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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

LIDIETH YORLENI ALPÍZAR BARQUERO

O ATOR E O DIRETOR NO PROCESSO COLABORATIVO: EXPERIÊNCIAS DE


CRIAÇÃO NAS ARTES CÊNICAS NA COSTA RICA (2012-2013)

CAMPINAS

2015
LIDIETH YORLENI ALPÍZAR BARQUERO

O ATOR E O DIRETOR NO PROCESSO COLABORATIVO: EXPERIÊNCIAS DE


CRIAÇÃO NAS ARTES CÊNICAS NA COSTA RICA (2012-2013)

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós- Graduação em Artes da Cena do
Instituto de Artes da Universidade Estadual
de Campinas para obtenção do título de
Mestra em Artes da Cena.

Área de Concentração: Teatro, Dança e


Performance.

ORIENTADOR: MARIO ALBERTO DE SANTANA

___________________________________

Este exemplar corresponde à versão final da


dissertação defendida pela aluna Lidieth
Yorleni Alpízar Barquero e orientada pelo
prof. Dr. Mario Alberto de Santana.

CAMPINAS

2015
Agradecimentos

Agradeço ao meu orientador, Dr. Mário Santana, por acolher o projeto e me guiar em
cada passo. Muito obrigada pela entrega, paciência, compromisso e orientação no
meu processo de aprendizagem.

Agradeço aos atores Janko Navarro, Oscar González e Felipe González, e aos
diretores David Korish e Leonardo Sebiane. Muito obrigada pela confiança, apoio,
amizade, inspiração e companhia.

Agradeço às instituições
Organização de Estados Americanos (OEA), por financiar meus estudos no Brasil.
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), por me acolher.

Agradeço aos professores no Brasil


Dr. Rafael Ary (UFSC), Dr. Fernando Azevedo (USP), Dra. Ana Cristina Colla
(UNICAMP), Dra. Verônica Fabrini (UNICAMP), Dra. Silvia Fernandes (USP), Dr.
Renato Ferracini(UNICAMP), Dra. Daniela Gatti (UNICAMP), Dr. Antônio Januzelli
(USP), Dra. Isa kopelman (UNICAMP), Dr. Marcelo Lazzaratto (UNICAMP). Dra.
Gina Monge (UNICAMP), Dra. Grácia Navarro (UNICAMP) Dr. Leonardo Sebiane
(UFBA), Dra. Nitza Tenemblat (UnB) e Dra. Rosyane Trotta (UNIRIO).

Agradeço aos professores na Costa Rica


M.F.A Roxana Ávila (UCR), Msc. Siany Bermudez (UCR), Dra. María Bonilla
(UCR), Dra. Patricia Fumero (UCR), M.F.A Andrea Gómez (TEC), M.F.A David
Korish (UNA), Dr. Janko Navarro (UNA), Msc. Vivian Rodríguez (UCR), Dra. Erika
Rojas (UCR), Msc Paula Rojas (UNA), M.A Manuel Ruiz (UCR), M.A Gina Sandí
(UNA), Dra. Tatiana Sobrado (UCR), Dra. Maritza Toruño (UCR) e Lic. Fernando
Vinocour, (UCR).

Agradeço especialmente aos meus amigos e amigas, por ter sido minha rede de afeto,
conselho, apoio, companhia, paciência, oração, risadas, luz e carinho.

No Brasil
Cintia Alireti, Rafael Ary, Vinicius Carvalhaes, Viviane Drumond, Vânia Eger,
Fernanda Januzelli, Carlos Jiménez, Ana María Kernick, Paula Linhares, Daniel
López, Gina Monge, Neusa Monteiro, Camila Morosini, Aline Olmos, Laura Riba,
Leonardo Sebiane e Daniely Viveiros.

Na Costa Rica
Sebastián Araya, Silvia Arce, Angie Barrantes, Goretti Dañobeitia, Vanessa De la O,
Marta Madrid, Andrea Mata, Manuel Monestel, Jose Montero, Rocío Quillis, Flor
Rodriguez, Tatiana Sobrado, Marlen Vega e Hilma Villalobos.

Agradeço à Paula Guerreiro, por acolher com carinho e profissionalismo a revisão da


dissertação. Agradeço às minhas irmãs Alicia Alpízar e Ivannia Alpízar, por cuidarem
de nossos pais na minha ausência. Agradeço à minha mãe, Isabel Barquero, e ao meu
pai, Iván Alpízar, pela vida, apoio e o amor incondicional. Agradeço a Leandro
Gaspareti, por abrasileirar meu coração.
Agradeço ao tempo.
RESUMO

Estudo sobre a função do ator e do diretor no processo de criação de dois


espetáculos da Costa Rica: Manuales de (in) seguridad (2012) e El Patio
(2013). A pesquisa está fundamentada nos estudos sobre experiências de
grupos de teatro brasileiros que, desde inícios da década de 1990, exercem
seus modos de criação a partir da prática do Processo Colaborativo. A análise
mostra convergências entre as experiências de criação da Costa Rica com
aspectos do Processo Colaborativo, que permitem observar, no teatro atual
costarriquenho, processos de transculturación do discurso do teatro brasileiro
contemporâneo.

Palavras
Ator; diretor; processo colaborativo; artes cênicas; Costa Rica; Brasil
ABSTRAC

This thesis explores the roles and relationship of actors and directors in
two Costa Rican productions: Manuales de (in) seguridad (2012) and El
Patio (2013). It is based on Brazilian theatre experiences that worked with
the method Processo Colaborativo (collaborative process), which first
started in the 1990s. This study reveals convergence between the creation
process of the Costa Rican productions and aspects of Processo
Colaborativo. The results conclude that processes of transculturation are
taking place in current Costa Rica theatre, which allows for an
interpretation of it being strongly influenced by contemporary Brazilian
theatre.

Words
Actor; director; processo colaborativo; performing arts; Costa Rica; Brazil
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................09

CAPÍTULO I

1. PROCESSO COLABORATIVO..................................................................14
1.1 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO NO BRASIL..........................18
1.1.1 Definição das funções...................................................................31
1.1.2 Organização horizontal................................................................31
1.2 INFLUÊNCIAS DA PERFORMANCE ART NA CRIAÇÃO
COLETIVA............................................................................................... 32
1.2.1 Performance Art............................................................................33
1.2.2 Criação Coletiva...........................................................................41
1.3 O DIRETOR E O ATOR NO PROCESSO COLABORATIVO..............50
1.3.1 O diretor........................................................................................52
1.3.2 O ator.............................................................................................55

CAPÍTULO II

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEATRO COSTARRIQUENHO


CONTEMPORÂNEO..................................................................... ..............62
2.1 O PROCESSO COLABORATIVO NA COSTA RICA............................78
2.2 PRÁCTICAS HETERODOXAS..................................................................85
2.2.1 Abya Yala (1991) .........................................................................88
2.2.2 Núcleo de Experimentación Teatral (1992) ..............................89
2.2.3 Praticas cênicas tradicionais: modelo oficial.............................91
2.3 EXPERIÊNCIAS CÊNICAS DE PROCESSO COLABORATIVO NA
COSTA RICA NO PERÍODO 2012-2013.................................................94
2.3.1 Procedimento metodológico...........................................................98
2.3.1 Manuales de (in) seguridad (2012) ............................................103
2.3.2 El Patio (2013) ............................................................................117

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................131

4. BIBLIOGRAFIA..................................................................................................135
9

INTRODUÇÃO

Criar em coletivo é um principio intrínseco às práticas teatrais em geral. No entanto,


modos de organização como o teatro de grupo têm acentuado o valor da coletividade como
princípio metodológico para a criação de espetáculos.
Na América Latina, os grupos de teatro que integraram, nos seus processos artísticos,
fases de reflexão, crítica, análise e difusão de seus próprios procedimentos de criação em
coletivo favoreceram a conformação de termos e conceitos que sistematizam as experiências
em modos específicos de criar coletivamente. Alguns desses termos são descritos como
“métodos”, conforme acontece com a Criação Coletiva enquanto outros são entendidos como
“modos de criação”, como sucede com o Processo Colaborativo.
Desta maneira, adoto, para a presente pesquisa, a palavra “método” como referência
ao conjunto de procedimentos criativos - organizados numa ordem específica -, para ser
aplicado por grupos diferentes. Já a expressão “modo de criação” corresponde à sequência de
procedimentos criativos solicitada por um determinado projeto, ou seja, à criação de um
método próprio, que pode ter princípios comuns ao modo como, em outros projetos ou grupo
diferentes, o coletivo executa seu método.
O meu processo de formação artística iniciou no Conservatorio Castella1, obtendo o
grau de técnico em teatro no ano 2000. Posteriormente, em 2006, obtive o grau de
bacharelado em teatro na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica e, em
2009, o nível de licenciatura em Artes Escénicas na Universidad Nacional. Durante todo o
processo de formação acadêmica e prática professional em teatro, meu interesse tem estado
centrado no trabalho como atriz e diretora.
Assim, considero importante mencionar que a experiência como integrante do grupo
Teatro Punto Cero, de 2003 a 2006, permitiu-me entrar em contato com a cultura de teatro de
grupo e explorar - em alguns de seus espetáculos - as funções de atriz e assistente de direção
em uma dinâmica de criação em coletivo.
Naquele tempo, considerava que o compromisso de pertencer a um único grupo de
teatro fosse dificultar o meu desejo e necessidade de desenvolver projetos artísticos com
outros artistas e explorar diversas linguagens cênicas. Em 2006, então, decidi sair do grupo
Teatro Punto Cero e continuar com minha própria busca artística.

1
O Conservatorio Castella é uma instituição pública do Ministerio de Educación de Costa Rica (MEP),
especializada na educação formal em artes no nível de primeiro e segundo grau do ensino básico.
10

Durante o período de “peregrinação” (2006-2010), descobri que outros artistas


costarriquenhos da minha geração também estavam atravessando esse mesmo terreno de
busca e desejo de trabalhar em projetos com artistas diferentes. Queriam, pois, criar a partir da
noção de uma rede de colaboradores, que defino como o conjunto de núcleos de artistas que
empreendem processos criativos específicos.
Desta maneira, parto da premissa de que núcleos de artistas são grupos de teatro
constituídos por uma ou duas pessoas que exercem a função de encaminhar projetos artísticos
nos aspectos da produção - financiamento, difusão, participação em festivais, entre outros - e,
no encontro com integrantes de outros núcleos de artistas, empreendem projetos artísticos
específicos. Embora seja possível que essas mesmas uniões de artistas sejam repetidas em
projetos posteriores, tal reincidência não significa que estejam organizados como um único
grupo.
Por conseguinte, com base na noção de rede de colaboradores, em março de 2010,
decidi criar o grupo Teatro Oshún, ao qual, mais tarde, uniu-se a dançarina e antropóloga
social Vanessa de la O. Nosso propósito é ser um núcleo de artistas que cria com outros
núcleos de artistas.
Em agosto de 2012, Teatro Oshún estreou seu segundo espetáculo, chamado Manuales
de (in) seguridad, em que participei como atriz e produtora. Considero que a experiência em
Manuales de (in) seguridad é a base geradora das perguntas e desejos que norteiam a presente
pesquisa, dado que foi nos períodos de pesquisa teórica do processo criativo que tive os
primeiros contatos com os estudos sobre Processo Colaborativo. Algumas dessas questões
foram: Quais são os aspectos fundamentais de um Processo Colaborativo? Como atores e
diretores criam em Processo Colaborativo? Como é entendido e exercido o Processo
Colaborativo nas práticas teatrais da Costa Rica?
Desta maneira, selecionei o espetáculo Manuales de (in) seguridad como objeto de
estudo, dado que representa a possibilidade de me aproximar de um campo teórico pelo viés
da experiência prática. O foco de análise está delimitado ao modo de criação dos atores e
diretor durante o processo criativo.
Por outra parte, em outubro de 2013, foi a estreia do espetáculo El Patio, do grupo
costarriquenho Abya Yala (1991), que corresponde à produção número vinte e oito do grupo.
Por meio de diálogos informais com o diretor David Korish e o ator Janko Navarro,
observei que o processo de criação de El Patio compartilhava características semelhantes ao
processo de Manuales de (in) seguridad. Portanto, decidi selecioná-lo como o segundo objeto
11

de estudo, a fim de entender o modo de criação que atores e diretor exerceram durante o
processo criativo da peça.
Assim, a presente pesquisa tem como objetivo identificar aspectos de Processo
Colaborativo presentes no modo de criação dos atores e diretores de Manuales de (in)
seguridad e El Patio.
Foram usadas, como instrumento de análise, as catorze linhas de força fundamentais
do Processo Colaborativo2 propostas por Antônio Araújo, diretor do grupo Teatro da
Vertigem, e um dos principais teóricos do termo Processo Colaborativo nos estudos teatrais
brasileiros contemporâneos. As catorze linhas de força são:
1) Atitude cultural e propositiva;
2) Vontade e capacidade de cooperação;
3) Existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do
início dos ensaios;
4) Interesse em pesquisa e experimentação;
5) Realização de pesquisa teórica e de campo;
6) Prática baseada em improvisações e workshop;
7) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
8) Ênfase no caráter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria
constituição da linguagem;
9) Criação de dramaturgia inédita;
10) Encenação processual e aberta;
11) Processo continuado de feedback;
12) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
13) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado;
14) Interferência dos espectadores na construção da obra.3
Por outra parte, é relevante considerar que a produção teórica sobre Processo
Colaborativo iniciou quando esse modo de criação era praticado há uma década por grupos de
teatro da cidade de São Paulo. Portanto, é pertinente destacar que os primeiros a teorizar sobre
o Processo Colaborativo foram os próprios atores, diretores e dramaturgos desses grupos de
teatro: ARAÚJO (2002, 2006, 2008) e ABREU (2003), principalmente.

2
ARAÚJO, Antônio. A encenação no coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo
colaborativo. Tese de Doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2008. P.63.
3
Ibid.
12

Desta maneira, o Processo Colaborativo é um campo teórico vinculado à prática teatral


das últimas duas décadas e tem, portanto, uma produção teórica ainda recente e em processo
contínuo de atualização nos estudos acadêmicos no Brasil, entre os quais esta pesquisa busca
suas principais referências em: ARAÚJO (2002, 2006, 2008), ABREU (2003), ARY (2011,
2015), ARY, R. ALPIZAR, L (2015), CARREIRA (2004), FISCHER (2003), FREITAS
(2004), GARCIA (2004), GOMES (2010), NICOLETE (2002, 2003, 2004, 2005), RINALDI
(2006), SANTANA (2003) y TROTTA, (2006, 2008 ).
Assim, por se tratar de um campo de tão intensa e constante atualização do
conhecimento e dos caminhos da própria prática, o estudo sobre Processo Colaborativo
solicita uma revisitação dos métodos e modos de criação que lhe antecederam, a fim de
observar suas tradições e rupturas.

Contudo, atualmente, quando se proclama de diferentes âmbitos a morte da arte nos


tempos post- ou incluso hiper- modernos, a criação mesma tem deixado de ser
ingénua e precisa de cada vez maior conhecimento da tradição e suas rupturas. O ato
criativo avança para uma revisão de “estado da arte” e uma proposta que se revela
contra formas preexistentes. ( GRASS, 2011: 198) 4

À vista disso, a presente dissertação está estruturada em dois capítulos. O primeiro


consiste em uma apresentação panorâmica do Processo Colaborativo nos estudos teatrais e da
infiltração dessa perspectiva de modo de criação na teoria e prática teatral brasileira, sendo a
cidade de São Paulo o principal pólo de seu desenvolvimento. Em seguida, foram abordadas
influencias da Criação Coletiva e a Performance Art presentes no Processo Colaborativo a fim
de identificar suas tradições e rupturas. Por último, foram descritos alguns procedimentos de
criação usados por atores e diretores que criam em Processo Colaborativo.
No segundo capítulo, apresento uma contextualização do teatro costarriquenho
contemporâneo a partir do estudo de quatro fenômenos histórico- culturais. Para essa análise,
foi usado, como instrumento metodológico, o conceito de transculturación do antropólogo
cubano Fernando Ortiz. Em seguida, foi abordada a noção de Processo Colaborativo nas
práticas teatrais da Costa Rica, assim como a ideia de Prácticas Hetorodoxas, proposta pelo
diretor costarriquenho Fernando Vinocour. Posteriormente, foram aplicadas as catorze linhas

4 [Tradução minha] Original: No obstante, hoy en día, cuando se proclama desde diferentes ámbitos la muerte del
arte en los tiempos post- o incluso hiper- modernos, la creación misma ha dejado de ser ingenua y requiere cada
vez mayor conocimiento de la tradición y sus rupturas. El acto creativo va siendo en forma creciente una revisión
del “estado del arte” y una propuesta que se revela contra formas preexistentes. ( GRASS, 2011: 198)
13

de força do Processo Colaborativo na análise do processo criativo de Manuales de (in)


seguridad e El Patio. Contudo, é importante tornar claro que não é de meu interesse analisar
as duas obras como produtos finais, mas as funções dos atores e diretores no processo de
criação de cada um dos espetáculos.
Por fim, apresento as considerações finais e conclusões da análise das funções
desenvolvidas pelos atores e pelos diretores dos espetáculos em estudo, a fim de entender
algumas especificidades do Processo Colaborativo que alguns grupos na Costa Rica têm
empreendido nos últimos anos.
14

CAPÍTULO I

1. PROCESSO COLABORATIVO

O termo "Processo Colaborativo" faz referência a um modo de criação nas artes


cênicas que sugere que todos os integrantes de um coletivo “colaborem” na construção
completa da obra.
Nas práticas teatrais brasileiras, o termo Processo Colaborativo começa a ser usado
por grupos de teatro da cidade de São Paulo desde o início da década de 1990. No entanto, é
em 2009 que o termo é incluído no “Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e
conceitos”. Para os autores Jorge Guinsburg, João Faria e Mariângela Lima, o termo Processo
Colaborativo é definido da seguinte maneira:

Processo contemporâneo de criação teatral, com raízes na criação coletiva, teve


também clara influência da chamada "década dos encenadores" no Brasil (década de
1980), bem como do desenvolvimento da dramaturgia no mesmo período e do
aperfeiçoamento do conceito de ator-criador. (GUINSBURG, J., FARIA, João
Roberto e LIMA, Mariângela Alves de (Coord.) 2009: 279)

Desta maneira, a forma de “colaborar” é definida a partir de funções específicas que


cada artista assume, como resultado de um consenso coletivo. Como aponta o diretor do
grupo Teatro da Vertigem, da cidade de São Paulo, Dr. Antônio Araújo (2008)5,

Ou seja, o grupo, por meio de um consenso - ou endosso - define a ocupação de cada


área artística, segundo o interesse e a habilidade dos integrantes ou convidados. É
claro que, em muitas das funções, tal decisão nem se faz necessária, na medida em
que é comum a permanência e a continuidade dos colaboradores, de um projeto para
outro (ARAÚJO, 2008: 59).

5 Antônio Araújo é diretor do grupo Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo e um dos principais autores-
pesquisadores do termo Processo Colaborativo. Mais adiante, no presente capítulo aprofundarei a
respeito de seus estudos.
15

A função de “colaborar” responde à visão de criar e de inventar a obra coletivamente,


seja como integrante do grupo de teatro ou como convidado de um projeto específico. No
Processo Colaborativo, o importante é trabalhar de maneira conjunta, mas não com uma
organização vertical - isto é, aquela em que o diretor está situado no ponto mais alto da
hierarquia e decide sobre todos os aspectos do processo de criação da obra. Pelo contrário, os
diretores, atores, dramaturgos e demais membros da equipe criam a partir de um modo de
organização democrático, participativo, horizontal e circular, o que não significa negar as
habilidades e autorias individuais. As experiências do grupo Teatro da Vertigem são
emblemáticas desse processo, conforme comenta seu diretor:

Hoje, contudo, acreditamos que melhor do que “ausência” de hierarquias, seja mais
apropriado pensarmos em hierarquias momentâneas ou flutuantes, localizadas, por
algum momento, em um determinado polo de criação (dramaturgia, encenação,
interpretação, etc.) para então, no momento seguinte, se mover rumo a outro vértice
artístico (ARAÚJO, 2008: 56).

Além dos relatos de experiências de grupos como o Teatro da Vertigem, que vêm
constituir parte dos princípios norteadores do termo Processo Colaborativo, nos estudos
teatrais no Brasil, é importante considerar que as referências mais antigas sobre este conceito
estão fundamentadas nos relatos de práticas de grupos teatrais da década de 1960, de países
como Inglaterra, França e Estados Unidos, assim como de grupos da América Latina e mesmo
do Brasil.
A esse respeito, o próprio Antônio Araújo (2008) afirma que a palavra “colaborativo”,
no âmbito da criação nas Artes Cênicas, é mencionada, pela primeira vez, no ano de 1974,
pelo grupo britânico Out of Joint6, dirigido por Max Stafford, sendo retomada, anos mais
tarde, pelo grupo americano SITI Company7, criado no ano de 1992 por Anne Bogart e
Tadashi Zusuki. Esses dois grupos começaram a chamar seus procedimentos de criação de
collaborative work (trabalho colaborativo) (ARAÚJO, 2008: 57).
Na tentativa de identificar as primeiras reflexões teóricas sobre Processo Colaborativo,
um antecedente que chama a atenção é o livro Devising Theatre: A Practical and Theoretical
Handbook, publicado no ano de 1994, pela pesquisadora Alison Oddey. A autora explica, a

6 Site do grupo: <http://www.outofjoint.co.uk>.


7 Site do grupo: <http://siti.org>.
16

partir do conceito de Devised theatre8, alguns modos de criação praticados por companhias
britânicas na década de setenta - como The People Show, Testtle Theatre, Belgrade Theatre-
in-Education Company, Red Ladder e Welfare State Internacional -, que mostram ser
tendências de criação colaborativa. Para Oddey, "Devised work é uma resposta e uma reação
à relação dramaturgo-diretor, ao teatro baseado no texto e ao naturalismo e desafia a ideologia
dominante do texto de uma pessoa sob a direção de outra pessoa". (ODDEY, 1994: 4) 9
A autora aponta para o que mais tarde vai ser fundamental nos estudos sobre o
Processo Colaborativo: o debate sobre a noção do dramaturgo como figura superior no
processo criativo. Essa noção parte da premissa de que, mesmo que tenham outra visão da
obra, diretores e atores devem seguir as ideias do dramaturgo, que estão manifestadas no texto
dramático. Para complementar essa noção, a seguir apresento, visualmente, dois modos de
organização que permitem entender o deslocamento da figura do dramaturgo no processo
criativo, segundo o texto de Oddey (1994).
Modo de organização no “teatro baseado no texto”.10
Dramaturgo

Diretor

Ator

Modo de organização no Devised Theatre,

Ator Diretor

Dramaturgo

8 A tradução literal para o português é “teatro idealizado”, mas, pela reflexão desenvolvida pela autora,
torna-se mais apropriada a tradução “teatro de funções”.
9 [Tradução minha] Original: “Devised work is a response and a reaction to the playwright–director relations,
to text based theatre, and to naturalism, and challenges the prevailing ideology of one person’s text under
another person’s direction”. (ODDEY, 1994: 4).
10 O conceito “teatro baseado no texto” é usado por Alisson Oddey (1994) para se referir à tendência de
criação teatral que considera o autor do texto dramático como a figura de autoridade; o diretor, portanto,
deve encaixar suas ideias de encenação ao que disse o dramaturgo, enquanto que o ator deve encaixar sua
interpretação às ideias do diretor. Aqui fica clara a hierarquia vertical que foi mencionada no começo do
capítulo e que é contrária à visão proposta no Processo Colaborativo.
17

Para Oddey (1994), o Devised theatre parte do princípio de que todos os artistas do
grupo participam ativamente de todo o processo de criação do espetáculo cênico, o que
pressupõe que o “Devised theatre compreende a arte do teatro como criação de um coletivo
(não como a visão de um dramaturgo) e é aqui que a ênfase desloca-se do escritor para o
artista criador" (ODDEY, 1994: 11)11.
Na diversidade dos relatos das experiências dos grupos, a autora identifica aspectos
comuns nos processos de criação que permitem perfilar o conceito de Devised theater. O
interesse por mesclar procedimentos e técnicas diversas para a criação da obra vai representar
o aspecto predominante e constante nessa tendência criativa. É nesse aspecto que a autora
disserta sobre a premissa de que - ao mesclar procedimentos e técnicas que vão além do
teatro, como a dança, a música, entre outros, e com a participação ativa de todos os artistas -
elevam-se as probabilidades de conflito entre as relações humanas, e a forma com que as
dificuldades são assumidas pelo coletivo reafirma a necessidade de uma dinâmica de trabalho
de carácter colaborativo que dê valor às individualidades e autonomias num ambiente
democrático e de organização horizontal.
Sobre o estudo de Oddey (1994), é interessante mencionar que, no ano de 2007, os
professores da Royal Holloway da Universidade de Londres, Emma Govan, Helen Nicholson
e Katie Normington, publicam o livro Making a Performance, Devising Histories and
Contemporary Practices. Nesse livro, os autores refletem sobre o termo Devised theatre que a
autora Alison Oddey propôs no ano de 1994 e desenvolvem uma maior relação desse termo
com práticas contemporâneas do teatro e da performance nos Estados Unidos e alguns países
da Europa.
Segundo Govan, Nicholson e Normington (2007), práticas de Devised theatre já eram
exercidas nos Estados Unidos desde a década de 1970 com o nome de collaborative creation
(criação colaborativa), enquanto, na Europa, também na década de 1970, as mesmas
experiências eram difundidas de creative collectives (criação coletiva).

É interessante que, nos EUA, esse aspecto da construção de teatro é frequentemente


descrito como Collaborative Creation ou, na tradição europeia, como a “criação

11[Tradução minha] Original: Devised theatre is concerned with the collective creation of art (not the single
vision of the playwright), and it is here that the emphasis has shifted from the writer to the creative artist”
(ODDEY, 1994: 4).
18

coletiva”, ambos os termos enfatizam a interatividade do grupo no processo de fazer


uma obra (GOVAN, E. NICHOLSON, H. NORMINGTON, K, 2007: 4).12

Finalmente, menciono algumas companhias e coletivos importantes das décadas de


1960 e 1970, de tendência de Devised theatre13: no caso dos Estados Unidos, Living Theatre
(1947), La Mama Experimental Theatre Club (1961), Bread and Puppet Theatre (1962),
Performance Group (1962) e Open Theatre (1963); na França, Thèâtre du Soleil (1961); na
Espanha, o grupo catalão La Fura dels Baus (1979); no caso de América Latina, as principais
referências estão na Colômbia com o Teatro Experimental de Cali (1955) e Teatro La
Candelaria (1966); no Equador, Malayerba (1980); no Perú, o grupo Yuyachkani (1971). No
caso do Brasil, o Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972) e Ói Nóis aqui Traveiz (1978) são os
dois grupos icônicos do teatro de Criação Coletiva na década de 1970.14
É importante tornar claro que o Processo Colaborativo não é um método de criação ou
um sistema de regras e procedimentos que garantem um estilo de produto artístico. A ideia do
termo está estreitamente vinculada aos relatos das experiências dos grupos que têm
vivenciado dinâmicas de criação colaborativa; portanto, vão existir tantas formas de explicar o
termo quantos são os relatos de experiências colaborativas.
Nesse sentido, a reflexão aprofundada sobre os relatos das experiências cênicas é uma
tentativa que visa a colocar, cada vez mais, o Processo Colaborativo dentro dos estudos
teatrais contemporâneos. A produção de pesquisas acadêmicas sobre o tema, junto a uma
prática constante de grupos e companhias que criam de forma colaborativa, vem colocando o
teatro brasileiro como uma das principais referências neste campo de pesquisa.

1.1 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO NO BRASIL

A prática do Processo Colaborativo, no âmbito das artes cênicas, é uma tendência de


modo de criação de grupos e companhias brasileiras desde a década de 1990. Seus princípios

12 [Tradução minha] Texto original: “It is interesting that, in the USA, this aspect of theatre- making is often
described as ‘collaborative creation’ or, in the European tradition, as the product of ‘creative collectives’,
both terms that emphasise group interactivity in the process of making a performance” (GOVAN, E.
NICHOLSON, H. NORMINGTON, K, 2007: 4).
13 O termo Devised Theatre, como tendência de modo de criação, compartilha aspectos da chamada Creación
Coletiva na América Latina, a Criação Coletiva no Brasil, a Collaborative Creation nos Estados Unidos e a
Creative Collectives na Europa, no sentido de que a obra é construída de forma coletiva e sem a
participação tradicional de figuras como as do diretor e do dramaturgo, isto é, que partem do princípio de
que “todos fazem tudo”.
14 Mais detalhe sobre os grupos e companhias brasileiras da década de 1970 em: FERNANDES, S. Grupos
teatrais - anos 70. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000.
19

norteadores congregam, juntam e conjugam uma série de práticas relativas à Criação Coletiva
e ao Teatro Experimental, que começou a se exercitar desde o final de 1970 e durante a
década de 1980, além de aspectos do Teatro dos Encenadores15, correspondendo ao final de
1980 e início de 1990.
O teatro brasileiro da década de 1970 era caracterizado por uma tendência marcante do
chamado teatro de grupo. Atores e diretores se organizavam em grupos e coletivos, a partir de
valores ideológicos e estéticos comuns, para a criação de obras fundamentadas no princípio de
igualdade de participação e decisão entre todos os integrantes do grupo.
A década de 1970 está inserida no período mais crítico da história política do Brasil: o
regime militar, que transcorreu de 1964 até 1985. Assim como sucedeu com outras ditaduras
da América Latina, a comunidade artística brasileira foi censurada e reprimida por conta de
representar uma ameaça às ideias do governo. Unir-se em grupo, portanto, era um princípio de
resistência, oposição e sobrevivência, tanto artística quanto pessoal. Conforme afirma o
pesquisador Mario Santana em sua dissertação de mestrado:

A célula grupal, em geral, bastava-se em todos os aspectos e a assunção dessa


possibilidade opera uma redefinição da teatralidade. Do interior do grupo saía,
então, tudo o que fosse preciso para o espetáculo: cenário, música, texto,
iluminação, figurino, interpretação, tudo era expressão de sua identidade própria.
[...] Essa espécie de "re-criação coletiva" do evento teatral a partir de sua
experimentação iria desmistificar definitivamente a noção de que o teatro era uma
arte cujas técnicas seriam do domínio de poucos. Acreditando que tanto o teatro
como qualquer outra arte é resultado mais do ato criativo do que do cumprimento de
tais ou quais normas, criando para expressar que não aceita passivamente o
incômodo causado pelo mundo exterior, o homem toma consciência de que a criação
é, em si, um ato político. E aprende que a realidade é também ela fruto de um ato
político. (SANTANA, 1997: 69, 70)

No contexto convulso de crise social e política, há um incremento significativo de


coletivos que hoje são considerados símbolos do teatro de grupo brasileiro, com destaque para
o grupo Teatro de Arena, fundado no ano de 1953 pelo reconhecido escritor, dramaturgo e
diretor Augusto Boal. Seus postulados têm influenciado grupos, artistas e pesquisadores não
só no seu país, como nos demais países da América Latina, Estados Unidos e alguns países da
Europa. Sobre o trabalho do artista Augusto Boal, a pesquisadora brasileira Stela Fisher
comenta:
15
O Teatro dos Encenadores “configura uma nova etapa da cena brasileira, em que o encenador passa a construir
um discurso autônomo em relação ao texto dramático, usando uma série de elementos que compõem no palco
uma escritura cênica ou um ‘texto espetacular” (FERNANDES, 2010: 3)”.
20

Criou, no início dos anos 70, o Teatro do Oprimido, lançando luz às questões
político-sociais urgentes. Em suas primeiras formas, Boal configurou suas
experimentações a partir do Teatro Jornal, Teatro-Imagem, Teatro Invisível, Teatro
Fórum e outras técnicas que visavam a inserção de manifestações teatrais na
realidade cotidiana e popular, tomando o espectador como espect-ator, termo criado
por Boal para definir a participação do espectador como protagonista da ação
dramática. Assim, o teatro passa a ser praticado como via de sensibilização,
discussão e problematização das oposições entre opressores e oprimidos no contexto
social. (FISCHER, 2003: 9,10)

O trabalho do Teatro de Arena é distinguido por criar obras a partir de modos de


Criação Coletiva, assim como o desenvolvimento de projetos sociais e educativos, sempre
com uma postura ideológica de oposição ao regime militar e às políticas repressivas daquele
período.
O Teatro de Arena é um caso exemplar de teatro de grupo que conseguiu permanecer
por décadas16 e, apesar das adversidades políticas e econômicas, estabeleceu sua própria sede,
para ser também um centro de formação de atores e artistas vinculados ao grupo. Seu trabalho
constante e crítico sobre seus próprios procedimentos criativos, sustentados no trabalho
coletivo, é, hoje, legado importantíssimo para os estudos teatrais contemporâneos.
Outra tendência que predominou no teatro da década de 1970 no Brasil é o chamado
Teatro Experimental, que surgiu do intercâmbio artístico e cultural entre artistas e companhias
brasileiras com grupos internacionais de referência da vanguarda artística da época. Segundo
o artista e pesquisador brasileiro Renato Cohen (2007), São Paulo foi, nos anos setenta, um
dos centros mundiais de experimentação teatral que reuniu figuras importantes do teatro,
como o americano Bob Wilson, o espanhol Fernando Arrabal e o argentino Jérome Savary,
assim como o grupo norte-americano Living Theatre e os argentinos Los Lobos.
O clima de intercâmbio artístico e cultural que imperava na cidade de São Paulo
estimulou a proliferação de linguagens híbridas nas artes cênicas (uma característica do
Teatro Experimental) e, mais tarde, começou a se tornar referência para grupos e coletivos de
outras cidades do país, dado que “Com a vinda do grupo norte-americano Living Theatre para
o Brasil, a convite do diretor José Celso Martinez Corrêa, em julho de 1970, alteram-se os
padrões de criação teatral em vigor (FISCHER, 2003: 11)”.

