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Universidade Católica Portuguesa ∆ Faculdade de Direito

Teoria Geral do Negócio Jurídico

Apontamentos das aulas teóricas do Professor Doutor Ferreira Pinto e apontamentos


das aulas práticas da Professora Mestre Maria Gabriela Páris Fernandes

Casos resolvidos & “TÓPICOS: Para uma resposta completa”

2015/2016

Aluno – Pedro Da Palma Gonçalves

Pedro da Palma Gonçalves


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1. NOÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO

Facto – Não nos debruçamos sobre o facto de vida corrente, o facto neutro, mas sim
do facto jurídico.

Facto Jurídico – Eventos a que a ordem jurídica atribui ou reconhece efeitos de


direito, podem ser: factos jurídicos naturais e factos jurídicos humanos (atos
jurídicos). Só estes segundos nos interessam, pois nos demais não há qualquer
interferência da vontade humana (chuva, vento, raio, morte, passagem do tempo).

Ato Jurídico - Manifestação da livre vontade humana a que a ordem jurídica


atribui ou reconhece efeitos de direito. Numa análise generalizada, podemos
classificá-los enquanto simples, quando o agente só goza de liberdade de celebração, ou
podemos falar de negócio jurídico (liberdades de celebração e de estipulação). Todavia,
urge tecer uns mais subtipos:

→ Ato Jurídico Simples vs. Ato Jurídico Complexo – Nesta aceção de ato
jurídico simples, temos somente um único elemento de relevância jurídica discernível,
enquanto os complexos se decompõem em dois ou mais elementos. Cabe ainda uma
maior aprofundação desta segunda subcategoria.

→ → Ato Jurídico Complexo de formação instantânea vs. Ato Jurídico


Complexo de formação sucessiva – Consoante os elementos ocorram ao mesmo tempo
ou seja irrelevante para o direito a dispersão temporal como no primeiro caso ou,
destarte, os elementos revelarem-se em momentos diferentes ou o intervalo de tempo
apresentar-se juridicamente relevante (critério - relevância jurídica da dispersão
temporal).

→ Ato Jurídico positivo vs. Ato Jurídico negativo – Predominantemente no


primeiro caso temos ações que modificam o ordenamento e, no segundo, omissões
que não o fazem. Contudo, esta bipartição não deve ser tomada à letra, visto que, como
por exemplo no caso das prescrições, a inacção pode ter um efeito juridicamente
objectivado.

→ Ato Jurídico Principal vs. Ato Jurídico Secundário – Nos principais, temos
os atos que são fonte ou causa de efeito jurídico, podendo ainda ser constitutivos,

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modificativos ou extintivos quanto aos efeitos, aquisitivos, modificativos ou


dispositivos de direitos, ou ainda adstritivos, modificativos ou liberativos de
vinculações; enquanto nos secundários estamos perante atos que não são fonte nem
causa mas que interferem nos efeitos jurídicos do ato principal, sendo classificados
como impeditivos, permissivos ou, finalmente, confirmativos.

→ Ato Jurídico Lícito vs. Ato Jurídico Ilícito – Como claro está, no primeiro
caso temos ações conforme ao Direito e, no segundo, desconformes, despoletando
assim sanções. Nota: Ilícito não se identifica com Inválido, podendo todavia coincidir.

→ Ato Jurídico Simples/Não intencional vs. Ato Jurídico Intencional (NJ lato
sensu) – No caso do ato jurídico simples, constatamos a presença de uma vontade
dirigida à prossecução de um comportamento e de um comportamento só,
independentemente do efeito jurídico que lhe seja consequência. Pelo contrário e em
acréscimo, no ato jurídico intencional estamos perante efeitos que só são
desencadeados pela norma quando a vontade se dirija, não só à conduta, mas
também ao seu resultado jurídico (vontade de acção e vontade funcional). O critério
é, portanto, a diferente relevância da vontade no regime dos efeitos do acto, mas há
que ir mais além nesta segunda figura.

→ → Ato Jurídico Intencional Determinado vs. Ato Jurídico Intencional


Indeterminado (NJ stricto sensu) - o que distingue as duas cambiantes do ato jurídico
intencional é que na primeira os agentes somente gozam de liberdade de celebração,
por o conteúdo do negócio estar determinado normativamente, pois as normas legais
são, nesta hipótese, inteiramente imperativas. Um exemplo desta modalidade é o
regime do casamento no que à esfera pessoal concerne; ao invés, na segunda hipótese, o
conteúdo está por determinar, por conseguinte, os agentes estão na posse tanto de
liberdade de celebração como de estipulação na fixação do conteúdo do NJ almejado.
As regras legais são, neste caso, meramente supletivas.

Negócio Jurídico - Ato jurídico intencional (*) em que a vontade se dirige ao


resultado jurídico, ou seja, existindo vontade de acção, vontade de declaração e
vontade funcional. Daqui se depreende, desde logo, a preponderância da vontade, nas
3 aceções supracitadas, no sucesso da qualificação do NJ (exemplos: Art. 245º e 246º do
CC). Subdivide-se em unilateral, quando só uma parte está envolvida, e bilateral ou

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multilateral (contracto). Nota: * - com conteúdo determinado ou não, consoante se


adopte a posição s.s. ou lato sensu.

Nota: a bem da clarividência, urge ainda discernir as 3 dimensões da vontade acima


elucidadas, fruto das decorrências de regime que lhe estão subjacentes:

Vontade de acção – encetar um dado comportamento exterior.

Vontade de declaração – comportamento apto a traduzir um certo conteúdo


de pensamento (declaração negocial, adiante aprofundada).

Vontade funcional – vontade, acção e declaração dirigidos à produção de


certos efeitos jurídicos. Mas a que é que se dirige, verdadeiramente, a vontade
funcional? Três teorias procuram responder…

• Concepção voluntarista: teoria dos efeitos jurídicos

• Teoria dos efeitos práticos

• Teoria intermédia: dos efeitos prático-jurídicos (CF, mais à frente


retomada, bem como a de MC)

Contracto - Negócio jurídico bilateral (muito sumariamente, pois adiante será


retomado)

Nota: como complemento de clarividência e esquematização mental, transponho para


aqui um dos organigramas facultados pelo Dr. Ferreira Pinto no âmbito da presente
cadeira:

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Um negócio que se mova no domínio do jurídico é, desde logo, distinto dos negócios
que orbitam fora dele de forma conciliável, como os de pura obsequiosidade, fruto da
vontade funcional ou negocial dos intervenientes, acompanhada de uma consciência de
juridicidade. Se ela faltar, não há voluntarismo, como na declaração não-séria, logo, há
inexistência jurídica (246º CC). Deve haver uma vontade determinante dos efeitos
produzidos pelo acto, pois o negócio jurídico corresponde sempre a uma expressão da
autonomia privada, liberdade conexa com a dignidade da pessoa humana e consagrada
constitucionalmente (1º CRP). O negócio é sempre a maior fonte de relações jurídicas.

Definição de NJ proposta por CF: ordenação autónoma de interesses particulares,


mediante emissão de uma vontade dirigida a consequências de ordem económico-
social, que são juridicamente atendidas e, como tal, tuteladas, desde que haja
consciência da juridicidade do comportamento adoptado. OU acto voluntário
através do qual, com a consciência de vinculação jurídica, se opera a ordenação
autónoma de interesses privados.

Nota: No sistema luso a visão preponderante é a normativista, em que a criação de


efeitos jurídicos – constituição, modificação ou extinção da situação ou relação jurídica
– cabe à norma, após o encaixe na sua previsão, a que se seguirão as consequências
antecipadas pela estatuição.

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2. MODALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

2.1. Negócio jurídico unilateral e NJ bilateral ou multilateral ou contrato

Antes de mais, há que distinguir entre negócios singulares e plurais: bipartição


muito simples pois traduz-se somente no número de pessoas envolvidas, no NJ
singular, uma só e, nos plurais, mais de uma. Esta última categoria subdivide-se ainda
em 3 subcategorias, os NJ plurais bilaterais ou contratos (contraposição de
interesses e articulação de declarações), os NJ conjuntos (declarações paralelas,
simultâneas, de conteúdo equivalente, na prossecução dos mesmos interesses) e
deliberações (declarações simultâneas cujo conteúdo raramente é coincidente mas
sim harmonizado, sendo próprio dos órgãos colegiais, como as assembleias).

A primeira aproximação a um critério de distinção entre NJ unilateral e


contrato é através das partes - ou “lados” do negócio, posições que perante os
interesses regulados no negócio ocupam os seus autores – envolvidas no mesmo.
Segundo esta visão, quando apenas uma parte actua estamos perante um NJ unilateral e,
quando duas ou mais produzem o NJ, perante um contrato, bilateral ou até plurilateral.
Mas como “parte” diverge de “pessoa”, a definição é insuficiente (por exemplo, um NJ
unilateral pode ser plural quanto ao número de pessoas, quando as declarações são
paralelas). A segunda aproximação utiliza o conceito de declaração: quando estamos
perante uma única declaração – ainda que produzida por várias pessoas (paralelas) – o
NJ será unilateral, como já referido. Pelo contrário, nos contractos, haverá várias
declarações de vontade, necessariamente contrapostas (solução para CF). Mas o que são
declarações contrapostas? Alegadamente, “traduções” de diferentes interesses: no
contracto, divergentes, e no NJ unilateral, coincidentes. Mas a problemática continua
para alguns autores, como MC, fruto da extrema dificuldade em discernir qual o

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verdadeiro intuito subjectivo pertencente a cada interveniente no NJ unilateral ou no


contracto.

Solução para Menezes Cordeiro – Efeitos

→ NJ unilateral: Os efeitos não diferenciam as pessoas que nele interferiram (ainda


que todos os 3 aspectos anteriormente referidos tendam a se verificar, ainda que não de
modo fatal). Exemplos: testamento, renúncia ou confirmação. Estes NJ ficam, desde
logo, perfeitos com a simples manifestação de vontade do declarante.

→ Contrato: Os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, surgindo, a cargo de


cada interveniente, regras próprias, que devem ser cumpridas e podem ser violadas,
independentemente umas das outras. São originadas situações jurídicas plurissubjectivas
complexas. Exemplos: compra e venda, doação, sociedade ou casamento.

Solução para CF – Articulação das declarações (posição dos autores perante


interesses regulados no negócio da sua autoria, espécie de exteriorização dos
interesses)

→ NJ unilateral: quando uma ou várias vontades e declarações orientam-se num


mesmo sentido e estão entre si ligadas por corresponderem ao mesmo interesse.
Não há tratamento diferenciado na regulação das relações entre as partes. Exemplo:
instituição de uma fundação.

→ Contrato: Sendo os interesses divergentes, as declarações diversamente


orientadas têm de alcançar um acordo de vontades (232ºCC a contrario sensu), um
ponto comum em que, após atarefada articulação, um concílio se observe (nunca
sanando as diferenças, só harmonizando). Exemplo: contrato de compra e venda.

Nota: apesar destas divergências, o comum mantém-se quase sempre – nos negócios
unilaterais há 1 parte envolvida, 1 declaração (ou declarações paralelas) e 1 interesse,

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enquanto nos contratos ou negócios bilaterais ou multilaterais há 2 ou mais partes, 2 ou


mais declarações e vários interesses que intentam alcançar um acordo de vontades que
permita estruturar as bases do negócio.

Nota: Uma das decorrências jurídicas mais determinantes desta destrinça é o princípio
de livre revogabilidade dos NJ unilaterais (461ºCC), e a revogabilidade mediante
acordo dos contratos (406º nº1 2ª parte).

2.2. Principais modalidades do contrato

2.2.1. Típico e atípico

Um negócio típico é aquele que tem uma disciplina específica na lei (atenção,
que tipicidade difere de imperatividade). Se, porventura, não optar por nenhuma forma
fixada pelo ordenamento, for criado de raiz e agir por consenso, numa máxima
expressão das liberdades de celebração e de estipulação, é intitulado de negócio atípico.
Podem ainda ser mistos, quando engendram elementos de ambos os quadrantes. Há
quem ainda fale, como MC e CF, de “tipos sociais”, negócios que, ainda que não
tipificados legalmente, recebem um figurino comum pela prática quotidiana e jurídica.

Nota: Questão de maior dificuldade é dilucidar quando é que deixa o negócio básico de
ser típico, sendo que para tal há que atender a quais os elementos nucleares que o
tornam, nessa acepção, típico, e quais os acessórios que, apesar de apostos ao negócio,
não ferem a sua tipicidade.

2.2.2. Nominado e inominado

A nominação de um negócio está simplesmente relacionada com a existência ou


inexistência de um nomen iuris. Exemplo: Negócio de compra e venda de bens imóveis
é típico e nominado (um negócio típico é sempre nominado, mas um NJ nominado nem
sempre é típico, como, por exemplo, o contracto de swap).

2.2.3. Sinalagmático, não sinalagmático e contracto bilateral


imperfeito

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Também chamados de unilaterais ou bilaterais pelo nosso CC, numa acepção


naturalmente distinta da do ponto 2.1. Por sinalagmático (bilateral) entende-se o
contrato que dê lugar a obrigações recíprocas, ficando as partes simultaneamente
devedores e credores. A obrigação de cada um é a causa da outra, são
juridicamente interdependentes (segundo o entendimento técnico de obrigação –
397ºCC). Exemplo: Compra e venda, temos da parte do vendedor a constituição da
obrigação de entrega da coisa e, do comprador, a adstrição ao pagamento do preço; um
contrato não sinalagmático (unilateral) é aquele em que se faculte somente uma
prestação, ou seja, uma parte fica completamente vinculada enquanto a outra
permanece independente. Exemplo: doação e mútuo (pois, ainda que oneroso, o juro
recai somente pela única parte que se encontrava adstrita ao cumprimento da
obrigação). Sinalagma=vínculo, sendo que quando se constitui na formação do negócio
é denominado sinalagma genético. Quando não surge, podendo sobrevir obrigações
para ambas as partes no decurso do NJ mas não sinalagmaticamente de origem ou
juridicamente geminadas, temos um contracto bilateral imperfeito (exemplos:
mandato ou depósito). Importantes consequências de regime da bilateralidade
(contractos sinalagmáticos): excepção de não cumprimento (428º CC) e a condição
resolutiva tácita (801º nº2 e 808º CC).

2.2.4. Monovinculante e bivinculante

Conforme haja vinculação de apenas uma ou de ambas as partes envolvidas


no negócio. Não se confunde com a dicotomia anterior, pois mesmo num contracto
sinalagmático – em que existam obrigações recíprocas e interdependentes – apenas uma
das partes pode estar vinculada à sua efectivação. Exemplo de contracto sinalagmático
monovinculante: contrato-promessa unilateral (411º CC) – em que o sinalagma é a
necessária declaração de ambos para a concretização do contracto definitivo, mas só
uma das partes promitentes fica obrigada a contractar, o promitente-vendedor, não o
promitente-comprador.

2.2.5. Inter vivos e mortis causa

Os negócios mortis causa são somente os do domínio sucessório, os negócios


em que a morte é a causa da produção de efeitos desejada pelo de cuiús, tais como o
testamento ou o pacto sucessório. Há que ter em atenção ao inferir a causalidade, pois aí

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está a chave da destrinça. Todos os outros são negócios inter vivos (no que à sua causa
concerne, pois, como é óbvio, não há negócio que não seja elaborado “entre vivos”).

2.2.6. Consensual e formal (219º CC – princípio do consensualismo)

No ordenamento português, através do artigo supracitado, predomina o


consensualismo ou liberdade de forma, o princípio pelo qual os negócios se concluem
pela simples manifestação de vontade (forma voluntária s.s.), independentemente da
forma como esta se exteriorize. Um negócio consensual é um negócio que não cai em
nenhuma previsão e estatuição definidora de forma, mas nasce por simples
consenso. É formal o negócio pelo qual a lei exija ritual específico na exteriorização
da vontade (formalidade ex lege – forma legal), e este postulado prende-se com
motivos de ordem pública, de tutela do tráfico jurídico, de cognoscibilidade, de
consciencialização, de facilitação da prova, enfim, de segurança jurídica. De salientar
ainda que, regra geral, a forma legalmente prescrita é somente a mínima exigida,
podendo as partes substituí-la por diversa, desde que não inferiormente solene (363º e
364º CC). A inobservância de forma legal conduz ao denominado vício de forma
gerador, como sabido, de nulidade (220º e 286º CC).

Nota: A terceira modalidade de forma do negócio, a forma convencional (223º,


englobável na forma voluntária lato sensu) é, como faz todo o sentido, enquadrável no
âmbito da liberdade de forma consensualista na medida em que radica na livre vontade
das partes em celebrar o NJ com uma estipulada solenidade.

2.2.7. Real e não real ou consensual, quanto à constituição (negócios


reais quoad constitutionem)

O NRQC caracteriza-se pela circunstância de a sua perfeição depender, para


além da manifestação de vontade, formal ou não, da obrigação da entrega da coisa
(traditio). O negócio real é aquele que exige não só os requisitos comuns da definição
de negócio jurídico, como também a transferência do bem (a datio rei, segundo a
terminologia romana). Exemplos: doação de coisa móvel não reduzida a escrito, a
parceria pecuária, o comodato, o depósito e o mútuo, em que os contractos, só ficam
perfeitos com a entrega da coisa. Nota: Grande questão surge após a indagação da
possibilidade de existência de NJ tipicamente NRQC perfeitos sem traditio, apenas
por consenso das partes. A parte dominante da doutrina responde afirmativamente,

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sem haver qualquer interpretação correctiva, havendo somente um acentuar da


autonomia privada e liberdade dos contraentes, mas sempre após uma análise casuística,
pois não é por acaso que os NRQC requerem a tradição da coisa (consciencialização
acentuada do ato do contraente). De salientar que qualquer NRQC atípico sofre, para os
tradicionalistas, de um vício de invalidade (nulidade do 294º CC, passível de conversão
através do 293º em, por exemplo, contrato-promessa de mútuo) ou até de inexistência.
Na hipótese consensual a perfeição do NJ depende somente do acordo de vontades e de
nada mais.

Nota: Exemplos de negócios reais quanto à constituição: comodato (1129º), mútuo


(1142º), depósito (1185º), penhor (669º), doação de coisa móvel não reduzida a escrito
(947º nº2), parceria pecuária (1121º CC), reporte (477º Código Comercial). Todavia, só
a determinados institutos se admite a possibilidade de modalidades atípicas
(consensuais) de negócios tipicamente reais - casos do comodato, mútuo e depósito.

2.2.8. Quanto aos efeitos: real (real quoad effectum), obrigacional,


familiar ou sucessório, segundo CF

Consoante o tipo de eficácia que dêem lugar seja real, obrigacional, familiar ou
sucessório ou dele resulte a constituição, modificação ou extinção de uma relação
jurídica ou direito tal, tal, tal ou tal. No domínio obrigacional o mais relevante é o
contrato de compra e venda que produz a obrigação de entregar a coisa vendida e de
pagar o preço para se dar a transmissão do direito de propriedade, no real o usufruto da
coisa, no familiar o casamento ou a convenção antenupcial e no sucessório o
testamento, a aceitação, o repúdio ou o pacto sucessório.

2.2.9. Causal e abstracto; negócios presuntivos de causa (art.º 458.º


n.º 1)

Por princípio, as obrigações são sempre causais, pois apresentam uma


identificabilidade da pretensão e da sua fonte, ou seja, da justificação contratual
da obrigação - segundo uma parte da doutrina. Outra parte da doutrina, como CF,
identifica os NJ causais como os que dependem, na sua identidade, qualificação e
regime atribuído, de uma causa-função que lhe é própria (ver Nota abaixo). Quando
tal não é necessário, como nas zonas onde impera a tutela da confiança, temos negócios

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abstractos, ou seja, cujo tratamento jurídico se abstrai da causa que lhe subjaz.
Temos o exemplo dos NJ cartulares, em que a eficácia deriva de títulos de crédito que
subsistem independentemente da fonte (por exemplo, letras de câmbio). Para lá desta
bipartição, destacam-se ainda os presuntivos de causa, explanados no art.º 458.º n.º 1
do CC. De salientar que não está em causa a existência, ou não, de causa do negócio,
mas da necessidade ou dispensa do seu conhecimento para a viabilidade do mesmo.

Nota: Quando falamos de Causa, podemos adoptar a sua concepção objectiva


ou subjectiva. A primeira é dominada pela ideia da função económico-social
realizada por cada negócio ser a sua causa (quem quiser permutar algo por dinheiro,
deverá efectuar um contracto de compra e venda, quem quiser trocar coisa por coisa fará
uma troca ou escambo – causa-função) e, a segunda, pela correlação entre causa e
motivos típicos (comprar para obter a propriedade de alguma coisa, doar para atribuir a
outrem um benefício patrimonial, por exemplo). É a concepção objectivista a mais
consagrada no sistema português.

2.2.10. Oneroso e gratuito (Artigo 237.º e 291.º)

Um negócio é oneroso quando implique esforços económicos de ambas as


partes, com vantagens e desvantagens patrimoniais correlativas. Exemplo: na
compra e venda, no plano das atribuições, o vendedor vê nascer na sua esfera jurídica
um direito de crédito sobre o preço enquanto o comprador adquire o direito de
propriedade sobre o bem; no que às perdas concerne, o vendedor vê-se privado do
direito de propriedade sobre o bem, com as suas inerentes faculdades de uso, fruição e
disposição e adstrito à obrigação de entrega da coisa e, finalmente, o comprador
encontra-se na obrigação de pagar o preço acordado o que o privará da faculdade de
disposição do mesmo; pelo contrário é gratuito quando cada uma das partes retire
dele somente benefícios ou sacrifícios. Exemplo: doação, em que só uma parte, o
donatário, retira benefício patrimonial do negócio, a aquisição derivada translativa do
bem, enquanto o doador sofre somente o prejuízo patrimonial de perda do direito de
propriedade do bem. De salientar ainda que o critério de averiguação da correlatividade
é o princípio da equivalência subjectiva. Se englobar elementos de ambos os edifícios
jurídicos, diz-se misto.

2.2.11. De disposição e de administração, segundo MC

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Nesta averiguação, há que analisar a afectação às esferas jurídicas. Num acto


de administração dá-se exclusivamente uma modificação secundária ou periférica do
conteúdo de certo direito, enquanto que no negócio de disposição é a própria existência
do direito que é posta em causa – não a sua orla, mas o seu núcleo duro. Contudo, há
sempre que atender à natureza e condição da esfera jurídica em questão, na medida em
que, por exemplo, o corte de árvores de uma floresta pode ser um ato de administração
num prédio rústico, mas um ato de disposição num prédio urbano.

2.2.12. Comutativo e aleatório

Comutativo é o negócio oneroso que todas as atribuições das partes são, desde
a celebração do negócio, determinadas ou determináveis, em termos de nenhuma
delas ficar dependente de qualquer facto futuro e/ou incerto. Exemplo: quando A
vende certo prédio a B por um determinado preço. Quando, ao invés, um NJ envolve
um grau de risco (álea) para uma ou ambas as partes, ficando sempre na dependência
de facto futuro, em termos de só uma ou nenhuma alguma vez se realizar, designa-se
por aleatório. Exemplo: apostas desportivas ou contrato de seguro.

2.2.13. A título singular e a título universal

Nota: Convém relembrar a distinção doutrinal entre universalidades de facto e


universalidades de direito. A primeira constitui a pluralidade de bens singulares que
podem ser agrupados e destinados segundo a vontade de uma pessoa. O exemplo mais
comum de universalidade de facto é uma biblioteca, pois estamos perante uma
pluralidade de bens (livros) de uma mesma pessoa jurídica (Estado ou particular)
agrupados e destinados segundo a vontade dessa pessoa (acessibilidade da informação).
Por sua vez, a universalidade de direito, é composta por um complexo de bens cuja
finalidade é determinada por lei. O exemplo mais comum é a herança, em que uma
consequência natural deste regime é a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do
património do de cuius, já que estamos perante a transmissão mortis causa de um
património geral autónomo e não separado, situação que não se verifica quanto ao
legado (2030º CC). Então…

O NJ a título universal respeita a uma universalidade de direito ou a uma


fracção aritmética dela (parte alíquota, parte que cabe um certo número de vezes no
todo), abrangendo a totalidade do activo e passivo desse conjunto patrimonial. Nele, só

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uma partilha transforma o direito sobre a universalidade de direito numa pluralidade de


direitos sobre coisas singulares compreendidas na universalidade. Os restantes negócios
(incidem sobre bens especificamente considerados; uti singuli) são conhecidos como a
título singular e o acesso aos mesmos poderá ser directo e imediato, ao contrário do
ocorrido no NJ a título universal.

2.2.14. Duradouros e instantâneos

Os primeiros remetem-nos para relações jurídicas duradouras, que se


destinam a satisfazer interesses permanentes e, por isso, a perdurar enquanto estes
se mantiverem, dado que a duração tem específico significado jurídico. Por seu turno,
os NJ instantâneos constituem, bem entendido, relações jurídicas instantâneas ou
transeuntes, geralmente de curta duração, que se extinguem pelo cumprimento dos
deveres correspondentes. A classificação é especialmente importante quanto às
relações obrigacionais, dado que as relações obrigacionais duradouras não se extinguem
pelo cumprimento é esta, geralmente, a modalidade de maior relevo, apesar das
insuficiências de regime positivo.

2.2.15. Solenes e não solenes

Um NJ é solene quando a lei exija forma especial para a sua celebração. Caso
a caso, há que averiguar se o negócio em causa admite qualquer meio de transmissão
da manifestação de vontade, consagrando a liberdade de forma, ou se, em fuga ao
princípio consignado no 219ºCC, impõe uma forma concreta para aquele tipo de
negócio. Se a exigência de forma não for respeitada, a consequência jurídica é a
nulidade da declaração negocial, como nos postula o 220º CC. Atenção a duas coisas:
primeira, só a forma legal é forma solene, nunca as formas voluntárias ou
convencionais; segunda, nem todas as exigências de forma especial ex lege devem ser
tomadas acriticamente. Por exemplo, apesar do 875º CC estipular a escritura pública ou
o documento particular autenticado como requisito formal legal (solenidade) dos
negócios de compra e venda de bens imóveis, esta imposição deve somente ser atendida
quando do NJ resulte eficácia real. Se dele somente resultarem efeitos obrigacionais
sobre o imóvel objecto do negócio, a forma ex lege não será requerida.

2.3. Pressupostos do Negócio Jurídico

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Quando falamos de pressupostos do NJ, falamos de realidades


ontologicamente anteriores, ou seja, de elementos jurídicos extrínsecos
indispensáveis ao início da formação do ato negocial. Sem a sua presença, pura e
simplesmente não temos qualquer NJ, tido como tal. Estas realidades infungíveis são
subdivididas num elemento subjectivo, as pessoas, e num elemento objectivo, os bens.
O primeiro prende-se com a necessidade premente de num qualquer NJ intervir sempre
uma pessoa, ainda que o NJ seja unilateral e estamos somente perante um declarante e
um terceiro imediatamente interessado. O segundo elemento figura nesta lista na medida
em que o NJ produz efeitos sobre bens, pois constitui, modifica ou extingue situações
jurídicas que envolvem a afectação desses bens à satisfação de interesses de
determinadas pessoas. Impera, todavia, uma análise mais detalhada de cada um deles.

