectares de
terreno por família, entretanto, a área plantada média é de 5,8 hectares. O autor aponta que apesar da
identificação da área dos terrenos a relação com o tamanho da propriedade é dinâmica, é viva, já que
as cheias e vazantes estão sempre modificando a paisagem através de erosões e deposição de terra,
assim, de um dia para o outro se pode perder uma grande parte do terreno, o que não parece
entristecer o camponês, pois este entende que novas áreas apareceram no futuro para serem
trabalhadas.
O inicio do calendário agrícola começa com a descida das águas no final de julho. É neste
momento que o agricultor prepara a parcela da Roça para o plantio. Dentre as formas de preparo
podemos destacar a queimada, broca, derrubada, rebaixamento, encoivaramento e a limpeza do
terreno. Nas roças são executadas as atividades mais intensas de todo o sistema. E foram observados
diferentes regimes de plantação: policultivo, rotação, consórcio (sucessão ecológica) ou pousio (1 a 8
anos).

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Os produtos agrícolas tem destino principalmente para a subsistência da família, porém o


excedente pode ser direcionado à comercialização. Os principais produtos são milho, batata, malva,
melancia, macaxeira, mandioca, cará, feijão, hortaliças, tomate, pimentão, etc. A mandioca tem papel
central na vida dos ribeirinhos e dela são gerados diversos subprodutos como a farinha (subsistência
e mercadoria), goma (fécula), tucupi, farinha da tapioca. As hortaliças são destinadas para
subsistência e mercado urbano. Porém, por serem hortaliças não provenientes deste ecossistema
junto delas vieram pacotes tecnológicos, como sementes transgênicas, fungicidas, fertilizantes,
inseticidas, o que pode gerar uma dependência destas tecnologias. Foi apontada pelo autor grande
resistência camponesa a estes pacotes, apesar do seu uso em alguns casos.
O outro ambiente de trabalho deste subsistema é o Sítio onde se encontram principalmente
árvores frutíferas, que são consideradas artefatos humanos já que são selecionadas e cultivadas
durante anos pelas pessoas que ali residem. Os sítios estão localizados em áreas mais altas chamadas
restingas, e são compostos por plantas e criação de animais. Neste ambiente podemos definir três
zonas: jardim, localizada em frente a casa, onde se cultivam plantas medicinais e ornamentais;
terreiro, localizado ao redor da casa, que é um espaço vazio funcional, onde se estende roupas, cria-
se galinhas entre outras atividades; e o quintal, localizado ao redor da casa depois do terreiro e do
jardim, onde se localizam as árvores frutíferas e grande parte dos animais.
“Os camponeses que habitam a várzea (...) são proprietários das terras de várzea, possuem
certas áreas da floresta de terra firme e de espaço aquático (...) e são donos dos meios de produção”
(WITKOSKI, 2010, p. 198).
É deste ecossistema que eles tiram seus alimentos, seu trabalho e seus instrumentos de
trabalho. A força de trabalho é familiar, com algumas exceções quando se contrata um funcionário
temporário em poucas épocas, porém, nem todas as famílias recorrem a essa ajuda externa. Os
instrumentos aqui utilizados são de baixo nível tecnológico e muitas vezes integram material
artesanal local com peças produzidas em indústrias, como as partes metálicas de enxadas, quem vem
do mercado externo acoplado ao cabo produzido localmente, a partir de madeira de árvores da
floresta.

2.2 FLORESTAS E ÁGUAS DE TRABALHO

O autor direciona para a sua pesquisa nas florestas de trabalho, outro subsistema do sistema
agroflorestal. Neste ambiente as horas de trabalho são menores, porém não menos necessárias. Os
produtos daqui retirados são destinados para a subsistência das famílias e eventuais transações
comerciais. As atividades podem ocorrer em dois tipos de florestas, a floresta de terra firme e a
floresta de várzea (igapó). A primeira é considerada território coletivo e não demarcado, apesar de
possuir um dono “oficial” seu uso é da comunidade, onde todos tem liberdade de usufruir dos
produtos encontrados ali. As florestas de várzea5 já são consideradas um lugar conquistado e
sedentário, pois se encontram perto das casas dos varzeanos sendo então mais fácil de determinar
seus “donos”. A prática de trabalho é o extrativismo, que pode ser vegetal ou animal, estes
considerados produtos ofertados pela natureza. O extrativismo é dependente do calendário de
produção camponesa que por sua vez é dependente do ciclo das águas. É interessante destacar que o