16Augusto Boal (1931-2009). Atualmente o Teatro de Arena continua sob a direção de sua co-fundadora
Cecilia Thumim Boal, e o filho de ambos Julián Boal dá continuidade às teorias do grupo.
21

O grupo Teatro Oficina17 foi fundado no ano de 1958, por Fernando Peixoto, Renato
Borghi, Italo Nandi e José Celso Martinez, como um grupo de quatro sócios. No entanto, por
diversos motivos, a direção recaiu unicamente sobre José Celso Martinez, que, ao longo do
tempo, consolidou-se como figura emblemática do grupo.18
O Teatro Oficina criou, em 1970, o espetáculo Gracias Señor, produto do intercâmbio
artístico com o Living Theatre. Para autores como Stela Fisher (2003), o processo de criação e
apresentação do espetáculo Gracias Señor, que tinha oito horas de duração, pode ser
considerado como um acontecimento importante que mudou o paradigma de modos de
criação do teatro brasileiro. Essa experiência cênica incentivou a reflexão sobre outros modos
de organização interna dos grupos, que até esse momento não haviam sido explorados por
grupos brasileiros, além da busca por desenvolver novos métodos de criação, entender o
trabalho coletivo desde uma divisão de funções e explorar as relações entre o artista e o
público.
Alguns dos grupos de teatro das décadas de 1970 e 1980 que dão continuidade ao
legado das experimentações do Teatro Oficina e que fixam no teatro brasileiro a tendência da
Criação Coletiva são: na cidade de São Paulo, o Teatro União e Olho Vivo (1969), Royal
Bexiga’s Company (1972), Pessoal de Victor (1975)19, Mambembe (1976), Ornitorrinco
(1977); no Rio de Janeiro, o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972) e Tá na Rua (1974);
de Sergipe, o grupo Imbuaça (1977) e, de Porto Alegre, Oí Nóis Aqui Traveiz (1978)20. A
esse respeito, Fisher (2003) afirma que “Apesar das divergências ideológicas e estéticas entre
os grupos que comprometeram essa proposta de parceria, a estada do Living Theatre rendeu
ao teatro nacional o ingresso ao modelo de criação coletiva (FISCHER, 2003:11)”.
Ao longo dos últimos anos da década de 1970, houve um crescimento acentuado dos
meios de comunicação no Brasil, e se acelerou ainda mais no início da década de 1980. Tal
fenômeno teve impacto sobre o olhar da arte e sobre o imaginário da identidade brasileira. As
dificuldades de ação comum aumentam, menos por pressão política do que por questão de

17 O nome completo do grupo é Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, mas é conhecido simplesmente como Teatro
Oficina.
18 KOPELMAN, Isa. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 31 de
março de 2015.
19 Símbolo do teatro de grupo da Criação Coletiva e fundadores do curso de artes cênicas da Universidade
Estadual de Campinas.
20 Grupos que a pesquisadora Stela Fisher menciona na sua dissertação de mestrado intitulada Processo
colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação (Mestrado
em Artes) – Instituto de Artes – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. 2003.
22

sobrevivência dentro de um mercado capitalista cada vez mais estabelecido. Segundo Santana
(1997),

Diante da eterna insegurança provocada por um cotidiano factualizado em


iniqüidades econômicas e sociais capitaneadas pela inflação e pela recessão, cada
indivíduo se entrega a um esquizofrênico exercício de autosobrevivência que
pressupõe “atrair para si” o máximo de vantagens, independente das consequências
que seus atos acarretem aos outros. (SANTANA, 1997: 95)

O sentimento de auto-sobrevivência a que faz referência o professor Santana (1997)


pode ser entendido como uma característica do período da pós-ditadura militar no Brasil, que
se inicia no ano de 1986 e corresponde à entrada do Brasil no mercado capitalista. A
sociedade brasileira é cada vez mais estimulada, pelos meios de comunicação e pelas políticas
públicas, a colocar os interesses individuais acima dos interesses coletivos.
É notável este comportamento sociológico nas práticas teatrais do Brasil dos últimos
anos da década de 1980, com a volta à encenação autoral, que veio a ser chamada, por
diversos autores, de Teatro dos Encenadores, isto é, aquele em cujo processo de criação todas
as decisões estão centradas na figura do diretor/encenador. 21
Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
de São Paulo, Dra. Silvia Fernandes, os principais representantes do chamado Teatro dos
Encenadores são Antunes Filho, Márcio Aurélio, Bia Lessa, Renato Cohen, Gabriel Villela e
Gerald Tomas22.
O diretor Gerald Thomas23 pode ser considerado figura icônica do Teatro dos
Encenadores do teatro brasileiro da década de 1980 e início dos anos noventa. Sobre o modo
de criação do diretor Thomas, a pesquisadora Silvia Fernandes (2010) comenta que “O artista
sintetiza um período em que o diretor volta a funcionar como eixo irradiador das propostas
teatrais, concentrando em torno de si colaboradores que auxiliam sua execução.
(FERNANDES, 2010: 3)”

21 “A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do século XIX e o emprego da
palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN,1955:9). É nesta época que o encenador passa a ser o responsável
“oficial” pela ordenação do espetáculo.” (PAVIS, 2011:122).
22 Fernandes, Silvia. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 12 de novembro de 2014.
23 “Gerald Thomas por exemplo adaptava o texto, quando tinha texto, se não mesmo escrevia, dirigia o ator,
ele fazia iluminação, ele escolhia a música, isto é, ele era o centro do espetáculo” (FERNANDES, 2014)
23

Para Silvia Fernandes (2014)24, o Processo Colaborativo é o modo de criação que pode
ser entendido como o ponto de equilíbrio entre duas tendências opostas na história do teatro
brasileiro contemporâneo: o teatro de Criação Coletiva, da década de setenta, e o Teatro dos
Encenadores, da década de oitenta. O Processo Colaborativo, na visão de Fernandes, surge
como a terceira vertente, produto da oposição entre dois modos de criação divergentes, na
medida em que não nega a importância da figura do diretor, como na Criação Coletiva, nem a
exalta ao atribuir ao diretor a decisão sobre todos os aspectos da obra, como no Teatro dos
Encenadores; pelo contrário, propõe entender a função do diretor como a figura que lidera e
organiza o coletivo, para que, assim, todos os outros artistas possam ter a liberdade de propor
suas próprias ideias sobre todos os aspectos necessários para a criação do espetáculo. Como,
mais uma vez, afirma Antônio Araújo (2008)

Se, por um lado, parecia haver um projeto de retomada de princípios e valores da


criação coletiva – porém, praticados de maneira distinta –, por outro, havia uma
recusa da “década dos encenadores”, sem, com isso pretender abolir a função ou a
figura do diretor. Quase como se o processo colaborativo pudesse realizar uma
síntese do discurso e da ideologia coletiva com a permanência da função artística
individual. (ARAÚJO, 2008: 58)

Em entrevista a mim concedida, a pesquisadora e professora do Programa de Pós-


Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Dra.
Rosyane Trotta25, comenta que, no Brasil, o termo Processo Colaborativo tem uma relação
direta com o americano creative collaborative (criação colaborativa), embora aqui seja usada
a palavra "processo" no lugar de "criação". Essa mudança, na apropriação, leva a identificar,
no Processo Colaborativo, um aspecto característico do Teatro de Grupo, que consiste em dar
valor à continuidade das experiências cênicas ao longo do tempo de vida de um grupo e não
necessariamente em estar restrito à “criação” de uma obra específica.

A expressão processo colaborativo começou a ser usada na segunda metade da


década de 90, dentro de um contexto de retomada do movimento do teatro de grupo
na cena paulista. O retorno desta perspectiva grupal, que aparece quase como um

24 Fernandes, Silvia. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 12 de novembro de 2014.
25 TROTTA, Rosyane. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora de teatro e professora
adjunta da Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro (UNIRIO). Rio de Janeiro, 7 de agosto
de 2014.
24

contraponto à hegemonia do encenador no teatro brasileiro da década anterior, vai,


pouco a pouco, ganhando uma dimensão nacional. (ARAUJO, 2008: 57).

Falar de “processo” implica pensar em aspectos que estão relacionados com todo o
desenvolvimento do projeto, incluindo modos de organização do coletivo (seja com ou sem
hierarquias, sejam fixas ou flutuantes) e os modos de produção e financiamento (seja de
autofinanciamento ou por editais e patrocínios). A ideia de “processo”, nesse sentido, também
abarca a gestão teatral, outra perspectiva importante do panorama do Teatro de Grupo da
década de 1970,

No entanto, o conceito de grupo sofreu substancial transformação nas últimas


décadas. A palavra, que na década de 70 identificava um coletivo definido por uma
ideologia (ou, no mínimo, pela afinidade de gosto) e pela continuidade da maioria
dos integrantes, se refere, trinta anos depois, não mais à reunião de determinados
artistas, mas ao diretor e à concepção de teatro que ele desenvolve em uma mesma
linha de projetos de encenação. Nesta acepção, grupo é definido como “núcleo
artístico estável”. (TROTTA, 2006: 159)

Um núcleo artístico estável (Trotta, 2006) cria sobre uma mesma linha de projetos,
com o propósito de experimentar estéticas e técnicas que, ao longo do tempo, possam
construir a identidade26 do núcleo27. Assim, é possível identificar que uma das principais
transformações da prática de grupo da década de 1970, com os núcleos artísticos a partir da
década de 1990, é a criação deixar de estar centrada na afirmação de uma ideologia e se
direcionar na busca de uma identidade.
Sobre esta mudança de perspectiva no teatro de grupo, uma das possíveis razões está
no auge de teorias europeias da segunda metade do século XX, que revolucionaram a visão do
trabalho do ator e do diretor no teatro de grupo. Destacam-se as ideias do diretor polonês
Jerzy Grotowski, quando propõe a ideia de grupo como um espaço de “laboratório”, orientado

26 Entende-se a palavra identidade como uma unidade que assume diversas identidades. Também não é
uma ideia fixa; pelo contrário, muitos grupos da América Latina têm conseguido amadurecer e
transformar suas identidades ao longo da prática, mudanças que se evidenciam nas suas estéticas e
linguagens.
27 Núcleo, que significa ponto central e parte proporcionalmente minoritária do todo, difere enormemente
da ideia de coletivo. A palavra núcleo dimensiona uma estrutura em que uma minoria concebe, realiza e
mantém a continuidade do projeto, enquanto os convidados, que representam a maioria, entram no
esquema do trabalho avulso. (TROTTA, 2006: 158)
25

à experimentação coletiva e ao treinamento do ator.28 Quando um ator “treina” para encontrar


sua própria expressividade através da técnica, ele está trabalhando também na busca de sua
própria identidade artística, em um exercício que também envolve o diretor. Nesse ponto, o
teatro de grupo começa a se afastar da ideia de unificação como característica do trabalho
coletivo para se encaminhar para um sistema de organização que afirme a pluralidade e
diversidade das identidades que conformam um grupo heterogêneo. É sobre essa última
perspectiva que a prática do Processo Colaborativa está inserida.
Um “laboratório” sugere que probabilidades, erros, acertos e desacertos sejam
considerados fases e camadas importantes do trabalho criativo. Essa ideia tem convergência
com a expressão work in progress (trabalho em processo), que entende a obra não como um
produto acabado, mas como um processo continuo. Para o pesquisador brasileiro e ex-
professor do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Estadual de Campinas,
Dr. Renato Cohen, isto significa que

A criação pelo work in progress opera-se através de redes de leitmotive 29, da


superposição de estruturas, de procedimentos gerativos, da hibridação de conteúdos,
em que o processo, o risco, a permeação, o entremeio criador-obra, a iteratividade de
construção e a possibilidade de incorporação de acontecimentos de percurso são as
ontologias da linguagem (COHEN,2006: 1).

A perspectiva de dar valor ao sentido processual da obra, como aponta o autor Cohen
em seu livro “Work in progress na cena contemporânea”, publicado em 1998, começou a se
tornar uma característica comum em diversas experiências cênicas da cidade de São Paulo, ao
longo da década de 1990. Esse fenômeno ilumina, mais uma vez, a importância da palavra
“processo” no lugar de "criação".
Quanto ao estudo de Cohen (1998), a pesquisadora Silvia Fernandez (2010) comenta
que

O conceito de obra não acabada e o risco implícito num processo que vive da
possibilidade de não confluir para um produto final, mantendo-se enquanto percurso

28 É claro que não negonem tiro valor das reflexões, experiências e teorias próprias da América Latina e do
Brasil que promoveram transformações nos modos de organização de grupos e coletivos nas últimas
décadas.
29 Leitmotiv é um termo usado pelos pesquisadores dos dramas do compositor alemã Richard Wagner para
nomear aos temas musicais repetidos numa mesma composição.
26

criativo, parecem constituir a mimese mais eficaz dos encadeamentos mentais da


consciência contemporânea, que o teatro de Beckett já apontava nos anos de 1950, e
que o de Cohen reatualiza. (FERNANDES, 2010: 39)

É interessante notar que, em 2002, aparece, no âmbito acadêmico, a primeira análise


de uma experiência colaborativa, com a dissertação de mestrado em Artes Cênicas intitulada
“A gênese da Vertigem: o processo de criação de O Paraíso Perdido”, do diretor Antônio
Araújo, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É nesse estudo
que o termo Processo Colaborativo é descrito minuciosamente a partir da análise de
experiências do grupo Teatro da Vertigem.
Um ano mais tarde, em 2003, o termo aparece novamente nos estudos teatrais no
Brasil, com a publicação do artigo “Processo colaborativo: relato e reflexão sobre uma
experiência de criação”, escrito pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu para a revista
Cadernos, da Escola Livre de Teatro. Aqui o conceito Processo Colaborativo é explicado a
partir da relação do dramaturgo com o grupo Teatro da Vertigem e de sua experiência como
professor na Escola Livre de Teatro de Santo André.
Embora a prática de criar “colaborativamente” já estivesse sendo exercida por diversos
grupos e coletivos desde antes da década de 1990, o termo Processo Colaborativo, nos estudos
teatrais do Brasil, é atribuído aos pesquisadores e artistas Antônio Araújo e Luís Alberto de
Abreu, por serem os primeiros a produzir material teórico - os dois documentos que
mencionei anteriormente -, que marcam o início dos estudos acadêmicos sobre este modo de
criação.
A participação do dramaturgo Luís Alberto de Abreu nos primeiros processos criativos
do Teatro da Vertigem fez com que o termo Processo Colaborativo estivesse estreitamente
relacionado ao vínculo diretor + dramaturgo. A figura de Luís Alberto de Abreu, ao se
tornar referência para a prática de uma nova dramaturgia nacional, esteve sempre vinculada
ao processo de criação da obra. “Como autor de O Livro de Jó, Abreu foi um dos precursores
da dramaturgia de muitas vozes que resulta do processo colaborativo, hoje bastante comum
entre os grupos de teatro (FERNANDES: 2010, 64)”.
O Processo Colaborativo parte da ideia de que a organização das ações dramáticas e o
pensamento sobre valores ideológicos e estéticos da obra são as funções do dramaturgo, que
cria a partir do material criativo produzido pelo grupo de artistas envolvidos no projeto. Essa
27

pratica é chamada de “dramaturgia em processo”30, conforme a pesquisadora Adélia Nicolete


esclarece através de entrevista realizada com Luís Alberto de Abreu31:

Escrever sozinho, no gabinete, como se diz, é uma coisa - você demora o tempo que
quiser e, na maioria das vezes, não tem perspectiva de montagem. Com um grupo é
diferente: o dramaturgo escreve quase que concomitantemente ao trabalho do
elenco, é uma coisa muito mais viva, porque o grupo sugere, comenta, ri, não gosta,
cobra. E o dramaturgo pode cobrar também, pode pedir sugestões e complementos.
E o melhor de tudo: tem mais chance de ver o seu texto encenado, corporificado.
(NICOLETE, 2004: 73).

Após os trabalhos teóricos de Araújo (2002) e Abreu (2003), a pesquisadora Stela


Fischer amplia este campo de estudo com a publicação, em 2003, no Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas, de sua dissertação de mestrado em Artes da Cena
chamada “Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos
90”. Nessa pesquisa, a autora identifica outras companhias e grupos de teatro que também
vêm desenvolvendo os seus processos criativos de modo colaborativo.
Fischer (2003) analisa as experiências de quatro grupos de teatro: Tribo de Atuadores
Ói Nóis Aqui Traveiz (Porto Alegre, 1978), Teatro Lume (Campinas, 1985), o Teatro da
Vertigem (São Paulo, 1992) e a Companhia do Latão (São Paulo, 1996). A pesquisadora
aprofunda e expõe o conceito de Processo Colaborativo como um campo de experimentação
cênica que se (re)define em cada uma das experiências criativas dos grupos acima
mencionados e que se fundamenta numa dinâmica de trabalho horizontal capaz de estimular
uma atitude propositiva por parte de todos os integrantes do grupo.

Na criação de um evento cênico, entendemos por processo colaborativo o


procedimento que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e demais
artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das formas hierárquicas de organização
teatral. Estabelece um organismo no qual os integrantes partilham de um plano de

30 O primeiro grupo a usar este termo foi a Companhia do Latão, com Márcio Marciano e Sergio de Carvalho,
no final da década de 1990. Ver mais detalhe em: FISCHER, Stela. Processo Colaborativo: experiências
de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação (mestrado em artes) – Instituto de Artes -
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. Páginas 161- 188.
31 É claro que esta ideia retoma princípios de práticas antigas da história do teatro, quando os dramaturgos
escreviam suas obras nos ensaios com suas próprias companhias; casos exemplares são Molière,
Shakespeare, Brecht.
28

ação comum, baseado no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir
com a finalidade artística. Rompe-se com o modelo estabelecido de organização
teatral tradicional em que se delega poder de decisão e autoria ao diretor,
dramaturgo ou líder da companhia. (FISCHER, 2003: 39)

O estudo de Fischer (2003) é precursor na identificação de quatro aspectos


fundamentais do Processo Colaborativo: 1) a integração de procedimentos e princípios da
Criação Coletiva; 2) a noção de que o ator amplia seu campo de criação com o exercício de
outras funções como produtor, criador e autor; 3) a função do diretor como líder do coletivo; e
finalmente 4) a concepção da dramaturgia a partir das improvisações e experiências dos atores
durante o processo de criação. Dentro dos parâmetros estabelecidos por esses quatro aspectos,
Fischer (2003) analisa as experiências de quatro grupos e mostra que cada um tende a
priorizar um aspecto.
É interessante que estudos e pesquisas sobre o Processo Colaborativo podem ser
classificados nos quatro aspectos propostos por Fischer (2003). Por exemplo, a respeito do
primeiro aspecto - a integração de procedimentos e princípios da Criação Coletiva no
Processo Colaborativo -, destacam-se as pesquisas de Rosyane Trotta (2006)32 e (2008)33, que
discutem a problemática da autoria nos processos de criação em coletivo e examinam aspectos
convergentes e divergentes entre a Criação Coletiva e o Processo Colaborativo.
O empréstimo de aspectos da Criação Coletiva pelo Processo Colaborativo é motivo
de debate nos estudos teatrais no Brasil. Por exemplo, para Fischer (2003), o Processo
Colaborativo é um “avanço”34 da Criação Coletiva, assim como Araújo (2008) e Abreu
(2003) concordam que o Processo Colaborativo atendeu às principais deficiências da Criação
Coletiva: a falta de especialização das funções e a pouca clareza do discurso dramatúrgico dos
espetáculos. Por outra parte, para Trotta (2006), trata-se de “duas concepções distintas de
teatro”35, que unicamente convergem no princípio de criar coletivamente. O pensamento de

32 TROTTA, Rosyane. Autoralidade, grupo e encenação. In: Sala Preta – Revista do PPG em Artes Cênicas –
ECA USP. n 06, São Paulo: ECA – USP, 2006, p. 155-164.
33 TROTTA, Rosyane. Autoria coletiva no processo de criação Teatral. Tese (Doutorado em Teatro)
Programa de Pós-Graduação em Teatro - Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro, 2008.
34 Stela Fischer usa a expressão “o avanço do coletivo para o colaborativo”. FISCHER, Stela Regina.
Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Instituto de Artes – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.
2003. p.55
35 TROTTA, Rosyane. Autoralidade, grupo e encenação. In: Sala Preta – Revista do PPG em Artes Cênicas –
ECA USP. n 06, São Paulo: ECA – USP, 2006, p. 158.
29

Trotta (2006), por exemplo, mostra que critérios nos modos de organização dos grupos e
coletivos singularizam cada tendência de maneira separada e até contrária uma à outra.
Por outra parte, sobre a noção de que o ator, no Processo Colaborativo, amplia seu
campo de criação com o exercício de outras funções - como produtor, criador e autor -, é
relevante a tese de doutorado do professor Dr. Mário Santana, intitulada “A cena e a atuação
como depoimento estético do ator criador nos espetáculos A Cruzada das Crianças e
Apocalipse 1,11”, que foi defendida em 2003, na Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo. Nesse estudo, Santana (2003) reflete sobre o trabalho do ator a
partir dos espetáculos das companhias brasileiras Círculo dos Comediantes e Teatro da
Vertigem. A tese de Santana (2003) compreende o percurso em direção à performatividade
como elemento essencial aos processos de criação coletiva e ressalta que o Processo
Colaborativo retoma algumas características da Criação Coletiva e das encenações recentes, a
partir dos anos oitenta, dominadas pela figura do diretor/encenador.
Também em relação à função do ator no Processo Colaborativo, é significativa a
publicação, em 2006, do artigo “O Ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem”,
escrito por Miriam Rinaldi, atriz do grupo. Publicado na revista Sala Preta número 6 do
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Arte da
Universidade de São Paulo, o artigo mostra que procedimentos de criação, como o chamado
workshop, potencializam a qualidade autoral dos atores que criam em Processo Colaborativo,
característica necessária no Teatro da Vertigem.

Do ponto de vista do ator do Vertigem, pode-se dizer que o workshop é a atividade


que melhor potencializa as qualidades do depoimento artístico autoral. Pois cada
palavra ou pergunta deve ser trazida para o campo pessoal do ator, e associada a
algum fato de sua vida ou de sua experiência. (RINALDI, 2006: 138)

De acordo com o terceiro aspecto importante do Processo Colaborativo, que trata da


função do diretor como líder do coletivo, destacam-se as pesquisas de Antônio Araújo (2002 e
2008) sustentadas na sua pratica como diretor do grupo Teatro da Vertigem desde o ano de
1992. A dissertação de mestrado de Araújo (2002), intitulada “A gênese da Vertigem: o
processo de criação de O Paraíso Perdido”, que foi defendida na Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo, analisa os procedimentos de criação usados pelo grupo
durante a construção da peça O Paraíso Perdido, direcionados a fomentar uma relação
30

democrática e colaboradora entre atores, dramaturgo e diretor. Com esse estudo, o autor
revela as primeiras noções do termo Processo Colaborativo no contexto teatral paulista. Anos
mais tarde, Antônio Araújo apresenta, em 2008, a sua tese de doutorado “A encenação no
coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo colaborativo”, também
defendida na Escola de Comunicação e Artes da USP. Araújo (2008) aprofunda a discussão
sobre a figura do diretor no Processo Colaborativo e discorre sobre teorias e experiências
teatrais inerentes aos dois modos de exercer a função do diretor, isto é, na organização e no
gerenciamento dos materiais produzidos durante o processo criativo.
Finalmente, o quarto aspecto fundamental do Processo Colaborativo segundo Fischer
(2003) é a concepção da dramaturgia a partir das improvisações e experiências dos atores
durante o processo de criação. Sobre esse assunto, a experiência do dramaturgo Luís Alberto
de Abreu em processos criativos de caráter colaborativo, situa-o como a principal referência
da prática de “dramaturgia em processo”.36 Também, sobre esta mesma linha de pesquisa, são
relevantes os estudos da pesquisadora Adélia Nicolete, entre os quais chama a atenção o
artigo “Criação coletiva e processo colaborativo: algumas semelhanças e diferenças no
trabalho dramatúrgico”, publicado em 2002, na revista Sala Preta do Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo. Também é importante mencionar que sua dissertação de mestrado, intitulada “Da cena
ao texto: dramaturgia em processo colaborativo”, defendida na Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, em 2005, aprofunda a discussão sobre a função do
dramaturgo na sala de ensaio e servirá de base para estudos mais recentes, como os do
pesquisador Rafael Luiz Marques Ary (2011 e 2015), que discutem sobre a diversidade de
procedimentos de criação e as oportunidades de formação dramatúrgica relacionada ao
Processo Colaborativo.
Por outra parte, a partir da literatura estudada e das entrevistas realizadas, identifico
dois procedimentos metodológicos comuns no Processo Colaborativo, que têm a finalidade de
potencializar a horizontalidade nas relações entre os criadores do espetáculo: 1) a definição
das funções e 2) a organização horizontal.

36 ABREU,Luís Alberto de.. Processo colaborativo: relato e reflexão sobre uma experiência de criação.
Cadernos da Escola Livre de Teatro. Santo André, v. 1, n. 0, 2003 e ABREU, Luís Alberto de. A personagem
contemporânea: uma hipótese. Revista Sala Preta. São Paulo: Departamento de Artes Cênicas. Escola de
Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, n. 1, 2001.
31

1.1.1 Definição das funções

O primeiro procedimento metodológico consiste em se reconhecerem as


especificidades, habilidades, formação e níveis de compromisso de cada uma das pessoas
envolvidas no projeto cênico para, posteriormente, serem definidas as funções.
Para Araújo (2008), a definição das funções acontece, geralmente, no início do
processo. "O trabalho de criação só se inaugura, de fato, a partir desse pacto previamente
estabelecido (ARAÚJO, 2008: 59)”. É evidente que, em grupos e coletivos de muitos anos de
trabalho contínuo, esta definição das funções já foi consolidada, não precisando mais do
consenso coletivo.
A definição das funções é o modo de manter as autonomias dentro do coletivo, sem,
no entanto, dispensar os criadores de participarem das outras funções. Esse aspecto é o que
diferencia o Processo Colaborativo dos processos criativos tradicionais, dado que, por
exemplo, não reduz o trabalho do ator às funções relacionadas, exclusivamente, com a
atuação, como é esperado em procedimentos criativos tradicionais. No Processo Colaborativo,
a definição das funções é o procedimento para encaminhar o processo criativo de modo
eficiente e organizado.

1.1.2 Organização horizontal

O segundo procedimento metodológico consiste em se estabelecer, como estrutura de


trabalho, a noção de uma organização horizontal que situa todos os criadores no mesmo nível
de compromisso e responsabilidade. “Isso significa que busca prescindir de qualquer
hierarquia pré-estabelecida e que feudos e espaços exclusivos no processo de criação são
eliminados” (ABREU, 2003: 33)
É claro que um Processo Colaborativo não está restrito às figuras de ator, diretor e
dramaturgo e que pede cenógrafos, figurinistas, sonoplastas, produtores, músicos, etc., para a
criação do espetáculo. Apesar disso, a literatura que estudei, centrada nas formas que essas
três funções são exercidas no âmbito do Processo Colaborativo, me conduziu a situar, como
princípio norteador, essa tríade Ator + Dramaturgo + diretor.
A colaboração faz com que se misturem ou se diluam os limites entre as funções do
ator, diretor e dramaturgo, de modo a situar a dinâmica das relações dentro dos parâmetros de
uma organização horizontal e de parceria.
32

Volto à imagem do modo de organização do Devised theatre, apresentado por Oddey


(1996), com o fim de situar o campo de ação do presente estudo, que aprofunda a reflexão
sobre a função do ator e a do diretor no Processo Colaborativo. Nesse sentido, é importante
tornar claro que, nos dois espetáculos que analisarei no próximo capítulo - Manuales de (in)
seguridad (2012) e El Patio (2013) -, a função do dramaturgo é assumida pelos atores e
diretores.

Ator Diretor

Dramaturgo

1.2 INFLUÊNCIAS DA PERFORMANCE ART E NA CRIAÇÃO COLETIVA

O Processo Colaborativo tem suas raízes nas tendências artísticas da década de 1960 e
1970, que revolucionaram aspectos fundamentais do fazer teatral, como as formas de
organização de grupos e os modos de criação dos espetáculos. Autores como Luís Alberto de
Abreu situam a Criação Coletiva como o antecedente direto do Processo Colaborativo, enquanto
estudos de autores como Silvia Fernandes permitem entender que a Performance Art é outro de
seus antecedentes mais importantes.
Tanto as práticas latino-americanas de Criação Coletiva quanto a Performance Art,
desenvolvida nos Estados Unidos, foram tendências de modos de criação que transformaram, a
partir da segunda metade do século XX, a história do teatro da América. Os fundamentos e
princípios de cada tendência estão estreitamente vinculados às circunstâncias políticas e culturais
do ambiente geográfico de seus autores e ao contato que eles tiveram, na época, com outras
tendências artísticas da Europa e Ásia. Na atualidade, no entanto, ambas as práticas seguem em
absoluta vigência no mundo todo.
Seria interessante uma revisão histórica da Criação Coletiva e da Performance Art que
levasse a uma discussão profunda sobre suas divergências e convergências, mas isso me afastaria
do caminho de minha pesquisa. Portanto, unicamente apresentarei as características gerais de
cada tendência, para posteriormente identificar os aspectos que considero presentes no Processo
33

Colaborativo e que têm a função de serem vestígios ou evidências de algumas de suas raízes, a
Criação Coletiva e a Performance Art.

1.2.1 Performance Art

A Performance Art é uma tendência artística que surgiu nos Estados Unidos no início
da segunda metade do século XX e se constituiu como um conjunto de atividades e eventos
públicos de natureza interdisciplinar chamados, cada um, de performance. A importância
dessa tendência corresponde à sua natureza como cruzamento entre diversas expressões
artísticas e práticas culturais e, no alcance da sua difusão, ao influenciar as práticas teatrais
dos últimos trinta anos.
Entre as primeiras referências teóricas sobre os estudos da Performance, destaca-se o
argentino Jorge Glusberg (1932-2012), antigo professor da New York University e autor do
livro The Art of Performance, cuja primeira edição foi publicada em 1980, pelo departamento
de arte e educação da mesma universidade. Segundo Glusberg (2013),

As performances trabalham com todos os canais da percepção, isso se dando, tanto


de forma alternada, quanto simultânea. Elas são construídas sobre experiências
tácteis, motoras, acústicas, cinestésicas e, particularmente, visuais. De fato, a
maioria das classificações existentes são baseadas nessa taxonomia sensorial
perceptiva (GLUSBERG, 2013: 71)

Por outra parte, para o antropólogo americano Richard Schechner (2000), fundador do
Departamento de Estudos da Performance também da New York University, uma
performance, como um ritual, está conformada por sete fases: 1) treinamento, 2) oficina, 3)
ensaio, 4) aquecimento, 5) performance, 6) desaquecimento e 7) consequências.37 A
relação entre Performance e ritual já havia sido descrita por Glusberg (2013), quando afirma
que

37Richard Schechner realizou estudos antropológicos em diversas comunidades da Ásia, na década de


1970, e observou que vários ritos orientais tinham propósitos cênicos. Assim, com base nessas
experiências, Schechner desenvolveu a teoria de que os eventos performativos contêm estruturas e
propriedades ritualísticas. Ver em Schechner, Richard. Performance: teoria y prácticas interculturales.
Buenos Aires: Secretaria de Extensión Universitaria y Bienestar Estudiantil, Universidad de Buenos Aire,
2000.
34

Não devemos esquecer que as performances retomam elementos gestuais que


remetem a um passado distante, no Oriente, berço por excelência dos rituais e das
práticas corporais, onde as marcas de diferenciação entre os direitos humanos são
orientadas por distinções do tipo puro e impuro, sagrado e profano, intocável e
acessível. (GLUSBERG, 2013: 72)

Renato Cohen (2007), antigo professor da Universidade Estadual de Campinas e autor


do livro “Performance como linguagem”, cuja primeira edição é de 2002, da editora
Perspectiva (São Paulo), compartilha com Glusberg (2013) e Schechner (2000) a premissa de
que a performance provém do rito, quando afirma que “[...] há uma corrente ancestral da
performance que passa pelos primeiros ritos tribais, pelas celebrações dionisíacas dos gregos
e romanos, pelo histrionismo dos menestréis e por inúmeros outros gêneros, calcados na
interpretação extrovertida [...]” (COHEN, 2007:41).
A noção da Performance como uma expressão cênica está baseada na quinta fase do
rito descrita por Richard Schechner (2000), isto é, a Performance ou o instante preciso em que
ação acontece.

É interessante voltarmos à etimologia da palavra performance, um vocábulo inglês,


que pode significar execução, desempenho, preenchimento, realização, atuação,
acompanhamento, ação, ato, explosão, capacidade ou habilidade, uma cerimônia, um
rito, um espetáculo, a execução de uma peça de música, uma representação teatral
ou um feito acrobático. (GLUSBERG, 2013: 72)

Sobre esse assunto, é interessante voltar ao pensamento de Cohen (2007) e ver que
coincide com o de Glusberg (2013), quando centra sua análise também na dimensão da quinta
fase da performance - ou seja, no acontecimento. "Reforça-se com semelhante uso de espaço a
situação de rito, da prática em si, da transição do Que para o Como (a história, o que está
sendo narrado, em si não é o mais importante, interessa mais a própria prática, o happening, o
acontecimento)" (COHEN, 2007: 83).
É claro que, na Performance Art, o foco recai sobre as ações performativas e os
acontecimentos, dado que é esse um de seus princípios norteadores. No entanto, continuando
com a teoria de Glusberg (2013), também é importante que o corpo do artista seja afetado
durante o processo da Performance.
35

Esses trabalhos mostram a dissolução do happening em modalidades retóricas mais


sustentadas, nas quais a presença física do artista cresce de importância até se tornar
a parte essencial do trabalho. Na verdade, essa transição é provocada pelos próprios
artistas que trabalham com happening: eles advertem, porém, que não basta
incorporar seres vivos ao environment- mesmo se um deles for o próprio artista- é
necessário transformar o artista na própria obra. (GLUSBERG, 2013: 39)

É importante tornar claro que a Performance Art vem nomear uma série de
experiências artísticas que estavam sendo praticadas desde décadas anteriores, por músicos,
atores e artistas plásticos. Segundo Glusberg (2013), a apresentação do concerto Untitled
Event, do músico americano John Cage, em 1952, é o acontecimento que define o início da
Performance Art nos Estados Unidos. Assim, Glusberg comenta que:

Com Untitled Event (Evento sem Título), Cage se propôs a uma fusão original de
cinco artes: o teatro, a poesia, a pintura, a dança e a música. Sua intenção era
conservar a individualidade de cada linguagem e, ao mesmo tempo, formar um todo
separado, funcionando como uma sexta linguagem. Nessa obra Cage aplicava suas
idéias sobre o acaso e a indeterminação, que ele já vinha testando na música, nas
suas tentativas, junto com a bailarina Merce Cunningham, de buscar uma renovação
do balé. (GLUSBERG, 2013: 25)

Assim, a Performance Art vem a ser o “sexto discurso” de Glusberg (2013). Como
mencionei no começo do subcapítulo, o importante é o resultado do cruzamento entre todas as
artes, que define a Performance.
Tanto para Cohen (2007) quanto para Glusberg (2013), o grupo Living Theatre,
fundado em 1947 por Judith Malina (1926-2015) e Julian Beck (1925-1985), é um dos grupos
teatrais americanos mais influentes e representativos da Performance Art. Seus modos de
criação, as estéticas e temáticas de seus espetáculos, assim como a relação com programas de
ativismo social, tornaram-se referências norteadoras do teatro contemporâneo.
O grupo Living Theatre chega, pela primeira vez, ao Brasil em julho de 197038,
convidado por Zé Celso Martinez Correa para trabalhar junto com o grupo Teatro Oficina.
Naqueles anos, o grupo americano já era reconhecido internacionalmente como ícone do
teatro de grupo da vanguarda. Os atores do Living Theatre criavam seus espetáculos de modo
coletivo e em contato direto com as comunidades. Era um grupo de clara posição social e

38Para mais detalhes sobre as experiências do grupo Living Theatre no Brasil, ver LIGIÉRO, Z. Corpo a
corpo. Estudos das performance brasileiras. Editora Garamond. Rio de Janeiro, 2011. p- 45-55.
36

política, motivada por um espírito de rebeldia, provocação e ativismo, características


importantes da Performance Art.
Segundo o artista e investigador brasileiro Zeca Ligiéro, o grupo Living Theatre foi
convidado ao país com a intenção de apoiar os artistas brasileiros na luta contra a ditadura39.
Os atores americanos usavam técnicas da antropologia social, como entrevistas e observação
participativa, para pesquisar sobre temas sociais e políticos das comunidades e, assim, criar os
materiais para os espetáculos. Esse procedimento estava sendo eficaz para “empoderar” as
comunidades e os próprios artistas e, assim, fortalecer os movimentos de resistência contra
sistemas autoritários, interesse que também perseguia o grupo Teatro Oficina. Tornou-se
objetivo primordial que o público deixasse de assistir às obras como um observador passivo,
para se tornar parte do processo de criação. Sobre uma dessas experiências no Brasil, Ligiéro
(2011) comenta sobre a obra “Favela”, criada pelos atores do Living Theatre a partir da
convivência com os habitantes da favela Buraco Quente, na periferia da cidade de São Paulo:

As crianças reconheceram que suas próprias vidas estavam sendo representadas


pelos atores, e os objetivos do Living Theatre foram alcançados. A vida estava
dentro do ritual da representação; arte e realidade estavam integrados na
Performance. (LIGIÉRO, 2011: 51)

A convivência entre o Living Theatre e o grupo Teatro Oficina não foi nada
harmoniosa, ainda que estivesse motivada pelas ideias de “paz” e “liberação”, próprias do
espírito jovem da época. As diferenças culturais, os conflitos pessoais e o contexto de ditadura
foram elementos importantes dessa experiência artística. Sob esse ambiente de tensão, a
professora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas, Dra.
Isa Kopelman, compartilha uma de suas lembranças de quando era estudante e trabalhou
como atriz junto com o Teatro Oficina e o Living Theatre:

Era uma crise pessoal, estética e também ideológica, era uma tensão entre vida e

39Cé Zelso Martines conhece Judith Malina em Paris e se interessa pela experiência do grupo Living Theatre
em processos políticos e sociais nos Estados Unidos durante a década de 1960, reconhecido por seu
trabalho criativo de perspectiva multidisciplinar em relação dialética com o povo. Para mais detalhes, ver:
Ligiéro Zeca. Corpo a corpo. Estudo das Performances brasileiras. Garamond. Rio de Janeiro, 2011. p.
45-55.
37

arte, em parte provocada pelas brigas que os sócios tinham40, mais o clima de
paranoia (porque estávamos na alta da ditadura). Era uma loucura, mas que se fazia
muito trabalho prático e se discutia muito. [...] 41

Enfim, tais experiências, como o encontro entre o grupo Living Theatre com o Teatro
Oficina, foram importantes para o crescimento do teatro de tendência performativa na cena
teatral brasileira da época. Os grupos e artistas brasileiros foram exercendo suas próprias
técnicas e estéticas dentro do movimento internacional da Performance Art. Portanto, creio
que algumas dessas experiências perfilam uma parte do que seria a gênese do que hoje é
chamado de Processo Colaborativo.
As linguagens estéticas e procedimentos de criação de alguns espetáculos de
referência do teatro de Processo Colaborativo, como Apocalipse 1,11 (2000), do grupo Teatro
da Vertigem, Café com Queijo (2002), do grupo Lume, e também A Saga de Canudos (2002),
do grupo Tribo de Atuadores Ói Nóis aqui Traveiz42, revelam equivalências e pontos de
contato com princípios da Performance Art. Os pontos que considero como os mais relevantes
para o presente estudo são: 1) work in progress; 2) a relação com o corpo; 3) a
autorreferência43; e 4) o uso de espaços alternativos.