2.3.1. Pressuposto subjectivo → as partes

Já referida a propósito da classificação de NJ como unilaterais, bilaterais ou


plurilaterais, a concepção de parte está conexa com a ideia de “lado” do NJ e da
titularidade de certos interesses regulados no NJ (não obstante fenómenos de
substituição de vontade como a representação ou transmissão de posição de parte inter
vivos ou mortis causa). Um negócio pode ter uma, duas, ou mais partes, sendo fácil nos
mesmos escrutinar entre quem emite a declaração negocial e aquele ou aqueles que a
recepcionam. O emissor da declaração negocial é conhecido como declarante, ou
autor da declaração, ou ainda agente, que no NJ regula os seus interesses. O alvo dessa
mesma declaração é concebido como destinatário ou declaratário. Nos NJ bilaterais
ou plurilaterais temos presentes estes dois sujeitos do ato negocial, na medida em que a
perfeição do referido NJ depende do cruzamento de duas ou mais declarações de ambas
as partes, sendo cada uma delas, a seu tempo, declarante e declaratário, na sucessiva
emissão de propostas e contrapropostas. Nos NJ unilaterais, continua a fazer sentido
esta dicotomia, mas com a ressalva de que o declaratário não é parte do negócio mas um
mero terceiro imediatamente interessado, pois o ato é perfeito somente com a
manifestação de vontade do declarante.

Uma questão pode surgir atinente à possibilidade de existência, ou não, de NJ


sem destinatário. Várias ordens de razão abonam a favor da aceitação de tal
entendimento, antes de mais uma ordem positiva, pois o CC claramente estabelece tal
bipartição no seu 224º. No plano dogmático mais uma vez se revela a sua coerência,

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pois, na verdade, é factual que o conhecimento de um NJ pode afectar a eficácia do


mesmo, como no testamento cerrado (NJ unilateral) que nunca é encontrado pelos
destinatários, mas nem por isso perde qualquer valia jurídica. A ausência de
destinatário, não diminui de qualquer forma o seu poder vinculativo, a relevância que
lhe atribui o ordenamento, como tal, apesar das reservas de eficácia, pode um NJ não
ter destinatário e ser perfeitamente válido. De denotar que parte aparece muitas vezes
irmanado com a ideia de interesse, mas apesar de ser regra, nem sempre é
conclusivamente verdade, por força de fenómenos como a representação. A existência
de NJ sem destinatário admitida por Carvalho Fernandes, não é perfilada por
Ferreira Pinto, que, afirmando o princípio da bilateralidade ou relatividade dos
contratos, sublinha que os negócios têm sempre um destinatário, este poderá é ser
indeterminado, mas tal facto não fere a validade do negócio.

Nota: Neste domínio cumpre estabelecer a dicotomia entre negócios recipiendos e não
recipiendos: nos primeiros o conhecimento por parte do destinatário é condição de
eficácia do negócio, como na ratificação dos negócios ineficazes ou na revogação de
mandato, enquanto nos segundos basta a exteriorização do declarante e o negócio
torna-se plenamente eficaz, como no testamento ou na instituição de uma fundação.
De salientar que NJ recipiendo não se confunde com contrato, mesmo que a eficácia
daqueles dependa da aceitação dos destinatários. Na verdade, não há aí qualquer acordo
de vontades ou negócio jurídico autónomo, mas mera condição de eficácia do negócio,
sendo que o contrato implica ontologicamente um consenso de declarações.

Cabe ainda uma última referência à figura dos terceiros. Muito genericamente,
são entendidos como terceiros ao negócio todos os estranhos ao mesmo, ou seja, todos
cujos efeitos lhes são alheios, não os beneficiando nem prejudicando de forma alguma.
Contudo, e aqui urge uma explicação mais aprofundada, há casos em que terceiros (na
acepção de estranheza ao NJ) podem ser implicados, em termos favoráveis ou
desfavoráveis no negócio, aparentemente contradizendo a concepção classicista do
406º nº2. Há, então, “terceiros e terceiros”, numa contestação crescente à ideia clássica
de que o NJ não pode produzir efeitos quanto aos que não lhe constituam parte,
surgindo a nova teoria do dever geral de respeito. Esta posterga que nenhum ato jurídico
é, na verdade, indiferente para terceiros, já que todas as pessoas têm o dever de não
interferir nas suas regulações relacionais, ainda que sejam obrigacionais. A doutrina
divide, enfim, este instituto em quatro posições distintas:

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→ Terceiros imediatamente interessados – pessoas directamente atingidas


pelos efeitos de certo acto jurídico. Exemplos: aqueles a quem um NJ unilateral é
dirigido ou cujo conhecimento interessa, ou o beneficiário de um contracto a favor de
terceiro (443º CC).

→ Terceiros mediatamente interessados – pessoas que de modo indirecto ou


eventual são afectadas na sua esfera jurídica pelo NJ de outrem. Se for de alguma
forma atingido de forma negativa, essa pessoa goza dos instrumentos de nulidade ou
anulabilidade dos artigos 286º e 805º do CC como defesa enquanto “interessados”, ou,
no caso dos credores perante a venda suspeita do património do devedor, da
impugnação pauliana do 610º CC.

→ Terceiros auxiliares – quem coopera na feitura do ato, como os


intervenientes acidentais (interpretes, peritos, ou outros), os cooperantes (pessoas
chamadas pelas partes para praticarem certos actos relacionados com o NJ), os
colaboradores (empregados a quem o autor da declaração manda escrevê-la, por
exemplo) e núncios (encarregados de transmitir a vontade em nome do autor da
declaração).

→ Terceiros indiferentes – Todos os demais.

Nota: esta dicotomia entre partes e terceiros tem fortes consequências a nível de
regime, como a inoponibilidade face a terceiros de direitos obtidos em negócios reais
relativos a coisas sujeitas a registo (291º CC).

2.3.2. Pressuposto objectivo -> o objecto ou bem (280º e ss. CC)

Cabe agora um espaço dedicado à análise do elemento objectivo dos


pressupostos do NJ. Como é sabido, o NJ pressupõe um bem sobre que incidam os
efeitos por ele produzidos, mas antes de mais, há que esclarecer o conceito de
objecto/bem. Para tal, convém sublinhar que a polissemia da palavra “objecto” estende-
se do campo literário para o campo jurídico. Dois entendimentos afiguram-se como
possíveis à luz do nosso ordenamento jurídico:

→ Objecto em sentido jurídico – o conjunto de efeitos que o negócio visa


produzir, o seu “conteúdo”. Este é também denominado de objecto imediato do NJ.

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→ Objecto em sentido material – plataforma social sobre que recaem os


efeitos do negócio, enquanto “realidade afectada”. Esta segunda modalidade é também
designada por objecto s.s., (coisa ou prestação) ou objecto mediato do NJ.

Contudo, para a existência de um NJ como tal não basta a existência de um


mero objecto, na medida em que o mesmo deve respeitar certos requisitos, que o
tornem idóneo enquanto negócio. Quais são, então, esses requisitos de idoneidade? O
artigo 280º do CC, ao contrário do que aparenta, não no-los dá, estatuindo somente as
consequências da falta de idoneidade, posto que só um argumento a contrario sensu nos
extrai os três requisitos legais:

→ A licitude – a licitude prende-se com a conformidade do ato jurídico com


a lei, e ilicitude dá-se em situações diametralmente opostas. No plano do objecto
negocial, podem-se distinguir duas situações, uma de ilicitude do objecto jurídico (do
conteúdo do negócio), quando a lei não permite que sobre certa realidade possam incidir
determinados efeitos do NJ (como em todos os NJ dominados pelo princípio da
tipicidade), e outra de ilicitude do objecto material (coisa ou prestação), quando, por
disposição legal, certa realidade não pode comportar-se como seu objecto (como nos
contratos de jogo ou aposta ilícita). Será que o nº2 do 280º é autonomizável como
modalidade de idoneidade do NJ? CF responde que não, pois um NJ contrário à
ordem pública ou ofensivo dos bons costumes é perfeitamente reconduzível a uma
subcategoria de ilicitude. Para tal, invoca a bipartição de Castro Mendes, entre
Ilicitude imediata ou s.s. (ato directamente contrário a um preceito legal) e ilicitude
mediata (ato contrário a ordem normativa extrajurídica - ou ordem pública - mas
recebida pelo Direito, onde se incluiria a categoria do 280º nº2, mais própria de
prestações), cuja fusão constitui a ilicitude lato sensu, segundo este mesmo professor e
defendida por CF como decididamente de acolher. Como tal, seria violador dos bons
costumes um NJ destinado a pagar favores íntimos, e contrário à ordem pública um
contrato constitutivo de garantias por tempo ou valor indeterminado. Ainda outra
distinção há a elaborar no domínio da ilicitude:

Nota: Ordem pública vs. Bons costumes – o primeiro apela a uma interpretação
sistemática no âmbito da esfera pública, pois remete para os princípios fundamentais do
ordenamento, enquanto o segundo para as regras da moral social, familiar e sexual da
esfera privada.

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→ → Ilicitude Directa vs. Ilicitude Indirecta – quando um negócio


ofende directamente uma norma jurídica sendo, claramente, contra legem, fala-se em
ilicitude directa, onde se inclui latamente a impossibilidade legal; quando o NJ procura
evitar esse comando, contornando-o, celebrando um negócio directamente permitido
para alcançar um resultado legalmente interdito por via indirecta, falamos de
ilicitude indirecta, ou de fraude à lei. A norma imperativa, na verdade, não veda apenas
a acção por si tipificada, mas qualquer acção tendente à produção do resultado ilícito.
Nestes casos há, ainda, a adstrição ao dever de indemnizar o contraente de boa-fé pelo
interesse contratual negativo (227º).

→ A possibilidade – um negócio que não seja possível é, desde logo, inidóneo,


e, quando referente a coisas ou prestações, falamos de impossibilidade do objecto
material do negócio. Neste requisito do pressuposto objectivo do NJ várias destrinças à
que delinear:

→ → Impossibilidade originária vs. Impossibilidade superveniente –


consoante a impossibilidade se revele no momento da celebração do NJ ou
posteriormente, sendo que a primeira é a mais relevante juridicamente, apesar dos
regimes dos artigos 790º e ss.. Nesta modalidade relevante de impossibilidade, há ainda
adstrição do devedor a indemnizar o credor, sendo debatida a natureza positiva ou
negativa da mesma (responsabilidade contratual – incumprimento da obrigação ou
venire contra factum proprium, ou responsabilidade pré-contratual – fuga aos deveres
de informação).

→ → Impossibilidade objectiva vs. Impossibilidade subjectiva – o


primeiro caso enquadrar-se-ia nas situações em que a generalidade das pessoas
não poderia efectuar a prestação, a segunda, nos casos em que só o devedor não o
poderia fazer. Em geral, só a vertente objectiva gera inidoneidade por impossibilidade,
já que, por exemplo, a prestação de coisa fungível pode sempre ser realizada por outras
pessoas que não o devedor.

→ → Impossibilidade absoluta vs. Impossibilidade relativa – Consoante


a impossibilidade seja efectivamente total ou haja uma mera dificuldade ou
onerosidade excessiva para o devedor, esta, raramente atendível juridicamente.

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→ → Impossibilidade definitiva vs. Impossibilidade temporária –


Caso o obstáculo que inviabiliza o objecto do NJ possa ou não ser removido
(exemplo de impossibilidade temporária é um determinado volume de compras em
tempos de racionamento alimentar).

→ → Impossibilidade física da coisa vs. Impossibilidade física da


prestação – No primeiro caso temos um NJ que incide sobre algo que não é coisa em
sentido jurídico, como o contrato de compra e venda ou locação de um terreno em
Marte (202º nº2 CC), ou que incida sobre algo simplesmente inexistente
materialmente. Não há a fazer confusão quanto ao regime das coisas presentes e
futuras, perfeitamente válidos, mas das puramente inexistentes, como o da venda de um
poço de petróleo como coisa futura num local onde tal recurso fóssil não existe (só
válido se o contrato for de natureza aleatória – 808º nº2 CC, 880º e 881º). O segundo
caso remonta a situações em que a conduta seja de tal modo difícil que se afigure
impossível para o comum dos mortais.

→ → Impossibilidade legal da coisa vs. Impossibilidade legal da


prestação – Na primeira impossibilidade poder-se-á falar na impossibilidade do
objecto negocial sobre coisas fora do comércio, como os bens públicos face ao
mercado privado, ou na hipoteca de coisa móvel não registável, ou a constituição de
propriedade horizontal sem preenchimento dos requisitos legais do 1415º do CC; a 2ª
levantar-se-ia quando a lei ergue sobre o objecto um obstáculo tão inultrapassável
como as leis da natureza face aos fenómenos naturais impossíveis, como a promessa
de venda de herança de pessoa viva, ou a transferência da propriedade para quem já é
proprietário de tal direito.

Nota: Impossibilidade legal vs. Ilicitude: na primeira temos um ato de todo inviável
na sua prática, na segunda um ato que o ordenamento não tem como impedir, mas cuja
prática entrará em rota de colisão com uma norma injuntiva (consequência natural,
nulidade, 294º).

Urge dilucidar, desde já, que o enquadramento de uma modalidade de


impossibilidade em qualquer um dos subtipos “superveniente”, “relativo”, “subjectivo”
ou “temporário” dá somente origem à impossibilidade de cumprimento do contrato, e

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não à nulidade fixada pelo artigo 280º CC, ao contrário das respectivas contrapartes,
como postulado pelos 400º e 401º.

→ A determinabilidade – pode redundar, tal como os requisitos do bem


anteriormente apresentados, em indeterminabilidade do objecto material (coisa ou
prestação) ou em indeterminabilidade do objecto jurídico. Para o objecto ser
determinado, deve estar claramente plasmado e individualizado no NJ. Se não o
estiver, havendo meras referências vagas e não autonomizadoras, o negócio dá-se por
indeterminado e chumbado no último requisito da idoneidade do objecto negocial.
Atenção que o objecto não tem de ser, necessariamente, sempre determinado,
desde que haja mecanismos jurídicos supletivos aptos a determiná-lo em caso de
necessidade jurídica, ou seja, quando não houver objecto determinado, mas
determinável. O contraente de boa-fé deve, caso se verifique a indeterminabilidade, por
fim, ser indemnizado pela frustração da sua confiança, nos termos do interesse
contratual negativo da culpa in contrahendo (227º CC).

As consequências jurídicas do não preenchimento de um dos requisitos da


idoneidade do objecto negocial são a nulidade do negócio (280º CC),
independentemente das partes conhecerem ou não o vício do negócio (401º nº1 e 294º
CC), sendo a única excepção de regime a, já referida, aleatoriedade do negócio (880º e
861º - 939ºCC).

2.4. Formação do conteúdo

Na fixação do conteúdo negocial aludido pelo 405º CC, dois elementos fulcrais
intervêm: um deles assumindo indelevelmente o papel principal decorrente do
voluntarismo que preenche o nosso ordenamento e do próprio princípio da
autodeterminação e o outro, intervindo de forma ora imperativa ora supletiva, consoante
o conteúdo do negócio jurídico e a profundidade ou exaustividade do mesmo. Falamos
da Vontade e da Lei, passemos, enfim, à sua dissertação.

2.4.1. O papel da Vontade

Antes de progredirmos na análise da formação do conteúdo do negócio jurídico,


é importante sublinhar que a vontade é, no nosso ordenamento, sem sombra de dúvida, a

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fonte primordial do conteúdo dos negócios jurídicos celebrados, por força de princípios
estruturantes como o explanado no artigo 405º - a liberdade contratual. Princípio que
se pode considerar dissecado de supraprincípios como a autonomia privada ou a
autodeterminação da pessoa humana. Estes dois elementos basilares do privatismo
contemporâneo manifestam-se, essencialmente, em duas dimensões fundamentais,
cuja compreensão na íntegra é absolutamente indispensável para a compreensão desta
teia, quantas vezes intrincada, que é o ordenamento jurídico:

→ Liberdade de celebração – esta liberdade fundamental desdobra-se em duas


(ou três) manifestações cruciais do princípio da autonomia privada, uma positiva e uma
negativa (e uma liberal, adiante explanada), a saber, a liberdade de celebrar negócios
jurídicos e a liberdade de não celebrar negócios jurídicos. A pessoa pode
tendencialmente celebrar todos os negócios jurídicos que quiser, se assim quiser, sendo
totalmente restringida a maior parte das pressões jurídicas para tal. Todavia, tanto a sua
vertente positiva como a negativa sofrem limitações legais ou convencionais. Como
coarcte convencional da liberdade de contractar temos figuras como o pacto de
preferência (414º), o contrato promessa (410º e 830º CC) ou o mandato sem
representação (1181º nº1 CC)e. Pelo contrário, como coarcte legal da liberdade de
contractar, podemos falar em casos de inalienabilidade convencional (577º CC, 1488º
CC) ou adstrições ao dever de contratar, muitas vezes com a ilícita recusa resultante em
abuso de direito. Pode-se ainda falar da referida terceira manifestação, a liberdade de
escolher com quem se celebra o negócio, ou seja, de selecção do outro contraente,
liberdade essa que partilhe de certas limitações supracitadamente explicitadas, tais como
o pacto de preferência.

→ Liberdade de estipulação – este segundo subprincípio da autonomia


contratual, é o que mais directamente diz respeito à matéria de formação do conteúdo do
negócio jurídico. Segundo ele, podem as partes fixar livremente o conteúdo dos
contractos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver. Esta liberdade constitui
uma verdadeira pedra de toque do próprio conceito de negócio jurídico, na medida em
que, como já referido a respeito dos actos intencionais de conteúdo indeterminado, é a
sua presença que dá lugar ao entendimento s.s. do negócio jurídico, excluindo da sua
verdadeira acepção negócios cujo conteúdo esteja previamente tipificado por normas
legais, como o casamento (na sua dimensão pessoal). A sua necessidade ou
secundariedade para a existência de um puro e verdadeiro negócio jurídico, para lá da

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liberdade de celebração, é um dos debates mais acesos do privatismo, mas a doutrina


tem-se inclinada para a acepção ampla de negócio jurídico, a que o identifica com mero
ato jurídico intencional, onde estamos perante efeitos que só são desencadeados pela
norma quando a vontade se dirija, não só à conduta, mas também ao seu resultado
jurídico (somando vontade de acção, de declaração, e vontade funcional). Este princípio
tem a sua maior concretização no âmbito dos negócios obrigacionais, sendo que nos
ramos reais, familiares, sucessórios ou do trabalho (Direito Privado em especial) sofre
maiores restrições.

2.4.2. O papel da Lei

O princípio da autonomia privada na conformação do conteúdo do negócio


jurídico é perfeitamente compatível com o relevo mais ou menos significativo da
intervenção da lei neste campo jurídico. Porque é que a lei tem, forçosamente, de
intervir, umas vezes de forma supletiva, outras de forma imperativa? Porque os
negócios são ontologicamente incompletos: todos os negócios jurídicos que tenham
uma mínima projecção futura (contando que não sejam instantâneos) têm um certo grau
de incompleição, dado que por muito que as partes tentem prever todas as situações que
possam suceder e as contemplem no contrato, é humanamente impossível (para além de
excessivamente oneroso, devido aos custos de transacção onde se incluem os
advogados) prever todo o leque de hipóteses. É aqui que entra a lei. Todavia, o campo
de actuação das normas legais é bastante variável, sendo que quanto maior for o grau de
determinação do negócio jurídico, mais intervêm as normas imperativas ou injuntivas e
menos as dispositivas ou supletivas, e quanto menor for a densificação do contracto
mais agem estas últimas em tudo o que é omisso pelo mesmo. O tipo de intervenção
destas é igualmente variável, trabalhando as dispositivas em colaboração com as
estipulações das partes o que ainda as enquadra como ajustados ao princípio da
autonomia negocial (efeitos negociais voluntários), e as injuntivas ao serviço de
interesses de hierarquia superior que não podem deixar de ser tutelados, limitando a
autonomia negocial dos contraentes (efeitos negociais legais).

→ O papel das normas dispositivas - Como já referido, mas importa sempre


vincar, as normas dispositivas funcionam pela via da colaboração com as
estipulações das partes, pelo que os efeitos delas decorrentes são compatíveis com a
ideia de autonomia privada (efeitos negociais são tidos como voluntários) e são

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predominantes em negócios de menor densificação normativa. A sua intervenção


nos negócios jurídicos faz-se predominantemente em dois domínios distintos:

→ → Papel interpretativo – aqui se incluem as normas legais sobre a


interpretação negocial (9º, 236º, 237º), por um lado, e as próprias normas
interpretativas, por outro. No primeiro caso descrevendo como se deve proceder à
interpretação de certas normas e no segundo fixando o sentido de certas expressões ou
cláusulas empregues pelas partes.

→ → Papel integrativo – com maior projecção na fixação do conteúdo


negocial, ergue-se a função integrativa para preencher quaisquer lacunas negociais que
sobrevenham nas estipulações das partes, sempre visando garantir a exequibilidade do
ato. Esta função integrativa assume especial relevo quando estamos perante casos de
invalidade parcial do negócio jurídico que implique a eliminação de elementos do seu
conteúdo, sem que a subsistência do negócio fique, sem esses elementos, posta em
causa. Como meio de assegurar os naturais interesses das partes em que o contrato
persista, a função integrativa do negócio entra em acção substituindo o conteúdo
inválido do negócio pelas normas.

→ O papel das normas imperativas - Mais uma vez cumpre sublinhar, em


abono do rigor, que as normas imperativas fazem prevalecer interesses de ordem
geral e limitam a autonomia privada (os efeitos que produzem são de natureza
legal, coincidam ou não com as estipulações das partes: efeitos negociais legais) e
imperam em contratos com grande exaustão de conteúdo normativo.

→ → Eficácia sancionatória (negativa) – essencialmente


consubstanciada pelo artigo 294º CC, que estabelece a nulidade de todos os negócios
contrários à lei, a eficácia sancionatória é a mais natural decorrência da violação ou
desrespeito pelas normas imperativas guardiãs de interesses colectivos
prevalecentes sobre as estipulações particulares. De salientar que em qualquer
negócio de que conste uma cláusula violadora de normas imperativa, seja a nulidade
parcial ou total, essa cláusula será sempre expurgada e jamais prevalecerá (intervenção
negativa). Mas nem sempre a eficácia da norma imperativa é negativa, e aqui entramos
na segunda modalidade de eficácia.

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→ → Eficácia mediata (positiva) – por vezes, pode suceder que a


eficácia sancionatória da norma imperativa volte-se contra a parte que visa tutelar, ao
não assegurar a defesa dos seus interesses, apenas evitando a subsistência de um
negócio jurídico que a viole. A tutela do interesse dessa parte pode exigir a efectiva
aplicação da composição de interesses imperativamente consagrada na norma,
substituindo-se esta às cláusulas negociais violadoras ou difformi. Por exemplo,
quando as partes fixam um juro proibido por lei, entram em jogo as normas supletivas
ou imperativas que teriam lugar se as inválidas não existissem, substituindo o juro
usurário pelo máximo legal permitido, “salvando” o negócio ferido de uma vício de
invalidade (mútuo usurário, 1146º nº3 CC). Neste caso, estar-se-ia inclusive a defender
o contraente mais forte que só quis contratar pelo meio de conteúdos ilegais,
vilipendiando o contraente débil que tem, efectivamente, interesse na manutenção do
negócio para obtenção da soma (dentro dos quadros legais, claro está).

3. FORMAÇÃO DO CONTRATO: PAPEL DA VONTADE E DA


DECLARAÇÃO

3.1. Generalidades e debate doutrinal

Como é sabido, os elementos fundamentais da estrutura do NJ são a


vontade e a declaração, e será sobre eles que nos debruçaremos adiante, numa
tentativa de compreensão da sua notável complexidade. Mas, antes de mais, uma dúvida
se levanta: que relevância atribuir a cada um desses elementos estruturais na formação
do negócio? Será de valor reforçar, no processo interpretativo, o papel da vontade, numa
visão voluntarista e autonomista, ou, pelo contrário, sublinhar a declaração como
principal instrumento de definição do NJ? Desenvolvamos a questão, então. A vontade
deve ser entendida não só como elemento estruturante do negócio, mas também como
elemento psicológico, interno, subjectivo, por oposição à declaração, material, externo e
objectivo. Desde logo se compreende, após esta curta exposição, que a maior relevância
a atribuir a cada um dos elementos, envolverá, necessariamente, uma maior protecção
de uma ou de outra parte do NJ, autor da declaração por um lado, e destinatário ou
declaratário e terceiros, por outro. Quando a vontade do declarante transparece na
sua perfeição para a declaração emitida, não se afiguram dilemas. Contudo, todos
os problemas começam com as divergências entre a vontade do autor e o conteúdo

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ou interpretação da declaração, quando a vontade não se traduz na declaração


(divergências vontade-declaração).

O enquadramento já profundamente delineado do NJ como instrumento


privilegiado da autonomia privada na ordenação dos interesses dos particulares, impõe
uma relevância notável da vontade no seu tratamento jurídico, pois o ato negocial deve
ser querido e a vontade deve-se dirigir aos efeitos, pois só assim eles se produzem. Caso
assim não se estatui-se, a autonomia não seria mais do que um “logro linguístico”, como
MC nos salienta. Por tudo isso, o NJ é, primordialmente, um ato de vontade através
do qual os particulares ordenam os seus interesses. Sem vontade, há inexistência
jurídica. Todavia e bem vistas as coisas, não podem relevar para o Direito, apesar da sua
valoração para nós, atos de vontade interiores. O ato de vontade, não valendo por si
mesmo em toda a sua amplitude, deve ser, de algum modo, exteriorizado, traduzido para
um plano apreensível e objectivado na esfera jurídica de outrem, onde esses demais
possam conhecer o seu conteúdo. A vontade do declarante deve ser apreendida pelo
destinatário. Essa mesma exteriorização é feita através da declaração.

Com o esclarecimento da relevância da vontade e da declaração no escopo,


muitas foram as teorias e seus teóricos que procuraram dar resposta a tamanha
divergência. Neste debate doutrinal, dois entendimentos de fundo perfilavam-se: um
voluntarista ou subjectivista que atribuía primazia ao papel da vontade, e o seu
antagónico, um declarativista ou objectivista que advogava o papel principal da
declaração na conformação dos negócios. Analisemos as posições doutrinais de maior
impacto e expressão histórica:

→ Teoria da vontade – orquestrada por Savigny e Windscheid, parte da


concepção extrema do voluntarismo do NJ, levando-a até às suas últimas consequências
doutrinais. Ela diz-nos que se o negócio apenas vale como manifestação de vontade,
somente à vontade real é lícito atender na fixação do valor do ato negocial, não tendo a
declaração qualquer espécie de valor per se. Assim, no caso de uma discrepância
vontade-declaração sobrevir, se esta segunda nenhuma vontade traduzir, não pode haver
qualquer solução senão declará-la nula. Crítica: é, na verdade, impraticável e conduz a
resultados desajustados (exemplo: caso do NJ feito sob reserva mental – solução seria
diferente (nulidade) do art. 244 CC, o que não salvaguarda o interesse do declaratário
nem de terceiros).

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→ Teoria da declaração – exposta por Betti e diametralmente oposta à anterior,


defende que a declaração é a única realidade objectiva e apreensível por aqueles a quem
a vontade se dirige e só ele deve ter valor jurídico, na medida em que a vontade pertence
ao foro íntimo, que os demais não têm modo de conhecer a não ser através da
declaração, da transposição e transferência da mesma para a sua esfera jurídica. Crítica:
esquece, desde logo, que o declaratário pode conhecer a vontade real do declarante e,
consequentemente, uma eventual desconformidade vontade-declaração e tal facto, a ser
juridicamente desvalorado, seria agressor dos princípios da boa-fé.

