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A arte dos relacionamentos

Sex, 10/03/2017 por

Introdução
Não existem relacionamentos perfeitos. Eles são construídos e dependentes da
experiência, maturidade e sabedoria da pessoa em interpretar e corrigir as
experiências afetivas negativas (Pv 15.31), transformando-as em lições positivas
para que não se repita os erros cometidos (Pv 9.9; 13.16). É preciso educar as
emoções para conviver com as diferenças e não responder o agravo com outro
(Pv 15.1, 18, 23). Isto não ocorre de um dia para o outro, mas é um processo
que perdura por toda vida.
Relacionamentos saudáveis e afetividade (Jo 13.34)
O homem é um ser em construção. Ele não nasce pronto, acabado, mas do início
ao fim da vida está em permanente desenvolvimento de sua personalidade,
talentos, habilidades e relacionamentos (Sl 103.14-16). O homem não é apenas
capaz de aprender, como também em desaprender, adquirir novos hábitos e
caminhar rumo à maturidade (Ec 3.1-7). Ele cria e recria a si mesmo.
A construção do sujeito não é um processo retilíneo, mas repleto de
serpenteados, de rupturas e retomadas de rumo, como afirma Ec 3. Ele cresce
no cultivo da vida social e deve ser sábio para distinguir os relacionamentos bons
dos maus, as boas companhias das más, as interações frutíferas das frívolas e
assim sucessivamente (Pv 13.20; 14.8). É no encontro dos vários afluentes da
vida social, espiritual e afetiva que a vida e a identidade do sujeito são
construídas. Ele tanto exerce quanto sofre influências e deve proceder de tal
modo que as influências negativas não modifiquem seu comportamento e suas
escolhas cristãs (Pv 14.33; 1Co 13.11). O homem deve ser bom apesar de toda
lama que o cerca (Pv 4.20-27; 16.2; 21.21).
Entendendo as interações humanas como parte de um processo necessário à
construção do sujeito, e que esse desenvolvimento não ocorre exatamente como
fórmulas matemáticas, mas se trata de uma construção social na qual o indivíduo
se constitui e prossegue se constituindo, a pessoa é responsável por aquilo que
cultiva e pelas escolhas que faz ao longo do caminho (Pv 16.9; 22.24-26). Nessa
lida, a educação dos sentimentos desenvolvidos nas interações sociais na
infância e adolescência são muito significativas para a nova fase da vida adulta,
a qual o jovem, por exemplo, já se encontra no limiar. Cabe bem uma parte da
poesia de Rudyard Kipling (Citado por Júlio Schwantes, em Colunas do Caráter):
“Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes, e, entre reis, não perder a
naturalidade, e de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes, se a todos
podes ser de alguma utilidade, e se és capaz de dar, segundo por segundo, ao
minuto fatal todo valor e brilho, tua é a terra com tudo o que existe no mundo, e
– o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!.”
Relacionamentos doentios e o ser
O desenvolvimento integral do homem não deve ser fragmentado na imatura
linguagem teológica da dicotomia ou tricotomia (Lc 2.52; 1Ts 5.23; Hb 4.12) ou
mesmo nas expressões da psicologia (motor, afetivo, cognitivo, social), como se
o crescimento afetivo saudável ou doentio se manifestasse em uma das partes
sem afetar ou ter relação com o todo. O ser humano se desenvolve numa
totalidade e cada uma das dimensões que o compõe é afetada como também
influencia umas às outras. No exemplo de Saul, o primeiro a ser prejudicado foi
o próprio rei que, tomado de profunda inveja e ira (Pv 14.17, 30), não teve
maturidade para resolver seus dilemas e conflitos, vindo a cometer suicídio (1Sm
31.1-6). O desgaste emocional de Saul (1Sm 18.7-9) teria sido evitado se ele
dominasse a si próprio (Pv 30.33; 25.28; Gl 5.23).
A falta de maturidade afetiva de Saul levou-o a se ocupar em destruir a Davi
(1Sm 18.7-15; 19.1-11). Ele tinha família, um reino e exércitos para cuidar, no
entanto, ignorou todas as suas responsabilidades como pai, rei e comandante
para perseguir o músico de Javé (1Sm 18.10). Saul estabeleceu para si um
objetivo vil que afetou e prejudicou toda sua vida emocional, social e espiritual.
Sua energia e vida foram drenadas por sentimentos doentios que levaram-no à
amargura e mais tarde ao suicídio. Cultivar a ira, a vingança, a mágoa, entre
outras emoções e sentimentos ruins prejudica a totalidade da vida humana. A
força dessas emoções não pode ser subestimada e negligenciada por qualquer
pessoa. Elas sobrepõem-se a razão e influenciam profunda e completamente o
comportamento do indivíduo, sem que ele próprio atine para isso. De pouco
adianta a oração, a leitura das Escrituras e o aconselhamento se a pessoa não
tomar a decisão de perdoar o suposto ofensor (Mt 5.44; 6.12; Ef 4.32), deixar a
ira, abandonar o furor e não procurar a vingança (Sl 37.8). Para vencer tais