5
A várzea é um ecossistema complexo, com imensa riqueza biológica passível de apropriação humana. Os rios
amazônicos e suas áreas inundáveis, cobrem mais de 300.000 km². Há muitas gerações essas áreas inundáveis vem sendo
utilizadas por populações tradicionais, tanto no período de seca quanto no de cheia. SURGIK, Ana Carolina Santos.
Estudo jurídico para a várzea amazônica. A questão fundiária e o manejo dos recursos naturais da várzea: análise
para a elaboração de novos modelos jurídicos. Manaus: ProVárzea, 2005, p. 15.
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produto do roçado demanda trabalho durante todo o ciclo agrícola enquanto o extrativismo se
apropria de “coisas” fornecidas pela natureza. Os produtos provenientes do extrativismo vegetal são:
diversos tipos de madeira para construções de estruturas, canoas e partes de instrumentos de
trabalho; lenha para combustível; frutos como tucumã e açaí do mato; mel; plantas medicinais e etc.
As plantas medicinais são ressaltadas aqui como produtos de grande importância e seu uso é
consequência de grande socialização do conhecimento, ou etnoconhecimento das gerações e é
atualizado constantemente.
Ao tratar de extrativismo animal observa-se a pesca como a atividade mais importante que os
ribeirinhos exercem quando buscam proteína animal. Os rios são considerados territórios aquáticos
públicos, ou seja, são de livre acesso para pessoas tanto da comunidade como de fora. Os lagos,
territórios aquáticos coletivos, onde quem tem permissão de uso são pessoas da comunidade onde o
lago está localizado. E por fim existem os lagos de procriação ou santuários que são lagos livres da
interferência do homem e servem como manutenção da biodiversidade de peixes, assim, a pesca é
proibida. Se não fosse pelo carboidrato da farinha de mandioca e a proteína dos peixes a vida na
várzea seria praticamente impossível e o camponês entende perfeitamente a importância de respeitar
e garantir que a natureza consiga trabalhar seus ciclos, assim sendo, o tempo que eles seguem é o
ecológico e não o cronológico.
O peixe é o recuso natural renovável mais abundante e utilizado, os dados da pesquisa nos
mostram que existem 1400 espécies de peixes na bacia amazônica, onde apenas 42 são consumidos.
Os peixes de escamas são os tipos que os varzeanos preferem para consumo próprio, e os de couro
ou lisos são mais direcionados ao mercado, porém, foi observado que o hábito de comer peixes lisos
está sendo incorporado aos poucos por estes pescadores.
O autor destaca os conflitos que acontecem entre os pescadores de várzea e os pescadores
citadinos. Existem grandes diferenças de cultura entre ambos, o pescador que mora na várzea segue
um tempo ecológico, enquanto o citadino o tempo cronológico das cidades, a pesca praticada pelo
primeiro grupo é extensiva e artesanal, por sua vez, a praticada pelo segundo grupo é intensiva e
predatória. O pescador citadino entra nos rios de várzea ou lagos, pratica sua atividade de forma
destrutiva e deixa o ambiente degradado para os que ali vivem e dependem dos peixes para sua
subsistência, como resultado os conflitos aumentam entre esses dois grupos.
Witkoski (2010, p. 288), assinala:
Vivendo ao longo do ano a dinâmica dos ciclos das águas- enchente, cheia, vazante e seca, o
camponês amazônico revela as múltiplas faces contidas em um único sujeito, criando e
recriando a própria existência – ora agricultor, ora criador, ora extrator. (...) apresenta a
polivalência como aspecto fundamental de sua condição humana e prova, ao mesmo tempo,
as dimensões ativas de sua adaptação às várzeas dos rios onde habita.