→ Teoria da culpa in contrahendo – Partindo da teoria da vontade, Jhering


formulou uma tese que procura moderar os excessos da referida. Diz-nos a sua posição
que se a divergência vontade-declaração for imputável ao declarante, a invalidade do
acto não afasta a responsabilidade do declarante pelos danos causados relativos à
confiança alimentada no declaratário na validade do acto (reparação/indemnização pelo
interesse contratual negativo). Crítica: ao jeito voluntarista, mantém a invalidade do
acto em situações em que a tutela dos interesses jurídicos particulares impõe a
necessidade de admitir a validade do negócio.

→ Teoria da boa-fé ou da confiança – Esta posição, advogada no nosso


ordenamento por Manuel de Andrade, empreende uma visão declarativista (ainda que
não na sua pureza total) da estrutura do NJ e, como tal, vem defender que a declaração é
o elemento fundamental do NJ, devendo prevalecer em caso de divergência vontade-
declaração, o que implica a sua validade e, consequentemente, do negócio. Todavia,
esta validade só se impõe quando filiada na boa-fé do destinatário que deu a sua
confiança à declaração. Se a situação de confiança não for justificada, permanece a
invalidade do NJ e a declaração não é atendida. Crítica: é sustentada por uma ideia de
responsabilidade objectiva do declarante (responsabilidade independentemente da
culpa), conduzindo a uma excessiva protecção dos interesses do declaratário, em
detrimento do declarante, impondo-se, na lógica da teoria, a validade do NJ, mesmo
quando falte, de todo, a vontade (quer de acção, quer de declaração).

→ Teoria da responsabilidade – esta formulação visa obstar às últimas


consequências da teoria da vontade, tal como a teoria de Jehring, mas sob um ponto de
vista distinto, indo quiçá mais longe do que o jurista germânico. Criada por Scialoja em
Itália, onde é dominante, afirma, tal como os voluntaristas, que a consequência directa

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da divergência vontade-declaração é a invalidade desta segunda e, por conseguinte, do


ato negocial. Fazem, contudo, notáveis excepções ao princípio da invalidade,
nomeadamente afastando-o quando o declarante não cumpra o ónus de adequada
manifestação de vontade. Sendo a força motriz do NJ a vontade, a mesma, como já
compreendido, depende da sua exteriorização, da sua tradução para as esferas jurídicas
dos que para ela se dirige o negócio, de forma clara e objectivada. Se, por acaso,
intencionalmente afastou a vontade real ma declaração ou se revelou negligente na sua
eficaz transmissão, a ideia geral de responsabilidade deve fazê-lo sujeitar-se à validade
do NJ, respondendo por ela. Ou seja, nas divergências vontade-declaração intencionais
ou negligentes, o princípio geral de invalidade cede, não merecendo aqui, o declarante,
protecção, validando-se assim plenamente o negócio, com base na declaração. Atenção:
uma limitação surge quando o declaratário conheça ou deva conhecer a existência da
divergência declaração-vontade real. Este, não agindo de boa-fé, não merece a
protecção da validade do negócio, regressando-se à regra geral da invalidade.

→ Teoria do valor ou validade (Geltungstheorie) – estabelecida por Larenz,


assenta na premissa que de que a declaração não pode ser vista como um simples meio
de exteriorização da vontade psicológica, mas como declaração de valor ou validade,
declaração que quer ser direito. Tal como uma simples vontade interna não manifestada
não releva, também uma mera comunicação de uma vontade não é, pois nada impede o
autor de, de seguida, estatuir algo diverso e perfeitamente incongruente. Por isso, se
alguém declara, obrigando-se a fazer qualquer coisa, salvo reserva, fica proibida de
valer-se de uma alteração da vontade para dispor de modo distinto: fica vinculado à sua
manifestação de vontade. A declaração e os seus efeitos jurídicos devem valer e, dentro
dos limites da autonomia privada, consubstanciar verdadeiro “direito” para as partes. A
declaração de vontade desempenha duas funções:

→ → Enquanto acto dispositivo, tal como a lei ou a sentença definitiva,


constitui fundamento imediato dos efeitos jurídicos e é o meio de o declarante
executar a vontade negocial por ele querida.

→ → Enquanto acto exterior, destina-se a ser conhecida pelos outros, a


quem é dirigida e constitui um acto de comunicação social, com valor
declarativo próprio, em cujo conteúdo o destinatário, em geral confia.

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Mas então qual a resposta à questão que importa, a solução para os casos de
divergências vontade-declaração? Não é um contra-senso a vertente dispositiva valorar
a vontade, enquanto a vertente exterior atribuir primazia á declaração? Como se
conciliam os princípios supra explicitados? A resposta está em saber se a confiança do
destinatário merece ser protegida à custa do declarante através da ideia de
responsabilidade do declarante pelo sentido, que lhe seja imputável, da sua declaração
divergente. Essa responsabilidade é imputável ao declarante quando um sentido
diferente daquele que ele pretendia exteriorizar surge após ele escolher um meio
inadequado para o transmitir. Atenção: este regime só é compatível com o erro quando
as partes tenham estipulado que ao contraente é reconhecido um “contra-direito” de
resolver (anular) o contrato. Fora disso, o erro é sempre irrelevante.

→ Posição de Carvalho Fernandes – Numa tentativa de “fusão” de aspectos


construtivos de diversas teorias mas, mais precisamente, da teoria da responsabilidade
de Scialoja e do valor ou validade de Larenz, Carvalho Fernandes reconhece que o NJ é
primordialmente um ato de vontade e que este aspecto não pode deixar de moldar todo o
seu regime jurídico. Contudo, a vontade não pode valer por si, dependendo
incindivelmente da declaração para fazer-se valer, ser-se dada a conhecer e actuar nas
esferas jurídicas alheias. Mas a declaração não é mera manifestação de vontade, pois
a vontade corporiza-se na declaração, formando um rijo dorso que enforma o
núcleo do negócio. Então, se a vontade tem de ser, acima de tudo, a causa dos efeitos
jurídicos do NJ, a declaração é uma condicionante absoluta da relevância da vontade,
daí o grande poder da declaração. Mas até onde irá esse poder, essa relevância? Cumpre
esclarecer que a selecção do meio ou comportamento declarativo é inteiramente da
responsabilidade livre do autor da declaração, devendo este assegurar a
apropriada tradução dos seus interesses. Este é o chamado ónus de adequada
expressão da vontade, uma das vertentes das modernas teorias da vontade (teoria da
responsabilidade). Portanto, o valor do NJ, segundo a declaração emitida e pela qual o
declarante é responsável, é algo com que o autor da declaração não pode deixar de
contar (teoria do valor ou validade). Vista a perspectiva do autor, há que analisar o
declaratário. Este pode, fruto do ónus suportado pelo declarante, razoavelmente confiar
que escolheu o meio mais adequado para comunicar a sua vontade e, por isso, ter como
válido o sentido objectivo do respectivo ato negocial. Porém, a protecção não se
encontra tão desnivelada como até aqui aparenta, na medida em que incumbe

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igualmente ao declaratário um ónus de diligência no entendimento da declaração


(ónus de adequado entendimento), que lhe impõe a necessidade de usar de razoável
cuidado e atenção no apuramento da intenção do declarante, segundo as
circunstâncias relevantes da declaração. Há uma anteposição “ónus-contra-ónus” na
relação entre as partes do negócio, pois tal como o declarante está na posse de todos os
meios declarativos, também o declaratário está na possibilidade de se informar sobre a
intenção e interesse do autor da declaração. Concluindo, cumpre finalmente uma
resposta à questão da divergência vontade-declaração: nesta situação deve
prevalecer, não o sentido percebido ou favorável ao destinatário por imperativos de boa-
fé, mas o sentido da declaração perceptível pelo homem médio (236º CC,
“reasonable man”), usando dos cuidados e da atenção exigíveis a quem recebe aquela
declaração negocial. De salientar, ainda, que o sentido perceptível só pode ser atendido
se for imputável ao declarante (236º nº1, in fine). Mas o que sucede se o sentido
naturalmente apreendido pelo declaratário for de todo inconciliável com o sentido
imputável ao declarante? A situação é deveras improvável, pois ambos os sentidos são
perscrutados segundo critérios objectivos de diligência, sagacidade e informação mas,
nesse caso o NJ deve ser considerado nulo por indeterminabilidade do conteúdo (280º
CC), na medida em que a prevalência de um outro sentido seria insustentavelmente
onerosa para a contraparte do negócio.

→ Solução adoptada pelo Código Civil – até neste campo surge uma profunda
divergência doutrinal, advogando Mota Pinto que está subjacente ao CC uma concepção
declarativista, Castro Mendes a concepção de que do regime legal extrai-se uma
tendência conforme à teoria da responsabilidade e, finalmente a que nos interessa, a de
Carvalho Fernandes, que postula que o legislador não seguiu rigorosamente nenhuma
das concepções doutrinais, adoptando posições distintas consoante os casos
(jurisprudência dos interesses). É, então, através da análise detalhada da
regulamentação fixada pelo CC para cada instituto jurídico que a solução do CC
deve ser buscada.

3.2 O papel da Vontade

A caracterização do NJ levou-nos a identificar a vontade funcional como


grande vector determinante da categoria. Importa contudo ter bem presente que o
negócio é um ato voluntário não só por os efeitos dependeram da vontade dos seus

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autores (vontade funcional), mas também por terem querido um certo comportamento
(vontade de acção) expressando através dele um certo conteúdo de pensamento (vontade
de declaração). Todavia, apesar da primazia que lhe atribuímos na demanda pela
aproximação teórica ao conceito de NJ, importa ter presente que não foi esta a solução
adoptada pelo legislador na feitura do Código Civil. Bem pelo contrário, o legislador de
1966 estabeleceu o regime da vontade em função da declaração, como desde logo
demonstra a epígrafe que tem início no 217º CC, o que não é, necessariamente, de
estranhar, na medida em que parece sensivelmente mais apreensível pelo Direito uma
exteriorização externa e formal, a declaração, de algo ontologicamente psicológico, a
vontade. É com base nesta posição metodológicas que nascem as duas grandes figuras
do NJ definidas pelo CC, o declarante e o declaratário. Qual será então o verdadeiro
alcance da caracterização do negócio como ato voluntário? Será a vontade
funcional ou negocial exclusivamente produto da autonomia privada dos
contraentes?

3.2.1. A vontade normativa

A relevância atribuível à vontade e ao princípio da autonomia privada é limitada


pelo Direito, que a enquadra no seio do ordenamento suportando a necessidade de tutela
dos interesses das pessoas em cuja esfera jurídica se projectam os efeitos negociais, seja
contraparte, sejam terceiros. A vontade negocial enquadrada pelo ordenamento é
denominada de vontade normativa, por abranger não só os efeitos voluntários
estipulados expressamente pelas partes no conteúdo do NJ, mas também uma
gama de efeitos directamente ligados à lei, denominados de efeitos legais. Estes
efeitos legais apostos ao conteúdo fixado pelos contraentes são, contudo, ainda tidos
como produto da vontade funcional (como efeitos não directamente queridos), mas o
não desejo dos mesmos nunca impediu o negócio de prosseguir na produção dos seus
efeitos, como no caso da reserva mental (244º nº2 CC), da inoponibilidade da invalidade
a certos terceiros (243º e 291º CC) e da irrelevância de vícios da vontade (247º e 250º
CC), onde mais do que a vontade real, prevalece a “vontade jurídica”. Até há
hipóteses em que a vontade relevante – independentemente da real - pode ser a
juridicamente fixada pela norma verificadas certas condições, como na declaração
presumida ou ficta. Assim, a vontade negocial é uma vontade em sentido jurídico e
não psicológico, que não deixa de ser real, pois apresenta-se-nos como uma realidade
jurídica, sendo que coincide, em regra, com a vontade psicológica, mas a vontade

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juridicamente atendível, que releva como vontade negocial, mesmo quando se ajusta à
vontade psicológica, somente vale enquanto reconhecida e valorada pela ordem jurídica.
Delimitada a noção de vontade normativa, cumpre tecer uma distinção bastante útil,
após a constatação de que o NJ, visto objectivamente, consta de declarações aptas a
traduzir um certo conteúdo de pensamento:

→ Declarações de vontade vs. Declarações de ciência – As declarações de


vontade são declarações negociais. Quando afirmo “quero vender” e o meu amigo
responde dizendo “quero comprar”, estamos a emitir declarações negociais de vontade,
dando início às negociações de um possível negócio. Mas nem todos os
comportamentos negociais têm este forte alcance. Por vezes uma parte limita-se a
reconhecer ou a afirmar a existência de certa situação ou facto que importe ao NJ
– são as chamadas declarações de ciência. Um exemplo desta segunda categoria é o
reconhecimento, por acordo, da essencialidade, para o declarante, do motivo sobre que
recaiu o erro (252º nº1 CC). Convém sublinhar que a declaração de ciência não é
declaração negocial, embora possa ter efeitos em relação ao negócio em cujo conteúdo
se integre.

Feita esta destrinça, há que, enfim, estabelecer quais os requisitos para que a
vontade negocial se formule sem qualquer mácula, pois se é correto dizer que o NJ
estabelece os efeitos queridos pelos contraentes, é ainda mais correto afirmar que os
mesmos só se produzem quando queridos correctamente, sem vícios que os firam,
segundo determinadas imposições do Direito. Os requisitos são, então, os seguintes:

→ → Maturidade (na ausência temos a figura da incapacidade)

→ → Liberdade (na ausência temos vício na formação da vontade e


discrepância vontade-declaração)

→ → Esclarecimento (na ausência temos vício na formação da vontade


e discrepância vontade-declaração)

→ → Licitude da motivação (na ausência temos ilicitude)

Desta feita, é correto estatuir que a vontade manifestada por quem tem
plena capacidade, de forma livre, esclarecida e para um fim conforme ao Direito,
os efeitos do negócio desencadear-se-ão, em princípio, tal como foram queridos e a

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lei tutelá-los-á. O segundo e o terceiro ponto serão extremamente importantes na


matéria que discorrerá sobre a falta de vontade e os vícios na formação da vontade, bem
como as suas consequências. Qual o valor de um negócio em que um dos supracitados
requisitos não se observe, é questão a desenvolver mais adiante.

3.3. O papel da declaração

Como bem patente já ficou, o NJ não se basta com a existência de uma


vontade negocial. Esta deve, em todo o caso, ser exteriorizada, materializada
mediante qualquer forma na manifestação de vontade. Esta também é denominada,
em sentido amplo, de declaração. O primeiro entendimento de declaração é o de
comportamento apto a exteriorizar uma vontade, actuação adequada a dar a
conhecer ao declaratário uma certa intenção ou conteúdo de pensamento, uma
vontade dirigida à regulamentação de interesses autónomos. A sua forma mais
comum de expressão é a palavra, sob forma oral ou escrita, mas há outras hipóteses,
englobáveis em determinadas praxes sociais, práticas, convenções das partes,
disposições legais, sinais, ou até o silêncio, como adiante se explicitará. Todas estas
situações constituem comportamentos declarativos, comportamentos materiais aptos a
revelar certo conteúdo de pensamento. Posto isto, já poderemos dilucidar uma definição
mais completa de declaração: comportamento humano que, objectivamente
considerado, vale, para o Direito, como exteriorização do conteúdo de certa
vontade negocial. Neste ponto cumpre estabelecer a destrinça entre declarações de
vontade (comportamento dirigido a dar a conhecer a outrem certa vontade, ato de
comunicação) e actuações ou operações de vontade (simples atos de execução, não
destinados a ninguém valendo somente pela materialidade, como o abandono de coisa
móvel).

3.3.1. Modalidades da declaração

Fixado o entendimento do conceito de declaração negocial, há que abordar as


suas modalidades, cujo regime redunda, invariavelmente, no nº1 do 217º CC. Nele é
estabelecido o princípio da liberdade declarativa, que nos permite optar pela
expressão de vontade que desejamos, assegurando a equivalência jurídica entre elas e
fornecendo um critério para as distinguir, sempre orientados pelos limites legais (413º
nº1, 628º nº1, 731º, 859º e 957º nº1).

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3.3.1. 1. Declaração expressa

Falamos de comportamentos humanos declarativos correspondentes a


manifestações directas da vontade, quando certo comportamento humano traduz,
de modo directo e imediato, determinado conteúdo de pensamento numa
manifestação de vontade. A declaração expressa obriga, comummente, à utilização de
meios de comunicação típicos. Estes comportamentos, como já explicitado, não têm de
ser necessariamente orais ou escritos, podendo, muitas vezes, valer objectivamente
meros gestos, sinais ou convenções entre as partes, cujas interpretações devem sempre
atender ao circunstancialismo do grupo social onde nos inserimos. Mas o que será, na
verdade, um meio directo de manifestação de vontade? Esta questão é de grande
importância na medida em que nela reside a chave da destrinça entre declarações
expressas e tácitas. Aqui duas concepções tentam fazer valer a sua posição. A
objectivista, que protege mais o declaratário relevando o significado social típico,
objectivo do comportamento, e a subjectivista que valoriza a posição do declarante ao
vincar a importância da intenção da declaração. Por motivo de praticabilidade e tráfego
jurídico a primeira é a de perfilar sem grandes reservas, sendo o critério da avaliação
objectiva (236º) o veículo de dilucidação, onde a declaração expressa traduz a
verdadeira intenção declarativa e a declaração tácita faculta factos concludentes de onde
se deduz uma intenção declarativa.

3.3.1.2. Declaração tácita

Por seu turno, falamos de declaração tácita quando temos factos (facta
concludentia) de onde se deduz (sentido implícito), com toda a probabilidade (nexo
de probabilidade plena, já não de causalidade como no anterior Código Civil) e
segurança, a vontade provável de emitir certa declaração negocial. O autor da
declaração pode prevenir-se contra a atribuição de um sentido implícito ao seu
comportamento, excluindo-o expressamente mediante declaração de sentido oposto
(protesto ou reserva). De salientar que num mesmo comportamento podem coexistir 2
manifestações de vontade diversas, uma expressa e a outra tácita, como por exemplo no
caso de um herdeiro inscrever num documento particular a intenção de vender todos os
móveis da casa que herdar do pai (intenção de vender, manifestação expressa de
vontade, intenção de aceitar a herança, manifestação tácita da vontade). Quanto à
declaração tácita cumpre ainda estabelecer que o nº2 do 217º estipula o princípio da

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liberdade declarativa para a mesma quanto à forma exigida, ressalvando apenas que
os factos concludentes de onde se extrai a dedução devem eles mesmos revestir a forma
ex lege (transferência da necessidade formal legal para o plano dos factos). Como
apontamento, acrescento ainda que a averiguação da definição de uma declaração
como tácita é uma questão de direito e, como tal, sindicável pelo STJ. Bem
compreendido é que, todos estes reconhecimentos concernentes à liberdade declarativa
são produto da própria liberdade contratual e autonomia privada que estruturam todo o
ordenamento. Todavia cumpre discernir, dentro da declaração tácita, duas
subcategorias peculiares:

→ Declaração presumida – entendendo a declaração tácita no seu sentido


restrito, ou seja, como havendo entre os facta concludentia e a declaração deduzida
deles um nexo de presunção juridicamente lógico-dedutivo (presunção judicial ou de
facto, que pode revestir a força de inilidibilidade ou de ilidibilidade, sendo esta segunda
a mais frequente), pode-se extrair uma noção de declaração tácita em sentido amplo, a
que se chama declaração presumida. Aqui, a lei atribui a certa conduta o valor de
expressar uma determinada vontade admitindo que este nexo seja afastado
mediante prova de contrário ao sentido atribuído pela norma ao comportamento
(sentido implícito), pelo que estão em causa normas dispositivas. Estamos,
portanto, perante uma presunção legal ilidível segundo o regime geral (iuris
tantum, 350º nº2 CC). Como exemplos temos o 926º, 2225º, 2315º nº1 e nº2, 2316º
CC.

→ Declaração ficta – pelo contrário, nesta modalidade da declaração tácita em


sentido amplo, não é admissível prova em contrário da vontade atribuída a certo
comportamento, pelo que prevalecerá sempre o sentido atribuído a esta, estando
aqui em causa uma norma injuntiva, que estabelece, portanto, uma presunção
legal inilidível (iuris et de iure). Casos legalmente ilustrativos desta situação: 314º,
2057º nº2 CC. Questão de maior dificuldade surge quando tentando discernir situações
de fronteira entre a declaração ficta e o valor declarativo do silêncio, como são exemplo
os artigos 923º e 1054º do CC. Nestas hipóteses, o critério a adoptar deve-se prender
com a posição activa ou passiva do declarante, pois a declaração ficta só é considerável
quando falamos de acções, e o valor declarativo do silêncio releva quanto á omissões de
qualquer conduta. Daremos um desenvolvimento acrescido a esta categoria, a bem do
rigor intelectual…

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→ Valor declarativo do silêncio – para o Direito, o silêncio, enquanto


modalidade da declaração, significa uma absoluta omissão de conduta que exprime
certa manifestação de vontade. Mas fará sentido atribuir ao silêncio relevância
jurídica? Historicamente, as clássicas posições antagónicas são a romanista e a
canónica, argumentando a primeira segunda uma posição negativista e segunda
advogando pela sua admissibilidade. Uma terceira via se estruturou: o silêncio não vale,
na verdade, necessariamente como manifestação de vontade, tendo apenas valor jurídico
quando exista a possibilidade e o dever de adoptar certo comportamento e este seja
omisso. Em rigor, o valor do silêncio não deve ser conjugado com a obrigação de falar,
ou de adoptar certa conduta positiva (aí o problema é o da responsabilidade civil pela
omissão do comportamento devido). O silêncio tem, na verdade, valor declarativo
quando exista o ónus (legal, usual ou convencional) de adoptar certo
comportamento, e é precisamente com base nesta fórmula que se extrairá a
verdadeira relevância jurídica a atribuir à vontade, em sintonia, como é óbvio,
com a norma do 218º CC. O referido preceito legal, fulcral em todo o entendimento do
instituto em análise, estabelece, taxativamente, as três situações legais em que o
silêncio é juridicamente atendível: por determinação da lei (por exemplo no 1054º nº1
CC – renovação do contrato de arrendamento), por constatação de um uso (profissional,
regional, ou outro) ou por meio convenção negocial do mesmo valor declarativo
mediante um acordo prévio das partes (nunca por declaração unilateral, bem entendido).

Nota: o enquadramento em cada uma destas modalidades, é sempre efectuado com base
nos critérios interpretativos postulados pelo 236º CC, relativo ao sentido normal da
declaração.

4. ESTRUTURA DO NEGÓCIO JURÍDICO

Estudaram-se anteriormente os meios por que opera a manifestação de


vontade, ou seja, os meios juridicamente relevantes de que o homem se pode servir
para exteriorizar a sua vontade (palavras, gestos, etc.). Cumpre agora estudar o modo
concreto (exterior) que deve revestir a manifestação de vontade, para ser juridicamente
atendível. Por exemplo, uma declaração pode ser feita por palavra oral ou escrita. As
palavras são o meio da declaração e respeitam à modalidade que reveste, enquanto o
facto de serem reduzidas a escrito ou meramente reproduzidas oralmente já diz respeito
a um problema de forma.

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4.1. Forma da declaração e formalidades

Posto isto, é-nos claro definir forma como o aspecto exterior que a declaração
assume (o modo por que a vontade se revela - entendimento de Castro Mendes). O NJ
pode apresentar um modo de revelação da forma mais ou menos solene, dependente de
mais ou menos formalidades, mas sempre um existe, pois não há negócio sem forma.

Desde já cumpre discernir o conceito de forma do conceito de formalidades:


estas são as solenidades a observar aquando da manifestação da vontade, podendo
ser relativas à forma (ad substantiam ou ad probationem), preparatórias
(convocação de órgão deliberativo ou processo preliminar de casamento) ou
posteriores (inscrição em registo público). São exemplo de formalidades a obrigação
de integração de certos requisitos no documento negocial, a intervenção de testemunhas,
o reconhecimento de assinatura, a intervenção do notário, entre outras. Na escritura
pública a forma do acto é escrita, mas há outras formalidades adicionais. O melhor
exemplar é de tudo isto é o casamento, onde se conglomeram os 3 tipos de
formalidades (processo preliminar, exigência de forma inerente e registo civil posterior).

Nota: formalidades ad substantiam actus vs. Formalidades ad probationem (364º nº1


e nº2) - as primeiras constituem regra no nosso ordenamento (220ºCC) e são impostas
como condição de validade do NJ (ad validitatem) sendo, por isso, insubstituíveis por
quaisquer outras. As segundas, por seu turno, são exigidas como meio de prova do NJ,
mas já não se exclui a possibilidade de serem substituídas por outros meios de prova
não preteridos por lei.

4.1.1. O princípio da liberdade de forma (219ºCC)

Como já adiantado anteriormente, o conteúdo deste princípio estruturante do


privatismo português, fundamentado na autonomia privada e na lubrificação do tráfego
jurídico, diz-nos que a validade de um negócio não depende da observância de
forma legalmente imposta, fazendo valer a sua perfeição através do mero acordo
de vontades e da forma consensualmente adotada pelas partes, seja ela qual for.
Sendo assim, fácil é compreender que todos os preceitos legais que imponham uma
dada forma como requisito de validade do NJ são exceções atomísticas ao princípio
consensualista e, como tal, a sua aplicação analógica é inteiramente interdita (11º CC).
Mas como tratar juridicamente os casos em que a lei ou as partes impõem uma fuga ao

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princípio da liberdade de forma? Estamos perante as chamadas formas legais,


voluntárias ou convencionais, analisemo-las, então…

→ Forma legal – quando a lei exige certas formalidades de forma como


requisito da validade do NJ. Só se pode falar em rigor de forma legal quando as
formalidades exigidas o sejam ad substantiam actus (364º nº1, 220º CC). Os motivos
para a imposição legal de uma formalidade de forma já foram adiantadas (segurança
jurídica, legalidade, determinabilidade, etc.), mas quais são essas formalidades?
Subdividem-se geralmente em dois tipos, as por documentação escrita (362º e 363º
CC), de longe a mais importante, e as outras, como a exibição de licenças, a presença
de testemunhas ou o reconhecimento de assinaturas. No âmbito dos documentos escritos
temos igualmente dois grandes grupos: os particulares (devem ser assinados, 373ºCC) e
os públicos ou autênticos, sendo que o critério é a intervenção de oficial público na
elaboração do NJ. Nos particulares ressalta ainda a categoria dos autenticados (363º nº3
e 377ºCC), pois são originalmente privados que ganham um valor particular por serem
confirmados pelas partes perante um notário mediante normas notariais, ou na presença
de outras entidades competentes (advogados, câmaras de comércio, etc.). Por fim, quais
as consequências da inobservância do dever de adopção do formalismo legal?
Desde logo o documento sofre de vício gerador de nulidade ou anulabilidade, podendo
ocorrer uma eventual conversão formal para documento menos solene (366º e 376º nº3
CC), mas com uma inilidível afetação da própria validade dos negócios que
documentam. Cumpre, seguidamente, analisar pormenorizadamente o seu âmbito…

→ → Âmbito da forma legal (221º CC) – quando falamos em “âmbito”,


procuramos alvitrar se a forma exigida ex lege abrange forçosamente todas as
estipulações das partes. Neste ponto crucial, há que distinguir, antes de mais, quando
falamos de estipulações principais de quando nos referimos a estipulações acessórias,
pois a exigência abrange sempre as primeiras mas raramente as segundas. Como tal,
traça-se a destrinça com base na essencialidade, ou não, dos elementos do NJ sobre
que a cláusula incide. São acessórias as estipulações que, em aspetos que não integram
o “cerne do negócio”, completam ou vão além do clausulado no documento, regulando
aspetos nele não previstos e afastando, não raro, as correspondentes normas supletivas,
sem nunca o contrariar. São as estipulações acessórias que mais nos interessam. Neste

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ponto há que distinguir entre as anteriores ou contemporâneas do documento


legalmente exigido, das posteriores ao mesmo.

