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Linguística - Capa 6mm.

pdf 1 11/06/2015 16:50:59

1ª edição
C

Linguística
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CM

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CY

CMY

K
LINGUÍSTICA

autor
LUIS CLAUDIO DALLIER

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  luis claudio dallier; roberto paes; gladis linhares; karen
bortoloti; marilda franco de moura

Autor do original  luis claudio dallier

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Coordenação de produção EaD  karen fernanda bortoloti

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Imagem de capa  cienpies design / illustrations

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

D147l Dallier, Luís Cláudio


Linguística / Luís Cláudio Dallier.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
128 p. : il.

isbn: 978-85-5548-041-6

1. Linguagem. 2. Gerativismo. 3. Sociolinguística. 4. Funcionalismo linguístico.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 410.92

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. A Linguagem 9
Objetivos 10
1.1  Conceituação de Linguagem 11
1.1.1  Linguagem verbal e não verbal 11
1.1.2  Concepções de linguagem 12
1.1.2.1  Linguagem como expressão do pensamento 12
1.1.2.2  Linguagem como instrumento de comunicação 14
1.1.2.3  Linguagem como lugar ou
experiência de interação humana 14
1.2  A linguagem humana e a linguagem animal 17
1.3  Características da linguagem humana 19
1.3.1  Independência de estímulo 20
1.3.2 Arbitrariedade 21
1.3.3  Dupla articulação 21
1.3.4 Produtividade 22
Atividades 23
Reflexão 25
Referências bibliográficas 26

2. A Linguística 27

Objetivos 28
2.1  Estudos sobre a linguagem na pré linguística 29
2.1.1  Platão e a filosofia da linguagem 30
2.1.2  Aristóteles e o estudo da linguagem 31
2.1.3  Estudos da linguagem na Roma antiga 32
2.1.4  Estudos da linguagem na Idade Média
até o fim do século XVIII 32
2.1.5  Antecedentes da Linguística no século XIX 33
2.2  O estudo científico da linguagem 35
2.3  Linguística e gramática: descrição x prescrição 42
2.3.1  Gramática prescritiva ou normativa 42
2.3.2  Gramática descritiva 44
2.3.3  Gramática internalizada 45
Atividades 45
Reflexão 47
Referências bibliográficas 48

3. As Principais Contribuições de Saussure à


Linguística 49

Objetivos 50
3.1  Langue e Parole 51
3.2  A natureza do signo linguístico: significante e significado 54
3.3  Arbitrariedade e linearidade 57
3.4  Diacronia e sincronia 60
3.5  Sintagma e paradigma 69
3.5.1  Relações sintagmáticas 70
Atividades 72
Reflexão 73
Referências bibliográficas 75

4. Gerativismo e Aquisição da Linguagem 77

Objetivos 78
4.1  A hipótese inatista para aquisição da linguagem 79
4.2  A teoria de Chomsky 82
4.2.1  Competência e desempenho 85
4.3  Gramatical e agramatical 90
Atividades 93
Reflexão 94
Referências bibliográficas 96
5. Sociolinguística e Funcionalismo 97

Objetivos 98
5.1  A Sociolinguística 99
5.1.1  A variação linguística 100
5.2  Tipos de variação linguística 102
5.2.1  As variações entre o português do Brasil e de Portugal 104
5.2.2  Níveis de linguagem 107
5.3  A noção de erro 110
5.3.1  O preconceito linguístico 113
5.4  Funcionalismo: europeu e norte-americano 114
5.4.1  Princípios do Funcionalismo norte-americano: iconicidade e gramati-
calização 117
5.4.2  Língua: visão formalista e visão funcionalista 117
Atividades 120
Reflexão 122
Referências bibliográficas 123

Gabarito 123
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Este livro é uma introdução aos estudos linguísticos, apresentando a área


da Linguística como a ciência da linguagem.
Por meio deste material didático, você conhecerá uma nova abordagem da
língua e entrará em contato com algumas das principais contribuições teóricas
que marcaram o estabelecimento da Linguística Moderna no século XX.
Depois de algumas reflexões iniciais sobre a linguagem e uma panorâmica
acerca dos estudos que antecedem o estabelecimento da Linguística como uma
área do conhecimento científico, você terá a oportunidade de estudar as ideias
de Ferdinand Saussure, Noam Chomsky, Roman Jakobson e outros linguistas
importantes. Diversos temas relacionados com a língua e seu uso são apresen-
tados e debatidos aqui, como o conceito de língua, a aquisição da linguagem, as
variações que uma língua manifesta, entre outros assuntos.
Além dos aspectos históricos, da fundamentação teórica e dos exemplos re-
lacionados com cada corrente ou tendência dos estudos linguísticos, você tam-
bém encontra neste livro sugestões de leituras, vídeos e outros recursos para
avançar no aprendizado.
Assim, use este material como fonte de consulta e um roteiro para iniciar
seus estudos sobre a Linguística.

Bons estudos!

7
1
A Linguagem
Ao estudar o tema da linguagem, você terá oportunidade de fazer algumas
análises e reflexões sobre a principal forma de comunicação e interação no
nosso dia a dia: a língua. Para isso, vamos relembrar as diversas manifestações
da linguagem, apresentando os principais tipos de linguagem e destacando a
língua em sua modalidade oral e escrita. Também estudaremos as principais
concepções e características da linguagem humana, além de tocarmos na
questão da relação entre linguagem animal e linguagem humana. Como você
perceberá ao longo dos estudos linguísticos, nossa abordagem não será a par-
tir do entendimento do senso comum sobre a língua nem estará baseada em
regras gramaticais. Vamos estudar a linguagem levando em conta diferentes
concepções e aspectos teóricos, tudo isso no contexto da Linguística, a área
de conhecimento que mais nos interessa aqui. Assim, você terá oportunidade
de conhecer importantes conceitos que certamente contribuirão para o ensi-
no-aprendizado da língua.

OBJETIVOS
•  Conhecer diferentes concepções de linguagem;
•  Compreender as principais características da linguagem humana;
•  Refletir sobre questões relacionadas com o uso da linguagem feito pelos seres humanos e
formas de comunicação entre os animais;
•  Familiarizar-se com abordagens teóricas sobre a língua.

10 • capítulo 1
1.1  Conceituação de Linguagem
A linguagem pode ser entendida como uma capacidade que todo ser humano
tem de se comunicar. Constitui todo sistema de sinais ou signos convencionais
que nos permite a comunicação.
Mas, o que são os signos?
Essa é uma pergunta que poderíamos responder dedicando um livro inteiro
somente a ela, mas por hora vamos definir os signos como os sinais que os se-
res humanos produzem quando se comunicam. Ao falarmos ou escrevermos,
por exemplo, estamos usando o signo linguístico, utilizando os sons ou as le-
tras para fazer referência a alguma coisa que é representada por palavras. O
signo representa algo que não está presente. Assim, os signos são usados para
designar ou significar alguma coisa.

CONEXÃO
Os dicionários podem ser fonte de consulta interessante para termos uma definição de lin-
guagem e, mais do que isso, compararmos as diversas acepções que essa palavra pode ter.
Veja no link abaixo as definições e as acepções que o Dicionário Michaelis oferece para
“linguagem”: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=linguagem

Vamos avançar no entendimento da linguagem fazendo, agora, uma distin-


ção básica entre dois tipos de linguagem.

1.1.1  Linguagem verbal e não verbal

A linguagem humana pode ser verbal e não verbal.


A linguagem não verbal é aquela que utiliza um tipo de código diferente da
palavra. É o caso das imagens, dos ícones, dos gestos, das cores, dos sons etc.
A linguagem verbal se vale da palavra, seja escrita ou falada. Quando você es-
creve um poema, digita uma mensagem nas redes sociais ou conversa com um
amigo, está usando a palavra ou a língua como meio privilegiado de expressão,
de comunicação e de interação com os outros.

capítulo 1 • 11
Se distinguimos linguagem verbal, ou seja, uma linguagem humana que
utiliza como sinais a palavra articulada, chegamos então à diferença entre lin-
guagem e língua.
Podemos dizer que a língua é uma linguagem humana específica, baseada
na palavra. Dito de outra forma, a língua é a linguagem verbal.
Assim, a língua é um tipo de linguagem humana.
Podemos, ainda, afirmar que a música, a pintura, a dança, o teatro, o cinema e
outras expressões são um tipo de linguagem humana. Daí falamos em linguagem
da música, linguagem corporal, linguagem pictórica e por aí em diante.
Ao fazermos a distinção entre linguagem verbal e não verbal, precisamos
lembrar que muitas vezes a comunicação se dá por meio do uso dos dois tipos
de linguagem. Ao falarmos com alguém ou discursarmos para determinado
público, vamos tanto fazer uso da linguagem verbal (a fala) como também da
linguagem não verbal (nosso gestual, postura corporal, tom da voz etc.).
Embora na escrita prevaleça a linguagem verbal, devemos reconhecer que a
linguagem não verbal participa dos atos de comunicação em geral. Mesmo que
os estudos sobre a linguagem privilegiem a linguagem verbal, e aqui neste livro
é também o que acontece, não podemos deixar de observar que a linguagem
não verbal está associada intimamente à atividade humana.

1.1.2  Concepções de linguagem

Para o nosso propósito, entre as muitas formas de linguagem, estamos destacando


a língua, que é um caso particular dentro de um fenômeno geral que é a linguagem.
A linguagem pode ser estudada desde muitas perspectivas e orientações te-
óricas. Na tentativa de esquematizar e sintetizar as diferentes abordagens da
linguagem, apresentamos três formas de compreensão de linguagem.
Assim, ao estabelecermos as três principais concepções de linguagem, te-
mos como preocupação maior entender as principais elaborações conceituais
sobre a linguagem e a língua.

1.1.2.1  Linguagem como expressão do pensamento

De acordo com essa primeira concepção, a linguagem corresponde a uma ex-


pressão que se constrói no interior da mente e tem na exteriorização apenas
uma tradução.

12 • capítulo 1
A linguagem é entendida como uma forma de expressar pensamentos, sen-
timentos, intenções, vontades, ordens, pedidos etc.
A intenção de expressar alguma coisa ou o ato ilocucional (enunciação) é,
na verdade, um ato monológico, imune ao outro e às circunstâncias sociais nas
quais a enunciação acontece.

O que é ato ilocucional? Inicialmente, podemos responder dizendo que ele é um ato de
fala. “Ato de fala é um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo”. Os atos de fala
classificam-se em: “ato locucional (é o sentido e a referência de determinada senten-
ça), ato ilocucional (apresenta certa força ao dizer algo) e ato perlocucional (é certo
efeito pelo fato de se dizer algo)” (FURTADO, 2003, p.119).

Por isso, “as leis da linguística são essencialmente as leis da psicologia in-
dividual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica seu pensa-
mento dependerá a exteriorização desse pensamento por meio de uma lingua-
gem articulada e organizada” (TRAVAGLIA, 2003, p. 21).
Isso quer dizer que, nessa concepção de linguagem, o uso da língua é visto
como algo que se limita a quem fala ou escreve. Não há preocupação com o
modo pelo qual o outro vai ler ou ouvir nossa mensagem.
Para essa concepção, a correção linguística ou o falar e escrever bem depen-
dem das regras às quais o pensamento lógico deve estar sujeito. Se as pessoas
não se expressam bem ou não usam a língua corretamente, tal fato se deve às
pessoas não pensarem corretamente.

CONEXÃO
Você pode conhecer um pouco mais sobre a noção de código e o processo de comunicação len-
do o artigo “O estudo científico da comunicação”, no link: http://www2.metodista.br/unesco/
PCLA/revista6/artigo%206-3.htm

Tal situação se resolveria por meio da internalização das regras gramaticais


e de seu adequado uso.

capítulo 1 • 13
1.1.2.2  Linguagem como instrumento de comunicação

A língua é tomada predominantemente como um código, que deverá ser utiliza-


do com eficiência. A otimização do uso do código deve atender às necessidades
de tornar inteligível a mensagem que se quer comunicar, levando o receptor a
responder adequadamente ao que se deseja.
O código deve “ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa
ser efetivada”. O uso do código, no caso a própria língua, “é um ato social, en-
volvendo consequentemente pelo menos duas pessoas”, por isso “é necessário
que o código seja utilizado de maneira semelhante, preestabelecida, conven-
cionada para que a comunicação se efetive” (TRAVAGLIA, 2003, p. 22).
O código é, então, entendido como “um conjunto de regras que permite a
construção e a compreensão de mensagens. É, portanto, um sistema de signos.
A linguagem é, por conseguinte, um dentre outros códigos (código marítimo,
código rodoviário)”. Dentre todos os outros códigos, a linguagem verbal, seja
escrita ou oral, é o único código que “pode falar dos próprios signos que os
constituem ou de outros signos” (VANOYE, 1981, p. 30).
Para Travaglia (2003, p. 22), a concepção da linguagem como instru-
mento de comunicação levou “ao estudo da língua enquanto código vir-
tual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no desempenho
(cf. Chomsky)”. Essas abordagens teriam levado a Linguística a não considerar
“os interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e re-
gras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de
produção, do que é social e histórico na língua”.
Assim, os estudos linguísticos adotaram uma perspectiva formalista, estu-
dando prioritariamente o funcionamento interno da língua e deixando de lado
as implicações da relação entre a língua e o homem dentro do contexto social.

1.1.2.3  Linguagem como lugar ou experiência de interação humana

Nessa concepção, a língua é mais do que tradução e exteriorização do pensa-


mento e, também, vai além da transmissão de informação ou da comunicação.
Ao usar a língua, o indivíduo é um sujeito que realiza ações, age, atua sobre o
interlocutor.

14 • capítulo 1
A linguagem é um “lugar de interação humana, de interação comunicativa pela
produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comu-
nicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 2003, p. 23).
Quem utiliza a língua não expressa apenas o pensamento, não comunica
somente alguma coisa; na verdade, ao usar a língua, o indivíduo ou os inter-
locutores “interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e ‘falam’
e ‘ouvem’ desses lugares de acordo com as formações imaginárias (imagens)
que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais” (TRAVAGLIA, 2003, p.
23). Por isso, o diálogo caracteriza tal concepção de linguagem, constituindo-se
numa dimensão privilegiada do uso da língua.

Figura 1.1 – Se a linguagem é interação, então, o que ouvimos pode afetar muito nossa vida
ou nosso humor.

Para ilustrar essa concepção de linguagem, podemos evocar o exemplo das


conversações que são travadas por pessoas que estão ligadas por laços afetivos
ou por estreitas relações de trabalho. É comum, nessas conversações, constatar-
mos uma interação verbal, um fenômeno social que estabelece mais do que uma
simples comunicação entre as pessoas ou a troca abstrata de formas linguísticas.

capítulo 1 • 15
O que se fala e o que se ouve têm poder de provocar reações, produ-
zir mudanças, despertar sentimentos e paixões, desencadear proces-
sos e ações etc. Também se considerarmos as palavras de um juiz, pro-
ferindo a célebre frase “Eu vos declaro marido e mulher”, teremos um
exemplo de que o uso da língua pode ser mais do que expressão do pensa-
mento ou comunicação de uma informação. Nesse caso, a fala da autoridade
faz surgir ou realiza um ato social e jurídico. Se um agente da lei, dirigindo-
-se a uma pessoa, dá voz de prisão e profere: “Esteja preso!”, ele não está sim-
plesmente exteriorizando seu pensamento ou comunicando uma novidade.
Essa concepção de linguagem não toma a substância da linguagem como
um sistema abstrato de formas linguísticas, no qual pouco importam o con-
texto e a heterogeneidade da língua; nem considera a linguagem como uma
enunciação monológica isolada, na qual se negligenciam o diálogo e a intera-
ção verbal. Antes, a linguagem entendida como processo de interação privilegia
o contexto, o diálogo, a interação e a dimensão social da linguagem.
Dentro dessa abordagem, podemos incluir algumas correntes e teorias da
Linguística que você terá oportunidade de estudar ao longo do Curso, como a
Linguística Textual, a Teoria do Discurso, a Análise do Discurso, a Análise da
Conversação, a Semântica da Conversação, a Semântica Argumentativa e os es-
tudos relacionados com a Pragmática.
Podemos resumir as três concepções de linguagem na tabela seguinte.

LINGUAGEM LINGUAGEM
LINGUAGEM
EXPRESSÃO DO INTERAÇÃO
COMUNICAÇÃO
PENSAMENTO HUMANA

Exteriorização do pensa- Meio objetivo para a co- Veículo de interação hu-


mento municação mana

A expressão nasce da
A expressão se constrói A expressão é também
necessidade de se co-
no interior da mente. ação.
municar.

16 • capítulo 1
LINGUAGEM LINGUAGEM
LINGUAGEM
EXPRESSÃO DO INTERAÇÃO
COMUNICAÇÃO
PENSAMENTO HUMANA

Ato monológico, indivi- Privilegia o diálogo e a


Diálogo superficial
dual interatividade.

Valorização do contexto
Regras para a organiza- Existência de códigos
dos usuários da língua;
ção lógica do pensamen- para a eficiência da co-
adequação no uso da
to: gramática normativa municação
língua

Para quem se fala, em Preocupação com o


Preocupação com as di-
que situação e para que meio, o destinatário, a
mensões afetivas e so-
se fala não são preocu- mensagem e a utilização
ciais
pações no uso da língua. eficiente do código

1.2  A linguagem humana e a linguagem


animal

Você já ficou surpreso com o seu cachorro por ele abanar o rabo quando ouve
a palavra "passear" ou admirado com algum papagaio capaz de fazê-lo rir com
algumas palavras pronunciadas de modo engraçado?
Muita gente fica intrigada diante da relação que alguns animais têm com a lin-
guagem humana, perguntando se seria possível eles compreenderem o que falamos.
Também podemos nos questionar se os próprios animais têm uma linguagem.
Talvez você já tenha ouvido dizer que a linguagem humana distingue a to-
dos nós dos demais seres viventes ou animais. A linguagem humana, na verda-
de, seria nossa marca registrada. Mas como explicar a inteligência da organiza-
ção e dos padrões das comunidades de abelhas ou as formas de comunicação
de chimpanzés ou golfinhos?

capítulo 1 • 17
Esse é um assunto muito interessante e que desperta certa curiosidade.
Primeiramente, vamos tentar esclarecer a seguinte questão: existe uma lin-
guagem animal?
Para responder a essa pergunta precisamos lembrar que o conceito de lin-
guagem pode ser bem amplo, não correspondendo apenas à língua ou à lingua-
gem verbal. Se entendermos a linguagem e a comunicação num sentido mais
amplo, incluindo, por exemplo, a comunicação por gestos ou estímulos visuais,
podemos adiantar que encontraremos animais com algum tipo de linguagem
ou padrão de comunicação.
Estudos comprovam padrões de comunicação entre certas comunidades de
outros seres vivos, o que nos leva a falar em “linguagem animal”. Petter (2003,
p. 16-17) menciona os estudos realizados por um zoólogo alemão, Karl von
Frisch, sobre um sistema de comunicação entre abelhas.
As abelhas seriam capazes de “(a) compreender uma mensagem com mui-
tos dados e de reter na memória informações sobre a posição e a distância; e (b)
produzir uma mensagem simbolizando – representando de maneira conven-
cional – esses dados por diversos comportamentos somáticos”. No entanto, a
“linguagem” animal “não se deixa analisar, decompor em elementos menores”.
Não haveria articulação na “linguagem” animal, o que levaria à conclusão de
que “a comunicação das abelhas não é uma linguagem, é um código de sinais”.
Isso seria evidenciado nas seguintes características: “conteúdo fixo, mensagem
invariável, relação a uma só situação, transmissão unilateral e enunciado inde-
componível” (PETTER, 2003, p. 16-17). Assim, apenas ampliando o conceito de
linguagem poderíamos afirmar que os animais possuem uma linguagem, mas
que não se confunde com a linguagem humana.
A linguagem humana conduz à distinção entre o ser humano e outros ani-
mais em função do dispositivo mental sofisticado que permite organizar de
modo complexo as percepções de mundo e a expressão dos pensamentos de
forma criativa e praticamente ilimitada (PETTER, 2003).
Poderíamos, então, indagar: "Que outro ser tem gestos significativos, pin-
ta, fotografa, faz cinema?". Nossa resposta deve, ao mesmo tempo, reconhecer
que há algum tipo de linguagem e padrões de comunicação entre os animais
e, ainda, apontar para o fato "de que o homem e a linguagem se relacionam de
forma a não se conceberem um sem o outro e que a linguagem está indissolu-
velmente associada com a atividade mental humana, a qual, absolutamente,
não se manifesta só pelo verbal" (PALOMO, 2001, p. 11).

18 • capítulo 1
Vamos, no entanto, insistir na questão intrigante da relação entre os ani-
mais e a linguagem humana porque, muitas vezes, podemos ter a impressão
de que o nosso cão entende o que falamos. Aliás, assistindo a alguns docu-
mentários, podemos jurar que certos macacos, golfinhos ou animais especial-
mente treinados "entendem" tudo o que seus adestradores falam ou procuram
comunicar.
Na verdade, os animais podem ter uma forma especial de entender as pala-
vras. É provável que um cão entenda uma palavra como um som que desencadeia
uma resposta, assim, ao ouvir a palavra "bola", o cachorro pode entender que pre-
cisa "pegar a bola para ganhar um petisco", por exemplo (MCGRATH, 2008).
Devemos admitir que, provavelmente, animais como os cães "não compre-
endem conceitos abstratos, [pois] eles não podem entender as palavras que se
referem a tais conceitos". Diferentemente de nós, que entendemos ideias como
"atenção", "paz", "ódio" e "amor" (ideias não vinculadas necessariamente a um
objeto ou uma ação específica) os cães ouvirão que os amamos de uma for-
ma significativa talvez não tão diferente de quando ouvem a palavra "petisco"
(MCGRATH, 2008).
De qualquer modo, não é possível afirmar categórica e definitivamente que
"os cães entendem ou não conceitos abstratos", pois até onde se sabe esses ani-
mais "só compreendem palavras que se referem a coisas concretas", ou seja,
conceitos concretos (MCGRATH, 2008).
Assim, procurando finalizar a resposta à pergunta que fizemos inicialmen-
te, podemos dizer que "se a linguagem indica o processo de comunicar um estí-
mulo particular (uma palavra) para produzir uma determinada reação, então os
cães definitivamente compreendem a linguagem" (MCGRATH, 2008). Porém,
cabe uma ressalva: o conceito de linguagem, na perspectiva da Linguística, vai
além desse aspecto e implica elementos que, definitivamente, não compõem a
capacidade de expressão e comunicação dos animais.

1.3  Características da linguagem humana


Se admitimos que os animais possuem algum tipo de linguagem, podemos
usar a expressão "linguagem humana" para nos referirmos às peculiaridades
ou traços distintivos da linguagem desenvolvida e utilizada pelos seres huma-
nos, particularmente a linguagem verbal ou a língua.

capítulo 1 • 19
Se você consultar alguns livros de Linguística que tratam desse assunto, po-
derá perceber que os autores não apresentam as características da língua de
modo uniforme ou numa lista idêntica. O que faremos aqui é apresentar de
modo introdutório e resumido algumas das principais características da lín-
gua, do ponto de vista de alguns estudiosos da Linguística. Embora essas carac-
terísticas estejam baseadas em pesquisas e teorias desenvolvidas na área dos
estudos linguísticos desde o começo do século XX, não vamos explicitar, por
enquanto, o referencial teórico dessas características.

1.3.1  Independência de estímulo

A independência de estímulo como característica da língua deve ser entendida


a partir do fato ou da constatação de que “não há, em geral, qualquer conexão
entre as palavras e as situações em que são utilizadas, de tal forma que a ocor-
rência de determinados vocábulos seja previsível, como se prevê um comporta-
mento habitual, a partir das próprias situações" (ESTÁCIO, 2014).
Isso quer dizer que não é comum nós falarmos a palavra "livro" todas as ve-
zes que olhamos ou utilizamos um livro, do mesmo modo que não é habitual
produzirmos a palavra "preocupado" em cada situação na qual estejamos com
algum tipo de preocupação. Na verdade, a probabilidade de usar a palavra "li-
vro" ou a palavra "preocupado" nas situações que mencionamos não é maior
do que a de utilizar esses termos em qualquer outro contexto. Isso acontece
porque "a linguagem não depende de estímulos externos para se manifestar"
(ESTÁCIO, 2014).
A independência de estímulo também está relacionada com a criatividade
no uso da língua. O fato de a linguagem humana ser independente de estímulo
se dá porque as palavras ou o enunciado que uma pessoa profere em um de-
terminado contexto ou numa "ocasião é, em princípio, não predizível, e não
pode ser descrito apropriadamente, no sentido técnico desses termos, como
uma resposta a algum estímulo identificável, linguístico ou não linguístico”
(LYONS, 1987, p. 213). Assim, uma criança quando está adquirindo a língua,
não produz os enunciados apenas a partir dos estímulos externos que recebe.

20 • capítulo 1
1.3.2  Arbitrariedade

A arbitrariedade é uma característica de língua que corresponde ao fato de não


haver uma relação de causa e efeito entre o som de uma determinada palavra e
o sentido associado a esse som. É arbitrário, por exemplo, o fato de utilizarmos
a palavra "maçã" para um referente que corresponde à fruta que você conhece
e que todos nós podemos comer. Não há um motivo natural, uma relação de
causa e efeito para chamarmos de "maçã" um determinado fruto. Prova disso
é que, em inglês, para se referir ao mesmo fruto, é usada a palavra "apple", en-
quanto em alemão se usa "apfel", em francês se usa "pomme" e no espanhol a
palavra correspondente é "manzana".
A arbitrariedade na língua é, assim, uma manifestação da referência simbó-
lica que a língua faz à realidade. Os elementos da linguagem não constituem a
realidade em si, eles fazem referência à realidade, ou representam a realidade,
por meio dos signos linguísticos.
Usamos a língua para representar a realidade, o mundo, as coisas ou qual-
quer referente, nos valendo dos símbolos, que são arbitrários,. Desse modo,
não há relação natural, direta ou motivada entre os sons de uma palavra (se-
quência fônica) e o sentido atribuído a essa palavra (conteúdo significativo) e a
realidade (referente). Isso mostra que a simbolização é, na verdade, o processo
necessário pelo qual passa a realidade para se transformar em linguagem, em
código que permite infinitas combinações, relações, interpretações e interação
(BORBA,1998, p. 10).

1.3.3  Dupla articulação

Antes de você compreender o que é a dupla articulação da linguagem humana,


é preciso, primeiro, entender o conceito de articulação.
A articulação linguística está relacionada com a capacidade que a lingua-
gem tem de fazer combinações entre as unidades significativas por si mesmas
ou não. Falamos ou pronunciamos as palavras porque os sons que compõem
determinada palavra se articulam, se combinam.
Essa articulação ocorre em diversos níveis. Se, por exemplo, segmentarmos
as unidades bata/cata/data/gata/lata/mata/nata/pata/rata em unidades meno-
res, morfema por morfema, verificaremos que a primeira unidade fônica é a
única responsável por diferenciar o significado dessas nove palavras. Desse

capítulo 1 • 21
modo, a diferença entre "pata" e "rata", por exemplo, reside no som que corres-
ponde à primeira letra dessas palavras, sendo tanto uma diferença no som que
você ouve como também no sentido ao qual esse som está ligado. Apenas com a
alteração de um único morfema, também chamado de unidade distintiva pela
função que desempenha, é possível executar novas combinatórias.
Perceba, entretanto, que entre as combinações dos exemplos que demos há
diferenças, ainda que mínimas. Essas diferenças são de dois tipos e caracte-
rizam a dupla articulação: a) diferença de natureza mórfica (forma – primeira
articulação); b) diferença de natureza fônica (som – segunda articulação).
Assim, dizemos que a linguagem é duplamente articulada. A articulação se
dá sempre numa linearidade e auxilia no processo de criação e economia lin-
guísticas (BORBA,1998, p. 10).