1.2.1.1 Work in progress

Na Performance Art, o importante é o processo de criação e não o produto final, o que


significa tomar a obra como um processo de construção constante e entendê-la a partir de seu
próprio processo criativo, cujo maior valor está atribuído ao artista. Segundo Silvia Fernándes
(2012), “para este argumento, interessa apenas reter a afirmação de que a performance nunca
é um objeto ou uma obra acabada, mas sempre um processo, por estar ligada ao domínio do
fazer e ao princípio da ação”. (FERNANDES: 2012, 24)
É assim que o foco recai sobre a execução dos artistas e o acontecimento cênico. O
importante é “o aqui e agora”, isto é, o momento imediato em que a obra de arte está sendo

40 Refere-se a Fernando Peixoto, Renato Borghi, Ítala Nandi e José Celso Martinez Correa com os integrantes
do grupo americano Living Theatre e o argentino Los Lobos.
41 KOPELMAN, Isa. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela professora do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 31 de
março de 2015.
42 Alguns destes espetáculos foram analisados por Stela Fischer (2003), na sua dissertação de mestrado, e
pelo professor Dr. Mário Santana (2003), na sua tese de doutorado. Para mais detalhes sobre ambos os
documentos ver as referências bibliográficas.
43 Termo usado por Silvia Fernandes (2010) p. 8.
38

criada e mostrada simultaneamente. Essa ideia é, claramente, explicada por Renato Cohen
(2007), com o seguinte exemplo:

Apesar de sua característica anárquica e de, na sua própria razão de ser, procurar
escapar de rótulos e definições, a performance é antes de tudo uma expressão
cênica: um quadro sendo exibido para uma platéia não caracteriza uma
performance; alguém pintando esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la.
(COHEN, 2007: 28)

Segundo Cohen, o aspecto processual da Performance Art está presente no conceito de


work in progress, sugere que a ideia de obra ou produto é uma estação do processo, em que os
erros e os imprevistos definem o trajeto criativo : “O produto, na via do work in progress, é
inteiramente dependente do processo, sendo permeado pelo risco, pelas alternâncias dos
criadores e atuantes e, sobretudo, pelas vicissitudes do percurso.” (COHEN, 2006: 18)
Por último, é importante tornar claro que a relação da Performance com as
práticas teatrais é examinada sob duas perspectivas: a primeira provém do americano Richard
Schechner (2000), que explica o fenômeno em relação aos estudos culturais; e a segunda,
liderada pela pesquisadora Josette Féral (2009), que reconhece as experiências da
Performance Art como a gênese de uma nova vertente teatral chamada, pela autora, de Teatro
Performativo.

Esse teatro, que chamarei de teatro performativo, existe em todos os palcos, mas foi
definido como teatro pós-dramático a partir do livro de Hans-Thies Lehmann,
publicado em 2005, ou como teatro pós-moderno. Gostaria de lembrar aqui que seria
mais justo chamar este teatro de ‘performativo’, pois a noção de performatividade
está no centro de seu funcionamento. (FÉRAL, 2009: 197)

Nos estudos teatrais no Brasil, será a pesquisadora Silvia Fernandes (2010) quem
analisará as práticas cênicas brasileiras de tendência performativa, tomando, como filtro
teórico, tanto o pensamento de Féral (2009) quanto de Hans-Thies Lehmann (2013) e Cohen
(2006 e 2007).

No caso da cena brasileira, os espetáculos do Teatro da Vertigem constituem um


campo fértil de produção dessa teatralidade performativa. Não apenas porque o
39

grupo escolhe espaços não convencionais para suas apresentações, mas


especialmente porque desenvolve sua teatralidade com base na ocupação desses
lugares a partir de vetores de movimento e de corporeidade dos atores. Valendo-se
de recursos da performance, do cinema e da arquitetura cria dramaturgias marcadas
por um poderoso hibridismo de gêneros, projetado por absoluta necessidade dos
espaços e da turbulência temática, associada a questões candentes da atualidade
brasileira. (FERNANDES, 2010: 126)

1.2.1.2 Relação com o corpo

Na Performance Art, o corpo do artista funciona como um dos meios mais efetivos
para a construção de discursos artísticos que acentuem a relação da Performance com o rito.
Para Glusberg (2013), o uso do corpo como meio de expressão é um princípio do nascimento
da própria história da arte, mas que a Performance Art retoma na procura de novas
ressignificações sobre o corpo na cena. "A utilização do corpo como meio de expressão
artística, tende hoje a recolocar a pesquisa das artes no caminho das necessidades humanas
básicas, retomando práticas que são anteriores à história da arte, pertencendo à própria origem
da arte". (GLUSBERG, 2013: 51)
Para a pesquisadora Silvia Fernandes (2014), a relação do artista com seu próprio
corpo é o princípio performativo que estaria presente no Processo Colaborativo, o que implica
considerar que a performatividade faz-se presente no Processo Colaborativo no modo como o
ator se coloca frente às perguntas que o processo criativo levanta. Esse modo de se colocar
não é restrito a uma poética teatral específica delimitada, na medida em que o ator é livre para
expor sua intimidade e assumir riscos relacionados com seu corpo.

1.2.1.3 Autorreferência

A autorreferência é o modo como diversos artistas da Performance Art criam suas


obras baseadas na vivência pessoal, sendo eles mesmos “sujeitos reais” frente ao público e
não uma construção ficcional ou uma representação de outro ou de si mesmo. Essa exposição
íntima e pessoal, em que consistem os procedimentos criativos de autorreferência,
potencializa a estreita relação do ator com a obra. Para Sílvia Fernandes (2014), esse é um
aspecto que permite identificar o sentido performativo no Processo Colaborativo. "Então o
que eu acho, por exemplo, da performance é que essa “autoralidade”, essa manifestação
autobiográfica e pessoal que a performance tem, essa questão da técnica própria do artista, ela
40

vai entrar no Processo Colaborativo por esse canal". (FERNANDES, 2014)44.


A cena, como resultado, está estreitamente vinculada à personalidade do ator que se
manifesta em sua capacidade performativa de se colocar no processo de criação. Portanto, a
autoria do ator sobre a obra não está restrita à criação de uma presença física apenas, como é
entendida no processo de criação tradicional, mas abrange o modo como ele responde
esteticamente às perguntas que o processo lhe traz. Com relação a isso, Santana (2003)
reflete:

A assunção de um envolvimento diferenciado, pela particularidade da pessoa do


artista em sua relação com a temática da obra, se não é prerrogativa para a eficiência
do resultado, é fundamental para que a participação do ator seja, realmente, ativa no
processo de criação do espetáculo e criadora no tocante ao que venha a realizar.
Assim, creio que dar vazão e mesmo exercitar a manifestação de um posicionamento
próprio, em relação àquilo de que tratam a sua personagem e o espetáculo, é
essencial para que no seu trabalho de ator se manifeste a característica artística
pessoal necessária à denominação de obra autoral. (SANTANA, 2003: 19)

1.2.1.4 Uso de espaços alternativos

As fontes para a geração de materiais criativos, na Performance Art, centraram-se no


âmbito da cotidianidade, com o fim de que os discursos artísticos afirmem a importância do
real. O uso de espaços não tradicionais para a apresentação das obras faz pensar nos riscos e
perigos em que está imerso o trabalho do ator. Colocar-se em risco é uma conduta que
potencializa o princípio performativo e processual da obra. A esse respeito, Silvia Fernandes
mais uma vez aponta:

A carga simbólica e política dos espaços públicos escolhidos para as apresentações e


o desempenho dos atores, que agride os espectadores com sua violenta exposição
corporal, transformam os espetáculos em fluxos processuais de teatralidade que se
assemelham a eventos de risco. (FERNANDES: 2010, 103).

O grupo Teatro da Vertigem pode ser considerado a referência icônica desta relação
performativa do uso de espaços alternativos como parte do próprio discurso das obras e, sem
dúvida, do grau de risco e da performatividade dos atores nesses espaços, que convergem com

44 Ibid.
41

os princípios basilares da corporeidade inerente ao rito. Como demonstração, menciono


alguns exemplos de espaços usados pelo grupo Teatro da Vertigem ao longo de sua trajetória.

Peça: O paraíso perdido (1992). Local: Igreja de Santa Ifigênia, na cidade de São
Paulo.
Peça: Bom Retiro 958 Metros (2012). Local: Ruas do bairro Bom Retiro, na cidade de
São Paulo.
Peça: BR-3 (2006). Local: Rio Tietê, na cidade de São Paulo.
Peça: A última palavra é a penúltima 2.0 (2014). Local: Passagem da Rua Xavier de
Toledo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.

1.2.2 Criação Coletiva

A ideia de criar coletivamente é um princípio intrínseco do teatro, que tem


permanecido desde as primeiras experiências teatrais da Grécia antiga até as mais diversas
tendências contemporâneas.
A chamada Criação Coletiva é um modo particular de exercer este princípio básico do
teatro, que está baseado nas reflexões e estudos de experiências de grupos e artistas da
América Latina a partir da década de 1970. A Criação Coletiva foi uma das tendências mais
marcantes do teatro latino-americano das últimas décadas, até ser conceituado como um dos
métodos de criação mais difundidos do teatro mundial.
Assim, idealmente, a Criação Coletiva é um método de criação cênica baseado em
uma estrutura organizativa circular, isto é, sem nenhum tipo de hierarquia: atores, diretores,
músicos, dramaturgos, entre outros, participam ativa e igualitariamente de todo o processo de
criação da obra.

Essa forma de criação é reivindicada como tal por seus criadores desde os anos
sessenta e setenta. Está ligada a um clima sociológico que estimula a criatividade do
indivíduo em um grupo, a fim de vencer a “tirania” do autor e do encenador que
tendem a concentrar todos os poderes e a tomar todas as decisões estéticas e
ideológicas”. (PAVIS, 1999: 79).

As origens do método da Criação Coletiva, na América Latina, são atribuídas ao


trabalho dos grupos colombianos Teatro Experimental de Cali, fundado em 1955 pelo diretor
42

Enrique Buenaventura e pela atriz Jaqueline Vidal, e La Candelaria, fundado pelo diretor
Santiago García em 1966.
Em 2006, a revista brasileira Camarim, publicada pela Cooperativa Paulista de Teatro,
dedicou sua edição número trinta e sete à gênese e prática do teatro de grupo na América
Latina. Chama a atenção um texto dos próprios fundadores do Teatro Experimental de Cali,
escrito no ano de 1971 e reescrito pela mesma atriz Jaqueline Vidal, no ano de 2004, junto
com atores e atrizes que continuam na via da criação coletiva no teatro atual da Colômbia.
Nesse importante texto, os pioneiros da criação coletiva comentam sobre o sentido que tem o
conceito de “método” na prática coletiva:

No processo de trabalho e, sobretudo, com base na análise dos erros e fracassos, nos
demos conta de que a aspiração a uma verdadeira criação coletiva, ou seja, a uma
participação criadora por parte de todos os integrantes, mudava radicalmente as
relações de trabalho e a maneira de encarar este trabalho. Exigia a necessidade de
um método. (BUENAVENTURA, E. VIDAL, Jaqueline, 2006: 31)

Para Buenaventura e Vidal (2006), nos primeiros processos criativos do grupo Teatro
Experimental de Cali, a função do diretor era exercida no sentido tradicional, isto é, aceitava-
se a discussão coletiva nos ensaios, mas o determinante era a ideia do diretor sobre toda a
encenação. Entretanto, ao longo de diversos processos, os atores tiveram maior oportunidade
de se inserir nas decisões relacionadas à obra como um todo.
Essas discussões, no entanto, foram levando à conformação de funções em que os
atores estavam cada vez mais envolvidos nas ideias globais da encenação. Estava formando-se
uma geração de atores mais participativos e, claro, com mais experiência e confiança no
trabalho em equipe.
Assim, “Em trabalhos posteriores esta participação foi sendo ampliada e finalmente
entrou em franca contradição com a concepção do diretor”. (BUENAVENTURA, E. VIDAL,
Jaqueline, 2006: 31). Nessa mesma edição da revista Camarim, a pesquisadora brasileira
Luciana Magiolo (2006) amplia o panorama histórico da Criação Coletiva com uma análise
do movimento teatral da América Latina da década de 1950, chamado “Novo Teatro”, que
corresponde à gênese dos grupos de Criação Coletiva. Para Magiolo (2006),

O Novo Teatro vem com uma perspectiva popular, como um espaço cultural que
43

permite a expressão de temas e conteúdos que não haviam sido representados


anteriormente, esmera-se em recolher na história e na exigência dos diferentes
grupos documentos que depois são trabalhados dramaticamente e devolvidos ao
povo na forma teatral. (MAGIOLO, 2006:12)

Os princípios norteadores do Novo Teatro, que anos mais tarde são conjugados na
Criação Coletiva, estão estreitamente vinculados a um ambiente sociológico caraterizado por
ditaduras militares e revoluções que atravessavam a maioria dos países da América Latina.
Para Santiago García, diretor do grupo de teatro La Candelaria, a gênese da Criação Coletiva

Estaria relacionada, neste momento, aos conceitos e posições políticas do artista ou


dos artistas e à forma como, através da realização da obra, estas ideias, conceitos e
apreciações vão sendo questionados, criticados, analisados, isto é, interpretados
(GARCÍA, 1988: 13).

A esse respeito, o diretor brasileiro Antônio Araújo também agrega:

Muitas são as razões levantadas para o surgimento da criação coletiva. Tanto os


elementos conjunturais da época – marcada pela contracultura, pelo movimento
hippie e seu projeto comunitário, pelo ativismo político e libertário acentuado –
quanto as necessidades especificamente teatrais – falta de uma dramaturgia que se
moldasse perfeitamente às inquietudes sociais, temáticas e estéticas dos grupos de
teatro de então, ou ainda, a busca de uma relação mais participativa com o público –
tudo isso é invocado para justificar o aparecimento deste novo modo de criação
(ARAÚJO, 2008: 28).

Alguns dos grupos mais importantes de Criação Coletiva da América Latina foram
fundados dentro do movimento do Novo Teatro, isto é, a partir da década 1950. Portanto, a
década de 1970 corresponde à fase mais importante do amadurecimento destes grupos.
Os grupos de referência de teatro de Criação Coletiva são os já mencionados La
Candelaria (1966) e o Teatro Experimental de Cali (1955), na Colômbia. No Uruguai, a
principal referência é o grupo El Galpón (1949), que é a união do diretor Atahualpa del
Cioppo, do grupo La Isla, com os atores do grupo El Pueblo, e, no Chile, o grupo ICTUS
(1955), do reconhecido dramaturgo Jorge Díaz. Em Cuba, o grupo Escambray (1968) é hoje
considerado a mais importante escola de formadores de atores de teatro e cinema do país.
É claro que os grupos acima mencionados têm histórias e contextos diferentes e que a
44

Criação Coletiva, ainda que seja chamada de “método”, é, antes, uma tendência de um modo
de criação que busca dar conta das necessidades de cada grupo e das realidades de seus países.
Como afirma Santiago García,

Cada obra exige uma técnica ou uma forma diferente de fazer as improvisações. Não
podemos contentar-nos com fórmulas de improvisação resultantes dos trabalhos
anteriores, ou com esquemas de trabalho produzidos por outros grupos. Quando
caímos na tentação de aplicar fórmulas estranhas ao trabalho que neste momento se
desenvolve, os resultados foram lamentáveis e tivemos que voltar ao caminho da
invenção sobre o mesmo terreno do trabalho. (GARCÍA, 1988: 32).

No Brasil, a Criação Coletiva também foi uma tendência marcante do teatro da década
de 1970 e suas origens também estão relacionadas ao movimento do Novo Teatro da década
de 1950. A respeito ao teatro brasileiro da década de 1970, uma referência teórica importante
é o livro da pesquisadora Silvia Fernandes, chamado “Grupo teatrais anos 70”, publicado pela
editora da UNICAMP, em 2000. Nas primeiras páginas desse livro, Fernandes (2010)
comenta que

No dia 10 de julho de 1974, estréia em São Paulo, na Sala Gil Vicente do Teatro
Ruth Escobar, O que você vai ser quando crescer?. Nos créditos da produção, a
marca que se transformaria em tendência no decorrer da década de 70: “criação
coletiva do Royal Bexigas’s Company”, um grupo cooperativo de teatro. Formado
em princípios de 1972 a partir da reunião de alguns colegas de turma da Escola de
Arte Dramática- Jandira Martini, Vicente Tuttoilmondo, Eliana Rocha e Ney
Latorraca, aos quais se juntaram Ileana Kwasinski e Francarlos Reis, dois atores
profissionais -, o grupo já apresentava características que definiriam uma prática
teatral freqüente na década de 70. (Fernandes, 2000: 21).

A pesquisadora Silvia Fernandes (2000) analisa o processo de criação de espetáculos


de quatros grupos brasileiros fundados na década de 1970 que mostram uma tendência à
Criação Coletiva. Os grupos estudados são Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972), o
Ornitorrinco (1977), Ventoforte (1974), Pod Minoga (1966) e Mambembe (1976).
É interessante que Fernandes (2000), através da experiência do grupo Asdrúbal Trouxe
o Trombone, aponte para o que é considerado o aspecto fundamental do método da Criação
Coletiva, isto é, a eliminação de hierarquias na organização interna do grupo, para que toda a
equipe participe de maneira ativa e igualitária no processo de criação da obra:
45

O que se constata é que a opção por um modo coletivo de criação, pelo menos no
caso do Asdrúbal, acaba eliminando a hierarquia das várias funções artísticas, pois
todos os praticantes têm direitos iguais sobre o produto artístico. O resultado do
processo é que o espetáculo ganha autoria coletiva (Fernandes, 2000: 71).

Sobre o assunto da autoria coletiva que Fernandes (2000) aponta, muitos grupos de
Criação Coletiva mostravam uma tendência para desenvolver uma dramaturgia própria que
fosse o resultado do processo de criação. Portanto, uma das primeiras fases do método
consiste na seleção e exploração de um tema, como explica o diretor Santiago García (1988):

No processo este “tema” vai aparecendo paulatinamente na medida em que são


descobertas suas diferentes camadas através das improvisações. De modo que no
início do trabalho o tema é sumamente vago, às vezes obscuro. É através da
elaboração da forma que se vai esclarecendo, se definindo o “tema” (GARCÍA,
1988: 25).

Para as descobertas das diversas camadas do tema do espetáculo, a equipe empreendia


um processo intensivo de pesquisa que respondesse às necessidades e especificidades do tema
selecionado. Como explica Enrique Buenaventura,

A experiência nos demonstra que, para que o método funcione, o trabalho de


elaboração e de projeção do produto ao público deve ser complementado com um
seminário teórico/prático, no qual os atores desenvolvam seus meios expressivos e
estudem economia política, psicologia, lingüística etc (BUENAVENTURA e
VIDAL, 2006: 33).

Por último, embora não seja o intuito desta pesquisa estudar a fundo o método da
Criação Coletiva e sua contextualização histórica, foi necessário fazê-lo, mesmo que
sucintamente, para identificar os dois aspectos principais que considero que também estão
presentes no Processo Colaborativo: 1) criar em equipe e 2) nova dramaturgia45.

45“[...] o processo colaborativo estimula ativamente a escritura de peças. Nesse sentido, ele poderia estar
inserido no que vem sendo chamado de “nova dramaturgia”, pois, além de funcionar como uma estrategia
de criação textual, ele, de fato, produz novas peças e revela à cena novos dramaturgos” (ARAÚJO, 2008:
66).
46

1.2.2.1 Criar em equipe

O Processo Colaborativo retoma, da Criação Coletiva, o princípio de criar em equipe,


isto é, levar em consideração a diversidade de pensamento de todas as pessoas presentes no
processo de criação para a construção de uma obra de autoria coletiva.
No entanto, na Criação Coletiva, a continuidade e amadurecimento do conhecimento
gerado em cada processo criativo acontecia porque toda a equipe de artistas participava de
todos os processos criativos ao longo da própria vida do grupo. É, então, um elemento que
não está presente no Processo Colaborativo e que abre a oportunidade para pensar sobre as
desvantagens da prática da impermanência, dado que cada vez mais é comum ver que a vida
de um grupo ou núcleo artístico está limitada ao tempo de execução de um projeto46. Assim, o
conhecimento que é gerado no processo de criação fica restrito ao diretor e, com êxito, a
alguns poucos atores que permaneçam. Será que esta é a maior debilidade do exercício do
Processo Colaborativo na atualidade? Será que a ideia de “colaborar” promove a prática da
impermanência e do descompromisso com um grupo? Será que o Processo Colaborativo foi
se consolidando, a partir da década de 1990, como uma estratégia atenuante para reagir à crise
do teatro de grupo dos anos 1980?
Sobre esses questionamentos, é oportuno observar o caso do Teatro da Vertigem. Para
esta reflexão, tomei a ficha técnica do primeiro espetáculo do grupo, chamado O Paraíso
Perdido, de 199247, e a contrapus com a ficha técnica da peça “Bom retiro 958 metros”, de
2012. 48
Na primeira edição do espetáculo O Paraíso Perdido, de 1992, participaram 11 atores
- Cristina Lozano, Daniella Nefussi, Eliana César, Evandro Amorim, Johana Albuquerque,
Lucienne Guedes, Marcos Lobo, Marta Franco, Matheus Nachtergaele, Sérgio Mastropasqua,
Sérgio Siviero e Vanderlei Bernardino -, enquanto que, da peça “Bom retiro 958 metros”
apresentada em 2012, participaram 19 atores49, dos quais nenhum esteve no primeiro projeto

46 Muitos dos projetos surgem da ideia de um diretor que convida diversos artistas para que colaborem na
criação do espetáculo, tomando como referência o modo de Processo Colaborativo.
47 O espetáculo “O Paraíso Perdido” teve uma segunda edição no ano 2002, de que participaram novos

atores, como Luciana Schwinden, Luís Miranda, Mika Winiavier, Miriam Rinaldi, Roberto Audio, Sérgio
Siviero. Dessa lista de atores, unicamente a atriz Luciana Schwinden e o ator Roberto Audio participaram
do espetáculo “Bom retiro 958 metros” (2012).
48 Informação tomada do site http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php (visitado o dia 21 de

setembro de 2015)
49Os 19 atores são: Bia Bouissou, Conrado Caputto, Daniel Farias, Elton Santos, Roberto Rezende, Ícaro

Rodrigues, João Attuy, Kátia Bissoli, Leonardo Monteiro, Luciana Schwinden, Mawusi Tulani, Naia Soares,
47

do grupo, ou seja no O Paraíso Perdido, de 1992.


Considerando o Processo Colaborativo como um modo de criação que depende
prioritariamente do trabalho criativo, compromisso e paixão dos atores, que aspectos
influenciam para que uma geração de atores não consiga permanecer unida durante o processo
de vida de um grupo?
Por outra parte, e fazendo o mesmo exercício comparativo com a Companhia do
Latão, também referência do teatro de grupo que cria em Processo Colaborativo, na ficha
técnica do primeiro espetáculo do grupo, chamado Ensaio para Danton, de 199650,
participaram os atores Georgette Fadel, Gustavo Bayer, Gustavo Machado, Maria Tendlau,
Marilza Batista, Nelli Sampaio e Otávio Martins. Já a ficha técnica do espetáculo O Patrão
Cordial, apresentado na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em julho de 2014, traz uma
equipe diferente de atores: Adriana Mendonça, Alvaro Franco, Carlos Escher, Helena
Albergaria, Ney Piacentini, Daniela Casteline, Ricardo Monastero e Rogério Bandeira51.
Sobre mudança de atores entre um projeto e outro na Companhia do Latão, é
interessante a entrevista que realiza a pesquisadora Gabriela Villen Freire Malta com o diretor
Sergio de Carvalho, no dia 07 de julho de 2006, no escritório da Companhia do Latão na Vila
Madalena, em São Paulo.

Eu gostaria de entender como se dá essa questão de grupo. A companhia se


coloca como teatro de grupo, mas o grupo muda constantemente. Quem é a
Companhia do Latão?

Na verdade, é e não é um grupo. Sendo muito sincero, o que eu acho que define o
fato de ser um grupo? Eu não acho que seja ter muitas pessoas que trabalham juntas
durante muito tempo. Não sei se é isso. Eu acho que o que define ser um grupo é ter,
pelo menos, algumas pessoas que permanecem juntas, não por um produto, mas por
vários processos, de forma que o que as une é a perspectiva de que são esses
processos que estão importando, independentemente dos produtos. Então, quer
dizer, em primeiro lugar é a perspectiva do processo. Segundo, a capacidade dessas
pessoas de acumular experiência artística de um processo para o outro. Às vezes,
você está trabalhando com a pessoa e ela não acumula nada. Então, não é o fato de
ela estar ali que faz dela um ator de grupo. É a capacidade de ela estar ali se
assenhorando dos procedimentos do trabalho, do sentido daquela pesquisa, sendo

Raquel Morales, Paula Klein, Renato Caetano, Roberto Audio, Samuel Vieira, Cristiano Alfer e Sofia Boito.
Informação tomada do site http://www.teatrodavertigem.com.br/site/index2.php (visitado o dia 21 de
setembro de 2015)
50Informação tomada da critica de teatro “O prazer de poder recomendar um bom espetáculo” por
Carmelinda Guimarães. A tribuna, Santos, 01 nov. 1996. Em: MALTA, G.V.F. Comunicação e Contra-
hegemonia: o palco de intervenção política da Companhia do Latão. 2010. Dissertação (Mestrado) -
Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p- 142.
51Informação tomada do site da Oficina Cultural Oswald de Andrade Site:
.http://www.oficinasculturais.org.br/noticias/ver.php?id=305 Visitado em: 08/10/2015
48

capaz de se tornar autor de verdade, sendo capaz de trabalhar de modo não alienado.
(CARVALHO, S. 2010, 114-115 In: MALTA, G.V.F. 2010: 114- 115)

É interessante que, tanto no Teatro da Vertigem quanto na Companhia do Latão, a


figura de seus respectivos diretores, Antônio Araújo e Sergio de Carvalho, tem se mantido
constante durante toda a vida produtiva do grupo, sempre na função da direção.
Nesse sentido - e tomando como referência os dois grupos mencionados -, parece que
o Processo Colaborativo não é uma condição única do teatro de grupo, o qual é entendido
como uma comunidade de atores e diretores que cria, conjuntamente, projetos cênicos durante
anos. O Processo Colaborativo, pelo menos no sentido prático, tende a ser um modo de
criação do âmbito da direção para conseguir trabalhar com núcleos de atores- criadores
específicos para projeto cênico. Trata-se, portanto, de núcleos de atores que transitam por
diversas experiências cênicas, tornando-se autores dos processos.

1.2.2.2 Nova Dramaturgia

Outro aspecto da Criação Coletiva que identifico no Processo Colaborativo é a busca


por desenvolver uma nova dramaturgia, que esteja vinculada ao contexto em que os grupos de
artistas estão inseridos. É nesse sentido que a figura do dramaturgo, no Processo
Colaborativo, torna-se fundamental.
O Processo Colaborativo leva em consideração uma das principais críticas que autores
como Antônio Araújo (2008) e Silvia Fernandes (2000) fazem para a Criação Coletiva: a falta
de especialização das funções. Isto é, a especialização das funções na Criação Coletiva era
uma premissa a ser negada, pois o especialista na função produz dentro dos moldes do
mercado. A relação do especialista na função com o grupo é uma relação “de dentro para
fora”, no sentido de que o grupo está unido criando e o especialista é a figura de um técnico
do mercado produzindo um produto para a criação deles. Então, havia rejeição para o produto
padronizado de mercado por ser de um padrão capitalista/burguês ao qual a Criação Coletiva
estava se opondo, sendo essa negativa o modo de negar o próprio mercado, de negar a cultura
comercial que existia. A criação da obra não deveria atender ao modelo de obra
mercadológica, logo, não é preciso saber fazer reproduzindo o modelo de obra de mercado, é
preciso recriar o modelo da obra; o grupo, portanto, tem que criar tudo porque assim estará
criando o modelo de obra grupal e não o modelo de obra comercial. Já no Processo
Colaborativo, a aceitação do especialista é justamente porque não há uma ideia de negação
49

radical do modelo de obra comercial; assim, há uma requisição de qualificação do resultado


que as funções podem proporcionar à obra artística. O que muda, no caso, é a exigência de
que aquilo que um colaborador especialista na função proporciona resulte de seu
acompanhamento ativo de todas as fases do processo de criação52.
Dessa forma, o dramaturgo, sendo o especialista na composição dramatúrgica da obra,
aparece no Processo Colaborativo como modo de afirmar a importância de organizar o
trabalho coletivo por funções específicas e especializadas. É solicitado, no entanto, que essa
composição dramatúrgica suceda durante todo o processo criativo da obra, ou seja, em uma
tentativa também de (re)criar o modelo de obra grupal.
Assim, o processo de escritura do dramaturgo ocorre no desenvolvimento de todas as
fases do Processo Colaborativo. Por exemplo, o dramaturgo participa das discussões coletivas
para a seleção do tema da peça, propõe material dramatúrgico para ser explorado pelos atores
nas fases de improvisação e criação de cenas, atualiza as versões da escrita dramatúrgica a
partir do diálogo entre o consenso coletivo e seu pensamento como especialista e, finalmente,
escreve a última versão da peça, que leva sua assinatura. Isso porque: “Apesar de o texto
escrito em processo colaborativo estar impregnado de referências do grupo, e não tinha como
ser diferente devido à natureza do processo, é importante que o dramaturgo realize sua própria
versão da peça”. (ARY, 2015: 100)
Para o pesquisador Rafael Luiz Marques Ary (2015), na sua tese de doutorado
intitulada “Dramaturgia colaborativa: procedimentos de criação e formação”, defendida em
julho de 2015 no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas, a participação de dramaturgo em experiências de
Processo Colaborativo no teatro brasileiro da década de 1990 gerou a conformação de uma
nova dramaturgia brasileira. "O processo colaborativo foi importante para a dramaturgia
brasileira porque estimulou, sistematicamente, a presença do dramaturgo nos processos
criativos". (ARY, 2015: 50).
Por último, é relevante que o Processo Colaborativo, ao solicitar dramaturgos no
processo de criação das peças, tornou-se uma plataforma importante para a formação de
novos dramaturgos. "A especificidade das experiências em processo colaborativo reside na
importância atribuída à função de dramaturgo pelos grupos de teatro como forte inclinação à
pesquisa de linguagem e no resultado pedagógico sobrevisto desse modo de trabalho. (ARY,
2015: 5).

52 Reflexão desenvolvida a partir de conversações com o Prof. Dr. Mario Santana.


50

1.3 O DIRETOR E O ATOR NO PROCESSO COLABORATIVO

A palavra “função” é utilizada, neste estudo, para definir as tarefas específicas que são
assumidas por cada uma das pessoas que formam a equipe de criação de uma obra cênica: na
“democrática repartição das tarefas práticas” (Fernandes, 2000:14), são definidos aqueles que
assinarão cada uma das funções. Assim, no Processo Colaborativo, ainda que todos possam,
ou devam participar das proposições e discussões sobre todas as áreas, as decisões finais são
assumidas pessoalmente, conforme a função específica de cada um. Nesse tipo de processo, a
especialização e a definição das funções da equipe para a criação da obra têm representado,
para pesquisadores e artistas, uma de suas principais virtudes em comparação com as
experiências da Criação Coletiva da década de 1970. A análise de relatos de experiências
cênicas empreendidas em Processo Colaborativo a partir da década de 1990 no Brasil tem
demostrado que a assunção da responsabilidade pessoal para as funções é um modo de criação
eficiente e gera importantes e satisfatórios resultados.
Com o propósito de delimitar o foco de análise dos dois espetáculos da Costa Rica,
analisarei, unicamente, as funções do ator e do diretor53. Em primeiro lugar, porque, nas
experiências em análise, é possível perceber que tais funções manifestaram características
análogas às presentes em obras cênicas brasileiras criadas em Processo Colaborativo. Em
segundo lugar, porque não é propósito deste estudo encaixar os processos costa-riquenhos no
modelo brasileiro, pois ambos guardam diferenças e semelhanças, mas têm identidades
próprias. Por fim, em terceiro lugar, porque, nos dois espetáculos a serem analisados, a função
do dramaturgo não é exercida por uma pessoa específica; em ambos, atores e diretores
assumem essa função. Com isso, no entanto, não desconsidero, é claro, que “o centro nervoso
do processo de criação cênica se localiza nas funções de direção, atuação e dramaturgia,
embora outras funções possam participar do percurso” (TROTTA, 2006: 159).
No Processo Colaborativo, tanto atores como diretores iniciam o projeto com pouca
clareza de como será criado o espetáculo. Todos embarcam no mesmo risco, e a relação
tenderá a ser mais igualitária em comparação com outros modos de criação nos quais o diretor
já traz ideias preconcebidas sobre o processo e sobre o espetáculo.54.

53 Para facilitar a leitura do texto, uso os termos “diretor” e “ator” no sentido genérico, mas estou me
referindo também às diretoras e atrizes.
54 Para autores como Araújo (2008), o conhecimento que o diretor traz prévio ao processo criativo é o que
aporta um grau de autoridade em relação aos atores e a outros integrantes do projeto.
51

Atores e diretores constroem o trajeto do processo e a concepção do espetáculo a partir


dos materiais que ambos vão produzindo. Portanto, é necessário que ambos “colaborem”
com/para as funções um do outro, a partir de uma dinâmica organizativa horizontal. Para a
pesquisadora brasileira e professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília Dra.
Nitza Tenenblat, os atores e diretores que participam de processos de criação em coletivo
tendem a ser bastante “criativos, propositivos e flexíveis”55, dado que tais qualidades são os
motores do desenvolvimento deste modo de criação.
Desta forma, para que atores e diretores embarquem junto num projeto cênico de
tendência colaborativa, é pertinente que sua dinâmica de trabalho tenha, como base, princípios
como a confiança e a condescendência: confiança para propor ideias ao coletivo e
condescendência para acolher as propostas dos outros. A esse respeito, Tenenblat (2015)
chama, respectivamente, estes dois princípios de proposicionalidade e flexibilidade. "Ainda
que estas duas condições não estejam continuamente presentes de forma satisfatória, a
proposicionalidade é fundamental, pois é por meio dela que cada indivíduo se faz
representado no coletivo" (TENENBLAT, 2015:2).
Tal pensamento já fora afirmado pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu, quando
esclarecia que “o processo colaborativo é dialógico por definição” (ABREU, 2003:39).
Portanto, o importante é o que resulta do convívio entre atores e diretores, assumindo
conflitos e dificuldades como parte do processo e considerando que “a maneira como essa
interferência se dá vai depender do grau de amadurecimento do grupo e da confiança entre os
envolvidos no processo” (ABREU, 2003: 39).
Nesse sentido, a confiança representaria o princípio básico para atores e diretores
possam exercer suas funções com autonomia. Nas palavras de Rosyane Trotta

Quanto mais efetivos os elos que ligam os integrantes ao grupo e sua proposta –
principalmente no que diz respeito a um entendimento comum da concepção que se
coloca em prática e a um vocabulário cênico gerado por experiências anteriores –
maior a possibilidade de autonomia destes artistas. (TROTTA, 2006: 159)

55Informação tomada no IV Simpósio Internacional “Reflexões cênicas contemporâneas”. Instituto de Artes


da Universidade Estadual de Campinas, no período de 24 a 27 de fevereiro de 2015.
52

1.3.1 O diretor

Ao tratar do desenvolvimento da prática teatral na Criação Coletiva e me referir à


importância da independência dos atores em relação à determinância do diretor, ou mesmo à
sua presença no processo, busquei salientar a idealização que guia a interação dos criadores
em tais processos. Idealmente, todos exerceriam as funções de diretores, dramaturgos,
figurinistas, cenógrafos etc, e todos assinariam tudo. A criação em Processo Colaborativo
também solicita que todos exercitem ou participem de diversas funções, mas que mantenham
os responsáveis por assinar as funções específicas. Assim, os responsáveis respondem por
suas funções, mas configuram o resultado agregando colaborações dos demais artistas
envolvidos. O diferencial é que todos os integrantes criam, refletem, falam e colaboram com
todas as funções, mas cada um é responsável pela sua.
Em sua tese de doutorado, Antônio Araújo (2008), refletindo sobre a função do diretor
no âmbito dos processos de criação colaborativa, explica que não há interesse em eliminar a
figura do diretor em tais processos. Para Araújo, a função do diretor é exercida em uma
relação igualitária, na medida em que ele começa o processo com as mesmas incertezas dos
atores e tenderá a não se colocar na atitude tradicional de quem “deve saber todas as
repostas”. Atores e diretores experimentam e pesquisam sobre as perguntas que o processo
criativo levanta, o que significa que "se a horizontalidade das funções é uma regra básica de
funcionamento desse modo de criação, é inegável a revalorização do ator como um criador em
pé de igualdade com o dramaturgo e o diretor" (ARAÚJO, 2008:59).
A discussão sobre a função do diretor, no âmbito do Processo Colaborativo, é uma
resposta atualizada e crítica à intenção da Criação Coletiva de eliminar a figura do diretor,
dado que, sem a função de um diretor, "a criação se torna mais lenta e distendida, o que pode
se tornar um elemento de desgaste nas relações, a longo prazo. Por outro lado, é muito difícil
o amadurecimento de um discurso coletivo, de forma orgânica e consciente, sem ser por essa
via" (ARAÚJO, 2008: 60).
Em relação à figura do diretor, a pesquisadora Stela Fischer (2003) afirma que o
diretor não desaparece, mas é preciso entender que sua função adquire diferentes perspectivas
e propósitos ao longo do processo

Na criação de um evento cênico, entendemos por processo colaborativo o


procedimento que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e demais
artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das formas hierárquicas de organização
53

teatral. Estabelece um organismo no qual os integrantes partilham de um plano de


ação comum, baseado no princípio de que todos têm o direito e o dever de contribuir
com a finalidade artística. Rompe-se com o modelo estabelecido de organização
teatral tradicional em que se delega poder de decisão e autoria ao diretor,
dramaturgo ou líder da companhia (FISCHER, 2003: 39).