Relativamente às formalidades formais anteriores ou contemporâneas, a sua


validade depende de dois requisitos: não sujeição a nenhuma forma especial ex lege,
atendendo à razão determinante da forma legal do documento exigido, bem como da
certeza de terem sido queridas pelas partes aquando da celebração do NJ (presunção de
plenitude do negócio - se não foram incluídas no mesmo também se presume que as
partes assim não desejaram convencionar, e a parte que delas se quiser valer terá de
demonstrar o contrário). A verificação destes requisitos terá de ser provada pela parte
que deles ser queira fazer valer (342º nº2 CC), pois são factos que obstam à arguição da
nulidade (221º CC, estipulações verbais e escritas em documento com menor força
probatória).

Quanto às estipulações posteriores o âmbito é mais liberal, sendo


tendencialmente válidas independentemente da forma legal prescrita, desde que os
elementos negociais sobre que versam não partilhem as razões da exigência legal da
formalidade formal (único requisito). De sublinhar que só se abrangem os pactos
modificativos e não já os extintivos. A relevância do regime estabelecido no 221º é
fortemente restringida pelo regime da prova de tais cláusulas, mesmo quando
meramente adicionais (351º, 393º e 394º).

As cláusulas acessórias, anteriores ou contemporâneas, ou posteriores, acrescem


ao conteúdo do documento legalmente exigido, pelo que a respetiva prova só pode
fazer-se por confissão ou por documento escrito, embora menos solene que o exigido
para o negócio, não sendo, em princípio, admitidas as provas testemunhal e por
presunções (393º). É, por isso, reduzida a possibilidade de produzirem efeitos jurídicos.
A consequência natural da preterição da forma legal prescrita, o chamado vício de
forma resultante de inobservância de formalidades legais ad substantiam, é a nulidade
do NJ (220º, 286º, 289º e 293ºCC), ainda que também se possa falar de inexistência
jurídica quando haja absoluta falta de forma. A sua conversão em negócio
preliminar estará sempre em aberto. Convém ainda uma referência às situações que um
dos contraentes, perde o poder de arguir a nulidade por força do vício de nulidade que
ajudou a criar, infringindo cuidados de boa-fé que se exigiam na formulação ou no
decurso do NJ (inalegabilidade formal).

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→ Âmbito da forma voluntária (222ºCC) - é a forma adotada livremente pelo


autor do acto, seja ela escrita, verbal ou qualquer outra desde que mais solene que a
legalmente ou convencionalmente fixada, pressupondo, portanto, um NJ com forma
livre, isto é, não sujeito a forma imposta por lei ou por convenção das partes. Do regime
legal resulta que o recurso à forma voluntária deixa intocadas as normas legais –
supletivas ou imperativas – referentes à forma do NJ em causa. O excesso de forma
adotado pelas partes não afasta a aplicabilidade de normas supletivas menos exigentes e
do próprio princípio consensualista. A opção das partes por forma mais solene que a que
teriam de acatar na celebração do NJ não implica qualquer ónus de seguir a mesma
forma quanto a todas as demais estipulações que integrem o respetivo conteúdo. Ou
seja, na verdade só não são atendíveis quando atentem contra forma legal prescrita para
a dada estipulação. Façamos a necessária referência a uma modalidade importantíssima
de forma voluntária…

→ → Forma convencional (223ºCC) - pressupõe uma convenção, um acordo,


por força do qual as partes se vinculam a adotar certas formalidades para certo NJ que
intentam celebrar no futuro, pelo que se enquadra como modalidade da forma voluntária
lato sensu. Falamos, essencialmente, dos casos em que é convencionado pelas partes
uma formalidade relativa à forma mais solene do que a legalmente exigida, caso
contrário esse acordo de vontades quanto ao modo de exteriorização da vontade
seria inútil ou ilegal (294ºCC). A convenção entre as partes sobre a forma é, em si, um
NJ não formal, pelo que o abandono de tais requisitos formais não implica, igualmente,
qualquer forma específica, podendo ser livremente revogáveis mediante acordo de
vontades. Também nestes casos há que discernir entre convenções anteriores de um
lado, e posteriores e contemporâneas ao negócio, de outro.

Nas hipóteses prévias, é estabelecida uma presunção de essencialidade, de que


as partes não se quiseram vincular senão pela forma convencionada (presunção legal
ilidível com limitações de prova – 350º nº2 e 393º nº1 CC).

Nas hipóteses subsequentes, presume-se que as partes intentaram somente


consolidar o NJ já celebrado (facilitar prova ou apreensão do conteúdo) através da
exigência de uma forma mais solene para tal, e não substituí-lo, por outro, de teor
distinto.

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A consequência natural da inobservância de forma convencional é, não a


nulidade, pois o desrespeito ainda redunda de certa forma na voluntariedade, mas sim a
ineficácia do negócio (em convenções anteriores). No concernente ao âmbito da
mesma, dada a falta de regime legal, aplica-se o 222º CC, visto que se trata de forma
escrita não exigida por lei (forma voluntária lato sensu).

Nota: Síntese das diversas fontes do formalismo formal da declaração negocial:

→ Forma legal

→ Forma voluntária (lato sensu) …

→ → Forma voluntária (s.s.)

→ → Forma convencional

5. FORMAÇÃO DO CONTRATO

Como sabido, um contrato pode seguir um regime de formação típico, quando se


enquadra na disciplina legal específica nos seus elementos essenciais, ou atípico, na
hipótese das partes assumirem a totalidade da criação, de raiz e numa máxima expressão
da autonomia privada dos contraentes, do conteúdo do negócio. Nos NJ unilaterais,
não se afigura grande problemática, na medida em que, havendo uma só declaração de
vontade, tudo se resume a saber como e quando se torna eficaz, vinculando o declarante
ao seu conteúdo, tendo sempre em consideração a presença de declarações recipiendas
ou não recipiendas. Contudo, debruçamo-nos sobre o processo de formação do NJ
necessariamente mais complexo, o contrato, fruto do cruzamento e entrecruzamento de
duas ou mais declarações negociais. A formação do contrato implica muitas vezes uma
sequência formativa (o chamado processo negocial) uma sucessão concatenada de atos
diferenciados que visam, como produto final, a conclusão do contrato. São eles:

→ Busca do parceiro negocial

→ Recolha de informações

→ Preparação da minuta do contrato

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→ Negociações

→ Instrução e aconselhamento

→ Elaboração do documento contratual final

Para compreender o processo de formação do contrato, teremos de proceder à detalhada


análise dos artigos 224º a 235º CC, ao qual dizem respeito. Façamo-la, então.

5.1. Modelos de formação do contrato

Como se forma, então, um contrato? Uma primeira leitura do articulado do


CC concernente à matéria parece configurar como única hipótese admissível para a
formação contrato a aceitação da proposta negocial. Seriam, portanto, sempre exigidas,
no mínimo (pois sempre poderá haver contrapropostas, 233ºCC), duas declarações
encadeadas, uma proposta contratual, seguida da sua aceitação. Uma coisa poderemos
dar por certo, que a proposta e a aceitação não são necessariamente a primeira e a
segunda declaração contratual eficazes, mas serão sempre a penúltima e a última.
Não obstante, e em abono da verdade, esta sugestão de modelo único não passa de mera
ficção. Outras hipóteses teóricas de formação contratual podem ser juridicamente
aventadas. Sintetizando:

→ Modelo clássico (proposta-aceitação) - Duas declarações negociais


sequenciadas e encadeadas. Dentro do modelo clássico supra explicitado, ressalva uma
modalidade especial cujo regime já foi, anteriormente, amplamente explicitado…

→ → Formação dos contratos reais quoad constitutionem.

→ Formação através de declarações conjuntas - Declarações de conteúdo


idêntico que exprimem o consenso num só texto subscrito por todas as partes.

→ Concurso para a formação de um contrato.

→ Propostas cruzadas - Propostas de conteúdo coincidente correspondentes a


posições contratuais simétricas (ex. negociação automatizada em bolsa).

→ Contratos celebrados com recurso a CCG e contratos de adesão.

→ Outros modelos.

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Feita esta exposição genérica, com meros fins elucidativos não exaustivos,
cumpre penetrar na análise do modelo clássico (ainda que estereotipado), pois
constitui, na verdade, o sustentáculo essencial do regime legal do nosso código que,
apesar da já vincada ficcionalidade, prima pela simplicidade pratica e compreensiva.
Como já referido, este determina que na génese do contrato temos duas declarações
negociais subsequentes, antepostas e encadeadas. Estas, na existência ou não de
contrapropostas (propostas sucessivas de conteúdo parcialmente diverso), culminarão,
quando exista aceitação final, na formação do contrato. Após análise do articulado legal,
pode-se concluir pela existência, para lá desta sequência, de dois requisitos positivos
essenciais para a formação do contrato: o consenso (219º e 232º CC) e a adequação
formal (220º e 223ºCC), que impõe que as declarações devem revestir o mínimo de
forma imposto pela lei ou pela vontade.

Nota: No regime legal referido, está implícita a seguinte importante distinção dos NJ, a
que destrinça negócios entre presentes e negócios entre ausentes. O critério que os
separa é, ao contrário do que se poderia pensar, não físico ou geográfico, mas consoante
se observe a existência ou não de um intervalo de tempo juridicamente relevante entre
as declarações negociais constitutivas do contrato. No contrato entre presentes é
utilizado um meio de comunicação que permite um contacto ideal imediato entre as
partes, de modo que é possível ao destinatário da proposta negocial emitir sobre ela, em
acto contínuo, a sua vontade. São seus habituais veículos, o telefone, o fax, o e-mail, a
videoconferência, entre outros.

5.2. Proposta contratual

Entramos agora na aproximação a um dos mais importantes conceitos do


contrato, a proposta e, sem mais delongas, há que delimitar o seu conceito,
primariamente de forma positiva mediante a definição do mesmo e, seguidamente, de
forma negativa, pela sua distinção teórica face a outras figuras jurídicas aparentemente
similares. Por proposta contratual, entenda-se a declaração pela qual uma pessoa
manifesta a sua intenção de celebrar determinado negócio, destinando-se a
integrar o correspondente conteúdo se ele vier a celebrar-se. A proposta é, regra
geral, uma declaração recipienda, segundo a aproximação adiante explicitada. A
figura da proposta é, assim distinta da do chamado convite a contratar e da oferta ao
público.

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→ Convite a contratar - concretamente, no convite a contratar (invitatio ad


offerendum) não existe qualquer proposta, mas um convite, uma solicitude e
abertura ao envio de propostas, demonstrando disponibilidade para negociar e,
quiçá, contratar. Não é mais do que um convite, as propostas virão depois. Esta
situação não inibe o emissor do convite a contratar a incluir no mesmo certos elementos
fulcrais do negócio, deixando, somente, à disposição do destinatário um reduzido leque
de elementos. Desta forma, são tidos como convites a contratar e não propostas os casos
em que uma proposta não reúne os requisitos de completude ou adequação formal
(adiante dilucidados) ou dela conste o protesto do declarante expressamente nesse
sentido, o do não entendimento da declaração emitida como proposta. O convite a
contratar poderá, ainda, ter importantes repercussões no âmbito da interpretação do
futuro contrato e inclusive quanto a uma hipotética responsabilidade pré-contratual, por
violação dos ditames da boa-fé.

→ Oferta ao público – falamos, neste caso, sim, de uma proposta contratual,


mas numa modalidade distinta do entendimento inicialmente explicitado, pelo que
merece um tratamento individualizado. Também chamada de proposta ao público,
designa a proposta contratual dirigida a um círculo indeterminado de pessoas. O
público é então o declaratário da proposta contratual, ou seja, estamos perante
uma declaração não recipienda. As suas características são, para além da
indeterminação pessoal do destinatário, a sua consequente fungibilidade subjectiva do
futuro ou futuros contraentes (excepto nos casos de concessão de créditos pelo
anunciante) e a utilização do anúncio público como meio de difusão da proposta (por
exemplo, em catálogos, panfletos ou anúncios). O seu regime segue o da proposta,
salvo no que respeita à revogação, onde admite a sua livre revogabilidade (230º nº3
CC).

Nota: Por vezes surgem dúvidas na delimitação destas duas últimas categorias, e essas
dúvidas não são descabidas. É exemplo o leilão, onde há uma grande dificuldade e
intenso debate em determinar quem tem a iniciativa da negociação com o público. A
solução costuma passar pela aplicação das regras sobre a interpretação negocial.
Todavia, uma boa forma de delinear eficazmente os conceitos é compreendendo
que a oferta ao público constitui proposta contratual e, portanto, tem de reunir as
características desta. Se tal não suceder, faltando estas características, a iniciativa
de negociação com o público é qualificada como um mero convite a contratar.
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5.2.1. Características da proposta contratual

Como já sumariamente referido, a proposta contratual, enquanto declaração


negocial unilateral (segundo Menezes Cordeiro e Ferreira de Almeida), deve reunir as
seguintes quatro características indispensáveis. Enunciemo-las, para, de seguida, as
desenvolvermos:

→ Completa

→ Precisa

→ Firme

→ Formalmente adequada

Nota: A aferição da completude, precisão e firmeza da proposta é uma operação de


interpretação de declarações negociais, pelo que deverá ter como referência o sentido
apreensível por um declaratário normal (236º), colocado no lugar do declaratário real.

→ Completude – Cada contrato dispõe de um texto (ou conteúdo) que é


composto pelo conjunto de elementos constantes das respectivas cláusulas. Ora,
decorre do 232º que só há proposta se ela se apresentar como iniciativa contratual
completa, ou seja, como projecto acabado do contrato que o proponente tenciona
celebrar. A verificação da completude tem de ser aferida caso a caso, aplicando os
critérios relativos à interpretação da declaração negocial (236ºCC), tendo sempre em
conta tanto as disposições legais supletivas, convencionais, ou ainda os usos
concernentes à matéria sobre que versa o contrato. Ou seja, a proposta completa deve,
nos contratos típicos, conter em si mesma, ou por remissão para as normas supletivas,
os elementos essenciais de cada tipo negocial. Temos, no caso do preço, situações em
que o mesmo constitui um elemento essencial da formação do contrato de compra e
venda ou de outros contratos onerosos e situações em que não o é, existindo normas
legais que nos prestam auxílio (883º). Pode, portanto, haver completude sem fixação do
preço. Caso o contrato seja atípico, a proposta deve conter uma regulamentação
racional, fechada e compreensível do negócio a celebrar. Novamente, salvo

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conhecimento efectivo, por parte do declaratário, da incompletude, para o declarante, da


iniciativa contratual deste, a incompletude só releva se, como tal, for apreensível por um
declaratário normal. A doutrina tem entendido que a completude da proposta deve
permitir que a simples concordância do seu destinatário seja suficiente para formar o
contrato. Esta afirmação deve ser entendida cum grano salis, pois a aceitação pode
traduzir-se em algo mais do que a enunciação de um mero “sim” relativamente aos
termos da proposta, dado que esta pode permitir ao destinatário um certo grau de
liberdade de estipulação, sem que isso fira a completude da mesma.

→ Precisão - A proposta, uma vez aceite, não pode deixar dúvidas sobre os
elementos componentes do contrato celebrado, mas este requisito não deve, todavia,
ser exacerbado. A precisão, tal como a completude, é compatível com ambiguidades
solúveis pela interpretação e com lacunas supríveis por integração. Na verdade, sob
certos aspectos, o grau de precisão da proposta pode ficar aquém do grau de precisão
necessário relativamente ao contrato correspondente, por exemplo, quando na proposta
contratual são deixados certos elementos à livre escolha ou estipulação do aceitante.

→ Firmeza - A proposta deve ser reveladora de uma vontade clara, séria e


definitiva de contratar, mas não um grau especial de seriedade e de consciência
para lá daqueles que são exigidos para a existência de uma qualquer declaração
negocial. Esta característica não impede que a proposta seja emitida sob condição
suspensiva, ficando a sua eficácia e o termo inicial para a contagem do prazo de
vigência dependentes da verificação da condição. Ao invés, as condições resolutivas só
serão admissíveis dentro dos limites correspondentes aos da admissibilidade da
revogação da proposta.

→ Adequação formal – Finalmente, a proposta deve ser dotada de forma


suficiente para a formação do contrato a que vai dirigida. Observe-se, contudo, que
nem sempre os requisitos de forma se aplicam a ambas as declarações contratuais (410º
nº2, 1143º 2ª parte), que a exigência de forma pode não se reportar a todos os elementos
do contrato quando a própria proposta se distribua por mais do que um enunciado, e que
a proposta de contrato formalmente não adequada pode servir de base para a existência
de acordos informais e para a formação de expectativas quanto à futura celebração do
contrato, a tutelar nos quadros gerais da responsabilidade pré-contratual.

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Nota: Convém, nesta sequência ordenada de considerações, estabelecer a destrinça entre


condições suspensivas e condições resolutivas, adiante retomada. Na primeira, temos
um facto futuro incerto que suspende a produção de efeitos do contrato, enquanto na
segunda estamos perante um contrato em vigor que só permite a sua plena produção de
efeitos até à ocorrência de um certo facto que, segundo estipulado pelas partes, o irá
resolver.

5.3. Perfeição das declarações negociais (224º CC)

Não obstante o preenchimento dos requisitos do 217º, e apresentando a forma


prescrita pelo 222º e 223º, num pleno uso da liberdade de forma do 219º, a declaração
negocial – manifestação de vontade dirigida à produção de efeitos jurídicos - não
produz, sem mais, os seus potenciais efeitos. Para uma declaração negocial não releva
somente o conteúdo da vontade que se manifesta, nem a sua forma determinada pela lei
ou pela vontade dos contraentes, mas também o momento da sua eficácia, ou da sua
perfeição. É a soma dos elementos estruturais da declaração com o elemento temporal.
Os preceitos que integram o 224º respondem, no seu conjunto, à questão de saber
quando é que a declaração negocial se torna “perfeita”, ficando em condições de
iniciar a produção dos seus efeitos e vinculando o declarante ao seu conteúdo. Mas
em que importa o momento da eficácia da declaração? Essencialmente em três pontos:
primeiro, permite-nos determinar se foi a declaração tempestivamente - no tempo
adequado - efectuada ou não; segundo, esclarece-nos relativamente a qual das partes
arcará com o risco de uma transmissão errónea da declaração, através da clara separação
das esferas jurídicas do declarante e do declaratário para as declarações receptícias;
terceiro, determina o momento a partir do qual o declarante fica vinculado à sua
declaração, o que, em especial quando estejam em causa declarações constitutivas de
um contrato, permite determinar o momento (e o lugar!) em que o mesmo se aperfeiçoa
e passa a desencadear os seus efeitos. Desta forma, claro fica que uma declaração
negocial pode-se apresentar em mais do que uma fase (a cada qual, correspondente uma
diferente teoria da eficácia da declaração, relativa à autossuficiência da referente
fase), exibindo, comummente, a seguinte configuração:

→ Exteriorização (emissão) – quando a declaração é formulada e manifestada,


exprimindo a vontade do declarante.

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→ Expedição (emissão) – quando a manifestação de vontade explanada na


declaração, depois de formulada, é expedida pelo declarante, iniciando o caminho rumo
à esfera de poder do declaratário. Nas declarações não recipiendas só estas duas fases se
verificam.

→ Recepção – quando a declaração negocial dá entrada na esfera de poder do


declaratário, em termos que este possa tomar conhecimento do seu conteúdo.

→ Conhecimento – quando o declaratário toma efectivo conhecimento do


conteúdo da declaração que lhe foi emitida. Atenção: nada impede que estas 4 fases se
produzam simultaneamente, como quando um cliente entra numa loja e diz ao vendedor
“compro isto”.

Nota: a existência, e até o conteúdo de uma declaração negocial, são sempre


determinados segundo as regras da interpretação, plasmadas no 236º CC. Segundo este
preceito, torna-se declaração negocial qualquer forma de comportamento que de
acordo com os critérios interpretativos tenha significado negocial.

5.3.1. Declarações recipiendas e não recipiendas no 224º CC

Tudo isto releva, como bem compreendido, somente para as declarações


receptícias (como uma proposta contratual, a aceitação, a resolução ou a denúncia), e
não para as declarações não receptícias (como um testamento). É oportuno refrescar o
entendimento relativo a esta destrinça: no seu entendimento mais comum, declarações
receptícias são as que têm um destinatário determinado, sendo dirigidas ou
endereçadas a certa pessoa. Uma concepção mais restrita encara-as como aquelas que,
devendo ter um destinatário determinado, carecem de ser por ele recebidas para
poderem surtir efeitos (declarações de recepção necessária). As declarações seguem,
regra geral, este regime, tendo de ser levadas ao conhecimento ou ao poder do
destinatário para produzirem efeitos. Por seu turno, as declarações não receptícias são
as que não têm de ser recebidas para ser eficazes, bastando a simples manifestação
unilateral de vontade do declarante de forma adequada, isto é através do meio
adequado à linguagem, conteúdo e objectivos da mensagem.

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Nota: nunca olvidando que sobre o declarante impende sempre um ónus de


comunicação eficiente. Compete-lhe fazer chegar a declaração à esfera do destinatário
em condições deste ter acesso esclarecido ao seu conteúdo, pois caso não observar este
ónus, a mesma é ineficaz.

Para aferir da razoabilidade prática de cada uma das 4 teorias supra enunciadas,
cumpre efectuar uma cuidada análise do artigo 224º CC, tendo em mente que o 217º
assegura, desde logo, que a simples emissão da declaração de vontade assegura a sua
existência jurídica. No 224º ficam estabelecidos diferentes critérios para os
diferentes tipos de declaração negocial:

→ Declaração recipienda – três regimes distintos de eficácia ou ineficácia…

→ → 224º, nº1, 1ª parte, logo que é efectivamente conhecida ou cheguem à


esfera de poder do destinatário (ou seja, logo que este toma conhecimento do conteúdo)
– eficácia.

→ → 224º nº2, a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida


pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção –
eficácia.

→ → 224º nº3, quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por


ele conhecida (complemento da “chegada ao poder” do supracitado nº1) – eficácia.
Quando não chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida –
ineficácia. Basta confirmar-se este nexo de “desculpabilidade” na não tomada de
conhecimento da declaração e esta é ineficaz, como no caso de uma missiva dirigida a
um analfabeto.

Nota: uma rápida análise dos elementos aqui enunciados denota, desde logo, o
compromisso do CC com uma posição intermédia, moderada, temperando a teoria do
conhecimento com a recepção. Esta opção do legislador, que na verdade inclina-se para
a teoria do conhecimento ou da percepção, é perfeitamente compreensível, dado ser a
que melhor salvaguarda o destinatário da declaração (esta só produzirá efeitos
quando a pessoa a quem vai endereçada acede ao respectivo conteúdo). O
“tempero” da mesma surge, com o 224º nº2, ao estipular que, para a lei, basta que a
declaração chegue ao poder do destinatário em condições de poder ser por ele
conhecida, independentemente da efectiva tomada de conhecimento do conteúdo. A

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razoabilidade não é afectada, pois trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do


momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique
apenas a depender de ato do destinatário entrar no seu conhecimento. Sem este
contrapeso, a balança da protecção jurídica penderia insustentavelmente para a esfera do
destinatário, que poderia pura e simplesmente ignorar a previsível recepção de uma
declaração para poder alegar o seu desconhecimento perante o declaratário.

O que é, então, a chegada ao poder do destinatário? A declaração chega ao


poder do destinatário quando atinge a sua esfera pessoal, ficando ao seu alcance,
de modo a que, em condições normais e segundo as regras da experiência comum,
o declaratário possa, por actos que dependam apenas dele próprio (e que se espera
que ele pratique nessas circunstâncias), tomar conhecimento da vontade
manifestada pelo declarante. Assim, por exemplo se é entregue uma carta, em
sobrescrito fechado, na caixa do correio da morada correspondente à residência habitual
do destinatário, espera-se que o mesmo a vá recolher, que a abra e que leia a
comunicação dela constante. Se for o destinatário a impedir, culposamente, que a
declaração chegue à sua esfera de poder, tudo se passa como se ela tivesse sido
oportunamente recebida (224º nº2). Se essa carta for remetida para um analfabeto ou
chegar completamente rasgada, a declaração só poderá ser considerada ineficaz.
Importante é que, como decorre da lei, a não recepção proceda de culpa exclusiva do
destinatário, caso que já não sucede quando o declarante não observa o ónus de efectuar
uma comunicação eficiente, de fazer com que a declaração seja recepcionada pelo
destinatário em circunstâncias tais que possa ter efectivo acesso ao seu conteúdo
(declarante deixa carta no correio de quem está de férias – declaração ineficaz). Desta
forma, um contrato tem-se por concluído no momento em que a declaração de aceitação
produzir efeitos, isto é, quando chega ao poder do proponente em condições de ser por
ele conhecida, ou quando for efectivamente conhecida pelo mesmo (224º nº1,
complementado pelo nº3).

→ Declaração não recipienda – apenas um regime de eficácia…

→ → 224º, nº1, 2ª parte, tornando-se a declaração eficaz logo que o declarante


se manifeste na forma adequada. Representa uma consagração da teoria da
exteriorização (ex. testamento – 2719ºCC), podendo ainda abranger a teoria da

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expedição (ex. promessa pública – 459ºCC). Nestes casos, a perfeição da declaração


negocial dá-se com a simples emissão.

5.3.2. Casos especiais contemplados nos artigos 225º e 226º

→ Anúncio Público (225ºCC) – Em boa verdade, o artigo 225º não se refere à


eficácia da declaração negocial, pois trata apenas de um modo por que a declaração
pode ser feita, quase constituindo um complemento do 217º, referente às declarações
expressas e tácitas. A sua aplicabilidade prática não foi incluída em nenhum dos
subtipos anteriores referentes às contemplações legais das declarações recipiendas
e não recipiendas, pois possui essa mesma dúplice materialidade: aplica-se, quer às
declarações recipiendas que hajam de ser dirigidas a um destinatário cuja
identidade ou paradeiro se desconhece, quer às declarações não recipiendas feitas
ao público e, portanto, a destinatários indeterminados (inclui promessa pública do
459º e a oferta ao público, enquadrável na 2ª parte do nº1 do 224º). O artigo 225º
remete-nos para casos em que a lei impõe a emissão de declaração negocial a
destinatário cuja identidade ou paradeiro se desconhece. O anúncio público permite
cumprir tal dever, como nos casos em que o sujeito tem de cumprir a obrigação de dar
preferência a outrem que se encontra ausente ou cuja identidade ignora (declaração
receptícia). A referência à publicação em jornal da residência do declarante deve ser
interpretada no sentido de ser esse um dos meios de emissão de declarações ao público,
não impedindo que, em face das circunstâncias do caso concreto, o declarante utilize
outro meio que, pela sua natureza, garanta, tal como os jornais, a difusão pública da
declaração e assegure a susceptibilidade do seu conhecimento por parte dos respectivos
destinatários (ex. websites ou redes sociais), sendo que o momento da perfeição da
declaração é o da publicação no jornal. Como constatamos, temos dois tipos distintos de
declarações negociais, mas o mesmo modo de eficácia, a mera emissão.