A permacultura tem alguns princípios básicos como o grande aproveitamento de pequenas


áreas, diversidade de espécies de plantas, longos prazos de produção, elementos silvestres na
produção, agricultura combinada com criação de animais, reflorestamento e manutenção do
ecossistema como partes da mesma engenharia ecológica e adaptabilidade a terras marginais ou não
tradicionais. Portanto é evidente a grande capacidade permacultural dos camponeses de várzea aqui
estudados, vista na relação integrada e adaptada ao meio ambiente que estão inseridos. (MOLISSON
e HOLMGREN 1983, p. 21).
As terras, florestas e águas de trabalho lhes surge com naturalidade e cultura desenvolvida
por longos anos e lapidada com a troca de conhecimento e observação dos ciclos das águas. Com

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tamanha identificação os próprios são donos dos meios de produção necessários para sua
sobrevivência e felicidade.

3 O PODER ECONÔMICO ORGANIZADO DA VIDA CAMPONESA

A Relação do camponês amazônico com o poder organizado pode se encontrar na própria


comunidade a que pertence ou na cidade, estando esse relacionamento marcado, dentre outros, pelo
dilema das trocas.
A Unidade de produção camponesa tem a sua produção para a própria sobrevivência, sendo
essa a sua principal característica, não produzindo, porém, tudo o que necessita, tendo de recorrer ao
mercado local da sua comunidade (porto de sua casa) ou da própria sede do município.
A família camponesa amazônica comportam como arenas de trabalho a terra, a floresta e a
água, onde operam a sua produção, sendo o resultado desse processo utilizado na subsistência ou na
venda (obrigados) para compra de outros produtos no mercado (mercadorias).
No que diz respeito à produção em si, quanto aos produtos em relação à terra, verifica-se no
subsistema agrícola - agricultura: mandioca, milho, feijão caupi, batata-doce, etc. Sítio: banana,
cacau, cupuaçu, graviola, mamão, manga, etc.
No Subsistema Criação de Animais: Gado Bovino (essencialmente).
Os produtos mais comercializados pelos camponeses são aqueles oriundos terra, por meio da
Agricultura.
A Floresta e a Água fornecem os produtos do extrativismo vegetal: Açaí-do-mato, bacaba,
castanha-da-amazônia, tucumã, mel, látex e também as plantas medicinais: Andiroba, copaíba,
madeira, etc. Animal: Caça com pouquíssimo significado, talvez em razão das normas ambientais de
proteção da fauna e a pesca essa com grande relevância.

3.1 MERCADO E SOBREVIVÊNCIA

Na esfera de comercialização do camponês amazônico, dois tipos de comportamentos


econômicos: 1. Os camponeses trocam seus valores de uso por valores de uso de outros atores sociais
(mercadorias) sem a medição do dinheiro. 2. 2. Vendem seus produtos e, com o dinheiro obtido,
adquirem outros valores de uso (mercadorias).
Conforme o autor, no âmbito econômico os camponeses amazônicos participam de um
mercado sofisticado, no qual entram em contato com a antítese do seu próprio modo de vida, ou seja,
agentes da comercialização: marreteiro, regatão, patrão, marreteiro da feira dentre outros. Tal contato
ocorre, nos dizeres do autor, por meio do combate de racionalidades antagônicas.
É possível se observar, no contexto do mercado de bens materiais e simbólicos, sobretudo o
primeiro, dilemas com abordagem sob dois enfoques: 1. Componentes econômicos que indicam
comprometer a vida da unidade de produção familiar, ou seja, os produtos produzidos e consumidos
na própria unidade de produção camponesa e os produtos adquiridos fora de sua propriedade
(consumo interno e externo), como exemplo: alimentos, materiais de higiene e limpeza, combustíveis
para barcos/iluminação, gás de cozinha, remédios, material escolar, vestimentas, ferramentas e
utensílios para trabalho na terra, floresta e água: enxadas, foices, fornos, machados, terçados, pás,
serras, anzóis, caniços, espinhéis, etc. 2. Componentes político-culturais que indicam comprometer o
modo de vida da unidade de produção camponesa (assistência técnica recebida).
Assim, resta traçado um perfil do modus viendi do camponês amazônico a partir de
indicadores a respeito daquilo que a unidade de produção camponesa efetivamente produz/consome

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(inobstante o mercado) e aquilo que o camponês e sua família produzem para necessariamente
vender no mercado para adquirir outras mercadorias essenciais à vida da unidade de produção.
A unidade de produção camponesa, opera a sua produção voltada tanto para a própria
subsistência quanto para o mercado.
Conforme Witkoski (2010, p. 349):
Uma primeira questão que não podemos deixar de sublinhar é que toda forma de produção
não deixa de ser uma forma de apropriação da natureza, praticada por indivíduos, no âmago
de um modo singular de organização social, visando reproduzir a própria condição de
existência.