As diversas tarefas que desenvolve o diretor ao longo do Processo Colaborativo


podem ser entendidas como as de estimular, observar, organizar e, claro, dirigir. Dessa forma,
a ideia de direção se aproxima de uma visão de liderança e não de autoridade. Fischer, mais
uma vez, aponta que

O diretor, nesse sentido, é responsável pela intervenção para auxiliar a verticalização


do trabalho do ator. A condução do trabalho segue em sintonia com a criação dos
atores, estabelecendo uma relação de compatibilidade com a equipe criadora. Essa
condição não diminui a representatividade do papel do diretor, mas redefine o seu
status de poder na obra. O diretor passa a desempenhar a função de estimulador,
orientador, e organizador do material consolidado pela atuação. (FISCHER,
2003:116)

Por outra parte, é interessante a reflexão de Tenenblat (2015) de que, no contexto de


criação em coletivo, o modo como o diretor assume e exerce sua função depende do grau e
profundidade de participação do coletivo. Segundo Tenenblat (2015), o modo de participação
do grupo gera duas metodologias diferenciadas do trabalho do diretor no contexto coletivo: a
direção e a direcionalidade56.

1.3.1.1 Direção

Direção significa que, inicialmente, o tema e a estética da obra são definidos por uma
única pessoa do grupo e que, posteriormente, são assumidas pelo resto do coletivo. De acordo
com Tenenblat (2015), as decisões tomadas nesse tipo de metodologia orientam o sentido da
direção, porque “[...] o peso da escolha individual possui impacto preponderante”
(TENENBLAT, 2015: 5).
A pesquisadora complementa que, nesse tipo de tendência, quando se inicia a fase de
ensaio e experimentação, é produzido material cênico a partir das propostas de cada uma das

56Termo proposto por Tenenblat no atigo TENENBLAT, N. Direção e direcionalidade na criação em


coletivo. In: Revista do LUME. Núcleo Interdisciplinar de pesquisas teatrais - UNICAMP. n 07, agosto.
2015. p 1 -9.
54

pessoas que participa do projeto, seja o ator, o diretor ou qualquer outro, mas que “Se as
proposições do coletivo impulsionam e alavancam a trajetória e rumo determinados, ressoam
positivamente; caso contrario, enfraquecem e/ou colocam em cheque a trajetória e rumo
determinados” por este mesmo coletivo. (TENENBLAT, 2015: 6)
Tenenblat (2015) explica esse conceito com base na imagem abaixo, entendendo que
as flechas menores são propostas de direcionamento do resto do coletivo e que a flecha maior
representa a direção predominante escolhida no inicio do processo criativo.

57

Desse modo, a função do diretor estaria centrada na edição, exclusão e


redirecionamento das propostas dos atores, para tornar potente o sentido da direção. Assim, a
função do diretor é exercida segundo uma visão de liderança catalisadora.

1.3.1.2 Direccionalidade

Numa metodologia de direccionalidade, tanto atores quanto diretores decidem sobre o


sentido da direção a partir do resultado das etapas de ensaio e experimentação.

Isso significa dizer que, se um membro propõe A e o outro B, a escolha adotada pelo
coletivo AB pode ser compreendida como a conseqüência da soma entre as
proposições A e B, por exemplo, X. Se pensamos novamente neste processo em
termos de vetores, temos:

57Imagem tomada do artigo TENENBLAT, N. Direção e direcionalidade na criação em coletivo. In:


Revista do LUME. Núcleo Interdisciplinar de pesquisas teatrais - UNICAMP. n 07, agosto. 2015. p 6.
55

58

Segundo a imagem acima, a seta X mostra que a experimentação gera o sentido que
deve seguir a direção e não no sentido inverso. Portanto, a função do diretor está orientada
para estimular o processo de exploração dos atores para ele conseguir desenvolver sua função
como diretor.
Um dos pontos interessantes dessa linha de trabalho é a importância atribuída ao
trabalho dos atores e sua influência no modo como o diretor assume uma metodologia ou
modo de criação. A noção de direccionalidade proposta por Tenenblat (2015) me leva a
pensar que a união de habilidades e talentos, tanto técnicos quanto pessoais, dos atores é a
massa geradora de modos de criação como o Processo Colaborativo.

1.3.2 O ator

Em entrevista realizada em julho de 2014, o professor Dr. Antônio Januzelli afirma


que uma das exigências do teatro atual é voltar o olhar para o ator. Para ele, é importante que
os espaços e os processos permitam ampliar suas habilidades expressivas, que vão além das
técnicas de atuação, e formem atores integrados consigo mesmos e com o coletivo. As
experiências didáticas empreendidas pelo professor, desde os anos setenta, centraram-se em
procedimentos de formação que proporcionam ao ator maior confiança e domínio de seus
próprios recursos expressivos pessoais.
Sobre as experiências que potencializam as habilidades expressivas do ator, o
professor Januzelli afirma que sua contribuição, produto dos 37 anos de experiência como

58 Ibid.
56

professor no Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, foi desenvolver o


projeto de pesquisa prática chamado de “laboratório dramático”:

Eu comecei dar aula no Departamento de Artes Cênicas da USP no ano de 1977, eu


dava exercícios práticos porque o curso era inteiramente prático, até parecer um
laboratório. Portanto, com o tempo, eu vou nomear essa experiência de
59
dramaturgisação, que é a dramaturgia nascida da ação (informação verbal)

Assim, o professor Januzelli desenvolveu, desde 1977, um projeto dedicado à pesquisa


do ator e sua relação com a criação de cenas a partir de si mesmos. Para ele, todo processo
deve recuperar o ator enquanto ser humano, uma vez que a condição de ator é secundária; é,
como ele diz, "o indivíduo enquanto ser integrado" (JANUZELLI, 1977).
Entre suas memórias, o professor menciona que, antes de sua chegada ao
Departamento de Artes Cênicas, não existia um curso dedicado a práticas de improvisação e
de criação a partir de jogos coletivos. Então, lembra-se de ter, como estudantes, Antônio
Araújo, Sergio de Carvalho, Verônica Fabrini60, que agora são diretores. "O que eles fazem eu
acredito que tem muito (fora o conhecimento deles em teorias e experiências com outros)
dessas aulas de improvisação e que aos poucos fui chamando de dramaturgização"
(informação verbal)61.
O professor Januzelli visitou a Costa Rica cerca de cinco vezes para desenvolver
oficinas de formação de ator. Eu me lembro de participar desde o primeiro encontro, em 2001,
quando começava minha formação na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa
Rica. Desde aquela primeira experiência, as teorias de “dramaturgização” e os espaços de
laboratório para uma formação integrada do ator foram minhas primeiras referências e
contatos com o teatro brasileiro.
Pelo que se pode depreender dos relatos de Antônio Januzelli, a relação professor-
aluno que ele viveu com diretores como Antônio Araújo, Sergio Carvalho e Verônica Fabrini,
entre outros, foi extremamente profícua e rendeu frutos, tendo nascido, das experiências

59 JANUZELLI, Antônio. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2014.
60 Antônio Araújo é diretor do grupo Teatro da Vertigem, Sergio de Carvalho é o diretor da Companhia do
Latão, Verônica Fabrini é diretora do grupo Boa Companhia - grupos com mais de duas décadas de
experiência.
61 JANUZELLI, Antônio. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pelo professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2014.
57

pedagógicas de laboratório na Escola de Artes Dramáticas da USP, um modo de criação


potente desde a década de 1990 e hoje considerado um dos mais característicos do teatro
contemporâneo do Brasil.
No livro A aprendizagem do ator, publicado em 1986, Januzelli insiste em que o
trabalho do ator se inicia num espaço vazio e que só pode ser preenchido quando o ator se
encontra consigo mesmo, ou seja, quando, no processo criativo, ele encontra vias que o levem
a se conhecer mais profundamente e, assim, descobrir o que ele tem de potencial individual. O
autoconhecimento potencializa habilidades como “autonomia” e “confiança”, que, como
mencionei anteriormente, são fundamentais para um ator de Processo Colaborativo. Segundo
o professor Januzelli,

O estudo do ator começa com a investigação sobre sua própria natureza, e a


disciplina interna deve ser sua primeira técnica. O seu primeiro passo é encontrar
internamente um espaço claro, vazio [...] guiando seu próprio processo e compondo
suas regras; estar presente em seu corpo e em sua voz, com cada parte e o todo do
corpo acordados; estar sensível para reagir através do imaginário e dos estímulos
imediatos. (JANUZELLI, 1986: 36)

No Processo Colaborativo, o ator é motivado a pensar no espaço, na iluminação, na


dramaturgia, na música, ainda que existam, dentro da equipe, as pessoas que tenham essas
funções específicas. Essa ideia também se revela nas palavras de Fischer:

Nesse sentido, o ator volta a se apropriar das diversas funções da criação cênica,
como propõe, entre outros casos, o Lume. É nesse contexto de colaboração que o
ator se destaca como co-autor de um ato teatral. Com frequência, a dramaturgia é
elaborada coletivamente, contando com a intervenção dos atores para esse fim,
mesmo que tenham como referência um texto teatral pré- estabelecido ou haja
presença de um dramaturgo ou dramaturgista no corpo criador. Surge o conceito de
dramaturgia em processo, método baseado na criação textual a partir de
improvisações e na experiência particular do ator (FISCHER, 2003:42).

Uma das funções do ator no âmbito do Processo Colaborativo consiste em transformar


os experimentos, produzidos nas fases de improvisação e produção de materiais, para a forma
cênica. Aqui o ator, em companhia do diretor e do dramaturgo (no caso de existir um no
processo), passa à fase de encontrar as estratégias técnicas e estéticas para que aquele material
58

disperso tome um sentido cênico que dialogue com todas as partes do espetáculo e considere a
importância de se comunicar com o público.
A esse respeito, Mário Santana (2003) aponta que:

A pessoalidade não é o resultado da obra, é uma condição; condição no sentido de


que ela é intrínseca ao ator e inevitavelmente determina o processo; para o ator, ela é
a inteligência que se sabe e se conduz, em processo de criação, em relação com as
demais forças criativas participantes da composição em processo. (SANTANA,
2003: 32)

A criação colaborativa produz dramaturgias, gera possibilidades de exploração do


tema que, em uma perspectiva restrita, não alcançaria. Assim, diretores e atores no Processo
Colaborativo desenvolvem estratégias que vão se consolidando como procedimentos de
criação característicos deste modo de criação.
Alguns procedimentos de criação mais comuns usados por diretores e atores
brasileiros de tendência de Processo Colaborativo, e que vêm potencializando o trabalho em
parceria, são: 1) o workshop, 2) o depoimento pessoal e 3) o método das questões62 .

1.3.2.1 Workshop

Consiste em um procedimento de criação em que atores, inclusive diretores,


constroem cenas no processo de ensaio como respostas às perguntas que emergem das
discussões que o mesmo processo levanta.
O uso do workshop como procedimento de criação é comum em experiências de
grupos que criam em Processo Colaborativo. Por exemplo, “No Teatro da Vertigem, o
workshop é a mais efetiva expressão autoral dos atores em processo colaborativo”
(RINALDI, 2006: 136).
O estudo desse procedimento criativo já tinha sido iniciado por Richard Schechner
(2006), como uma das fases essenciais da Performance, ao afirmar que “alguns artistas usam

62“termo utilizado por Leonetta Bentivoglio (1994) para se referir ao processo das perguntas e respostas,
utilizado por Pina Bausch para a criação de suas peças” (CARVALHO, 2009: 33)
59

o workshop para explorar processos que serão úteis para os ensaios e a realização da
performance” 63(SCHECHNER, 2006: 233).
De acordo com Schechner (2006), o uso do workshop faz com que os artistas
explorem materiais de fonte pessoal ou histórica, dado que é solicitado que todos os artistas
criem cenas a partir de suas subjetividades - sua própria historia de vida - e que procurem
estratégias para expressá-las em ações performativas. “Estes materiais podem tornar-se parte
do aspecto estético ou terapêutico da Performance ou podem ser úteis apenas como
explorações do workshop. Às vezes o workshop é o próprio objetivo”64. (Schechner, 2006:
233)
Desse modo, o uso desse tipo de procedimento de criação pede que as relações entre
os atores e diretores sejam baseadas em valores de confiança e parceria, como já havia
advertido o Luís Alberto de Abreu (2003)

Tudo é jogado numa arena comum e examinado, confrontado e debatido até o


estabelecimento de um "acordo" entre os criadores. É claro que esse acordo não
significa reduzir a criação ao senso comum, nem transformar o vigor da criação
artística num acordo de cavalheiros. É um acordo tenso, precário, sujeito, muitas
vezes, a constantes reavaliações durante o percurso. Confrontação (de idéias e
material criativo) e acordo são pedras angulares no processo colaborativo. (ABREU,
2003: 36)

1.3.2.2 Depoimento Pessoal

Consiste em um procedimento em que tanto atores como diretores escrevem textos


dramatúrgicos a partir de referências pessoais. É um procedimento estilizado das experiências
individuais, não é uma confissão pessoal do ator; é, no sentido técnico, aproveitar o material
criado pelo ator a partir de seu âmbito íntimo e desenvolver as estratégias estéticas e poéticas
para agregar à construção cênica coletiva. Segundo o professor e diretor Mário Santana
(2003),

63 [Tradução minha] Original: “Some artists use workshop to explore processes that will be useful in
rechearsals and in making performances”. (Schechner, 2006: 233)
64 [Tradução minha] Original: “These materials may become part of the completed aesthetic or therapeutic
performance. Or the materials may be useful only as workshop explorations. Sometimes workshop are an
end in themselves”. (Schechner, 2006: 233)
60

A noção que em geral se tem do termo depoimento está intimamente entrelaçada


com a de testemunho ou com a de revelação de algo de foro íntimo. É preciso
separar, porém, íntimo, de intimidade; pessoal, de particular. Assim, o depoimento
pessoal utilizado pelo ator do Teatro da Vertigem não deve ser confundido ou
reduzido à revelação de algo de sua história pessoal, mas como uma tradução
estética da sensibilização provocada em seu íntimo pelo tema; uma resposta artística,
elaborada com os recursos teatrais necessários à promoção no espectador da mesma
sensação experimentada pelo ator em sua relação com o universo temático
investigado (SANTANA, 2003:152).

A produção de depoimento pessoal é um dos resultados do uso de procedimentos


criativos como o workshop, por exemplo. A tradução desse material pessoal para o universo
global da peça está sustentado no princípio de que, para criar e propor ideias do âmbito
individual e subjetivo, também é solicitada a capacidade de articulação com o coletivo.
Portanto, deixa de ser um assunto íntimo do ator para se tornar material cênico que representa
o pensamento do grupo.

1.3.2.3 Método das perguntas

Consiste em um tipo de workshop deflagrado pelo diretor ao levantar uma pergunta


para que seja respondida cenicamente pelos atores. Assim, o ator, que já traz em sua formação
outras experiências que vão além de atuar, exercita princípios de direção, por exemplo.
Esse tipo de procedimento foi criado pela diretora e coreógrafa alemã Pina Bausch
(1940- 2009) como estratégia de composição de seus espetáculos de dança-teatro durante o
período de 1978- 2009 (CARVALHO, 2009: 33).
A pesquisadora Juliana Carvalho, na sua dissertação de mestrado intitulada
“Dramaturgia na dança-teatro de Pina Bausch”, defendida em 2009 no Programa de Pós-
Graduação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que

Para a criação de uma peça, Pina Bausch fazia mais de cem perguntas aos bailarinos.
Todas as respostas eram anotadas e registradas em vídeo. Ela chegava de manhã
para o trabalho, fazia a primeira pergunta, cada um pensava e respondia. Os
bailarinos eram livres para responder da maneira que quisessem. As perguntas
podiam ser respondidas com uma sequência de movimentos, verbalmente ou as
respostas podiam começar de uma ideia que se desenvolvia na hora em que a
resposta estava sendo apresentada. (CARVALHO, 2009: 37)
61

Por último, em relação aos três procedimentos de criação - workshop, depoimento


pessoal e método das questões -, é interessante a análise da pesquisadora e artista plástica
brasileira Fayga Ostrower (2013), quando comenta que o caminho criativo é um trânsito pelas
subjetividades e as próprias vivências do sujeito. " A fonte da criatividade artística, assim
como de qualquer experiência criativa, é o próprio viver. Todos os conteúdos expressivos na
arte, quer sejam de obras figurativas ou abstratas, são conteúdos essencialmente vivenciais e
existenciais" (OSTROWER, 2013: 31).
A respeito do uso de procedimentos de criação que apontam para uma relação próxima
à sensibilidade pessoal do ator, a pesquisadora Silvia Fernandes comenta:

É importante ver onde recai o acento da preparação. Exercitar uma sensibilidade


parece significar que, a partir de aberto um veio interior (o sensível), o ator é capaz
de diferentes desempenhos, pois ele conhece a chave em que se deu a criação e
como aquilo deve funcionar (FERNANDES, 2007: 122).

É claro que procedimentos de criação como workshop, depoimento pessoal e método


das questões não são exclusivos do Processo Colaborativo, mas funcionam como exemplos
para entender a dinâmica criativa que é estabelecida entre atores e diretores, nesse modo de
criação. O uso desse tipo de procedimento afirma a ideia de que a participação ativa dos
atores no pensamento global do espetáculo os coloca como a massa principal geradora do
processo.
Por último, considero que criar a partir desses tipos de procedimentos criativos
potencializa uma natureza de representatividade entre a obra e seus criadores, na medida em
que atores e diretores passam a enxergar mais de si no resultado final.
62

CAPITULO II

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEATRO COSTARRIQUENHO


CONTEMPORÂNEO

A República da Costa Rica está situada na região sul da América Central, tem uma
extensão territorial de 51.100 km² e aproximadamente 200 focos vulcânicos, sendo sete
ativos. Segundo a Rede Sismológica Nacional da Costa Rica65, só em maio de 2015, foram
registrados 368 sismos, alguns de origem vulcânica e outros tectónica. 66
Em termos geológicos, a Costa Rica surge a partir da geração da América do Sul como
continente, após sua separação da África, o que significa que suas rochas são genuinamente
sul-americanas. A idade geológica da Costa Rica é de aproximadamente 70 milhões de anos,
considerado um território jovem quando comparado com países como Brasil, cujas rochas, em
boa parte, variam entre 3,5 bilhões de anos até o presente. 67
Em 2011, o Instituto Nacional de Estatística e Censo da Costa Rica calculou uma
população de 4.301.712 habitantes68; para tornar mais real nossa impressão sobre esse
número, basta imaginar que seriam necessárias 47,5 Costas Ricas para completar 1 Brasil de
204.746.508 de pessoas.69 Escolhi começar com essas informações geográficas para
estabelecer uma analogia com a prática teatral da Costa Rica, que - assim como seu território -
é jovem, pequena e em constante agitação.
Portanto, para o entendimento do processo de formação do teatro atual da Costa Rica,
utilizarei, como ferramenta analítica, o conceito transculturación70, do antropólogo cubano
Fernando Ortiz (1881- 1969). Esse termo permite entender as práticas teatrais como
fenômenos culturais em agitação constante, uma vez que

65 Site http://www.rsn.ucr.ac.cr/index.php/es/ (visitado em 10/06/2015).


66 Informação retirada da Sección de Sismología, Vulcanología y Exploración Geofísica de la Escuela
Centroamericana de Geología, Universidad de Costa Rica, San Pedro de Montes de Oca, San José.
Sitehttp://www.rsn.ucr.ac.cr/images/Biblioteca/Publicaciones_Periodicas/Boletines_Mensuales_Sismos/2015/bol
etin_2015_05.pdf (visitado em 10/06/2015).
67 Informação baseada nos artigos “Estratigrafia dos Derrames de Basaltos da Formação Serra Geral (Ribeirão
Preto - SP) Baseada na Geologia Física, Petrografia e Geoquímica” e “Geologia e litogeoquímica da formação
Serra Geral nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, da Revista do Instituto de Geociências – USP.
68 Resultado oficial do CENSO 2011 do Instituto Nacional de Estatística e Censo do governo da Costa Rica. Site
http://www.inec.go.cr/Web/Home/GeneradorPagina.aspx (revisado no dia 03/12/2014).
69 Site http://www.ibge.gov.br/home/ (visitado em 01/09/2015)
70 A palavra em espanhol transculturación é explicada, pela primeira vez, pelo antropólogo Fernando Ortiz
no livro Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, cuja primeira edição foi publicada em 1940.
63

Entendemos que o termo transculturación expressa melhor as diferentes fases do


processo transitivo de uma cultura para outra, porque não consiste somente em
adquirir uma distinta cultura, que é o que em rigor indica o conceito anglo-
americano acculturation, dado que o processo também implica, necessariamente, a
perda ou desenraizamento de uma cultura precedente e a consequente criação de
novos fenômenos culturais que pudessem ser nomeados de neoculturación. (ORTIZ,
1983: 90).71

De acordo com o pensamento de Ortiz (1983), o processo de transculturación sucede


em três etapas: 1) Chegada de uma nova cultura; 2) Perda de aspectos da cultura precedente;
e, finalmente, 3) Criação de novos fenômenos culturais. A seguir, usarei as palavras
“chegada”, “perda” e “criação”, como forma simplificada de referência a essas três fases.
É importante partir da noção de que as práticas teatrais, independentemente de seus
modos de organização, produção, criação e estética, são formas de expressão do contexto
cultural em que essas práticas estão inseridas. Portanto, as práticas teatrais na Costa Rica, ao
incorporarem aspectos do teatro de outras culturas, funcionam como indicadores de processos
de transculturación.

É um processo em que ambas as partes da equação resultam modificadas. Um


processo do qual emerge uma nova realidade, composta e complexa; uma realidade
que não é uma aglomeração mecânica de caracteres, nem mesmo um mosaico, mas
um fenômeno novo, original e independente. (MALINOWSKI, Bronislaw.
“Introducción”. In: ORTIZ, F., Contrapunto…, ob.cit., p XII)72

O antropólogo cubano Fernando Ortiz (1983) criou o conceito de transculturación


para descrever o processo de integração de aspectos da cultura espanhola e africana na
identidade cultural de Cuba, após o período colonial. Mais tarde, o autor usa o mesmo termo
para descrever os processos culturais do resto dos países da América Latina que, assim como
a Cuba pós-colonização, são resultado de processos de transculturación da cultura indígena,

71 [Tradução minha] Original: “Entendemos transculturación como el vocablo que expresa mejor las diferentes
fases del proceso transitivo de una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir una distinta
cultura, que es lo que en rigor indica la voz angloamericana acculturation, sino que el proceso implica también
necesariamente la pérdida o desarraigo de una cultura precedente, lo que significa la consiguiente creación de
nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse de neoculturación” . (ORTIZ, 1983: 90 (ODDEY, 1994:
4).
72 [Tradução minha] Original: “Es un proceso en el cual ambas partes de la ecuación resultan modificadas. Un
proceso en el cual emerge una nueva realidad, compuesta y compleja; una realidad que no es una aglomeración
mecánica de caracteres, ni siquiera un mosaico, sino un fenómeno nuevo, original e independiente”.
(MALINOWSKI, Bronislaw. “Introducción”. In: ORTIZ, F., Contrapunto…, ob.cit., p XII).
64

espanhola e africana. "O conceito de transculturación é cardinal e fundamentalmente


indispensável para compreender a historia de Cuba e, por análogas razões, a de toda América
em general" (ORTIZ, 1983: 6) 73.
Por último, é interessante que a aplicação do conceito transculturación, no âmbito das
artes, já foi explorado pela autora Sandra Martínez no livro La piel como superficie simbólica.
Procesos de transculturación en el arte contemporâneo, publicado em 2011 pela editorial
Tezontle em Madrid, Espanha. Nesse texto, a autora utiliza o conceito de Ortiz (1983) para
estudar o corpo humano como lugar simbólico de representação de processos de
transculturación no contexto das artes contemporâneas, em específico a pintura corporal.
O intuito de aplicar o conceito transculturación também para entender o processo de
formação do teatro atual da Costa Rica vale-se da perspectiva de Martínez (2011), ao
considerarmos os processos artísticos como indicadores de processos culturais. As
manifestações artísticas são formas materiais de observar a criação de novos fenômenos
culturais, que é o que Ortiz (1983) identifica como a terceira e última etapa do processo, a
criação.
O processo de formação do teatro atual da Costa Rica inicia-se no começo da década
de 1970. Portanto, usarei as terminologias “teatro atual e “teatro contemporâneo” para fazer
referência ao período de 1970 até a atualidade. Essa delimitação está fundamentada no
princípio de que foi a partir do ano de 1970 que sucederam quatro fenômenos histórico-
culturais, que identifico como motores do processo de construção do teatro atual da Costa
Rica e em que o fenômeno de transculturación está presente.
Por motivo de delimitação do foco de estudo, não aprofundarei a discussão sobre as
práticas teatrais que antecederam a década de 1970. Unicamente mencionarei algumas
reflexões de autores costarriquenhos, que servirão de parâmetro para uma noção geral sobre o
teatro da Costa Rica antes do período “atual”. Não deixo de considerar, é claro, que

[...] se revermos o acontecer dos eventos e percorrermos distintos momentos da


nossa história, encontramos uma significante presença de atividades teatrais e uma
estreita relação do teatro com a vida social e o desenvolvimento político e cultural
de nosso país” (GUILLÉN, 2007: 19)74

73 [Tradução minha] Original: “El concepto de transculturación es cardinal y elementalmente indispensable para
comprender la historia de Cuba y, por análogas razones, la de toda la América en general”. (ORTIZ, 1978: 6)
74 [Tradução minha] Original: “[...] si revisamos el acontecer de los eventos y recorremos distintos momentos de
nuestra historia, encontraremos una significativa presencia de actividades teatrales y una estrecha relación del
teatro con la vida social y el desarrollo político y cultural de nuestro país”( GUILLÉN, 2007: 19)
65

Por exemplo, para a professora da Escuela de Artes Dramáticas da Univerisdad de


Costa Rica, Dra. Maritza Toruño (2009), na sua tese de doutorado intitulada "Escuela de
Artes Dramáticas de la Universidad de Costa Rica como Formadora de Identidad Teatral en
Costa Rica", defendida no Departament de filologia catalana e Intitut del teatre da Univeridad
Autonoma de Barcelona em 2009, "a atividade teatral desenvolvida no meio do século XIX é
uma iniciativa produzida como ferramenta de atividade socializadora, o estímulo é produzido
de maneira privada e leva como resultado o início de uma ação cênica amadora que quebra
com esquemas" (TORUÑO, 2009: 134)75.
Enquanto as pesquisadoras Anita Hazfeld e Teresa Cajiao, no artigo "El panorama
teatral de Costa Rica en los últimos tres años ", publicado em 1971, na revista Latin American
Theatre Review, consideram que

O teatro na Costa Rica tem tido um lento e acidentado desenvolvimento. Carente de


uma tradição que se remonte ao florescimento das grandes culturas indígenas, como
é o caso das manifestações artísticas na Guatemala, México, Peru e Nicarágua, sua
historia não mostra também uma produção cênica digna de especial menção durante
a época colonial. (HAZFELD, A. CAJIAO, T. 1971: 28)76

Sobre este assunto, é pertinente o pensamento do pesquisador da Universidad de Costa


Rica Carlos Morales (1981) quando afirma também que

O país não logrou reter, durante o período da colonização espanhola, a tradição ritual
indígena que conservaram, ainda que de maneira mutilada, Guatemala e Nicarágua.
Será mais a influência dramática da Europa do século XVI, a que marca na Costa
Rica o interesse por esta arte. (MORALES, C.1981:4).77

75
[Tradução minha] Original: “La actividad teatral desarrollada de mediados del siglo XIX es una iniciativa que
se produce como herramienta de actividad socializadora, el estímulo se produce de manera privada y da como
resultado el inicio de una inquietud y una acción escénica aficionada que rompe esquemas” (TORUÑO, 2009:
134)
76
[Tradução minha] Original “:El teatro en Costa Rica ha tenido un lento y accidentado desarrollo. Carente de una
tradición que se remonte al florecimiento de las grandes culturas indígenas, como es el caso de las
manifestaciones artísticas en Guatemala, México, Perú y Nicaragua,2 su historia no muestra tampoco una
producción escénica digna de especial mención durante la época colonial”. (HAZFELD, A. CAJIAO, T. 1971:
28)
77
[Tradução minha] Original: “El país no logro retener, durante el período de la colonización española, la
tradición ritual indígena que sí conservaron, aunque mutilada, Guatemala y Nicaragua. Será más bien la
influencia dramática europea del siglo XVI, la que despierte en Costa Rica el afán por este arte”. (MORALES,
C.1981:4).
66

Também é apropriada a reflexão de Roxana Ávila, diretora do grupo Abya Yala, que
afirma que “[...] o teatro na Costa Rica é necessariamente um híbrido porque aqui, de teatro
próprio há quase nada, assim, se fez incorporando o que foi chegando por diversos meios78”
(ÁVILA, 2015).
O pensamento de Ávila (2015) mostra uma das críticas e questionamentos recorrentes
nos estudos teatrais da Costa Rica: a noção de que a história do teatro costarriquenho carece
de vestígios das práticas teatrais de suas culturas originárias, dado que a tônica tem sido uma
maior presença das práticas teatrais estrangeiras.
Sobre esse assunto, o pesquisador Dr. Marco Guillén, no artigo "La actividad teatral
en Costa Rica: un acercamiento a su trayectoria", publicado no livro La tradición del
presente, em 2007, recupera informações sobre algumas práticas teatrais do período colonial.
No entanto, “são mínimas as pesquisas que contamos sobre as atividades teatrais ou para-
teatrais da época pré-colonial, o que sucede, de modo parecido, com o período colonial”.
(GUILLÉN, 2007: 19) 79
Considero, portanto, que a carência de uma tradição teatral própria e a facilidade para
incorporar aspectos do teatro estrangeiro conformou uma atitude catalizadora que marcou a
formação do teatro costarriquenho até início dos anos setenta.80
Parto, pois, da noção de que o teatro atual da Costa Rica é produto de quatro
fenômenos histórico-culturais: 1) A consolidação de políticas culturais eficientes durante a
década de 1970; 2) A imigração para a Costa Rica de artistas e intelectuais sul-americanos
durante o período de ditaduras militares; 3) A participação de artistas costarriquenhos, desde a
segunda metade de 1970, em programas estrangeiros de pós-graduação em teatro; e,
finalmente, 4) A inserção da Costa Rica em programas internacionais de apoio às Artes
Cênicas. Dos quatro fenômenos elencados, é possível afirmar que os três últimos apresentam
aspectos propiciadores de transculturación, conforme analisarei abaixo.
A década de 1970 é tida como a época de ouro na história das políticas culturais da
Costa Rica. Para antropólogo argentino Néstor García Canclini,

78
[Tradução minha] Original: “el teatro en Costa Rica necesariamente es un híbrido porque acá de teatro
autóctono no hay casi nada, así que se ha ido incorporando lo que va llegando por diversos medios” (ÁVILA, R.
2015) AVILA, Roxana. Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala,
realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
79
[Tradução minha] Original: “Son escasos los estudios con lo que contamos sobre las actividades teatrales o para-
teatrales en la época pre- hispánica y muy parecido sucede con la colonia”. (GUILLÉN, 2007: 19)
80 É importante tornar claro que as praticas teatrais anteriores à década de 1970 eram principalmente de

caracter amador.
67

Entenderemos por políticas culturais o conjunto de intervenções realizadas pelo


Estado, as instituições civis e os grupos comunitários organizados com o fim de
orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da
população e obter consenso para um tipo de ordem ou de transformação social.
(GARCIA, 1999: 25). 81

Durante os anos setenta, foram criadas as instituições públicas mais importantes


vinculadas ao desenvolvimento profissional do teatro, ao mesmo tempo em que foram
incentivados projetos significativos de apoio à criação e promoção teatral. As principais
instituições fundadas neste período, e que continuam na atualidade, são a Escuela de Artes
Dramáticas da Universidad de Costa Rica, em 1970; o Ministerio de Cultura, em 1973 e a
Compañía Nacional de Teatro, em 1971; a Escuela de Artes Escénicas da Universidad
Nacional, em 1973; e o Taller Nacional de Teatro, em 1977, esse último criado para a
formação de profissionais técnicos em teatro.
É importante tornar claro que o contexto em que foram criadas as instituições acima
mencionadas corresponde ao momento da história política da Costa Rica chamado de estado
benefactor, em que todas as garantias sociais, como saúde, educação e segurança, eram de
responsabilidade exclusiva do Estado. Essa visão de estado benefactor, no entanto, foi
modificada radicalmente a partir do governo do ex-presidente Luis Alberto Monge (1982-
1986), ao conduzir o país para uma perspectiva de política neoliberal que buscava
“modernizar” a economia, através do impulso do setor privado, e, assim, descentralizar o
gasto público.
Infelizmente, com a mudança na política pública em 1982, iniciou-se um período de
crise82 no âmbito teatral, dado que diversos editais para o apoio à criação e promoção das
artes cênicas foram eliminados ou tiveram suas verbas reduzidas. Como comenta Dr. Marco
Guillén, "o teatro, cujo desenvolvimento no nosso país havia estado historicamente vinculado
às iniciativas públicas, encontrou-se com poucos recursos e condições muito incipientes para
que a sua produção ocorresse a partir do setor privado" (GUILLÉN, 2007: 43). 83

81
[Tradução minha] Original: “Entenderemos por políticas culturales el conjunto de intervenciones realizadas por
el Estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo
simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de orden o de
transformación social”. (GARCIA, 1999: 25)
82
Atualmente a situação de crise continua na prática teatral independente, mas, nos últimos 10 anos, as principais
instituições culturais têm melhorado suas estratégias de comunicação, e assim impulsionado programas e editais
conjuntos.
83
[Tradução minha] Original: “El teatro cuyo desarrollo en nuestro país había estado históricamente vinculado a las
iniciativas públicas, se encontró con pocos recursos y herramietas muy rudimentarias para asumir la producción
desde el sector privado”. (GUILLÉN, 2007: 43).
68

O segundo fenômeno histórico-cultural importante no processo de construção do teatro


atual na Costa Rica também aconteceu na década de 1970 e corresponde à imigração de
artistas e intelectuais vindos de países como Colômbia, Argentina, Chile e Uruguai,
principalmente.
A crise política e social vinculada às ditaduras militares de vários países da América
Latina fez com que muitas pessoas imigrassem para a Costa Rica na condição de refugiados
e/ou exilados políticos. Por ser um país sem exército desde o ano de 1948 e ter um sistema
eficiente na política social e democrática, Costa Rica foi construindo uma imagem
internacional de paz e justiça, aspectos que motivaram os artistas sul-americanos a imigrarem
para lá.
Para a pesquisadora e historiadora Dra. Patricia Fumero, atual diretora do Instituto de
Investigaciones en Arte (IIArte) da Universidad de Costa Rica,

Na década de 1960 e 1970, produto da repressão política da América Latina, Costa


Rica recebeu uma imigração de escritores, artistas, criadores e técnicos de teatro.
Deste modo, chegaram criadores de Argentina, Chile e Uruguai, que apoiaram
encarecidamente o ensino de teatro e colocaram aos nacionais em contato com a
nova dramaturgia latino- americana. (FUMERO,2000: 36)84

Atores, atrizes e diretores argentinos, uruguaios, chilenos e colombianos inseriram-se,


rapidamente, na prática teatral do país. A forma com que os artistas sul-americanos exerceram
sua profissão trouxe para o teatro costarriquenho novas poéticas e procedimentos teatrais,
assim como o fortalecimento de um “teatro de discurso político” e da cultura do “teatro de
grupo” como forma de organização teatral.
Antes do processo de imigração, o teatro costarriquenho não havia desenvolvido uma
vinculação relevante entre teatro e processos políticos, quando comparado com práticas
teatrais de países da região centro-americana como Guatemala e Nicarágua, por exemplo.
Uma explicação possível é a Costa Rica não ter atravessado processos de ditaduras
que exigissem, da comunidade artística, reagir e usar o teatro como manifestação simbólica de
luta e resistência. Deste modo, serão as experiências pessoais dos artistas sul-americanos um
estímulo significativo para a conformação de um “teatro de discurso político” no país.