→ Morte, Incapacidade, ou Indisponibilidade superveniente (226ºCC) –


Uma vez que emitida a declaração negocial já tem existência jurídica, como já
referimos, acontecimentos posteriores não podem influir nela, pois já está
estipulada (ainda que a eficácia se possa dar em momento ulterior – sob condição
suspensiva - ou ainda que seja recipienda ou não recipienda). O problema coloca-se
na medida em que entre o momento em que o declarante emite a sua declaração e a
altura em que esta adquire eficácia (segundo o 224º nº1, 1ª parte, ou nº2 e nº3, a

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chegada ao poder e tomada de conhecimento do destinatário nas declarações receptícias,


ou segundo o 224º nº1, 2ª parte, a manifestação de vontade na forma adequada, como
nas declarações não receptícias e outros casos), podem ocorrer acontecimentos que, não
afectando a existência da declaração já emitida, ferem a sua eficácia. É ao que se reporta
o 226º nº1 e nº2. O nº1 estabelece o princípio da objectivação da declaração, na
medida em que uma vez emitida, nada pode obstar à sua perfeição, a não ser um
preceito interno que contemple tal hipótese, determinando que a morte ou incapacidade
radique na sua caducidade e ineficácia. Este preceito é, naturalmente aplicável a
declarações recipiendas e não recipiendas, na medida em que os dois momentos da
emissão não ocorrem, necessariamente, em simultâneo. A regra do artigo 226º nº1 é
aplicável a todas as declarações negociais não qualificáveis como propostas. Os artigos
228º a 235º são normas relativas à formação dos contratos segundo o modelo de
posposta e aceitação, que afastam, no seu âmbito específico, as regras gerais aplicáveis
às declarações negociais. Todavia, o nº2 do 226º consagra uma restrição à eficácia
da declaração já emitida mas ainda não recepcionada ou conhecida: quando o
declarante perca a disposição do direito a que se refere a proposta (deixe de ser
titular do direito ou o mesmo se torne indisponível por força das regras da
insolvência). Neste caso, a declaração negocial emitida torna-se ineficaz. Mais uma
vez o regime legal deve ser aplicado, por analogia, às declarações não recipiendas,
sempre que a perda do poder de disposição sobre o direito se verifique entre a emissão e
a perfeição das mesmas.

Nota: Como apontamento teleológico, cabe esclarecer que no primeiro número do 226º
a eficácia justifica-se pela emissão da declaração se reportar a pessoa capaz, e no
segundo número a ineficácia é o melhor método para tutelar interesses de terceiros.

5.4. Aceitação, vigência e perda de eficácia da proposta

5.4.1. Aceitação

A resposta afirmativa ou reacção positiva a uma determinada proposta


contratual chama-se aceitação. Não é necessário, como já explicitado, que baste um
mero “sim” para a conclusão do contrato, gozando o declaratário da proposta, em alguns
casos, de uma margem de estipulação do conteúdo do NJ a celebrar, mas indispensável
é que, com o ato de aceitação, fiquem concluídas as negociações e se forme o acordo
que constituirá o contrato, quando tempestiva, dentro do tempo de vigência da

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proposta (224º e 228º). Não fere a tempestividade a adição de um termo suspensivo à


aceitação, desde que o mesmo evento ocorra dentro do prazo de vigência da proposta
contratual. Uma aceitação intempestiva pode ainda recair no 229ºCC e despoletar uma
aceitação tardia, e o seu regime de revogação segue o da proposta (235º nº2 CC). De
salientar que a aceitação deve ser comunicada (declaração recipienda, salvo 234ºCC,
expressa ou tácita), sob nível formal não inferior ao observado na proposta, ou seja,
na proposta inclui-se uma cláusula tácita sobre a forma a adoptar no contrato (223º nº1).
A conformidade formal a que deve obedecer a aceitação respeita tanto ao conteúdo
como à forma. Uma reacção afirmativa quanto ao conteúdo mas díspar quanto à forma
opera como contraproposta, (ou, em certos casos, como aceitação informal), propondo
a alteração da forma convencional adoptada pelo primeiro proponente (se a lei permitir
a degradação formal), mas sempre tendo em conta que a exigência de concordância
deve ser aferida segundo as regras da interpretação do negócio jurídico, bem como
relativamente ao conteúdo da proposta. Se da aplicação destas regras resultar a
discordância total ou a introdução de aditamentos, limitações ou outras modificações
não consentidas pela proposta, tal declaração é qualificada com uma rejeição (233ªCC).
Seja como for, o mais importante e que sempre distingue a aceitação da contraproposta
ou mera rejeição é que, com ela, fica concluído o diálogo para a formação do acordo
contratual. Em abono de clarividência, cumpre dilucidar certos regimes específicos:

→ Aceitação tácita não recipienda do 234º CC – Como bem compreendido, o


regime explanado no 234ºCC constitui uma excepção ao regime geral que postula as
declarações negociais como recipiendas. Basta, neste caso, uma conduta exterior
concludente que revele, com toda a segurança e probabilidade, a intenção de
aceitar a proposta contratual e tem-se o contrato por celebrado. São imperativos de
tráfego negocial que fundamentam a consagração desta excepção. De que formas pode
esta dispensa operar? A lei dá-nos 3 respostas: pelo conteúdo da própria proposta, pela
natureza e circunstâncias da sua realização e pelos usos. No primeiro caso, o proponente
pode, de forma expressa ou tácita, renunciar à recepção da declaração de aceitação,
sendo que tal sentido deve ser fixado por apelo às regras gerais da interpretação. No
segundo, a natureza do negócio ou as circunstâncias em que é celebrado podem fazer
presumir a desnecessidade da aceitação, como acontece, frequentemente, com a reserva
de quartos de hotel, a remessa de bens para reparação e as operações de bolsa. No que
aos usos concerne, para determinar, em concreto, a sua existência, deve obter-se

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resposta positiva à questão de saber se, em negócios do mesmo tipo e celebrados em


circunstâncias análogas, normalmente se prescinde da aceitação receptícia. Apesar da
existência de um uso, o proponente pode exigir a aceitação ou uma simples confirmação
da prévia aceitação não receptícia tácita. Dada a sua distinta natureza, não serão de
aplicar todas as regras que pressuponham a natureza receptícia da aceitação (224º nº1,
1.ª parte, 235º nº2), somente as restantes respeitantes às declarações negociais.

→ Rejeição e suas modalidades - A declaração de rejeição, expressa ou tácita


mas sempre recipienda, tem como efeito a extinção da proposta, ainda que não
tenha decorrido o prazo da aceitação. Não confundir com a simples inacção no
decurso do prazo de vigência da proposta, onde não há qualquer declaração no sentido
de rejeitar a proposta, tampouco o silêncio como tal seria qualificável, a não ser que as
partes assim o tivessem convencionado, ou deriva-se da lei e dos correntes usos em
situações similares (218ºCC, sendo o 923º nº2 sua excepção). O 233º consagra três
modalidades da rejeição:

→ → Aceitação com modificações, contraproposta, e aceitação parcial no


233º - A lei equivale a aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações à
rejeição da proposta. Estas modificações devem incidir sobre um conteúdo central da
proposta e não sobre aspectos secundários ou laterais, como um simples pedido de
prorrogação do prazo para aceitação. Todavia, na 2ª parte do mesmo artigo logo é
estabelecida uma cambiante, estipulando que a aceitação com modificações, apesar de
acarretar a rejeição da proposta, vale, no caso de ser “suficientemente precisa”, como
nova proposta contratual, ou seja, como contraproposta, uma proposta do
destinatário primitivo. A contraproposta sujeita-se ao regime e a todos os requisitos já
aventados para a proposta. Atenção que a aceitação diverge da chamada aceitação
parcial, na medida em que na aceitação parcial, o destinatário da proposta apenas aceita
parte do seu conteúdo, não se pronunciando quanto ao mais. Não há aceitação nem
contraproposta, somente rejeição.

→ Aceitação tardia do 229º - Por regra, a eficácia da aceitação depende da


sua tempestividade, isto é, da sua emissão e produção de efeitos dentro do prazo de
vigência da proposta contratual. Contudo, a aceitação intempestiva pode produzir certos
efeitos jurídicos, tornando-se eficaz já depois de caducar a proposta, sendo exemplos
disso a adstrição do proponente ao dever de avisar que o contrato não se celebrou (229º

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nº1 CC, caso não queira contratar), ou até a eficácia por vontade unilateral e
potestativa do proponente (229º nº2, 1ª parte, quando quiser contratar), desde que
expedida em tempo oportuno. O aceitante tem, portanto, um ónus de emissão
oportuna e tempestiva da sua declaração, pois necessário é que, consoante o meio
escolhido para o transporte da declaração, esta seja expedida com a antecedência
que, em circunstâncias normais, permita a sua recepção tempestiva. Não há dever
de aviso por parte do proponente se a intempestividade for óbvia. O veículo utilizado
para cumprir a exigência de aviso imediato deve ser tão ou mais veloz quanto o
utilizado pelo declaratário para fazer chegar a sua aceitação. No caso de incumprimento
do dever de aviso, o proponente poderá incorrer em culpa in contrahendo, por violação
de imperativos de boa-fé, nomeadamente de deveres de informação. Fora do 229º nº2,
1ª parte, a aceitação intempestivamente expedida nunca pode ser eficaz. Quanto muito,
a aceitação tardia e expedida fora de tempo oportuno poderá ser interpretada como
proposta do aceitante, desde que reúna os requisitos necessários para tal qualificação.

Nota: Não poderá haver eficácia superveniente da resposta intempestivamente recebida,


se a aceitação for expedida em tempo inoportuno ou em tempo oportuno sem hipótese
de cumprimento do prazo de transporte (por exemplo, o caso do envio oportuno de uma
aceitação por correio normal sabendo que este, dentro dos prazos regulares de entrega,
será recebida já depois de caducar a proposta). Neste caso, o aceitante não merece
tutela.

Nota: Revendo a culpa in contrahendo (CIC) / Responsabilidade Pré-Contratual


(227ºCC) – A formação de contractos é dominada pelo princípio da autonomia privada,
uma das expressões máximas do princípio da igualdade. Mas esta tem limites: as regras
pré-negociais de boa-fé, descobertas por Jhering. Esta limitação pode, in extremis,
conduzir à obrigação de contratar, como nos serviços públicos, ou nas empresas
monopolísticas. Na fase preparatória, as partes devem cumprir três deveres:

→ Dever de Segurança

→ Dever de Informação

→ Dever de Lealdade:

→ → Dever de Sigilo

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→ → Dever de Não-concorrência

Em múltiplos casos se concretiza esta figura: vulnerabilidade pré-negocial,


contratação ineficaz (contrato nulo ou impugnável), interrupção injustificada nas
negociações, tutela da parte fraca ou a responsabilidade por actos de terceiros).
Requisitos da responsabilidade pré-contratual: 4 decorrentes do princípio da tutela da
confiança (situação de confiança, justificação para tal confiança, investimento de
confiança baseado na mesma e imputabilidade da frustração da confiança), com a
presunção de culpa do 798º CC. A indemnização, tal como nas restantes modalidades de
responsabilidade civil, poder ser aferido segundo: o interesse negativo (mais
característico da CIC, repondo a situação antes das negociações), o interesse positivo
(mais característico da responsabilidade contratual e extracontratual, como se o contrato
fosse válido e eficaz).

→ Revogação da aceitação ou da rejeição do 235º (retractações) – O CC fala


de revogações, mas, em bom rigor, falamos de retractações, pois tanto a aceitação
(235ºnº1) como a rejeição (235º nº2) são irrevogáveis. Posto isto, a declaração de
retractação – da rejeição ou da aceitação – prevalece sobre a declaração anteriormente
emitida quando, de harmonia com o disposto nos artigos 224º nº1, 1ª parte, e 230º nº2,
seja eficaz ao mesmo tempo, ou em momento anterior ao da primeira declaração
dirigida ao proponente.

5.4.2. Vigência e perda de eficácia

A proposta negocial permanece em vigor desde o momento da sua perfeição


até ao momento em que perde eficácia. Essa cessação da eficácia pode ter diversas
causas, tais como a caducidade, revogação, morte e incapacidade do proponente,
ilegitimidade do proponente, rejeição. Comecemos por abordar a caducidade.

→ Fixação de prazo convencional e caducidade - (228º nº1 a)) -, dá-se


mediante o natural decurso do prazo de duração fixado pelo proponente ou
convencionado pelas partestanto valendo para propostas dirigidas a pessoas
determinadas como em ofertas ao público. O prazo da proposta pode, ainda, ser
alargado mediante consenso das partes, mas somente quanto ao seu alargamento, na
medida em que os prazos correm sempre a favor do declaratário. Excluindo a proposta
ao público e a aceitação tácita do 234ºCC, todas as outras declarações negociais são

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declarações recipiendas, pois têm um destinatário determinado. Já estudados foram os


termos em que a proposta se torna eficaz – 224ºCC. Mas e quanto à duração dessa
mesma eficácia? O 228ºCC dispõe sobre o prazo por que se mantém a eficácia da
proposta, ou seja, o período de tempo durante o qual o autor da proposta fica
vinculado à mesma e, portanto, sujeito ao exercício do direito potestativo de
aceitação pelo destinatário. Atenção, que o prazo de vigência da proposta pode
resultar da lei ou do consenso das partes, dando-se, naturalmente, primazia à vontade
dos interessados. Desta forma, a proposta caduca decorrido o prazo estipulado pelas
partes ou pela lei para a aceitação (ou mesmo antes, quando rejeitada). Todavia, o
prazo de vigência pode resultar da própria proposta ou ser estipulado mediante anterior
declaração do proponente ou através de acordo das partes que vise a definição dos
termos da futura celebração de contratos entre elas. A proposta também caduca quando
há morte ou incapacidade subsequente do destinatário (231º nº2), se bem que só
quando se presumir (presunção legal iuris tantum) que essa seria a vontade do
proponente (226º e 236º). Explicitada a alínea a), prossigamos: as alíneas b) e c) do n.º 1
estruturam o regime supletivo legal consoante o proponente requeira ou não resposta
imediata.

→ Não fixação de prazo convencional e caducidade - 228º nº1 b) -, Se o


proponente exigir resposta imediata a proposta mantém-se até que, em condições
normais, esta e a subsequente aceitação cheguem ao seu destino. Subjaz à lei o
entendimento de que, quando o proponente solicita resposta imediata, pretende obter
uma reacção tão rápida quanto possível, tendo em conta o meio utilizado para a
transmissão da declaração. Deve por isso pressupor-se, salvo indicação do mesmo em
contrário, que o proponente pretende que o aceitante utilize o mesmo meio que o usado
para a transmissão da proposta, ou, pelo menos, tão expedito quanto o utilizado pelo
proponente. Dificuldades poderão emergir da consideração do lapso temporal
correspondente à expressão “condições normais”. Este período de tempo é aferido em
abstracto, excluindo hipotéticas variações anormais do iter proposta-aceitação. Nesta
situação, antes de mais, teremos de atender ao meio de comunicação utilizado, sendo
que no emprego de meios tão céleres como as SMS ou o e-mail a resposta à proposta
deve ser dada no próprio dia ou no dia subsequente, conforme a proposta seja enviada
pela manhã ou pela tarde. Se o meio escolhido for o correio tradicional, compete
distinguir entre correio normal, expresso ou azul e ainda a distância que o mesmo terá

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de percorrer (dentro do território nacional). Em termos regulares considera-se o prazo


de 6 dias úteis como mais apropriado enquanto prazo de recepção da aceitação da
proposta (3+3, soma do prazo de transporte das declarações negociais). Nos casos
em que a proposta é feita por forma verbal a pessoa presente ou que se encontre ligada
ao proponente por meios que viabilizem um contacto directo e imediato (telefone,
videoconferência, conversações em tempo real através da “internet” ou “chats”) a
vinculação do proponente é imediata e a proposta caduca se não houver aceitação do
declaratário no próprio acto.

Se o proponente não exigir resposta imediata - 228º nº1 c) -, a lei estabelece


que a proposta feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente, a duração da
proposta contratual é estendida por um período adicional de 5 dias (prazo de
reflexão), somado aos prazos de transporte, ao fim dos quais, tem-se por caducada.
Situação típica: 3+5+3.

Nota: prazo de transporte da proposta vs. Prazo de transporte da aceitação. Será


adoptado o mesmo regime para o cálculo dos mesmos? A resposta é, claramente,
negativa. O critério para aferir qual o prazo de transporte da aceitação é simplesmente a
transposição do já constatado para a proposta, ou seja, os prazos são idênticos (ou, pelo
menos, igualmente expeditos). Por exemplo, se o prazo de transporte de uma proposta
emitida por missiva for de 3 dias, o prazo de transporte da aceitação (a havê-la) terá,
necessariamente, de ser, igualmente, de 3 dias, sendo que entre a recepção da proposta e
a emissão da aceitação, mediarão os 5 dias de reflexão consagrados pelo 228º nº1 c) do
Código Civil (3+5+3).

No que ao lugar da eficácia da proposta contratual diz respeito, embora o artigo


224º só se refira ao tempo em que se inicia, é pacífico o entendimento de que as suas
regras correspondentes definem, igualmente, o lugar. A sua determinação é
especialmente relevante no âmbito da competência jurisdicional e na aplicação de
normas de direito internacional privado. Assim, a proposta e a aceitação recipiendas
consideram-se eficazes no lugar onde, conforme as circunstâncias, tenham sido
recebidas ou conhecidas, ou deviam ter sido recebidas. No caso da declaração não
recipienda proposta ao público, tem-se por localização do início de eficácia o lugar onde
foi transmitida. Finalmente, a aceitação tácita do 234º tem-se por eficaz no local onde se

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pode constatar o facta concludentia, o comportamento de onde se presume, com toda a


certeza e segurança, a intenção de aceitar.

→ Revogação - declaração unilateral do proponente emitida sem necessidade de


justificação, com efeitos para o futuro. Regra geral, a proposta contratual que seja
eficaz é irrevogável, vinculando o proponente aos seus termos (230º nº1 - princípio
da irrevogabilidade da proposta contratual), cujo fundamento redunda na
protecção do tráfego negocial e, mais concretamente, a protecção da confiança do
destinatário da proposta. Há, todavia, casos em que a proposta contratual pode ser,
legitimamente revogada, afastando casuisticamente o princípio da irrevogabilidade da
proposta:

→ → Reserva do direito de revogação (230º nº1, 1ª parte) - se a proposta tiver


destinatário determinado, o proponente pode, na própria proposta ou através
convenção prévia entre os contraentes, reservar o direito de revogação da sua
proposta, contanto que o faça na própria declaração, ou através de outra declaração que
chegue ao poder ou ao conhecimento do destinatário antes ou ao mesmo tempo que a
proposta.

→ → Declaração de retractação (230º nº2) - ao contrário da revogação, cujos


efeitos se reportam a uma proposta vigente, a declaração de retractação impede a
própria eficácia. Atenção que é necessário que a retractação seja recebida ou
conhecida pelo destinatário antes ou ao mesmo tempo que a proposta. Nos casos
em que exista conhecimento efectivo simultâneo da proposta e da retractação, mesmo
que a proposta tenha chegado em primeiro lugar ao poder do aceitante, deve ser
decisivo o critério do conhecimento, não a relação temporal entre as declarações.

→ → Alteração das circunstâncias (437º CC) - se, após a emissão da proposta,


ocorrer uma alteração imprevisível e anormal das circunstâncias, parece dever
aplicar-se, com as necessárias adaptações, o regime da alteração das circunstâncias
fornecido pelo nosso código.

→ → Casos de oferta ao público – aqui teremos uma proposta contratual


livremente revogável. A revogação da oferta tem de ser realizada por forma idêntica
ou equivalente à observada na oferta, sendo que por forma equivalente entende-se,

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aqui, um meio que garanta a susceptibilidade de conhecimento e divulgação da


revogação análogos ao meio utilizado para a exposição da proposta.

Nota: por rejeição entende-se a declaração significativa de não-aceitação da


proposta, emitida pelo destinatário da mesma. As características da rejeição são
duas - a tempestividade (coincidência do seu tempo de eficácia com o tempo de
eficácia da proposta) e a desconformidade ou contradição com os termos da
proposta. Se esta mesma desconformidade for parcial e não total poderá ser, ainda,
reconduzida à categoria de contraproposta (233ºCC), claro está, se reunir os requisitos
para ser qualificada como proposta. Seja como for, a rejeição impede a posterior
aceitação pelo rejeitante (salvo nas retractações de rejeição do 235º nº1) e extingue a
eficácia da proposta, sempre que esta tenha somente o destinatário que a rejeitou.

→ Morte ou incapacidade superveniente do proponente - não releva, em


geral, à conclusão de um contrato cuja proposta já foi expedida - 231º nº1. Este
artigo confirma, para o caso especial da proposta contratual, a regra da
manutenção da eficácia das declarações negociais em caso de morte ou
incapacidade do declarante, já anteriormente prevista pelo artigo 226º nº1. Com
este regime, a lei pretende proteger o aceitante, que confia na eficácia da proposta que
lhe é dirigida, bem como respeitar a vontade do proponente enquanto vivo ou
plenamente capaz. Só haverá caducidade se “houver fundamento para presumir que essa
teria sido” a vontade do proponente, isto é, desde que da própria declaração,
interpretada em consonância com o conjunto das circunstâncias atendíveis, decorra ser
pretensão daquele que a sua morte ou incapacidade determinem a caducidade da
proposta. Portanto, apenas nos casos em que esta vontade seja objectivamente
reconhecível – ainda que na realidade não tenha sido reconhecida – cessa a tutela das
expectativas do destinatário da proposta. Caso contrário, a proposta deve ter-se por
eficaz.

→ Ilegitimidade superveniente do proponente - basta aplicar-se


analogicamente o já aprofundado no artigo 226º nº2.

Nota: São diferentes os efeitos jurídicos que a proposta eficaz projecta na esfera jurídica
do proponente e do destinatário: o proponente, pelo período em que a proposta se
mantenha eficaz, fica numa situação de sujeição à aceitação do declaratário; por

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seu turno, o destinatário fica investido do direito potestativo de aceitar ou rejeitar


a proposta, aliado à faculdade de apresentar contrapropostas.

Nota: Temos, então, como ciclos do processo negocial: a fase pré-negocial ou pré-
contratual (1ª), a formulação da proposta e a possibilidade de existirem contrapropostas
(2ª), e enfim, o momento da conclusão do contrato (3ª).

5.5. O sistema das cláusulas contratuais gerais (CCG)

Qualquer pequena reflexão nos demonstra que, no dia-a-dia, é impossível,


segundo o modelo clássico de contratação (sujeitos identificáveis, com equilíbrio de
poderes negociais e inteira liberdade de celebração e estipulação), negociar, ponto
por ponto, todos os contratos que necessitamos de celebrar. É simplesmente
inviável. Assim o impõe os imperativos da coeva contratação em massa, fruto da
galopante globalização. Na labuta diária, nós, os interessados, limitamo-nos a aderir, na
maior parte dos casos, a proposições pré-formuladas, celebrando NJ, nos transportes, na
banca, nos seguros, ou em outras áreas.

5.5.1. Noção, características e funções

Em situações como as supracitadas fazemos uso das CCG: proposições


impessoais pré-elaboradas que os contraentes podem adoptar com vista à
conclusão de um negócio, são disposições negociais pré-estipuladas, sem prévia
negociação individual, que se destinam a ser incorporadas numa série de (futuros)
NJ e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a
aceitar. Estas podem abranger a generalidade ou apenas parte do conteúdo do NJ, são
aplicáveis a tipos negociais diversificados e essencial ao seu conceito é a elaboração
prévia à celebração do negócio – sem negociação individualizada entre as partes –
independentemente de essa elaboração advir do proponente, do destinatário ou de
terceiros. Isto constitui a sua aproximação inicial, avancemos para uma análise
detalhada concernente às suas características:

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→ Pré-elaboração – um clausulado previamente elaborado.

→ Generalidade - Independentemente da sua origem, as CCG são sempre


conjuntos de estipulações colocadas ao dispor de uma generalidade de pessoas, sejam
estas proponentes ou destinatários, para serem utilizadas na celebração de múltiplos
contratos de certa modalidade. Daqui resulta uma indeterminação dos proponentes e/ou
dos destinatários.

→ Multiplicidade – Também denominada de generalidade de aderentes, traduz a


ideia da possibilidade e adaptabilidade ao emprego numa multiplicidade de contratos
singulares. No nº1 da LCCG a expressão “indeterminados” pode e deve ser interpretada
extensivamente como “múltiplos”.

→ Rigidez - As CCG destinam-se a ser incluídas, no NJ, no seu conjunto, ou em


bloco e a não ser negociadas entre as partes. Isso não exclui que, num NJ celebrado com
recurso a CCG, se contenham cláusulas particulares, objecto de negociação específica
entre as partes.

Dadas categorias de traços distintivos, sobrevêm comummente como características


naturais das CCG:

→ Desigualdade entre as partes - O utilizador das CCG, a pessoa que só faz


propostas nos seus termos ou que só as aceite quando elas a acompanhem, goza, em
regra, de uma marcada posição de supremacia económica e científica em relação ao
aderente.

→ Complexidade - O uso de CCG verifica-se, correntemente, em negócios de


grande extensão e complexidade. Além disso, as CCG cobrem, frequentemente, de
forma pormenorizada, todo o conteúdo do contrato, inclusive problemas de
aplicabilidade do Direito Internacional Privado, como a lei nacional ou o foro
competente na hipótese de litígio.

→ Natureza formulária - São geralmente reduzidas a escrito, tendendo a cobrir a


totalidade do conteúdo do contrato ficando, assim, facilitada a sua utilização futura.
Constam normalmente de extensos formulários onde o aderente, regra geral, se limita a
assinar.

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As CCG facultam a contratação eficaz com um elevado número de pessoas sendo que
certos sectores económicos nem existiriam, se não fosse possível contratar com base
nestas cláusulas. Estas fórmulas permitem a imperiosa lubrificação do fornecimento de
bens e serviços, os seus interesses de padronização (como no franchising), a cobertura
do risco multiplicado em termos ponderados e a protecção da parte mais fraca face ao
poderio negocial das empresas monopolistas ou oligopolistas. Posto isto, quais as suas
funções?

→ Rapidez – Como já referido, grande parte das situações do dia-a-dia, exigem


uma celeridade que nos impede de negociar ao detalhe todos os contratos que
empreendemos, como no bilhete de autocarro que compramos todos os dias. Deste
modo a contratação torna-se imediata, através de um acordo explícito e concludente, do
qual decorre a aplicação de CCG, mais ou menos extensas, mais ou menos complexas.