1.3.4  Produtividade

Essa característica da língua corresponde à possibilidade que o sistema lin-


guístico apresenta quanto ao número infinito de mensagens que um usuário
pode produzir, bastando para isso que o indivíduo domine o código linguístico.
Pense no fato de que a partir de um conjunto limitado de letras ou de sons,
que pertencem a uma determinada língua, é possível produzir uma quantidade
infinita de frases ou textos. Não é interessante perceber que com apenas 26 le-
tras do nosso alfabeto possamos escrever milhares de textos?
A linguagem não apresenta um limite definido, não exige a mera reprodu-
ção de mensagens previamente compartilhadas. Cada usuário pode fazer, e
acabará fazendo, combinações únicas e mesmo assim, pelo princípio da produ-
tividade, ele será compreendido, desde que a mensagem produzida seja num
código também dominado pelo receptor (BORBA,1998, p. 13).
A produtividade é uma característica linguística que pode ser evidenciada,
também, pelo fato de a criança, ainda muito cedo, produzir "construções grama-
ticais que jamais ocorreram antes em sua experiência" (LYONS, 1987, p. 212).

22 • capítulo 1
ATIVIDADES
01. Considere as seguintes afirmativas relacionadas com a linguagem e a língua:

I. Há distinção entre língua e linguagem, pois a língua seria uma das formas ou manifes-
tações da linguagem humana. Assim, a língua não abarca todas as formas de comunicação
ou todos os signos produzidos pelo ser humano.
II. Língua e linguagem são indistintas, pois a única manifestação de linguagem possível é
a língua, ou seja, a palavra escrita ou falada.
III. Enquanto o termo “linguagem” corresponde a formas de expressão, comunicação e
interação humana por meio de signos ou sinais (visuais, sonoros, gráficos, espaciais, gestuais
etc.), a língua corresponde à linguagem verbal, ou seja, à linguagem baseada na palavra.
IV. Língua é um termo utilizado para se referir apenas à linguagem escrita, enquanto lin-
guagem é o termo apropriado para se referir à oralidade.

Estão corretas somente as afirmativas


a) I e II.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.
e) III e IV.

02. A linguagem verbal pode ser exemplificada:


a) na fala e na escrita.
b) nos gestos e nos sinais de trânsito.
c) na fala somente.
d) na escrita somente.
e) nos sons e nas cores.

03. A independência de estímulo, uma das características da língua, corresponde:


a) Ao fato de não haver conexão entre as palavras e as situações em que são utilizadas,
não havendo previsibilidade para ocorrência de um vocábulo a partir de determinada
situação ou estímulo externo.
b) À possibilidade que o sistema linguístico apresenta quanto ao número infinito de mensa-
gens que um usuário pode produzir, bastando para isso que o indivíduo domine o código
linguístico.

capítulo 1 • 23
c) À relação convencional, sem nexo de causa e efeito, entre a forma de uma palavra e seu
sentido ou significado.
d) À capacidade que a linguagem tem de fazer combinações entre as unidades que com-
põem, por exemplo, uma palavra.
e) Ao fato de falarmos ou pronunciarmos as palavras em função da articulação ou combi-
nação de seus sons e de suas partes significativas.

04. Seria possível alguém viver em sociedade sem a linguagem? Essa questão pode ser trabalhada
assistindo ao filme "O enigma de Kaspar Hauser", de Werner Herzog. Identifique no filme algumas
implicações sociais e culturais envolvidas no fato de o personagem principal chegar a uma cidade
desprovido de linguagem verbal. Para responder a esta questão, leia também o texto a seguir:

É possível alguém viver sem linguagem?


Kaspar Hauser tem sua história notabilizada por meio de inúmeras publicações científicas e
do filme O enigma de Kaspar Hauser, do cineasta alemão Werner Herzog. Os primeiros anos
de vida de Kaspar Hauser foram numa cela, sem contato verbal com qualquer outra pessoa.
Isso o impediu de adquirir uma língua, quando era criança. Seu isolamento o privou não so-
mente da fala. Ele não tinha conceitos, raciocínios, hábitos nem mesmo gestos característicos
das pessoas que viviam em sociedade. Não sabia distinguir o sonho da realidade. Kaspar
Hauser aprendeu a falar apenas mais tarde. Supostamente aos quinze anos de idade, foi dei-
xado em uma praça pública de Nuremberg, na Alemanha, com uma carta na mão explicando
parte de sua história. Menos de cinco anos depois, em 1833, ele morreu assassinado. Sua
vida em sociedade foi marcada por inadequações e estranhamentos devido à exclusão social
e ao isolamento que experimentara desde criança. (Saldanha, 2010, p. 174-175)

05. Suponha que um professor, numa reunião de trabalho, tenha de apresentar sua discor-
dância em relação à opinião de outro colega. O professor, em vez de seguir um impulso inicial
e dizer “Você está completamente errado, essa sua visão tacanha do problema só vai trazer
mais aporrinhação, não posso concordar com você!”, afirma o seguinte: “Parece-me que você
está equivocado, pois sua visão do problema pode ser limitada e, talvez, acarrete mais com-
plicações, assim, tenho dificuldades em concordar com você”. Nesse caso, o cuidado que o
professor teria na elaboração da fala está relacionado com qual concepção de linguagem?
Quais são as características ou principais aspectos dessa concepção de linguagem?

24 • capítulo 1
REFLEXÃO
Você tem visto que a língua tem lugar central na experiência de comunicação e interação do
ser humano, fazendo parte de nossa humanidade.
Tanto a oralidade quanto a escrita apontam para o fato de que a necessidade de viver
em sociedade e nos relacionarmos com os outros nos leva a desenvolver estratégias de
comunicação. Entretanto, não usamos a língua apenas para entrar em relação com os outros
em situações cotidianas e mais utilitaristas de comunicação. Fazemos uso da língua nas
manifestações artísticas, na expressão esteticamente elaborada de sentimentos e emoções,
na criação de novas formas de se expressar e em diversas experiências culturais. Porém,
mais do que o uso da língua, interessam-nos, também, as reflexões que podemos fazer sobre
esse uso. Queremos pensar sobre a língua. Estudar não uma língua específica, do ponto
de vista gramatical ou etimológico, mas conhecer aquilo que é comum às estruturas e ao
funcionamento das línguas em geral. Por isso, você estudou algumas das características da
linguagem humana e aprendeu sobre diferentes concepções teóricas da linguagem.
Para finalizar este momento de seus estudos linguísticos, leia a citação a seguir procu-
rando refletir sobre o lugar da linguagem na história da humanidade e sua estreita relação
com a vida em sociedade:

O fascínio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que per-
mite não só nomear/criar/transformar o universo real, mas também possibilita trocar
experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir, e até mesmo imaginar o que
não precisa nem pode existir. A linguagem verbal é, então, a matéria do pensamento e
o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem, não
há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em
sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se
relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe independentemente da linguagem.
Como realidade material – organização de sons, palavras, frases – a linguagem é rela-
tivamente autônoma; como expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é
orientada pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural
de seu falante. (PETTER, 2003, p. 12)

capítulo 1 • 25
LEITURA
No artigo "Existe linguagem animal?" você pode ler um pouco mais sobre a comunicação
entre animais e sua distinção em relação à linguagem humana. Disponível em: http://faabiy.
blogspot.com/2010/08/existe-linguagem-animal.html .
No vídeo "Linguagem e dialogismo", produzido pela Unesp/Univesp, você pode encon-
trar explicações e uma síntese sobre as três concepções de linguagem que foram apresenta-
das neste capítulo. O vídeo pode ser acessado no canal da Univesp TV, no Youtube: https://
www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0 .
Embora não tenhamos tratado diretamente do tema da origem da linguagem, caso você
tenha interesse no assunto, não deixe de assistir ao documentário francês "As origens da
linguagem", que apresenta hipóteses interessantes para o surgimento da língua, encontrado
em versão dublada no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=cYJoXsfgenQ .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORBA, F. da S. Introdução aos estudos linguísticos. Campinas: Pontes 1998.
ESTÁCIO. Linguística. WebAula, 2014.
MCGRATH, Jane. O que significa para os animais entender palavras. Howstuffworks, 2008.
Disponível em: http://casa.hsw.uol.com.br/caes-e-palavras2.htm . Acessado em: 10 fev. 2015.
PALOMO, Sandra M. S. Linguagem e linguagens. In: Eccos Revista Científica. São Paulo, UNINOVE,
vol. 3, nº 2, dez. 2001.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, Linguística. In: FIORIN, José L. (org.). Introdução à
Linguística I. São Paulo: Contexto, 2003.
TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 9. ed. rev. São
Paulo: Cortez, 2003.
VANOYE, F. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins
Fontes, 1981. (Ensino Superior)

26 • capítulo 1
2
A Linguística
Neste capítulo, vamos continuar nosso estudo sobre a linguagem, aprenden-
do sobre a história e as diversas áreas da Linguística, caracterizada como o
conhecimento científico da língua. Além disso, também abordaremos o pa-
pel do linguista, destacando seu trabalho com a língua e sua relação com a
gramática.

OBJETIVOS
•  Obter uma panorâmica dos estudos da linguagem antes do surgimento da Linguística Moderna;
•  Compreender os pressupostos teóricos e metodológicos da Linguística;
•  Conhecer as diferentes áreas da Linguística e as possibilidades de atuação do linguista.

28 • capítulo 2
2.1  Estudos sobre a linguagem na pré
linguística

O estudo sobre a linguagem antecede o surgimento da própria Linguística


como uma disciplina e área do conhecimento. Por isso mesmo, podemos nos
referir a um longo período de estudos da linguagem, abrangendo diferentes po-
vos e culturas, sem pretensões científicas e não se enquadrando na categoria
de disciplina acadêmica.
Primeiramente, nessa perspectiva histórica dos estudos sobre a linguagem,
podemos mencionar a tradição hindu.
Por motivos religiosos relacionados com o cuidado com a língua nas can-
ções e nos rituais, os antigos hindus desenvolveram estudos gramaticais por
meio dos quais classificavam os sons da fala. Essa classificação era bem deta-
lhada e precisa, sendo baseada na observação e na experiência que os gramáti-
cos hindus desenvolviam. Na verdade, "em sua análise das palavras, os gramá-
ticos hindus foram bem além daquilo que se poderia julgar necessário ao seu
objetivo original", que era preservar os textos sagrados sem qualquer alteração
por conta de seu uso nas canções ou quando eram recitados nas cerimônias
religiosas indianas (LYONS, 1979, p. 22).
Já no século IV a.C., temos um gramático conhecido por Panini se dedican-
do "ao estudo do valor e do emprego das palavras". Ele fez uma descrição deta-
lhada do sânscrito, um tratado com milhares de regras. No século II a.C, outro
gramático, Pantañjali, explicou esse tratado. Esses dois gramáticos hindus lan-
çaram a base da gramática do sânscrito (CÂMARA JR, 1986, p.15).
O trabalho relacionado com o sânscrito e desenvolvido pelos gramáticos
hindus começa a se tornar conhecido no mundo ocidental no final do século
XVIII.
Antes porém de tratarmos dessas influências e de um período que abrange
a Idade Média e entra na Idade Moderna, vamos lembrar que estamos tratando
de uma história que, no contexto do pensamento e da cultura ocidentais, teria
início com o estudo da gramática entre os gregos na Antiguidade clássica. Esse
estudo era de natureza filosófica, baseado na lógica e preocupado com o esta-
belecimento das relações entre o pensamento e a palavra, buscando a exatidão
e a correção. Os estudos voltados para a gramática grega tiveram uma grande
contribuição nesse sentido.

capítulo 2 • 29
Uma preocupação importante na filosofia grega estava relacionada com o
que era considerado natural ou convencional na língua. Os pensadores gregos
debatiam se o que dominava a língua era a "natureza" ou a "convenção", no con-
texto de uma especulação filosófica bastante comum e que colocava em campos
opostos o natural e o convencional. Assim, ao afirmar que uma determinada ins-
tituição, como a língua, era natural significava "dizer que ela tinha sua origem em
princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e era por isso inviolável".
Por outro lado, afirmar "que era convencional equivalia a dizer que ela era o mero
resultado do costume e da tradição, isto é, de algum acordo tácito, ou “contra o
social”, entre os membros da comunidade – “contrato” que, por ter sido feito pe-
los homens, podia ser pelos homens violado" (LYONS, 1979, p. 4).
Assim, os gregos se dedicaram à questão da definição das "relações entre
o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder à pergunta:
haverá uma relação necessária entre a palavra e o seu significado?" (PETTER,
2003, p. 7).
Pelo menos dois filósofos se destacam nos estudos sobre a linguagem na
Antiguidade clássica grega: Platão e Aristóteles.

2.1.1  Platão e a filosofia da linguagem

Platão não reconhecia a linguagem como mediadora entre a consciência e a re-


alidade, já que a linguagem afastaria o homem do contato direto com o mundo
das ideias (o lugar das verdades), sendo, portanto, uma contingência ou mesmo
degradação do ser humano. Consequentemente, “Platão concebe o ato de falar
como um compromisso com a verdade, pois acredita que toda ficção fatalmen-
te se desmorone diante do que ele chama de ‘realidades vivas’, isto é, as ideias”
(BRANDÃO, 1976, p. 19-24).

CONEXÃO
Você pode compreender melhor o conceito de “mundo das ideias” por meio da Alegoria da
Caverna, de Platão. Uma animação muito interessante sobre essa alegoria pode ser assistida
no link a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=eZze-EpcwRI

30 • capítulo 2
Em relação ao discurso, no campo da Retórica, Platão entendia que o emis-
sor e o receptor têm limitações na mensagem, pois a atenção dada ao ouvinte se
constitui em “adulação interesseira” e a intervenção do orador será entendida
como uma ilusão enganadora (BRANDÃO, 1976, p. 26).
Platão trouxe uma contribuição interessante ao ser, provavelmente, o pri-
meiro pensador que propôs uma classificação para as palavras, distinguindo os
nomes dos verbos.

2.1.2  Aristóteles e o estudo da linguagem

A abordagem de Aristóteles em relação à linguagem é encontrada em textos


como Retórica e Argumentos Sofísticos.
Para Aristóteles, a linguagem tem um caráter precário diante da realidade
que ela pretende representar, já que “os nomes e uma quantidade qualquer de
termos são finitos, enquanto o número das coisas é infinito”, no entanto, ele
reconhece que a linguagem é condição essencial para a comunicação huma-
na. Aristóteles entendia que sem o significado das palavras não seriam possí-
veis as discussões, as conversações e, até mesmo, a compreensão de si mesmo
(BRANDÃO, 1976, p. 19-20).
Aristóteles também entendia que a simbolização por meio da linguagem é
algo próprio do ser humano, que deveria se definir muito mais pela palavra do
que pelo emprego da força ou pelo corpo.
A linguagem é considerada, ainda, sob dois ângulos: como suporte da refle-
xão filosófica e como veículo de manifestação de valores e crenças humanas.
Assim, a linguagem estaria relacionada com a ciência ou filosofia e com a retó-
rica. Na filosofia, deve-se buscar ou descobrir a verdade (exigência de certezas),
na retórica deve-se descobrir de modo especulativo o que é adequado para per-
suadir em cada situação (bastando a persuasão) (BRANDÃO, 1976, p. 20).
Indo além da classificação de Platão em relação às palavras, Aristóteles clas-
sificava as palavras em três categorias: nomes, verbos e partículas. A contribui-
ção de Aristóteles foi numa direção diferente da de Platão, pois ele "chegou a
elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as
categorias gramaticais" (PETTER, 2003, p. 7).

capítulo 2 • 31
2.1.3  Estudos da linguagem na Roma antiga

A partir dos estudos gramaticais do grego, os romanos desenvolveram um es-


tudo normativo do latim, apoiado em categorias como "certo e errado". Con-
forme a explicação oferecida por Lyons (1979, p. 14), as semelhanças entre as
estruturas do latim e do grego levaram os latinistas a considerarem as diversas
categorias gramaticais elaboradas pelos gregos como "categorias linguísticas
universais e necessárias".
Entre os latinos que receberam alguma influência dos gregos, podemos
mencionar Varrão (século II a.C), que se dedicou à gramática e procurou definí
-la como arte e ciência, escrevendo um compêndio de vários volumes intitulado
De Língua Latina (PETTER, 2003, p. 7).
Houve também outros nomes importantes entre os romanos, gramáticos
que procuraram descrever a língua das obras clássicas latinas, que eram consi-
deradas a produção dos melhores escritores, não se preocupando com a língua
falada no cotidiano.

2.1.4  Estudos da linguagem na Idade Média até o fim do século XVIII

Por influência principalmente da Igreja e em função da diplomacia, da eru-


dição e da cultura, o latim foi a língua mais estudada durante a Idade Média
(LYONS, 1979, p. 14). Vários manuais de latim surgiram e os estudos gramati-
cais baseados no latim foram consideráveis no período medieval, influencian-
do outras línguas e gramáticas.
No século XVI, motivada pela Reforma Protestante, ocorre a tradução de
textos sagrados em várias línguas, ainda que o latim mantivesse seu prestígio
como língua universal. Concomitantemente, há uma difusão de línguas estran-
geiras até então desconhecidas a partir do intercâmbio cultural resultante dos
deslocamentos dos viajantes, comerciantes e diplomatas (PETTER, 2003, p. 7).
Nesse período, o pensamento de vários filósofos gregos é retomado, entre
eles Aristóteles. Surge a gramática especulativa, que estava fundada filosofi-
camente na ideia de que "a língua é um espelho que reflete a realidade subja-
cente aos fenômenos do mundo físico". Desse modo, tentava-se determinar de
que forma a palavra se vinculava à inteligência e à coisa que ela representava
(BORBA, 1998, p. 305).

32 • capítulo 2
Os gramáticos especulativos defendiam que a "palavra não representa di-
retamente a natureza da coisa significada, mas apenas como ela existe de uma
maneira ou modo: uma substância, uma ação, uma qualidade" (BORBA, 1998,
p. 305).
Nos séculos XVII e XVIII, as preocupações que os antigos estudiosos ti-
nham com a gramática têm continuidade. Em 1660, por exemplo, destaca-se
na França a Gramática de Port Royal (Grammaire Générale et Raisonnée de Port
Royal), um modelo que influenciou muitas gramáticas do século XVII e que re-
tomou ideais da gramática especulativa. Tratava-se de uma gramática que pro-
curava demonstrar que a linguagem está fundada na razão, sendo a imagem
do pensamento. Consequentemente, "os princípios de análise estabelecidos
não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua"
(PETTER, 2003, p. 7).
A Gramática de Port Royal, desse modo, era racional, como já apontado,
e geral, pois ela estava preocupada em esclarecer princípios que não estavam
presos à descrição de uma língua particular, já que considerava a linguagem
em sua generalidade

2.1.5  Antecedentes da Linguística no século XIX

No século XIX, ocorre maior interesse pelas línguas vivas, pelo estudo compa-
rativo dos diferentes falares em função de aumentar o conhecimento sobre um
número maior de línguas. Isso caracterizou um avanço em relação ao raciocínio
mais abstrato sobre a linguagem verificado no século XVIII. Desse modo, é desen-
volvido um método histórico de estudo da língua, o que levará ao "florescimento
das gramáticas comparadas e da Linguística Histórica" (PETTER, 2003, p. 7).
Já no começo do século XIX, o linguista alemão Humboldt procurou estabele-
cer "o mecanismo e a natureza da linguagem por meio de raciocínios gerais que se
aplicam ao funcionamento das línguas em particular". O princípio que norteava o
trabalho de Humboldt era de que a língua se constitui numa atividade interessan-
te, num trabalho mental do homem que é repetido continuamente para que seus
pensamentos sejam expressos. Assim, ele entendia que a língua era uma energia
ou força criadora de cada um, não sendo apenas um produto a ser utilizado pelos
falantes. Consequentemente, a língua exerceria grande influência no modo como
os falantes percebem e organizam a realidade, o mundo dos objetos, e em torno
disso sua própria mente ou pensamento (BORBA, 1998, p. 306).

capítulo 2 • 33
Outros nomes podem ser destacados nos estudos da linguagem no século
XIX, como o de Franz Bopp, que em 1816 publica uma obra sobre o sistema
de conjugações de várias línguas (Sânscrito, Grego, Latim, entre outras). Essa
obra se constitui num marco para o estabelecimento da linguística comparati-
va. Outros nomes são Grimm, com sua Gramática Germânica de 1819; Rasmus
Rask, com a publicação de seu trabalho linguístico em 1818. Nessa época,
os estudos linguísticos estão voltados para o esforço em reconstituir a histó-
ria ou passado de línguas europeias e asiáticas, com uma preocupação mais
histórica e etimológica, centrada na mudança das línguas ao longo do tempo
(BANDEIRA, s/d, p. 12).

A descoberta de semelhanças entre essas línguas e grande parte das línguas euro-
peias vai evidenciar que existe entre elas uma relação de parentesco, que elas consti-
tuem, portanto, uma família, a indo-europeia, cujos membros têm uma origem comum,
o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do método histórico-comparativo.
(PETTER, 2003, p.8)

Assim, os estudos da linguagem do século XIX são identificados com a lin-


guística histórica, atrelada à gramática comparada, pois levava em conta a mu-
dança das línguas e buscava descobrir sua história, comparando, por exemplo,
línguas europeias com o sânscrito.
Os estudos dos gramáticos comparativistas, buscando chegar a formas re-
motas de uma língua e reconstruir hipóteses sobre sua origem, contribuíram
para o fortalecimento de uma metalinguagem, para o estabelecimento de sím-
bolos e recursos para descreverem uma língua.
O nascimento de Linguística moderna, no século XX, se beneficia dos prin-
cípios metodológicos que foram elaborados no século anterior, ainda que ela
se constitua em bases diferentes: "O estudo comparado das línguas vai eviden-
ciar o fato de que as línguas se transformam com o tempo, independentemente
da vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria da língua e mani-
festando-se de forma" (PETTER, 2003, p. 8).

34 • capítulo 2
2.2  O estudo científico da linguagem
A Linguística moderna surge no início do século XX, fundada nos estudos de
Ferdinand Saussure, com a pretensão de ser um estudo científico da lingua-
gem. Porém, nem sempre os estudos linguísticos tiveram status de cientificida-
de, como podemos constatar ao tratar dos antecedentes da Linguística.
Na verdade, antes do século XX, os estudos linguísticos não faziam parte de
uma área do conhecimento autônoma, pois eles submetiam-se "às exigências
de outros estudos, como a lógica, a filosofia, a retórica, a história, ou a críti-
ca literária". Com o surgimento da Linguística no começo do século passado,
ocorre uma mudança que "se expressa no caráter científico dos novos estu-
dos linguísticos, que estarão centrados na observação dos fatos de linguagem
(PETTER, 2003, p.13).
Tanto no passado quanto no presente, os estudos linguísticos estiveram
vinculados, de algum modo, ao seu contexto ou à sua época. Podemos afirmar
que “as teorias da linguagem, do passado ou atuais, sempre refletem concep-
ções particulares de fenômeno linguístico e compreensões distintas do papel
deste na vida social”. Assim, em cada momento da história, “as teorias linguís-
ticas definem, a seu modo, a natureza e as características relevantes do fenô-
meno linguístico. E, evidentemente, a maneira de descrevê-lo e de analisá-lo”
(ALKMIN, 2004, p. 22).

Alguns manuais de história da Linguística nos oferecem um panorama de diversas


abordagens no estudo do fenômeno linguístico [...] Schleicher se propõe a colocar a
Linguística no campo das ciências naturais, dissociando-a da tradição filológica, vista
por ele como um ramo da História, ciência humana. Para o referido linguista alemão o
desenvolvimento da linguagem era comparável ao de uma planta que nasce, cresce e
morre segundo leis físicas. A linguagem é vista como um organismo natural ao qual se
aplica, portanto, o conceito de evolução, desenvolvido por Darwin [...] A orientação bio-
logizante que Schleicher imprimiu à Linguística da sua época afastou, evidentemente,
toda consideração de ordem social e cultural no trato do fenômeno linguístico. (ALK-
MIN, 2004, p. 22).

capítulo 2 • 35
No começo do século XX, como já mencionamos, os estudos linguísticos
abandonam muitas pressuposições ultrapassadas e ganha status científico.
Surge a Linguística Moderna.
Podemos conceituar a Linguística como a ciência que estuda a linguagem.
Silva (2005) define a Linguística como “a ciência que investiga os fenôme-
nos relacionados à linguagem e que busca determinar os princípios e as carac-
terísticas que regulam as estruturas das línguas”.
A Linguística é considerada uma ciência?
Embora seja comum caracterizar a Linguística como ciência, essa definição
pode encontrar alguma resistência ou discordância.
Castilho (2001, p. 55 apud COSTA, 2003) procura explicar os estudos linguís-
ticos por meio da fábula dos três cegos apalpando o elefante. A analogia é inte-
ressante porque cada um que apalpava o elefante acabava definindo o animal
a partir daquela parte do corpo em que tocava. Assim, o que tocava na perna
tinha a percepção do elefante como "um animal com formato de cilindro e que
é estático, [que] não se mexe [e] ocupa posição vertical no espaço”. Já o cego
que pegava na tromba discordava dessa primeira impressão, "não só quanto à
disposição no espaço, quanto à rigidez no tato, tanto quanto à falta de mobili-
dade". O terceiro cego que poderia ter seus movimentos no vazio, sem tocar em
nada ou tocando em algo que não fosse o elefante, obteria apenas uma catego-
ria vazia.
Assim, não é simples chegar a uma definição ou conceito sobre o que é
Linguística.
Bernadete Abaurre (apud XAVIER; CORTEZ, 2003, p.16-17) defende que a
Linguística se constitui num "amplo campo de estudos sobre a linguagem", no
qual há objetos de estudo definidos, rigor na pesquisa, sistematização e teste
de teorias, além de outros procedimentos que caracterizam as investigações
científicas.
Castilho (2001, p. 56 apud COSTA, 2003) argumenta que se faz ciência nos
estudos linguísticos quando entendemos que a ciência está relacionada com a
capacidade de "problematizar as coisas, fazer perguntas, identificar um objeto
de preocupações, criar hipóteses prévias sobre esse objeto e verificar nos dados
se essas suas hipóteses encontram guarida", para depois reformular as hipóte-
ses numa constante tensão entre teoria e prática, até chegar a uma estabilidade
nas descobertas e publicá-las de alguma forma.