84 [Tradução minha] Original: “En la década de 1960 y 1970, producto de la represión política de América
Latina, Costa Rica recibió una inmigración de escritores, artistas, realizadores y técnicos de teatro. De este
modo, llegaron creadores de Argentina, Chile y Uruguay, quienes apoyaron decididamente la enseñanza del
teatro y pusieron a los nacionales en contacto con la nueva dramaturgia latinoamericana”.(FUMERO,2000: 36)
69

Por outra parte, é importante destacar que, antes da década de 1970, o “teatro de
grupo” era uma forma de organização teatral, embora não existisse um grande número de
grupos de teatro com produção contínua no país.
Para os artistas Manuel Ruiz e Alessandro Tossatti (1990), no seu artigo "Tierra Negra
y el Teatro en Costa Rica", publicado em 1990 na revista Escena, a partir da década de 1970,
o “teatro de grupo” tornou-se um dos principais modos de organização no teatro
costarriquenho, que, segundo os autores, era praticado em duas tendências diferenciadas: a
primeira organizada por estudantes e profissionais, e a segunda por famílias de artistas
profissionais.
É interessante observar que grande parte dos artistas sul-americanos que imigrou para
Costa Rica estava organizada como famílias. Alguns exemplos são os esposos chilenos
Marcelo Gaete e Sara Astica, fundadores do grupo Teatro Surco, Alejandro Sieveking e
Bélgica Castro, fundadores do grupo Teatro del Ángel e o matrimônio dos argentinos Alfredo
e Gladys Catania, integrantes do grupo de Teatro Carpa.
Sendo estudante da professora Sara Astica na Escuela de Artes Dramáticas, lembro
que ela comentava que a sala de ensaio do grupo Teatro Surco era a própria sala da casa e que
a cenografia dos espetáculos eram os próprios moveis dos atores. Este modo de produção foi
sendo cada vez mais frequente pelos grupos de teatro da época, como forma de resolver a falta
de recursos econômicos para produzir teatro.
Deste modo, a imigração dos artistas sul-americanos é o acontecimento que marca os
primeiros processos de transculturación do atual teatro costarriquenho. Os artistas que
imigraram para Costa Rica tinham formação profissional em teatro, o que significa que, ao
chegarem ao país (chegada, fase 1), trouxeram conhecimentos técnicos formais, uma
novidade para o teatro costarriquenho.
Seguindo o pensamento de Ortiz (1983), a imigração representaria, então, um dos
fenômenos culturais que mais claramente iluminam a segunda fase do processo de
transculturación, ou seja, a perda (fase 2). Quando os artistas sul-americanos decidem
emigrar, são destinados a perder aspectos fundamentais como o contato vivencial com a
cultura a que pertencem. Portanto, a condição de emigrante, no processo de desenraizamento,
“transculturaliza” as pessoas e as torna agentes “transculturalizadores”. "E cada imigrante é
como um desenraizado de sua terra nativa em duplo transe de desajuste e reajuste, de
70

desculturación ou exculturación e de aculturación ou inculturación, em fim, de


transculturación" (ORTIZ, 1983: 93).85
A chegada, em 1968, dos artistas argentinos Alfredo Catania, Gladys Catania e Carlos
Catania86 marca o início do fortalecimento do teatro atual da Costa Rica - tomarei esse
exemplo para entender o processo de transculturación no segundo fenômeno histórico-
cultural.

No ano de 1968, a Embaixada Argentina na Costa Rica conseguiu contratar os


serviços de Alfredo e Gladys Catania, ambos artistas argentinos. Pagos pela
embaixada, deram aulas numa sala junto à mesma. Com a chegada de Carlos
Catania, também ator, diretor e escritor argentino, começou o verdadeiro auge no
ensino formal e organizado da técnica de atuação. (HASFELD, A. CAJIAO, T.
1971: 29)87

Os Catania viajaram ao país para apresentar o espetáculo Histórias para serem


contadas, do dramaturgo argentino Osvaldo Dragún, obra icônica do teatro político argentino
do período da ditadura. O espetáculo foi acolhido com sucesso pelo público costarriquenho e
chegou a receber apoio de instituições públicas para ser apresentado em diversas regiões do
país.
Nesse momento, tanto Alfredo quanto Gladys e Carlos decidem ficar no país e não
voltar para seu país natal, Argentina. Aqui é possível identificar as fases 1 (chegada) e 2
(perda) do processo de transculturación, dado que, para os Catania, sucede uma “perda”
(deixar seu país de origem) e, para as práticas teatrais da Costa Rica, acontece uma “chegada”
(os Catania começam a trabalhar na Costa Rica como professores de teatro).
A experiência e a formação profissional, junto com o espirito de compromisso e
paixão dos Catania, levaram-nos, rapidamente, a participar das práticas teatrais do país. A
função de ministrantes de oficinas de teatro foi o estímulo para que as ideias dos Catania
fossem incorporadas às práticas teatrais da época, enquanto eles também estavam sendo

85
[Tradução minha] Original: “Y cada inmigrante es como un desarraigado de su tierra nativa en doble trance de
desajuste y de reajuste, de desculturación o exculturación y de aculturación o inculturación, y al fin de síntesis,
de transculturación” (ORTIZ, 1978: 93)
86 Carlos Catania é irmão de Alfredo Catania.
87
[Tradução minha] Original: “En el año 1968 la Embajada Argentina en Costa Rica consiguió contratar los
servicios de Alfredo y Gladys Catania, ambos artistas argentinos. Auspiciados por esa embajada, impartieron
clases en un salón anexo a la misma. Con la llegada de Carlos Catania, también actor, director y escritor
argentino, comenzó el verdadero auge en el aprendizaje formal, organizado, de la técnica de actuación”.
(HASFELD, A. CAJIAO, T. 1971: 29)
71

influenciados pela cultura e o teatro da Costa Rica. Dado que o processo de transculturación é
um processo dialético entre duas culturas,

Para descrever o processo, o termo, de raízes latinas, transculturación representa um


conceito que não contém a implicação de que certa cultura tem que submeter a outra,
senão que é uma transición entre duas culturas, ambas ativas, ambas colaboradoras
com certos aportes, e ambas cooperantes ao surgimento de uma nova realidade de
civilização. (MALINOWSKI, Bronislaw. “Introducción”. In: ORTIZ, 1983, p XII)88

Os Catania participaram na equipe humana que gestou a formação da Escuela de Artes


Dramáticas da Universidad de Costa Rica, em 1970. Tanto Gladys quanto Alfredo
trabalharam como professores durante as primeiras décadas desta instituição. Portanto, é
possível afirmar que os Catania foram os primeiros mestres em formar atores e diretores
profissionais na história do teatro da Costa Rica. Esse acontecimento pode ser entendido
como a terceira etapa do processo de transculturación, isto é a criação.

Enfim, como bem sustenta a escola de Malinowski, em todo encontro de culturas


sucede algo como na cópula genética dos indivíduos: a criatura sempre tem algo de
ambos os pais, mas também sempre é distinta de cada um deles. Em conjunto, o
processo é uma transculturación, e este conceito compreende todas as fases de sua
parábola. (ORTIZ, 1983:89) 89

A figura de Alfredo Catania (1934-2014) é considerada uma das mais relevantes e


influentes no processo de conformação do teatro atual da Costa Rica. Sua carreira artística foi
reconhecida em várias ocasiões com os maiores prêmios do país - os Premios Nacionales en
Cultura, na categoria de melhor diretor nos anos de 1986, 1987, 1991, 1995, 1998, 2002 e
2007, e na categoria de melhor ator em 197190.

88 [Tradução minha] Original: “Para describir tal proceso, el vocablo de raíces latinas transculturación proporciona
un término que no contiene la implicación de una cierta cultura hacia la cual tiene que tender la otra, sino una
transición entre dos culturas, ambas activas, ambas contribuyentes con sendos aportes, y ambas cooperantes al
advenimiento de una nueva realidad de civilización”. (MALINOWSKI, Bronislaw, “Introducción” em ORTIZ,
1983, p XII)
89
[Tradução minha] Original: “Al fin, como bien sostiene la escuela de Malinowski, en todo abrazo de culturas
sucede lo que en la cópula genética de los individuos: la criatura siempre tiene algo de ambos progenitores, pero
también siempre es distinta de cada uno de los dos. En conjunto, el proceso es una transculturación, y este
vocablo comprende todas las fases de su parábola”. (ORTIZ, 1983:89)
90
Informação tomada na entrevista realizada à pesquisadora Paula Rojas, sobre o seu projeto de pesquisa
intitulado Los años 70 para la historia del teatro en Costa Rica. Em: Revista Memória de las Artes Escénicas, n2,
ano 2, San José, Costa Rica, 2012.
72

Por outra parte, o terceiro fenômeno importante no processo de construção do teatro


contemporâneo da Costa Rica é a participação de artistas costarriquenhos, desde a segunda
metade da década de 1970, em programas de pós-graduação em teatro em universidades
estrangeiras. Neste sentido, é importante tornar claro que, desde a criação dos primeiros
centros de educação universitária em teatro até a atualidade, não existe, na Costa Rica,
nenhum programa de pós-graduação especializado em teatro. Portanto, os profissionais que
desejam fazer mestrado ou doutorado em teatro são obrigados a estudar em universidades
estrangeiras, a deixar por um período de tempo o contato próximo com sua família e amigos,
a aprender outro idioma e a criar novas relações de convivência com novas pessoas em uma
cultura diferente, isto é, a passar por experiências pessoais de transculturación.
Os destinos e períodos de estudo dos artistas costarriquenhos demonstram algumas
influências teóricas e práticas importantes para entender o teatro atual do meu país. Com
certeza, as experiências pessoais e acadêmicas que cada costarriquenho vivenciou ao longo do
tempo de estudo determinaram a visão de ensinar e exercer o teatro após sua volta para Costa
Rica.
Parto da noção de que todos os artistas de cada geração, ao exercerem sua função
como professores nas escolas superiores de teatro, tornam-se agentes multiplicadores de
conhecimento e, consequentemente, agentes fundamentais de processos de transculturación
nas práticas teatrais da Costa Rica. Cada professor chega (primeira fase) com ideias novas
que aprenderam nas universidades estrangeiras e no contato com outras culturas, ensinam para
os estudantes o que eles aprenderam e, no processo de formação, os estudantes perdem
(segunda fase) ideias preconcebidas sobre a prática teatral e, mais tarde, quando os estudantes
são formados e exercem sua profissão, criam (terceira fase) novas ideias sobre a prática
teatral. Trata-se, pois, de um processo continuo e sistemático de chegada de professores com
formação em universidades estrangeiras e contato com outras culturas; é o motor gerador de
transculturación.

As duas escolas contam, entre seus professores, com profissionais altamente


qualificados, artistas ativos, que frequentemente decidem experimentar, incluindo
mudanças e perspectivas inovadoras em suas aulas, mas se trata de iniciativas
individuais, não articuladas, portanto impossibilitadas de gerar transformações
significativas. (SOBRADO, 2014: 22)
73

A seguir, são apresentadas três gerações, cujo critério de classificação foi definido por
prazos de dez anos, sendo que, durante esse tempo, as pessoas ingressaram em programas
estrangeiros de pós-graduação em teatro e voltaram para Costa Rica com os estudos
concluídos, dando, imediatamente, continuidade às suas funções como professores nas duas
únicas escolas superiores de teatro, ou seja, Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de
Costa Rica (UCR) e a Escuela de Arte Escénico da Universidad Nacional (UNA). As três
gerações são, por decênios: 1) 1975 - 1985; 2) 1986 - 1995; e 3) 1996 - 2015.

Primeira geração 1975 - 1985


A primeira geração corresponde às pessoas que ingressaram em programas de pós-
graduação após o ano de 1975 e voltaram para Costa Rica antes de 1985, isto é, o MFA91.
Remberto Chaves, que cursou no período de 1975 - 1981 no Instituto Estatal de Arte Teatral
Karpenko - Kari na Ucrânia, e trabalhou décadas como professor na Escuela de Arte Escénico
da Universidad Nacional (UNA); a Dra. María Bonila, que cursou entre 1977 e 1980 na
Universidade de Paris VIII, La Sorbonne, na França, e também trabalhou décadas como
professora e diretora da Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica (UCR);
finalmente, o Dr. Stojan Vladich, no período de 1977 a 1980, na Universidade de Paris VIII,
La Sorbonne, na França, também professor e diretor da Escuela de Artes Dramáticas da
Universidad de Costa Rica, (UCR).
Essa primeira geração de professores esteve a cargo de implementar bases teóricas e
práticas dos primeiros programas de formação de ambas as escolas. Portanto, é possível
afirmar que a chegada (primeira etapa de transculturación) de práticas teatrais da França e da
Ucrânia da época sucedeu através da prática formativa dos artistas e professores hoje
aposentados MFA. Remberto Chaves, Dra. María Bonila e Dr. Stojan Vladich. Deste modo,
as seguintes fases de transculturación (perda e criação) vão ser manifestadas nas práticas
teatrais da geração posterior. 92

Segunda geração 1986 - 1995

91
Sigla em língua inglesa designativa para Master of Fine Arts.
92
Em 1968 chega em Costa Rica o diretor argentino Juan Enrique Acuña, fundador do Moderno Teatro de
Muñecos. Sua pratica profissional estimulou o desenvolvimento formal do teatro de bonecos na Costa Rica a
partir da década de 1970. Portanto, considero que a participação de Juan Enrique Acuña no teatro
costarriquenho, contém aspectos importantes de transculturación e que corresponde ao periodo de tempo da
primeira geração.
Por outra parte, é importante mencionar que os professores Ricardo Blanco, David Vargas e Olga Marta
Barrantes realizaram estudos de pós- graduação em programas estrangeiros e voltaram para Costa Rica no
periodo de 1975- 1985, mas não foi possível coletar os dados especificos de cada experiência.
74

A segunda geração está conformada por MFA. Roxana Ávila, que estudou no período
de 1988 a 1991, na Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, e atualmente é
professora na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica. A segunda pessoa
que conforma esta geração é o americano MFA. David Korish, que estudou entre 1987 e
1989, também na Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. O professor Korish vem
exercendo sua função pedagógica e foi uma vez diretor da Escuela de Arte Escénico da
Universidad Nacional. Por último, o MSC. Gerardo Bejarano estudou entre 1991 e 1994 na
Universidade de São Paulo em Brasil. Bejarano é professor aposentado da Escuela de Arte
Escénico da Universidad Nacional.
É interessante que essa geração de professores traz, às duas escolas de teatro, parte do
espírito do teatro americano de começo da década de 1990, a Performance Art, através dos
professores David Korish e Roxana Ávila. Também chama a atenção que é através do
professor Gerardo Bejarano que acontece o primeiro contato acadêmico com o teatro
brasileiro de início da década de 1990.93

Terceira geração 1996- 201594.


A terceira e última geração está conformada pelo atual diretor da Escuela de Artes
Dramáticas da Universidad de Costa Rica, M.A Manuel Ruíz, que cursou o mestrado no
período de 1996 a 1998, na University of Kansas, nos Estados Unidos.
O professor Dr. Marco Guillén estudou entre 1991 e 2000 e se formou como mestre na
Ohio University e como doutor University of Cincinnati, nos Estados Unidos. Desde o seu
retorno à Costa Rica, o professor Guillén trabalha nas duas escolas de teatro do país.
Por outra parte, a professora da Escuela de Arte Escénico da Universidad Nacional,
MA. Gina Sandí, cursou o mestrado de 2005 a 2007, na University of Kansas, nos Estados

93 Os artistas José Blanco e Jaime Hernández realizaram estudos de pós-graduação durante 1986 - 1995, e
voltaram a trabalhar como professores por nas escolas Escuela de Arte Escénico e Escuela de Artes Dramáticas.
Não foi possível coletar as informações especificas de cada experiência.
94
Durante esse período, estudaram outros artistas, que optei por não incluir nessa geração por algum desses dois
motivos: 1) não voltaram para Costa Rica; como é o caso de MFA. Denise Duncan (2004- 2006, Universidad de
La Coruña, Espanha) e Dra. Gina Monge (2005-2013) Universidade de São Paulo. 2) não são professores de
nenhuma das duas escolas de teatro, como é o caso de Met. Paola González (2010-2013, Universitat Autónoma
de Barcelona, Espanha), Msc. Milena Picado (2011- 2013, Université libre de Bruxelles, Université de Nice
Sophia Antilopes, Université de Paris VIII, Bélgica e França) e MA. Andrea Gómez (2012-2013, Universiteit
van Amsterdam e Universidad de las Artes de Belgrado, Países Baixos e República da Sérvia). Por último, os
artistas Emilio Aguilar e Juan Fernando Cerdas realizaram estudos de pós-graduação durante 1996 - 2015, e
voltoram a trabalhar como professores na Escuela de Arte Escénico.
75

Unidos, enquanto Msc. Paula Rojas, também no nível de mestrado, no período de 2006 a
2009, na Universidade Estadual de Santa Catarina, no Brasil. Atualmente, ambas as
professoras cursam o doutorado - Gina Sandí na University of Kansas (Estados Unidos) e
Paula Rojas na Universidad Laval em Quebec, Canadá.
Também pertence a essa geração o professor Dr. Leonardo Sebiane, que cursou o
doutorado no período de 2006 a 2010, na Universidade Federal da Bahia, e trabalhou como
professor na Escuela de Arte Escénico da Universidad Nacional, mas atualmente é professor
do Departamento de Artes da Universidade Federal da Bahia.
As professoras Dra. Maritza Toruño (2007-2011, Universitat Autónoma de Barcelona,
Espanha) e a Dra. Erika Rojas ( 2007-2011, Universidad Rey Juan Carlos e Universidad de
Alcalá, Espanha) atualmente são professoras na Escuela de Artes Dramáticas da Universidad
de Costa Rica.
Finalmente, os últimos professores formados nessa terceira geração são o Dr. Janko
Navarro, 2009 - 2012 na Universidade Estadual de Campinas, e a professora Dra. Tatiana
Sobrado, 2010 - 2014, na Universidade de São Paulo.
Chama a atenção que, nessa geração, dos nove professores que a formam - M.A
Manuel Ruíz, Dr. Marco Guillén, MA. Gina Sandí, Msc. Paula Rojas, Dr. Leonardo Sebiani,
Dra. Maritza Toruño, Dra. Erika Rojas, Dr. Janko Navarro, Dra. Tatiana Sobrado -, quatro
sejam formados em programas de pós-graduação em teatro no Brasil, o que representa 44,4%
dos professores formados na última década. Esse número é significativo num contexto tão
pequeno, como é o teatro costarriquenho e, ainda menor, no âmbito acadêmico.
Portanto, identifico esse fenômeno como o principal motor de processos de
transculturación de aspectos da cultura teatral brasileira que chegam à costarriquenha através
dos agentes “transculturadores” (os professores costarriquenhos formados no Brasil). A
criação de espetáculos que integram aspectos, tanto teóricos como práticos, do discurso teatral
brasileiro representa uma forma de observar este processo de transculturación em sua terceira
fase (criação). Os espetáculos Manuales de (in) seguridad (2012) e El Patio (2013), que
analisarei no presente capítulo, são exemplos que sustentam esta premissa. Dado que o Dr.
Leonardo Sebiane é diretor em Manuales de (in) seguridad, enquanto o Dr. Janko Navarro é
ator em El Patio.
A informação apresentada anteriormente constitui-se de dados gerais coletados através
de comunicações diretas95 com cada uma das pessoas mencionadas. Considero que este é um

95
Minha experiência, como estudante nas duas únicas escolas universitárias de teatro da Costa Rica e,
posteriormente, como professora da Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica e coordenadora
76

tema importante para futuras pesquisas, dado que não existem estudos acadêmicos que
registrem e analisem estas experiências. Os artistas costarriquenhos que realizaram estudos de
mestrado ou doutorado em universidades estrangeiras e que voltaram para trabalhar como
professores universitários são agentes “transculturalizadores” no processo de construção do
teatro contemporâneo da Costa Rica.
Por último e como quarto fenômeno histórico-cultural, a inserção da Costa Rica, a
partir da década de 1990, em programas internacionais de apoio às artes cênicas é um aspecto
importante nos processos de construção do seu teatro atual. Projetos como o Fundo de Ajuda
para as Artes Cênicas Ibero-americanas Iberescena96 e a Red Centroamericana de Teatro97
incentivam artistas costarriquenhos a trabalharem, pesquisarem e criarem de maneira conjunta
com artistas ibero-americanos.
Desta forma, políticas culturais como essas colocam o artista costarriquenho em um
novo cenário para a criação e produção, isto é, em uma situação que privilegia a
transculturación.
Por exemplo, o programa Iberescena solicita que, no processo de criação dos
espetáculos, participem, no mínimo, artistas de três países diferentes da Ibero-América. Esse
critério é fundamental para entender que certas políticas culturais da região estimulam e
solicitam que os artistas participem de processos de transculturación, porque, partindo dos
requerimentos desse programa, todo espetáculo produzido com verbas de Iberescena, por
definição, são resultados de processos de transculturación, ou seja, da convivência entre
artistas de culturas diferentes.
Por outro lado, no âmbito nacional, existe o Programa Nacional para el Desarrollo de
las Artes Escénicas PROARTES98, cujo objetivo é financiar, através de editais com

geral do Centro Cultural de España na Costa Rica, instituição vinculada à Agência Espanhola de Cooperação
Internacional para Desenvolvimento (AECID), permitiu-me desenvolver relações profissionais com as pessoas
mencionadas anteriormente e, assim, ter uma visão ampliada sobre o grêmio teatral do meu país. A coleta desses
dados foi realizada através de comunicações diretas com cada pessoa através de correios eletrônicos e redes
sociais digitais no período de 15 a 19 de junho de 2015.
96
IBERESCENA é um programa cujo objetivo é promover, através dos seus editais, a construção de um espaço
cênico ibero-americano, por meio dos Estados membros e de ajudas financeiras. Os países signatários são:
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Espanha, México, Panamá, Paraguai,
Peru e Uruguai. Todos eles trabalham em parceria com a Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) e a Agência
Espanhola de Cooperação Internacional para Desenvolvimento (AECID). Informação retirada do site
http://www.iberescena.org/pt/noticias/aberto-o-edital-iberescena-20152016/c/2199 (visitado no dia 16/07/2015).
97
Atualmente inativa.
98
[Tradução minha] O “Programa Nacional para el Desarrollo de las Artes Escénicas” (PROARTES) tem como
objetivo apoiar, promover, difundir, preservar e incrementar as manifestações artísticas cênicas da Costa Rica
através do apoio econômico a projetos específicos concebidos pela comunidade cultural e artística independente.
Informação retirada do site http://www.teatromelico.go.cr/portal/proartes/Acercade.aspx (visitado no dia
16/07/2015).
77

financiamento público, a produção e circulação de espetáculos cênicos. Esse programa herda


objetivos da política cultural da década de 1970, como descentralizar a ação cultural e
artística, apoiar o artista nacional e democratizar o acesso aos produtos artísticos. Também,
nesta perspectiva, destaca-se o trabalho de organismos internacionais como HIVOS99 (Países
Baixos), a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para Desenvolvimento (AECID),
a Aliança Francesa, e o Instituto Cultural Mexicano100. Infelizmente o apoio dessas
instituições foi reduzido, de maneira significativa, em parte por causa da crise econômica
internacional (2008- 2009) e a crise da zona do euro (2009- 2013).
Finalmente, considero que o uso do conceito transculturación não somente cumpriu
sua função para entender o processo de construção das práticas teatrais na Costa Rica, mas
também a separação de suas três fases: 1) Chegada de uma nova cultura, 2) Perda de aspectos
da cultura precedente; e, finalmente, 3) Criação de novos fenômenos culturais. Isto nos
permite levantar as seguintes questões para os agentes das práticas teatrais na Costa Rica: que
aspectos permitimos que cheguem à nossa cultura teatral? Que aspectos deixamos que sejam
perdidos durante os processos de transculturación? Por fim, que modelos teatrais seguimos
ou inventamos como resultado do encontro entre a nossa e as outras culturas?
Considero que a busca por respostas a essas e outras questões poderá ser empreendida
em futuras pesquisas acadêmicas, e que poderão se beneficiar de novas ferramentas analíticas,
como a teoria desenvolvida sobre o pós-colonialismo latino-americano proposta pelo
semiólogo argentino Walter Mignolo. Afinal, é pertinente refletir se durante o processo de
assimilação de aspectos de outras culturas, nestas práticas transculturais, negamos ou
confirmamos aquilo que, no fundo, sabemos: a condição que comumente adotamos de
reprimidos e colonizados.

Opressão e negação são dois aspectos da lógica colonial. O primeiro opera na ação
de um individuo sobre outro, nas relações desiguais de poder. O segundo o faz na
maneira como os indivíduos negam o que no fundo sabem. Os processos
descoloniais tratam de tirar ambos dos lugares reprimidos, mostrando também as
características imperiais da “negação”. (Mignolo, 2010: 18).101

99
Site https://www.hivos.org/
100
Informação tomada do “Sistema de Información Cultural de Costa Rica”. Site
http://si.cultura.cr/infraestructura/instituto-cultural-de-mexico-en-costa-rica.html (visitado em 12/10/2015)
101
[ Tradução minha] Original: “Opresión y negación son dos aspectos de la lógica de la colonialidad. El primero
opera en la acción de un individuo sobre otro, en las relaciones desiguales de poder. El segundo lo hace sobre los
individuos, en la manera en que niegan lo que en el fondo saben. Los procesos decoloniales consisten en sacar a
ambos de sus lugares reprimidos, mostrando también las características imperiales de la “negación”. (Mignolo,
2010: 18).101
78

2.1 O PROCESSO COLABORATIVO NA COSTA RICA

Assim como no Brasil, na Costa Rica a manifestação de experiências teatrais com


características de Processo Colaborativo também iniciou na década de 1990, e considero estar
vinculada ao trabalho de grupos como Abya Yala (1991) e do Núcleo de Experimentación
Teatral (1992)102, principalmente. Isso porque ocorre naquele período uma ação
governamental que beneficia as práticas dos grupos independentes. Como afirma Fernando
Vinocour: “na década de 90, é promovido pelo Estado um projeto importante para o
fortalecimento dos grupos: o programa de producciones concertadas, criado e desenvolvido
por Luis Fernando Gómez103. (VINOCOUR, 2006: n.p)”104
O modo como Abya Yala e Núcleo de Experimentación Teatral, entre outros
grupos105, têm exercido suas próprias formas de criar em Processo Colaborativo - embora não
se refiram a seus modos de criação com esse termo -, permite identificar também a presença
de aspectos retomados de práticas da Criação Coletiva da década de 1970, como criar em
equipe106 e o interesse por uma nova dramaturgia107.
Dado que o grupo Tierranegra (1973 - 1983) é a principal referência do teatro de
grupo de Criação Coletiva na Costa Rica, tomarei o caso como exemplo para entender como
foi exercido este modo de criação no país, a fim de compreender a gênesis das práticas
colaborativas. Em relação às experiências de teatro de grupo de Criação Coletiva, Vinocour
afirma:

O grande antecedente foi o grupo Tierranegra. Mas antes é preciso mencionar outras
experiências que constituíram o clima criativo desses anos: gestaram-se obras
surgidas da efervescência teatral vivida na época. Por exemplo, o grupo da
Universidad de Costa Rica apresenta Las hormigas, de Antonio Iglesias, e Teofilo
Amadeo, de Rudolph Wedel. Também há que mencionar o grupo Gruteacas, do
Conservatorio Castella; e na área do teatro de bonecos para crianças e adultos, o
Moderno Teatro de Muñecos dirigido por Juan Enrique Acuña. Outro grupo
interessante nesse momento foi el Cilampa, formado por jovens estudantes que

102
Apresentarei, com mais detalhes, ambos os grupos no próximo sub-capítulo 2.2 Prácticas Heterodoxas.
103
Luis Fernando Gómez foi diretor da Compañía Nacional de Teatro nos períodos de 1992-1994 e 2002-2004.
104
[Tradução minha] Original: “En la década de los 90 se promueve desde el Estado, un proyecto importante para
el desarrollo de los grupos: el programa de producciones concertadas que impulsa Luis Fernando Gómez.
(VINOCOUR, 2006: n.p)
105 Grupo La Trama, Diquis Tiquis e Teatro 1856 por citar alguns exemplos.
106
Cf.:capítulo 1, sub-capítulo 1.2.2.1 Criar em equipe, pág.: 46.
107
Cf.: capítulo 1,sub-capítulo 1.2.2.2 Nova Dramaturgia, pág.: 48.
79

viajaram pelo pais com peças como Nosotros no usamos corbata. (VINOCOUR,
2006: n.p.)”108

O grupo Tierranegra foi formado em 1973 por atores e atrizes jovens que
compartilhavam o objetivo de criar dramaturgias e linguagens cênicas próprias, a partir de
processos de experimentação.
Escolho centrar a atenção no grupo Tierranegra, porque alguns de seus atores, como
Melvin Méndez e Manuel Ruíz, trabalharam nos primeiros projetos cênicos dos grupos Abya
Yala e do Núcleo de Experimentación Teatral. Por exemplo, Melvin Méndez foi um dos
fundadores do Núcleo de Experimentación Teatral, enquanto que o ator Manuel Ruíz
participou como ator na quinta obra do grupo Abya Yala, a peça El Caso Otelo, no ano de
1994. O que reforça as relações artísticas entre os três grupos.
Para os autores costarriquenhos Manuel Ruíz (1990) e Alejandro Tossatti (1990), o
grupo Tierranegra “foi um dos grupos mais importantes na história do teatro da Costa Rica, e
provavelmente o mais importante até o momento como grupo de vanguarda” (RUIZ, M.
Tossatti, A. 1990: 69).109
O trabalho do Tierranegra era fortemente influenciado pelo método Criação Coletiva,
difundido pelos diretores colombianos Santiago Garcia e Enrique Buenaventura, a partir de
intercâmbios artísticos que, desde aquele tempo, já aproximavam ambos os países.110 O grupo
costarriquenho, no entanto, é reconhecido por desenvolver seus próprios procedimentos de
Criação Coletiva, sustentados no contexto social e artístico do seu país.

Demostrando que nossa história é fonte suficiente de criação artística levantamos a


cabeça ao desprezo clandestino contra nossa nacionalidade. Assumindo nossa
idiossincrasia, o popular e “o aldeão” na nossa história, na nossa cultura; assumindo
como artistas, de forma humilde, nossas limitações, cortando o véu que – por trás de
um pretenso cosmopolitismo - oculta um desprezo contra nossa nacionalidade.
111
(RUIZ, M. Tossatti, A. 1990: 73)

108
[Tradução minha] Original: El gran antecedente fue el grupo Tierranegra. Pero antes tienen que mencionarse
otras experiencias que constituían el clima creativo de esos años: se gestaron obras surgidas de una efervescencia
teatral vivida en la época. Por ejemplo, el grupo de la Universidad de Costa Rica monta Las hormigas, de
Antonio Iglesias, y Teofilo Amadeo, de Rudolph Wedel. También hay que mencionar al Gruteacas, del
Conservatorio Castella; y en el campo de los muñecos para niños y adultos, el Moderno Teatro de Muñecos
dirigido por Juan Enrique Acuña. Otro grupo interesante en ese momento fue el Cilampa, formado por jóvenes
estudiantes que giraron con obras como Nosotros no usamos corbata” (VINOCOUR, 2006: n.p)
109
[Tradução minha] Original: “fue uno de los grupos más importantes en la historia del teatro de Costa Rica, y
probablemente el más importante hasta la fecha como grupo de vanguardia” (RUIZ, M. Tossatti, A. 1990: 69).
110
Grande parte dos espetáculos de Tierranegra foi dirigida por Luis Carlos Vazquez, diretor colombiano radicado
na Costa Rica desde 1973 e hoje considerado um dos mais importantes diretores da Costa Rica.
111
[Tradução minha] Original: “Demostrando que nuestra historia es fuente suficiente de creación artística
levantamos la frente ante el desprecio clandestino hacia nuestra nacionalidad. Asumiendo nuestra idiosincrasia,
lo popular y “ lo aldeano” en nuestra historia, en nuestra cultura; asumiendo como artistas, en forma humilde,
80

São pertinentes as palavras de Ruíz e Tossatti (1990) porque mostram uma tendência
do teatro costarriquenho em adotar, como ideais, dramaturgias e modelos cênicos produzidos
pelos grupos das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos. Desta forma, é possível
apontar que o grupo Tierranegra inicia um outro teatro costarriquenho, que, pelo contrário,
luta pelo fortalecimento de uma arte inerente às características sociais, políticas, econômicas,
culturais e artísticas do país.
Tierranegra criava a dramaturgia de seus espetáculos de modo coletivo a partir de
processos extensos de pesquisa e experimentação. Os temas de suas obras visitavam conflitos
sociais da época, como os abusos que sofriam os trabalhadores das bananeiras na Zona
Atlântica112, entre outros, em espetáculos que dialogavam com o público com a proximidade
favorecida por espaços públicos, como ruas, parques, igrejas, etc. O Tierranegra não só
incentivou a dramaturgia nacional escrita de modo coletivo, mas também mostrou que novas
formas de organização do trabalho coletivo, como a divisão por tarefas, levam a resultados
eficientes. A experiência desse grupo, portanto, revela as primeiras práticas de Processo
Colaborativo no teatro costarriquenho, "mas era não só busca do novo como modo artístico
expressivo: também foi uma mudança de orientação no significado das relações humanas e de
trabalho no interior do nosso grupo, assim como uma mudança nas relações entre o grupo e
seu trabalho em relação com o público" (RUIZ, M. TOSSATTI, A. 1990: 72)113.
Por outra parte, é relevante que manifestações teatrais de Processo Colaborativo
também mostram aspectos que provêm da Performance Art, como a noção de work in
progress e a autorreferência114, principalmente. Desta forma, o grupo Abya Yala pode ser
considerado a principal referência em Processo Colaborativo em sua dimensão performativa,
produto do vínculo de seus fundadores, Roxana Ávila e David Korish, com o teatro
performativo dos Estados Unidos e as teorias da antropologia de Eugenio Barba.

Esse termo, atribuído ao Brasil, tem sido nossa maneira de trabalho por mais de 20
anos, sem chamar por esse nome e sem saber que estávamos desenvolvendo uma

nuestras limitaciones, rompiendo el velo que – tras un pretendido cosmopolitismo- oculta un desprecio hacia
nuestra nacionalidade”. (RUIZ, M. Tossatti, A. 1990: 73)
112
Região da Costa Rica onde vive a maior parte da população afro- descendente.
113
[Tradução minha] Original: “Pero no era sólo búsqueda de lo nuevo en la forma artística como expresión:
también fue un cambio de orientación en el significado de las relaciones humanas y de trabajo en el interior de
nuestro grupo, así como un cambio en las relaciones entre el grupo y su trabajo en relación con el público”.
(RUIZ, M. TOSSATTI, A. 1990: 72)
114
Cf.: capítulo I, sub- capítulo 1.2 Performance Art., pág.: 33.
81

metodologia de pesquisa e criação que nos tem trazido muitos benefícios. Agora,
tenho lido sobre este termo e como é entendido, porque tem começado a ser usado
por gerações mais jovens. O que dizem é bem parecido como o que trabalhamos no
Abya Yala. Aqui, como processo colaborativo, tem havido várias experiências;
algumas que desconheciam o trabalho prévio do Abya Yala o classificam como uma
novidade, outras, que têm conhecimento, então o classificam como visões do
mesmo, mas desde experiências diferentes. (ÁVILA, 2015) 115

O uso do termo Processo Colaborativo116 é recente no léxico do teatro costarriquenho.


O modo como na Costa Rica é entendido e estudado o termo, no âmbito acadêmico, está
centrado na produção teórica de Antônio Araújo e Luís Alberto de Abreu. Alguns de seus
textos117 chegaram ao país através dos artistas costarriquenhos que realizaram pós-graduação
em teatro nas universidades brasileiras.
Neste sentido, o uso do termo Processo Colaborativo é uma evidência, no âmbito da
linguagem e do discurso, de processos de transculturación. Esta premissa é fundamentada no
fato de que o termo não foi usado, até início da década de 2010, como vocabulário dos artistas
cênicos, principalmente pelos recém-formados. Por exemplo, é interessante observar que as
atrizes costarriquenhas Aysha Morales e Laura Cordero118, recém graduadas da Escuela de
Artes Dramáticas da Universidade da Costa Rica, usam o termo Creación Colaborativa119
para divulgar uma oficina que ministraram num Festival de Teatro no México, em agosto de
2015.