emoções e sentimentos destrutivos o salmista aconselha: “não te indignes para
fazer o mal”, “não tenhas inveja dos que praticam a iniquidade”, “deixa a ira”,
“abandona o furor” (Sl 37.1,7,8). Proibi-los não é suficiente, segundo Davi, que
tanto sofreu injustiças, é necessário assumir uma nova postura: “confia no
Senhor”, “faze o bem”, “deleita-te no Senhor”, “descansa no Senhor e espera
nele” (vv. 3-7).
Sentir raiva, inveja, ciúmes entre outros sentimentos que afetam a vida
psicossocial do homem, embora não desejável, faz parte da vida humana e da
aprendizagem afetiva a qual o homem está trilhando e são descritos na Bíblia
como pecado (Gl 5). Todavia, é necessário dominar e refrear tais sentimentos e
impulsos (Pv 25.38; At 24.25). Caim (Gn 4.8-15), Saul (1Sm 18.7-15) e Sansão
(Jz 14) são exemplos de pessoas que se deixaram levar por sentimentos que
destruíram suas vidas. Leia a recomendação de Deus a Caim (Gn 4.7). Afirmou
Júlio Schwantes, em Colunas do Caráter: "O domínio-próprio é uma conquista
diária, em que as pequenas vitórias de hoje preparam as vitórias maiores de
amanhã". Deste modo, afirmo que a verdadeira grandeza do homem é medida
pela força dos sentimentos que ele domina, e não pelos sentimentos que o
dominam.
Construção de bons relacionamentos
Para compreender a base dos bons e dos maus relacionamentos é preciso
entender a construção do próprio sujeito em seus diversos níveis: social, cultural,
religioso. As interações sociais são construídas com base nos valores advindos
da experiência de vida e formação da personalidade e caráter das pessoas.
Nisto, a educação familiar como também a sociedade pode interferir positiva ou
negativamente na construção ou não de relacionamentos maduros (Pv 23.13;
20.11; 29.15). Todavia, isso não significa que o sujeito esteja mecanicamente
determinado por essas relações sociais, contudo, não se pode negar as
influências externas na formação da afetividade. Da mesma forma como se
aprende bons hábitos pode-se também com algum esforço abandonar os maus
costumes e sentimentos que prejudicam as interações humanas.
Bons relacionamentos são construídos ao longo do processo de aprendizado de
vida do indivíduo (1Sm 18.1). Eles são capazes de estimular o que há de melhor
no outro, revelando qualidades que talvez fosse ignorada pela própria pessoa
(1Sm 19.1-7), pois favorece o conhecimento de si e do outro (1Sm 18.3-4). Eles
não surgem de modo inesperado e mágico, mas desenvolvem-se à medida que
os interesses e afinidades correspondem ao do outro. Neste aspecto, é
importante escolher e iniciar boas amizades e relacionamentos saudáveis nos
grupos de afinidades como a família e a igreja. Nesses dois grupos principais,
os valores, os objetivos e as crenças são possivelmente mais afins do que
noutros grupos de interesse como os da empresa, da universidade, onde nem
sempre se encontram pessoas dispostas a compartilhar dos valores e crenças
pessoais. A igreja, a comunidade da fé, é o lugar ideal para que o cristão
estabeleça relacionamentos maduros e duradouros. Isto é possível porque há
certa afinidade e interesse mútuos. Os princípios estabelecidos no Salmo 1.1-6
e 1 Coríntios 15.33 devem ser observados cuidadosamente por aqueles que
desejam agradar ao Senhor, até mesmo na seleção de suas amizades e
relacionamentos sólidos.
Infelizmente, os bons relacionamentos estão cada vez mais raros. O vulgar é ter
muitas “curtidas” e “amigos” nas redes sociais, mas raro são os amigos para se
estabelecer relacionamentos verdadeiros e duradouros. Todavia, isso não quer
dizer que estabelecer bons relacionamentos seja impossível, apenas que boas
interações humanas não se acham em qualquer lugar como mercadoria barata
e de pouco prestígio. Alguns não encontram boas pessoas para se estabelecer
boas interações humanas e significativas pelo simples fato de procurarem em
lugares ruins. Daí a razão pela qual devemos valorizar as amizades dentro do
grupo de interesse como a família e a igreja e, mesmo assim, doses de
discernimento e perspicácia são necessários. Nem todas as amizades na
comunidade de fé são sinceras. Sempre há um "judas" disposto a macular a
honra dos outros e pilhar as sobras. Portanto, cultive os bons relacionamentos!
Invista nas pessoas com as quais existe certa afinidade, principalmente com os
domésticos na fé.
Personagens como Caim, Saul e Sansão ilustram como a falta de domínio
pessoal sobre os sentimentos e desejos podem prejudicar as interações
humanas. Portanto, se você tem dificuldade em dominar a si próprio ore a Deus
pedindo o fruto do Espírito (Gl 5.22-23).
Esdras Costa Bentho, teólogo pentecostal, professor da FAECAD, Mestre e Doutorando em
Teologia pela PUC, RJ.

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