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Ellen Meiksins Wood John Bellamy Foster (orgs.) Em DEFESA DA HISTORIA Marxismo e pés-modernismo Pradtupdio: Ruy Jungmann Jorge Zahar Editor Marx e 0 meio ambiente John Bellamy Foster Tornou-se moda em anos recentes, nas palavras de um critico, identificar o orescimento da conscigncia ecolégica com “a atual contestacto pés- moderna da metanarrativa do Tluminismo”. © pensamento ecalogico, dizem-nos freqiientemente, caracteriza-se por uma perspectiva pos-mo- dema, pds-lluminismo. Em parte alguma essa moda é mais visivel que em cectas criticas feitas a Marx e Engels. Afirma-se freqiientemente que © materialismo histérico, desde a obra de seus dois fundadores, seria um dos principais meios através dos quais a idéia baconiana de dominio da atureza foi transmitida ao mundo modemo. A predominincia de tal interpretagao é indicada pelo seu aparecimento freqiiente em anilises feitas pela propria esquerda. “Embora Marx ¢ Engels demonstrassem extraordindria compreensio ¢ sensibilidade no tocante aos custos ‘ecolé- gicos’ do capitalismo”, escrevew a ecofeminista socialista Carolyn Mer- chant, “(... eles aceitaram o mito do Tuminismo de progresso através do dominio da natureza,”! Claro que & inegavel que muitos que alegaram seguir os passos de Marx trataram a natureza como um objeto a ser explorado, e nada mais, E comum para os eriticos de hoje, porém, argumentar que a visio de mundo dos préprios Marx ¢ Engels radicava-se, acima de do, na subjugagdo tecnolégica total da natureza e que, a despeito da sensibili- dade ecolégica que ambos demonstraram em determinadas areas, este continua a ser o contexto principal no qual devem ser julgadas suas conitibuigdes tedricas, Marxismo e ecologia, portanto, jamais so intei- ramente compativeis, A principal queixa que embasa essa eritica geral é que Marx adotou © que o ambientalista socialista Ted Benton —ele mesmo critico de Marx neste particular — denominou visio “prometéica”, “produtivista” de historia, Reiner Grundmann concorda com tal opinifo, tendo escrito em 161 162 John Betamy Faster seu Marxismand Ecology que a premissa bisica de Marx” foi o modelo de Prometeu” de dominio da natureza — posigao esta que Grundmann tentou defender. Para o liberal Victor Ferkiss, nenhuma defesa seria possivel: “A atitude de Marx em relagao ao mundo sempre conservou aquela forga prometéica, glorificando a conquista da natureza pelo ho- mem." O ecologista social (anarquista ecolégico) John Clark vai mais ) prometéico de Marx é um ser que ni se se Tntareza due no considera «Tera como a esa” daccol yusca de auto: Avontade Espirito 180. (..) Hi, claro, outras criticas ambientalistas comuns dirigidas contra Marx e Engels (para nio falar das voltadas contra o marxismo como um todo), além da mencionada a Marx foi contexto que reconhecesse tcoriamarxista de valor, dizem-nos freqiientemente, designow o trabalho (fora) como origem de todo valor, negando, dessa maneira, qualquer valor intrinseco & natureza. E hi também 0 desolador desempenho eco- gico da Unido Sovictica e de outros regimes do Leste europeu antes da ueda, que reflexo geral da omissio de Marx em s ecoldgicas d sua grande tese. do desse cariter prometéico que ocupa um igar central na critica de ecologistas a Marx. Oambientalismo aute! somos levados a acreditar, exige nada menos que a rejeigio da prépri modemidade. A acusago de ter um cariter prometéico é, portanto, uma reara obra de Marx, ¢ 0 marxismo como un todo, como uma versio extrema de modernismo, mais facilmente condenada neste particular do que o préprio liberalismo. Por isso mesmo, 0 ambientalista pés-modemo Wade Sikorski escreve que “Marx (..) foi, ‘em nossa era, um dos adoradores mais devotos da miquina. Os pecados do capitalismo deveriam ser perdoados porque (...) estavam no proceso de aperfeigoar a maq Essa alegagao de que a obra de Marx baseou-se em um “prometea- nismo” grosseiro, é bom lembrar, tem uma hist6ria muito longa, Criticos burgueses do marxismo vém hé mu gientes referéncias literdrias de Marx a0 Prometeu acorrentado, de Esquilo, para demonstrar que, por baixo de seu aparente compromisso ‘Marc e0 meio ambiente crucial lembrar que Marx nao foi 0 pensador atraido pelo mito grego de Prometeu, 0 maior heréi cultural de todo o periodo romantico e que, na cultura ocidental, representa nfo s6 a a jo ea revolta contra os deuses (contra ). Rubens, Ticiano, Milton, Blake, Goethe, Beethoven, Byron, Shelley e virios outros usaram-no como tema central em suas obras.4 , Prometeu é invocado com mais freqiténcia io que de tecnologia. E verdade que, na mito- © fogo dos eéus para a de. Mais importante para Marx, porém, era o fato de que, em