115
[Tradução minha] “Ese término, acuñado en Brazil, ha sido nuestra manera de trabajo por más de 20 años, sin
ponerle ese nombre y sin saber que estábamos desarrollando una metodología de investigación y creación que
nos ha dado tantos beneficios. Ahora he leído sobre este término y cómo se entiende porque se ha empezado a
utilizar por generaciones más jóvenes que yo. Lo que dicen se parece bastante a como trabajamos en Abya Yala.
Acá, como proceso colaborativo ha habido varias experiencias; algunas que desconocían el trabajo previo de
Abya Yala así que lo ponen como una novedad, otra con conocimiento entonces lo ponen como visiones de lo
mismo desde espacios diferentes.” (AVILA, 2015)
116
Na Costa Rica é usada a tradução do espanhol do conceito em português Processo Colaborativo.
117
Os artigos mais difundidos na Costa Rica são: “ABREU, L. Processo colaborativo: relato e reflexão sobre
uma experiência de criação. Cadernos da Escola Livre de Teatro. Santo André, v. 1, n. 0, 2003”, e “ARAÚJO,
Antônio. O processo colaborativo no teatro da vertigem. Revista Sala Preta. São Paulo: Departamento de
Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, n. 6, 2006.
118
“Proyecto en rojo” é uma coletivo conformado por Aysha Morales (direção), Laura Cordero (atuação) e
Alejandra Marín (dramaturgia). O espetáculo Sobre mi casa una nube roja, é a primeira produção do coletivo,
estreia em novembro de 2013. Este espetáculo é resultado do projeto de licenciatura de Aysha Morales, que
tratava sobre o Processo Colaborativo.
119
“Creación Colaborativa” como uma variante do termo Processo Colaborativo. Parto da hipótese que representa
uma forma costarriquenha de usar o termo brasileiro.
82

Imagem 1: Cartaz da oficina “Entretejidos: dinámicas de creación colaborativa” ministrada por Aysha Morales e
Laura Cordero.

A proximidade dos artistas costarriquenhos com o discurso e vocabulário do teatro


brasileiro contemporâneo, em que o termo Processo Colaborativo está inserido, deve-se, em
parte, à relação entre professores e estudantes da Escuela de Artes Escénico da Universidad
Nacional e da Escuela de Artes Dramáticas da Universidad de Costa Rica. Isso porque alguns
dos professores, de ambas as escolas universitárias, realizaram estudos de pós-graduação no
Brasil e logo retornaram ao país para continuar sua função de docentes. Cada um voltou com
materiais teóricos atualizados do teatro brasileiro junto com relatos de experiências artísticas
que, a partir de diversas perspectivas, contribuíram com a discussão e reflexão sobre a função
do ator e do diretor nos processos criativos. Contudo, é importante destacar que o estudo
sobre Processo Colaborativo não é incluído formalmente nos programas pedagógicos das duas
únicas escolas universitárias de teatro na Costa Rica.
Sobre esse assunto, destaca-se o caso da Escuela de Artes Escénico, que vem
oferecendo apoio, através de bolsas e convênios internacionais, para que seus professores
viajem ao Brasil para realizar estudos em nível de mestrado e doutorado, como tem
acontecido com os professores Msc. Gerardo Bejarano, Dr. Janko Navarro, Msc Paula Rojas e
83

Dr. Leonardo Sebiane. Enquanto isso, a Escuela de Artes Dramáticas tem financiado
unicamente a professora Dra. Tatiana Sobrado.
A relação dos professores costarriquenhos com o discurso do teatro brasileiro
contemporâneo contribui para os processos de transculturación que tenho mencionado no
decorrer do presente capítulo e que considero um fenômeno resultante das dimensões muito
restritas da comunidade profissional da Costa Rica, o que faz com que o contato direto entre
professores, alunos e artistas de grupos independentes seja um dispositivo eficiente para a
difusão, multiplicação e assimilação de novos conhecimentos.
É importante tornar claro que uma das principais plataformas para se inserir no
mercado de trabalho, tanto para professores universitários como para recém-graduados, são os
grupos teatrais independentes. Portanto, os processos de transculturación acontecem
principalmente em contextos acadêmicos e dentro da cultura de teatro de grupo. Assim,
paulatinamente, as novas práticas são inseridas e exercitadas no teatro costarriquenho.
Como mencionei no início do presente subcapítulo, além do grupo Abya Yala, outro
grupo de teatro da Costa Rica que vem desenvolvendo seus projetos artísticos de modo
colaborativo é o Núcleo de Experimentación Teatral, que - semelhante ao Abya Yala - tem
mais de duas décadas de trabalho contínuo orientado para o teatro de pesquisa e que também
não tem nomeado seus modos de criação como Processo Colaborativo.
Por outro lado, nos últimos anos, tem aumentado o número de grupos e coletivos
interessados em trabalhar a partir de dinâmicas de criação e produção colaborativa, como é o
caso dos grupos Bonus Teatro, Colectivo La Tijera, Compañía Símbolo, Compañía La
Bicicleta, Pluie, Proyecto en Rojo, Sotavento, Teatro Desde Mi Misma, Teatro La Maga,
Teatro Oshún e Teatro Raíz, entre outros, cujos modos de organização evidenciam uma
mudança na visão do teatro de grupo que se aproxima mais da ideia de “núcleos artísticos”
(TROTTA, 2006).120 Isto é, quando diversos artistas unem-se para criar sobre uma mesma
linha de projetos, com o propósito de experimentar estéticas e técnicas, sem estarem
organizados como um grupo tradicional, mas que, ao longo do tempo, possam construir a
identidade do núcleo.
As produções recentes de grupos de teatro independentes na Costa Rica têm mostrado
um aumento no número de espetáculos cujo material dramatúrgico tenha sido produzido ao
longo do processo criativo e com a participação de todos os integrantes do projeto. Esse

120
Cf.: Capítulo I, sub- capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, pág.: 18.
84

fenômeno torna-se mais evidente nos grupos e coletivos formados por atores e diretores
recém-formados.
A participação de atores e atrizes no pensamento global do espetáculo, nas produções
recentes, demonstra o interesse por questionar e repensar as estruturas hierárquicas nos
processos de criação. Práticas teatrais como essas incentivam o campo de pesquisa sobre
procedimentos e modos de criação baseados na horizontalidade no trabalho do ator, atriz,
diretor e diretora. Portanto, a inserção do termo Processo Colaborativo nos estudos teatrais na
Costa Rica é uma oportunidade para refletir e pensar sobre as perguntas que a prática teatral
levanta.
Os espetáculos costarriquenhos Manuales de (in) seguridad, estreado em 2012 pelo
grupo Teatro Oshún, e El Patio, em 2013 pelo grupo Abya Yala, constituem os objetos de
estudo desta pesquisa, pois seus modos de criação apresentam características semelhantes ao
Processo Colaborativo.
No espetáculo Manuales de (in) seguridad, trabalhei como atriz e produtora. A
experiência pessoal vivida ao longo do processo criativo foi disparadora de perguntas que
confirmaram a minha necessidade e desejo de participar de um programa superior de estudos
teatrais no Brasil, para estudar seus vínculos e diálogos com o teatro de meu país. Esta
vivência foi a que me aproximou do segundo objeto de estudo, El Patio, pois, a partir de uma
primeira intuição, percebi aspectos comuns com Manuales de (in) seguridad, que me
direcionaram para a hipótese de que ambos os espetáculos sejam resultados de Processos
Colaborativos.
É importante lembrar, mais uma vez121, que os estudos sobre o Processo Colaborativo
não pretendem apresentar um método ou um sistema de procedimentos criativos que possam
ser reproduzidos de um projeto para outro, de um grupo para outro, e menos ainda de um país
para outro. É um modo de criação que se recria em cada experiência como um evento único e
singular. Portanto, analisar os modos de criação dos atores e diretores nos espetáculos
Manuales de (in) seguridad e El Patio, tem o objetivo de entender e refletir sobre formas
diversas e distintas de entender e exercer a premissa de “criar em colaborativo” no contexto
teatral da Costa Rica.

121
Cf.: Capítulo I Processo Colaborativo, p. 14.
85

2.2 PRÁCTICAS HETERODOXAS

O conceito Prácticas Heterodoxas122 é uma proposta do ator e diretor costarriquenho


Fernando Vinocour para nomear um tipo de tendência do teatro atual da Costa Rica. No artigo
"Experiencias heterodoxas de los grupos independientes", publicado na revista cubana
Conjunto em março de 2006, Vinocour usa o termo Prácticas Heterodoxas para refletir sobre
as manifestações teatrais que não respondem ao modelo tradicional de teatro do país. "Meu
interesse é em dar ênfase a como alguns grupos contribuíram para diversificar a imagem
teatral costarriquenha através de uma atividade marginal ou de fronteira, em contraponto às
tendências centrais e hegemónicas" (VINOCOUR, 2006: n.p.)123.
Em 2007, Fernando Vinocour dá seguimento à sua proposta no artigo "Miradas sobre
experiencias teatrales heterodoxas en Costa Rica", publicado no livro La tradición del
presente. Actualidad de las experiencias teatrales de Costa Rica en las últimas tres décadas,
da editora Perro Azul (Costa Rica). Para Vinocour (2007), as Prácticas Heterodoxas são
modos diversos de criação nas artes cênicas cujo princípio central é a pesquisa e
experimentação. "Os grupos aqui mencionados têm propuseram no passado e propõem, na
atualidade, fazer um teatro relacionado com a busca e a experimentação cênica"
(VINOCOUR, 2007:123)124.
É importante destacar que, em ambos os artigos, o autor não leva o termo a uma
definição especifica. A proposta do conceito está baseada na apresentação das experiências de
seis grupos de teatro da Costa Rica: Tierranegra (1973); La Carpa (1978); La Trama (1980);
Teatro 56 (1986); Abya Yala (1991) e Núcleo de Experimentación Teatral (1992). Portanto,
são os paralelismos das experiências dos seis grupos que definem o conceito Prácticas
Heterodoxas.
Desta maneira, menciono os cinco paralelismos que recopilo dos artigos de Vinocour
(2006 e 2007) e que considero os princípios norteadores do conceito: 1) o trabalho em
coletivo está organizado por comissões de trabalho; 2) o processo criativo inclui fases de
pesquisa teórica e formulação de novos procedimentos criativos; 3) durante o processo de
criação, são convidados diferentes professionais para discutir sobre o material em produção;

122 Usarei ao longo do trabalho sempre o termo em espanhol.


123 [Tradução minha] Original: “Me interesa hacer hincapié en cómo algunos grupos han contribuido a
diversificar la imagen teatral costarricense a través de una actividad marginal o fronteriza, en contrapunto a las
tendencias centrales y hegemónicas”. (VINOCOUR, 2006: n.p)
124 Tradução minha] Original: “Los grupos aquí mencionados se han planteado en el pasado y se proponen en la

actualidad, hacer un teatro más ligado a la búsqueda y a la experimentación escénica. (VINOCOUR, 2007:123)
86

4) no processo criativo, são desenvolvidas palestras e outras atividades relacionadas à


temática da peça; e, finalmente, 5) atores e diretores treinam em coletivo.
Por outra parte, dado que o conceito Prácticas Hetorodoxas visa a ser uma proposta
para nomear práticas de criação baseadas nos princípios de pesquisa e experimentação,
considero que a definição “teatro experimental” de Patrice Pavis (1997) funciona como linha
para definir o campo de ação das Práticas Heterodoxas.

O termo teatro experimental está em concordância com teatro de vanguarda, teatro-


laboratório, performance, teatro de pesquisa ou, simplesmente, teatro moderno; ele
se opõe ao teatro tradicional, comercial e burguês que visa a rentabilidade financeira
e se baseia em receitas artísticas comprovadas, ou mesmo ao teatro de repertório
clássico, que só mostra peças ou autores já consagrados. Mais que um gênero, ou um
movimento histórico, é uma atitude dos artistas perante a tradição, a instituição e a
exploração comercial. (PAVIS, 1997: 388)

Por conseguinte, entendo que o termo Práticas Heterodoxas seja adequado para
nomear o teatro experimental costarriquenho - perspectiva que considero necessária que se
aprofunde em futuros estudos, tendo em vista não haver outros materiais teóricos que
abordem o conceito de Vinocour (2006 e 2007).
Discutir a noção das Prácticas Heterodoxas, em se tratando de uma “atividade
marginal” (Vinocour, 2006), é um ensejo para refletir sobre a relevância de haver formas
próprias de nomear nossos próprios modos de criação e, assim, questionar por que práticas
como essa ocupam um lugar de marginalidade.
Desta maneira, as Práticas Heterodoxas são modos de questionar as práticas cênicas
tradicionais que instituições culturais e centros de formação da Costa Rica têm legitimado e
oficializado ao longo das últimas quatro décadas125. Essas práticas tradicionais são chamadas
por Vinocour (2007) de “modelo oficial” e consistem em procedimentos de criação
(repetitivos) que visam a uma estética teatral específica, entendida como a estética “oficial”.
Pelo contrário, nas Prácticas Heterodoxas, cada processo criativo é único. Porém, os
modos de criação dos grupos de tendência heterodoxa não são entendidos como métodos,
fórmulas ou sistemas de procedimentos capazes de serem reproduzidos de um projeto para

125Desde a criação da Escuela de Artes Dramáticas em 1970, o Ministerio de Cultura em 1973, a Compañía
Nacional de Teatro em 1971 e a Escuela de Artes Escénico em 1973.
87

outro, porque “as técnicas, métodos, procedimentos, são recriados na aplicação de cada
experiência [...]” (VINOCOUR, 2007: 117)126.
Por outra parte, é relevante que a diversidade de modos de organização nas Prácticas
Heterodoxas retome e atualize a ideia de grupo, primeiro porque aplica princípios da cultura
do teatro de grupo da década de 1970 - como a importância de inventar em coletivo os
próprios procedimentos de criação -, e segundo porque estimula outros modos de organização,
como o trabalho em “núcleos artísticos” (TROTTA, 2006).127 Assim, atores e diretores unem-
se para trabalhar em projetos cênicos específicos, sem a organização de um grupo estável.
Nesse último aspecto, porém, reside um paradoxo: para a continuidade e
amadurecimento de Prácticas Heterodoxas à organização em grupo, como tradicionalmente é
entendida, embora seja uma das plataformas mais eficientes nesse sentido, chama a atenção
que, das seis companhias estudadas por Vinocour, unicamente os grupos Abya Yala e o
Núcleo de Experimentación Teatral existam na atualidade. Isso mostra que

A visão do teatro de grupo baseada no desejo de desenvolver uma direção artística


no coletivo/colaborativo está sendo cada vez mais ameaçada por determinadas
políticas culturais dos nossos países. Programas destinados a promover a criação e a
promoção teatral, em alguns casos, colocam em risco a sustentabilidade dos grupos e
companhias, porque, para receberem financiamento, devem criar por períodos que
correspondam aos modos de criação que privilegiem o trabalho individual e
128
hegemônico. (ARY, R. ALPIZAR, L. 2015:65)

Tanto o grupo Abya Yala quanto o Núcleo de Experimentación Teatral são grupos
que, através do trabalho contínuo - e até heróico -, têm conseguido traduzir suas experiências
em ética, técnica e estética próprias e mostrado sua capacidade de transformar dificuldades
em oportunidades.
A esse respeito, a historiadora costarriquenha Dra. Patricia Fumero identifica que o
trabalho constante de autocrítica e reflexão, que ambos os grupos têm desenvolvido por mais

126[Tradução minha] “las técnicas, métodos, procedimentos, son recreados al aplicarse en la experiencia de cada
cual [...]” (VINOCOUR, 2007:117)
127
Cf.: Capítulo I, sub-capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, pág.: 18.
128[Tradução minha] Original: “La visión del teatro de grupo fundamentada en el deseo de desarrollar un camino

artístico en colectivo/colaborativo está siendo cada vez más amenazada por ciertas políticas culturales de
nuestros países. Programas de fomento a la creación y circulación teatral en algunos casos, ponen en riesgo la
sostenibilidad de los grupos y compañías, pues para recibir financiamiento deben someterse a períodos que
responden a modos de creación que privilegian lo individual y lo hegemónico”. (ARY, R. ALPÍZAR, L. 2015:
65)
88

de vinte anos, deve ser considerado referência para a melhoria das políticas culturais do país
e, assim, garantir a continuidade dos grupos:

Se os grupos de teatro refletissem sobre seus processos criativos e o contexto


histórico em que têm lugar - como fizeram o Núcleo de experimentación teatral ou
Abya Yala, entre outros - teriam ferramentas que permitem uma melhor
interpretação da evolução do nosso teatro e uma melhor programação e
129
desenvolvimento de políticas nacionais de teatro. (FUMERO, 2011:12)

Portanto, apresento brevemente os grupos Abya Yala (1991) e Núcleo de


Experimentación Teatral (1992), como exemplos vivos e relevantes de Prácticas
Heterodoxas.

2.2.1 Abya Yala (1991)

O grupo foi criado pela atriz e diretora costarriquenha Roxana Ávila e o diretor
americano David Korish, após finalizar estudos de pós-graduação na Carnegie Mellon
University nos Estados Unidos.
Atualmente, o Abya Yala tem desenvolvido um modo de organização que é melhor
descrito pela ideia de “comunidade artística” e não como “grupo de teatro”, dado que “Abya
Yala agora é mais um conglomerado do que um grupo fechado e nos permite trabalhar com
distintas disciplinas e ideias” (ÁVILA, 2015). 130
Até agora, Abya Yala produziu mais de 30 espetáculos cênicos de autores como
Nelson Rodrigues e Samuel Beckett, adaptações coletivas de clássicos como os de Willian
Shakespeare e Yukio Mischima, obras de dramaturgas costarriquenhas como Denise Duncan
e Ailyn Morera e criações baseadas em textos não dramáticos, como o conto "Asterión", de
Jorge Luis Borgues.131

129[Tradução minha] Original: “Si los grupos teatrales reflexionaran sobre sus procesos creativos y el contexto
histórico en el que tienen lugar- como sí lo han hecho el Núcleo de Experimentación Teatral o Abya Yala,
entre otros- contarían con herramientas que posibilitarían una mejor interpretación de la evolución de nuestro
teatro, y una mejor programación y desarrollo de las políticas nacionales de teatro”. (FUMERO, 2011: 12)
130
[Tradução minha] Original: “Abya Yala ahora es más un conglomerado que un grupo cerrado y nos permite
trabajar con distintas disciplinas e ideas generadoras” (ÁVILA, 2015). AVILA, Roxana. Entrevista concedida
para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
131
GOMEZ, Andrea. Blood, sweat and trust: group development and creative process at Teatro Abya Yala
Dissertation. Universiteit van Amsterdam, Netherlands University of Arts in Belgrade, Serbia, 2013.
89

O interessante é que Abya Yala tem criado seus espetáculos sempre de modo
colaborativo: “nós colocamos todas as pessoas em igualdade de condição para propor e, como
os processos são tão extensos, há oportunidade para experimentar todas as propostas”.
(ÁVILA, 2015).132
Por outro lado, é importante tornar claro que os processos criativos de Abya Yala
destacam-se pela disciplina no treinamento físico dos atores e atrizes, produto das
experiências tanto de Roxana Ávila quanto de David Korish com técnicas como a
biomecânica de Meyerhold, assim como as próprias pesquisas do grupo em relação ao
trabalho do ator.
Em síntese, considero que Abya Yala é das referências mais importantes para os novos
grupos de teatro costarriquenho de tendência às Prácticas Heterodoxas. A experiência de
Abya Yala é um exemplo de grupos de teatro que se configuram como comunidades criativas:
potencializam a liberdade para a criação ao (re)criar, a cada experiência cênica, seus
procedimentos criativos. Para Roxana Ávila (2015), "[...] estar perdido no processo é valioso,
porque a resposta não se obtém a partir de uma única mente e sim no diálogo multidisciplinar
e trans-disciplinar, que só se sabe de que se está falando no momento em que acaba o
processo [...]” (ÁVILA, 2015). 133

2.2.2 Núcleo de Experimentación Teatral (1992)

Foi criado por Fernando Vinocour, Melvin Méndez e Marco Guillén. É interessante
que aqui o uso da palavra “núcleo” tem convergência com o pensamento da investigadora
brasileira Rosyane Trotta (2006), quando explica que “[...] a palavra núcleo dimensiona uma
estrutura em que uma minoria concebe, realiza e mantém a continuidade do projeto, enquanto
os convidados, que representam a maioria, entram no esquema do trabalho avulso”.
(TROTTA, 2006:155). A função de conceber, realizar e manter os projetos do Núcleo de
Experimentación Teatral tem sido centrada na figura do diretor, Fernando Vinocour, e está

132
[Tradução minha] Original: “nosotros colocamos a todas las personas en igualdad de condición para proponer
y, como los procesos son tan extensos, se le da a todas las ideas espacio para ser probadas”. AVILA, Roxana.
Entrevista concedida para Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12
de junho de 2015.
133
[Tradução minha] Original: “[...] que estar perdido en un proceso es valioso, que la respuesta no se tiene desde
una cabeza sino en diálogo multidisciplinario y trans-disciplinario, que sólo se sabe de qué se está hablando
cuando una ha terminado el proceso [...]”. (ÁVILA, 2015). AVILA, Roxana. Entrevista concedida para
Lidieth Alpízar pela diretora do grupo Abya Yala, realizada por e-mail no dia 12 de junho de 2015.
90

relacionada ao seu compromisso com os estudos teatrais na Costa Rica através das
experiências criativas do grupo.
No entanto, a ideia de “núcleo” de Rosyane Trotta (2007) difere no sentido de que as
pessoas que participam nos projetos do Núcleo de Experimentación Teatral são entendidas
como criadores e não como “convidados” que “entram no esquema”. Isto é, todos têm a
oportunidade de questionar e modificar o próprio processo criativo, uma vez que “[...] o teatro
tem a ver com a noção de jogo, liberdade, irreverência e até “falta de sentido”, isto é o que faz
com que seja potente”134. (RODRIGUEZ, 2008: 92)135
O Núcleo de Experimentación Teatral produziu montagens de 27 espetáculos de
autores como Sergi Belbel e Samuel Beckett, mas na maioria obras de Arístides Vargas e
adaptações coletivas de textos não-dramáticos de autores latino-americanos como Eduardo
Galeano e Júlio Cortázar.
Em entrevista realizada com Arístides Vargas, dramaturgo e diretor do grupo
Malayerba de Equador, Vargas (2015) comenta sobre a importância que tem o trabalho do
Núcleo de Experimentación Teatral quanto à consolidação do teatro costarriquenho de
tendência heterodoxa como ruptura do “modelo oficial”.

[…] Fernando foi um grande impulsor disto, acredito que o trabalho do N.E.T
produz uma quebra com essa outra teatralidade mais tradicional que sempre houve
na Costa Rica, porque a Costa Rica sempre se destacou no contexto Centro-
Americano porque tinha uma tradição teatral importante, e acredito que o N.E.T
136
provocou uma quebra através da figura de Vinocour (VARGAS, A. 2015).

O pensamento de Aristides Vargas é reforçado por Charo Francés, atriz do grupo


Malayerba, quando diz que acredita “[...] que a América Latina já deveria começar a
reconhecer o Fernando como um dos mestres do teatro latino-americano” (FRANCES, CH.
2015)137. E a autora complementa que com o trabalho do Núcleo de Experimentación Teatral,

134 Vivian Rodríguez é atriz, diretora e pesquisado no Núcleo de Experimentación Teatral.


135 [Tradução minha] Original: “[...] o teatro, tiene que ver con el orden del juego, con su libertad, irreverencia y
su “falta de sentido”, el cual lo hace potente” (RODRIGUEZ, 2008: 92)
136[Tradução minha] Original: “Fernando fue un gran impulsor de esto, creo que el trabajo del N.E.T produce un
quiebre a esa otra teatralidad más tradicional que siempre hubo en Costa Rica, porque Costa Rica siempre
sobresalió en el contexto Centroamericano porque existía una tradición teatral importante, y creo que el N.E.T
provoca un quiebre es a través de la figura de Vinocour”. (VARGAS, A. 2015)
137 [Tradução minha] Original: “yo creo que ya Latinoamerica tendría que empezar a reconocer a Fernando como
uno de los maestros del teatro latinoamericano” (FRANCES, CH. 2015)
91

[...] hoje temos a sensação de que são os jovens quem realmente protagoniza o teatro
na Costa Rica, que têm capacidade de invenção, que eu não consegui perceber na
minha primeira visita, há muitos projetos em andamento, e não só projetos, mas
também realizações que têm maturidade na Costa Rica[...] Em Cádiz138 também
tivemos a oportunidade de ver o trabalho de Abya Yala, que é bem interessante, isto
é, hoje há na Costa Rica trabalhos de teatro experimental realmente valiosos
139
(FRANCES, CH. 2015).

2. 2.3 Práticas cênicas tradicionais: modelo oficial

O termo Prácticas Heterodoxas vem aglutinar uma diversidade de experiências


cênicas caracterizadas por não seguir os padrões de um “modelo oficial” de teatro. Para a Dra
Patricia Fumero, a inauguração do Teatro Nacional em 1897 é o evento histórico e simbólico
que instaura, no imaginário coletivo, a noção de um “teatro culto” sinônimo de um “modelo
oficial” de teatro. Nas palavras de Fumero (2000), "a partir de 1897, com a inauguração do
Teatro Nacional, o teatro se tornou uma prática apoiada por políticas culturais visando o
refinamento do espetáculo, à imposição de um rigor estético clássico e rejeição ao público
popular [...]" (FUMERO,2000: 37)140.
Portanto, o “modelo oficial” está vinculado à classe social intelectual conservadora de
um teatro de “rigor estético clássico” (FUMERO, 2000: 37). Esse ideal é legitimado através
da programação que instituições como o Teatro Nacional têm mantido como critério para a
seleção de seus projetos e, assim, como forma de fomentar a “identidade cultural” dos
costarriquenhos.
Segundo Vinocuor,

As características deste teatro que têm prevalecido tem a ver com o tipo de drama
que forneceu as bases para o estabelecimento de uma profissionalização desta arte
na Costa Rica. Com a chegada de companhias de teatro estrangeiras e a prática
privada de intelectuais interessados em teatro, que visitavam as grandes cidades
culturais, trouxeram um modelo de teatro baseado em obras de autoria clássica e

138 Apresentação da obra “Vacío” no XXVII Festival Iberoamericano de Teatro de Cádiz, España.
139 [Tradução minha] Original: “[...] hoy tenemos la sensación y de que es la gente joven la que realmente
protagoniza el teatro en Costa Rica, que hay una capacidad de invención que yo no supe percibir en mi primera
visita, hay mucho proyecto en marcha y no sólo proyectos sino realizaciones que tienen una madurez en Costa
Rica[...] En Cádiz también tuvimos la oportunidad de ver el trabajo del grupo Abya Yala y que es muy
interesante, es decir, hoy hay en Costa Rica trabajos de teatro experimental realmente valiosos”. (FRANCES,
CH. 2015)
140 [Tradução minha] Original: “A partir de 1897 con la inauguración del Teatro Nacional, el teatro se había
convertido en una práctica apoyada por políticas culturales tendientes al refinamiento del espectáculo y, a la
imposición de un rigor estético clásico y el rechazo de la audiencia popular [...]” (FUMERO, 2000: 37)
92

contemporânea (Lorca, O ' nell, Pirandelo, Willians, Synge, Miller, etc)”


(VINOCOUR, 2007:120 )141

Desta forma, as técnicas, modos e procedimentos de criação reconhecidas no “modelo


oficial” seriam as que afirmassem a noção intelectual do teatro. Isto é, a prática teatral é
considerada como a encenação do texto dramático - perspectiva que direciona os programas
pedagógicos públicos.
De acordo com a premissa anterior, a atriz e professora da Universidad de Costa Rica,
Dra. Tatiana Sobrado, “[...] em relação à formação dos artistas de teatro, os programas das
instituições superiores ainda carregam a noção de teatro como resultado de um texto
dramático do autor” (SOBRADO, 2014: 22).
Da mesma forma, no “modelo oficial” os modos de criação são aplicados dentro de
sistemas organizativos baseados em estruturas hierárquicas, sendo que o autor do texto
dramático está situado no nível superior, depois está o diretor e mais embaixo os atores e
atrizes. Aqui, os diretores, preocupados com a fidelidade à obra do dramaturgo, direcionam o
processo criativo dos atores através de procedimentos circunscritos à análise e representação
do texto dramático.
Assim, a seguir, apresento uma síntese das fases de criação no “modelo oficial”,
baseada no estudo de Vinocour (2007) e em minha experiência como atriz em grupos de
teatro142 na Costa Rica.

Fase 1 Todos os atores, na presença do diretor, leem o texto a partir da distribuição das
personagens (a seleção é realizada pelo diretor antes de iniciar o processo de ensaios).
Fase 2 143
Os atores analisam o texto coletivamente.
Fase 3 Os atores memorizam as falas de suas personagens.
Fase 4 Nas primeiras semanas do processo, alguns diretores encaminham o trabalho dos atores
com exercícios de improvisação, mas sempre dentro da lógica que propõe o texto
dramático.

141 [Tradução minha] Original: “Las características de este teatro que ha predominado, tienen que ver con el tipo
de arte dramático que brindó los basamentos para instaurar una profesionalización de este arte en Costa Rica. A
través de la llegada de compañías teatrales foráneas, y de las prácticas privadas de intelectuales interesados en el
teatro, que visitaban las metrópolis culturales, trayendo un modelo teatral basado, en el montaje de obras de
repertorio universal, clásico y contemporáneo (Lorca, O’ nell, Miller, Pirandelo, Willians, Synge, etc.”
(VINOCOUR, 2007: 120)
142 Minha experiência com o teatro de modelo oficial é pequena, no processo de formação em teatro (Conservatorio
Castella 1996- 2000), (Escuela de Artes Dramáticas 2001-2006) e (Escuela de Artes Escénico 2008-2009);
sempre estive interessada por modos de criação participativa.
143 Através do método de análise das ações, de Konstantín Stanislavski.
93

Fase 5 O diretor decide sobre os movimentos e deslocamentos que os atores devem realizar no
palco.
Fase 6 Os atores, de forma individual, compõem as características corporais e psicológicas de
sua personagem, fundamentados na análise do texto e com a aprovação do diretor.
Fase 7 A criação do figurino, da música, da iluminação e outras técnicas é feita fora do
processo de criação com os atores.
Fase 8 Quando cada ator tem memorizado o texto, compostas as características de sua
personagem e apreendidos os deslocamentos indicados pelo diretor, começa o período
de ensaios coletivos, que consiste em passar as cenas repetidas vezes, até conseguir
comunicação coletiva e ritmo da obra.
Fase 9 Cada ator treina seu corpo e sua voz de forma individual.
Fase 10 O processo de “criação” acaba no dia de estreia da obra. É usual que o diretor não
assista às apresentações de toda a temporada.

Essas fases do processo criativo, descritas acima, indicam haver, no “modelo oficial”,
um vínculo criativo distante entre atores e diretores, pois a função dos atores está circunscrita
à execução das instruções do diretor. Além disso, é interessante perceber que essa mesma
forma de relação distante é reproduzida também no contexto de trabalho dos próprios atores,
como é mostrado na fase 9 do quadro anterior, em que “cada ator treina seu corpo e sua voz
de forma individual”.
Por último, é relevante observar algumas convergências entre Prácticas Heterodoxas e
Processo Colaborativo: por exemplo, os modos de criação dos grupos Abya Yala (1991) e
Núcleo de Experimentación Teatral (1992) demostram semelhanças com os sistemas criativos
de grupos brasileiros como Teatro da Vertigem (1991), Lume Teatro (1985) e Boa
Companhia (1992). É significativo observar possíveis convergências entre os conceitos
Prácticas Heterodoxas e Processo Colaborativo, com o intuito de entender melhor ambos os
fenômenos.
Tanto as Prácticas Heterodoxas quanto o Processo Colaborativo compartilham raízes
com o teatro de Criação Coletiva da década de 1970, mas é no começo da década de 1990,
com o trabalho de grupos como os acima mencionados, que cada um se configura como
tendências diferenciadas da Criação Coletiva. A análise das experiências criativas desses
grupos tem agregado aos estudos teatrais noções atualizadas sobre criar em coletivo e/ou
colaborativo, como a distribuição das funções através de comissões ou equipes de trabalho.
Ambos os conceitos revelam perspectivas renovadas da função do diretor e diretora
em processos de criação em coletivo. Não há uma negação à figura do diretor, desde que seja
exercida como a de um líder, isto é, que suas ideias sobre como deve ser criado o espetáculo
94

não sejam impostas ao coletivo de atores; pelo contrário, sua função está em estimular todas
as pessoas a propor suas ideias sobre o espetáculo.
O repertório das obras dos grupos de Prácticas Heterodoxas e Processo Colaborativo
revelam mais uma convergência: a afinidade por dramaturgias criadas no decorrer do
processo criativo. É comum ver o uso do termo “adaptação” para dizer que atores e diretores
trabalharam a partir de um texto escrito, que não é de sua autoria, para criar sua própria
dramaturgia. Também ambos os fenômenos mostram, com frequência, que experiências
cênicas são uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAUJO, 2008: 63).
Também é pertinente que os autores de ambos os conceitos insistam na ideia de que
suas propostas intelectuais não pretendem mostrar os modos de criação como métodos que
visem a garantir um tipo de teatralidade.
Contudo, em relação a algumas divergências entre Prácticas Heterodoxas e Processo
Colaborativo, considero que a falta de material teórico e outros tipos de textos referentes às
Prácticas Heterodoxas no teatro costarriquenho e a carência de registros escritos que
evidenciem que artistas da Costa Rica usam esse conceito para explicar suas experiências
cênicas mostram que não há relação entre processos de identificação e sentido de
pertencimento com o termo Prácticas Heterodoxas e os grupos de tendência experimental -
caso contrário ao estudo sobre o Processo Colaborativo.
Concluindo, os artistas e grupos que nomeiam seus modos de criação através de um
mesmo conceito afirmam que pertencem a um certo tipo de comunidade artística, embora são
manifestações de processos de identificação e sentido de pertencimento.

2.3 EXPERIÊNCIAS CÊNICAS DE PROCESSO COLABORATIVO NA COSTA RICA


NO PERÍODO 2012-2013

O estudo sobre o Processo Colaborativo anteriormente analisado desvela um modo de


criação que não é exclusivo do teatro brasileiro e que também não está limitado a modos
específicos de organização e produção teatral. Assim, também na Costa Rica, as práticas de
criação em diversos coletivos apresentam características de Processo Colaborativo, ao
integrarem procedimentos e princípios atualizados do método da Criação Coletiva, solicitarem
aos atores exercer outras funções como produtor, criador e autor; entenderem a função do
95

diretor como o líder do coletivo; e, finalmente, construírem a dramaturgia durante o processo


criativo.144
Essas práticas de criação são exercidas tanto por grupos de larga trajetória, como Abya
Yala e Núcleo de Experimentación Teatral , assim como por artistas jovens que se unem para
criar projetos específicos, sem estar organizados como grupos. Sobre esse assunto, é
relevante mencionar o espetáculo Sobre mi casa una nube roja (2013) de Proyecto en Rojo145,
dado que é uma experiência de Processo Colaborativo desenvolvida pelas atrizes Aysha
Morales, Laura Cordero e Alejandra Marín, organizadas como coletivo. Isto é, a noção de
grupo é entendida e exercida na liderança de uma pessoa - neste caso, Aysha Morales -, que
possibilita as condições técnicas para que o projeto seja desenvolvido de modo
colaborativo.146
Entrando nos dois objetos de análise do presente estudo - os espetáculos Manuales de
(in) seguridad e El Patio -, que estrearam na cidade capital de San José de Costa Rica, nos
anos de 2012 e 2013, respectivamente. O modo como atores e diretores desenvolveram o
processo de criação de suas obras também revela características comuns ao Processo
Colaborativo.
É relevante mencionar que Manuales de (in) seguridad é a segunda produção do grupo
Teatro Oshún e que El Patio é a vigésima oitava do grupo Abya Yala. Esse aspecto é
significativo em um estudo que aproxima, no contexto de um mesmo fenômeno (o Processo
Colaborativo), duas comunidades criativas diferenciadas pelos tipos de vínculos que existem
entre os atores e diretores de cada espetáculo. Além disso, esse aspecto também é pertinente
para estabelecer um diálogo entre experiências e propostas cênicas de duas gerações distintas,
o que considero necessário para o avanço dos estudos teatrais da Costa Rica.