→ Colmatação de lacunas – Este ponto é sobre importante nos chamados tipos


sociais, contratos tipificados pela prática quotidiana, usualmente celebrados, mas que
não dispõem de disciplina ou tratamento legal específico, como os contratos de
concessão, de franquia, ou de abertura de conta bancária. Nessas eventualidades, as
CCG permitem suprir o vazio ou a insuficiência legal.

→ Racionalização da actividade – Prende-se com a necessidade de confeccionar


contratos idênticos ou paralelos, como no caso das empresas seguradoras. Esta
tendência “standardizadora” tanto pode ser total como relativa, nos seus elementos
essenciais. De sublinhar que a racionalização torna-se vantajosa para ambas as partes,
pois o utilizador sabe o que esperar pois pertence-lhe a sua autoria e o aderente sabe o
que esperar pois as mesmas CCG são utlizadas por todos e para todos os contratos
semelhantes.

→ Ordenação de riscos e encargos – Qualquer contrato envolver um certo risco,


maior ou menos consoante a comutatividade ou aleatoriedade do conteúdo, ou a
presença de um ou milhões de contratos (milhões de pequenos riscos). Só uma
ordenação do risco, pode tornar este risco plausível de tomar, sendo o veículo mais
comum as cláusulas limitadoras de responsabilidade, entre outros mecanismos
similares.

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→ Confiança dos interessados – O passageiro que compra o seu bilhete fá-lo


tranquilo, porque sabem que milhões de outras pessoas fazem o mesmo e tudo corre
bem. A presença de companheiros sossega, tal como o igual tratamento prestado a
todos. Desta forma, a nossa confiança é protegida, bem como a do Estado que
supervisiona o figurino geral destas CCG, nomeadamente nos seguros e no sector
bancários. Se cada contrato fosse um caso, cada um ficaria completamente sozinho com
o produto do que houvesse logrado negociar.

5.5.2. Formação do contrato singular

As cláusulas contratuais gerais, enquanto conjuntos predispostos, não têm, per


se, valor negocial próprio, ou seja, não são verdadeiros NJ, sendo a sua concepção
similar à de uma norma supletiva cuja decisão de emprego no conteúdo do caso
concreto deriva somente da vontade dos sujeitos que as utilizem. As CCG só ganham,
assim, valência jurídica quando incluídas nos diversos contratos que as utilizem (os
contratos singulares) mediante a sua aceitação, como nos diz o Artigo 4º da LCCG. Só o
acordo de vontades dita a sua inclusão nos NJ singulares, processo no qual as regras
gerais sobre a perfeição da declaração negocial são plenamente válidas. Ou seja, a
celebração do NJ com base em CCG não dispensa a vontade negocial das pessoas que
nele vão tomar a posição de partes, nem a liberdade de celebração tem tantos coarctes
que não os impostos pela necessidade quotidiana. No plano da liberdade de
estipulação já sabemos, pela ausência de negociação, que a mesma se encontra
reduzida ao nulo ou a algo perto, o que constitui o grande traço de regime
distintivo face ao modelo clássico de contratação, já estudado, e consagrado pelo
CC. O artigo 7º da LCCG consagra o princípio da especialidade, ao dar a prevalência às
cláusulas particulares acordadas na existência de alguma liberdade de estipulação, sobre
as cláusulas gerais.

A LCCG adstringe o utilizador das CCG a um leque de deveres, por forma a


minorar as assimetrias de informação e disparidade negocial que trincham a relação
entre os contraentes:

→ Dever de comunicação integral (5º LCCG)

→ Dever de informação e esclarecimento (6º LCCG)

→ → Penalização das cláusulas-surpresa (8º, alíneas c) e d) LCCG)

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5.5.2. Tutela do Aderente

Apesar de não ser possível conceber uma sociedade moderna sem recurso a
CCG que não visse a sua dinâmica económico-social seriamente comprometida, não é
sem sérios riscos que a sua aplicação é disseminada: a proliferação de falhas na
concorrência (monopólios e oligopólios), as profundas assimetrias de informação, a
realidade da ignorância legítima e voluntária, a captura de mais-valias injustificadas
pelo utilizador das CCG (sobrerrenda) à custa dos aderentes e, por último, a abundância
de esquemas de publicidade e facilidades de contratação que levam o aderente a CCG a
celebrar negócios imprudentemente, por exemplo. Todos estes problemas podem-se
potencialmente colocar em qualquer área da vida jurídica, contudo, uma das vantagens
da consagração legislativa do regime das CCG é o de dotar este esquema negocial de
meios específicos de tutela do aderente, adequados e eficazes, enquadráveis,
essencialmente, em dois figurinos:

→ Cláusulas proibidas – A consagração de um clausulado proibido, assegura a


tutela do aderente mediante o controlo do conteúdo: proibição do uso de cláusulas com
conteúdo inadequado e cominação da respectiva nulidade. Dentro destas, duas
modalidades existem…

→ → Cláusulas proibidas em geral – aplicáveis em qualquer que seja a


relação entre as partes. São aquelas cujo conteúdo, objectivamente considerado, não
pode nunca ser admitido: as contrárias à boa-fé (15º LCCG, segundo critérios do 16º).

→ → Cláusulas particulares proibidas - consoante a qualidade dos


intervenientes e as circunstâncias em que intervêm (também denominadas de proibições
concretas), consoante estejam em causa relações entre empresários e entidades
equiparadas (profissões liberais, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas
nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica – 17º LCCG), ou entre estes e
os consumidores finais (definidos por exclusão de partes, como todos os que não são
empresários ou profissionais liberais, ou o são mas não agem no âmbito dessa qualidade
ou em função dela). Podem ainda, estas, subdividir-se em listas negras ou cinzentas,
respectivamente:

→ → → Cláusulas particulares absolutamente proibidas (18º e


21º) – sempre interditadas, independentemente do tipo negocial concreto.

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→ → → Cláusulas particulares relativamente proibidas (19º e


22º) – a sua proibição dependerá dos casos em que se apliquem – necessidade de análise
casuística.

Nota: atenção que nas relações com os consumidores finais, aplicam-se analogicamente
as proibições cominadas para a relação entre empresários ou entidades equiparadas (20º
LCCG). Seja como for, o valor negativo que afecta as cláusulas proibidas é, sempre,
a nulidade das mesmas (12º LCCG), apesar da importante cambiante sui generis
consignada pelo artigo 13º LCCG, a que urge, em qualquer caso, atender.

→ Acção inibidora (25º LCCG) – Enquanto as cláusulas proibidas agem como


um meio repressivo, que somente opera após a efectiva formação do contrato, fala-se,
aqui, de um mecanismo de tutela preventiva. Este actua independentemente da
inclusão efectiva de cláusulas proibidas em contratos singulares visando a
condenação na abstenção do uso ou da recomendação futuros de CCG proibidas,
qualquer que seja a modalidade da proibição. Neste âmbito, pode-se ainda falar em
legitimidade activa (26º LCCG) e legitimidade passiva (27º LCCG) para intentar a
acção inibitória. Como nada se concretiza enquanto vegetar no plano dogmático, a
LCCG consagra medidas destinadas a tornar efectiva a decisão da acção:

→ → Publicidade eventual (30º nº2 LCCG)

→ → Registo em serviço próprio (34º e 35º LCCG)

→ → Sanção pecuniária compulsória (33º LCCG)

Nota: Cabe ainda uma breve enumeração de outros modelos de contratação, tais
como os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial (DL 24/2014, de 14.02,
alterado pela Lei 47/2014, de 28.07), os contratos celebrados por autómatos (mesmo),
os contratos à distância (mesmo), o correio electrónico (DL 7/2004, de 7.01, foi alterado
pelo DL 62/2009, de 10.05, e pela L 46/2012, de 29.08) e, finalmente, a contratação
proibida (de novo, DL 24/2014, de 14.02, alterado pela Lei 47/2014, de 28.07).

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6. REPRESENTAÇÃO

Nas relações sociais do dia-a-dia, o normal é verificar-se uma coincidência entre


a autoria psicológica e a autoria material dos negócios jurídicos, ou seja, o autor da
vontade que a eles preside é, comummente, a mesma pessoa que formula a declaração
negocial. Todavia, nem sempre assim acontece, existindo várias hipóteses de
intervenção no negócio de pessoas diferentes do autor da correspondente vontade. A
substituição e conjugação de vontades são fenómenos de atuação em conjunto ou no
lugar das pessoas com limitações de agir. Estas partilhas de vontade podem ter fonte
legal, sendo denominadas de representação legal, mas também derivar de NJ,
intitulados, estes casos, como representação voluntária, ou ainda revestir contornos
distintos onde não há representação proprio sensu.

Mas o que é a representação? Há representação quando uma pessoa pode


fundadamente agir em nome e no interesse de outra. Aquele que age em nome de
outrem diz-se representante e aquele cujo interesse se realiza diz-se representado. Para
falarmos juridicamente de representação, o representante deve agir em nome de outrem
(não em nome próprio); no interesse de outrem (na satisfação de necessidades alheias e
não próprias) e por conta de outrem (com a intenção de que os efeitos do acto que
pratica se produzam na esfera jurídica do representado). Posto isto, já nos encontramos
em posição de definir os elementos fulcrais do fenómeno representativo:

→ Actuação em nome de outrem – revelando a qualidade subjectiva em que


atua.

→ Actuação no interesse de outrem ou por conta de outrem – os interesses a


satisfazer não podem ser do representante, mas sim da pessoa em nome de quem age.
Ao representante são atribuídos poderes funcionais e não verdadeiros direitos
subjectivos.

→ Poder representativo – actuação do representante tem de ser juridicamente


fundada, tem de estar legitimado (legitimidade indireta) para intervir na esfera jurídica
alheia por lhe terem sido atribuídos poderes para tanto.

Com o intuito de, adiante, se extrair uma perfeita dilucidação do conceito de


representação, convém, a bem do rigor, analisar e destrinçar, desde já, o leque de figuras
afins à representação, espécies de fenómenos de substituição de vontade que não

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preenchem na plenitude todos os requisitos da representação e, como tal, têm um


tratamento diferenciado.

6.1. Figuras afins

Como já referido, são modalidades de fenómenos de substituição de vontade


que não preenchem na plenitude todos os requisitos da representação, sendo que
várias cambiantes se nos apresentam para dissecação:

→ Actuação no interesse de outrem, mas em nome próprio, como no mandato


sem representação (1157ºCC), na atuação do comissário de comissão comercial
(266ºCCom) ou na interposição real de pessoas.

→ No lugar de outra pessoa, mas no interesse próprio, como na acção sub-


rogatória ou sub-rogação do credor ao devedor (606ºCC). Neste caso estamos perante
um meio conservatório da garantia patrimonial - pressupõe a inércia do devedor no
exercício de um direito que lhe cabe e que, a ser exercido, beneficiaria a sua situação
patrimonial. Também enquadrável nesta categoria, estão as hipóteses de atribuição de
poderes representativos igualmente no interesse de terceiros ou do próprio
representante. Esta situação levanta grandes dúvidas quando alvitrando a hipótese do
representante agir somente no seu interesse ou no de terceiros, todavia esta
possibilidade é de excluir, visto que tal decorre, desde logo da letra dos preceitos do
CC, e ainda do 116º nº2 do Código do Notariado. Tem de haver sempre interesse do
representando, ou não fará sentido se falar em representação.

→ Situação em que o substituto não está legitimado para intervir em nome do


substituído, ou seja, quando não há poderes representativos. Por princípio, toda a
intervenção na esfera jurídica alheia sem legitimação não é permitida, relevando como
única exceção a gestão de negócios do 464º CC, onde o gestor age em nome e em
interesse da esfera jurídica afetada, mas sem qualquer poder para o fazer.

Questão de grande importância é compreender até onde e a partir de onde partem


os poderes representativos, ou seja, qual a sua extensão. A atribuição de poderes de
representação deve estipular toda e qualquer situação, limitando-se o representante a
transmitir a vontade correspondente ao interesse do representado? Ou concede-se ao
agente uma margem de decisão, uma liberdade de manobra no exercício dos
mesmos? Para se falar, verdadeiramente de representação deve-se perfilar esta

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segunda posição, caso contrário não estaríamos perante um representante proprio


sensu, mas de um mero núncio. Este é um simples transmissor da vontade alheia, sem
quaisquer poderes de decisão (por exemplo, na procuração para casamento – 1620º nº2
CC). O legislador acolheu esta distinção de regime no 250º e 259º CC, quanto ao regime
do erro, à capacidade do representante e do núncio (263ºCC) e do excesso no seu
exercício (250º e 268º CC).

6.2. Efeitos da representação e modalidades

A representação tem como primeiro efeito, desde logo, a legitimação do ato


praticado por uma pessoa diferente daquele em cuja esfera jurídica os efeitos
jurídicos se projectam. Esta legitimação diz-se indirecta, por não ser acompanhada da
titularidade da situação jurídica ou dos interesses sobre que incidem os efeitos do
negócio praticado. Outro efeito da representação prende-se com a maneira de ser do
instituto e está consagrado na letra do 258º CC, determinando que os efeitos produzem-
se directa e imediatamente na esfera jurídica do representado, dispensando a
necessidade de qualquer outro ato do representante para que tal aconteça, ao
contrário do que se passa na comissão ou interposição real de pessoas. Isto justifica-se
por o representante agir não só em nome do representando, mas no uso de poderes
funcionais por ele atribuídos. Por último temos uma inevitável dissociação subjectiva
que, acompanhada de um mínimo de autonomia do representante, gera,
esporadicamente, problemas ao nível do regime da falta e vícios da vontade (259º nº1 e
nº2 CC). São estes os 3 efeitos da representação.

No que às modalidades concerne, verificamos que um tríplice leque se tornou


corrente no seio da doutrina, sendo que destacaremos as mais relevantes…

→ Representação legal vs. Representação voluntária – nesta distinção, atende-se


à fonte da origem do poder representativo atribuído ao representante, sendo que no
primeiro caso é a lei que determina a representação, e no segundo um ato (unilateral ou
bilateral) do titular do interesse e futuro representado.

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→ Representação activa vs. Representação passiva – o critério de dilucidação


redunda na natureza positiva ou negativa dos poderes atribuídos ao representante. Na
primeira, e mais interessante hipótese, estamos perante a atribuição de poderes
funcionais para emitir uma declaração actuando em nome de outrem, enquanto no
segundo, os poderes não são de emissão mas de recepção de uma declaração de
terceiros. Há quem advogue que estaríamos, neste caso, perante uma mera delegação e
não representação (Oliveira Ascensão).

→ Representação própria vs. Representação imprópria - a representação em


sentido próprio é aquela que reúne os elementos atrás referidos. Na representação
imprópria, alguém actua em nome próprio, mas no interesse de outrem, não existindo
verdadeira representação.

6.3. Contrato consigo mesmo

Importa dedicar um pequeno espaço à análise de uma modalidade de


representação bastante particular: o contrato consigo mesmo, ou autocontrato.
Normalmente, o representante intervém no NJ em nome e no interesse de outrem, no
âmbito dos poderes de representação que lhe foram conferidos pela lei ou pela vontade
do titular do respectivo interesse. Havendo duas partes no contrato, ele é normalmente
celebrado com pessoa diferente do representante, comummente um terceiro ou
representante desse terceiro. A dúvida levanta-se quando o representante intervém no
contrato, a um tempo, em representação de outrem e, a outro, em nome próprio, ou
representando simultaneamente as duas partes do contrato. Será possível tal suceder?
Será possível um caso em que o representante represente tanto A, o vendedor,
como B, o comprador? Em qualquer destas situações, fala-se de contrato consigo
mesmo. Serão estes contratos válidos? Antes de aferir da validade, urge evidenciar que
um negócio deste tipo envolve duros riscos, tais como uma colisão de interesses – que
culminará facilmente no sacrifício dos interesses do representado ou de um dos
representados. Finalmente, no que à validade concerne, o regime jurídico do 261º CC é
muito claro, o da anulabilidade, que só o representado tem legitimidade para invocar, à
luz do 287ºCC, em que o prazo para a anulação (não estando o negócio cumprido)
conta-se desde o momento que o representado tem conhecimento da celebração do
negócio, pois só nesse momento se apercebe do vício. Este problema não se coloca face
a núncios, pois lhe falta a característica essencial da representatividade – os poderes de

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decisão -, pelo que o risco de conflito de interesses na mesma pessoa está afastado, já
que ele não passa de uma simples boca das palavras ou corpo dos atos do titular do
interesse.

6.4. Representação voluntária (262º CC)

A representação voluntária, ou procuração, é uma posição jurídica que tem


origem num acto voluntário do titular dos interesses que vão ser prosseguidos
através do NJ praticado pelo representante. O seu campo de aplicação consagra o
princípio de que os poderes jurídicos admitem exercício representativo (262º), em
que a única excepção redunda nos poderes cujo exercício se revela exclusivamente
pessoal. Esse leque inclui aqueles poderes que, pela particular ligação ao seu autor e
pela índole dos interesses envolvidos (que exigem uma avaliação do seu titular) não se
compadecem com a interferência de terceiros, sendo que o exemplo de escola é o
testamento (2162º CC), também se podendo enumerar o casamento, ainda que seja
permitido o núncio no casamento por procuração. Porquê “procuração”? Porque é,
precisamente, o nome do NJ pelo qual se conferem poderes representativos, nos termos
do 262º CC – a principal fonte da representação voluntária. Como fontes
secundárias temos ainda negócios que, não raras vezes, incluem a atribuição de poderes
representativos a uma das partes (por exemplo, o mandato com representação do 1178º
CC), ou situações em que a atribuição de poderes representativos é directa e necessária
(contrato de trabalho, atenção ao 115º nº3 do CT “quando a natureza da actividade
envolva a prática de NJ”).

Nota: Todas estas fontes secundárias de representação podem ter importantes


repercussões ao nível da natureza da responsabilidade a que dão origem, por
exemplo, se estivermos perante uma procuração (representação voluntária) por si só, a
responsabilidade nunca será contratual na medida em que a mesma é um NJ unilateral,
como a seguir se afirma. Todavia, se a procuração aparecer inserida num contrato mais
amplo, como de agência, ou mandato com representação, já falaremos de
responsabilidade contratual.

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Quando falamos em procuração, podemo-nos estar a referir a três realidades


distintas, onde só a derradeira nos traça um quadro rigoroso do instituto: procuração
enquanto Instrumento jurídico que atribui poderes para agir em nome e no interesse de
outrem, procuração enquanto documento que titula ou materializa esse acto jurídico ou,
finalmente e o que nos importa, procuração como NJ unilateral não recipiendo
autónomo através do qual se concedem poderes funcionais ao representante (262º
nº1).

6.4.1. Regime da procuração

Qual a particularidade do regime da procuração? Este ponto é de grande


importância, pelo que será analisado em três pontos, a saber, a capacidade, a forma, e
a extinção:

→ Capacidade – ao procurador exige-se a capacidade natural (263º CC) de


entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar, o que
significa que pode praticar actos que lhe estaria vedado praticar em nome próprio, por
falta de capacidade, ainda que não se exclua completamente a aplicação do 259º, em
matéria de capacidade. Esta liberalização de regime justifica-se pelo facto da escolha do
representante ser exclusivamente da responsabilidade do representado e pela situação de
que tudo o que suceda de desejado ou indesejado no exercício dos poderes funcionais
repercute-se na esfera jurídica do representado. Quanto ao autor da procuração, aplica-
se o regime geral da capacidade de exercício.

→ Forma - Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a


forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar, nos termos do 262º
nº2 CC e do 116º e ss. Do Código do Notariado. Como desde logo se compreende, a
procuração será um negócio formal ou não formal, solene ou não solene, consoante a lei
exija ou não forma especial para o negócio a celebrar pelo procurador, tudo isso
influenciará a solenidade do documento da procuração, sempre atendo às normas legais
especiais, tanto mais se forem contrárias. Contudo, as procurações que exijam
intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, documento
escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e
assinatura ou por documento autenticado. Note-se que a modificação da procuração
está, naturalmente, sempre sujeita às formalidades da sua constituição.

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→ Extinção – Esta pode dar-se por várias causas (265º CC), como a renúncia
do procurador (265º nº1), a cessação da relação jurídica que serve de base à procuração
(como na extinção do contrato de mandato com representação – 1170º CC) e a
revogação da procuração pelo representado (265º nº2 e nº3), onde impera a regra
imperativa da livre revogabilidade da procuração (265º nº2). Uma única excepção à
regra da livre revogabilidade da procuração: quando a procuração tenha sido também
conferida no interesse do procurador ou do terceiro, não pode ser revogada sem acordo
do interessado, salvo ocorrendo justa causa (265º e nº3).

Nota: o último efeito jurídico da procuração na esfera jurídica do representante (adiante


referido), logo que a mesma caducou, será a adstrição ao dever de restituição do
documento de onde constem os poderes representativos (267º) – sem qualquer direito de
retenção.

No meio de tudo isto, como se garante a protecção de terceiros? Na hipótese de


extinção por revogação e modificação dos poderes representativos, estas devem ser
levadas ao conhecimento efectivo (não mera cognoscibilidade) de terceiros por meios
idóneos (266º nº1 e 258º CPC). Caso não o sejam, sem culpa de terceiros, a revogação e
a modificação da procuração são, em princípio, inoponíveis. Esta modalidade de
extinção só pode ser oposta a terceiros mediante prova de que o terceiro tinha
conhecimento da revogação ou modificação no momento em que celebrou o negócio
com o “procurador” (266º nº1, 2ª parte). Como conclusão de toda a relação que unia o
representante ao representando, o procurador está obrigado a restituir o documento da
representação (267º), o que garante a melhor tutela dos interesses do representado e de
terceiros. O que sucederia se o representante continuasse a representar o titular dos
poderes funcionais que lhe haviam sido conferidos sem, todavia, ainda os possuir? É
aqui que entramos no problema da representação sem poderes.

6.4.2. Representação sem poderes (268º)

No instituto da representação, o poder representativo é, sem dúvida, um dos


elementos mais importantes. Falamos, como é óbvio, da actuação em nome de outrem
sem que existam poderes representativos. Este regime abrange dois casos…

→ Falta de poderes - O caso de ao representante não terem sido atribuídos


poderes para o acto que praticou ou de estes terem cessado.

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→ Excesso de representação – O caso de ultrapassar os que efectivamente lhe


tinham sido fixados.

A representação admite a modalidade tácita, não constituindo impedimento o


carácter formal da procuração (217º nº1 e nº2), apenas bastando a existência de um
facto concludente e que sejam observadas as formalidades legalmente exigidas.
Admitida a representação tácita, que dizer da chamada procuração tolerada ou da
procuração aparente? Na tolerância da procuração, temos casos em que alguém se
arroga constantemente como representante de outrem sem que este tenha atribuído
poderes, mas este conhece e vai admitindo a situação. Diferentemente, na aparência da
procuração, um sujeito age na representação de outrem sem consentimento do
interessado que, contudo, não usou da diligência adequada para prevenir essa situação.
Em ambos o caso, a solução legal é negativa. Apesar da proibição geral, há excepções:
artigo 23º nº1 do DL 178/86 (contrato de agência), onde se afirma que o negócio
celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se
tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as
circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa-fé na
legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente tenha contribuído para
fundar a confiança do agente - regime é extensível a todos os negócios de cooperação e
contratos de gestão.

Relativamente à tutela do representado e ao valor negativo do acto ele é


assegurado pelo 268º, que postula o princípio da ineficácia do NJ praticado por uma
pessoa sem poderes de representação, (a não ser que o mesmo o ratifique, num NJ
autónomo, sujeito à forma da procuração e com eficácia retroactiva). De sublinhar que
esta ineficácia se dá para ambos os intervenientes, um por falta de poderes de
representação, e o outro por ter atuado em nome de outrem e não em nome próprio.
Como garante de uma protecção acrescida, o terceiro goza, inclusive, da faculdade de
fixar um prazo para a ratificação, decorrido o qual, ela tem-se por negada. Se
desconhecia falta de poderes no momento da conclusão do negócio, o sujeito que
contratou com o falso representante pode revogar ou rejeitar o negócio, enquanto este
não for ratificado pelo representado (268º nº4). Se a contraparte só se aperceber da falta
de poderes ou do excesso de representação após certos investimentos de confiança, o
representante (e talvez o representado) poderão incorrer em culpa in contrahendo (227º,
segundo o regime especial do artigo 4º da LULL e do artigo 11º da LUC) por violação

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dos deveres de informação e lealdade. Nos casos de excesso de representação poder-se-


á falar de uma redução ou conversão do NJ praticado pelo representante extravasando
os limites dos poderes funcionais que lhe foram atribuídos aos seus elementos
essenciais.

6.4.3. Abuso da representação – 269º CC

Refere-se às situações em que o representante age, formalmente, no âmbito


dos poderes que lhe foram conferidos, mas utiliza a procuração para um fim não
ajustado àquele para que foi atribuída. A forma é respeitada, mas o fim é
deturpado. Não é fácil distinguir da representação sem poderes, mas a diferença é
relevante ao nível do regime - 269º onde se remete para o 268º (ineficácia do NJ), mas
apenas se se provar que o terceiro conhecia ou devia conhecer o abuso. Se o terceiro
que celebrou o negócio com quem abusou dos poderes de representação não conhecia
nem devia conhecer o abuso (facto que cabe ao representado provar) não opera a
remissão, sendo o NJ eficaz. Há, deste modo, maior protecção do terceiro. Isto justifica-
se pelo facto de o abuso de representação ser mais difícil de ser conhecido pelo
terceiro que celebra o negócio com o representante do que o é a representação sem
poderes, pois no abuso pode escapar mais facilmente ao terceiro a percepção do
desvio ao fim. O desconhecimento da falta de poderes é mais facilmente imputável
ao terceiro, pois este pode exigir a justificação dos poderes (260º), daí a menor
protecção face aos casos de abuso de representação. No abuso de representação, o
NJ, ao contrário dos NJ praticados na ausência de poderes representativos, pressupõe-se
eficaz - presunção tal somente vergável mediante prova de conhecimento ou dever de
conhecimento no uso da adequada diligência.

7. VÍCIOS DA VONTADE E DA DECLARAÇÃO

Antes de iniciarmos o estudo dos vícios da vontade, cumpre distingui-los de


situações que com eles foram, em tempos, doutrinalmente mixadas mas que, em bom
rigor, são muitíssimo distintas. Falamos da falta de vontade. Aqui, não há qualquer
maleita jurídica que enferma a vontade ou a declaração, mas absoluta ausência de
vontade de exprimir qualquer declaração negocial. O ponto essencial desta
exposição é a inexistência de vontade negocial – é o que verdadeiramente estabelece a
fronteira entre os vícios da vontade e da declaração.

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7.1. Falta de vontade

Quando falamos em situações de falta de vontade, podemo-nos estar a referir a


três tipos de institutos jurídicos consagrados pelo nosso ordenamento. São eles, a saber:

→ Coacção física – 246º CC

→ Falta de consciência da declaração – 246º CC

→ Declaração não séria – 245º CC

7.1.1. Coacção física (246º)

Há coação física (vis absoluta), quando uma força exterior ao agente o leva a
exprimir um comportamento declarativo independentemente da sua vontade, que,
por aquela, é completamente excluída, tornando-se inexistente. Da parte do
declarante não existe vontade de ação, vontade de declaração, nem vontade negocial,
logo, há inexistência de vontade funcional, apesar do comportamento exterior com
relevo declarativo. Como menção de valor, cumpre relembrar que Castro Mendes
enquadra a hipnose como uma situação de coação física. A força exterior coactora tanto
pode ser física (natural), como humana, mas tem de se tratar de uma força que coage
alguém fisicamente a praticar um acto involuntário.