prendeu-o por toda a eternidade em grithies, dos quais se libertar, Parao grande trigico Esquilo, como observa Ellen Meiksins Wood em Peasant-Citizen and Slave, Prometeu é “a personifi- oposigao ateniense a servidio e as leis arbitratias, ao resistir & eescarnecer do smo de Hermes, o mensageiro dos do mais, o que & louvado no Prometeu acorrentado, de 1a versio do mito que refletia os valores da democracia a, mas a dédiva ao homem a que a oposigao de classe entre cidadaos trabalhadores na democracia e seus adversarios aristocrdticos pode ser vista nos tratame: tos radicalmente diferentes dados ao mi pelo Prometeu acorrentado rrometeu de F’squilo, e nfo com o de nios ¢ chegando até os primérdios da a obra daqueles criticos culturais as modemnos que agora rot prometéica a toda a tradigao do Huminismo cm geral, ca Marx e espojado da maior parte de seu sentido fato de que a prdpria idéiada pelo mito grego de Prometeu, veio a ser identificada aos 164 John Belorny Foster colhos de muitos dos eriticos pés-moderos do presente com o produtivis- mo bruto e a subjugacdo tecnolégica da natureza proporciona uma ins dicasio alarmante de até que ponto a visio de mundo dominanie do capitalismo penetrou em tal pensamento, A reformulacdo clissica do mito de Prometeu, de acordo com esses prinefpios, é encontrada em Eros e ci de Herbert Marcuse, que ‘argumentou que Prometet \er6i” da cultura européia, Eomalandro sofredor) rebelde conta ox deuses, que ria cultura 0 prego de dor tena, Simbolza a produtividade,oesforgo neessanteparndotenn, ) Prometeu é 0 herdi do trabalho exaustivo, da produtividade, do Progresso na cultura atraves da tepreseto. Em oposigio a essa énfase unilateral da modernidade ocidental, Marcuse insistia em que é de alegria pessoal. (..) Reco experiéncia vivida em um mundo que + subjugado e controlado, mas libertado.® racionalidade ui ocidental como um todo (abarcando 0 ismo © © que Rey Medvedev denominou “pseudo-socialismo de Scuargumento, contudo, foi interpretado poralguns como uma lar. O texto de Marcuse é inteipre- ido que é silido se desmancha no stante, argumenta que é errado rude proponente do prometeanismo, Segundo iio € sobre trabalho lexo de desenvol rometeu e Orfeu, Jul rela primeira vez '0s de ter ambos. (..) Ele sabia que 0 ‘que passar pela modernidade, endo por ho além das contradiges teria. dela.? Ecertamente possivel argument ta Kate Soper em scu ensaio “Greening Pi ambigiiidade no “prometeanismo de Marx” que pi ser explorada ‘Marc e.omelo ambiente 165, una interptetagao ecoldgica de seu pensamento. Nao obstante, 0 que & primeira vista parece mera “ambigiiidade” seré mais corretamente compreendido como uma tensio dialética, resultante da tentativa de Marx de transcender as maneiras habituais como a producio € 0 dominio da natureza pelo homem foram descritos na tradigaio do Tuminismo, Como observou William Leiss, aluno de Mareuse, em seu indispensdvel estudo The Domination of Nature, frases como “supe- controle da natureza” ¢ “o dominio da para desenvolver natureza” eram de curso quase universal no pensamento do século XIX e, nal ‘como tal, assumiam formas variadas € complexas. O mero uso ocas desses termos por Marx ¢ Engels, por conseguinte, nao prova que el adotavam um ponto de vista produtivista extremo. Na verdade, tomadas as obras de Marx e Engels, alegava Leiss, “representam a introvi- is profunda das questes complexas que cercam controle da natureza e que é encontrada em outros trabalhios no pensamento social do século XIX ou a fortiori nas contribuigdes de periodos anteriores.” (O que ficava claro da andlise de Marx era que humanidade enatureza estavam inter-relacionadas e que a forma historicamente especifica das relagdes de produgdo constituia o Amago dessa inter-relagio em qualquer dado periodo. Ou como ele escreveu nos Manuscritos econdmico-filosé- Ficos de 1844: jem vive da natureza, isto 6, a natureza € seu corpo, ¢ tem que manter logo ini jo quiser morrer. Dizer que a vida fisica nem esta ligada & natureza igada a si mesma, porque © ment natureza Muito longe de serem meros adoradores do produt Engels des; veu 0 jover dos em relacionamentos monetarios. Em vez de uma sociedade governa- da pelo “grosseiro ‘pagamento a vista™ e pela necessidade de aumento rrupto da produtividade, ele aspirava a uma ordem social que promovesse 0 desenvolvimento multifacetado dos talentos humanos € uma relagao humana racional com a natureza, da qual somos parte. A continuacao do crescimento da liberdade humana, escreven ele na parte do terceiro volume de O capital, consistiria no “homem socializado, produtores associados, regulando racionalmente seu intercdmbio

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