144
São os quatro aspectos do Processo Colaborativo segundo Fischer (2003). CF. 1. Processo Colaborativo, p. 14.
145
CF. Sub- capítulo 2.1 O Processo Colaborativo na Costa Rica, p. 78.
146
O espetáculo Sobre mi casa una nube roja é a primeira produção do coletivo e resultado do projeto de
licenciatura de Aysha Morales, que explora procedimentos criativos do Processo Colaborativo.
96

Imagem 2 Imagem 3

Imagens 2 e 3: Cartazes publicitários dos espetáculos Manuales de (in) seguridad e EL Patio

A seleção de Manuales de (in) seguridad e El Patio como objetos de pesquisa foi


fundamentada nos seguintes critérios:

Manuales de (in) seguridad (2012)

● Pertence a uma geração nova de artistas cênicos da Costa Rica. O grupo Teatro Oshún
foi fundado por mim e pela dançarina e antropóloga social Vanessa de la O, em 2010;
● Participei como atriz e produtora no processo de criação;
● Tenho acesso aos relatos e materiais do processo de criação dos atores e do diretor;
● Os atores e o diretor têm noção do conceito Processo Colaborativo, segundo os
estudos teatrais brasileiros;
● A dramaturgia foi criada pelos atores e pelo diretor ao longo do processo de criação da
peça;
● Tenho acesso ao vídeo completo da obra para estudo;
● O diretor da obra fez o doutorado em artes cênicas na Universidade Federal da Bahia
(2008-2011), configurando uma oportunidade para identificar modos de
transculturación dos estudos do teatro brasileiro para o teatro atual na Costa Rica
97

El Patio (2013)

● É um dos espetáculos mais novos do grupo Abya Yala;


● O modo de criação do grupo Abya Yala é de carácter colaborativo;
● Assisti à obra ao vivo e usei a gravação da obra completa para estudo;
● Tenho acesso aos relatos e materiais do processo de criação cedidos pelos atores e
pelo diretor;
● A dramaturgia foi criada pelos atores junto com o diretor ao longo do processo
criativo;
● Atores e diretor têm noção do conceito Processo Colaborativo, segundo os estudos
teatrais brasileiros;
● Um dos atores fez doutorado no programa de Pós-Graduação em Artes na
Universidade Estadual de Campinas (2009-2012), o que configura mais uma
oportunidade para identificar modos de transculturación dos estudos sobre o teatro
brasileiro no teatro atual na Costa Rica.

Por último, para o estudo do processo criativo de Manuales de (in) seguridad (2012) e
El Patio (2013), usarei como ferramenta de análise as catorze linhas de força que Araújo
(2008, p. 63) identifica como fundamentais num Processo Colaborativo. Dessa forma, a
presença e a ausência dessas linhas no processo criativo de cada um dos espetáculos
costarriquenhos permitem visualizar o modo como o Processo Colaborativo é exercido de
maneira especifica.
As catorze linhas de força, segundo Araújo (2008, p. 63), são.

1) Atitude cultural e propositiva;


2) Vontade e capacidade de cooperação;
3) Existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do
início dos ensaios;
4) Interesse em pesquisa e experimentação;
5) Realização de pesquisa teórica e de campo;
6) Prática baseada em improvisações e workshop;
7) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
98

8) Ênfase no carácter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria


constituição da linguagem;
9) Criação de dramaturgia inédita;
10) Encenação processual e aberta;
11) Processo continuado de feedback;
12) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
13) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado;
14) Interferência dos espectadores na construção da obra.

2.3.1 Procedimento metodológico

No livro La investigación de los processos teatrales, da pesquisadora chilena Milena


Grass, professora da Escuela de Teatro de Pontificia Universidad Católica de Chile, as
pesquisas dos processos criativos funcionam como “experimentos teatrales” para “plantear
perguntas em torno aos mesmos processos de criação, à forma que são articulados os
linguagens cênicos e a maneira como são plasmadas numa obra concreta.” (GRASS, 2011:
49)147.
Para responder às perguntas levantadas em torno do modo de criação dos atores e
diretores em Manuales de (in) seguridad (2012) e em El Patio (2013), selecionei, como
procedimento metodológico, coletar informações através de 1) entrevistas qualitativas e 2)
documentos, registros, materiais e objetos.
Por outra parte, é relevante tornar claro que minha posição como pesquisadora, frente
ao estudo do processo criativo de ambos os espetáculos, está diferenciada por dois aspectos
que identifico como 1) grau de intimidade e 2) grau de parcialidade.
Minha participação como atriz e produtora do processo criativo de Manuales de (in)
seguridad tende, na análise dos dados coletados, a evidenciar um maior grau de intimidade
quando comparado com a análise dos dados de El Patio, porque, nesse último, não participei
do processo criativo. Portanto, a análise dos dados de El Patio tenderá a uma maior
parcialidade em comparação com o caso de Manuales de (in) seguridad.
Mas, o fundamental em ambos casos é que

147
Tradução minha [original]: “[...] plantear preguntas en torno a los procesos de creación mismos, a la forma en
que se articulan los lenguajes escénicos y la manera como se plasman en una obra concreta”. (GRASS, 2011:
49).
99

Ao se tratar de seres humanos os dados que interessam são conceitos, percepções,


imagens mentais, crenças, emoções, interaciones, pensamentos, experiências,
processos e vivências manifestadas na linguagem dos participantes, seja de maneira
individual, grupal ou coletiva. São coletados com o fim de ser analisados e
compreendidos e, assim, responder às perguntas de pesquisa e gerar conhecimento.
(HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)148

2.3.1.1 Entrevistas qualitativas

Para a coleta de informações sobre o processo criativo de ambos os espetáculos, usei o


método de entrevista qualitativa, dado que "é mais íntima, flexível e aberta. Ela é definida
como uma reunião para intercambiar informação entre uma pessoa (o entrevistador) e outra (o
entrevistado) ou outras (entrevistados)" (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P.
2006: 597)149.
Para a realização das entrevistas, viajei para Costa Rica em agosto de 2014. Com o
apoio do Centro de Investigación, Docencia y Extensión Artística (CIDEA)150, da Universidad
Nacional, as entrevistas foram realizadas em um estúdio de gravação profissional, no dia 28
de agosto de 2014. Todo o material foi gravado em áudio e vídeo, tendo recebido uma cópia
para o atual projeto de pesquisa, enquanto que o material original foi guardado para arquivo
151
do CIDEA. "As entrevistas abertas se fundamentam em um roteiro geral de conteúdo e o
entrevistador tem toda a flexibilidade para desenvolver (ele ou ela é quem direciona o ritmo, a
estrutura, e o conteúdo das questões)" (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P.
2006: 597)152.
Como procedimento metodológico, organizei as entrevistas em dois grupos: o grupo
criativo de El Patio, formado por Janko Navarro, Oscar Gonzáles e David Korish, e o grupo
criativo de Manuales de (in) seguridad, com Felipe Gonzáles e eu, unicamente, dado que o
diretor, Leonardo Sebiane, mora em Salvador (Bahia). A contribuição de Sebiane ao estudo

148
[Tradução minha] original: "Al tratarse de seres humanos los datos que interesan son conceptos, percepciones,
imágenes mentales, creencias, emociones, interacciones, pensamientos, experiências, procesos y vivencias
manifestadas en el lenguaje de los participantes, ya sea de manera individual, grupal o colectiva. Se recolectan
con la finalidade de analizarlos y comprenderlos, y así responder a las preguntas de investigación y generar
conocimiento". ( HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)
149
[Tradução minha] “[...] la entrevista cualitativa es más íntima, flexible y abierta. Ésta se define como una
reunión para intercambiar información entre una persona (el entrevistador) y otra (el entrevistado) u otras
(entrevistados)”. (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 597)
150
Site http://www.programaicat.una.ac.cr/ICATsite/index.html (visitado em 02/09/2015).
151
Para se ter aceso ao material original, pode-se entrar em contato diretamente com Centro de Investigación,
Docencia y Extensión Artística (CIDEA)151 da Universidad Nacional. Site http://www.una.ac.cr/index.php/m-
telefonos-una/centro-de-investigacion-docencia-y-extension-artistica-cidea (visitado em 19 de outubro de 2015)
152
[Tradução minha] Original: “Las entrevistas abiertas se fundamentan en una guia general de contenido y el
entrevistador posee toda la flexibilidad para manejarla (él o ella es quien maneja el ritmo, la estructura, y el
contenido de los ítems)”. (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 597)
100

foi extraída de artigos publicados de sua autoria, assim como documentos produzidos por ele
durante o processo de criação da peça. Também foram realizadas duas entrevistas por e-mail:
uma em novembro de 2013 e outra em agosto de 2014.
A escolha por realizar as entrevistas em grupos está baseado na noção de que grupos
de entrevistas "representam conjunto de pessoas que interagem por um período extenso, que
estão ligadas entre si por uma meta e que se consideram a si mesmos como una entidade.
(HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)153

2.3.1.2 Documentos, registros, materiais e objetos

O segundo procedimento metodológico selecionado para obter dados sobre o processo


de criação dos dois espetáculos é chamado, pelos autores Roberto Hernández, Carlos
Hernández e Pilar Baptista (2006), de “Documentos, registros, materiais e objetos”154.
Segundos os autores, "uma fonte muito valiosa de dados qualitativos são os documentos,
materiais e objetos diversos. Podem nos ajudar a entender o fenômeno central do estudo”
(HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 614)155. Portanto, "serve ao
pesquisador qualitativo para conhecer os antecedentes de um ambiente, as experiências,
vivências ou situações e seu funcionamento cotidiano. (HERNÁNDEZ, R. FERNÁNDES, C.
BAPTISTA, P. 2006: 584)156.
Durante todo o processo de pesquisa, coletei documentos pessoais157 que atores e
diretores produziram no decorrer do processo criativo. Esses documentos incluem desenhos,
poemas, músicas, listas de perguntas, depoimentos pessoais, fotografias, imagens de filmes,
notas de jornal e orações religiosas. A análise desse material permite entender e, de certa
forma, até “reconstruir” cada processo criativo, para, assim, compreender como os atores e
diretores realizaram suas funções.

153
[ Tradução minha] Original: “Representan conjunto de personas que interactúan por un período extendido, que
están ligados entre sí por una meta y que se consideran a sí mismos como una entidad.” ( HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 584)
154
[Tradução minha] Original: “Documentos, registros, materiales y artefactos”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006:615)
155
[Tradução minha] Original: “Una fuente muy valiosa de datos cualitativos son los documentos, materiales y
artefactos diversos. Nos pueden ayudar a entender el fenómeno central de estudio”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 614).
156
[Tradução minha] Original: “Le sirven al investigador cualitativo para conocer los antecedentes de um
ambiente, las experiências, vivencias o situaciones y su funcionamento cotidiano”. (HERNÁNDEZ, R.
FERNÁNDES, C. BAPTISTA, P. 2006: 614)
157 Chamados de diários de bordo.
101

A ideia de consultar os documentos pessoais dos atores e diretores como materiais


importantes no estudo do processo de criação dos espetáculos está fundamentada nas
pesquisas da brasileira Cecilia Salles e seu procedimento de aplicar princípios da crítica
genética na análise de processos artísticos. De acordo com Cecilia Salles (2008),

Os estudos genéticos nascem de algumas constatações básicas. Na medida em que


lidamos com os registros que o artista faz ao longo do percurso de construção de sua
obra, ou seja, os índices materiais do processo, estamos acompanhando seu trabalho
contínuo e, assim, observando que o ato criador é resultado de um processo [...] a
Crítica Genética analisa os documentos dos processos criativos para compreender,
no próprio movimento da criação, os procedimentos de produção, e, assim, entender
o processo que presidiu o desenvolvimento da obra. (SALLES, 2008, p. 25-28).

O estudo desse tipo de documento viabiliza possíveis desenhos sobre o percurso do


processo e a dinâmica de criação. É um caminho semelhante ao trabalho do arqueólogo, que,
através da coleta e análise de objetos, desenhos, textos, entre outros, consegue “reconstruir” e
“narrar” a dinâmica cultural de um grupo humano específico, pois

Os documentos de processo são, portanto, registros materiais do processo criador.


São retratos temporais de uma construção que agem como índices do percurso
criativo. Estamos conscientes de que não temos acesso direto ao fenômeno mental
que os registros materializam, mas estes podem ser considerados a forma física
através da qual esse fenômeno se manifesta. Não temos, portanto, o processo de
criação em mãos, mas apenas alguns índices do processo. São vestígios vistos como
testemunho material de uma criação em processo (SALES, 2011: 26-27).

Um exemplo interessante das ideias acima elencadas encontra-se nos documentos


pessoais dos atores e diretores de Manuales de (in) seguridad e El Patio, no momento em que
são registradas, pela primeira vez, a frase e a palavra que originaram o título de cada um dos
espetáculos:
102

Inseguridad ciudadana

Inseguridad

Imagem 4: Diário de bordo de Lenny Alpízar, atriz em Manuales de (in) seguridad. Data: 11/04/2012.

Borges Los patios de


Buenos Aires

Imagem 5: Diário de bordo de David Korish, diretor em El Patio. Data: 23/12/2012.

De acordo com as imagens anteriores, é relevante notar que a palavra inseguridad


aparece ao lado de inseguridad ciudadana, conceito liberal que pertence ao artigo 9º da
Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, de 1789, e que faz referência à função do
Estado de proteger a vida do cidadão. Já a frase Los patios de Buenos Aires, registrada no
diário pessoal de David, aparece ao lado da palavra Borges e faz referência ao escritor
103

argentino Jorge Luis Borges. Configura-se como uma informação importante, porque, no livro
Fervor de Buenos Aires, publicado em 1923, Borges tem um poema chamado Un Patio.
As interpretações anteriores evidenciam que tanto Manuales de (in) seguridad quanto
El Patio são resultados de processos teóricos e que Lenny e David exerceram também a
função de pesquisadores, além de atriz e diretor, respectivamente.
Por outro lado, destaca-se que a palavra inseguridad e a frase Los patios de Buenos
Aires foram transformadas do decorrer do processo criativo até chegar aos títulos das obras,
isto é, Manuales de (in) seguridad e El Patio, respectivamente. Essa observação é relevante
porque evidencia o vínculo entre o processo de pesquisa e a incorporação da função de
dramaturgo/a às funções da atriz e do diretor.

2.3.2 Manuales de (in) seguridad (2012).

2.3.2.1 Teatro Oshún (2010)

O Teatro Oshún é um grupo de teatro criado por mim em 2010, contando, mais tarde,
com a bailarina e antropóloga social Vanessa de la O, que decidiu compartilhar comigo este
projeto. A decisão de criar meu próprio grupo surgiu de diversas experiências, entre as quais
destaco o fato de ter participado do grupo Teatro Punto Cero. Esta vivência suscitou-me
perguntas como “qual é o modo de criação em coletivo que eu desejo experimentar?” - para
responder a essa questão, eu precisava criar um projeto novo e entrar em contato com artistas
que estivessem na mesma busca.
Outra motivação que considero significativa para a criação de Teatro Oshún foi a
participação em um laboratório de criação com o Núcleo de Experimentación Teatral, em
2007. Foi o meu primeiro contato prático com Fernando Vinocour e o momento em que
comecei a ouvir falar sobre Prácticas Heterodoxas.
Como Vanessa também já tinha participado de processos de criação com o Núcleo de
Experimentación Teatral, encontramos convergências entre nossas ideias de modos de
criação. Um dos principais objetivos do Teatro Oshún é desenvolver projetos cênicos viáveis
para a aplicação de técnicas e metodologias de experimentação nos processos criativos
cênicos - a busca, pois, é por experiências artísticas em que os artistas sejam estimulados no
exercício de habilidades de pesquisa e participação na concepção global da obra.
104

Em junho de 2010, apresentamos o primeiro espetáculo do Teatro Oshún, chamado


La Casa Tomada. Como o projeto consistia em explorar técnicas de teatro de objetos,
trabalhamos com a colaboração dos arquitetos Talia Rangil e Javier Frades, além dos atores
Victor Vargas, Andrea Mata e Karina Mora. O modo de organização estava baseado em uma
definição clara das funções (eu dirigi a obra e Vanessa a preparação física dos atores), mas
com a flexibilidade de experimentar as propostas que cada integrante do grupo fazia no
decorrer do processo criativo.

Imagem 6: peça La Casa Tomada (2011).

2.3.2.2 O diretor e os atores no processo de criação de Manuales de (in) seguridad

"Desconfiai do mais trivial,


na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
158
nada deve parecer impossível de mudar."

Bertolt Brecht

Manuales de (in) seguridad nasceu depois de vários contatos e conversas com o artista
costarriquenho Leonardo Sebiane, enquanto ele cursava o doutorado na Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Quando Leonardo voltou para a Costa Rica, decidimos empreender um

158 Poesia transcrita do diário de bordo de Leonardo Sebiane. Data: 06/07/2012.


105

projeto cênico juntos, embora ainda não soubéssemos qual seria o tema. Leonardo propôs
convidar Felipe González para o projeto, porque é um artista que pesquisa sobre o teatro ritual
e teria interesse em trabalhar conosco.
Logo decidimos trabalhar sobre a temática da insegurança na cidade de San José. No
diário pessoal Felipe, registrou

A partir de conversas sobre a temática que queríamos abordar, vemos que surgem
conexões de material sensível, primeiro em geral e depois no autorreferencial.
Tocamos e discutimos abertamente sobre a insegurança, as neuroses, os estados de
consciência, a intervenção na cotidianidade, os espaços públicos, o medo, a
159
liberdade, entre outros. (GONZÁLEZ, 2012)

Manuales de (in) seguridad estreou no dia 24 de agosto de 2012, em uma sala do


Mercado Central de San José. Na década de 1970, essa sala era usada para a apresentação de
espetáculos teatrais da Municipalidad de San José160, atualmente é um prédio antigo, usado
para que grupos sociais161 se reúnam.

Imagem 7: Entrada principal do Mercado Central de San José, Costa Rica.

159 [Tradução minha] Original: “A partir de conversaciones sobre la temática que queríamos abordar, vemos que
surgen conexiones de material sensible, primero en general y luego un paso hacia lo auto referencial. Tocamos y
discutimos abiertamente sobre la inseguridad, la neurosis, los estados de consciencia, la intervención en la
cotidianeidad, los espacios públicos, el miedo, la libertad, entre otros”. Diário de bordo de Felipe González, 14
de abril de 2012.
160
Prefeitura da cidade de San José.
161
Grupos de dança tradicional, grupos de mulheres, grupos de teatro independente, sindicato de trabalhadores do
Mercado Central, entre outros.
106

Decidimos apresentar Manuales de (in) seguridad no Mercado Central, uma vez que
está situado em uma das localidades mais perigosas ou “inseguras” de San José, e pensamos
que seria una oportunidade para vincular o discurso da obra com o espaço real, isto é, fazer
com que a apresentação da obra fosse igualmente uma ação performática. Por outro lado,
como os ensaios foram na cidade de San José e parte do treinamento físico era correr pelas
ruas da cidade, fomos construindo um vínculo com o espaço real, que progressivamente foi
agregando signos e símbolos ao discurso cênico.
Quanto à nossa organização, ainda que Felipe, Vanessa e eu já houvéssemos
trabalhado juntos em processos criativos anteriores, foi preciso conversar sobre cada uma das
funções artísticas: Leonardo ficou responsável pela função de diretor, Vanessa de
“dramaturgista” e preparadora física, Felipe de ator e eu de atriz e produtora, ou seja, houve
“existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do início dos
ensaios” (ARAÚJO, 2008:63)."No primeiro momento, nós propusemos que tinha que haver
um prazer no processo criativo, isto é muito importante. [...] De poder descobrir “o que
preciso fazer como artista?”, “quais são suas necessidades e o que está aportando?”, “como
potencializo o trabalho coletivo?” [...] (GONZALEZ, F. 2014) 162
As palavras de Felipe confirmam que a definição das funções não impede uma das
características do Processo Colaborativo, que é a “vontade e capacidade de cooperação”
(ARAÚJO, 2008: 63). A definição e delimitação das funções organiza o coletivo, de modo a
direcionar todos os esforços humanos de forma eficiente, evitando, assim, o cansaço do
coletivo e a dispersão das energias. Quando o coletivo trabalha de maneira eficiente em cada
uma de suas funções, poderá ter a energia necessária para colaborar nas outras funções dos
integrantes do grupo. Portanto, entendo que, quando Felipe disse que “tinha que ser prazeroso
o processo criativo, isto é muito importante” (GONZALEZ, F. 2014), referia-se a criar sem
gerar estados de exaustão, que em geral são condições emocionais catalizadoras de conflitos.
Em relação a isso, é interessante trazer o pensamento de Leonardo Sebiane, uma vez
que, desde o começo do processo criativo, ele propôs que a figura do diretor fosse entendida
como a de editor. "Eu penso que foi dialógico, no começo existiu uma necessidade de colocar
alguém de fora (Editor), mas, depois de discutir interesses, pontos de vista e estratégias, os

162[Tradução minha] Original: “[...] pero de primera entrada nos propusimos que tenía que haber un placer en el
proceso creativo, esto es muy importante. [...] De poder descubrir ¿qué necesitas hacer como artista? ¿cuáles son
sus necesidades y que estás aportando? ¿cómo potencio el trabajo colectivo?[...]”. GONZALEZ, F. Entrevista
concedida pelo ator para Lidieth Alpízar, realizada na Universida Nacional, no dia 27 de agosto de 2014, na
cidade de Heredia, Costa Rica.
107

ensaios tinham uma “dramaturgia”, “atuação” e “direção” democratizada” (SEBIANE, L.


2013)163. Também comenta que, para ele, " não existe a necessidade de colocar hierarquias, só
condições de trabalho, 'onde posso ajudar?', 'Até onde posso ajudar?', sem interesse em
sobressair autoria em alguma ideia, pois sabia que ela seria modificada e adequada a cada
tempo/espaço" (SEBIANE, L. 2013)164.
A noção de “editor cênico” partiu da tese de doutorado de Leonardo Sebiane; é um
conceito usado pelo artista e pesquisador brasileiro Jorge Alencar, do Grupo Dimenti165, da
cidade de Salvador, Bahia, Brasil. No decorrer do processo de ensaios, Leonardo
compartilhava sua ideia de que, no Processo Colaborativo, os atores geram grande quantidade
de material cênico que precisa ser “editado” por uma figura externa que exerça a função de
um editor cinematográfico:

Para Alencar, tudo começa com um processo de liberdade, autonomia, criação de


ingredientes para chegar no momento do pertinente, de editar as tantas questões
colocadas pelos colegas. De certa maneira, ele separa o trabalho criativo em duas
etapas: uma parte inicial, onde essa autonomia cria um caos, para, depois, lidar com
a imagem do diretor-editor. Além dos ensaios, ele observa o desenvolvimento do
caos na sala e pode saber quais desses materiais precisam de uma escritura final.
Assim, propõe diretrizes, as quais são debatidas também pelo grupo (SEBIANE,
2010: 154).

O material levantado durante as primeiras fases do processo criativo de Manuales de


(in) seguridad é produto de uma “prática baseada em improvisações e workshops”
(ARAÚJO, 2008: 63). Nos primeiros meses do processo, Felipe e eu chegamos a produzir
poemas, textos e músicas a partir de improvisações na sala de ensaio. Por exemplo, a música
Reglas de seguridad foi composta por Felipe no processo criativo e, depois de ser provada e
experimentada nos ensaios, concluímos que era significativa para as últimas cenas da obra.

163 [Tradução minha] Original: “Me parece que fue dialógico, en un inicio existió una necesidad de colocar
alguien fuera (Editor) y pero luego de discutir interés, puntos de vista y estrategias, los ensayos poseían una
“dramaturgia”, “actuación” y “dirección” “democratizada”. SEBIANE, L. Entrevista concedida para Lidieth
Alpízar pelo director, realizada por e-mail, no 1 de novembro de 2013.
164 [Tradução minha] Original: “Para mí no existe la necesidad de colocar jerarquías, solo condiciones de trabajo,

¿donde puedo ayudar? ¿Hasta dónde puedo ayudar?, sin interés en sobresalir autoría en ninguna idea, pues sabía
que ella va ha ser modificada, adecuada a cada tempo/espacio”. SEBIANE, L. Entrevista concedida para
Lidieth Alpízar pelo director, realizada por e-mail, no 1 de novembro de 2013.
165 Site http://dimenti.com.br (visitado em 02/09/2015).
108

Reglas de seguridad (Baile/Canto en grupo)/ Danza instruccional


(palmas, cada estrofe seja repetida pelo público)
Estas son reglas de seguridad . Que están muy buenas y a ti te gustan. Preparados.
Con la cabeza con el cuerpo Con la cabeza con el cuerpo, stop.
Recordemos. Persinarse(bis) (después de este punto la idea sería que se vayan
acumulando la instrucción) Spray pimienta . Entregarse. El silbato. No
pelearse . (GONZALEZ, F. 2012) 166

Felipe escreveu a letra de várias músicas que são interpretadas por ele no espetáculo.
Isto é interessante, porque possibilita compreender que a função de ator de Felipe foi
complementada pela de músico. Felipe chegava aos ensaios com propostas de músicas e
explorava várias possibilidades para interpretá-las.

Imagem 8: Felipe apresenta uma proposta de música no ensaio. Imagem 9: Felipe cantando numa das
apresentações.

De acordo com o relato anterior, é relevante notar que a música foi um aspecto
importante na construção dramatúrgica da obra. As letras das músicas de Felipe, junto com
textos que eu propus durante o processo, permitiram-nos direcionar o processo criativo para a
“criação de uma dramaturgia inédita” (ARAÚJO, 2008: 63).
Além disso, em um determinado momento do processo criativo, percebemos que seria
interessante convidar para o projeto os músicos de uma banda de rock da Costa Rica chamada
Florian Droids, uma vez que já havíamos trabalhado com algumas músicas deles. Assim eles

166As letras das músicas mantenho no idioma espanhol, uma vez que muitas palavras e sentidos têm tradução em
português. Letra da musica criada por Felipe durante o processo criativo, tomado do diário de bordo de Felipe.
(abril de 2012)
109

foram convidados e aceitaram ser colaboradores criativos de Manuales de (in) seguridad.


"Para Florian Droids, tem sido uma experiência bastante interessante, já que é uma forma
diferente de compor música, onde não estamos pensando numa letra e sim na expressão
cênica dos atores que é o que vai falar em cada tema tratado (FLORIAN DROIDS, 2012)167.
A colaboração dos músicos da Florian Droids foi um “processo continuado de
feedback” (ARAÚJO, 2008: 63), porque eles chegavam com propostas musicais, Felipe e eu
explorávamos na cena, depois, em conjunto, discutíamos e, assim, todos (músicos, atores e
diretor) continuávamos com o processo de criação a partir da reflexão coletiva.
Simultaneamente ao processo criativo de Manuales de (in) seguridad, Leonardo,
Felipe, Vanessa e eu desenvolvemos atividades para aprofundar outras possibilidades sobre a
temática da insegurança na cidade de San José. Nesse aspecto, destaca-se a organização de
uma palestra junto com os arquitetos Talia Rangil e Javier Frades, que já haviam trabalhado
na obra La Casa Tomada. A palestra intitulada “(Re) creando los espacios públicos de la
ciudad” teve o objetivo de refletir sobre modos de intervenção e reocupação dos espaços
públicos como estratégias para reduzir os índices de insegurança na cidade de San José.
Tivemos o apoio de ONU-HABITAT e da galeria de arte contemporânea TEOR/éTica, assim
como a participação de coletivos de artistas e ativistas como Chepecletas e Perrocerámico. É
nesse sentido que considero que essa atividade apresentou a linha de força “perspectiva de
compartilhamento pedagógico” (ARAÚJO, 2008: 63)

167[Tradução minha] Original: “Para Florian Droids ha sido una experiencia bastante interesante ya que es una
forma diferente de componer música, donde no estamos pensando en una letra sino en la expresión escénica de
los actores que es lo que va a hablar en cada tema realizado.” (FLORIAN DROIDS, 2012). Texto retirado do
programa de mão do espetáculo Manuales de (in) seguridad.
110

Imagem 10: Lenny compartilha sua participação no processo de pesquisa de Manuales de (in) seguridad, na
palestra “(Re) creando los espacios públicos de la ciudad” . Galeria TEOR/éTica, em San José, Costa Rica, em 4
de julho de 2012.

Por outra parte, uma das atividades relacionadas com a noção de “abertura do processo
de ensaio a estagiários, convidados e público interessado” (ARAÚJO, 2008: 63) foi quando
Leornado compartilhou com os atores a importância de receber retornos críticos de outros
artistas que não participam do processo criativo. Fizemos dois ensaios abertos, um no dia 25
de maio e outro no dia 18 de julho de 2012.
Para o primeiro ensaio aberto, foi convidado o artista plástico Roberto Guillén. Suas
críticas levaram-nos a refletir sobre o modo como Felipe e eu passávamos das cenas às
interpretações das músicas. Em um de meus documentos pessoais, eu registro a crítica de
Roberto com a frase “não é orgânico o tema das músicas”168.

168
[Tradução minha] Original: “no es orgánico el tema de las canciones” (retirado do meu documento pessoal do
dia 25 de maio de 2012).
111

Roberto Guillén No es orgânico el tema de las canciones

Imagem 11: Diário de bordo de Lenny. Data: 25 de maio de 2012.

Os ensaios abertos foram importantes para discutir e refletir sobre a produção dos
materiais cênicos. As críticas de pessoas externas ao processo criativo orientaram a
construção do discurso dramatúrgico. As perguntas levantadas nos ensaios abertos exigiram
do grupo retomar aspectos que pertenciam às etapas iniciais, como a pesquisa teórica e o
trabalho de campo, assim como a fase das improvisações. Penso que a noção de processo
criativo pode ser comparada com a imagem de uma espiral:

Isto é, conforme avança o processo criativo maior é sua expansão, de modo que, em
cada círculo completo, atravessam-se os mesmos pontos, mas a partir de uma camada mais
112

elevada. Quando há alguma dúvida ou confusão sobre um assunto particular pertencente a


uma fase anterior, a noção de espiral permite retroceder sobre o mesmo caminho e, assim,
rever esses assuntos. Por exemplo,

Outro aspecto importante, sobre como Leonardo, Felipe e eu exercemos nossas


funções no processo criativo de Manuales de (in) seguridad, consiste na produção de material
cênico de autorreferência169, isto é, a relação íntima e pessoal que cada um tinha com o tema
insegurança. Lembro que Leonardo apresentou a tarefa de trazer para o próximo ensaio uma
cena que respondesse à pergunta “o que me dá medo?”170
A cena que apresentei para responder a essa pergunta tratava sobre um motoqueiro que
interagia com uma arma. Lembro que Leonardo não ficou interessado nessa proposta, mas,
para mim, tinha sentido que estivesse dentro da obra. Assim, depois de várias tentativas de
convencer sobre a importância dessa cena, resolvi pedir ajuda ao Felipe para que a
explorássemos juntos. Em ensaio, sozinhos, introduzimos armas de água e capacetes e fomos,
em parceria, criando uma cena mais completa e, portanto, com mais elementos que
dialogavam com as outras cenas. Quando acabamos de criar a cena completa, apresentamos
para o Leonardo, que acolheu nossa proposta e passou a desenvolvê-la conosco.

169
Cf.: sub-capítulo 1.2 Performance Art, 1.2.1.3 Autorreferência. pág.: 39.
170
Método das questões de Pina Bausch.
113

Imagem 12: cena “as motos”.

A cena que chamamos “as motos” nasceu de meu medo pessoal de ser assaltada por
alguma pessoa de moto. É um medo íntimo, mas, ao compartilhar a cena com Felipe, ambos
conseguimos dar um sentido coletivo, o que evidencia mais uma convergência com as catorze
linhas de força do Processo Colaborativo, no sentido de que a dramaturgia de Manuales de
(in) seguridad é uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAÚJO, 2008: 63).
Finalmente, a imagem seguinte mostra um momento em que Felipe e Leonardo
preparam o espaço para uma das apresentações no Mercado Central. Como é notável, a
colocação das cadeiras para o público é próxima do lugar de ação dos atores. Isso era
importante porque a proposta cênica procurava a “interferência dos espectadores na
construção da obra” (ARAÚJO, 2008: 63), através de provocações dos atores com o público.
114

Imagem 13: Leonardo Sebiane e Felipe Gonzáles preparam o espaço para uma das apresentações no
Mercado Central.

É interessante que, das 14 linhas de força (Araújo, 2008: 63), a presença de nove
linhas na criação de Manuales de (in) seguridad permite entender que seu processo criativo
apresenta características de Processo Colaborativo. As nove linhas de força identificadas são:

1) Vontade e capacidade de cooperação;


2) Prática baseada em improvisações e workshops;
3) Existência e potencialização de funções artísticas específicas delimitadas antes do
início dos ensaios;
4) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
5) Criação de uma dramaturgia inédita;
6) Processo continuado de feedback;
7) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
8) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado;
9) Interferência dos espectadores na construção da obra.

A presença das quatro primeiras linhas - 1) vontade e capacidade de cooperação, 2)


prática baseada em improvisações e workshops, 3) existência e potencialização de funções
artísticas específicas delimitadas antes do início dos ensaios e 4) construção cênica ancorada
na tensão entre depoimento pessoal e depoimento coletivo - potencializou a possibilidade de
115

os dois atores e o diretor exercerem suas funções de modo colaborativo, dado que essas linhas
respondem à noção de criar a partir da cooperação, a experimentação e o consenso coletivo.
Por outra parte, chama a atenção que a presença da linha 4) “construção cênica
ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento coletivo” possa ser considerada o
aspecto determinante para a configuração de distintos modos de autorreferência possíveis de
ser identificados na obra. Por exemplo, a cena das motos tem maior nível de autorreferência
quando comparado com as cenas em que Felipe canta as musicas compostas por ele, já que as
músicas não tinham relação com sua historia de vida.
Sobre a linha 5) “criação de uma dramaturgia inédita”, é interessante observar que a
dramaturgia de Manuales de (in) seguridad não parte da criação de uma historia com
personagens ficcionais. A dramaturgia está estruturada em cenas que apresentam situações
diversas: em algumas, predominam a música e a dança, enquanto, em outras, os atores
interagem com o público e compartilham textos de notícias de jornal relacionadas com a
inseguridade na cidade de San José. Também são apresentadas orações religiosas que tratam
sobre a proteção de eventos violentos.
Deste modo, é pertinente questionar o sentido de dramaturgia concebida em Manuales
de (in) seguridad, dado que não está configurada dentro dos procedimentos de criação que
propõe o Processo Colaborativo. Não é uma dramaturgia criada por um dramaturgo durante o
processo de ensaio, é uma dramaturgia organizada pelo diretor - na sua função de “editor
cênico” (SEBIANE, 20013) - que resulta numa sequência de cenas diversas com personagens
não ficcionais. 171
Por conseguinte, considero que a falta da figura física do dramaturgo durante o
processo de criação representa uma divergência com o Processo Colaborativo: em Manuales
de (in) seguridad, não se encontram, em todo o espetáculo, características de “dramaturgia em
processo”172, dado que foram criados e aplicados seus próprios procedimentos de construção
do discurso do espetáculo.
Sobre a dimensão dramatúrgica de Manuales de (in) seguridad, é pertinente trazer a
reflexão da Dra. Anabell Contreras, antropóloga e especialista nos estudos da performance na
Costa Rica,

171 Isto é que a figura dramatúrgica sim está presente nas funções dos atores e do diretor.
172 Cf.: Capitulo I, sub- capítulo 1.1 Desenvolvimento do conceito no Brasil, p. 18.
116

Lenny e Felipe mostram ações diversas para levar ao público a crescente sensação
de inseguridade das pessoas que vivem na Gran Área Metropolitana173 [...] Mostra
elementos da arte da performance, como não atuação, falta de personagens e relação
direta com o público, que quebram convenções comuns do teatro e fazem uma
efetiva e exitosa peça que atualiza as artes cênicas nacionais. (CONTRERAS, 2013:
3) 174

Por outra parte, para a analise das cinco linhas não identificadas no processo criativo
de Manuales de (in) seguridad, parti da observação de que há linhas que compartilham
aspectos comuns com outras e que, portanto, podem ser classificadas em grupos.
No seguinte quadro, apresento as cinco linhas distribuídas em três grupos, sendo que,
no grupo A, estão as linhas relacionadas com acordos não formais ou funções subentendidas;
no grupo B, as que têm referências com pesquisa teórica e, finalmente, no grupo C, aquelas
que têm relação com aspectos performativos.