Relativamente ao valor negativo da declaração efetuada por força de coação


física não poderá ser outro que não o estatuído pelo 246º CC, a invalidade da mesma
(mais rigorosamente, a sua ineficácia jurídica, para quem a reconheça, para os demais,
a nulidade da declaração). Apesar da interrogação doutrinal, a posição de acolher é a de
que não haverá situação em que uma declaração por coação física dará lugar ao dever de
indemnização.

7.1.2. Falta de consciência da declaração (246º)

Esta modalidade de falta de vontade define-se pela adoção de um


comportamento, por parte do declarante, objetivamente considerado como
manifestação de vontade, que ele, contudo, não tem. Ele emite uma declaração sem
ter consciência (ou a intenção) de estar a fazê-lo. Nesta hipótese, já não estamos na
presença de qualquer força exterior, mas somente de uma falta de consciência na
emissão da declaração (há vontade de ação, mas não de declaração, daquela declaração,

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da produção daqueles efeitos). Como exemplo, podemos enunciar o clássico levantar de


braço, para saudar um amigo, em pleno leilão. Não fará sentido confundir com o
instituto do erro na declaração, na medida em que neste há uma vontade declarativa,
ainda que viciada por uma falha na estipulação do conteúdo, e na declaração
inconsciente nem declaração há (não falando nas decorrências diversas de regime).

No que ao valor negativo da declaração inconsciente concerne, o regime


aplicável é exatamente o mesmo da coação física: a inexistência jurídica da mesma.
Ainda assim, a lei é expressa em afirmar que, se houver culpa do declarante ao não
tomar consciência de emitir uma declaração negocial, este deve indemnizar o
declaratário. A natureza da responsabilidade de que advém este dever de indemnização,
é pré-contratual (227º).

7.1.3. Declaração não séria (245º)

Ocorre quando o declarante manifesta uma vontade que não tem, na


convicção de que o declaratário se apercebeu da falta de seriedade da declaração.
Há, na verdade, declaração e vontade de declaração, mas faltando-lhe a vontade
negocial. Em 3 modalidades de declarações não sérias a falta de seriedade é evidente:
declarações com intuitos académicos (docendi ou demonstrationis causa), intuitos
teatrais (ludendi causa), ou, inclusive, intuitos cómicos (jocandi causa). Não há razão
para não delimitar, claramente, a declaração não séria do 245º da figura da reserva
mental do 244º pois, nesta, há uma clara intenção de enganar o declaratário, ainda que a
intenção do declaratário nem sempre seja apreensível, ou de prova facilitada. As
dificuldades adensam-se quando esteja em confronto uma reserva não conhecida do
declaratário e uma declaração não séria na última modalidade (ou submodalidade), a de
graça pesada (245º nº2). O que é a graça pesada? Em certas situações, a declaração
jocandi causa pode dar um tom e um contorno tal à declaração não séria, que levem o
declaratário a atribuir uma certa credibilidade à seriedade do NJ. Falamos, por exemplo,
de declarações sarcásticas, de insinuações cáusticas, enfim, de brincadeiras que,
objectivamente e para o declaratário normal (236º CC), não são ou poderão não o ser.
Assim, se o declarante actua na expectativa de o declaratário se deixar iludir, aceitando
a declaração como séria (graça malévola), a hipótese é de reserva mental não conhecida,
e o NJ é válido (244º nº2 CC), fruto da intenção superveniente de enganar o declaratário
ao não desfazer o erro deste – ainda que nulo. Isto passa-se pois quando o declarante se

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apercebe que o declaratário tomou a declaração como séria, vê nascer na sua esfera
jurídica a obrigação, por imperativos de boa-fé, de informar o declaratário dessa falta de
seriedade, caso contrário, há reserva mental apta a produzir todos os seus efeitos.
Seguidamente, o declarante terá de indemnizar o declaratário por frustração da sua
confiança, repondo a situação pelo interesse positivo nos termos da responsabilidade
pré-contratual (227º).

Nota: a prova dos factos constitutivos do direito (como o direito de anular ou declarar
nulo um negócio) cabem ao seu titular – 342º CC. Há uma presunção de inocência. O
ónus da prova recai sobre o lesado, quem se queira fazer valer de um Direito ou situação
de facto.

Já que nos referimos a efeitos jurídicos, tracemos o quadro dos (des) valores das
declarações neste número já referidas…

→ Declaração não séria – inexistência jurídica, na medida em que, apesar do


debate doutrinal, o ato não tem qualquer correspondência com a vontade e o declarante
espera que o declaratário conheça a falta de seriedade (245º nº1 CC). Não há, sequer,
aparência de NJ.

→ Graça pesada – nulidade e, correspondente, dever de indemnização com


natureza pré-contratual (227º), uma vez que há uma plausível aparência de NJ que
poderá frustrar expectativas objectivas do destinatário na seriedade da declaração (245º
nº2 CC).

→ Reserva Mental – validade, desde que não conhecida do declaratário (244º


CC).

7.2. Vícios na formação da vontade

Tratados os casos de pura inexistência de vontade funcional na declaração, faça-


mos o shift para a modalidade mais densa e complexa no que à viciação da formação da
vontade no NJ diz respeito. Referimo-nos, agora, aos vícios que afectam a formação
intencional de uma vontade funcional livre e esclarecida, com a sua disciplina legal
regulada pelo 251º a 257º CC. Na doutrina tradicional, a enumeração das modalidades
de vícios na formação da vontade costumava ser a seguinte: erro, dolo e coacção
(moral). Esta tripartição não é, de todo, de acolher, uma vez que deixa de fora situações

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de vícios na formação da vontade (como a incapacidade acidental) e confunde causas


com efeitos (como no dolo). A enumeração quadripartida de perfilar é, assim, a
seguinte:

→ Erro

→ → Simples (espontâneo)

→ → Qualificado por dolo (provocado)

→ Medo

→ → Provocado por coacção moral

(→ → Provocado por estado de necessidade)

→ Usura

→ Incapacidade acidental

Nota: A bem do rigor, cumpre fazer referência a dois institutos que demonstram uma
considerável afinidade com a matéria dos vícios do NJ: a lesão e os vícios redibitórios.
A primeira consiste na grave desproporção entre as prestações das partes, num NJ
oneroso comutativo. A doutrina clássica enquadrava-a como causa de invalidade
quando atingisse dimensões de desproporcionalidade grosseira (laesio enormes ou
laesio ultra diminium), mas hoje em dia, e nos termos do actual CC, a lesão não adquire
valor anulatório de regime geral, sendo apenas um dos elementos caracterizadores da
usura (282º CC) ou de alteração das circunstâncias (437º a 439º CC). A segunda, por
seu turno, engloba os vícios ocultos de uma coisa, que prejudicam o seu uso, tornando-a
inapropriada para o fim a que se destina. Apesar da afinidade com o erro, também não
revestem valor autónomo como causa geral de anulação de um negócio. De salientar,
que o CC dá tratamento específico a este vício no domínio dos contratos, como a
compra e venda (905º e ss., 913º e ss., 939º CC) e a locação (1035º CC).

Traçado o quadro a que prestaremos análise, que consequências comuns terá a


presença de viciação na formação da vontade? Com excepção dos casos de usura e de
erro sobre a base do negócio, os vícios relevantes conduzem, em geral à anulabilidade,
na senda do regime geral consagrado pelo 287º e 288º do CC, tal como postulado no
251º, 252º, 254º 256º e 257º. A legitimidade para invocar tal invalidade é atribuída pelo

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287º nº1 ao autor da declaração correspondente à vontade incorrectamente formada


(errante, enganado, coagido, incapaz). Relativamente ao prazo de arguição da anulação,
diz-nos o nº2 do mesmo artigo que enquanto o negócio não estiver cumprido, a
anulabilidade pode ser invocada a todo o tempo, mas se já estiver cumprido, há que
contar um prazo de um ano a partir da cessação do vício. Para tal, tem de se determinar
o momento a partir do qual a pessoa cujo interesse se pretende acautelar, está em
condições de exercer o direito de anulação (329º CC). Esse momento só ocorre quando
o errante ou o enganado tomem conhecimento do erro ou do dolo, ou quando cesse o
medo provocado pela coacção. Atenção que esta invalidade do NJ é sanável (288º CC),
convalidando-se o negócio cujo direito de anulação caducou, ou que foi alvo de
confirmação.

7.2.1. Erro

Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à


falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. Essa realidade pode consistir numa circunstância ou elemento
de facto ou de direito. No momento deliberativo psicológico, dá-se como verificado
certo elemento que, ou não existe, ou é diferente daquilo que mentalmente se
representou, ou, ainda, não se toma em consideração outro elemento, por se desconhecer
a sua existência e que leva a vontade de praticar o ato a formar-se erradamente. Este
elemento não considerado ou falsamente representado no decurso da formação da
vontade tem de respeitar a uma realidade passada ou presente face momento da
declaração, sendo para factos futuros não releva o erro, somente havendo imprevisão
(error in futurum, 437º -439º CC).

Nota: Vamos tratar do erro-vício, erro-motivo ou erro na formação da vontade.


Estudaremos adiante o erro-obstáculo ou erro obstativo, que é uma modalidade de
divergência vontade-declaração. Motivo de avolumada discussão doutrinal é a
enumeração das modalidades de erro-vício existentes, mas sustentaremos a nossa
posição com o regime do Código Civil.

7.2.1.1. Modalidades do erro-vício

Antes de enveredar pela exposição teórica, é sempre útil estabelecer um quadro


das modalidades de erro previstas pelo nosso ordenamento, a saber…

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Em função da causa do erro…

→ Erro simples ou espontâneo (originário de factores respeitantes ao declarante)

→ Erro qualificado por dolo ou erro provocado (declarante é induzido ou mantido em


erro por actuação ilícita de outrem)

Em função do elemento do NJ a que respeita (quanto ao erro simples) …

→ Erro quanto ao objecto

→ Erro quanto à pessoa do declaratário

→ Erro sobre a base do negócio

→ Erro sobre os motivos (residual, na medida em que todos os prévios são “motivos”)

(Nota: à luz do actual CC, já não releva a distinção clássica entre error facti e error
iuris)

7.2.1.2. Requisitos comuns da relevância do erro

A relevância anulatória do erro não pode depender da sua pura e simples


existência. Apesar do indelével papel da vontade na conformação do NJ apontar nesse
sentido, razões de tutela dos interesses do declaratário tornam um pouco mais exigente a
constatação deste vício na formação da vontade. Desta forma, a relevância do erro está
dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro não é atendido, é
irrelevante. Como desde logo se depreende do título deste número, não existe consenso
relativamente aos requisitos necessários para se qualificar um erro vício como tal.
Falamos de requisitos comuns e não específicos, porque não iremos tratar
individualmente cada requisito que a tipificação legal prevê para cada instituto, mas sim
o comum requisito para a aferição do erro. Nesta ordem de razão, muitos requisitos são
apontados pela doutrina como comuns, tais como a propriedade, a desculpabilidade, a
individualidade, a tipicidade e a causalidade. Contudo, só esta última é a explicitamente
consagrada no plano do Direito positivo. Abordemos a sua aplicabilidade caso a caso...

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→ Causalidade – O erro vício só gera anulabilidade se for causal. Diz-se causal


o erro quando, se não tivesse existido ignorância ou falsa representação de certo
motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o declarante não quereria celebrar
qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio diferente, quer quanto ao seu
tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou acidentais. Teremos um error
causam dans. Por seu turno, diz-se acidental ou indiferente o erro que, apesar da sua
ocorrência, o declarante sempre quereria celebrar o dado NJ (sendo, nesta situação,
válido). O apuramento da verificação do requisito faz-se por confronto entre o
conteúdo de duas vontades, a vontade real (vontade negocial, a vontade efectivada
pelo declarante) e a vontade conjectural (vontade hipotética, a que o declarante
formaria se tivesse conhecido a realidade que ignorou ou representou falsamente).
Como claro está, somente releva a vontade no momento da celebração do NJ, não a
vontade actual do declarante. Castro Mendes advoga que do confronto entre a vontade
real e a vontade conjectural podem resultar várias situações: erro essencial absoluto,
quando nenhum outro negócio teria sido querido; erro essencial relativo, quando teria
sido querido um negócio substancialmente diferente do que se celebrou; erro essencial
parcial, quando celebrava-se o mesmo NJ, mas com amputação, substituição ou
aditamento de partes respeitantes a pontos essenciais; erro incidental, quando se
celebraria o mesmo NJ, mas com amputação, substituição ou aditamento de partes
acessórias; e, por último, erro acidental ou indiferente, quando celebrar-se-ia, de
qualquer forma o mesmo NJ. De denotar que no erro essencial parcial e no erro
incidental não é possível proceder a qualquer substituição do negócio querido ou
aditamento ao mesmo, salvo no caso de erro sobre a base do negócio. Todas estas
situações terão a mesma eficácia anulatória menos a última, por não verificação do
requisito da causalidade, mas a anulabilidade poderá ter diferentes amplitudes. O
erro essencial absoluto ou relativo pode destruir todo o acto, enquanto do erro
essencial parcial ou do erro incidental, pode ser expurgada apenas parte do NJ,
seguindo sempre o regime geral do 287º e 288º. Quando a anulabilidade não é total
mas parcial, falamos de um problema de redução do NJ (292º CC). O motivo sobre que
incidiu o erro pode não ser exclusivo, mas tem de ser sempre necessário.

→ Propriedade - O erro diz-se “próprio” quando não incida sobre requisito


legal de validade do NJ; se incidir, será impróprio. De denotar que se a propriedade
fosse considerada requisito comum da relevância do erro, o erro impróprio, o que incida

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sobre um requisito legal, não seria relevante, o que assim sendo seria inaceitável, pois
como é lógico o erro relativo a requisitos legais (impróprio) também releva. É isso
mesmo que afasta a propriedade da condição de requisito comum do erro vício – o erro
impróprio é relevante. Por acréscimo, não fará grande sentido invocar o erro vício com
base na propriedade quando ele, por outro motivo só, já é nulo ou anulável. Se o NJ é
nulo por vício relativo a outro elemento e é também anulável por erro, este até é
relevante, mas não é invocável, pois a anulabilidade é consumida pelo valor negativo
mais forte (a nulidade). Se se tratar de duas causas de anulabilidade, o erro vício relativo
a requisito não legal e outro (como por exemplo a anulabilidade por incapacidade de
exercício do menor), não há razão para não serem ambas invocáveis, até porque o
segundo pode perder a invocabilidade mediante confirmação do representante legal. Em
suma, o erro impróprio não deixa de ser relevante, embora, em certos casos, a
correspondente anulabilidade não o seja. Enfim, a propriedade não é requisito
comum, mas o erro impróprio não deixe de ser relevante, embora, em alguns casos, a
sua anulabilidade não seja invocável.

→ Desculpabilidade - A exigência deste requisito funda-se na ideia de


irrelevância do erro grosseiro, aquele em que o declarante caiu por manifesta falta
de conhecimento ou de diligência. Desculpar-se-ia o erro grosseiro, atendendo-se
somente ao erro não grosseiro. Se tais circunstâncias levam alguém a formar
erradamente a sua vontade, sibi imputet, não é justo, nem socialmente benéfico, fazer
recair sobre o outro contraente o risco de ver anulado o NJ com esse fundamento. O CC
actual não contempla este requisito, como condição comum de relevância do erro,
solução legal manifestamente errada. A lei apenas exige especialmente este requisito em
certos casos (338º, acção directa e legítima defesa, 476º nº3 e 477º nº1, pagamento
indevido e 1636º, casamento). A solução mais justa, no plano do Direito a constituir,
seria a da irrelevância do erro culposo (bastando o regime da usura para protecção do
contraente inexperiente – 282º CC)… Todavia, consagrada uma solução legal que só
admite a desculpabilidade em casos excepcionais, devem ser corrigidos os excessos a
que a solução legal conduz, através do dever de indemnizar do errante com fundamento
em culpa in contrahendo, e da exclusão da anulação quando lese danosamente os
interesses do declaratário (abuso do direito).

→ Individualidade - A individualidade (ou singularidade) do erro consiste em o


erro afectar apenas o declarante e não a generalidade das pessoas. Falaríamos,
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então, de erro individual, por contraponto com o erro comum ou geral. O


reconhecimento da individualidade do erro como requisito comum da arguição da
anulabilidade, impossibilitaria a anulabilidade de um quadro erroneamente geralmente
atribuído a certo pintor, no caso de o comprador vir a descobrir, posteriormente, que não
lhe pertence. A admitir-se, este requisito levaria a soluções absurdas, pois é
precisamente quando o erro é comum ou geral que ele se torna mais desculpável
(Manuel de Andrade). Castro Mendes discorda. Neste caso, é certo que o erro é
desculpável, mas a lei entende deverem ser válidos os NJ celebrados com base na
convicção comum, impondo ao adquirente, não ao alienante, o risco de uma futura
alteração da convicção comum sobre o objecto da aquisição. Apesar de potencialmente
razoável, não muito mais haverá a adiantar, na medida em que o requisito não obteve
consagração legal positiva.

→ Tipicidade - O requisito seria o de que o erro tem de reconduzir-se a um


dos tipos (de erro) previstos na lei. Mas a lei não tipifica as modalidades de erro,
classifica-as, lembremo-nos do já referido carácter residual do erro constante do
252º CC. O potencial abarcador do mesmo, denota uma flexibilidade regimental que
parece incompatível com uma rígida tipificação das modalidades de erro alegadamente
previstas pela lei.

Nota: Cabe ainda uma pequena referência aos requisitos relativos ao declaratário. A
lei exige sempre, no que toca ao erro simples, para o erro ser relevante, que o
declaratário assuma a essencialidade do motivo, porque a conhecia ou devia ter
conhecido (251º), ou porque a reconheceu por acordo (252º nº1). Tudo isto parece
pacífico quando nos referindo a contratos, ou seja, quando existem duas partes. Mas e se
não houver declaratário? Quando terá relevância anulatória o erro em NJ unilaterais (só
uma parte) ou, inclusive, em NJ onde nem há destinatário determinado (NJ unilaterais
não recipiendos)? Tendo em consideração que os requisitos do erro relativos ao
destinatário da declaração têm como pano de fundo defender os interesses deste na
subsistência do NJ, facilmente se compreende que os NJ não recipiendos, como o
testamento (2202º CC) não impõem requisitos relativos ao destinatário. Nesses casos
(utilizamos plural por deixarmos em abertos hipotéticas analogias), o requisito é outro: a
essencialidade do motivo tem de resultar patentemente das estipulações negociais.

7.2.1.3. Erro simples

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Neste número, convém relembrar o quadro traçado preteritamente relativo às


modalidades de erro simples ou espontâneo, pelo que avancemos com a explicitação
teórica das particularidades de cada uma…

→ Erro sobre a pessoa do declaratário e erro sobre o objecto negocial (251º) –


Seguem regime comum, no 251º CC, mas cada erro tem as suas particularidades.
Começando pelo erro relativo à pessoa do declaratário, este erro diz respeito,
necessariamente, à pessoa do declaratário e nunca a terceiros. Caso se refira a estes,
aplica-se não o 251º, mas o 252º nº1. O erro sobre a pessoa do declaratário pode
incidir sobre a identidade do mesmo, uma sua qualidade (jurídica ou não) ou
outras circunstâncias concernentes à sua pessoa. No que toca ao erro sobre o
objecto negocial, convém dilucidarmos que nos referimos ao objecto material quando
falamos na sua identidade ou qualidades objectivas (nunca subjectivas, caso contrário,
252ºCC), e ao objecto jurídico quando abordamos o conteúdo do objecto negocial. O
erro abrangido pelo 251º CC, em qualquer das modalidades é relevante nos termos do
247º CC, o preceito que consagra o erro na declaração. Deste modo, o erro vício sobre o
objecto ou a pessoa do declaratário só é relevante para fins anulatórios quando este
conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento
sobre que incidiu o erro (sublinhemos que cabe ao declarante a prova do conhecimento
do declaratário da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, pois é um facto
constitutivo do direito a arguir a anulação do negócio – 342º). O conhecimento ou a
cognoscibilidade referem-se, à essencialidade do motivo do erro.

→ Erro sobre base do NJ (252º nº2) – Antes de mais, a que nos referimos
quando falamos nas “bases do negócio”? Ao celebrar certo negócio, existem várias
circunstâncias de facto ou de direito, que mais ou menos determinam as partes a praticar
este ou aquele acto, com este ou aquele conteúdo. A “base” do NJ é, então,
constituída por essas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes,
foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os
termos concretos do conteúdo do negócio. Como bem diz Castro Mendes, a ideia
central no erro sobre a base do NJ é a de um erro bilateral sobre as condições
patentemente fundamentais do negócio. São circunstâncias fulcrais para ambas as
partes, ou, na hipótese de o serem só para uma delas, a outra não poderia deixar de a
considerar condicionante do NJ, sem violar os princípios da boa-fé. Nas palavras do
legislador, são “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”

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(437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao celebrarem certo NJ, dão como
verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou são diferentes das que
elas tomaram como certas. Realce-se que as circunstâncias devem sempre ser
contemporâneas ou passadas em relação ao momento da celebração do negócio. Não
inclui, pois, o instituto da pressuposição (437ºCC). Esta modalidade de erro pode
referir-se a quaisquer circunstâncias determinantes da celebração do acto, desde que
revistam as características e requisitos supracitados. Ele é, também cumulativo face a
outras modalidades, desde que essas circunstâncias constituam também base do NJ, por
exemplo no caso da contratação de um famoso pintor para ornamentar uma parede de
nossa casa, quando depois se descobre que não era aquele artista que desejávamos (erro
sobre a pessoa do declaratário e erro sobre a base do NJ). No que ao seu regime diz
respeito, reparos há a fazer relativamente à remissão do 252º nº2 para o 437º e
seguintes. Como é óbvio, não fará sentido falar de resolução. O que o nº2 do 252º
pretende apenas dizer é que o erro sobre a base do negócio é relevante nos termos em
que o seja a alteração das circunstâncias, ressalvadas as diferenças entre as duas figuras.
O que a remissão verdadeiramente significa é que o erro sobre a base do NJ só releva se
incidir sobre circunstâncias patentemente fundamentais para a decisão de contratar,
sendo essas circunstâncias comuns a ambas as partes, ou a outra parte não poderia
deixar de aceitar como condicionante do negócio, segundo a boa-fé, pois a manutenção
do mesmo NJ como fora celebrado, seria atentatório da tutela confiança. Qual será,
então, o valor negativo do erro sobre a base do NJ? Já sabemos que não será,
certamente, a resolubilidade. Ora bem, tratando-se de um vício contemporâneo da
celebração do NJ, está em causa o valor do acto nesse momento (vício genético, não
superveniente). Como tal, a solução para esse tipo de vício é a anulabilidade, ou a
modificabilidade, segundo juízos de equidade, à luz do 437º CC.

→ Erro sobre os motivos (252º nº1) – esta modalidade de erro tem caráter
residual, abarcando o que não for enquadrável em nenhuma outra categoria das
supracitadas, devendo, contudo excluir-se o erro sobre a base do NJ, que segue regime
próprio (252º nº2). Em comum com os outros pode-se encontrar o respeito em comum a
fins ou móbeis de natureza subjetiva do declarante. Exige-se, portanto, que as partes
tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo, garantindo a tutela
do declaratário e de terceiros, dando irrelevância a motivos não patentes, sem

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correlação com aspetos objectivos do NJ, a que a contraparte só excecionalmente


aceitaria subordinar a subsistência ou a validade do NJ.

Nota: Quando falamos no acordo sobre a essencialidade do motivo, referimo-nos a duas


declarações de ciência em que só a do destinatário tem natureza negocial, sendo que o
acordo não integra o conteúdo do NJ, pelo que não estará sujeito às suas formalidades.
Pode ainda resultar de declarações tácitas, satisfeitos os requisitos do 217º CC.

Nota: Acrescente-se que quem se queira valer da anulabilidade e tenha o ónus legal de
provar (342º) que o declaratário conhecia ou deveria conhecer a essencialidade do
elemento sobre que recaiu o erro (247º) tem à sua disposição todos os meios de prova
legalmente exigidos (prova documental, pericial, testemunhal, presunções legais,
confissões, entre outras).

7.2.1.4. Erro qualificado por dolo ou provocado (253º)

O erro é qualificado por dolo quando seja provocado por dolo relevante,
pois se o dolo não for juridicamente atendível, existirá erro simples. O 253º nº1 dá-
nos a noção legal de dolo: “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue
com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração,
bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”. A
primeira nota é a de que a conduta dolosa pode provir do declaratário ou de terceiro
(deceptores, os que provocam o erro com dolo), ainda que a diferença entre ambos não
seja regimentalmente irrelevante. O erro provocado pode englobar diversas
modalidades, tais como…

Condutas positivas intencionais que, sob qualquer forma de artifício ou sugestão…

→ Façam cair alguém em erro;

→ Manter alguém em erro;

→ Encobrir o erro de alguém.

Condutas positivas não intencionais…

→ Quando o deceptor, com o seu comportamento, não visa o erro, mas tem
consciência do seu efeito enganatório quanto ao declarante, criando, mantendo ou
encobrindo o erro deste.

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Condutas omissivas…

→ Que se traduzam em não esclarecer o declarante do seu erro.

Haverá, assim, dolo positivo, quando se envereda por certa conduta, e dolo
negativo, omissivo, de reticência ou de má-fé quando não se faz certa conduta
provocando o erro no declaratário. Muitas vezes traduz-se no incumprimento do dever
legal de elucidar o declarante, fazendo cessar o erro em que ele se encontra (253º
nº2, in fine).

O 253º nº2 consagra a admissibilidade do dolus bonus. Mas o que é o dolo


bom? Este engloba situações em que o alegado deceptor recorre a sugestões ou artifícios
usuais, considerados legítimos (segundo as concepções dominantes no comércio
jurídicos), o que nos revela que a lei só proíbe o dolus malus. No entanto, a
irrelevância do dolus bonus é, já de si, largamente prejudicada por variadas disposições
legais que impõem o dever de informar (253º nº2, 485º, 573º, e normas relativas à
responsabilidade do produtor e defesa do consumidor).

Quais os requisitos do dolo? O requisito específico para todos os casos de dolo


é a dupla causalidade. Ou seja, o dolo deve ser causa do erro (1ª causa) e o erro, por
sua vez, deve ser causa da declaração que enformará o NJ (2ª causa, 254º nº1). Assim,
só há dolo relevante quando o declarante tenha caído em erro por efeito da
conduta artificiosa de outrem. A unilateralidade da invocação não é um requisito pois
a lei reconhece e relevância do erro bilateral (254º, nº1, in fine). Neste âmbito, devem-se
distinguir duas situações, consoante a natureza do deceptor…

→ Deceptor é o declaratário - o único requisito para a anulabilidade do NJ é


a dupla causalidade (254º nº1), sem se tornar necessário que o declaratário conheça ou
não deva ignorar a essencialidade do erro. O dolo é um acto ilícito da autoria do
declaratário, pelo que o infractor não merece tutela acrescida.