Nesse sentido, o camponês, por meio dessa atividade, qual seja o trabalho, acaba por realizar
uma troca recíproca de energias com a natureza e essa transformação da natureza em valores de uso
para si e para outrem, modifica a natureza dele próprio (camponês) de modo a propiciar a dinâmica
recorrente das potencialidades existentes em si e em repouso na natureza, demonstrando com isso,
ser possuidor da capacidade de articular meios e fins numa perspectiva e projetos (telos).
A idiossincrasia do camponês amazônico baseia os seus gastos em face da renda real obtida
na produção, ou seja, ainda que reconheça a importância do futuro, não hesita quanto à garantia do
consumo certo.
Nesse sentido, Witkoski (2010, p. 357), assinala:

Assim, entre a garantia do consumo certo e da semeadura incerta, o camponês não vacila em
optar por sacrificar o futuro da produção ao futuro do consumo. Essa racionalidade,
conformada por modelos herdados através das gerações, sacrifica o futuro projetado, em
função da vida ordinária, como se a existência futura fosse colocada sempre no campo das
possibilidades.

Na intenção da subsistência, os camponeses amazônicos, buscando a produção dos meios de


vida, operam de modo incessante, baseando o seu trabalho do no tempo ecológico, agindo em todos
os ciclos das águas (enchente, cheia, vazante e seca).
Esse processo, tendo o autor tomado por referência dois grandes períodos do ciclo das águas
do rio Solimões / Amazonas (seca e cheia), permitiu a observação da influência em toda a produção e
inclusive na dieta, ou seja, a seca relacionada com a fartura: Peixes represados nos ambientes
aquáticos densamente povoados ao redor das unidades de produção com um período de trabalho
compreendido entre às 4 horas e às 20 horas; e a cheia relacionada com a escassez: Parte
significativa da dieta vem de fora da sua unidade de produção (Bolacha, carne bovina enlatada,
sardinha, macarrão, leite em pó). Há também o consumo moderado das aves – poupança alimentar
(ovos). Nesse período as vacas com bezerros são protegidas na maromba6, visando garantir o leite.
Conhecida como a estação dos “peixes magros” o período de trabalho é compreendido entre às 6
horas e às 20 horas, visando a economia de energia. (WITKOSKI, 2010, p. 358).
Nesse sentido, os alimentos como valores de uso, utilizados pelos camponeses amazônicos se
dividem em duas categoria: 1. Os produtos – oriundos da unidade camponesa. 2. As mercadorias –
compradas fora da unidade camponesa. Nesse contexto, surge o dilema da autossuficiência de
produtos – relativa – necessidade de aquisição de mercadorias para a produção da unidade (enxadas,
terçados, machados, etc), ou seja, a impossibilidade de autossuficiência impulsiona o camponês a se

6
Maromba: Jirau onde se põe o gado na cheia. PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A mata submersa, e outras histórias da
Amazônia. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967, p. 359.
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relacionar com o mercado a partir de duas opções: a compra valores de uso para satisfação e
necessidade própria/família (alimentos) e a compra valores de uso para produzir valores de uso para
a família (enxadas), iniciando-se, segundo o autor, o estabelecimento de um círculo inacabado e
trocas.