Grupo Grupo B Grupo C

1) Atitude cultural e 2) Interesse em pesquisa e 4) Ênfase no carácter


propositiva experimentação; processual, incorporando o
precário e o inacabado à
própria constituição da
linguagem;

3) Realização de pesquisa 5) Encenação processual e


teórica e de campo; aberta;

Dado que a linha do grupo A corresponde ao acordo não formal ou atitudes


subentendidas que precedem o início do processo de ensaio, não foi possível identificar
materiais de registro que comprovassem a presença dessa linha. Contudo, considero que a
dinâmica de criação dos atores e do diretor evidencia que a linha do grupo A - 1) atitude
cultural e propositiva - estive, sim, presente durante o processo criativo, ainda que não haja
registros explícitos dos materiais coletados.
A falta das linhas do grupo B mostra que, no processo criativo de Manuales de (in)
seguridad, não teve uma dimensão importante a pesquisa teórica sobre o tema da obra - a

173 Termo geopolítico para nomear as cidades que estão próximas à capital da Costa Rica; San José.
174 [Tradução minha] Original: “Lenny y Felipe muestran acciones diversas para llevarnos a la creciente sensación
de inseguridad de quienes habitan el Gran Área Metropolitana [...] Muestra elementos del arte de la performance,
como la no actuación, la ausencia de personajes y la relación directa con el público, que quiebran convenciones
comunes del teatro y hacen de ella un efectiva y exitosa pieza que refresca las artes escénicas nacionales”.
(CONTRERAS, 2013: 3)
117

inseguridade na cidade de San José, Costa Rica. O aspecto de pesquisa e experimentação


esteve centrado, principalmente, no âmbito das artes cênicas e não foi complementado com
procedimentos de pesquisa emprestados de outras áreas do pensamento humano, como a
sociologia e a antropologia - por exemplo, entrevistas, observação participativa, análise de
estatísticas, entre outras. Esse aspecto aponta para mais uma divergência com o Processo
Colaborativo, dado que relatos de experiências criativas que sustentaram os estudos sobre
Processo Colaborativo têm incluído instrumentos de pesquisa das ciências sociais como
procedimentos fundamentais para abordar temas sociais específicos.
Por último, considero que a falta das linhas do grupo C - 4) ênfase no carácter
processual, incorporando o precário e o inacabado à própria constituição da linguagem; e 5)
encenação processual e aberta - leva a entender que o caráter performativo de Manuales de
(in) seguridad não incluiu, em suas apresentações, o potencial de imprevisibilidade da
performance. Isso significa que, ainda que não apresente uma história com personagens
ficcionais e não se realize em um palco italiano, a obra nunca deixou de manter uma mesma
estrutura, de uma apresentação para outra, independentemente do grau de participação do
público.

2.3.3 El Patio (2013)

UN PATIO

Con la tarde se cansaron los dos o tres colores del patio. Esa noche, la luna, el claro círculo, no domina el
espacio. Patio, cielo encauzado. El patio es el declive por el cual se derrama el cielo en la
casa. Serena, la eternidad espera en la encrucijada de estrellas. Grato es vivir en la amistad oscura de un
zaguán, de una parra y de un aljibe.175

Jorge Luis Borges

2.3.3.1 Abya Yala (1992)

Desde sua criação, em 1991, a vida criativa do grupo Abya Yala é composta de fases
diferenciadas. Para as investigadoras e atrizes costarriquenhas Andrea Gómez (2013)176 e

175
Esta poesia é mencionada nos documentos pessoais de David Korish. Data 23/12/2012.
176
Andrea Gómez é atriz do grupo Abya Yala desde 1998. Para mais detalhes: GOMEZ, Andrea. Blood, sweat
and trust: group development and creative process at Teatro Abya Yala. Dissertation. Universiteit van
Amsterdam, Netherlands University of Arts in Belgrade, Serbia, 2013.
118

Gina Monge (2013)177, o início e final de cada fase do grupo é delimitado por aspectos como a
entrada e saída do grupo de atores e atrizes e mudanças nas linguagens e estéticas de seus
espetáculos, dado que

O Teatro Abya Yala decidiu, quanto à estética, precisamente não ter uma estética
definida, assim com uma linguagem em particular. Entanto, muitos artistas lutam
por “ter uma linguagem própria”, em Abya Yala desenvolvemos um alfabeto de
estratégias para explorar, encenar e criar a dramaturgia.178

A peça El Patio corresponde à fase que Goméz (2013) chama de "the mountain or the
second hostage years"179 (2004-2012)180. É interessante que o ingresso dos atores da peça El
Patio - Oscar González e Janko Navarro - no grupo Abya Yala delimita o começo dessa fase
do grupo.
De acordo com Andrea Gómez (2013), tanto Oscar quanto Janko, antes de ingressarem
no grupo Abya Yala, já haviam tido experiências criativas com o diretor David Korish.

Como eles não estavam trabalhando com um grupo estável, decidiram abrir uma
audição para selecionar artistas. Catherine Cerdas, Oscar González, Grettel Méndez
e Janko Navarro eram jovens artistas formados em três instituições acadêmicas de
teatro diferentes no país. Finalmente, formaram o elenco interessado em técnicas de
treinamento do ator e no aprendizado de procedimentos de criação física. González
havia trabalhado com Korish uma vez antes. Navarro foi aluno do Korish na UNA e
havia participado no Workshop da América Central. (GOMEZ, A. 2013:44)181

177
MONGE, GINA. Trans-formação do ator no teatro de grupo em Latino-américa: Abya Yala, Yuyachkani
e Ói Nóis Aqui Traveiz. Tese de Doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade
de São Paulo. São Paulo, 2013.
178
Tomado do artigo "Experiencias desde el centro de Abya Yala", de Roxana Ávila publicado no site do grupo
http://www.teatro-abyayala.org/sites/default/files/articulo_roxana_avila_abya_yala.pdf (visitado em 07/09/2015)
179
[Tradução minha ao português] a montanha ou o segundo refém (GOMEZ, A. 2013:44).
180
[Tradução minha] Original A pesquisa de Gómez (2013) está delimitada até o ano de 2012, que corresponde
aos vinte anos de Abya Yala. Mas, considero que as produções de 2013, 2014 e 2015 ainda pertencem à fase
“the mountain or the second hostage years”, que iniciou ano de 2004. É possível que o grupo esteja atravessando
por um período de transição para o surgimento de uma nova fase, hipótese que solicita futuras pesquisas.
181
[Tradução minha] Original “As they were not working with a stable group, they decided to open an audition to
select the performers. Catherine Cerdas, Oscar González, Grettel Méndez and Janko Navarro, who came from
the three different theatre academic institutions in the country and did not know each other at the time, finally
formed the cast. Interested in actor training techniques, and looking to learn about physical scores González had
worked with Korish once before. Navarro was Korish’s student at the UNA, and was a participant in the Central
American Workshop”. (GOMEZ, A. 2013:44)
119

Nos primeiros anos da fase "the mountain or the second hostage years", os atores
Janko e Oscar, junto com as atrizes Grettel Méndez e Andrea Gómez e os diretores David
Korsih e Roxana Ávila, criaram espetáculos como “Yvonne” (2004) e “Cenizas” (2006). Mais
tarde, na temporada de 2007 a 2012, ingressam no grupo as atrizes Lilliana Biamonte,
Monserrat Montero, Maitén Silva, Aysha Morales e as dançarinas Erika Mata e Valentina
Marenco. A partir desse novo grupo de artistas, criam espetáculos como El mundo cuenta
(2008), Negra o nocturnal de una piel inoculada por el odio nuestro de cada día (2009),
MxM robada de William Shekespeare (2009), Vacío (2010), Balagán (2011)” e Un día
cualquiera, ópera ocurrente (2012). É importante tornar claro que todos os espetáculos da
fase "the mountain or the second hostage years" são obras de dramaturgias próprias criadas de
modo colaborativo e com tendência para o teatro performático, o canto e a dança.
Por outra parte, é relevante observar que, durante a época de 2007 a 2012, a
participação de Oscar e Janko foi direcionada para pesquisas criativas de formato pequeno,
diferente da maior parte das produções do grupo no decorrer desses anos.
Como exemplo, em 2009, Oscar cria, junto com David e Roxana, o espetáculo
performático e de solo Renato hace y luego mira en 63’182, enquanto, em 2011, Janko cria,
junto com a dançarina Erika Mata, o espetáculo El funeral183 - uma peça de formato pequeno
e também com características do teatro performático. É importante esclarecer que a peça “El
Funeral” foi criada durante a temporada em que Janko cursava o doutorado na Universidade
Estadual de Campinas, no Brasil, e que, ainda que fosse uma produção de Janko e Erika, é
possível conceber como parte da fase "the mountain or the second hostage years", do grupo
Abya Yala.
A ausência de David, Oscar e Janko nas últimas produções do grupo foi notável. As
criações novas de Abya Yala mostravam uma tendência predominante por temáticas
relacionadas com o feminino, em parte devido ao aumento do número de mulheres artistas
que ingressaram no grupo nos últimos anos. A obra Vacío teve sua estreia no dia 21 de
outubro de 2010, considerada como a peça ícone de grupo da série de espetáculos de
relacionados com temáticas sobre a mulher.

182
Na tese de doutorado em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo,
intitulada Voz no corpo gritante da pesquisadora e atriz costarriquenha Tatiana Sobrado, é analisado o processo
criativo do espetáculo Renato hace y luego mira en 63’ como uma experiência de criação pessoal de Oscar
González.
183 A peça El Funeral foi objeto de estudo em: NAVARRO, Janko. Da voz à composição: uma busca de

técnica pessoal e cênica de ator. Tese de Doutorado em Artes da Cena. Instituto de Artes. Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2012.
120

Imagem 14: cartaz do espetáculo Vacío

2.3.3.2 O diretor e os atores no processo de criação de El Patio.

Un hombre feliz es aquel que durante el día, por su trabajo, y a la noche, por su cansancio, no tiene tiempo de
pensar en sus cosas (Gary Cooper) 184

El Patio é uma criação dos atores Janko Navarro e Oscar González, junto com o
diretor David Korish, e estreou no dia 2 de outubro de 2013, no Teatro de Montes de Oca da
Universidad de Costa Rica. Para Korish (2013) , "El Patio é uma pesquisa cênica sobre a
noção de ser um homem, inspirado na ideia de que vivemos no período de transição, de
crise".185
Como mencionei previamente, a obra El Patio foi criada no contexto do grupo em que
predominavam as temáticas e estéticas relacionadas com o feminino. Deste modo, a crise de
masculinidade referida por David Korish, na citação anterior, pode ser interpretada também
como uma crise do grupo.

184Frase tomada do diário de bordo de David Korish. Sem data.


185
Palavras de David Korish. Tomado do programa de mão da peça El Patio. [Tradução minha] Original “[...] es
una exploración escénica acerca de la naturaleza de ser un hombre, inspirado en la creencia de que vivimos en un
tiempo de transición, de crisis”.
121

Em entrevista realizada com David, Janko e Oscar, em agosto de 2014, na Universidad


Nacional, na cidade de Heredia, na Costa Rica, eu perguntei: "Qual foi a primeira motivação
para criar El Patio?". David foi o primeiro a responder: "[...] para mim, a motivação foi de
raiva, de uma raiva pessoal e criativa que exorcizei no processo, porque eu fui percebendo
que, no âmbito cultural e dentro do nosso próprio grupo, as pesquisas sobre gênero haviam
sido exploradas demais” (KORISH, 2014)186.
Oscar agrega:

Sim, foi assim, eu lembro de você (refere-se ao David) perguntando: será que os
homens gostam mais da manhã do que a noite? (ri)187 [...] Também numa visita do
Janko na Costa Rica, Janko e eu trabalhamos juntos só por prazer e eu acredito que
essa experiência completa a imagem do início da peça. 188

De acordo com as palavras de Korish (2014) e González (2014), a obra El Patio pode
ser descrita como uma “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e
depoimento coletivo” (ARAÚJO, 2008: 83), dado que evidencia o encontro entre as
necessidades pessoais e artísticas das três figuras masculinas do grupo, com temáticas
instauradas nos processos criativos do grupo nos últimos anos.

[...] eu não tenho certeza de que El Patio seja uma resposta discursiva, mas nasce da
necessidade de a gente se encontrar como criadores dentro de um grupo, dentro da
cultura de um grupo, que acredito que, por algum motivo, a gente se auto exilou. E
eu acredito que a gente se exilou de uma temática que sentimos que havia se
parcializado para os estudos da mulher. Portanto eu acredito que culturalmente,
esteticamente e pessoalmente nasce de uma ausência, ou seja de um “vazio”189. (ri)
(KORISH, 2014) 190

186
[Traducão minha] Original: “para mí la motivación fue de rabia, de una rabia personal y creativa que he
exorsisado en el proceso, porque yo me di cuenta que en el ámbito cultural y dentro de nuestro propio grupo la
exploración sobre género se habia abordado mucho”. (KORISH, 2014).
187 Piada dos criadores sobre o espetáculo Vacío (2010), que estava ambientado numa noite num cabaret.
188
[Traducão minha] Original: “Sí es eso, yo me acuerdo de vos (se refiere a David) diciendo que no será que a los
hombres nos gusta más la mañana que la noche? (ríe) [...] También es que en una vuelta de Janko a Costa Rica,
Janko y yo estuvimos trabajando juntos por puro gusto y yo siento que esa como que termina de completar la
imagen de lo que podía ser la pieza” (GONZALEZ, 2014)
189 Piada dos criadas sobre o espetáculo Vacío (2010).
190
[Traducão minha] Original: “yo no estoy seguro si “El Patio” es una respuesta discursiva, pero nace de una
necesidad de reencontrarnos nosotros como creadores, dentro de un grupo, de la cultura de un grupo del cual
creo que por varias razones nosotros nos autoexiliamos y yo creo que de una temática que sentimos hasta ella
misma se había exiliado un poquito la conversación de lo que es género, los estudios de género es mucho más
dirigida a estudios de la mujer, entonces como sentimos que género se había metido un poquito parcializado yo
creo que culturalmente, estéticamente, personalmente nace de una ausencia [...] de un vacío (ríe)”. KORISH, D.
122

Deste modo, El Patio é o reencontro artístico de Janko, Oscar e David e, além de ser
uma conjuntura para atender às necessidades específicas da vida criativa do grupo Abya Yala,
também foi uma oportunidade para que os três artistas desenvolvessem um processo criativo
baseado no "interesse em pesquisa e experimentação" (ARAÚJO, 2008:63). Para o ator Janko
Navarro,

Em El Patio, experimentamos um processo criativo no fluxo entre o pessoal, o


teórico e o prático. Uma espécie de “campo errante”, baseado em estratégias de
improvisação, tensão entre eventos, atuação de personagens, música e canto, a
palavra falada, a dança de um tango, a presença direta do corpo, nos permitimos nos
perder na pergunta: “o que é ser homem?”191

Dado que Janko, Oscar e David tinham mais de oito anos de criação em conjunto
(2004-2012), era desnecessário definir as funções antes de empreender o processo criativo de
El Patio. Era claro que, pela experiência e a formação de cada um, o oficio da direção seria
assumida por David, enquanto que a interpretação e criação ficariam a cargo de Oscar e
Janko. No entanto, não havia limite para que tanto Janko como Oscar participassem também
de assuntos relacionados à função da direção.

É uma criação de três vozes, e isso não omite a noção de ator- criador – intérprete-
frente à de diretor- dramaturgo, mas a criação foi assim; mais que assumir ou não
hierarquias de forma flutuante, o que acontecia é que, quando uma pessoa que
levava mais ideias, as outras pessoas trabalhavam sobre isso, e de repente, no dia
seguinte, os outros levavam mais ideias, e o resto trabalhava sobre isso.
(NAVARRO, 2014)192

Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada na Universida Nacional, no dia 27 de
agosto de 2014, na cidade de Heredia, Costa Rica.
191
Palavras de Janko Navarro. Tomado do programa de mão da peça El Patio. [Tradução minha] Original “En el
patio experimentamos un proceso creativo en flujo entre lo personal, lo teórico y lo práctico. Una especie de
“campo errante” basado en estrategias de improvisación, tensión entre eventos, actuación de papeles, música y
canto, la palabra hablada, el baile de un tango, o la presencia cruda del cuerpo, nos dejamos perder en la
pregunta de “¿qué es ser hombre?”
192
[Traducão minha] Original: “Es una creación a tres voces y esto tampoco se brinca la noción de actor- creador
– intérprete- frente al director- dramaturgo pero bueno la creación fue así, más que asumir o no jerarquías de
forma fluctuante lo que sucedía es que una persona tenía más ideas o traía más y las otras personas trabajaban
sobre eso y de repente al día siguiente otros de nosotros traía más ideas y trabajábamos sobre eso” (NAVARRO,
2014). Navarro, J. Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada no dia 28 de janeiro de
2014, na cidade de Campinas, São Paulo, Brasil.
123

Segundo as palavras de Navarro (2014), o processo criativo de El Patio parte da noção


do que ele chama creación a tres voces, isto é, quando 2 atores e 1 diretor adquirem o
compromisso de criar a totalidade do espetáculo, incluindo sua dramaturgia.

Falamos da possibilidade de procurar textos através de um processo espontâneo ao


invés de partir deles;
j. propõe a pergunta: O que é a masculinidade que eu vivo?
j. fala da possibilidade de “personalizar o depoimento”;
d. propõe que um sub-tema da peça poderia ser, através de performance sobre
identidade, que os homens sempre tentamos demostrar que a) não somos mulheres e
b) não somos homossexuais;
o. comparte o depoimento de seu pai quando enfrentou ele porque pensava que ele
gostava dos homens. 193

De acordo com esses dados, registrados nos documentos pessoais, é interessante


observar que, para a criação da dramaturgia da peça, foram usados procedimentos criativos
baseados na autorreferência, isto é, quando informações íntimas dos criadores são incluídas
no processo da escrita dramatúrgica. No entanto, sobre esse assunto Navarro (2014) aclara
que

As informações pessoais, tanto em tanto, íamos trabalhando para que fossem mais
interessantes e criamos a partir da noção de “monólogos falsos”, isto é, desenvolver
um momento cênico ou uma improvisação a partir de algo que é particular de você
mas que igualmente é uma mentira que você inventou, isto é, um “monólogo falso”.
Então, isto era, para nós, brincar com as informações, [...] nos colocar sobre nossas
próprias experiências para exagerar elas, para fazer com que esse material fosse
interessante na cena e não ficar na autorreferência como se fosse um assunto
terapêutico, por chamar isso de alguma forma [...] (NAVARRO, 2014)194

193
Informação tomada dos documentos pessoais do processo chamados de “minutas”, que consiste num resumo
dos aspectos mais relevantes tratados em cada ensaio. Abreviaturas do texto j= Janko, d= David e o= Oscar.
Data de 18 de julio de 2012. Diário de bordo de David Korish. [Traducão minha] Original: “Hablamos de la
posibilidad de buscar los textos mediante un proceso orgánico en vez de partir de ellos;
j. plantea ¿qué es la masculinidad que yo vivo?
j. habla de la posibilidad de ‘personalizar la anécdota’;
d. menciona que un sub-río de la pieza podría ser, que mediante el performance de identidad, los hombres
siempre intentamos demostrar que a) no somos mujeres y b) no somos playos;
o. cuenta la anécdota de su papá y cuando se enfrentó a él pensando que le gusto a los hombres’
194
[Traducão minha] Original: “Que la información de datos personales poco a poco los íbamos forjando para
hacerlos más interesantes y trabajamos mucho con la idea de monólogos falsos, es decir, cómo encarar un
momento escénico o una improvisación desde algo que es particular tuyo pero al mismo tiempo es una mentira
tuya, es un monólogo falso. Entonces eso nos parecía jugar con esos datos, burlarnos de ellos [...] ponernos
encima de nuestra propia experiencia para exagerarla, para hacer de ella lo que creativamente nos permitiera y
no solamente quedarnos con una auto-referencialidad ahí terapéutica para decirlo de una manera [...]”. Navarro,
J. Entrevista concedida pelo diretor para Lidieth Alpízar, e realizada no dia 28 de janeiro de 2014, na cidade
124

O processo da construção dramatúrgica de El Patio não só esteve baseado na produção


de monólogos falsos (NAVARRO, 2014), mas também em outros procedimentos criativos,
como criar cenas a partir de roteiros de filmes clássicos, como The Godfather, de Mario Puzo
e Francis Ford Coppola, Midnight Cowboy, de Waldo Salt , On the Waterfront, de Budd
Schulberg, e There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson195.
Também foram compostas musicas originais como,

He aprendido que soy lo que ustedes ven,


Será que sus ojos van a ver lo que quieren ver?
Hombre-perro, hombre-caballo, hombre-toro, hombre-buey.
Si me ven bien, van a encontrar su propio reflejo,
su pasado, su odio, sus ideas fijas, las mejores razones para colocarme en una caja,
En un estante, en un altar.
Hombre-padre, hombre-ausente, hombre-reciclable, hombre-adorno, hombre-
estrella.
Cada día que pasa, fabrican un ideal que se aleja de mí,
Si realmente pudieran ver, que verían?
Si se alejan un instante, tal vez, reconocerían su propia imagen,
El texto que me endosaron, sus ganas de matar, su rabia escondida, su deseo de
tocarme.
Hay muchas cosas que quisiera decirles, pero no sé si realmente aguantan oírme,
Cierren los ojos, escuchen, que tipo de hombre quieren ver?196

O texto anterior corresponde à letra de uma musica criada pelos atores no processo
criativo. Evidencia, portanto, que as funções dos atores também foram complementadas com
aspectos que pertencem a outras áreas do pensamento artístico - nesse caso, a música. Como
exemplo, na imagem a seguir, é apresentado um dos momentos em que Janko e Oscar
interpretam músicas compostas por eles mesmos.

de Campinas, São Paulo, Brasil.


195
Informação tomada do programa de mão da peça El Patio.
196 Letra de uma das músicas criadas no processo criativo. Informação retirada de uma das “minutas” de David

Korish. Sem data. Mantenho as letras das músicas na forma e idioma originais.
125

Imagem 15: Oscar e Janko interpretam uma música composta por eles.

Por outra parte, é pertinente observar, nos documentos pessoais dos dois atores, que,
no caso de Janko, o modo como ele registrou sua experiência no processo criativo foi através
de imagens e vídeos. Chama a atenção que algumas das imagens registradas por Janko
coincidam com a composição corporal e disposição cênica de alguns momentos da peça,
como fica claro nas seguintes imagens: 197

Imagem 16 Imagem 18

197As imágens da esquerda foram coletadas dos documentos pessoais de Janko Navarro, sem data. As
imagens da direita foram extraídas da página web do grupo Abya Yala http://www.teatro-
abyayala.org/producciones/obra/el-patio-2013 (visitado em 14 de setembro de 2015).
126

Imagem 17 Imagem 19

As imagens 16 e 17 foram coletadas do diário de bordo de Janko Navarro, enquanto as imagens 18


e 19 correspondem aos momentos específicos das apresentações.

É relevante observar que a função exercida por Janko é complementada também com
outras habilidades que correspondem ao campo da dança e da direção, principalmente pelas
convergências entre os registros do ator e os resultados cênicos.
Por outra parte, é significativo reconhecer, através da análise dos documentos de
registro de Janko, David e Oscar, que o processo de criação de El Patio mostra também outras
características comuns com o Proceso Colaborativo: "a perspectiva de compartilhamento
pedagógico, processo continuado de feedback e abertura do processo de ensaio a estagiários,
convidados e público interessado" (ARAÚJO, 2008: 63). Desde o início do processo criativo,
participaram outros profissionais, como o teórico teatral Sergio Román, o historiador Carlos
Sandoval e o escritor Fernando Contreras198, o que aponta que o processo de pesquisa teórica
de Janko, Oscar e David foi orientado pelas pessoas acima mencionadas, potencializando a
noção de criar em colaborativo.
Finalmente, outra linha de força do Processo Colaborativo identificada em El Patio é a
"ênfase no carácter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria constituição
da linguagem" (ARAÚJO, 2008:63). Segundo a seguinte imagem, a estética usada no
espetáculo coincide com a noção de obra inacabada e em processo.

198 Informação retirada do programa de mão da peça El Patio.


127

Imagem 20: Oscar e Janko numa apresentação de El Patio.

É relevante que, das 14 linhas de força (Araújo,2008: 63), o processo criativo de El


Patio mostra a presença de seis delas; portanto, é possível entender que a experiência cênica
apresenta características de Processo Colaborativo.
As seis linhas de força identificadas são:
1) Interesse em pesquisa e experimentação;
2) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
3) Ênfase no carácter processual, incorporando o precário e o inacabado à própria
constituição da linguagem;
4) Processo continuado de feedback;
5) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
6) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado.

Em relação à linha 1) “interesse em pesquisa e experimentação”, é importante tornar


claro que tem sido a base do modo de criação grupo Abya Yala desde seu primeiro
espetáculo, em 1991. Contudo, a presença dessa linha no processo criativo de El Patio
representa um aspecto instaurado no modo como Janko, Oscar e David exercem suas
respectivas funções quando criam de maneira conjunta.
A respeito da linha 2) “construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal
e depoimento coletivo”, chama a atenção que o procedimento criativo monólogos falsos
(NAVARRO, 2014) apareça como uma ferramenta criada pelos atores e diretor para resolver
a tensão entre o pessoal e o coletivo.
128

No caso da presença da linha 3) “ênfase no carácter processual, incorporando o


precário e o inacabado à própria constituição da linguagem”, mostra que o carácter processual
e precário de El Patio está focado no aspecto estético e não na dramaturgia da peça. Embora a
peça tenha momentos importantes de improvisação, sempre é mantida a mesma estrutura
dramatúrgica entre uma representação e outra.
A presença das linhas 4) processo continuado de feedback e 5) perspectiva de
compartilhamento pedagógico, considero que tenha funcionado como procedimento
metodológico ante o desafio que representa abordar um espetáculo cênico com temática de
gênero, sendo, nesse caso, a masculinidade.

Qué
descodifica el
cuerpo del
hombre?

Masculinidad es
Qué significa relacional?
ser hombre?

“Cuales son los papeles Qué papel juega


que jugamos? el lenguaje?

Imagem 21: Perguntas sobre masculinidade. Diário de bordo de Oscar González. Sem data.199

Por outra parte, é relevante observar as oito linhas de força que não identifiquei no
processo de criação de El Patio foram distribuídas em quatro grupos a partir dos mesmos
critérios de classificação usados na análise de Manuales de (in) seguridad. Aqui adicionei
unicamente o grupo D, que corresponde à dramaturgia inédita.

Grupo A Grupo B Grupo C Grupo D


1) Atitude cultural e 4) Realização de 6) Encenação 8) Criação de
propositiva pesquisa teórica e de processual e aberta. dramaturgia inédita.
campo.

199 Mantenho as informações na sua forma e idioma originais.


129

2) Vontade e 5) Prática baseada 7) Interferência dos


capacidade de em improvisações e espectadores na
cooperação. workshop. construção da obra.

3)Existência e
potencialização de
funções artísticas
especificas
delimitadas antes do
início dos ensaios

Considero que a ausência das três linhas do grupo A mostra que esse tipo de acordo já
está instaurado na dinâmica de criação dos atores e diretor de El Patio, não tendo sido
necessário deixar explícita essa informação nos diários de bordo dos três criadores - ou seja,
quanto mais antigo for o vínculo entre atores e diretores, menor a necessidade de que as
funções artísticas especificas sejam delimitadas antes do início dos ensaios.
Em relação à ausência das linhas do grupo B - 4) realização de pesquisa teórica e de
campo e 5) prática baseada em improvisações e workshop -, é possível entender que esses
aspectos foram tratados com procedimentos próprios do grupo, ou seja, com Prácticas
Heterodoxas, como, por exemplo, monólogos falsos e creación a tres voces. Desta maneira,
também é possível afirmar que não foi toda a criação em El Patio que caracterizou Processo
Colaborativo, mas, sim, uma fusão entre o próprio e o estrangeiro.
Sobre a falta de registro da presença das linhas do grupo C - 6) encenação processual e
aberta e 7) interferência dos espectadores na construção da obra -, é uma evidência de que o
aspecto performativo do espetáculo foi abordado ao colocar graus de risco nos corpos dos
atores. Esse risco foi colocado nos momentos em que os dois atores dançam e lutam sem
seguir uma coreografia definida. Há momentos de tensão entre os corpos reais e os corpos
ficcionais de Janko e Oscar.
130

Imagem 22: Luta entre Janko e Oscar. Imagem 23: Luta entre Janko e Oscar.

Finalmente, ao observar a ausência da linha do grupo D - 8) “criação de dramaturgia


inédita” -, é relevante que o modo de criação da dramaturgia de El Patio seja um aspecto que
supera os procedimentos criativos estudados até este momento no Processo Colaborativo,
dado que os atores e o diretor criam a dramaturgia do espetáculo a partir de roteiros de filmes
clássicos.
131

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência como atriz no processo de criação de Manuales de (in) seguridad foi o


catalizador de perguntas que me levaram a desenvolver esta pesquisa. O contato com o
conceito de Processo Colaborativo, através da leitura de artigos durante o período de ensaios,
levantou a hipótese de que o modo como atores e diretor encaminhamos o processo de criação
da obra apresenta características semelhantes com o Processo Colaborativo, um conceito novo
para mim e que, portanto, interessei-me em explorar teoricamente.
Ao finalizar o processo criativo de Manuales de (in) seguridad, observei que havíamos
trabalhado com princípios metodológicos que reconhecia como próprios da Criação Coletiva,
mas também com outros que entendia corresponderem à Performance Art, dado que, em meu
processo de formação acadêmica e em minha experiência prática, havia trabalhado com
ambas as tendências criativas, mas separadamente.
Deste modo, iniciei este processo de pesquisa com a intuição de que, em um Processo
Colaborativo, são integrados e atualizados procedimentos de criação de tendências artísticas
diversas, como consegui constatar no estudo da Criação Coletiva e da Performance Art.
Também observei que o modo com que atores e diretor exercíamos nossas funções era
diferenciado quando comparado com minhas experiências artísticas anteriores. Por exemplo,
identifiquei que, durante algumas etapas do processo de criação, os atores exercíamos
habilidades que correspondem ao campo da direção e que a figura do diretor era exercida
como a de um líder que encaminha todas as propostas criativas para o consenso coletivo,
perspectiva contrária à noção tradicional de que um diretor implanta no coletivo suas ideias
sobre como deve ser criado o espetáculo. Essas observações ajudaram a identificar o foco de
análise de meu interesse: o ator e o diretor no Processo Colaborativo.
Desta maneira, considero que o Processo Colaborativo, ao retomar o princípio
metodológico da Criação Coletiva - criar em equipe -, solicita que os diretores assumam sua
função sob uma perspectiva de líder. Isso porque a noção de criar em equipe é entendida
como um modo de organização horizontal em que atores e diretores têm os mesmos direitos e
deveres para criar a totalidade do espetáculo. No entanto, para que o processo seja eficiente, é
necessário que o diretor, na função de líder, direcione todas as propostas para a ideia inicial de
obra concebida pelo coletivo.
Por outra parte, destaco que o uso de procedimentos criativos como workshop,
depoimento pessoal e método das perguntas - exercidos no Processo Colaborativo-
potencializa a premissa de que criar é um ato que coloca o artista em comunicação com
132

aspectos íntimos de sua subjetividade, dado que esse tipo de procedimento solicita a produção
de materiais criativos de autoreferência. Assim, o diálogo entre atores e diretores, junto com a
aplicação de técnicas de direção e atuação, faz com que os materiais de autoreferência sejam
tratados com fins artísticos e não terapêuticos - úteis, portanto, para a construção da obra.
Desta maneira, atores e diretores, com o uso de procedimentos de criação como os
acima mencionados, expõem frente ao coletivo suas habilidades e talentos, mas também suas
fraquezas e carências. Concluo que, em um Processo Colaborativo, é solicitado que atores e
diretores integrem às habilidades artísticas qualidades de convivência e trabalho de grupo, isto
é, a confiança e o respeito.
Portanto, ao entender que, no teatro de grupo, o grau de confiança seja maior quando
comparado com outros modos de organização - por exemplo, quando o coletivo de atores
muda em cada projeto do diretor -, considero que o cenário idôneo para criar em Processo
Colaborativo é dentro de uma cultura de teatro de grupo. No entanto, não nego que outros
modos de organização proporcionem ambientes idôneos de confiança e respeito, necessários
para o uso de procedimentos criativos como workshop, depoimento pessoal e método das
perguntas.
A seleção da obra El Patio, como segundo objeto de estudo, representou a
oportunidade para observar modos em que atores e diretor empreenderam um processo
criativo também com características semelhantes às do Processo Colaborativo, no contexto de
teatro de grupo.
Em relação ao processo de análise do contexto teatral costarriquenho, em que
Manuales de (in) seguridad e El Patio estão inseridos, chamam a atenção os estudos do
costarriquenho Fernando Vinocour (2003, 2007) sobre experiências cênicas do período de
1990 a 2000, que propõem o termo Prácticas Heterodoxas para nomear uma tendência do
teatro costarriquenho que cria a partir de procedimentos próprios de experimentação. Desta
maneira, considero importante que futuras pesquisas aprofundem a discussão sobre esse
conceito, a fim de avançar nos estudos teatrais costarriquenhos de tendência experimental.
Assim, concluo que tanto Manuales de (in) seguridad quanto El Patio podem ser
considerados como manifestações atualizadas de Prácticas Heterodoxas.
No entanto, considero como principal desafio da presente pesquisa a falta de produção
teórica sobre processos criativos dos grupos de teatro da Costa Rica, visto que, na revisão
bibliográfica, observei que a documentação sobre o teatro costarriquenho está centrada na
análise de dramaturgias e nos estudos culturais.
133

No nosso pais é imperativa a criação de um Centro de Documentação para as Artes


Cênicas, donde os futuros pesquisadores possam obter uma nutrida documentação
do objeto de estudo e para que o coletivo reinterprete continuamente esses
acontecimentos, como parte do acervo cultural dos povos e dos grupos humanos que
se reconhecem como agentes históricos, que não têm perdido sua capacidade de
recordar e de aprender da memoria e da inteligência coletiva e para re-valorar,
também, o trabalho dos criadores cênicos. (CALDERON, 2006: 88)200

Por outra parte, para a análise da presença de características de Processo Colaborativo


no processo de criação dos dois espetáculos costarriquenhos, destaco que as catorze linhas
força propostas por Antônio Araújo (2008, 63) funcionaram como instrumento de medição.
Desta maneira, identifiquei que Manuales de (in) seguridad mostra a presença de nove linhas,
e El Patio, de seis linhas, havendo quatro comuns aos dois espetáculos:
1) Construção cênica ancorada na tensão entre depoimento pessoal e depoimento
coletivo;
2) Processo continuado de feedback;
3) Perspectiva de compartilhamento pedagógico;
4) Abertura do processo de ensaio a estagiários, convidados e público interessado;
Considero que as linhas de força não identificadas nos documentos dos artistas de
ambos espetáculos mostram três fenômenos: 1) presença de outras linhas de força que são
próprias do processo criativo e do grupo, 2) adaptação das linhas não identificadas para o
contexto do processo criativo dos espetáculos, e 3) mostra de praticas difenciadas às linhas de
força em estudo.
Assim, destaco que o uso das catorze linhas de força como instrumento de análise e
medição me permitiu observar que tanto Manuales de (in) seguridad quanto El Patio
apresentam aspectos significativos de Processo Colaborativo, mas que também foram
exercidos outros modos de criação, como, por exemplo, os relacionados ao cinema. No caso
de Manuales de (in) seguridad, foi aplicada a noção do diretor como editor cinematográfico,
enquanto que, em El Patio, os roteiros de cinema funcionaram como fonte para a criação da
dramaturgia da obra.

200 [Tradução minha] Original: “En nuestro país es imperativa la creación de un Centro de Documentación para
las Artes Escénicas, donde los futuros investigadores puedan obtener una nutrida documentación del objeto de
estudio y para que el colectivo reinterprete continuamente esos acontecimientos, como parte del acervo cultural
de los pueblos y de los grupos humanos que se reconocen como agentes históricos, que no han perdido su
capacidad de recordar y de aprender de la memoria y de la inteligencia colectiva y para revalorar, además, el
trabajo de los creadores escénicos”. (CALDERON, 2006: 88).
134

Por conseguinte, considero que a integração de procedimentos criativos do cinema,


como foi observado nas experiencias cênicas da Costa Rica, agregam conhecimento para
próximas pesquisas sobre o Processo Colaborativo.
Também, no Processo Colaborativo, a relação entre atores e diretores é fortalecida e
toma características democráticas na medida em que o texto dramático não é colocado como
eixo central para a criação201. A ausência da figura do autor do texto dramático representa um
aspecto de “fortalecimento” do vínculo entre o ator e o diretor. A participação do dramaturgo
na sala de ensaio vem representar o canal de comunicação entre atores e diretores, enquanto
que, em processos em que não existe a figura do dramaturgo, como em Manuales de (in)
seguridad e El Patio, os atores e diretores, ao assumir a função do dramaturgo, criam num
vínculo de maior parceria, companheirismo e igualdade.
Finalmente, suponho que o Processo Colaborativo pode ser entendido também como
um procedimento metodológico que diretores aplicam com núcleos de atores para projetos
específicos, isto é, que o Processo Colaborativo é recriado no encontro entre diretores e
núcleos de atores e não está restrito ao modo de organização do teatro de grupo. Deste modo,
a figura de grupo funciona como a estrutura técnica e difusora de que o diretor se vale para
que o projeto ocorra. Considero este assunto oportuno para ampliar o campo de aplicação do
Processo Colaborativo com modos diversos de organização de atores e diretores.

Aclaro que minha intenção não é negar que práticas colaborativas podem ser exercidas em processos criativos
201

que partem de um texto dramático, no entanto considero que o vinculo entre atores e diretores é fortalecido
quando ambos exercem a função dramatúrgica da obra.
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2000.

PROGRAMAS DE ESPETÁCULOS

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Manuales de (in) seguridad. Programa do espetáculo. San José, Costa Rica: Teatro Oshún
[2012].

CRÍTICAS EM REVISTAS

CONTRERAS, A. Performance: Manuales de (in) seguridad. En: Revista Encuentro. San


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