36 • capítulo 2
Luiz A. Marcushi (apud XAVIER; CORTEZ, 2003, p.137) afirma que “ciência
é todo tipo de investigação em que se produz algum tipo de conhecimento. (...)
O próprio da ciência é investigar e não explicar. A explicação é um dos seus fei-
tos e não sua essência”.
Sírio Possenti (apud XAVIER; CORTEZ, 2003, p.167) acrescenta que “há as-
pectos, pedaços da linguística que são científicos, são ciência”.
De acordo com Lopes (1976, p. 24), a Linguística é uma ciência interdiscipli-
nar que apresenta interfaces ou se vale da contribuição da Estatística, da Teoria
da Informação, da Lógica Matemática, da Psicanálise, da Teoria Literária, da
Antropologia etc.
A Linguística se interessaria pela linguagem, seu objeto de estudo, desde
um enfoque particular. O enfoque da Linguística seria diferente, por exemplo,
do enfoque da gramática ou mesmo da filologia. Os estudos linguísticos não se
limitariam à decifração de texto escritos antigos (como na filologia) ou à descri-
ção e estabelecimento de regras da língua padrão (como na gramática).
Para Dascal e Borges Neto (1991, p. 33 apud XAVIER; CORTEZ, 2003), no
século XIX, “ao invés de se estudar a linguagem para ‘fazer filosofia’ ou para
‘fazer crítica literária’, como nos séculos anteriores", a linguagem começou a
ser estudada com o objetivo de se "fazer ciência".
Diante dessas considerações, podemos dizer que a Linguística tem um esta-
tuto científico. Há pelo menos três aspectos ou requisitos que apontariam para
o estatuto científico da Linguística: o estabelecimento de um objeto (de estudo)
próprio; o uso de metodologia rigorosa ao invés de ter um caráter intuitivo ou es-
peculativo e, finalmente, seu caráter descritivo e analítico, em vez de prescritivo.

O estatuto científico da linguística deve-se, portanto, à observância de certos requisitos que


caracterizam as ciências de um modo geral. Em primeiro lugar, a linguística tem um objeto
de estudo próprio: a capacidade da linguagem, que é observada a partir dos enunciados
falados e escritos. Esses enunciados são investigados e descritos à luz de princípios teó-
ricos e de acordo com uma terminologia específica e apropriada. A universalidade desses
princípios teóricos é testada através da análise de enunciados em várias línguas.
Em segundo lugar, a linguística tende a ser empírica, e não especulativa ou intuitiva,
ou seja, tende a basear suas descobertas em métodos rígidos de observação. Ou seja,
a maioria dos modelos linguísticos contemporâneos trabalha com dados publicamente
verificáveis por meio de observações e experiências.

capítulo 2 • 37
Estreitamente relacionada ao caráter empírico da linguística está a atitude não pre-
conceituosa em relação aos diferentes usos da língua. Essa atitude torna a linguística,
primordialmente, uma ciência descritiva, analítica e, sobretudo, não prescritiva. Para
tanto, examina e analisa as línguas sem preconceitos sociais, culturais e nacionalistas,
normalmente ligados a uma visão leiga acerca do funcionamento das línguas. A linguís-
tica considera, pois, que nenhuma língua é intrinsecamente melhor ou pior do que outra,
uma vez que todo sistema linguístico é capaz de expressar adequadamente a cultura do
povo que a fala (CUNHA, COSTA & MARTELLOTA, 2008, p. 20).

Sobre o uso de uma metodologia científica no estabelecimento da


Linguística como ciência da linguagem, devemos levar em conta a importância
de se proceder à observação dos fatos ou fenômenos linguísticos antes de se es-
tabelecer uma hipótese. Além disso, os fatos que são observados precisam ser
examinados sistematicamente por meio de experimentação e uma teoria ade-
quada. Assim, o trabalho ou método científico nos estudos linguísticos "con-
siste em observar e descrever os fatos a partir de determinados pressupostos
teóricos formulados pela Linguística, ou seja, o linguista aproxima-se dos fatos
orientado por um quadro teórico específico". Desse modo, é possível que um
mesmo fenômeno receba diferentes descrições e explicações, em função "do
referencial teórico escolhido pelo pesquisador" (PETTER, 2003, p. 12-13).
Além de sabermos o que é a Linguística, precisamos definir também o tra-
balho do linguista.
O linguista é aquele pesquisador ou estudioso pertencente à área da
Linguística. Seu trabalho, em linhas gerais, consiste em buscar “sistematizar
suas observações sobre a linguagem, relacionando-as a uma teoria linguística
construída para esse propósito. A partir dessa teoria, criam-se métodos rigorosos
para a descrição das línguas” (CUNHA, COSTA & MARTELLOTA, 2008, p. 20).
Vale, ainda, considerar a observação que Petter (2003, p. 17) faz acerca da ta-
refa do linguista e da caracterização dos estudos linguísticos. Ele afirma que "os
estudos linguísticos não se confundem com o aprendizado de muitas línguas:
o linguista deve estar apto a falar “sobre” uma ou mais línguas, conhecer seus
princípios de funcionamento, suas semelhanças e diferenças". Desse modo, a
Linguística não pode ser equiparada ao estudo tradicional da gramática, pois

38 • capítulo 2
o linguista observa a língua e "procura descrever e explicar os fatos: os padrões
sonoros, gramaticais é lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso
em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico".
O papel do linguista, então, se define em termos de uma busca para desco-
brir como a linguagem funciona, tendo a língua como objeto de estudo "que
deve ser examinado empiricamente, dentro de seus próprios termos, como a
Física, a Biologia etc.". Em relação à metodologia, "a análise linguística focali-
za, principalmente, a fala das comunidades e, em segunda instância, a escrita"
(PETTER, 2003, p. 18).
Uma forma prática de conhecer e saber um pouco mais o que é a Linguística
pode ser encontrada neste material. Seguindo cada unidade deste livro, você
terá oportunidade de construir um conceito de Linguística.
Ao longo deste material, você terá oportunidade de verificar as principais
contribuições de nomes importantes dos estudos linguísticos no século XX.
Acompanhará a apresentação de conceitos e pesquisas importantes para o es-
tabelecimento da Linguística moderna.
De qualquer modo, vale a pena apresentarmos, por enquanto, uma lista das
áreas da Linguística e suas aplicações.
Podemos listar como áreas da linguística: fonética (estudos dos sons da fala
humana); fonologia (estudo das funções linguísticas dos sons da fala); gramáti-
ca descritiva (estudo descritivo dos aspectos morfológicos, sintáticos e semân-
ticos); lexicologia e lexicografia (estudo dos vocábulos de um idioma e elabora-
ção de dicionários e descrição do léxico de uma língua); estilística (estudo sobre
aspectos estilísticos da linguagem); pragmática (estudo da língua no contexto
de seu uso na comunicação); filologia (estudo da linguagem em textos antigos).
Essa lista não é consensual e pode levantar muitas polêmicas, mas ela dá uma
ideia das áreas de atuação da linguística.
Há aqueles que dividem a Linguística a partir de seu foco de análise em
Linguística Descritiva, Linguística Histórica, Linguística Teórica, Linguística
Aplicada e Linguística Geral.
Confira uma breve descrição de cada uma dessas subdivisões da Linguística:

capítulo 2 • 39
Fala de uma língua, descrevendo-a simultaneamente
no tempo, analisa as relações existentes entre os fatos
LINGUÍSTICA linguísticos em um estado da língua, além de fornecer
DESCRITIVA (OU dados que confirmam ou não as hipóteses. Moderna-
SINCRÔNICA): mente, ela cede lugar à Linguística Teórica, que constrói
modelos teóricos, mais do que descreve;

LINGUÍSTICA Analisa as mudanças que a língua sofre através dos


HISTÓRIA (OU tempos, preocupando-se, principalmente, com as trans-
DIACRÔNICA): formações ocorridas;

Procura estudar questões sobre como as pessoas,


usando suas linguagens, conseguem comunicar-se;
LINGUÍSTICA quais propriedades todas as linguagens têm em co-
TEÓRICA: mum; qual conhecimento uma pessoa deve possuir
para ser capaz de usar uma linguagem e como a habili-
dade linguística é adquirida pelas crianças;

Utiliza conhecimentos da linguística para solucionar


LINGUÍSTICA problemas, geralmente referentes ao ensino de línguas,
APLICADA: à tradução ou aos distúrbios de linguagem.

Engloba todas as áreas, sem um detalhamento profun-


LINGUÍSTICA GERAL: do. Fornece modelos e conceitos que fundamentarão a
análise das línguas (FIORIN, 2003).

Borba (1998, p. 316) apresenta os postulados que contribuíram para o esta-


belecimento de um corpo teórico de conhecimentos linguísticos. São eles:

•  Crença na existência de uma estrutura subjacente não interpretada em


que a semântica e a pragmática são acrescentadas somente para fins de inter-
pretação ou extensão.
•  Alegação de que se pode fazer distinção entre gramática e não gramática.

40 • capítulo 2
•  Exigência de uma ordem extrínseca estrita para as regras gramaticais.
•  Pressuposição de metateorias a que somente mais tarde se dá um conteú-
do empírico (BORBA, 1998, p. 316).

Para Borba (1998, p. 316), a Linguística teria o desafio de cumprir, então,


enormes tarefas. Entre elas, cita as seguintes:

1. Refinar e ampliar a metodologia dando atenção à linguística transfrasal.


2. Coligir e analisar dados de línguas ainda desconhecidas e intensificar
os esforços para completar análises de línguas desconhecidas.
3. Desenvolver os métodos de pesquisa histórica, dando atenção aos es-
tudos comparativos para conhecimento mais rigoroso dos grupos linguísticos
relacionados.
4. Desenvolver os estudos de tipologia linguística.
5. Colaborar no aperfeiçoamento e avanço de técnicas para o ensino de
línguas estrangeiras (BORBA, 2003, p. 316-317).

Em relação aos desafios e aplicações da Linguística no contexto Brasileiro,


são apontadas necessidades de pesquisa e estudos nas seguintes áreas:

1. Descrição da língua portuguesa em sua totalidade, visando à constru-


ção de gramáticas e dicionários para uso escolar ou não, com base sempre na
descrição objetiva dos fatos.
2. Caracterização dos dialetos e dos vários registros vigentes nos mais di-
versos estratos sociais.
3. Reformulação da metodologia de investigação histórica.
4. Vinculação com a área pedagógica visando ao ensino de língua escrita e
desenvolvimento dos padrões orais
5. Vinculação com a área literária visando à estimulação dos mecanismos
de produção e recepção de textos.
6. Estimulação do interesse pela descrição de nossas línguas indígenas
(BORBA, 2003, p. 316-317).

capítulo 2 • 41
Esses desafios ou necessidades foram elaborados dentro do contexto das
necessidades que se vislumbravam ainda no final do século XX. Atualmente,
novos desafios são colocados. Poderíamos citar, por exemplo, as novas perspec-
tivas de estudo que se abrem a partir do hipertexto eletrônico e da linguagem
no mundo virtual ou na WEB.

2.3  Linguística e gramática: descrição x


prescrição

Como já vimos, a Linguística não tem um caráter normativo ou prescritivo. Isso


quer dizer que ela não está voltada para a imposição ou estabelecimento de re-
gras sobre o que é certo ou errado no uso da língua. Na verdade, a preocupação
da Linguística está mais situada na descrição da língua, no estudo da estrutura,
do funcionamento e dos usos da língua. Por isso, é comum a oposição entre
uma visão descritiva da língua, associada à Linguística, e uma visão prescritiva
da língua, vinculada à gramática normativa.
Vamos, então, entender melhor essa questão examinando alguns tipos de
gramática, já que há conceitos de gramática que não se prendem a um conjun-
to de regras nem se limitam à gramática escolar.

2.3.1  Gramática prescritiva ou normativa

Começamos nossa explicação sobre tipos de gramática por aquela que é mais conhe-
cida e utilizada nas aulas de língua portuguesa na escola. Estamos nos referindo à
gramática normativa, também denominada de gramática prescritiva, e que se dedica
ao estudo da língua padrão, principalmente da modalidade escrita. A gramática nor-
mativa prescreve o que é considerado correto e errado de acordo com as normas da
variante culta, a única considerada como válida. Tende a considerar apenas os fatos
da língua escrita, tomando a variedade oral da norma culta como idêntica à escrita.
Apresenta uma descrição do padrão culto da língua e dita normas de bem falar e es-
crever, valorizando a correção gramatical (TRAVAGLIA, 2001, p. 30-31).
A gramática é concebida “como um manual com regras de uso da língua
a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente”
Assim, gramatical é tudo aquilo que obedece às normas do bom uso da língua,

42 • capítulo 2
configurando o falar e o escrever corretamente. A língua é considerada apenas
na sua variedade dita padrão ou culta; todas as outras formas de uso da lín-
gua são consideradas desvios, erros, deformações ou degenerações da língua
(TRAVAGLIA, 2001, p. 24).
Essa concepção de gramática como norma ou regra está vinculada à norma
culta ou padrão em função de algumas razões ou argumentos. Esses argumen-
tos que estabeleceriam a norma culta e dariam base à gramática normativa se-
riam, de acordo com Travaglia (2001, p. 25-26), os seguintes:

uso de critérios como elegância, colorido, beleza,


ESTÉTICA: finura, expressividade. Rejeição de vícios como a ca-
cofonia, colisão, eco, pleonasmo vicioso etc.

opção pelo uso da língua pertencente à classe de


ELITISTA OU prestígio em detrimento do uso das classes popu-
ARISTOCRÁTICA: lares.

critério de purismo e vernaculidade. Rejeição de


estrangeirismo ou qualquer aspecto que “ameace”
POLÍTICA: a identidade ou soberania da nação ou da cultura
nacional.

critérios relacionados com a facilidade de comu-


COMUNICACIONAL: nicação e compreensão. As construções e o léxico
devem resultar na “expressão do pensamento”.

recorre-se à tradição para critérios de exclusão e


HISTÓRICA: permanência de usos da língua.

capítulo 2 • 43
2.3.2  Gramática descritiva

A gramática descritiva, diferentemente da gramática prescritiva, está relacionada


com uma concepção que entende a gramática como uma atividade linguística de
descrição da estrutura da língua e de seu funcionamento. A gramática é concebi-
da como um conjunto de regras utilizadas pelos falantes na construção real de
enunciados, e não como regras ou normas que devem ser impostas ou adotadas
por quem escreve e fala de modo diferente do que é observado ou descrito. Para
essa concepção de gramática, será considerado gramatical ou aceitável “tudo o
que atende às regras de funcionamento da língua de acordo com determinada
variedade linguística” (TRAVAGLIA, 2001, p. 27). Note que o sentido de "regras
de funcionamento da língua" não tem a ver com as regras da gramática escolar,
mas está relacionado com as regularidades que são observadas no uso da língua.
Saber gramática significa, no caso, ser capaz de distinguir, nas expressões
de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua cons-
trução, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramati-
calidade. O linguista pode fazer gramáticas de todas as variedades da língua,
propondo de acordo com o modelo teórico quais as unidades e categorias da
língua, bem como as relações que podem ser estabelecidas entre elas e as suas
funções, o seu funcionamento.

São representantes dessa concepção as gramáticas feitas de acordo com as teorias estru-
turalistas que privilegiam a descrição da língua oral e as gramáticas feitas segundo a teoria
gerativo-transformacional que trabalha com enunciados ideais, ou seja, produzidos por um
falante-ouvinte ideal. As correntes linguísticas que dão base a esse tipo de gramática têm
em comum o fato de proporem uma homogeneidade do sistema linguístico, abstraindo a
língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham com um sistema formal abstrato que regula-
riza o uso que se tem em cada variedade linguística (TRAVAGLIA, 2001, p. 27-28)

Assim, a gramática descritiva descreve e registra as unidades, categorias e


mecanismos de uma determinada língua.Valoriza o trabalho de observação e
descrição que se faz de uma determinada língua em um momento e local es-
pecíficos, procurando entender o seu funcionamento. A gramática descritiva é
menos usada no ensino oficial e geralmente recebe a denominação da corrente
linguística a que pertence.

44 • capítulo 2
2.3.3  Gramática internalizada

A gramática compreende o conjunto de regras “dominado pelos falantes de


um idioma e que lhes permite o uso normal da língua” (PERINI, 1976, p. 20-22,
apud TRAVAGLIA, 2001).
A gramática internalizada é um conjunto de “regras que o falante de fato
aprendeu e das quais lança mão ao falar, antes mesmo do processo de escolari-
zação” (TRAVAGLIA, 2001, p. 28).
Nesse caso, “saber gramática não depende, pois, em princípio de escolari-
zação, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação
e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria ati-
vidade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princí-
pios e regras”. Não existem livros dessa gramática, pois ela é o objeto de des-
crição, daí porque normalmente essa gramática é chamada de internalizada
(TRAVAGLIA, 2001, p. 28-29).

ATIVIDADES
01. Leia as afirmativas a seguir

I. A Linguística possui um estatuto científico, por isso ela pode ser considerada uma ci-
ência de todo e qualquer tipo de linguagem humana, constituindo-se fundamentalmente no
estudo científico das linguagens não verbais e artificiais.
II. O estatuto científico da Linguística pode ser reconhecido no caráter empírico, intuitivo
e especulativo dos estudos linguísticos.
III. O estabelecimento de um objeto de estudo próprio é uma das razões ou dos requisitos
que apontam para o estatuto científico da Linguística.
IV. O caráter analítico e descritivo da Linguística, em vez de uma abordagem prescritiva,
indica ou confirma o estatuto científico da Linguística.

Estão CORRETAS as afirmativas:


a) I e II.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.
e) III e IV.

capítulo 2 • 45
02. Sobre a Linguística, pode-se afirmar corretamente que:
a) corresponde aos estudos gramaticais, filológicos ou etimológicos realizados desde a
Antiguidade Clássica e estendendo-se até a Idade Média.
b) consiste numa disciplina que trata da linguagem de uma forma normativa, procurando
estabelecer as regras e normas do uso padrão da língua.
c) consiste numa disciplina que se detém na investigação científica da linguagem verbal
humana.
d) corresponde aos estudos sobre a linguagem anteriores a Ferdinand Saussure.
e) consiste numa abordagem científica de todos os tipos de linguagem não verbal.

03. A partir das concepções e dos tipos de gramática, assinale a alternativa que representa
uma caracterização adequada da diferença entre gramática normativa e gramática descritiva
a) Na gramática normativa, predomina a preocupação com a compreensão do funciona-
mento da língua, enquanto a gramática descritiva está ocupada com o estabelecimento
das regras que devem ser seguidas.
b) A gramática descritiva, diferentemente da gramática normativa, não está preocupada
com o trabalho de prescrição de normas gramaticais, por isso não lhe interessa explicar
como funciona uma língua.
c) A gramática normativa, diferentemente da gramática descritiva, ocupa-se com o estabe-
lecimento das regras e normas que deverão ser seguidas pela comunidade de usuários
da língua.
d) A gramática normativa é a gramática dos livros escolares; a gramática descritiva não
existe em forma de livro, não é publicada e nem mesmo é abordada em algum livro
acadêmico.
e) A gramática descritiva difere da gramática normativa porque prescreve o uso da língua,
sendo, portanto, uma gramática que se distingue pelo trabalho de normalização.

04. Sobre a gramática normativa, é inadequado afirmar que ela seja:


a) Prescritiva.
b) Um conjunto de normas para o uso da língua.
c) Voltada para a língua padrão ou culta.
d) Uma gramática voltada para a descrição do uso e funcionamento da língua em todas as
suas variedades.
e) Um manual de regras para o bom uso da língua.

46 • capítulo 2
05. Podemos dizer que a Linguística pretende ser:
a) Uma disciplina que não está relacionada com o estudo da linguagem.
b) Um estudo da linguagem dos animais.
c) Um estudo da literatura.
d) Um estudo apenas do texto escrito.
e) Um estudo científico da linguagem.

REFLEXÃO
Você aprendeu que a língua é estudada há muito tempo, antes mesmo do surgimento da Lin-
guística. Desde os antigos gramáticos hindus, os filósofos na Antiguidade Clássica e diversos
pesquisadores e pensadores de diferentes áreas do conhecimento, a língua tem sido objeto
de estudo. No entanto, o surgimento da Linguística como disciplina acadêmica e forma de
conhecimento científico da linguagem, no começo do século XX, é que marca uma mudança
substancial no estudo da língua. Indo além das preocupações apenas filosóficas, das pesqui-
sas etimológicas e das gramáticas normativas, a Linguística se propôs ao estudo da língua
com metodologia própria e voltada para a compreensão da estrutura, do funcionamento e do
uso da língua.
Assim, a Linguística nos dará uma nova visão e nos levará a uma abordagem diferente da
língua e da gramática, pois ambas não se resumem a regras ou normas. Por isso, vale a pena
ler e pensar sobre a citação que você encontra a seguir:

[...] a gramática é na verdade o estudo e o trabalho com a variedade dos recursos lin-
guísticos colocados à disposição do produtor e receptor de textos para a construção
do sentido. Gramática é o estudo das condições linguísticas da significação. É uma
resposta sistemática e, quando possível, explícita, à questão fundamental de por que e
como (para quem e quando...) as expressões das línguas naturais significam tudo aquilo
que significam! – e como os elementos da língua constituem enunciados.(TRAVAGLIA,
2001, p. 235)

capítulo 2 • 47
LEITURA
Uma boa dica de leitura sobre a área e a atuação dos estudos linguísticos é o livro da profes-
sora Eni Pulcinelli Orlandi, intitulado O que é Linguística?, publicado pela Editora Brasiliense.
Outra sugestão de leitura está relacionada com a primeira dica. Trata-se de uma rese-
nha do livro já recomendado. A resenha pode ser encontrada em: https://pt.scribd.com/
doc/14992988/Resenha-Critica-do-Livro-O-que-e-linguistica-Por-Jose-Augusto-S-Viegas
Confira, ainda, o artigo "O que é Linguística", publicado no portal Lendo.org e disponível
em: http://www.lendo.org/o-que-e-linguistica/ .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Joalêde. Introdução aos estudos linguísticos. FTC, s/d.
BORBA, F. da S. Introdução aos estudos linguísticos. Campinas: Pontes 1998.
BRANDÃO, Roberto de O. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976.
LYONS, John. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Edusp, 1979.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, Linguística. In: FIORIN, José L. (org.). Introdução à
Linguística I. São Paulo: Contexto, 2003.
TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 9. ed. rev. São
Paulo: Cortez, 2003.

48 • capítulo 2
3
As Principais
Contribuições
de Saussure à
Linguística
Neste capítulo, são abordadas as formulações teóricas de Ferdinand Saussure
a respeito da linguagem e do signo linguístico. São apresentadas as contribui-
ções daquele que é considerado o pai da Linguística Moderna, com destaque
para os conceitos de língua e fala, significante e significado, diacronia e sin-
cronia, arbitrariedade e linearidade, paradigma e sintagma, entre outros.

OBJETIVOS
•  Conhecer os principais conceitos teóricos elaborados por Saussure;
•  Reconhecer a contribuição de Saussure para o estabelecimento da Linguística moderna;
•  Identificar os pressupostos teóricos do estruturalismo nos estudos linguísticos;
•  Apropriar-se de uma visão da língua que vá além do senso comum.

50 • capítulo 3
3.1  Langue e Parole
Saussure desenvolveu a maioria de seus conceitos na forma de antinomias ou
dicotomias. São pares conceituais que revelam a perspectiva teórica desse lin-
guista em relação aos estudos linguísticos.
Uma dicotomia básica é a estabelecida entre langue (língua) e parole (fala).
O par langue/parole está fundamentado na oposição entre social e individual,
além de partir do reconhecimento de que a linguagem humana comporta fato-
res físicos, fisiológicos e psíquicos.

Em uma tentativa de definir o objeto da Linguística, a separação língua/fala se instau-


ra. Saussure, com a preocupação de instituir a Linguística como ciência, influenciado
pelo positivismo da época, divide a linguagem por esta dicotomia. Tratando, assim, de
abordar, não a fala, mas a língua. Ao cindir a linguagem em língua e fala, Saussure diz
que a língua é um sistema abstrato de regras e a fala é o uso que se faz dessas regras.
Ao fazer isso, Saussure, desenvolvendo seu raciocínio sobre a linguagem, separa o que
para ele é social, passível de descrição, a língua, do que é individual, a fala. Conforme o
CLG (p.22), “com o separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo o que é social
do que é individual; o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental.”
Saussure faz esse corte porque a fala, a princípio, não pode ser sistematizada e des-
crita. Assim, o uso que se faz da língua fica de fora, por enquanto, da teoria linguística.
E seguindo nessa linha de pensamento, o mestre complementa que “a língua, distinta
da fala, é um objeto que se pode estudar separadamente” (CLG, p.22). (AIUB, 2009)

Para Saussure, a parole (fala) é individual e a langue (língua) é social.

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem por objeto
a língua, que é social em sua essência e independe do indivíduo; esse estudo é unica-
mente psíquico; outra, secundária, tem por objeto a parte individual da linguagem, vale
dizer, a fala, inclusive a fonação e é psicofísica. (SAUSSURE, 1969, p. 27)

Podemos acrescentar que Saussure entendia por langue (língua) o próprio


sistema da língua, ou seja, “o conjunto de todas as regras (fonológicas, mor-
fológicas, sintáticas e semânticas) que determinam o emprego dos sons, das

capítulo 3 • 51
formas e das relações sintáticas, necessárias para a produção dos significados”
(LOPES, 2005, p. 76-77). É exatamente a langue que vai interessar a Saussure,
por isso ele a caracteriza como essencial.
Deve-se entender que, apesar de a língua (langue) existir na consciência de
cada indivíduo, ela constitui um sistema supraindividual, pois não é definida
por um indivíduo – antes, é definida pelo grupo social ao qual esse indivíduo
pertence (LOPES, 2005, p. 77).

A dicotomia langue/parole de Saussure é denominada pelo linguista dinamarquês Lou-


is Hjelmslev de esquema/uso. O linguista russo Roman Jakobson, usando termos de
sua teoria da informação, refere-se a essa mesma relação como código/mensagem.
Essas noções também estariam presentes em Noam Chomsky (autor que será estu-
dado na capítulo 4) na relação competência/desempenho (Cf. LOPES, 2005, p. 78).

Já a parole (fala) foi entendida por Saussure como a liberdade de combina-


ções ou “uma combinação individual que atualiza elementos discriminados
dentro do código” (LOPES, 2005, p. 77).
A parole se constitui de atos individuais, sendo “múltipla, imprevisível, irre-
dutível a uma pauta sistemática. Os atos linguísticos individuais são ilimitados,
não formam um sistema”, já os fatos linguísticos sociais (langue/língua) for-
mam um sistema, dada sua natureza homogênea (CARVALHO, 2004).
Saussure apresenta a relação entre langue (língua) e parole (fala) a partir de
uma analogia com o dicionário.

Saussure compara a língua a um dicionário, cujos exemplares tivessem sido distribuídos entre
todos os membros de uma sociedade. Desse dicionário (ao qual deveríamos acrescentar,
para sermos mais precisos, uma gramática), que é a langue, cada indivíduo escolhe aquilo que
serve aos seus propósitos imediatos de comunicação. Essa parcela concreta e individual da
langue, posta em ação por um falante em cada uma de suas situações comunicativas con-
cretas, chamou-a Saussure parole (em português “fala” ou “discurso”). (LOPES, 2005, p. 77)

Assim, para Saussure, a linguagem é a soma da língua e do discurso (fala);


em contrapartida, a “língua é a linguagem menos o discurso” (LOPES, 2005, p.
78).

52 • capítulo 3
Podemos sintetizar as diferenças entre langue e parole utilizando o quadro
a seguir.

LANGUE PAROLE

língua fala

sistema global de regularidades constituída por expressões reais em si

caráter coletivo caráter individual

atividade linguística concreta, momentâ-


social, exterior ao indivíduo
nea e individual

convencional exprime pensamento pessoal

homogênea heterogênea

interesse prioritário do linguista, pode


considerada acessória e acidental
ser estudada separadamente

Apesar de distinguir langue de parole, Saussure chama a atenção para o fato


de que a distinção não compromete a interdependência da língua e da fala:

Sem dúvida, esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam mutuamente; a
língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta
é necessária para que a língua se estabeleça; historicamente, o fato da fala vem sempre
antes. [...] Enfim, é a fala que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os
outros que modificam nossos hábitos linguísticos. Existe, pois, interdependência da língua e
da fala; aquela é ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta. Tudo isso, porém, não
impede que sejam duas coisas absolutamente distintas. (SAUSSURE, 1969, p. 27)

capítulo 3 • 53
É importante destacar que Saussure faz também uma escolha entre langue
e parole. Ele afirma que o único objeto de estudo da Linguística propriamente
dita é a langue (língua).
A visão saussuriana que distingue langue de parole recebeu algumas relei-
turas e críticas. Entre os linguistas de tradição estruturalista, podemos citar a
visão de Jakobson sobre o assunto.