3.2 A RELAÇÃO CAMPONÊS / AGENTES DA COMERCIALIZAÇÃO

A relação dos camponeses amazônicos com agentes da comercialização pode ser entendida
como relação de poder, que por sua vez, gera uma dependência recíproca dos valores de uso,
oportunizando as possibilidades de trocas, o que impõe ao camponês a sua ida ao agente da
comercialização para vender o produto extraído da natureza para que a partir daí, possa adquirir
elementos metálicos, por exemplo, para que possa desenvolver suas atividades nos campos
amazônicos. Por outro lado, o urbanita necessita dos produtos oriundos da natureza, coletados /
retirados pelo camponês amazônico.
Segundo o autor, dentre os agentes da comercialização, é possível verificar os seguintes tipos:
1. Marreteiro – Mais significativo da rede. Proprietário de barcos com motores a combustão (diesel)
responsável pelo abastecimento da unidade de produção familiar. 2. Marreteiro-de-Feira – Vive no
mundo rural. Pode ser um camponês ou habitante da comunidade camponesa. Ocorre com
camponeses mais capitalizados. Sentimento de pertença contraditório em relação à comunidade. 3.
Regatão – Sujeito que percorre os rios de barco, parando de lugar em lugar. Vendem a dinheiro. Tipo
social que se confunde com a história da própria colonização da Amazônia. Comporta relação
ambígua com a população de várzea: servir – explorar. 4. Patrão – Figura residual da época opulenta
do extrativismo (gomífero). Ordenou o mundo rural amazônico por meio do aviamento. Fornecia
rancho ao coletor (víveres) durante o seu período de extração na floresta.

3.3 ASSISTÊNCIA TÉCNICA E DEPENDÊNCIA CAMPONESA

A assistência técnica, na várzea do rio Solimões/Amazonas, segue o ritmo da vida camponesa


que segue a cadência das águas, ou seja, é diminuta no período da enchente ou da cheia pelo fato dos
representantes do Poder Público, diretamente afetos ao tema, entender “não ter nada o que fazer nas
comunidades”.
Ocorre que tanto na enchente como na cheia há inúmeras atividades desenvolvidas pelos
camponeses que necessitam de assistência técnica nesse período considerado crítico, por exemplo, a
orientação do manejo na extração de madeira, os preços de vendas, as alternativas para enfrentar a
escassez do peixe, o fenômeno das terras caídas, etc.

4 CONCLUSÃO

A lógica interna do funcionamento da unidade de produção camponesa amazônica demonstra


que esta possui um conjunto notável de singularidade.
O camponês amazônico se relaciona com o mundo externo cada vez mais, passo a passo, por
círculos cada vez mais abrangentes: entre o porto de sua casa e a cidade.
O camponês amazônico consolida nas suas atividades diárias de extrativismo, coleta, caça e
pesca, a sua mais importante fonte de subsistência. Acrescentando-se, além disso, a manipulação das
plantas medicinais existentes na floresta de várzea ou de terra firme, como um componente
fundamental para a manutenção da vida no âmbito da unidade de produção camponesa.

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Anais do Seminário Internacional em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, v. 5. Manaus: EDUA. 2018. ISSN 2178-3500
V SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
Campus Universitário da UFAM, Manaus, 14 a 17 de Agosto de 2018

Por outro lado, as regras instáveis impostas pelos agentes da comercialização propicia o
estabelecimento de preços incertos aos seus produtos num contexto de descontrole e risco de
prejuízos. Alia-se a esse cenário, a prestação de assistência técnica defasada do Poder Público aos
camponeses da várzea.
Portanto, os frutos das águas de trabalho, os resultados da produção nas terras de trabalho
articuladas às florestas de trabalho são fundamentais para a subsistência da vida camponesa.

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Campus Universitário da UFAM, Manaus, 14 a 17 de Agosto de 2018

REFERÊNCIAS

MOLLISON, Bill; HOLMGREN, David. Permacultura 1 – Uma Agricultura Permanente nas


Comunidades em Geral. São Paulo: Ground, 1983.

MORAN, Emilio Frederico. A ecologia humana das populações da amazônia. Rio de Janeiro:
Vozes, 1990.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A mata submersa, e outras histórias da Amazônia. Rio de Janeiro:
Edições de Ouro, 1967.

SURGIK, Ana Carolina Santos. Estudo jurídico para a várzea amazônica. A questão fundiária e o
manejo dos recursos naturais da várzea: análise para a elaboração de novos modelos jurídicos.
Manaus: ProVárzea, 2005.

WITKOSKI, Antonio Carlos. Terras, florestas e águas de trabalho: os camponeses amazônicos e


as formas de uso de seus recursos naturais. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2010.

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