Defendendo o oposto dessa separação, Jakobson (2003, p.34) afirma que o interesse da
Linguística deve se pautar na “linguagem em todos os seus aspectos – pela linguagem
em ato, pela linguagem em evolução, pela linguagem em estado nascente, pela lingua-
gem em dissolução.” Sendo assim, Jakobson não descarta a fala. Não separa, portanto,
a linguagem, mas sim põe em questionamento esta dicotomia. Nesse sentido, do ponto
de vista de Jakobson, a Linguística deve estudar a linguagem mais amplamente quanto
possível (...) Jakobson coloca a fala como um de seus objetos de análise por ela justa-
mente fazer parte do sistema da língua. Segundo ele, a fala não é acidental como é para
Saussure, pois um falante partirá do “duplo caráter da linguagem” (JAKOBSON, 2003,
p.37), o caráter da seleção e o caráter da combinação. Além disso, um falante de uma
dada língua, ao enunciar, não o fará por uma via unicamente individual, uma vez que irá
se utilizar de léxicos comuns entre ele (o que enuncia) e seu destinatário. (AIUB, 2009)

3.2  A natureza do signo linguístico: significante


e significado

No contexto dos estudos linguísticos, podemos afirmar que o signo está relacio-
nado com o fato de alguma coisa estar no lugar de outra, ou seja, uma coisa substi-
tui outra no processo comunicativo, desencadeando a ideia de representação.
Pode-se dizer que o signo é “algo que representa algo”. Eles são artificiais por-
que são elaborados especialmente para a comunicação e são representativos por-
que substituem o “objeto a conhecer apresentando-o aos indivíduos” (BORBA,
1998, p. 18).
Os signos podem ser objetos materiais que ficam no lugar de alguma coisa,
como pinturas e esculturas. Os que nos interessam aqui, entretanto, são aque-
les signos cuja parte material é formada pela substância fônica produzida pelo
aparelho fonador humano, ou seja, os signos linguísticos.

54 • capítulo 3
O signo linguístico transmite uma informação valendo-se de uma parte ma-
terial, sensível e perceptível associada a outra parte imaterial e inteligível.
Saussure chamou de significante a parte sensível, concreta e material do
signo linguístico, e denominou de significado a parte imaterial e não sensível
do signo linguístico.
Saussure defendia que o “signo linguístico une não uma coisa e uma pala-
vra, mas um conceito e uma imagem acústica”. A imagem acústica não seria
exatamente o som material ou algo puramente físico, mas a impressão psíquica
desse som. Assim, “tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “mate-
rial”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o
conceito, geralmente mais abstrato” (SAUSSURE, 1969, p. 80).

Concept

Image
acoustique

Figura 3.1 – As duas faces do signo linguístico “conceito” e “imagem acústica” (SAUSSURE,
1969, p. 80)

O conceito (significado) e a imagem acústica (significante) formariam no


signo linguístico uma entidade psíquica de duas faces, mas com os dois ele-
mentos intimamente unidos.
Conforme observa Borba (1998, p. 19), “a relação significante/significado é
indissolúvel porque é necessária: o significante sem o significado é apenas um
objeto, que existe, mas que não significa e o significado sem o significante é
indizível, impensável e inexistente”.
Lopes (2005, p. 82) também chama a atenção para o vínculo associativo en-
tre significado e significante afirmando que “esses dois elementos (som com
função linguística e conceito) estão indissoluvelmente unidos no ato da per-
cepção e se reclama reciprocamente: não é possível falar-se de um sem se fa-
lar ao mesmo tempo de outro”. Apesar disso, é possível se referir, “por um ato
de abstração, quer a um quer a outro, tomando-os isoladamente para fins de
exame”.

capítulo 3 • 55
Assim, o signo linguístico é o resultado da combinação do conceito e da
imagem acústica. Por exemplo, a palavra latina arbor é um signo porque expri-
me o conceito de “árvore” por meio de uma parte sensorial (figura 3.2).

● arbre ●

arbor arbor

Figura 3.2 – O signo linguístico. (SAUSSURE, 1969, p. 81)

Podemos também ilustrar tal conceito com a palavra “mesa”, conforme se


observa na figura a seguir:

Significante
m-e-s-a
Significado

Figura 3.3 – El signo linguístico (Kalipedia)

Podemos colocar a relação entre significante e significado como uma rela-


ção entre plano de expressão (significante) e plano de conteúdo, termos usados
por Louis Hjelmslev.
Um conjunto de significantes, através dos quais nos comunicamos, consti-
tui uma cadeia de significantes ou plano de expressão; o conjunto dos signifi-
cados que comunicamos através de uma cadeia de significantes constitui um
plano de conteúdo. Desse modo, cada língua faz corresponder a determinados
planos de expressão determinados planos de conteúdo. (LOPES, 2005, p. 83)
O quadro a seguir é uma síntese das diferenças entre significante e
significado:

56 • capítulo 3
SIGNIFICANTE SIGNIFICADO

imagem acústica conceito

concreto, sensorial abstrato

plano da expressão plano do conteúdo

material imaterial

A relação ou vínculo associativo entre significante e significado nos conduz


a outra antinomia ou dicotomia de Saussure, o par arbitrariedade/linearidade.
Saussure apresenta dois princípios a partir da sua caracterização do signo
linguístico como associação entre significante/significado. O primeiro princí-
pio diz respeito à arbitrariedade do signo e o segundo princípio refere-se ao ca-
ráter linear do significante. Examinaremos os dois princípios a seguir.

3.3  Arbitrariedade e linearidade


Saussure caracterizou o signo linguístico como arbitrário, pois “o vínculo que une
o significante ao significado é arbitrário (SAUSSURE, 1969, p.81). O linguista ofere-
ce, inicialmente, um exemplo para ilustrar o princípio da arbitrariedade do signo.

A ideia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r
que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra se-
quência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria
existência de línguas diferentes: o significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por
significante b-ö-f de um lado da fronteira franco-germânica, e o-k-s (Ochs) do outro.
(SAUSSURE, 1969, p. 81-82)

capítulo 3 • 57
Esse exemplo oferecido por Saussure para o princípio da arbitrariedade é
retomado por Lopes (2005, p.83) no seguinte esquema:

SIGNIFICADO SIGNIFICANTES

port. /boj/ “boi”


esp. /bwej/ buey
"boi”
fr. /bœf/ boeuf
ing. ks/ ox

A partir do exemplo acima, Lopes (2005, p.83-84) propõe dois sentidos dis-
tintos para a palavra arbitrário em Saussure.
Primeiramente, a arbitrariedade do signo significa que “não há nenhum
tipo de relação intrínseca ou de causalidade necessária entre os diferentes pla-
nos de expressão acima apresentados e o plano de conceito que elas traduzem”
(LOPES, 2005, p.83).
Em segundo lugar, a palavra arbitrário “não significa que o PE (plano de ex-
pressão) dependa da livre escolha do falante, visto que nenhum indivíduo pode
mudar o signo estabelecido pelo seu grupo linguístico” (LOPES, 2005, p.84).
Desse modo, a arbitrariedade deve ser entendida como uma relação imo-
tivada entre o significante e o significado, ou seja, não há um vínculo de tipo
natural do significante com o significado.

CONEXÃO
Para uma crítica do conceito de arbitrariedade em Saussure, veja o artigo “O arbitrário do
signo, o sentido e a referência”, de Fábio Della Paschoa Rodrigues, disponível em: http://
www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/a00001.htm

É interessante, também, considerar a observação que Saussure faz


a respeito da arbitrariedade do signo. Ele afirma que a arbitrarieda-
de está relacionada com uma convenção estabelecida pela sociedade, ou
seja, os signos estão fixados por uma regra que nos obriga a empregá-los.

58 • capítulo 3
Daí que a palavra símbolo seria inapropriada para referir-se ao signo linguístico
ou, mais particularmente, ao significante. Isso porque o princípio da arbitrarie-
dade não se aplica totalmente ao símbolo.

O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não
está no vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significa-
do. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer,
um carro, por exemplo. (SAUSSURE, 1969, p. 82)

CONEXÃO
Para uma breve consideração a respeito do tratamento conceitual de signo e símbolo na
Semiótica, confira um breve artigo sobre o assunto em: http://ligiacabus.sites.uol.com.br/
semiotica/signos.htm

Saussure faz, ainda, uma distinção entre arbitrário absoluto e arbitrário relativo.
O arbitrário absoluto diz respeito a uma relação totalmente imotivada en-
tre o significante e o significado, referindo-se “à instituição do signo tomado
isoladamente”.
O arbitrário relativo é aquele no qual há certo grau de motivação entre o sig-
nificante e o significado, referindo-se “à instituição do signo enquanto elemen-
to componente de uma estrutura linguística, sujeito, portanto, às constrições
do sistema” (LOPES, 2005, p. 85).
As palavras compostas e as formas flexionadas constituiriam exemplo de
arbitrário relativo em função de existir uma motivação relativa nessas palavras,
pois elas “se constroem sempre de modo idêntico para representar idênticas
relações de significados” (DINNEEN, 1970 apud LOPES, 2005, p. 85).

Como exemplo de arbitrário absoluto, o mestre de Genebra cita os números dez e nove,
tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o significado seria
totalmente arbitrária, isto é, essa relação não é necessária, é imotivada. Já na combina-
ção de dez com nove para formar um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha
que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativamente

capítulo 3 • 59
atenuada, dando lugar àquilo que ele classificou como arbitrariedade relativa, pois do co-
nhecimento da significação das partes pode-se chegar à significação do todo. O mesmo
acontece no par pera / pereira, em que pera, enquanto palavra primitiva, serviria como
exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por sua vez, pereira, forma derivada de
pera, seria um caso de arbitrário relativo (signo motivado), devido à relação sintagmática
pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a noção de “árvore”) e à relação
paradigmática estabelecida a partir da associação de pereira a laranjeira, bananeira, etc.,
uma vez que é conhecida a significação dos elementos formadores. (CARVALHO, 2004)

A linearidade é apresentada por Saussure como o segundo princípio ou se-


gunda característica essencial do signo linguístico, aspecto que se aplica ao
plano de expressão ou significante.
A linearidade diz respeito ao fato de as unidades do significante (sons, sílabas, pala-
vras) serem emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala. Saussure afirma
que “o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente,
e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) essa ex-
tensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha” (SAUSSURE, 1969, p. 84).
Saussure caracteriza o princípio da linearidade acrescentando que “os sig-
nificantes acústicos (em oposição aos significantes visuais, como os sinais ma-
rítimos) dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um
após o outro; formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente quando
os representamos pela escrita e substituímos a sucessão pela linha espacial dos
signos gráficos” (SAUSSURE, 1969, p. 84).
Se tomarmos a palavra cavalo e a segmentarmos em c-a-v-a-lo ou ca-va-lo, te-
mos uma manifestação da linearidade no fato de identificarmos uma sequen-
cialidade ou ordem que não pode ser rompida ou subvertida sob pena de dissol-
vermos o significante e o desprovermos de seu significado.

3.4  Diacronia e sincronia


Saussure trouxe uma contribuição importante para os estudos linguísticos ao
chamar a atenção para o fato de que o fator tempo deve ser considerado na Lin-
guística, ainda que isso traga alguma dificuldade em função de colocar tal ciên-
cia diante de duas rotas distintas ou de uma dualidade.

60 • capítulo 3
Tal dualidade ou distinção entre dois caminhos que se devem tomar diz
respeito à possibilidade de se realizar um estudo a partir do eixo temporal da
simultaneidade ou levando-se em conta o eixo das sucessões.
Ao eixo das simultaneidades ou das relações entre coisas coexistentes
Saussure relacionou a Linguística Sincrônica, e ao eixo das sucessões ou das coi-
sas que se sucedem no decorrer do tempo relacionou a Linguística Diacrônica.
Temos, então, uma dualidade que apresenta dois enfoques a partir do eixo
do tempo: diacronia e sincronia.

A B

Figura 3.4 – Eixo das simultaneidades (AB), concernente às relações entre coisas coexisten-
tes, de onde toda intervenção do tempo se exclui, e eixo das sucessões (CD), sobre o qual
não se pode considerar mais que uma coisa por vez, mas onde estão situadas todas as coisas
do primeiro eixo com suas respectivas transformações (SAUSSURE, 1969, p. 95).

A diacronia (ou estudos diacrônicos) diz respeito às evoluções ou mudanças


verificadas na língua ao longo do tempo. A sincronia (ou estudos sincrônicos)
relaciona-se com o aspecto estático ou com um estado da língua.
Assim, diacronia designa fase de evolução e sincronia designa um estado
de língua.
Podemos, ainda, definir diacronia e sincronia de acordo com Borba (1998,
p. 67). Na diacronia, “procura-se detectar as alterações dos fatos com o decorrer
do tempo”, observando-se “as mudanças que a língua sofre” ao longo do tem-
po. Na sincronia, “observam-se fatos ou dados concretos em funcionamento”,
preocupando-se “em descrever o funcionamento concreto da língua em dado
momento e lugar, isto é, procurar conhecer um estado de língua”.
Antes de desenvolvermos um pouco mais o conceito de diacronia e sincro-
nia, vamos observar um quadro que sintetiza o que já apresentamos.

capítulo 3 • 61
DIACRONIA SINCRONIA

evolutiva estática

sucessões simultaneidade

ao longo do tempo prende-se a um estado, a uma fase

Saussure defendia que o estudo sincrônico deve ser o objetivo ou interesse


do linguista, pois o estudo diacrônico apresenta alterações ao longo do tempo
que os falantes de uma língua desconhecem ou não percebem. Assim, para um
leigo, as sucessões acabam não existindo.

A língua é um sistema em que todas as partes podem e devem ser consideradas na sua
solidariedade sincrônica (...). O aspecto sincrônico prevalece sobre o outro (diacrônico),
ele constitui a verdadeira e única realidade. Também a constitui para o linguista: se este
se coloca na perspectiva diacrônica, não é mais a língua o que percebe, mas uma série
de acontecimentos que a modificam. (SAUSSURE, p.102,106)

Saussure, na verdade, afirma que é necessário estabelecer uma priori-


dade entre a Linguística Diacrônica e a Linguística Sincrônica. Ele opta pela
Linguística Sincrônica, pois assim como optou também pela langue (língua)
em vez da parole (fala) pelo fato de ser a língua algo coletivo e social, a opção
pela sincronia se justifica em função de seu caráter coletivo:

Tudo quanto seja diacrônico na língua, não o é senão pela fala. É na fala que se acha o
germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada, a princípio, por um certo
número de indivíduos, antes de entrar em uso (...) Mas todas as inovações da fala não
têm o mesmo êxito e, enquanto permanecem individuais, não há por que levá-las em
conta, pois o que estudamos é a língua; elas só entram em nosso campo de observação
no momento em que a coletividade as acolhe. (SAUSSURE, 1969, p. 115)

62 • capítulo 3
Assim, Saussure privilegia o estudo sincrônico e propõe uma diferença en-
tre os dois métodos de estudo.
A primeira diferença diz respeito ao fato de a sincronia ter somente uma pers-
pectiva, a saber, a das pessoas que falam. Desse modo, o método da Linguística
Sincrônica é recolher o testemunho desses falantes, pois “para saber em que
medida uma coisa é uma realidade, será necessário e suficiente averiguar em
que medida ela existe para a consciência de tais pessoas” (SAUSSURE, 1969, p.
106).
A Linguística Diacrônica, por sua vez, tem duas perspectivas: “uma prospec-
tiva, que acompanha o curso do tempo, e outra retrospectiva, que faz o mesmo
em sentido contrário” (SAUSSURE, 1969, p. 106).
A segunda diferença está relacionada com os limites do campo que abrange
a diacronia e a sincronia. O estudo sincrônico “não tem por objeto tudo quan-
to seja simultâneo, mas somente o conjunto dos fatos correspondentes a cada
língua; na medida em que tal for necessário, a separação irá até os dialetos e
subdialetos”. O estudo diacrônico, por sua vez, abrange termos pertencentes a
mais de uma língua.
Saussure relacionava a diacronia com os fatores externos ou históricos da
língua. A sincronia, de outra forma, foi relacionada com os fatores internos ou
com uma descrição estrutural da língua.
Desse modo, os fatores externos, históricos e culturais são separados dos
fatores internos de um sistema, ainda que os fatores externos possam condi-
cionar o sistema.
Saussure propôs uma comparação da língua com o jogo de xadrez para ilus-
trar e explicitar aquilo que é interno e externo em uma língua. A autonomia
e interdependência do sincrônico e diacrônico é apresentada na analogia da
partida de xadrez porque esta é como “uma realização artificial daquilo que a
língua nos apresenta sob forma natural”. Vamos à analogia tal como é descrita
no Curso de Linguística Geral:

Primeiramente, uma posição de jogo corresponde de perto a um estado da lín-


gua. O valor respectivo das peças depende da sua posição no tabuleiro, do mes-
mo modo que na língua cada termo tem seu valor pela oposição aos outros termos.
Em segundo lugar, o sistema nunca é mais que momentâneo; varia de uma posição a outra.

capítulo 3 • 63
É bem verdade que os valores dependem também, e sobretudo, de uma con-
venção imutável: a regra do jogo, que existe antes do início da partida e per-
siste após cada lance. Essa regra, admitida de uma vez por todas, exis-
te também em matéria de língua; são os princípios constantes da Semiologia.
Finalmente, para passar de um equilíbrio a outro, ou – segundo nossa terminologia – de
uma sincronia a outra, o deslocamento de uma peça é suficiente; não ocorre mudança ge-
ral. Temos aí o paralelo do fato diacrônico, com todas as suas particularidades. Com efeito:
a) Cada lance do jogo de xadrez movimenta apenas uma peça; do mes-
mo modo, na língua, as mudanças não se aplicam senão a elementos isolados.
b) Apesar disso, o lance repercute sobre todo o sistema; é impossível ao jogador prever
com exatidão os limites desse efeito. As mudanças de valores que disso resultem se-
rão, conforme a ocorrência, ou nulas ou muito graves ou de importância média. Tal lan-
ce pode transtornar a partida em seu conjunto e ter consequências mesmo para as pe-
ças fora de cogitação no momento. Acabamos de ver que ocorre o mesmo com a língua.
c) O deslocamento de uma peça é um fato absolutamente distinto do equi-
líbrio precedente e do equilíbrio subsequente. A troca realizada não perten-
ce a nenhum dos dois estados: ora, os estados são a única coisa importante.
Numa partida de xadrez, qualquer posição dada tem como característica singular estar liber-
tada de seus antecedentes; é totalmente indiferente que se tenha chegado a ela por um ca-
minho ou outro; o que acompanhou toda a partida não tem a menor vantagem sobre o curioso
que vem espiar o estado do jogo no momento crítico; para descrever a posição, é perfeita-
mente inútil recordar o que ocorreu dez segundos antes. Tudo isso se aplica igualmente à
língua e consagra a distinção radical do diacrônico e do sincrônico. A fala só opera sobre um
estado de língua, e as mudanças que ocorrem entre os estados não têm nestes nenhum lugar.
Existe apenas um ponto em que a comparação falha: o jogador de xadrez tem a intenção
de executar o deslocamento e de exercer uma ação sobre o sistema, enquanto a língua não
premedita nada; é espontânea e fortuitamente que suas peças se deslocam - ou melhor,
se modificam […] Para que a partida de xadrez se parecesse em tudo com a língua, seria
mister imaginar um jogador inconsciente ou falto de inteligência. Além disso, esta única
diferença torna a comparação ainda mais instrutiva, ao mostrar a absoluta necessidade de
distinguir em Linguística as duas ordens do fenômeno. Pois se os fatos diacrônicos são
irredutíveis ao sistema sincrônico que condicionam, quando a vontade preside a uma mu-
dança dessa espécie, com maior razão sê-lo-ão quando põem uma força cega em luta com
a organização de um sistema de signos. (SAUSSURE, 1969, p. 104-105)

64 • capítulo 3
A primeira parte do Curso de Linguística Geral é encerrada com uma deli-
mitação e definição das duas partes da Linguística, estabelecidas a partir dos
eixos da simultaneidade e das sucessões:

A Linguística sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os


termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos pela consciência
coletiva.
A Linguística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem os termos suces-
sivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos
outros sem formar sistema entre si. (SAUSSURE, 1969, p. 116)

Pode-se associar a perspectiva sincrônica ou Linguística sincrônica com o


estruturalismo, pois “para os estruturalistas a língua é tomada como uma enti-
dade que vale por si mesma e, portanto, cada estado de língua pode ser descrito
em seus próprios termos sem qualquer consideração de ordem histórica ou ou-
tra” (BORBA, 1998, p. 68).
Também é comum identificar os estudos sincrônicos com a chamada “lin-
guística descritiva”, no contexto acadêmico e científico dos Estados Unidos,
muito conhecida em função da análise de línguas indígenas que não possuíam
documentação histórica.
A dualidade diacronia/sincronia proposta por Saussure recebeu algumas
críticas e é rejeitada por alguns autores. Uma objeção que se faz está relaciona-
da ao fato de que a diacronia não seria necessariamente exterior à sincronia. A
diacronia sobreviveria de algum modo na sincronia.

Jakobson prefere a noção de sincronia dinâmica, pois para ele Saussure vê a língua
como sistema (sincronia) que se opõe ao desenvolvimento histórico (diacronia), em
uma oposição estático e dinâmico. O autor considera que essa oposição é falsa, visto
que exclui a função do tempo no momento presente da língua e, portanto, cria uma
divisão errônea entre o passado e o presente da língua nos processos linguísticos.
(FLORES; TEIXEIRA, 2005, p. 22)

capítulo 3 • 65
Dessa forma, os dois sistemas, diacronia e sincronia, coexistiriam, pois,
como observou Jakobson (1969, p. 26-27), “não acontece jamais que uma só ge-
ração exista a um certo tempo e que todos os membros da geração precedente
morram simultaneamente no mesmo dia. Portanto, os dois sistemas coexistem
sempre durante certo tempo...”.
Lopes (2005, p. 76) pondera que não existe sincronia pura, pois “no interior
de qualquer sistema coexistem estágios de sistemas mais antigos e esboçam-
se, como subsistemas, estágios posteriores; um código é, antes de tudo, uma
interação de subcódigos e é isso, precisamente, uma propriedade inalienável
das línguas a caracterizá-las como mecanismos dotados de produtividade”.
Benveniste fez um reparo à posição dicotômica de Saussure quando
afirmou:

Um estado de língua é, antes de tudo, o resultado de um certo equilíbrio entre as partes


de uma estrutura [...] A solidariedade de todos os elementos faz com que cada incidên-
cia sobre um ponto atinja todo o conjunto das relações e produza, mais cedo ou mais
tarde, um novo arranjo. Daí, consistir a análise diacrônica em estabelecer duas estru-
turas sucessivas e em destacar-lhes as relações, mostrando-se que partes do sistema
anterior eram atingidas ou ameaçadas e como se preparava a solução realizada no
sistema ulterior. Eis como se dissolve o conflito, tão vivamente afirmado por Saussure,
entre diacronia e sincronia. (BENVENISTE, 2005, p. 9-10)

Ainda cabe citar o reparo que Francisco Borba também faz à perspectiva di-
cotômica que opõe diacronia e sincronia. O linguista brasileiro defende que “os
enfoques sincrônico e diacrônico, embora tenham traços específicos, não de-
vem ser considerados como coisas separadas”. Ambos os enfoques se comple-
tam, pois “a língua não é estática e, portanto, não é uma realidade sincrônica. A
sincronia é, então, uma operação abstrativa e, de certa forma, redutora. Por isso
deve ser completada pela visão diacrônica” (BORBA, 1998, p. 71).
Assim, abordagem diacrônica não precisa ser deixada de lado pelo linguis-
ta, pois o enfoque sincrônico pode ser complementado por um estudo que res-
gate aspectos históricos ou histórico-culturais da língua.

66 • capítulo 3
Quando, por meio de um enfoque sincrônico, se explica o funcionamento
de determinada língua ou se demonstra como uma dada construção desempe-
nha determinada função, pode-se complementar tal descrição recorrendo-se
ao entendimento de como tal língua veio a funcionar dessa forma ou como cer-
ta construção veio a ter determinada função.

Um exemplo pode ser identificado na descrição que podemos fazer do uso de uma
locução verbal para indicar o futuro. Em vez de usarmos o futuro do presente, costuma-
mos usar na língua coloquial uma locução verbal, como em “vou ser feliz” (verbo auxiliar
“ir” no presente + verbo principal “ser” no infinitivo): “vou ser um grande homem”; “vou
comprar pouca roupa”; "vou tomar um copo de leite” etc.

Cunha, Oliveira e Votre (1999) explicam que não é apenas no português que
tal fato acontece: “A comparação entre o português, o francês e o espanhol mo-
dernos mostra que as três línguas utilizam a mesma estratégia de marcação do
tempo futuro”.
Assim, encontramos em francês (a) Je vais aller à la plage. (b) Je vais faire des
courses. Em espanhol, temos: (c) El Sábado voy a ir al baile. (d) Yo voy a hacer
una dieta. Levando apenas em conta o enfoque sincrônico, podemos nos limi-
tar a descrever que o futuro é expresso em português pela locução “ir pres. + V
infinito”. Todavia, tal descrição não é suficiente.
É preciso um enfoque diacrônico para encontrarmos “no passado a ori-
gem comum desse mecanismo de codificação do português, do francês e do
espanhol”. Desse modo, “eventos passados podem lançar luz sobre situações
presentes, de modo que podemos compreender melhor sistemas correntes
considerando como eles surgiram. A investigação diacrônica pode iluminar a
sincronia na medida em que as mudanças históricas são, muitas vezes, preser-
vadas na estrutura sincrônica” (OLIVEIRA; VOTRE, 1999).
Carvalho (2004) lembra que, se a língua se apresenta sempre como diacro-
nia e sincronia, seu estudo, porém, pode ser sincrônico ou diacrônico, depen-
dendo do fim que se pretende atingir. Reconhece, também, que a descrição sin-
crônica pode ser conjugada com a explicação diacrônica e oferece o seguinte
exemplo:

capítulo 3 • 67
podemos descrever o verbo pôr como pertencente à segunda conjugação, apelando
para as formas sincrônicas atuais pões, põe, puseste, etc., além dos adjetivos poen-
te e poedeira, nos quais o -e- medial aí existente (ou remanescente) funciona estru-
turalmente como vogal temática. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descrição
sincrônica, complementando-a com a explicação diacrônica: o atual verbo pôr já foi
representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se vincula ao latim vulgar
ponere, com a seguinte cadeia evolutiva: poněre > ponēre > poner > põer > poer >
pôr. (CARVALHO, 2004)

Finalmente, podemos apresentar o exemplo oferecido por Borba (1998, p.


72-73) para demonstrar a pertinência de uma complementaridade entre o en-
foque sincrônico e o diacrônico:
Sincronicamente o plural dos nomes (substantivos e adjetivos) funciona
assim:
7. Nomes terminados em vogal recebem s-: meninos, bodes.
8. Nomes terminados em –r, -s, -z recebem –es: mar-es, mês-es, feroz-es.
9. Nomes terminados em –l mudam o –l em –is: anima-is, crué-is, azu-is.

Para as regras acima temos que observar o seguinte:

1. Se a vogal pertence ao ditongo –ão, há três possibilidades de plural:


mão, irmão → mãos, irmãos
pão, cão → pães, cães
dragão, leão → dragões, leões
Se o –s está em sílaba átona, a palavra não varia:
um/dois lápis, o/os alferes, este/estes ourives.
2. a terminação –il se comporta assim:
-il tônico perde o –l e recebe o –s: funil, anil > funis, anis.
-il átono perde o –il e acrescenta-se –eis: fóssil, dócil > fósseis, dóceis.

Considerações de ordem diacrônica mostram a regularidade desses fenô-


menos. Inicialmente se fica sabendo que o morfema de plural é –s porque as-
sim terminava o acusativo plural latino, caso que gerou as formas do português.
Esse –s se acrescenta a diferentes tipos de radicais. Assim:

68 • capítulo 3
Rosa-s, lupo-s, mense-s, mare-s, luce-s, cruce-s, muliere-s > rosas, lobos, meses, luzes,
cruzes, mulheres.
Sole-s, mortale-s, crudele-s > sóis, mortais, cruéis, com a queda normal do -l- inter-
vocálico e consequente ditongação oe, ae, ee > oi, ai, ei. Com as palavras terminadas
em –il dá-se o mesmo: facile-s > facies > facees > fáceis; subtíle-s > subtiies >
suties > sutiis > sutis.
Mano-s, (g)ermano-s, pane-s, cane-s, dracone-s, latrone-s, Leone-s > mãos, irmãos,
pães, cães, dragões, ladrões, leões, com a queda normal do -n- intervocálico e conse-
quente nasalização da vogal anterior.
As palavras terminadas em –es átono recebiam –es normalmente no português ar-
caico: ouriveses, alfareses, mas acabaram perdendo essa desinência talvez porque a
forma fosse interpretada como sendo já de plural. (BORBA, 1998, p. 72-73)

Após considerarmos a relação entre sincronia e diacronia, vejamos, adian-


te, outra antinomia proposta por Saussure.

3.5  Sintagma e paradigma


A partir da constatação de que o signo linguístico tem como característica a li-
nearidade, estudada anteriormente, Saussure identifica nas relações baseadas
no caráter linear da língua o que ele denominou de sintagma:

Os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadeamento, relações baseadas


no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos
ao mesmo tempo. Estes se alinham um após o outro na cadeia da fala. Tais combina-
ções, que se apoiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmas. O sintagma se
compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas (por exemplo: re-ler, contra
todos; a vida humana; Deus é bom; se fizer bom tempo, sairemos etc.). Colocado num
sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que
o segue, ou a ambos. (SAUSSURE, 1969, p. 142)

capítulo 3 • 69
3.5.1  Relações sintagmáticas

Saussure caracteriza o sintagma a partir da constatação de que a língua se cons-


titui de elementos que se sucedem um após o outro de modo linear. Essa rela-
ção de dependência entre elementos de uma mesma cadeia chama-se relação
sintagmática, pois se verifica uma dependência entre unidades consecutivas
que estão conjugadas e adquirem valor por meio da relação que mantém com o
valor da outra unidade.

Colocado na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor em virtude do contraste


que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, “ou a ambos”, visto que um
termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear.
Em “Hoje fez calor”, por exemplo, não podemos pronunciar a sílaba je antes da sílaba
ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com lor é
impossível. É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações sintagmá-
ticas entre os elementos que a compõem. Como a relação sintagmática se estabelece
em função da presença dos termos precedente e subsequente no discurso, Saussure
a chama também de relação in præsentia. (CARVALHO, 2004)

Podemos ainda exemplificar afirmando que um /f/ sozinho não faz sentido.
Ele apenas adquire valor quando contrastado com v, p etc., formando grupos
opositivos como em faca / vaca / paca. Desse modo, “essas unidades fônicas se
combinam numa primeira instância para formar as sílabas; estas, as palavras;
as palavras, as construções, e assim por diante” (BORBA, 1998, p. 30).
A linearidade e a constatação das relações sintagmáticas nos levam a perce-
ber certas regularidades. Uma delas é a de que, nas sílabas, as vogais são nucle-
ares e as consoantes são periféricas. Consequentemente, não haverá sílaba sem
vogal, assim como não teremos palavra apenas de consoantes.
A relação sintagmática está, dessa maneira, baseada no princípio da linea-
ridade, que, por sua vez, revela uma característica fundamental: os contrastes.
Então, podemos dizer que a relação sintagmática “resulta da combinação de
elementos que contrastam entre si”. Precisamos, entretanto, destacar que essa
combinação por meio de contrastes se dá entre elementos do mesmo nível, ou
seja, fonema contrasta com fonemas, morfema contrasta com morfemas etc.
(LOPES, 2005, 89).

70 • capítulo 3
Isso nos leva a perceber que as relações sintagmáticas podem acontecer no
nível fonológico, morfológico e sintagmático.
Relações sintagmáticas no nível fonológico: ocorrem por meio do contras-
te entre consoantes (C) e vogais (A), caracterizando o sintagma silábico. Veja o
exemplo oferecido por LOPES (2005, p. 89):
Tomemos a seguinte frase: “O vizinho morreu de velho”.

u — vi — zi — ñu — mo — rew — di — vε — λu

V CV CV CV CV CVC CV CV CV
Lopes (2005, p. 89) observa que, na sílaba –reu, de morreu, u é uma semivo-
gal e por isso é transcrita /w/, equivalendo, pois, a uma consoante.
Relações sintagmáticas no nível morfológico: ocorrem por meio do con-
traste entre lexema (L) e gramema (A), caracterizando o sintagma vocabular
ou, simplesmente, a palavra. Retomando a frase “O vizinho morreu de velho”,
temos:

O vizinh – o morr – eu de velh – o

(G) (L) (G) (L) (G) (G) (L) (G)

(LOPES, 2005, p. 89)

Relações sintagmáticas no nível sintático: ocorrem por meio do contraste


entre um elemento determinante + um elemento determinado, caracterizando
o sintagma locucional. A partir de “O vizinho morreu de velho”, temos:

o vizinho + morreu de velho

SN SV
sujeito predicado
(Ddo.) (Dte.)

SN – sintagma nominal
SV – sintagma verbal
(LOPES, 2005, p. 89)

capítulo 3 • 71
ATIVIDADES
01. "A forma vossa mercê era um modo de tratamento indireto que, ao longo do tempo,
tornou-se popular, sofreu transformações fonológicas e foi se simplificando, dando origem a
várias formas: vossemecê, vossancê e você." (GONÇALVES, C. R. Uma abordagem sociolin-
guística das formas você, ocê e cê no português. USP, 2008)
O trecho acima faz uma abordagem diacrônica ou sincrônica da língua? Por quê?

02. Considere as frases a seguir:

“Os carros invadiram a calçada”


“Os automóveis ocuparam a calçada”
“Os veículos subiram na calçada”

A associação de outras palavras ou ideias com o termo “carros” e o uso de outros verbos
no lugar de “invadiram” constituem, de acordo com o que você estudou sobre Saussure, um
exemplo de:
a) relação paradigmática.
b) relação sintagmática
c) relação diacrônica.
d) relação linear.
e) relação não associativa.

03. Observe as duas frases a seguir:

Ele sujou a manga da camisa.


Ele se sujou todo chupando manga.

Nas duas frases, a palavra manga:


a) é empregada com o mesmo significante e o mesmo significado.
b) ocorre com o mesmo significante, mas significados distintos.
c) tem significante e significado igualmente diferentes.
d) é empregada com significantes distintos, mas com significado idêntico.
e) não corresponde a um signo linguístico, não possuindo significante nem significado.

72 • capítulo 3
04. A arbitrariedade do signo linguístico, proposta por Saussure, permite afirmar correta-
mente que:
a) há uma relação lógica, de causa e efeito, e uma correspondência natural entre o signi-
ficante e o significado.
b) o significante e o significado não apresentam um tipo de relação intrínseca de causali-
dade necessária.
c) qualquer falante ou indivíduo pode mudar o signo estabelecido pelo seu grupo linguístico.
d) o vínculo que une o significante ao significado não é convencional, ou seja, não é arbitrário.
e) no sistema linguístico, há uma combinação de sons e ideias semelhantes.

05. Considere as afirmações a seguir:


I. A Linguística possui um estatuto científico, por isso ela pode ser considerada uma
ciência de todo e qualquer tipo de linguagem humana, constituindo-se fundamentalmente no
estudo científico das linguagens não verbais e artificiais.
II. O estatuto científico da Linguística pode ser reconhecido no caráter empírico, intuitivo
e especulativo dos estudos linguísticos.
III. O estabelecimento de um objeto de estudo próprio é uma das razões ou dos requisitos
que apontam para o estatuto científico da Linguística.
IV. O caráter analítico e descritivo da Linguística, em vez de uma abordagem prescritiva,
indica ou confirma o estatuto científico da Linguística.

Estão corretas as afirmativas:


a) I e II.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.
e) III e IV.

REFLEXÃO
A partir das elaborações teóricas de Saussure, encontramos uma abordagem que compre-
ende a língua como sistema. Daí ser comum afirmar que Saussure adota uma posição es-
truturalista.

capítulo 3 • 73
A concepção de língua como sistema está alicerçada na ideia de que as “unidades lin-
guísticas não constituem um dado disponível para a análise, nem mesmo se pode obter dire-
tamente na experiência os elementos que a língua põe em jogo para funcionar”. Isso porque
“os elementos linguísticos não têm existência por si mesmos, independentemente de suas
relações com o todo”.
Assim, a língua se constitui um sistema pelo fato de ter uma estrutura interna típica, pois
os componentes da língua se organizam em relações recíprocas que se condicionam mu-
tuamente, formando uma espécie de “rede de elementos interligados”. Além disso, existem
“regras próprias que determinam e controlam o uso” da língua (BORBA, 1998, p. 31-32).
Finalizamos, apresentando as características de uma abordagem estruturalista em Lin-
guística:

Considera a língua como um conjunto cujos componentes se ligam por relações de


solidariedade e de dependência.
Considera a língua como um conjunto de signos articulados que se aproximam, se
diferenciam e se delimitam mutuamente.
Considera prioritário o sistema e suas leis, e não os elementos.
Procura determinar a estrutura pela relação dos elementos entre si.
Vê as mudanças linguísticas como um todo orgânico que se move, e não as partes
isoladamente. (BORBA, 1998, p. 32)

LEITURA
Um livro que pode ajudá-lo na compreensão dos conceitos apresentados neste capítulo é
Para compreender Saussure, de Castelar de Carvalho, publicado pela Vozes.
Você também pode conferir o vídeo "Princípios Gerais de Linguística", produzido pela Univesp
TV e disponível: https://www.youtube.com/watch?v=ndv6mSyXbZ4&list=PL129944938F-
FB0E35 .
Outro vídeo interessante, que trata da vida e obra de Ferdinand Saussure e foi produzido pela
TV Cultura, está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yf5hmH8KzFs .

74 • capítulo 3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. 5. ed. Campinas: Pontes, 2005.
BORBA, Francisco da S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
CARVALHO, Castelar de. Saussure e a língua portuguesa. VII SENEFIL, Rio de Janeiro, 2004.
CUNHA, Maria A. F.; OLIVEIRA, Mariângela R.; VOTRE, Sebastião. A interação sincronia/diacronia
no estudo da sintaxe. DELTA, vol.15, n.1, São Paulo, Feb./Julho 1999.
FLORES, Valdir N.; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo:
Contexto, 2005.
LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 19. ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad. de A. Chelini , J. P. Paes e I. Blikstein.
São Paulo: Cultrix; USP, 1969.

capítulo 3 • 75
76 • capítulo 3
4
Gerativismo e
Aquisição da
Linguagem
Neste capítulo, vamos conhecer alguns aspectos do Gerativismo, corrente da
Linguística fundamentada nas ideias e pesquisas de Noam Chomsky. Aliás,
esse é um nome muito conhecido no cenário internacional por sua participa-
ção e militância política. Mas Chomsky é mais do que um ativista e crítico da
política externa dos Estados Unidos e da globalização. Ele é um dos principais
linguistas do século XX, e é de sua contribuição teórica na área dos estudos
linguísticos que vamos nos ocupar neste capítulo. Vamos trabalhar sua com-
preensão de língua e a teoria que apresenta para a aquisição da linguagem.
Além disso, teremos oportunidade de examinar conceitos como competên-
cia, desempenho, faculdade da linguagem, gramática gerativa e gramática
universal, bem como a implicação desses conceitos no uso da língua.

OBJETIVOS
•  Conhecer os principais conceitos e as contribuições de Noam Chomsky sobre aquisição
da linguagem;
•  Comparar diferentes abordagens teóricas sobre aquisição da linguagem;
•  Identificar implicações dos conceitos de competência, desempenho e gramaticalidade no
uso da língua.

78 • capítulo 4
4.1  A hipótese inatista para aquisição da
linguagem

Como acabamos de apontar, a hipótese behaviorista não satisfaz a necessidade


de uma explicação para o fenômeno da aquisição da linguagem, pois "o beha-
viorismo não consegue explicar como produzimos e compreendemos frases
que nunca foram proferidas, como entendemos frases cuja referência não se
encontra no contexto em que são produzidas ou como as crianças aprendem a
falar tão rapidamente” (CEZARIO; MARTELOTTA, 2008, p. 207).
Se a hipótese behaviorista e a contribuição do estruturalismo norte-
-americano não foram suficientes para dar conta de uma explicação satisfató-
ria para a questão da aquisição da linguagem, a proposta de uma teoria que
abarcasse a complexidade de tal fenômeno encontraria grande aceitação e re-
percussão nos meios acadêmicos. Tal fato não deixou de ser notório, apesar de
suscitar, também, novas polêmicas e novas críticas, o que é comum no contexto
científico e acadêmico.
Assim foi com a chamada hipótese do inatismo, dentro do contexto da críti-
ca que os racionalistas fizeram à explicação behaviorista.

Para os racionalistas, a explicação behaviorista da aquisição da linguagem não conse-


gue explicar o fato de os sistemas linguísticos terem como uma de suas características
essenciais a produtividade e a criatividade. A produtividade se refere, por exemplo, ao
fato de a criança produzir, quando ainda jovem, construções gramaticais que jamais
ocorreram antes em sua experiência. Já a criatividade relaciona-se com o fato de a
linguagem humana ser independente de estímulo, na medida em que “o enunciado
que alguém profere em dada ocasião é, em princípio, não predizível, e não pode ser
descrito apropriadamente, no sentido técnico desses termos, como uma resposta a
algum estímulo identificável, linguístico ou não linguístico”. (LYONS, 1987, p. 212-213;
DUARTE, 2000)

Podemos dizer que a hipótese do inatismo teve em Noam Chomsky (figura 4.1)
um de seus principais expoentes. É reconhecidamente importante a contribui-
ção de Noam Chomsky para os estudos relacionados com o tema da aquisição
da linguagem.

capítulo 4 • 79
©© AFP / MAURICIO LIMA

Devemos compreender a con-


tribuição de Chomsky no contex-
to da tensão entre racionalistas e
empiristas.
Os racionalistas partiam do pressu-
posto de “que a fonte principal do co-
nhecimento humano é a mente, uma
vez que a nossa percepção e a nossa
compreensão do mundo externo resi-
dem no preenchimento de certas pro-
posições e princípios da interpretação,
que são inatos, e não derivados da expe-
Figura 4.1 – Noam Chomsky riência”. Conforme essa perspectiva,

os seres humanos recebem um número de faculdades específicas, dentre estas, inclui-


se a faculdade da linguagem, cujo papel crucial é permitir a aquisição do conhecimento.
Estas faculdades não seriam determinadas por estímulos, conforme propõem os em-
piristas, mas pertencentes a uma herança linguística genética comum a toda espécie
humana. (DURTE, 2000, p. 18)

Assim, a abordagem racionalista, ao contrário do empirismo, confere im-


portância “a estruturas intrínsecas nas operações mentais, a processos cen-
trais e princípios de organização na percepção, e a ideias e princípios inatos na
aprendizagem” (CHOMSKY, 1973, p. 28).
Como já vimos, devemos entender a adoção da hipótese do inatismo e a crí-
tica à hipótese behaviorista no contexto da filosofia racionalista, que remonta
ao pensamento de Descarte. No século XVII, já encontramos a noção de que
“as ideias inatas são aquelas que advêm da faculdade de pensar mais do que do
mundo externo” (DUARTE, 2000).

Noam Chomsky é reconhecido como importante linguista e ativista político. Ferrenho


crítico do capitalismo globalizado e da política externa americana, ele é um tipo de
“socialista libertário”. Ao contrário dos estruturalistas, Chomsky entende a linguagem
como um meio para exprimir pensamentos e não um sistema social de comunicação
através do uso de símbolos (Cf. PASSMORE, 1988, p. 33).

80 • capítulo 4
Chomsky explicita a influência da filosofia racionalista e a hipótese inatista
quando afirma:

Nada chega a nossa mente dos objetos externos através dos órgãos dos sentidos, aparte certos
movimentos corpóreos, mas mesmo estes movimentos e as figuras que deles surgem, não são
concebidos por nós na forma que assumem nos órgãos dos sentidos... Logo segue-se que as
ideias dos movimentos e das figuras são, elas próprias, inatas em nós. E tanto mais inatas devem
ser as ideias de dor, cor, som e semelhantes, para que, na ocasião de certos movimentos corpó-
reos, a nossa mente possa ter essas ideias, pois elas não possuem nenhuma semelhança com
os movimentos corpóreos. (CHOMSKY, 1965, p. 132 apud DUARTE, 2000)

CONEXÃO
Para uma rápida consulta à biografia de Chomsky, acesse http://educacao.uol.com.br/bio-
grafias/ult1789u302.jhtm . Caso deseje, você pode visitar a página oficial de Chomsky em:
http://www.chomsky.info/

De acordo com essa orientação teórica, a faculdade da linguagem encontra


uma explicação numa dotação genética, num dispositivo inato para adquirir e
usar a língua.

A maturação da faculdade da linguagem é, em certa medida, uma questão de extração da-


quilo que é inato na mente. Como se observa, este ponto de vista contrasta marcadamente
com a noção empirista de que a linguagem é ensinada por “condicionamento” ou construída
por meio de processos elementares de “processamento de dados”. (DURTE, 2000, p. 18)

Alguns fatores confirmariam a teoria do inatismo na aquisição da


linguagem:

•  Nossa rápida especialização fonêmica;


•  A rapidez com que as crianças adquirem uma linguagem extremamente
complexa, em contato com uma quantidade bem menor de estímulos;

capítulo 4 • 81
•  Todas as crianças parecem adquirir esses aspectos da linguagem na mes-
ma sucessão e aproximadamente no mesmo tempo;
•  Os humanos possuem diversas estruturas fisiológicas que servem exclu-
sivamente para a fala;
•  As características universais documentadas ao longo do vasto conjunto de
línguas humanas (centenas de padrões universais têm sido documentados por
todas as línguas ao redor do mundo). (STENBERG, 2000)

4.2  A teoria de Chomsky


Como temos enfatizado, a hipótese do inatismo responde a certas dificulda-
des relacionadas com a aquisição da linguagem. Chomsky adota a hipótese do
inatismo e rejeita a explicação das teorias empiristas e behavioristas. No entan-
to, Chomsky não se limita a uma perspectiva inatista e simplesmente descarta
qualquer contribuição do meio ou estímulos na aquisição da linguagem.
Se a explicação behaviorista peca por reduzir tudo a estímulos, condiciona-
mentos e atuação do meio na aquisição da linguagem, Chomsky não deixa de
reconhecer que, além de uma disposição inata, há também uma contribuição
do meio externo na aquisição da linguagem.
Na verdade, Chomsky apresenta a aquisição da linguagem dentro de um es-
quema que inclui tanto a dotação genética (dispositivo inato) quanto os dados
ou estímulos (input) aos quais se é exposto. Desse segundo elemento ou aspec-
to da aquisição da linguagem trataremos mais adiante.
Isso posto, retomemos a crítica de Chomsky à explicação reducionista do
empirismo ou behaviorismo. Para Chomsky, “é muito difícil acreditar que a
criança adquire a língua somente por meio da imitação de outros usuários ou
por meio de uma sequência de respostas sob o controle de estímulos externos e
associações intraverbais” (DUARTE, 2000).
Conforme Chomsky (1957, p. 54-68 apud DUARTE, 2000), “o fato de que to-
das as crianças normais adquirem estruturas gramaticais bastante complexas
com uma rapidez imensa sugere que os seres humanos são de algum modo pre-
destinados a fazer isto”.
Desse modo, “toda criança recebe geneticamente um mecanismo complexo
que permite gerar uma série de sentenças e enunciados infinitos, que se deno-
mina faculdade da linguagem”. Assim, os estímulos externos não explicariam a
aquisição da linguagem nem teriam valor científico (DUARTE, 2000).

82 • capítulo 4
Na verdade, Chomsky defende que o mecanismo inato “explica o fato de as
crianças serem capazes de inferir, a partir da sua percepção do mundo externo,
a estrutura gramatical de sua língua em pouquíssimo tempo” (DUARTE, 2000).
Percebemos, então, que “Chomsky parte da hipótese de que existe um mó-
dulo linguístico em nossa mente, constituído de princípios responsáveis pela
formação e compreensão das expressões linguísticas, e especificamente dedi-
cado à língua” (VIOTTI, 2007, p. 2).

Chomsky (1976, p. 29 apud PAIVA, 2008) define a gramática universal como “o siste-
ma de princípios, condições e regras que são elementos ou propriedades de todas as
línguas humanas não meramente por acidente, mas por necessidade – naturalmente,
necessidade biológica e não lógica. Assim a GU pode ser entendida como expressão
da “essência da linguagem humana”.

É a esse módulo linguístico que Chomsky denomina faculdade da linguagem,


que “é inata, ou seja, todos os seres humanos nascem dotados dela. A faculdade da
linguagem é parte da dotação genética da espécie humana” (VIOTTI, 2007, p. 2).
Diferentemente de Saussure, para quem a faculdade da linguagem “é algo
que capacita os homens a produzirem e compreenderem todas as manifesta-
ções simbólicas, inclusive a língua”, para Chomsky, a faculdade da linguagem
“é um módulo da mente especificamente associado à língua, e não a outras lin-
guagens (como a pintura, a música, a dança etc.)” (VIOTTI, 2007, p. 2).
A faculdade da linguagem é, então, um módulo cognitivo independente e
especificamente associado à língua. Essa faculdade da linguagem, no seu es-
tado inicial, na criança, é chamada por Chomsky de gramática universal (GU).

Essa faculdade da linguagem, em seu estado inicial, ou seja, no estado em que ela está
quando a criança nasce, é considerada uniforme em relação a toda a espécie humana.
Ou seja, ela é igual em todas as crianças, quer sejam elas surdas ou ouvintes, quer ve-
nham elas a ser falantes de português, de inglês, de língua de sinais brasileira, de língua
de sinais nicaraguense. Todo ser humano é dotado da faculdade da linguagem, e toda
criança parte do mesmo estado inicial em seu processo de aquisição de primeira língua.
Esse estado inicial da faculdade da linguagem, que é parte da dotação genética da
espécie humana, e, portanto, inato, chama-se gramática universal. (VIOTTI, 2007, p. 3)

capítulo 4 • 83
Chomsky explicita seu entendimento da gramática universal (GU). Ele afirma:

A teoria da GU deve observar duas condições. De um lado, deve ser compatível com
a diversidade das gramáticas existentes (de fato, possíveis). Ao mesmo tempo, a GU
deve sofrer restrições nas suas opções de forma a dar conta do fato de que cada uma
dessas gramáticas se desenvolve na mente com base em evidências bastante limita-
das. (CHOMSKY, 1981 apud PAIVA, 2008)

Em sua compreensão da aquisição da linguagem, Chomsky propõe “a exis-


tência de princípios fundamentais, inatos e universais, que restringem a forma
da gramática e de um conjunto de parâmetros que serão fixados pela experiên-
cia, ou seja, de acordo com o input linguístico” (PAIVA, 2008).
Conforme Borba (1998, p. 315) observa, “para que os mecanismos inatos
sejam ativados basta haver condições adequadas”. Assim, além do dispositivo
inato, a linguagem é adquirida porque a “propriedade essencial da linguagem
é proporcionar meios para expressão de infinitos pensamentos e reação apro-
priada a uma série de situações novas”.
Desse modo, Chomsky (1981, p. 7 apud PAIVA, 2008) não deixa de idealizar
a aquisição da linguagem, pois a gramática universal é “tomada como uma ca-
racterização do estado inicial pré-linguístico da criança” e a experiência, por
sua vez, fixa os parâmetros da gramática universal, fornecendo uma gramática
nuclear.
Podemos, então, compreender a teoria da aquisição da linguagem em
Chomsky a partir da “faculdade da linguagem” relacionada com um dispositivo
inato e com o input ao qual se é exposto.
O estado inicial da faculdade da linguagem, resultado de uma predisposi-
ção genética, vai se modificando na criança à medida que ela é exposta a um
ambiente linguístico particular.

Se a criança é ouvinte, e nasce e cresce em um ambiente em que se fala português, a in-


teração da informação genética que ela traz (no estado inicial da faculdade da linguagem),
com os dados linguísticos do português a que ela é exposta, vai resultar na aquisição da
língua portuguesa, e não de uma outra língua. Se, por outro lado, a criança for surda, filha
de pais surdos sinalizados, ela vai ser exposta a um ambiente linguístico em que é a língua

84 • capítulo 4
de sinais brasileira que vigora. A interação da informação genética de sua faculdade da lin-
guagem com os dados da língua de sinais brasileira vai fazer com que a criança desenvolva
o conhecimento dessa língua, não de outra. (VIOTTI, 2007, p. 3)

Não deixa de ser interessante a comparação que VIOTTI (2007, p. 3-4) faz
entre a teoria de Chomsky e a própria existência de um ser vivo:

A língua pode ser comparada a um ser vivo: ao nascer, esse ser traz em seus genes a ca-
pacidade de crescer, de se desenvolver, de amadurecer. Se esse ser vivo recebe nutrientes,
ele cresce e se desenvolve. Se não, ele não sobrevive. O mesmo acontece com a informa-
ção genética da faculdade da linguagem: em seu estado inicial, que é a gramática universal,
ela tem uma pré-disposição genética para crescer e se desenvolver e se tornar uma gramá-
tica estável, como a do português, do japonês, das libras, da ASL. Mas, para isso, ela precisa
receber nutrientes, ou seja, ela precisa ser exposta a um ambiente linguístico; se isso não
acontecer, essa informação linguística inata não vai sobreviver. (VIOTTI, 2007, p. 3-4)

Assim, uma forma de sintetizar a explicação chomskyana para a aquisição


da linguagem pode ser apresentada da seguinte forma:

INPUT Capacidade para


DOTAÇÃO GENÉTICA
(dados e estímulos aos adquirir e usar
(dispositivo inato)
quais se é exposto) a língua

4.2.1  Competência e desempenho

O gerativismo é a escola ou teoria com a qual o pensamento de Chomsky é tra-


dicionalmente identificado. Chomsky desenvolveu sua explicação da aquisição
da linguagem e elaborou outros conceitos importantes dentro do que se costu-
ma designar como gramática gerativa ou transformacional.

Mattoso Câmara (1998, p. 108) caracteriza a gramática gerativa ou transformacional


como aquela que “estabelece regras para gerar enunciações corretas e transformar
enunciações mais simples em outras mais complexas”.

capítulo 4 • 85
A gramática gerativa ou gerativismo entende a língua como “um conjunto
de sentenças, sendo cada uma delas formada por uma cadeia de elementos (pa-
lavras e morfemas)” (PERINI, 1988, p.16).
Isso quer dizer que o falante ao “dominar um conjunto finito de regras será
capaz de produzir um número infinito de sentenças”. Desse modo, a gramá-
tica gerativa está relacionada “com as possibilidades de cada língua de gerar
expressões” (NASI, 2007).
O gerativismo mantém um interesse naquilo que as línguas têm em co-
mum, resgatando de certo modo a tradição da gramática universal.
Para Lyons (1981), o gerativismo está centrado na distinção entre compe-
tência e desempenho (performance). Inicialmente, vamos entender a compe-
tência como uma capacidade para adquirir e usar uma língua, e o desempenho
como o uso que fazemos dessa competência ou o uso da própria língua.
Assim, a competência pode ser descrita como um “conjunto de normas in-
ternalizadas, ou regras, que nos permite emitir, receber e julgar enunciados de
nossa língua” (PERINI, 1985, p. 27).
O desempenho pode ser caracterizado como o uso que fazemos da língua,
enquanto resultado de complexos fatores linguísticos e extralinguísticos, ou
seja, “o desempenho é, afinal, aquilo que efetivamente realizamos quando fa-
lamos (ou quando ouvimos, ou escrevemos ou lemos)” (PERINI, 1985, p. 27).
Temos observado que Chomsky entende a língua como “um sistema de
princípios radicados na mente humana” (VIOTTI, 2007, p. 1).
Diferentemente de Saussure, que entendia de forma generalizada a língua
como um sistema de signos, Chomsky compreende a língua como um conjunto
de sentenças.

Para Chomsky, a língua é um sistema de princípios radicados na mente humana. É esse


sistema de princípios mentais que é o objeto de estudo da Gramática Gerativa. Por isso,
dizemos que a Gramática Gerativa é uma teoria mentalista. Ela não se interessa pela
análise das expressões linguísticas consideradas em si mesmas, separadas das pro-
priedades mentais que estão envolvidas em sua produção e compreensão. Ela também
não se interessa pelo aspecto social que a língua apresenta. Seu foco está no aspecto
mental da língua. (VIOTTI, 2007, p. 1)

86 • capítulo 4
Fazendo uma comparação entre a langue (língua) de Saussure e a compe-
tência de Chomsky, “a diferença fundamental é que a langue trata de um sis-
tema interiorizado, e a competência, embora trate também de um sistema in-
teriorizado, trata não dos signos internalizados, mas das regras para gerar os
enunciados da língua” (NASI, 2007).
Isso quer dizer que no gerativismo supõe-se que “a criança já nasce com um
conhecimento da língua (em algum sentido da expressão)”. Isso implica dizer
que a competência “não consiste, portanto, simplesmente em ser capaz de ter
um desempenho competente; incorpora também o fato de que se tem o domí-
nio de certos princípios” (PASSMORE, 1988).

Devemos supor que uma criança inglesa está especificamente “programada” para
aprender inglês, e uma francesa para aprender francês? Claro que não; uma criança in-
glesa educada na França falará um francês perfeito em vez de inglês. A “competência”
da criança é, para Chomsky, universal. Ela nasce com a capacidade de falar; e falará
inglês ou francês ou chinês, se crescer no ambiente linguístico apropriado. Todavia, se
supusermos que ela possui uma “gramática universal”, temos de supor que essa gramá-
tica (uma vez que é uma gramática) tem de ser restritiva, excluindo certas línguas como
humanamente impossíveis. Assim, escreve Chomsky em Language and Mind: “Quando
nasce, a criança não pode saber que linguagem vai aprender, mas tem de saber que a
sua gramática tem de ser de uma forma determinada, de tal modo que exclua muitas
línguas concebíveis.” Dotado deste “conhecimento tácito”, ela seleciona uma hipótese
“permissível” sobre a gramática da língua que está a usar. E, corrigindo esta hipótese à
luz da experiência, chega finalmente a ter um “conhecimento da sua língua”, de modo a
ser capaz de rejeitar parte da sua experiência linguística como “defeituosa e desviante’,
isto é, como desempenhos agramaticais. O caso da fonologia, afirma Chomsky, é aque-
le que mais fortemente sustenta esta análise. Apesar de outros sons serem fisicamente
possíveis, todas as línguas fazem aparentemente uso de um conjunto limitado de sons.
Não poderia haver uma língua que contivesse sons diferentes? Se houvesse, de acordo
com Chomsky, não a poderíamos aprender tão depressa e tão eficientemente como
aprendemos as nossas línguas. E, do mesmo modo, ele crê que fomos programados
para aprender um certo conjunto de regras sintáticas e semânticas e apenas os mem-
bros desse conjunto. (PASSMORE, 1988)

capítulo 4 • 87
A partir do que temos apresentado, podemos concordar com Viotti (2007, p. 4)
quando afirma que competência “é o conhecimento mental que um falante
tem de sua língua. É o resultado do desenvolvimento do conhecimento linguís-
tico inato, a partir de sua interação com dados de uma determinada língua”. Já
a performance ou desempenho seria exatamente o uso concreto da língua.
Por exemplo, quando, numa determinada situação de fala, repentinamen-
te nos esquecemos de algo que estávamos falando, podemos identificar uma
“falha de nossa memória ou de nossa atenção, que influi na exteriorização de
nossa língua”. No entanto, essa seria uma questão de desempenho ou perfor-
mance, e não de competência. Tal fato não quer dizer que desconhecemos nos-
sa língua, “significa apenas que tivemos um problema de natureza psicológica
no uso do conhecimento que temos de nossa língua” (VIOTTI, 2007, p. 5).
Greene (1980) também oferece um exemplo para esclarecer o que seria com-
petência e desempenho. Ela compara as regras de condução de um carro com
a competência, e o uso dessas regras seria o desempenho: “a aptidão para usar
as regras de condução de um automóvel, a fim de desenvolver uma nova com-
binação de movimentos de pé e mão quando deparamos com um outro tipo de
automóvel que nos é estranho, é comparável ao uso das regras gerativas para
produzir sentenças novas.”
Outro exemplo para ilustrar a diferença entre competência e desempenho
pode ser dado a partir de questões culturais relacionadas com o uso da língua:

Comparemos dois brasileiros, falantes nativos de português, um aluno universitário, o outro,


um trabalhador com baixo nível de escolarização. Os dois tiveram um problema relaciona-
do a um buraco enorme que apareceu em uma rua da cidade. Os dois ficaram igualmente
indignados com o pouco caso que a prefeitura está dando para o calçamento, e pensam
que devem escrever uma carta para o jornal, fazendo uma reclamação pública. Qual dos dois
vocês acham que vai ter mais facilidade para escrever essa carta da maneira apropriada para
ser publicada em um jornal? Em princípio, deve ser o estudante universitário. Uma das coi-
sas que nós aprendemos na escola é a “usar” melhor nossa língua. Nós aprendemos como
devemos nos dirigir a pessoas que ocupam cargos importantes, nós aprendemos como es-
crever dissertações, descrições, cartas. Nós aprendemos a lidar com estilos diferentes de
cartas: sabemos como devemos escrever uma carta para nossos amigos, nossos pais, e
também aprendemos a escrever cartas para empresas, como jornais, companhias aéreas,
escolas, ou para órgãos oficiais, como a universidade, como a prefeitura, o governo do estado.

88 • capítulo 4
Uma pessoa com baixo nível de escolarização tem uma competência do portu-
guês igual à de um estudante universitário. Entretanto, sua performance ten-
de a ser bastante diferente, ou seja, sua habilidade de uso de sua competência
em situações sociais de diversas naturezas é mais limitada. (VIOTTI, 2007, p. 5)

©© : AVAVA / DREAMSTIME.COM
Assim, a visão de língua ou o en-
tendimento de competência no gera-
tivismo não deixa de ser restrita, pois
ela “é o conhecimento linguístico
desenvolvido a partir da interação da
informação genética que toda criança
traz em sua faculdade da linguagem,
com os dados linguísticos a que ela é
exposta” (VIOTTI, 2007, p. 6).
Isso quer dizer que a gramática
gerativa entende que a língua não é
exatamente aprendida na escola. Na
verdade, a língua é adquirida antes
mesmo de se entrar na escola.
Figura 4.2 – A língua é adquirida an-
Em condições normais, será o
tes mesmo da escola, por isso a criança
convívio com a família e com a comu-
aprende na escola uma variedade da lín-
nidade de falantes que contribuirá
gua que ela já domina.
para a aquisição da língua. Adquirida
dessa forma, a língua constitui a competência do falante.
Por isso, retomando o último exemplo, não existiria “diferença entre a com-
petência de um estudante universitário e de um operário com baixo nível de
escolarização. Os dois nasceram biologicamente iguais, ou seja, os dois têm a
mesma faculdade da linguagem com as mesmas informações linguísticas ge-
néticas”. Do mesmo modo, ambos se desenvolveram em ambientes linguísti-
cos em que a língua falada era o português. Consequentemente, “os dois desen-
volveram a mesma língua, a mesma competência” (VIOTTI, 2007, p. 6).
Verificamos que, no exemplo citado, é o desnível sociocultural e econômico
que instaura uma diferença em termos de performance, e não de competência.

capítulo 4 • 89
Na perspectiva da gramática gerativa, “a competência continua sendo a
mesma, tanto no caso da pessoa que convive com pessoas de alta escolarização,
quanto no caso da pessoa que convive com analfabetos” (VIOTTI, 2007, p. 6).

4.3  Gramatical e agramatical


Chomsky acreditava que a competência de um falante fornece um conheci-
mento linguístico sobre o que é possível em sua língua e o que não é possível.
Isso quer dizer que a criança, mesmo sem ter passado pela escolarização, é ca-
paz de desenvolver um conhecimento sobre o que é aceitável em sua língua.
Esse conhecimento não é o conhecimento do linguista ou da ciência.
A criança não é linguista, não analisa dados para tomar decisões. A escolha
que ela faz é natural e inconsciente.
Para Chomsky, esse conhecimento linguístico corresponde à gramática
universal, “um mecanismo inato, extremamente complexo e abstrato”.

A “competência” da criança é, para Chomsky, universal. Ela nasce com a capacidade de


falar; e falará inglês ou francês ou chinês, se crescer no ambiente linguístico apropriado.
Todavia, se supusermos que ela possui uma “gramática universal”, temos de supor que
essa gramática (uma vez que é uma gramática) tem de ser restritiva, excluindo certas
línguas como humanamente impossíveis. Assim, escreve Chomsky em Language and
Mind: “Quando nasce, a criança não pode saber que linguagem vai aprender, mas tem
de saber que a sua gramática tem de ser de uma forma determinada, de tal modo que
exclua muitas línguas concebíveis.” Dotada deste “conhecimento tácito”, ela seleciona
uma hipótese “permissível” sobre a gramática da língua que está a usar. E, corrigindo
esta hipótese à luz da experiência, chega finalmente a ter um “conhecimento da sua
língua”, de modo a ser capaz de rejeitar parte da sua experiência linguística como “de-
feituosa e desviante”, i.e., como desempenhos agramaticais. O caso da fonologia, afirma
Chomsky, é aquele que mais fortemente sustenta esta análise. Apesar de outros sons
serem fisicamente possíveis, todas as línguas fazem aparentemente uso de um con-
junto limitado de sons. Não poderia haver uma língua que contivesse sons diferentes?
Se houvesse, de acordo com Chomsky, não a poderíamos aprender tão depressa e tão
eficientemente como aprendemos as nossas línguas. E, do mesmo modo, ele crê que
fomos programados para aprender um certo conjunto de regras sintáticas e semânticas
e apenas os membros desse conjunto. (PASSMORE, 1988)

90 • capítulo 4
Desse modo, Chomsky e os gerativistas vão contribuir para o estabeleci-
mento de um conceito linguístico de gramatical/agramatical.
Para Chomsky, é gramatical na língua tudo aquilo que corresponde a for-
mações de língua bem estruturadas. Será agramatical tudo que corresponde a
formações de língua que são mal formadas e rompem com a estrutura.
Assim, a noção de gramaticalidade está relacionada com as regras de estru-
turação da língua. Essas regras, porém, não são as regras da gramática norma-
tiva que conhecemos em nossa experiência escolar. São regularidades ou sequ-
ências da língua que são aceitáveis.
Desse modo, estariam dentro da língua “aquelas sentenças formadas (ou
geradas) pelas regras da gramática da língua. A agramaticalidade seria, por sua
vez, o fenômeno inverso do gramatical, indicando as sequências (fora da lín-
gua) que não fazem parte da estrutura aceita e legitimada pelas regras de deter-
minada língua natural” (FERREIRA, 1999, p. 129).
Para Chomsky, as regras da língua permitem a distinção entre frases gra-
maticais e frases agramaticais. Os falantes ou os ouvintes normais de uma de-
terminada língua conhecem intuitivamente as propriedades da sentença ou da
frase.
A fim de demonstrar como se dá o estabelecimento do fenômeno da gra-
maticalidade, Chomsky precisou superar a “gramática de estado finito” e a
“gramática estrutural”, dois métodos usados para analisar a sintaxe e explicar
sentenças aceitáveis.
A gramática de estado finito foi considerada inadequada porque “inúmeros
exemplos de linguagem significativa não podem ser gerados em uma base de
palavra em palavra”, ou seja, uma gramática finita não pode dar conta das pos-
sibilidades infinitas da língua, ela não pode representar as propriedades recur-
sivas de determinada língua (GARDNER, 2003, p. 201).
A gramática estruturalista foi rejeitada porque “a mera atenção à forma em
que as frases são construídas não consegue captar regularidades importantes
da língua”. A gramática estrutural só consegue gerar, com grande dificuldade,
algumas sentenças, além de não conseguir captar ou explicar muitas das regu-
laridades que qualquer falante percebe, além de não oferecer nenhum meca-
nismo para combinação de sentenças (GARDNER, 2003, p. 201).
Diante da inadequação desses dois métodos, Chomsky, então, adotou um
novo nível de estruturas linguísticas que eliminariam as dificuldades aponta-
das e possibilitariam a explicação de todo o conjunto de sentenças da língua.

capítulo 4 • 91
Em sua gramática gerativa ou transformacional, Chomsky postula “uma sé-
rie de regras pelas quais as sentenças podem ser relacionadas umas às outras e
onde uma sentença (a representação abstrata de uma sentença) pode ser con-
vertida ou transformada em outra” (GARDNER, 2003, p. 202).

A gramática gerativo-transformacional está baseada na ideia de transformação, enten-


dida como “um conjunto de algoritmos de procedimentos que ocorrem em ordem pres-
crita e permitem que se converta uma sequência linguística em outra. Assim, uma trans-
formação permite que se converta uma sentença ativa em uma sentença passiva, uma
expressão afirmativa em uma negativa ou interrogativa” (GARDNER, 2003, p. 203).

Essa gramática gerativa se constitui, então, num “sistema de regras forma-


lizado com precisão matemática: sem recorrer a nenhuma informação que não
esteja representada explicitamente dentro dele, o sistema gera as sentenças
gramaticais da língua que descreve ou caracteriza, e atribui a cada sentença
uma descrição estrutural ou análise gramatical” (GARDNER, 2003, p. 202).
Diante do que já expusemos acerca do conceito de gramatical e agramatical,
somos levados a perceber que Chomsky compreende a língua como “um siste-
ma de princípios inscritos na mente”, uma espécie de gramática da língua. Isso
implica dizer que para Chomsky o foco não está na língua ou no signo linguísti-
co, como acontece com Saussure (VIOTTI, 2007, p. 6).
Chomsky coloca como central em sua teoria “os princípios que constro-
em signos linguísticos de um tipo particular, como sentenças, por exemplo”
(VIOTTI, 2007, p. 6).
Conforme destaca Ferreira (1999, p. 131):

Para o modelo chomskyano, o conceito teoricamente relevante de início não foi o de língua,
e sim, o conceito de gramática. Gramática seria o estado estável da faculdade de linguagem
representada na mente/ cérebro; língua, o conjunto finito de sentenças que essa Gramática
pode gerar. Conhecer uma língua seria ter na mente a representação dessa língua.

Para encerrar as considerações sobre o conceito de Chomsky de gramatica-


lidade e agramaticalidade, vamos recorrer ao quadro a seguir para sintetizar o
que temos apresentado.

92 • capítulo 4
GRAMATICAL AGRAMATICAL

Dentro da língua Fora da língua

Aceitável Inaceitável (critérios intuitivos)

Formações de língua que rompem com


Formações de língua bem estruturadas
a estrutura

Critério de competência e saber prático Fora do critério de desempenho

Estranho à gramática interna dos falan-


Gramática interna dos falantes
tes

ATIVIDADES
01. Em sua elaboração teórica sobre a aquisição da linguagem, Noam Chomsky defende a
ideia de que:
a) A criança, ao adquirir uma língua, faz parte de um processo que não é natural e do qual
tem consciência.
b) O input e a dotação genética contribuem para a capacidade de adquirir a língua e usá-la.
c) O input é recebido pela criança diretamente, sem qualquer filtragem.
d) O input não corresponde à teoria do inatismo nem aos dados aos quais a criança é exposta.
e) A gramática universal não está relacionada com a filtragem do input.

02. Os conceitos de “competência” e de “desempenho” ou performance foram desenvolvi-


dos por Chomsky na perspectiva linguística do Gerativismo. Podemos associar corretamente
a esses conceitos a seguinte formulação:
a) Uma língua é um conjunto abstrato de regras psicológicas que constituem a competên-
cia de uma pessoa como falante. Essas regras colocam uma classe ilimitada de frases à
disposição do falante, das quais ele fará uso em situações concretas.

capítulo 4 • 93
b) A competência refere-se às expressões produzidas pelos usuários da língua e o desem-
penho, por outro lado, refere-se à linguagem no sentido do que constitui a capacidade
para falar uma língua.
c) O conceito de competência nos leva a concluir que a estrutura de uma língua é afetada e
fica comprometida quando seus falantes fazem erros ao falar, assim como uma sinfonia
é afetada quando não é bem executada.
d) Chomsky defende a ideia de que uma pessoa que aprendeu uma língua adquiriu um
sistema de regras gramaticais que relacionam som e significado aleatoriamente, ou seja,
ela internalizou antes mesmo da escola as regras da gramática normativa e as coloca em
uso na produção e compreensão da fala.
e) Competência e desempenho são conceitos que correspondem, exatamente, aos pares
conceituais sincronia e diacronia propostos por Saussure.

03. De forma resumida, explique a diferença entre competência e desempenho.

04. Pesquise sobre o behaviorismo e o empirismo, procurando explicitar melhor as diferen-


ças entre o racionalismo e aquelas correntes.

05. Considere as frases a seguir:


1. “Nóis vai ao Mercadu Centrá, sábado, à tarde.”
2. “As moça de Belzonti e de Minas Gerais é linda.”
3. Mercadu ao Centrá, tarde à, vai sádoba nóis.”
4. “Nós vamos ao Mercado Central, sábado, à tarde.”
5. “As moças de Belo Horizonte e de Minas Gerais são lindas.”

Conforme a teoria de Chomsky, quais frases podem ser consideradas “gramaticais”?


Conforme a gramática escolar ou normativa, quais frases não são gramaticais?

REFLEXÃO
Na teoria gerativa de Chomsky, uma questão importante “é saber como a gramática se de-
senvolve na mente de um falante” (VIOTTI, 2007, p. 10).
A posição de Chomsky se situa em um dos lados de um debate sobre a aquisição da lin-
guagem: “de um lado estão aqueles que acreditam que a língua é um objeto externo à mente
humana; de outro, estão aqueles que, como Chomsky, consideram que a língua é um objeto
mental” (VIOTTI, 2007, p. 10).

94 • capítulo 4
A primeira posição entende que “um falante chega ao conhecimento de sua língua por
meio de um sistema de aprendizagem, que envolve processos de observação, memorização,
associação etc.”. Chomsky e seus seguidores, ao contrário, defendem que “os seres huma-
nos nascem dotados de um conjunto de estruturas linguísticas mentais altamente abstratas
e geneticamente determinadas, que funcionam como um mapa, orientando o processo de
aquisição de língua pela criança” (VIOTTI, 2007, p. 10).
Esse “conjunto de estruturas mentais que são parte de nossa dotação genética se chama
gramática universal”, ou seja, “esse conjunto de estruturas linguísticas mentais é concebido
como sendo geneticamente determinado”. Desse modo, se essas estruturas são genetica-
mente determinadas e o conjunto de todos os seres humanos constitui uma única espécie,
temos, então, um conjunto de estruturas que precisa ser universal (VIOTTI, 2007, p. 10).
Assim, podemos concluir que o gerativismo apresenta a gramática universal (dotação
genética) e o ambiente (estímulos externos) em que a criança cresce como os dois fatores
fundamentais na aquisição da linguagem:
O Gerativismo assume que, além da gramática universal ou predisposição genética, o
ambiente em que a criança cresce tem um papel importante na aquisição da língua. Apesar
de já nascer com a gramática universal, uma criança que for privada de um ambiente linguís-
tico não vai desenvolver língua nenhuma. Chomsky defende que, apesar de todos começar-
mos com um mesmo conhecimento linguístico - a gramática universal, esse conhecimento
vai se desenvolver de maneira diferente, caso vivamos em um ambiente em que se fale o
português, o alemão ou alguma língua de sinais. É da interação da gramática universal com
o ambiente linguístico que se desenvolvem as gramáticas dos falantes de qualquer língua
natural (VIOTTI, 2007, p. 10-11).

LEITURA
Para uma abordagem crítica da aquisição da linguagem e sua relação com teoria do de-
senvolvimento, confira o livro Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimen-
to linguístico, organizado por Letícia M. S. CORRÊA e publicado pela PUC/Rio e Edições
Loyola.
Outra recomendação é o livro Aquisição da linguagem: teoria e pesquisa. O livro é
organizado por Alina Spinillo, Glória Carvalho e Telma Avelar e publicado pela Editora da
Universidade Federal de Pernambuco.

capítulo 4 • 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CEZARIO, Maria M.; MARTELOTTA, Mário E. Aquisição da linguagem. In: MARTELOTTA, Mário E. (Org
.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
CHOMSKY, Noam. Aspects of the theory of syntax. Massachusetts: The MIT Press Cambridge, 1965.
_____. Linguagem e a mente. In: LEMLE, Miriam; LEITE, Yonne (Org.). Novas perspectivas
linguísticas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
CORREA, Letícia Maria Sicuro. Aquisição da linguagem: uma retrospectiva dos últimos trinta anos.
DELTA [online]. 1999, vol.15, n.spe, p. 339-383.
DUARTE, Fábio B. O Empirismo, o mentalismo e o racionalismo nos estudos da linguagem.
SOLETRAS, Rio de Janeiro – UERJ, v. 2, n. –, p. 18-31, 2000.
GREENE, Judith. Psicolinguística: Chomsky e a psicologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
LEMOS, Cláudia T. G. Desenvolvimento de linguagem e processo de subjetivação. ComCiência, 2001.
Disponível em: http://www.com-ciencia.br/reportagens/linguagem/ling17.htm .
LYONS, John. Linguagem e linguística. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.
PAIVA, Vera L. M. O. Modelo da gramática universal. In: A complexidade da aquisição de segunda
língua: revisando e conciliando teo¬rias. Mimeo, 2008.
PASSMORE, John. Chomsky, os estruturalistas e a fundação da linguística moderna. Trad. Pedro
Santos. In:____. Recent philosophers. London: Duckworth, 1985.
PERINI, Mário Alberto. A gramática gerativa: introdução ao estudo da sintaxe portuguesa. 2. ed.
Belo Horizonte: Vigília, 1985.
STENBERG, Robert J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
VIOTTI, Evani. A língua para Noam Chomsky. In: Introdução aos estudos linguísticos. Florianópolis:
UFSC, Mimeo, 2007.

96 • capítulo 4
5
Sociolinguística e
Funcionalismo
Neste capítulo, vamos estudar as relações entre a língua e a sociedade, a par-
tir da constituição e desenvolvimento de uma importante área dos estudos
linguísticos: a Sociolinguística. Além disso, veremos uma outra corrente da
Linguística que se distingue tanto do estruturalismo quanto do gerativismo.
Estamos nos referindo ao Funcionalismo, que será abordado em sua vertente
europeia e norte-americana.

OBJETIVOS
Conhecer a história e os pressupostos teóricos da Sociolinguística;
Reconhecer as variedades linguísticas da língua portuguesa;
Identificar implicações da variação linguística no uso e no aprendizado da língua;
Compreender os referenciais teóricos e os princípios do Funcionalismo.

98 • capítulo 5
5.1  A Sociolinguística
A Sociolinguística é uma área dos estudos linguísticos que foi, inicialmente,
muito divulgada pelo norte-americano Willian Labov. Essa nova área surgiu
voltada para a função social da linguagem e a influência dos fatores sociais so-
bre a língua, situando-se dentro da Linguística como a área que trata das rela-
ções entre linguagem e sociedade.
O termo Sociolinguística ganha força e se fixa somente na década de
1960, impulsionado por um congresso ocorrido em 1964 na Universidade
da Califórnia, em Los Angeles. Dois anos depois, em 1966, o organizador do
evento, Willian Bright, decidiu reunir e publicar os trabalhos que lá se apre-
sentaram. A publicação contou com um texto introdutório de sua autoria, in-
titulado ‘As dimensões da Sociolinguística’, e a obra geral recebeu o título de
Sociolinguistics.
Como os problemas que envolvem a língua e a sociedade são muitos e va-
riados, as dificuldades em se delimitar o campo de pesquisa sociolinguístico
persistiram desde o início de suas pesquisas nas décadas de 1950 até a década
seguinte, na qual o congresso ocorreu.
Bright propôs que a Sociolinguística deveria “demonstrar a covariação
sistemática das variações linguística e social. Ou seja, relacionar as variações
linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na
estrutura social desta mesma sociedade” (BRIGHT, 1974, p. 56). Assim, a fina-
lidade da Sociolinguística seria a comparação da estrutura linguística com a
estrutura social.
Esse autor também propôs uma hipótese de relação entre a diversidade lin-
guística e alguns fatores socialmente definidos. Esses fatores seriam:

relevante, por exemplo, no estudo de dialetos


IDENTIDADE SOCIAL DO de classes sociais e das diferenças entre falas
EMISSOR OU FALANTE femininas e masculinas;

relevante, por exemplo, no estudo das formas


IDENTIDADE SOCIAL DO de tratamento, da baby talk (fala utilizada por
RECEPTOR OU OUVINTE adultos para se dirigirem aos bebês);

capítulo 5 • 99
relevante, por exemplo, no estudo das diferen-
ças entre a forma e a função dos estilos formal
O CONTEXTO SOCIAL e informal, existentes na grande maioria das
línguas;

distinto que os falantes fazem do próprio com-


portamento linguístico e sobre o dos outros,
O JULGAMENTO SOCIAL isto é, as atitudes linguísticas. (ALKMIN, 2004,
p. 28-29)

A Sociolinguística foi constituindo-se e definindo-se ao longo do surgi-


mento de pesquisas importantes e interdisciplinares, como a do importante
antropólogo Franz Boas e, mais tarde, por seus discípulos de grande prestígio:
Edward Sapir e Benjamin L. Whorf.
Hoje, após um longo caminho percorrido, afirma-se que o objeto de estu-
do da Sociolinguística é a língua falada em seu contexto social, ou seja, num
contexto de interação verbal entre pessoas que compartilham um conjunto de
normas que orientam os usos linguísticos (ALKMIN, 2004).
Apesar de ser correto afirmar que a Sociolinguística trata da relação entre
língua e sociedade, devemos reconhecer que há certa simplificação nessa afir-
mação. Tal fato ocorre porque nas últimas quatro décadas temos assistido a
um crescente interesse pelo estudo da linguagem em uso no contexto social e,
consequentemente, ao estabelecimento de diversos enfoques sob a designação
Sociolinguística (Cf. CAMACHO, 2004, p. 49).

5.1.1  A variação linguística

Uma importante contribuição da Sociolinguística é o reconhecimento de que


a língua não é uniforme, pois há variantes no uso de uma língua. Embora o re-
conhecimento e descrição da variação linguística seja relativamente recente, o
fenômeno da variação é antigo.
Se consultarmos algumas fontes sobre a situação linguística do berço da
cultura ocidental, encontraremos na Grécia uma diversidade linguística na
qual conviviam quatro dialetos: o eólico, o dórico, o jônico e o ático.

100 • capítulo 5
O exemplo da língua grega é apenas uma das evidências de que existem va-
riedades dentro de uma língua, diversidade que é produzida por uma série de
fatores, como as diferentes regiões em que uma determinada língua é falada ou
os diferentes segmentos sociais dos falantes dessa língua.
Quando nos referimos ao conceito de variação linguística, estamos também
fazendo referência a uma norma padrão que no seu próprio uso vai gerando
mudanças ou variações linguísticas.
A norma padrão, que pode ser entendida como um modelo, uma medida,
um conjunto sistematizado de orientações, situa-se num contínuo de varia-
ções. Como nenhum falante segue ou domina rigorosa e completamente as
regras da norma padrão, temos numa das extremidades o falante que mais se
aproxima do ideal linguístico, elaborando um discurso mais culto. Na outra
ponta, encontramos os falantes que mais se afastam do modelo de perfeição
linguístico e que produzem uma variedade menos culta.
A norma padrão acaba sendo uma abstração, um modelo, um ideal a partir
do qual se produz variedades no uso da língua. As variedades linguística seriam,
então, mais concretas, realizando-se por meio da fala que é ouvida, recolhida,
registrada, comparada e analisada pela Sociolinguística, por exemplo.

CONEXÃO
No vídeo “Norma culta e variedade linguística”, você pode conferir opiniões de linguistas e
educadores sobre controvérsias que costumam existir em torno da relação entre a língua
padrão e as variedades linguísticas: https://www.youtube.com/watch?v=pWvuF0U9zv4

Bagno (2005) compara a língua padrão apresentada pela gramática norma-


tiva ao molde de um vestido. O molde não pode ser interpretado como sendo o
vestido. Embora contenha as peças sobre as quais o tecido será cortado, sequer
de tecido o molde é feito. Ele diz isso para ilustrar a diferença entre o ideal, as
normas da língua reunidas, e o real, os falantes em situação de uso.
As regras da gramática normativa e o ideal de língua padrão teriam a função
de ser um molde, mas o uso dessas normas acabaria sendo "uma costura às
avessas". Assim, em vez de o molde servir para "cortar o tecido e depois montar
o vestido", aqueles que se apegam à língua padrão como única forma válida e

capítulo 5 • 101
legítima de uso da língua consideram o "uso real e concreto da língua (um ves-
tido já pronto) e vão medir e avaliar esse uso para ver se ele está de acordo com
o molde pré-estabelecido" (BAGNO, 2005, p. 160)

CONEXÃO
Veja algumas situações em que as variações linguísticas são exemplificadas assistindo ao
vídeo do programa Palavra Puxa Palavra, da MultiRio. Educopédia - SME/RJ: https://www.
youtube.com/watch?v=_Y1-ibJcXW0

5.2  Tipos de variação linguística


As variações de uma língua podem constituir (CAMACHO,1988):

•  Dialetos, isto é, variações faladas por comunidades geograficamente defi-


nidas.Também denominados “falares”, por alguns linguistas.
•  Socioletos, isto é, variações faladas por comunidades socialmente defini-
das, linguagem padrão ou norma padrão, padronizada em função da comuni-
cação pública e da educação.
•  Idioletos, isto é, uma variação particular a uma certa pessoa, registros, o
vocabulário especializado e/ou a gramática de certas atividades ou profissões.
•  Etnoletos, para um grupo étnico.
•  Ecoletos, um idioleto adotado por uma casa.

As variações linguísticas recebem também outras designações:


c) variações diatópicas – diferenças que ocorrem entre falares locais, re-
gionais ou intercontinentais;
d) variações diastráticas – diferenças percebidas entre as camadas socio-
culturais (nível culto, nível popular, língua padrão);
e) variações diafásicas – diferentes tipos de modalidades expressivas den-
tro de um mesmo estrato social. Dividem em grupos “biológicos” (homens,
mulheres, jovens, crianças) e grupos profissionais.

102 • capítulo 5
Hockett (1963 apud PRETI, 2003, p. 14) apresenta a seguinte classificação para os
idioletos:
a) idioleto produtivo: conhecimentos linguísticos utilizados pelo indivíduo ao se expres-
sar na fala; b) idioleto receptivo: conhecimentos passivos do indivíduo, provenientes da
linguagem dos emissores que ouve.

Preti (2003, p. 17) apresenta uma tipologia e uma descrição de variedades na fala
a partir dos índices de classificação social propostos pela sociolinguística francesa
de Françoise Gadet. As chamadas variações extralinguísticas seriam de três espécies:

a) geográficas: envolvem as variações regionais.


b) sociológicas: as variações provenientes da idade, sexo, profissão, nível
de estudos, classe social, localização, dentro da mesma região, raça, as quais
podem determinar traços originais na linguagem individual.
c) contextuais: tudo aquilo que pode determinar diferenças na linguagem
do locutor por influências alheias a ele: o assunto, o tipo de ouvinte, o lugar em
que o diálogo ocorre e as relações que unem os interlocutores.

A partir da individualidade do saber linguístico, o linguista português


Herculano de Carvalho (apud Preti, 2003, p. 19) identifica dois grupos de varie-
dade da língua:
a) Variedades sincrônicas: cronologicamente simultâneas, observáveis
num mesmo plano temporal. Compreenderiam as variações causadas por fato-
res geográficos, socioculturais e estilísticos;
b) Variedades diacrônicas: compreendem aquelas dispostas em vários
planos de uma só tradição histórica.

Bright (apud Pretti, 2003, p.16) identifica pelo menos três dimensões da
diversidade linguística. Essas “dimensões se encontrariam condicionadas aos
vários fatores definidos socialmente com os quais a diversidade linguística se
encontra correlacionada”.

a) Assim, para Bright (apud. Pretti, 2003, p.16), as dimensões são:


b) do emissor: a identidade social do emissor – diferenças de fala se corre-
lacionam com a estratificação social;

capítulo 5 • 103
c) do receptor: identidade social do receptor – relevante onde quer que vo-
cabulários especiais de respeito sejam usados em se falando com superiores;
d) da situação e do contexto: engloba todos os elementos relevantes pos-
síveis no contexto de comunicação, com exceção da identidade dos indivíduos
envolvidos.

5.2.1  As variações entre o português do Brasil e de Portugal

Vejamos, agora, no quadro abaixo, algumas diferenças entre o português do


Brasil e o português de Portugal.
Atente para o fato de que algumas diferenças só são perceptíveis na dimen-
são da fala.

O brasileiro diz Maria, o português nasaliza


mais e pronuncia Mãria; no Brasil, pronuncia-
DIFERENÇAS FONÉTICAS mos mais as vogais do que em Portugal. Pro-
(NO MODO DE PRONUNCIAR nunciamos os “es” de Fernando Pessoa, ao
OS SONS DA LÍNGUA) passo que os portugueses quase não os pro-
nunciam: “Fernando Pssoa”.

Os portugueses usam com naturalidade os


pronomes oblíquos como complementos ver-
bais: “Disse-lhe isso ontem”, “Tragam-no cá”.
No Brasil, consideramos formal e geralmente é
DIFERENÇAS SINTÁTICAS um uso reservado à escrita. Em muitos casos,
(NO MODO DE deixamos de colocar os complementos; em
ORGANIZAÇÃO DAS FRASES, outros, não observamos a norma por acharmos
ORAÇÕES E AS PARTES muito formal e dizemos: “Tragam ele aqui”. Ou-
QUE AS COMPÕEM) tra diferença sintática é o uso do gerúndio no
Brasil e do infinitivo em Portugal. Nós falamos
“Estou esperando uma resposta”, e lá, “Estou a
esperar uma resposta”.

104 • capítulo 5
DIFERENÇAS LEXICAIS Em vez de creme de leite, os portugueses
(PALAVRAS QUE EXISTEM usam natas. A descarga de banheiro do Brasil
SOMENTE NO BRASIL OU é o autoclismo da casa de banho em Portugal,
SOMENTE EM PORTUGAL) entre tantas outras diferenças.

Cuecas em Portugal são as calcinhas aqui no


DIFERENÇAS Brasil; os talhos em Portugal são os nossos
SEMÂNTICAS (PALAVRAS açougues. Chope pode ser chamado tanto de
COM SIGNIFICADOS imperial, nome que recebe no sul, quanto de
DIFERENTES) fino, nome que recebe no norte de Portugal.

Por exemplo, no Brasil, para indicar polidez


ou suavidade no trato, usamos um recurso
de modalização colocando o verbo no futuro
do pretérito: “Você poderia fechar a janela?”,
“Gostaria que você entregasse o relatório até
DIFERENÇAS NO USO DA amanhã”, “Seria possível trocar os horários da
LÍNGUA manhã pelos da tarde?”. Em Portugal, o uso
correspondente é com o verbo no pretérito
imperfeito: na nossa primeira frase, não causa-
ria estranheza, mas na segunda, sim: “Gostava
que você entregasse o relatório até amanhã”.

Para ilustrar essas diferenças geográficas e finalizar este tópico, reproduzi-


remos um texto escrito por Jô Soares, publicado na Revista Veja, no qual o autor
brinca com as diferenças vocabulares do Brasil e de Portugal. O título anuncia
com ironia o mito sobre o qual já conversamos: o da unidade linguística.

Unidos por uma mesma língua

Já não se fala mais português como antigamente. Todos os brasileiros que vão a
Portugal voltam impressionados com as diferenças de expressões entre os dois
países irmãos. Com o passar do tempo, deixamos de usar várias palavras, eles
lá inventaram novas e nós aqui criamos também um monte delas. A verdade é

capítulo 5 • 105
que, se hoje um repórter português viesse de Portugal para o Brasil para fazer
uma entrevista com o presidente Itamar, é bem provável que os dois necessitas-
sem de um bom intérprete.
Repórter: Vossa excelência já deita ao desprezo o corrido nas celebrações do
mardi-gras ou sente-se ressabiado?
Intérprete: O senhor não dá mais importância ao que aconteceu nas come-
morações do Carnaval ou ainda está aborrecido?
Itamar: Claro que dou, mas o que interessa é desaparecer a miséria do nosso
povo.
Intérprete: Óbvio que sim, porém o que me apetece é escafeder-se a depen-
dura da nossa plebe.
Repórter: Consta cá que alguns dos seus ministros vivem a dize-tu-direi-eu.
Vossa excelência não acha que é contra?
Intérprete: Dizem por aqui que alguns dos seus ministros vivem em grande
discussão. O senhor não acha que isso é ruim?
Itamar: É mentira.
Intérprete: É peta.
Repórter: Pois. Se calhar também é peta o paredão dos voadores e hospedei-
ras que cá por pouco ocorreu?
Intérprete: Sei. Vai ver que também é mentira a greve dos pilotos e das aero-
moças que aqui quase aconteceu?
Itamar: Não, não é mentira. Como também não é mentira acontecer greves
dos bancários.
Intérprete: Quais peta quais nada. Como por suposto não é
peta ocorrer paredões de amanuenses dos armazéns de finanças.
Repórter: E a inchação?
Intérprete: E a inflação?
Itamar: A inflação está sendo combatida. Temos agora um plano sensacional.
Intérprete: A inchação está a ser fustigada. Possuímos de momento um pro-
jeto bestial.
Repórter: E a questão do recato de feira no setor dos ordenadores? De que
forma arranjou-se?

106 • capítulo 5
Intérprete: E o problema da reserva de mercado na área dos computadores?
De que jeito foi solucionado?
Itamar: Pois não, isso não existe mais.
Intérprete: Pois sim, isto cá já não há.
Repórter: Por suposto a USA está a querer atalaiar as taxas sobre os vossos
productos como os calçados de cabedal?
Intérprete: É claro que os Estados Unidos estão querendo controlar os im-
postos sobre os seus produtos, como os sapatos de couro.
Itamar: É.
Intérprete: Sim.
Repórter: Grato. Soube-me muito bem o cafezinho e a conferência.
Intérprete: Obrigado. Gostei muito do cafezinho e da entrevista.
Itamar: Não há de quê.
Intérprete: Não há de quê.
Repórter: Mas que coincidência, pá! Então vocês cá também dizem não há
de quê? (apud TRAVAGLIA, 2003, p. 43-45)

5.2.2  Níveis de linguagem

Temos visto que a língua não é utilizada de forma invariável. Mesmo num país
em que se adota o português como língua oficial, encontramos variações no
uso da língua.
Já sabemos que a língua pode variar de uma região para outra, fazendo sur-
gir os “falares” ou dialetos; varia de acordo com as camadas ou classes sociais,
sendo mais próxima da norma culta nos segmentos sociais mais escolarizados;
varia de acordo com o registro, manifestando as diferenças entre a língua escri-
ta e a língua oral; varia, ainda, conforme o grupo que a utiliza, fazendo surgir os
jargões de determinadas profissões e as gírias entre adolescentes ou “tribos”,
como a dos surfistas.
Vanoye (1981, p. 31) propõe uma distinção entre níveis de linguagem a par-
tir da diferenciação entre a língua falada e a língua escrita, numa gradação de

capítulo 5 • 107
informalidade na língua falada e de formalidade na língua escrita. Confira:

LÍNGUA LÍNGUA ESCRITA


FALADA

LINGUAGEM Discursos,
ORATÓRIA sermões
Linguagem literária, cartas
e documentos oficiais
LINGUAGEM Cursos, comuni-
CUIDADA cações orais

LINGUAGEM Conversação,
Comunicações escritas comuns
COMUM rádio, televisão

Conversação Linguagem descuidada, incorreta,


LINGUAGEM informal, não linguagem literária que procura
FAMILIAR “elaborada” imitar a língua falada.

No entanto, essa classificação de níveis de linguagem não é completa. Além


de não incluir a diversidade no uso da língua nos meios eletrônicos atuais, com
a profusão de escritas e falas nos chats, e-mails e sites de relacionamentos, a
distinção entre os níveis de linguagem não deixa de ser imprecisa, como admite
o próprio Vanoye:

Essas distinções são um pouco fluidas, uma vez que se estabelecem segundo critérios
heterogêneos. A distinção linguagem popular/linguagem cuidada, por exemplo, apoia-
se num critério sociocultural, ao passo que a distinção linguagem informal/linguagem
oratória se apoia sobretudo numa diferença de situação (o mesmo indivíduo não empre-
gará a mesma linguagem ao fazer um discurso e ao conversar com os amigos num bar).

108 • capítulo 5
Ademais, na expressão oral, as incorreções gramaticais são geralmente função de res-
trições materiais: dificilmente poderá um comentarista esportivo manter uma linguagem
cuidada ao descrever e comentar uma partida ao vivo.
De modo geral, a linguagem cuidada emprega um vocabulário mais preciso, mais raro,
e uma sintaxe mais elaborada que a da linguagem comum. A linguagem oratória cultiva
efeitos sintáticos, rítmicos e sonoros, e utiliza imagens.
As linguagens familiar e popular recorrem às expressões pitorescas, à gíria, e a muitas de
suas construções são tidas como “incorreções graves” nos níveis de maior formalidade.
A língua escrita é, geralmente, mais elaborada que a língua falada [...}. Aí os níveis são
menos numerosos e diretamente relacionados com o condicionamento sociocultural.
(VANOYE, 1981, p. 31-32)

De todo modo, o que mais importa é a constatação de que não temos uma
língua uniforme e invariável.
Apesar de a língua portuguesa ser a nossa língua, o idioma oficial de al-
guns países como o Brasil, ela se manifesta dentro do princípio da variação
linguística.
Neste item nos ocupamos da chamada variedade padrão, da língua culta,
mas isso não deve nos levar a ignorar os diversos usos da língua que encontra-
mos no dia a dia.
No contexto escolar, é muito importante o educador considerar que a língua
culta ou padrão é a que detém o prestígio na sociedade, mas isso não deve levar
ao preconceito ou à discriminação daquele aluno que ainda usa variedades da
língua menos prestigiadas ou valorizadas.
Se a escola deve levar o aluno ao conhecimento e ao domínio da língua pa-
drão, ela não deve assumir essa responsabilidade pela negação das variações
linguísticas nem pelo preconceito linguístico.
A sala de aula deve ser, ao mesmo tempo, o espaço da diversidade e do
aprendizado da língua padrão, da variedade que mais prestígio tem na socie-
dade. Isso nem sempre é fácil e, muitas vezes, leva a situações inusitadas e
desafiadoras.

capítulo 5 • 109
5.3  A noção de erro
A partir dos estudos sobre variação linguística, podemos reconhecer que as gra-
máticas tradicionais apresentam uma noção de erro aplicada à língua que está
relacionada com uma abordagem limitada à norma padrão e a regras rígidas
sobre o escrever e falar corretamente.
Toda regra possui, de certo modo, “uma definição ideológica, pois se inter-
naliza nos indivíduos a partir da coerção social. Toda regra ordena fazer certas
coisas de determinado modo e, ao mesmo tempo, proíbe fazer a mesma coisa
de modo diferente. Isso tem validade para a esfera de ação do indivíduo”, mas
o linguista estará interessado nas implicações linguistas do fato (LOPES, 2005,
p. 197).
Quando estudamos alguns conceitos de Chomsky, vimos que é gramatical
tudo que é bem formado e aceitável, ou seja, tudo que não rompe com a estru-
tura da língua. Isso quer dizer que a noção de “gramaticalidade” não está confi-
nada a uma gramática normativa ou à língua culta ou padrão.
Devemos, então, observar que no contexto dos estudos linguísticos, e mais
particularmente na Sociolinguística, a noção de erro não é apropriada para ca-
racterizar os usos da língua. Devemos pensar em termos do que é adequado e
inadequado, o que é aceitável e inaceitável.
Isso não quer dizer que a gramática normativa ou a língua padrão não te-
nham seu valor, mas indica que o linguista está mais preocupado com o tra-
balho de descrição e estudo da língua e de seu funcionamento, em vez de estar
ocupado com o estabelecimento e a preservação de regras gramaticais.
A gramática normativa está mais voltada para a variedade escrita da língua
e se ocupa com a manutenção de regras consideradas próprias da língua culta
ou de prestígio.
Há, sem dúvida, uma tradição em se prestigiar a língua escrita. Talvez por
ter características mais conservadoras, transformar-se mais lentamente e estar
sob a proteção da ortografia.
A escrita manifesta-se sempre em descompasso com as transformações da
fala, cuja dinâmica do uso lhe traz alterações contínuas, naturais e bem mais
velozes. Mas tanto a escrita quanto a fala de uma língua apresentam variações e
mudam com o tempo e com os inúmeros estímulos que recebem.

110 • capítulo 5
De acordo com Preti (2003, p. 65), “a língua escrita sempre constituiu, em
todas as épocas, um fator de unificação linguística, pois suas transformações
são bem mais lentas do que as apresentadas continuamente pelo ato da fala no
tempo e no espaço”.
Para a Sociolinguística, a variação verificada na fala não é um problema; é
simplesmente uma característica do fenômeno linguístico. A Sociolinguística
não se preocupa com o invariável, mas com as diversidades. A clássica noção
de erro linguístico parte do princípio de que a língua não é variável, mas sim
um sistema a ser respeitado no seu aspecto estrutural e formal sem nenhuma
interferência de outra ordem.
Os estudos linguísticos apresentam uma reformulação da noção de erro
porque esse conceito torna-se contraditório diante da abordagem do fenôme-
no linguístico feita pela Sociolinguística.
Você precisa lembrar que a fala é anterior à escrita e que existem, ainda, lín-
guas ágrafas, ou seja, línguas que são somente faladas e não têm escrita. Sendo
assim, parece haver uma inconsistência ao se apontar como errados fenôme-
nos que se manifestam numa dimensão cujas regras não estão rigorosamente
de acordo com as ocorrências da dimensão da escrita.
É como se, ao falar e escrever, estivéssemos em jogos diferentes e num de-
terminado momento as regras de um passassem a valer para o outro, como se
nem as regras nem os jogos tivessem particularidades: “Os gramáticos imagi-
nam a fala como o lugar do erro, incorrendo no equívoco de confundir a língua
com a gramática codificada” (MARCUSCHI 1993).
Se a língua em seu uso é a manifestação de uma variação, existem opções
que podem ser mais ou menos adequadas, dependendo da situação discursiva,
do objetivo do falante.
A fala e a escrita exigem exercícios e mecanismos diferentes para ajustar,
regular e adequar os seus conteúdos aos modos de interação, a fim de que eles
cumpram bem a sua função, o seu propósito.

CONEXÃO
Assista ao vídeo "Comunicação oral e as variantes linguísticas", com o pesquisador Cláudio
Bazzoni, e reflita sobre o uso da fala fora da norma culta no contexto escolar. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=em2EXTcSyAY .

capítulo 5 • 111
Pensar em “erro” no uso da língua é desfocar e desconsiderar a natureza
da linguagem e confundi-la com a gramática, reduzindo a língua a um código
rígido e com todas as abstrações que ele envolve.
Ao estudar o chamado erro linguístico, ou melhor, as inadequações de uso,
a Sociolinguística combateu o comodismo e o simplismo de se considerar a
complexidade do uso de uma língua somente sob duas óticas: a do certo e a do
errado.
Isso se torna possível, em parte, ao se revelar a lógica do “erro”, pois se per-
cebe que há nele certa regularidade, como em “bicicreta”, “prantação”, “craro”
(rotacismo) ou detectar a influência de uma língua sobre a outra como no caso
de noi (pronome pessoal do caso reto em italiano) e “nói” ou “nóis” (variante do
português do Brasil não padrão).
A Sociolinguística trouxe sua contribuição ao mostrar que é possível com-
preender a origem de certos fenômenos. Um exemplo é o da ausência do "s"
na posição final das formas verbais da primeira pessoa do plural do português
do Brasil, em algumas regiões onde a presença da imigração italiana foi mais
forte, ou em formas como “fomo”, “construimo”, ‘andamo”, “perdemo” disse-
minadas Brasil afora. Note que em italiano inexiste a marcação de plural com
o s final: “noi fummo”, “noi construimmo”, “noi andiamo”, “noi perdemmo”.
A norma padrão também muda com o tempo. O “erro” do presente pode ser
considerado norma no futuro. Por isso é tão complicado basear o conhecimen-
to linguístico sobre os conceitos de certo e errado.
Embora saibamos que a norma padrão ou seus defensores exerçam uma
constante pressão normativizadora, ela não se mantém inalterada. É importan-
te reconhecer que “toda regra possui uma definição ideológica, pois se interna-
liza nos indivíduos a partir da coerção social” (LOPES, 1995).
Como nos mostra a história de todas as línguas, às vezes, elas se modificam
tanto a ponto de não serem mais reconhecidas e necessitar de estudos para a lei-
tura de seus textos antigos, assim como uma língua estrangeira os requisitaria.
Entender a diversidade em que se manifestam as línguas, sobretudo na sua
dimensão sonora, e reconhecer o português não padrão como também legíti-
mo é valorizar as diferenças e combater uma das muitas formas de preconceito:
o Linguístico!

112 • capítulo 5
5.3.1  O preconceito linguístico

Num país continental como o Brasil, é comum a valorização de uma variante


linguística em detrimento de outras.
Muitos associam à variante carioca certo prestígio e superioridade. À va-
riante de São Paulo, outros atribuem uma pronúncia mais neutra e limpa de
chiados, apropriada para a comunicação as programações televisivas em rede
nacional, por exemplo. Não é raro acompanharmos atores e apresentadores ou
aspirantes à profissão passarem por um processo de abrandamento de seus re-
gistros ou sotaques para que haja uma aceitação de seu falar.
Ao mesmo tempo, vemos também o contrário: o reforço de algumas carac-
terísticas de outras variedades menos valorizadas quando se quer conferir ares
jocosos a certas narrativas, seja em piadas, em quadros de programas humo-
rísticos, na caracterização de algum personagem exótico ou numa produção
regionalista. Não é difícil identificar esse tipo de comportamento em relação
ao chamado "falar caipira", por exemplo.
Assim, para ridicularizar ou caricaturar um determinado falar, apela-se às
variedades usadas nas regiões menos centrais do Brasil, economicamente mais
pobres e cuja cultura, ainda que riquíssima, é desprestigiada e mal divulgada nas
regiões que compreendem o Sudeste do Brasil, principalmente no eixo Rio-São
Paulo. As variantes nordestinas são um exemplo do que estamos comentando.
A valorização ou a depreciação é tão clara que há um trabalho dos profissio-
nais da fonoaudiologia na tentativa de uniformizar a fala em grandes veículos
de comunicação de massa para uma maior aceitação e um menor estranha-
mento. Embora a justificativa para isso não seja preconceituosa, como a busca
por uma dicção mais clara, o esforço de suavizar ou uniformizar os registros
guardam em si uma resistência àquilo que é diferente e, portanto, acentua o
comportamento preconceituoso ao invés de combatê-lo.
Sabemos que a norma padrão desfruta de prestígio absoluto em relação a
outras variedades. Tamanha é a sua importância ou valorização que a inobser-
vância às suas regras gera reações de preconceito não só de classe, mas de de-
sautorização do próprio discurso. A impressão que temos é de que mais vale
uma mentira proposta na norma padrão do que o mais brilhante argumento
exposto numa variedade não padrão. Quem nunca ouviu pessoas dizerem que
não entenderam nada do que determinado político disse, mas se encantaram
com a beleza das suas palavras?

capítulo 5 • 113
A propósito, na novela A língua de Eulália, uma das personagens, Emília,
expõe seu pensamento sobre as características de Eulália. Num raciocínio mui-
to comum, a saber, o de rejeitar o conteúdo em função da forma como foi apre-
sentado, afirma: “- Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer
sabedoria.” (BAGNO, 2005, p. 14). Ou seja, é dada à norma padrão um valor que
ultrapassa a questão meramente linguística.
Indiferente a todas as variedades, o preconceito linguístico parece alimen-
tar-se de uma expectativa de uso que parte da classe social de maior prestígio em
relação aos usos das demais. A variação dessa classe, que se autodefine como
usuária do melhor português, representaria a “norma subjetiva”, também de-
nominada por Castilho (1988) como “norma implícita” ou “padrão ideal”.
Vale a pena retomar o argumento de Travaglia (2003, p. 64) de que pode pa-
recer "natural exigir que o aluno aprenda a norma culta para utilizá-la em de-
terminadas situações sociais de comunicação social", enquanto se considera
absurdo, por exemplo, exigir que alguém aprenda "o dialeto caipira para falar
com o pessoal da zona rural de determinadas regiões do país (sobretudo sul de
Minas Gerais e parte de São Paulo)".
Assim, os falantes da norma culta esperam "que o caipira aprenda seu modo
de falar para circular entre eles, mas o contrário não acontece: os caipiras não
“exigem” que os falantes da norma urbana culta aprendam seu dialeto pra cir-
cular entre eles". A conclusão é que "aprender dialeto caipira será sempre uma
“concessão” dos membros do outro grupo social, por interesse científico, ou por-
que isso pode ser interessante, cômico, exótico etc." (TRAVAGLIA, 2003, p. 64).
Vamos agora tratar do funcionalismo, uma tendência ou escola nos estudos
linguísticos que também precisa ser conhecida.

5.4  Funcionalismo: europeu e norte-americano


Para tratarmos dos diferentes tipos de Funcionalismo, primeiramente vamos
pontuar que a abordagem funcionalista "se preocupa em estudar a relação en-
tre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos
em que elas são usadas” (CUNHA, 2008). Os pressupostos teóricos e os princí-
pios da abordagem funcionalista estão relacionados com a visão de que a estru-
tura ou o sistema da língua são determinados pelas funções que têm de exercer
nas situações de comunicação na sociedade.

114 • capítulo 5
Vamos abordar o Funcionalismo em sua vertente europeia e norte-americana.
O Funcionalismo europeu tem suas raízes nas análises funcionais do
Círculo Linguístico de Praga, que foi fundado no ano de 1926 e deu origem à
Escola Linguística de Praga. Embora a escola de Praga seja inspirada numa tra-
dição formalista e estruturalista, oposta ao Funcionalismo, nela foram desen-
volvidas pesquisas na direção do funcionalismo.
O Funcionalismo europeu destaca-se por sua contribuição para o estudo do
fonema, das funções da linguagem e da análise gramatical ou da chamada pers-
pectiva funcional da sentença.
Alguns nomes da Escola Linguística de Praga, como Roman Jakobson,
Nikolaj Trubetzkoy e Wilhem Mathesius, são referências importantes nos es-
tudos linguísticos de orientação funcionalista. A contribuição dessa corrente
linguística é mais expressiva na fonologia, com a definição do fonema e das
suas funções. Também é conhecida a associação que alguns membros da esco-
la de Praga fizeram entre as ideias de Saussure e as do psicólogo vienense Karl
Bühler. Daí resultou o esquema das funções da linguagem, desenvolvido por
Jakobson (RODRIGUES; SANTOS, 2008, p. 284).

Nas funções da linguagem, Jakobson identificou seis ênfases ou funções no uso da


língua a partir dos elementos do processo de comunicação. Assim, se a ênfase ou des-
taque na comunicação recai sobre o emissor, tem-se a função expressiva ou emotiva.
Se o destaque é dado ao receptor: função conativa ou apelativa. Quando sobressai o
código: função metalinguística. Se o destaque é o canal ou meio: função fática. No caso
do referente receber mais atenção: função referencial. Por último, a ênfase na mensa-
gem corresponde à função poética.

Além dos estudos sobre o fonema e acerca das funções da linguagem, os


linguistas de Praga propuseram uma análise gramatical que ficou conhecida
como perspectiva funcional da sentença, principalmente por influência de
Mathesius.
Vamos exemplificar esse tipo de análise gramatical a partir das sentenças a
seguir:

a) Fernanda chegou hoje pela manhã;


b) Hoje pela manhã Fernanda chegou.

capítulo 5 • 115
Observe que A e B são versões diferentes da mesma sentença. A ordem das
palavras nas duas sentenças varia porque ela pode ser determinada por uma
situação de comunicação específica. Assim, se tenho a pergunta "Quem che-
gou?" ou "Fernanda chegou?", posso responder conforme consta em (A). Se a
pergunta for "Quando Fernanda chegou?", uma resposta possível é o que en-
contro em (B). Também devemos considerar que em (B) se pressupõe alguma
informação ou algum dado já conhecido e uma informação nova.
O conceito que está presente na perspectiva funcional da sentença é que
"certas partes do que é dito carregam mais informação nova do que outras, e
isso é refletido na maneira como os enunciados são organizados". Assim, há
uma parte denominada tema que tem menos informação e dinamicidade, e ou-
tra parte chamada rema que é mais dinâmica. O tema ou o tópico é o assunto
da sentença ou enunciado, e o rema é o comentário ou enunciação, ou seja, o
que se diz do tema. Dito de outra forma: o tema é aquilo que já se sabe ou parece
óbvio e o rema é a informação nova ou o que é acrescentado.
Retomando nosso exemplo, se ao responder à pergunta "Quando Fernanda
chegou?" eu digo "Fernanda chegou hoje pela manhã" ou "Hoje pela manhã
Fernanda chegou", o rema corresponde à informação nova "hoje pela manhã",
enquanto o tema tem a ver com a informação, já conhecida, de que "Fernanda
chegou" (RODRIGUES; SANTOS, 2008, p. 284).
A contribuição dos estudos funcionalistas de Mathesius em relação à pers-
pectiva funcional da sentença tiveram bastante influência. Aliás, podemos
identificar na abordagem do fenômeno da pressuposição em algumas corren-
tes linguísticas essa contribuição.
Vamos tratar agora do Funcionalismo fora do contexto europeu abordando
brevemente os estudos funcionalistas nos Estados Unidos.
O Funcionalismo norte-americano teria um antecedente na tendência para
o funcionalismo encontrada no linguista Edward Sapir e no seu entendimento
de que "a língua é indissociável da cultura do povo que a fala" (RODRIGUES;
SANTOS, 2008, p. 286). No entanto, os estudos funcionalistas se estabelecem em
meados dos anos 1970, com destaque para a publicação The Origins of Syntax in
Discourse, texto pioneiro de Gillian Sankoff e Penelope Brown, em 1976.
Contrária à forte influência dos gerativistas nos Estados Unidos, os funcio-
nalistas norte-americanos não consideravam pertinente "fazer análise sintáti-
ca de exemplos sem tomar por base tanto o contexto linguístico como a situa-
ção extralinguística" (RODRIGUES; SANTOS, 2008, p. 286).

116 • capítulo 5
Desse modo, a sintaxe estaria vinculada a outras competências comunicati-
vas, pois haveria uma forte vinculação entre discurso e gramática. A sintaxe ou
a ordem de uma frase apresentam determinada forma "em razão de estratégias
de organização da informação empregas pelos falantes no momento da intera-
ção discursiva" (CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2003, p. 163).

5.4.1  Princípios do Funcionalismo norte-americano: iconicidade e


gramaticalização

No Funcionalismo norte-americano, vamos destacar, primeiramente, o princí-


pio da iconicidade, que pode ser "definido como a correlação natural e moti-
vada entre forma e função, isto é, entre o código linguístico (expressão) e seu
significado (conteúdo)". A ideia é que a "estrutura da língua reflete, de algum
modo, a estrutura da experiência", ou seja, um ícone espelharia a relação direta
entre forma e significado, daí que a iconicidade corresponde à relação entre a
forma da língua e sua função ou seu significado (CUNHA, 2008).
Diferentemente do que defendia Saussure, no lugar da arbitrariedade do signo
linguístico haveria uma motivação na relação entre a forma e o significado, como
a motivação fonológica encontrada em onomatopeias (ping-pong, tic-tac, Bem-te-
vi); a motivação morfológica dos afixos na formação de palavras (prendedor, venti-
lador, aromatizador); e a motivação semântica, como em guarda-chuva e beija-flor.
Outro princípio do Funcionalismo norte-americano é a gramaticalização,
que pode ser entendida como um processo de mudança linguística caracteriza-
do pela transição de um item lexical para um item gramatical.
Assim, uma palavra pode ter seu conteúdo semântico alterado em função de
seu sentido lexical ter sua importância diminuída diante do seu significado gra-
matical. Um exemplo seria a evolução semântica do advérbio "embora" ("em boa
hora" - com o sentido de ir em boa hora ou num momento propício) para a conjun-
ção concessiva "embora" (como na frase "Ele foi trabalhar, embora esteja doente!").

5.4.2  Língua: visão formalista e visão funcionalista

A partir das contribuições do funcionalismo e considerando tudo que foi visto


a respeito dos estudos linguísticos vinculados a outras correntes ou tendências
teóricas, podemos sintetizar a abordagem ou concepção de linguagem em duas
visões distintas da língua: a formalista e a funcionalista.

capítulo 5 • 117
Se considerarmos que os estudos linguísticos, ao longo do século XX, foram
caracterizados por três noções básicas – sistema, estrutura e função – podemos
afirmar que aí estão identificados três modelos básicos na abordagem dos fe-
nômenos linguísticos: o Estruturalismo, o Gerativismo e o Funcionalismo. O
estruturalismo (Saussure) e o Gerativismo (Chomsky) vinculam-se a uma tra-
dição formalista, enquanto o Funcionalismo integra a visão funcionalista da
língua.
Na tradição formalista, os dois modelos apresentam distinções "na medi-
da em que o Estruturalismo postula a língua como uma estrutura composta de
diferentes construções, enquanto que o Gerativismo se prende à forma como
a linguagem é adquirida". Os dois modelos da tradição formalista, por sua vez,
distinguem-se da visão funcionalista porque a abordagem formalista não está
preocupada com aspectos das estruturas ou dos sistemas linguísticos numa de-
terminada situação social (BANDEIRA, s/d, p. 38).
Embora as abordagens formalistas tenham importantes distinções entre si
e o formalismo nem sempre signifique a mesma coisa em todas essas visões,
podemos dizer que no formalismo privilegia-se a estrutura interna da língua e
no funcionalismo procura-se relacionar os aspectos linguísticos com o social
(RODRIGUES; SANTOS, 2008, p. 253).
Numa comparação que tem lá suas limitações, podemos admitir que os
formalistas, como Chomsky, "tendem a observar a linguagem principalmente
como fenômeno mental", enquanto os funcionalistas, como Halliday, "tendem
a percebê-la como um fenômeno social". Assim, comparando as duas aborda-
gens, é possível concluir que os "formalistas estudam a linguagem como um
sistema autônomo, enquanto os funcionalistas a estudam na relação com sua
função social" (RODRIGUES; SANTOS, 2008, p. 254-255).
Na perspectiva funcionalista, a língua é concebida como "forma de intera-
ção social realizada por meio de enunciações", constituindo-se num produto
sócio-histórico. Vale lembrar que essa concepção de língua como interação so-
cial tem grande influência nos estudos linguísticos das últimas décadas, o que
se pode notar nas teorias da variação linguística, na pragmática e na análise do
discurso, abordagens linguísticas que "adotam o princípio de que a linguagem
é ação e não meramente instrumento de comunicação" (RODRIGUES; SANTOS,
2008, p. 254).

118 • capítulo 5
Desse modo, a visão ou concepção funcionalista da linguagem considera a
língua sob uma perspectiva interacional, incorporando "as intenções comuni-
cativas dos interlocutores às descrições" sobre a estrutura ou funcionamento
da língua. A linguagem, então, é concebida como "instrumento de interação
verbal" nos contextos sócio-históricos (SOUZA, 2012, p. 12).
Sintetizando as diferenças entre formalismo e funcionalismo, teremos o se-
guinte quadro baseado em Rodrigues e Santos (2008, p. 255):

ASPECTOS FORMALISMO FUNCIONALISMO

Signo, sistema de regras es- Atividade sócio-histórica,


tático, transparente, determi- opaca, indeterminada, he-
nada, a-histórica, homogê- terogênea.
CONCEPÇÃO nea; Usada também para reali-
DE LÍNGUA Usada para descrever o mun- zar ações sobre o mundo
do; ou outros falantes;
Atos de dizer. Atos de fazer.

Dimensão gramatical: des-


UNIDADE DE crição e explicação do níveis Função que a língua exer-
ANÁLISE fonológico, morfológico e sin- ce em contexto
tático

A competência linguística; A competência sócio-co-


O papel do código na comu- municativa;
nicação; A análise de ações perfor-
OBJETO DE As regularidades nas combi- mativas dos usuários com
ESTUDO nações dos constituintes; um objetivo específico e
A identificação de enuncia- em determinados contex-
dos bem formados ou não. tos.

capítulo 5 • 119
ATIVIDADES
01. Se levarmos em conta que “aipim”, “mandioca” e “macaxeira” podem designar a mesma coisa,
em regiões diferentes, é possível afirmar que tal fenômeno linguístico diz respeito ao fato de
a) a língua não apresentar variações linguísticas.
b) a relação entre significante e significado ser motivada, ou seja, a relação nunca é arbi-
trária ou convencional.
c) um mesmo significado poder corresponder a diversos significantes, no caso, evidencian-
do a variação diatópica.
d) um significante sempre possuir um único significado.
e) um significado nunca corresponder a mais de um significante.

02. Considere o texto a seguir

Mandioca: mais um presente da Amazônia


Aipim, castelinha, macaxeira, maniva, maniveira. As designações da Manihot utilissima
podem variar de região, no Brasil, mas uma delas deve ser levada em conta em todo o terri-
tório nacional: pão-de-pobre – e por motivos óbvios.
Rica em fécula, a mandioca – uma planta rústica e nativa da Amazônia disseminada no
mundo inteiro, especialmente pelos colonizadores portugueses – é a base de sustento de muitos
brasileiros e o único alimento disponível para mais de 600 milhões de pessoas em vários pontos
do planeta, e em particular em algumas regiões da África. (O melhor do Globo Rural, fev. 2005).

De acordo com o texto, há no Brasil uma variedade de nomes para a Manihot utilissima,
nome científico da mandioca. Esse fenômeno revela que
a) A planta é nomeada conforme as particularidades que apresenta, recebendo diversos
nomes porque se trata de uma planta diferente em cada caso e, ainda, porque não é
comum uma língua possuir mais de um nome para uma mesma planta ou ingrediente.
b) Mandioca é o nome específico para a planta que existe somente na Amazônia, sendo os
demais nomes designações para outro tipo de planta.
c) Existem variedades regionais para nomear uma mesma espécie de planta, exemplifican-
do a ocorrência da variação linguística.
d) Os nomes designam espécies diferentes da planta, conforme a região, confirmando a
uniformidade da língua portuguesa.
e) A expressão “pão-de-pobre” confirma a uniformidade da língua, demonstrando a unida-
de e não variação da língua portuguesa.

120 • capítulo 5
03. Leia o poema a seguir:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
(Oswald de Andrade)

Pode-se afirmar corretamente que o poema evidencia:


a) A existência de variedades linguísticas no português falado no Brasil.
b) A uniformidade da língua portuguesa no Brasil.
c) Uso idêntico da língua portuguesa por parte das diferentes classes ou segmentos sociais.
d) O emprego pronominal dentro da norma padrão por todos os falantes brasileiros.
e) O uso idêntico da modalidade oral e escrita da língua, não havendo variação nesse uso.

04. Conforme Luiz Carlos Cagliari, “Certo e errado são conceitos pouco honestos que a so-
ciedade usa para marcar os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para revelar
em que consideração os tem... Essa atitude da sociedade revela seus preconceitos, pois mar-
ca as diferenças linguísticas com marcas de prestígio ou estigma”. Essas marcas de prestígio
ou estigma consideram como parâmetro ou base do falar correto:
a) a norma padrão;
b) a língua falada na periferia dos grandes centros;
c) os falares rurais;
d) a língua falada pelas classes sociais desfavorecidas;
e) a valorização das variações, ou seja, de todo uso da língua.

05. Os pressupostos teóricos do Funcionalismo estão relacionados com


a) uma abordagem formal da língua.
b) a visão de que a estrutura da língua é determinada pelas funções que têm de exercer
nas situações de comunicação na sociedade.

capítulo 5 • 121
c) a abordagem formalista, que não confere importância aos aspectos das estruturas lin-
guísticas numa determinada situação social.
d) a aceitação integral das ideias do Estruturalismo e do Gerativismo.
e) análises formais da língua encontradas em Saussure.

REFLEXÃO
No estudo da Sociolinguística e da abordagem do Funcionalismo, você deve ter percebido o
valor atribuído ao contexto e aos aspectos sociais no uso da língua, em oposição às aborda-
gens apresentadas anteriormente e vinculadas ao Estruturalismo e ao Gerativismo. Entretan-
to, isso não quer dizer que os formalistas, como Saussure e Chomsky, negavam que a língua
tenha funções sociais e cognitivas. Na verdade, uma importante diferença entre formalistas
e funcionalistas se resume no fato de que as funções sociais para os formalistas não interfe-
rem no sistema da língua nem constituem objeto de estudo da Linguística. Os funcionalistas,
por sua vez, não negam a forma, mas compreendem que a língua é mais do que sequência
de unidades linguísticas, já que seu uso implica o contexto social. Tudo isso nos mostra que
as duas abordagens se situam, em algum grau, em polos opostos. Temos, então, uma visão
dicotômica da língua que deveria ser superada por uma visão holística, integrando forma e
função; individual e social; sujeito e objeto; subjetivo e objetivo, entre outros aspectos distin-
tos, mas não necessariamente opostos.

LEITURA
Leia o artigo “O conceito de erro em Língua”, de Ernani Terra, e confira algumas implicações
da abordagem sociolinguística em relação ao uso da língua e a correção gramatical. Disponí-
vel em: http://benditalingua.blogspot.com/2013/03/o-conceito-de-erro-em-lingua-ernani.
html

122 • capítulo 5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTILHO, A. T. de. Variação linguística, norma culta e ensino da língua materna. In: Subsídios à
proposta curricular de língua portuguesa para o 1º e 2º graus – Coletânea de textos, vol. I. São
Paulo, SEE-SP/ Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1988.
CUNHA, Maria Angélica da; OLIVEIRA, Mariângela Rios de; e MARTELOTTA, Mário Eduardo (orgs.).
Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP & A, 2003.
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria
Angélica Furtado da Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org)
Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003.
PRETI, D. Sociolinguística, os níveis de fala: um estudo do diálogo sociolinguístico na literatura
brasileira. São Paulo: Edusp, 2003.
RODRIGUES, Jan E.; SANTOS, Maria L. M. dos. Teorias linguísticas II. UFPB, 2008.
SOUZA, Edson R. de. Apresentação. In: SOUZA, E. R. (org.). Funcionalismo linguístico 1: Novas
tendências teóricas. Campinas: Contexto, 2012
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo:
Cortez, 2003.

GABARITO
Capítulo 1

01. B. As afirmativas I e III estão corretas. As afirmativas II e IV estão incorretas porque a


língua é a linguagem humana específica baseada na palavra, correspondendo à linguagem
verbal (escrita ou oral) e o termo linguagem corresponde a toda forma de expressão, comuni-
cação e interação humana por meio de signos ou sinais (visuais, sonoros, gráficos, espaciais,
gestuais etc.).
02. A. As opções B, C, D e E estão incorretas porque não relacionam a linguagem verbal
com a escrita e a fala, ou seja, com o uso da palavra.
03. A. A opção B está incorreta porque corresponde à característica da produtividade. A
opção C está errada porque diz respeito à arbitrariedade. As alternativas D e E estão in-
corretas porque correspondem à dupla articulação. Assim, a opção A deve ser marcada por
trazer elementos que correspondem à característica da língua denominada "independência
de estímulo".

capítulo 5 • 123
04. A resposta deve ser pessoal e elaborada a partir do filme "O enigma de Kaspar Hauser"
e do texto proposto no enunciado da questão. Alguns elementos, no entanto, devem constar
na reflexão sobre a questão:
Não basta termos as condições fisiológicas ou genéticas para adquirirmos e aprender-
mos a língua, é preciso, também, a interação e o convívio social. A linguagem é um fato social
e está determinada pelas condições sociais e culturais. Sem cultura, não há linguagem; e
sem linguagem não há cultura.
05. O enunciado da questão está relacionado com a concepção de linguagem como ex-
periência ou forma de interação. Essa concepção também é denominada interacionista ou
sociointeracionista.
As características ou principais aspectos dessa concepção são: Ao utilizar a língua, o
indivíduo realiza ações, age sobre o interlocutor; a linguagem é entendida como lugar de
interação humana; o diálogo é uma forma privilegiada; existe valorização do contexto dos
usuários da língua; a unidade básica de análise é o enunciado.

Capítulo 2

01. E. A Linguística possui um estatuto científico, por isso ela pode ser considerada um
estudo científico da linguagem, mas não de toda e qualquer linguagem humana. Há pelo
menos três aspectos ou requisitos que apontariam para o estatuto científico da Linguística:
o estabelecimento de um objeto (de estudo) próprio; o uso de metodologia rigorosa em vez
de ter um caráter intuitivo ou especulativo e, finalmente, seu caráter descritivo e analítico, em
vez de prescritivo.
02. C. As alternativas A e D estão incorretas porque a Linguística surge no começo do sé-
culo XX a partir dos estudos de Ferdinand Saussure. A alternativa B está incorreta porque a
Linguística estuda a linguagem de forma não normativa. A alternativa E está incorreta porque
a Linguística se detém no estudo da linguagem verbal.
03. C. A alternativa A está incorreta porque as características de cada modalidade de gra-
mática estão invertidas. A alternativa B está incorreta porque, ao final, afirma equivocada-
mente que não é do interesse da gramática descritiva explicar o funcionamento da língua. A
alternativa D está incorreta porque ignora a publicação dos estudos linguísticos ou as gramá-
ticas descritivas publicadas em forma de livros. A alternativa E está incorreta porque, ao final,
afirma erroneamente que a gramática descritiva se distingue pelo trabalho de prescrição, ou
seja, atribui erroneamente à gramática descritiva o trabalho de estabelecer normas (pres-
crição). Finalmente, a alternativa C é a resposta correta por apresentar uma caracterização
adequada da diferença entre os dois tipos de gramática

124 • capítulo 5
04. D. Resolução: As opções A, B, C e E estão incorretas porque são justamente caracterís-
ticas da gramática normativa. A opção D está correta porque traz uma característica que não
é a da gramática normativa, mas, antes, da gramática descritiva.
05. E. A Linguística, desde sua origem, pode ser caracterizada como uma disciplina ou co-
nhecimento científico da linguagem, especificamente, das línguas naturais.

Capítulo 3

01. A abordagem é diacrônica, pois considera aspectos da língua ao longo do tempo, numa
perspectiva da evolução ou mudança da língua.
02. A. As alternativas B, D e E estão incorretas porque correspondem exatamente ao con-
trário da relação paradigmática. A alternativa C está incorreta porque não tem qualquer re-
lação com o fato de associar palavras ou estabelecer alternativas. A reposta correta é a
opção A porque o paradigma é o conjunto de unidades suscetíveis de aparecer num mesmo
contexto e a relação paradigmática consiste em palavras que oferecem algo de comum e que
se associam na memória.
03. B. A palavra manga ocorre nas duas frases com o mesmo significante (forma), mas com
sentidos (significado) diferentes.
04. B. Conforme Ferdinand Saussure, a arbitrariedade do signo linguístico corresponde à
uma convenção ou relação não causal entre a forma de uma palavra e o seu significado.
Assim, a arbitrariedade refere-se à relação não motivada ou sem causa e efeito entre o sig-
nificante e o significado.
05. E. A Linguística possui um estatuto científico, por isso ela pode ser considerada um
estudo científico da linguagem, mas não de toda e qualquer linguagem humana. Há pelo
menos três aspectos ou requisitos que apontariam para o estatuto científico da Linguística:
o estabelecimento de um objeto (de estudo) próprio; o uso de metodologia rigorosa em vez
de ter um caráter intuitivo ou especulativo e, finalmente, seu caráter descritivo e analítico, em
vez de prescritivo.

Capítulo 4

01. B. A opção A está incorreta porque o processo de aquisição da linguagem não se ca-
racteriza por uma consciência da criança em relação aos fatos linguísticos. A opção C está
incorreta porque o input passa por uma filtragem. A opção D está errada porque o input cor-
responde aos dados que a criança é exposta. A opção E está incorreta porque a gramática
universal tem relação com a filtragem do input.

capítulo 5 • 125
02. A. A opção B está incorreta porque, na verdade, a competência refere-se à linguagem
no sentido do que constitui a capacidade para falar uma língua e o desempenho, por outro
lado, refere-se às expressões produzidas pelos usuários da língua. A opção C está incorreta
porque a estrutura de uma língua não é afetada quando seus falantes fazem erros ao falar,
assim como uma sinfonia não é afetada quando não é bem executada. A opção D está incor-
reta porque uma pessoa que aprendeu uma língua — diz Chomsky — adquiriu um sistema de
regras que relacionam som e significado de um certo modo específico. Por outras palavras,
ela adquiriu certa competência que coloca em uso na produção e compreensão da fala. A
opção E está errada porque os conceitos de competência e desempenho não têm correspon-
dência com o estudo ou enfoque da língua ao longo do tempo (diacronia) e num determinado
estágio ou fase (sincronia).
03. A competência é a capacidade para adquirir e falar uma língua, e o desempenho é o uso
ou a prática dessa competência.
04. Você pode apresentar várias características do empirismo e do behaviorismo e explicitar
as diferenças em relação ao racionalismo.Basicamente, podemos afirmar que o empirismo
entende que o conhecimento é derivado da experiência. O behaviorismo, que se insere no
empirismo, pois é uma teoria derivada da corrente empirista, entende que é possível pre-
dizer e controlar o comportamento verbal na aquisição da linguagem. O racionalismo é a
corrente de pensamento que afirma o prestígio da razão, postula como base suficiente para
compreender e explicar a realidade, a razão e sua capacidade de conhecimento. Para os ra-
cionalistas, o processo de aquisição não se dá apenas pelas variáveis externas (experiência).
A aquisição da linguagem se daria a partir de uma predisposição inata (inatismo), além da
exposição a um meio ou ambiente linguístico.
05. Conforme a teoria de Chomsky, podem ser consideradas “gramaticais” as frases 1, 2,
4 e 5. Conforme a gramática escolar ou normativa, não são gramaticais as frases 1, 2 e 3.
Assim, somente as frases 4 e 5 seriam consideradas gramaticais dentro da norma padrão ou
da gramática normativa ou escolar.

Capítulo 5

01. C. “Aipim”, “mandioca” e “macaxeira” são palavras que constituem exemplo de vários
significantes correspondendo a um único significado. Por isso, a opção C deve ser marcada,
já que vários significantes podem estar relacionados a um mesmo sentido (como acontece
também com “abóbora” e “jerimum”). A opção A está incorreta porque “aipim”, “mandioca” e
“macaxeira” também são exemplos de variação linguística. A opção B está incorreta porque
a relação entre significante e significado é arbitrária, é imotivada. Por isso mesmo, para um

126 • capítulo 5
mesmo significado, há vários significantes. A opção D está incorreta porque um significante
pode ter vários significados (daí que há o sentido conotativo e o fenômeno da polissemia). A
opção E está incorreta porque um significado pode corresponder a vários significantes, como
é o caso do exemplo dado no próprio enunciado da questão.
02. C. A variedade de nomes para a mesma planta revela a existência da variação linguística,
mais especificamente, a variação produzida pelos regionalismos.
03. A. O poema contrapõe uma construção (“Dê-me”), considerada gramatical, a outra cons-
trução (“Me dá”) considerada agramatical, de acordo com a norma culta. Essa diferença evi-
dencia o fato de que a língua falada no Brasil apresenta variedades, não havendo uniformi-
dade da língua portuguesa falada.
04. A. Certo e errado, prestígio e estigma são extremos que a sociedade usa para classificar
as variações linguísticas. O parâmetro, a base para isso é a norma-padrão que produz tam-
bém a sua variedade, que é a usada pela elite e, por isso, é mais prestigiada e mais conside-
rada “certa” do que as demais.
05. B. O Funcionalismo vincula-se a uma tradição que é distinta do formalismo ou da abor-
dagem formal da língua. Portanto, nem o Estruturalismo nem o Gerativismo fazem parte dos
pressupostos teóricos do Funcionalismo, assim como as ideias de Saussure não são a base
do Funcionalismo.

capítulo 5 • 127
ANOTAÇÕES

128 • capítulo 5

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