→ Deceptores são terceiros – nesta subcategoria mais complexa, há que


distinguir duas situações: se o declaratário conhecia ou não devia ignorar o dolo,
deve entender-se que há dolo (omissivo) por parte dele, pois dificilmente desconhecerá
o erro provocado, tornando o NJ anulável (bastando a dupla causalidade), seja o

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declaratário o beneficiário ou não do acto (254º nº2, 1ª parte); Pelo contrário, se o


declaratário não conhecia ou não devia conhecer o dolo, este é irrelevante, a menos
que haja algum beneficiário do negócio (254º nº2, 2ª parte). Existindo beneficiário, se
este for o terceiro autor do dolo, o NJ é anulável em relação a ele, sem mais requisitos,
além da dupla causalidade. Se o beneficiário é outro terceiro (diferente do autor do
dolo), o NJ só é anulável em relação a ele se conhecia ou não devia ignorar a existência
do dolo. Como se pode constatar, o 254º nº2 estabelece um regime de anulabilidade
parcial e relativa, que se traduz numa impossibilidade de o beneficiário invocar o
negócio quanto à aquisição do benefício dele directamente emergente. Note-se que nas
hipóteses cobertas pelo 254º nº2, 2.ª parte, o beneficiário nunca pode ser o declaratário:
o beneficiário tem de ser o autor do dolo (e este, por definição, é aqui um terceiro), ou
conhecer ou não dever ignorar o dolo (se tal acontecer quanto ao declaratário, o regime
aplicável é o da 1.ª parte do mesmo preceito). Isto significa que se houver dolo de
terceiro e o declaratário obtiver um benefício, mas não conhecer (ou dever
conhecer) o dolo, o NJ não é anulável. Embora o 254º nº2 diga que o beneficiário
deve ter adquirido algum direito, não há razão para se fazer interpretação literal – o
benefício pode consistir, não na aquisição de direitos, mas noutras vantagens
patrimoniais (por exemplo, a liberação de uma dívida).

Nota: Não é requisito de relevância do dolo a existência de prejuízo para o declarante,


derivado do negócio, pois o que caracteriza o dolo é a intenção de enganar (animus
decipiendi) e não a intenção de prejudicar (animus nocendi). Em suma, as soluções do
254º são…

Causador Conhecimento do Beneficiário Regime


declaratário jurídico

Declaratário Indiferente Indiferente NJ é anulável


desde que se
verifique a
dupla
causalidade

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Terceiro Declaratário conhecia ou Indiferente NJ é anulável


não devia ignorar o dolo desde que se
verifique a
dupla
causalidade

Terceiro Declaratário não conhecia Declaratário Dolo é


nem devia conhecer o irrelevante; NJ é
dolo válido

Terceiro Declaratário não conhecia Terceiro autor do dolo NJ é anulável,


nem devia conhecer o em relação ao
dolo terceiro, desde
que se verifique
a dupla
causalidade

Terceiro Declaratário não conhecia Outro terceiro NJ só é


nem devia conhecer o (diferente do autor do anulável, em
dolo dolo) relação ao
terceiro
beneficiário, se
ele conhecia ou
não devia
ignorar a
existência do
dolo

Por último, no que concerne aos efeitos do dolo, quando relevante, a sua
consequência natural é a anulabilidade do NJ, nunca descorando a possibilidade de
outras consequências jurídicas, nomeadamente a responsabilidade civil ou penal que
poderá advir. Como já referido, se o dolo for irrelevante e estiverem preenchidos os
requisitos do erro simples, ele valerá como causa de anulação do mesmo, nos termos do
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251º-247º. Bem entendido, será mais fácil a anulação do NJ em caso de erro qualificado
por dolo, do que no de erro simples, uma vez que são menos exigentes os requisitos de
relevância daquela modalidade (tratamento mais favorável ao errante, pois o dolo é,
igualmente, uma situação mais gravosa). Dado que o dolo é um ato ilícito, se houver
dolo do declaratário, o único requisito de relevância do erro é a dupla causalidade,
sendo dispensados os requisitos relativos ao declaratário. Quando o dolo provém
de terceiro, exige-se que seja conhecido ou cognoscível pelo declaratário.

7.2.2. Medo

O medo jurídico consiste na intervenção, no processo de formação da


vontade, de um factor – a previsão de certo mal – que determina o declarante a
querer algo que, não fosse o medo, não quereria. Não há exclusão de vontade, mas
uma vontade viciada, não por um erro, como anteriormente já contemplado, mas pela
falta de liberdade na deliberação do declarante. É a previsão do dano que pode advir
em consequência da ocorrência de um mal, que leva o declarante a emitir uma
declaração de modo a evitar que o dano se concretize ou se mantenha. O medo pode ter
causas humanas, como uma ameaça de sevícias, e causas naturais, como um incêndio.
Todavia, a mais importante contraposição é a que biparte as causas do medo:

→ Coacção moral – casos com raízes num acto humano em que o sujeito celebra
certo NJ sob ameaça de um mal.

→ Estado de Necessidade - casos em que o medo decorre de um mal que coloca


alguém na necessidade de fazer certo negócio.

7.2.2.1. Coacção Moral (255º e 256º)

A coacção moral, compulsiva ou psicológica (vis relativa) distingue-se da


coacção física por não excluir de todo a vontade, mas sim viciá-la. Descreve casos em
que um coactor violenta ou ameaça ilicitamente outrem (coagido) de um certo mal,
com vista a obter uma declaração negocial. Temos assim coacção moral quando, por
exemplo, alguém agride outrem para o levar à celebração de um certo negócio, ou
quando o coactor ameaça alguém de o agredir se ele não emitir certa declaração. A
coacção moral engloba três elementos centrais…

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→ Ameaça de um mal – Podemo-nos referir a condutas que desencadeiem


males, como aquelas que mantêm males já iniciados, sendo que este mal pode
referir-se à pessoa, honra ou património do coagido ou de terceiro. Apesar do nº2
do 255º não existir qualquer existência de vínculo entre o coagido e terceiro, Carvalho
Fernandes considera que o preceito não poderá ser interpretado olvidando a sua ratio: é
verdade que a qualidade do terceiro não interfere na aferição da existência da coacção,
mas continua a importar na determinação do requisito geral da causalidade. A
proveniência da ameaça também poderá advir do declaratário como de terceiros - a sua
determinação tem, novamente, decorrências de regime.

→ Ilicitude da ameaça – decorrente do nº1 e nº3 do 255º, a ameaça é ilícita


quando viola a lei civil ou penal, existindo coacção. O n.º 3 ajuda a delimitar o
requisito, pois dele resulta que constitui coacção o exercício anormal ou abusivo do
direito, distinguindo dos casos em que estamos perante um exercício normal de um
direito. A ilicitude poder tanto ser relativa aos meios utilizados como aos fins almejados
pelo coactor.

→ Intencionalidade da ameaça - o coactor, com a ameaça, deve ter em vista


obter a declaração negocial do coagido (255º nº2, in fine), exigindo-se, portanto,
que a ameaça seja cominatória. Falta este elemento se o coagido emitir outra
declaração que não aquela a que a ameaça se dirige, não havendo, nestes casos, coacção
relevante.

Posto isto, quais serão os requisitos para a relevância prática da coacção moral?
Tal como no erro qualificado por dolo, é necessário que o medo resulte da ameaça do
mal, e que o medo causado pela ameaça seja a causa da declaração. Como podemos ver,
falamos mais uma vez da dupla causalidade. Verificando-se este requisito, a
declaração negocial é anulável, não necessitando de haver, forçosamente, prejuízo para
o coagido, ainda que quase sempre haja. Assim como no erro provocado por dolo,
cumpre distinguir, mais uma vez e como já referido, se o erro provém do declaratário ou
de terceiro, sendo o regime distinto para cada situação…

→ Coactor é o declaratário - basta a dupla causalidade (256º, a contrario


sensu).

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→ Coactor é terceiro - o regime varia consoante o NJ seja bilateral ou unilateral,


adicionando o 256º, à dupla causalidade, o requisito da gravidade do mal e da
justificação do receio na sua consumação – utilizando critérios objectivos. Esta
maior protecção de terceiros, resulta do facto de a conduta do coactor declaratário não
merecer tutela por envolver, comummente, atos de natureza criminal. Para além da
anulabilidade, convém relembrar a responsabilidade civil extracontratual, através da
obrigação de reparação dos danos ao declarante e ao declaratário se este não for
cúmplice, e a responsabilidade criminal a que poderá dar azo.

Nota: o temor reverencial não constitui coacção, como nos diz o 255º nº3. Este traduz-
se no receio de desagradar a certa pessoa de quem se é psicológica, social ou
economicamente dependente, e não há coacção pelo facto da ameaça não ser ilícita, mas
enquadrar-se no exercício normal de um direito. Como é óbvio, se este direito for
excedido, deixa de haver temor reverencial e pode haver coacção moral, ou até usura.

7.2.2.2. Estado de Necessidade

O medo pode também resultar de estado de necessidade. Não está aqui em


discussão se o estado de necessidade constitui causa de justificação de certa conduta, em
si mesma ilícita (339º CC). No sentido aqui relevante, estado de necessidade é uma
situação de grave perigo em que se encontra o declarante, gerando nele o receio da
consumação de um mal que o leva a emitir certa negocial de vontade viciada. Na
origem do estado de necessidade pode encontrar-se um facto natural ou um acto
humano. A diferença fundamental face à coacção moral prende-se com a não
intencionalidade da ameaça, pois que este ato humano comporta-se como facto, pois
não é cominatório, não foi empreendido tendo em vista obter dele uma declaração
negocial. Mais uma vez, o grave perigo em que o declarante se encontra pode respeitar à
pessoa, honra ou património do próprio declarante ou de terceiros.

Apesar de tudo isto, o CC não lhe fez menção quando enumera os vícios da
vontade, mas apenas a respeito da usura (282º nº1). Nesse esquema já não operando
autonomamente, mas cumulativamente com outros mais elementos do referido instituto.
A sua relevância não é pacífica na doutrina - em geral, o estado de necessidade só releva
enquanto elemento da usura, segundo o regime desta. Pode contudo dar-se o caso de
alguém se aproveitar da situação de necessidade de certa pessoa, quando, por dever
jurídico ou por imperativo dever moral, lhe devia prestar auxílio. Se a situação for

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criada por quem dela se venha a aproveitar injustamente, o caso é enquadrável na


coacção moral. Mas temos então um vício do objecto, sendo o NJ nulo nos termos do
280º. Se a situação tem causa natural, o aproveitamento por quem presta auxílio é
contrário aos bons costumes, havendo ilicitude mediata do objecto – novamente,
sobreleva o regime deste, por ser mais grave (nulidade do NJ) do que anulabilidade do
regime geral do medo.

7.2.3. Usura

Desde já cumpre sublinhar a polissemia do termo, na medida em que há quem


invoque a usura como a prática de juros “usurários” (agiotagem) num mútuo (1146º
CC), ou seja, juros excessivos, há quem invoque a usura como presente num simples
mútuo oneroso ou remunerado (1508º CC) em contraponto com o mútuo gratuito, e há,
finalmente, na categoria que mais nos interesse, usura como vícios na vontade (282º a
284º CC). Na definição avançada pelo 282º nº1 do CC, o NJ diz-se usurário quando
alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência,
estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro,
a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.

Poderão ser identificados, na usura, requisitos de ordem subjectiva e


objectiva. Nos primeiros, temos situações referentes aos sujeitos do NJ - de uma parte
a necessidade de constatação da inferioridade do declarante (vítima) e da outra parte a
intenção e a consciência de exploração da mesma por parte do usurário. Nos elementos
objectivos, estamos perante uma análise objectiva dos produtos do NJ, onde, para estar
preenchido este requisito da usura, deverá haver uma excessividade ou injustificação
escandalosa do benefício – a lesão (do objecto material do negócio, como desde logo se
denota pela secção do CC onde se insere). obtido pelo usurário. Que situações englobará
cada requisito do carácter usurário do NJ?

→ Elemento subjectivo – No que à exploração da situação de inferioridade do


declarante concerne, invoque-se a enumeração, não taxativa, do 282º nº1:
necessidade do lesado (estado de necessidade); Inexperiência do lesado, em geral ou
quanto ao tipo de negócio (conhecimento imperfeito das circunstâncias que interessam à
perfeita valoração dos interesses envolvidos); Ligeireza de ânimo ou de espírito
(leviandade, propensão para agir imponderadamente, de forma precipitada);
Dependência (temor reverencial ou afim); Estado mental (permanente ou transitório) ou

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fraqueza de carácter – situações de debilidade mental. No que diz respeito ao usurário,


a lei exige que alguém “explore” a situação de necessidade (já não aproveitando
conscientemente, como antes de 1983). Mas que significa isto? Para Carvalho
Fernandes, há uma necessidade de consciência da fraqueza do declarante naquela
concreta situação, e do benefício que a sua exploração poderá conquistar, enquanto
para Menezes Cordeiro “a exploração pode ser objectiva, isto é, pode não implicar o
conhecimento da fraqueza da contraparte”. A anulabilidade destes NJ não será afectada
pela iniciativa do negócio pertencer, por absurdo, à própria vítima, já que a consciência
ou intenção pode advir de quem quer que seja.

→ Elemento objectivo – Aferida objectivamente, a lesão constata-se quando


haja uma “promessa de concessão de benefícios excessivos” (não necessariamente
“manifestos”, como antes de 1983), ela deverá ser enorme (laesio enormes) e
conduzir a um desequilíbrio inusitado das prestações. Imagine-se o caso de um
taxista que, perante a inexistência de nenhuma alternativa de transporte e o seu atraso
para um exame da faculdade, cobra 200 euros a um estudante por uma deslocação que,
em situações regulares, ficaria pelos 5 euros. Atenção que este benefício extraordinário
não terá, forçosamente, de ser a favor do declaratário, concebendo-se, igualmente, NJ
usurários a favor de terceiros. O declaratário pode explorar a situação de inferioridade
do declarante em seu benefício ou em favor de terceiro, assim como um terceiro pode
explorar a situação de inferioridade em benefício próprio, em benefício do declaratário
ou em benefício de outro terceiro.

Nota: é, potencialmente, aplicável a regra ultra diminium – todas as lesões superiores


a metade do valor de mercado do bem transaccionado, tornam o NJ anulável por usura
(ex. é assinado um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel por 150 mil
euros, quando o seu preço de mercado é de 100 mil euros).

Relativamente às consequências de um NJ viciado pela usura, a solução passará


pela anulabilidade de regime geral do 282º, com as devidas particularidades do 283º
nº1, nomeadamente a possibilidade de modificabilidade do NJ segundo juízos de
equidade. Deve entender-se que a referência à equidade significa, simplesmente, a
entrega do benefício excessivo, repondo, assim, a justiça substantiva do negócio, e
evitando qualquer tentação de sancionar o comportamento do usurário. O n.º 2 do 283º
estabelece que, sendo requerida a anulação, o usurário se oponha aos efeitos impondo a

Pedro da Palma Gonçalves Página 95


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modificação do negócio, salvaguardando-se, ainda, algum interesse do declaratário na


subsistência do negócio. Por último, quando é que se terá por iniciada a contagem
do prazo de anulação a que o 287º se refere? Ou seja, quando será de considerar o
vício como cessado, ou seja, conhecido? Nessa aferição, não basta que cesse a situação
de inferioridade, mas que o lesado tome efectivo conhecimento da exploração que foi
vítima. A usura, como ato ilícito, dá azo a responsabilidade civil e, quando também
criminal, o prazo de anulação é estendido até à prescrição do correspondente crime, nos
termos do 284º CC.

7.3. Vícios na declaração ou divergências vontade-declaração

Numa multiplicidade de situações do dia-a-dia o comportamento declarativo


pode não traduzir a vontade real do autor da declaração. Falamos das situações onde há
divergências entre a vontade declarada e a vontade real do declarante. Quais as
consequências de um negócio onde se verifica este tipo de situação? Deverá ser
validado ou invalidado? A solução passará pela maior ou menos relevância que num
caso ou noutro se atribuirá ao papel da vontade e da declaração no NJ (voluntarismo ou
declarativismo). Antes de mais, avancemos com uma esquematização dos problemas
que haveremos de considerar no desenvolvimento deste ponto, a partir dos artigos 240º
a 250º…

→ Divergências vontade-declaração

→ Não-intencionais (ex. erro na declaração, erro na transmissão da vontade e


erro no entendimento da declaração)

→ Intencionais…

→ Não enganosas (ex. declaração não séria)

→ Enganosas (animus decipiendi) (ex. simulação e reserva mental) …

→ Fraudulentas (animus nocendi e fraudandi)

→ Inocentes

7.3.1. Simulação

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Chegamos a um dos mais importantes institutos referentes à matéria dos vícios


do NJ. É a principal modalidade de divergência intencional enganosa (muito mais
relevante que a segunda, a reserva mental) entre a vontade real do declarante e a
vontade declarada (declaração) – aqui não existe qualquer vontade de celebrar o negócio
consubstanciado na declaração, e essa divergência diz-se intencional porque querida, e
enganosa porque visa enganar terceiros. O que é, então a simulação? É o acordo (ou
conluio) entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio
que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros. Os
seus 3 requisitos decorrem da letra do 240º nº1 CC: Divergência entre a vontade real
e a vontade declarada, um acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes
e Intenção de enganar terceiros (animus decipiendi).

Nota: Quererá o requisito de um pactum simulationis significar que só poderá haver


simulação em contratos e nunca em negócios unilaterais? A simulação tem,
efectivamente, o seu campo específico de aplicação nos negócios jurídicos bilaterais ou
plurilaterais, contudo, nada obsta a que exista um acordo simulatório entre quem é parte
de um NJ unilateral e o seu destinatário ou outro beneficiário (terceiros imediatamente
ou mediatamente interessados). Um exemplo disso é o 2200º CC, no que toca ao
testamento, precisamente um NJ unilateral não recipiendo.

7.3.1.1. Modalidades da simulação

Uma tripartição costuma ser aventada quando nos referindo às modalidades da


simulação, não exaustivas nem estanques, mas elucidativas e sobreponíveis…

→ Simulação fraudulenta vs. Simulação inocente – a destrinça entre as duas


funda-se na intenção, ou não, de, mais do que enganar terceiros, de efectivamente
os prejudicar - o chamado animus nocendi. Quando existir esta intenção de prejudicar
outrem, a simulação diz-se fraudulenta. Se a intenção não for dessa ordem, havendo
somente intenção de enganar terceiros (animus decipiendi), a simulação é inocente. A
primeira modalidade é, claramente, mais frequente no dia-a-dia, cite-se como seu
exemplo a venda de bens para os furtar à execução dos credores, ou a simulação de
compra a venda encobrindo uma doação, para evitar que seja tomada em conta no
cálculo da legítima herança por morte do doador. A segunda modalidade, verifica-se,
por exemplo, quanto a certos fins de ostentação de riqueza, como mecanismo de

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mantimento das aparências. As suas decorrências de regime são diminutas, apesar da


referência no 242º nº2.

→ Simulação absoluta vs. Simulação relativa – Na primeira modalidade, as


partes não querem celebrar o negócio a que o pactum simulationis se dirige, nem
querem, na realidade, celebrar qualquer outro negócio. Exemplo: A é devedor de B.
Para furtar os seus bens à execução de B, A simula com C, seu amigo, vender-lhe os
seus bens (há a chamada “venda fantástica”). A e C não querem vender nem comprar,
apesar de o terem declarado, nem querem qualquer outro negócio. Na segunda
modalidade, as partes declaram querer certo negócio, quando, na verdade, querem
outro. Aqui, o negócio simulado (que não é efectivamente querido pelas partes)
encobre outro negócio (querido pelas partes - vontade real dos simuladores),
designado negócio dissimulado. Exemplos: A e B declaram vender e comprar um bem
que pertence a A, para encobrirem a doação desse mesmo bem a B (a doação é o
negócio efectivamente querido, encoberto pela compra e venda). Visam encobrir a
doação, para que esta não seja tida em conta no cálculo da quota legítima que cabe aos
herdeiros legitimários de A (2156º e ss.). A simulação prejudica os herdeiros
legitimários de A; A pretende vender um quadro a seu filho B. Mas como sabe que os
seus outros filhos não autorizarão a venda – requisito exigido pelo 877º -, simula uma
doação do quadro a B. Desta feita, a relevância prática da distinção é superior, na
medida em que na simulação absoluta só há a considerar o NJ simulado, mas na
simulação relativa tem de se levar ainda em conta o negócio dissimulado e fixar o seu
regime. O negócio simulado e o negócio dissimulado, porque distintos, devem ser
tratados autonomamente (241º nº1 CC). Pois o negócio dissimulado, neste caso, pode
ser válido ou inválido, valendo, nesta hipótese, segundo os requisitos de substância
(tipo negocial, sujeitos e objecto) e de forma (221º CC) e a sua presença ou
ausência do documento do NJ simulado, ou em alguma contradeclaração do NJ
dissimulado. Dentro da simulação relativa, poderá ainda dar-se 3 situações: simulação
de pessoas (subjectiva), simulação da natureza do negócio e simulação de valor (ambas
objectivas).

→ Simulação subjectiva vs. Simulação objectiva – O enquadramento nestas


modalidades flutua consoante o elemento do NJ a que respeita o pactum

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simulationis, referindo-se, o primeiro, às partes do negócio, não surgindo o


verdadeiro contraente como parte do negócio (interposição fictícia de pessoas).
Exemplo: A pretende vender um quadro a seu filho B. Mas como sabe que os seus
outros filhos não autorizarão a venda, como exige o artigo 877º, simula uma venda a C,
que aceita intervir falsamente no acto, para entregar o bem a B. C é o comummente
denominado “testa de ferro”. O segundo referir-se-á à natureza ou ao conteúdo do
negócio, mas nada melhor do que adiantar um exemplo para cada uma das situações: A
pretende vender um quadro a seu filho B. Mas como sabe que os seus outros filhos não
autorizarão a venda, como exige o artigo 877º do CC, simula uma doação do quadro a
B. As partes declaram querer uma compra e venda quando efectivamente querem uma
doação (simulação da natureza); vendedor e comprador decidem declarar na escritura de
compra e venda um preço inferior ao real, para prejudicar o Fisco (simulação de valor -
conteúdo). Nesta última situação, finge-se fazer certa estipulação, quando se quer outra
– declara-se no acto simulado um preço ou elemento correspondente diferente do real.

7.3.1.2. Prova da simulação

Toda a relevância do regime jurídico da simulação assenta, manifestamente,


na desmonstração de que o NJ entre as partes é simulado, podendo encobrir um
verdadeiro negócio, o dissimulado. Enquanto não for provada a existência de um
negócio dissimulado, prevalece a aparência criada pelo pactum simulationis e os
efeitos por ele consignados. Avance-se já que não é fácil demonstrar a existência de
um negócio encoberto pelo conluio. Para afastar a aparência criada pelo negócio
simulado, os simuladores ou terceiros terão de fazer prova da simulação (pacto
simulatório, animus decipiendi e divergência) e ainda, se esta for relativa, do negócio
dissimulado. A lei estabelece o mesmo regime para a prova da simulação e para a prova
do negócio dissimulado – as limitações do artigo 394º e, indirectamente, do 351º,
adiante aprofundadas. Todavia, o regime quanto aos meios de prova admitidos para
demonstrar a simulação e o negócio dissimulado difere, consoante quem pretenda fazer
prova da simulação sejam os simuladores ou terceiros. A lei estabelece restrições aos
meios de prova da simulação, quando esta seja invocada pelos próprios simuladores, o
que não deixa de ser uma sanção merecida e um razoável mecanismo de tutela do
interesse de terceiros. Abordemos cada um, individualmente, a bem da sua
complexidade…

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→ Prova do negócio simulado e do negócio dissimulado pelos simuladores –


A primeira nota a fazer, é adiantar que o regime a aplicar é o mesmo,
independentemente de saber se os simuladores pretendem invocar a simulação entre si
ou perante terceiros. A prova da simulação e do negócio dissimulado pelos
simuladores está sujeita às limitações dos nº 1 e 2 do artigo 394º do CC e,
indirectamente, do 351º do CC: proibição da prova testemunhal e por presunções
judiciais, só sendo permitida a prova por confissão, a prova documental e, ainda
que pouco significativa, a prova pericial. A confissão, por requerer a colaboração de
ambos os simuladores, torna-se mais complicada, enquanto a prática de
contradeclarações não é comum no nosso ordenamento. Todo isto torna a prova
dificultada.

Nota: um aprofundamento há a fazer quanto à interpretação do 394º CC. A sua razão de


ser redunda na maior fiabilidade da prova documental, face à fragilidade característica
da prova testemunhal. Durante um primeiro momento, o entendimento dominante foi o
literal, interditando na íntegra tanto presunções legais como provas testemunhais.
Todavia, um entendimento muito rigoroso da proibição do 394º poderia deixar um dos
simuladores nas mãos do outro, facilitando o aproveitamento iníquo por um dos
simuladores da aparência criada pela simulação. Para evitar este resultado, Carvalho
Fernandes defende uma interpretação restritiva do 394º, permitindo o uso da prova
testemunhal e das presunções judicia como meios complementares da prova
documental, nunca como meios probatórios exclusivos, para determinar o sentido das
declarações contidas em documento ou, mesmo, para contribuir para o juiz formar a
convicção da existência da simulação, quando a prova documental apenas a permitisse
ter como plausível.

→ Prova do negócio simulado e do negócio dissimulado por terceiros – Quanto


a todos os estranhos ao NJ simulado, a prova é bastante mais facilitada, não
existindo qualquer tipo de restrições como as do 394º nº1 e nº2. Todos os meios de
provas são admitidos, sendo que tamanha liberalidade justifica-se por imperativos de
ordem pública e, ainda, pelo difícil acesso de terceiros, ao contrário dos simuladores, a
provas documentais comprovativas da simulação.

7.3.1.3. Valor do negócio simulado e do negócio dissimulado

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Posto isto, qual é o valor do NJ simulado? Neste ponto não reside qualquer
dúvida, é a sua nulidade, independentemente de ser absoluta ou relativa (240º nº2).
Muito maiores problemas advêm no que concerne ao valor do NJ dissimulado, ou seja,
quando estamos perante uma simulação relativa, como desde logo se denota do artigo
241º CC. Desse artigo desde logo resulta que o negócio dissimulado não é afectado no
seu valor jurídico, pela simulação, mas sim apreciado em si mesmo como um NJ
comum, como se não houvesse qualquer dissimulação. Desta forma, será válido ou
inválido (anulável, nulo, inexistente) consoante preencha os requisitos de validade
que a lei exige para um negócio do seu tipo.

Turbulência ocorre quando o NJ dissimulado for formal. Aqui, o 241º nº2,


quando aplicado a negócios dissimulados para cuja celebração a lei exija documento
autêntico ou particular autenticado, não pode ser interpretado no sentido de exigir que o
próprio negócio dissimulado seja celebrado pela forma legalmente prevista para o tipo
negocial em causa, se assim fosse, o preceito conduziria à invalidade sistemática do
negócio dissimulado, quando a forma legal exigida para este fosse qualquer tipo de
documento público. Só se fossem parvos é que estariam a revelar, perante uma
autoridade pública, todo o esquema que pretendem montar para dissimular o verdadeiro
negócio! Por exemplo, se A e B celebram por escritura pública uma compra e venda
simulada de um imóvel, para encobrirem uma doação (negócio dissimulado), é evidente
que não vão celebrar por escritura pública ou documento particular autenticado o
contrato de doação, pois, se o fizessem, estariam a revelar o negócio que pretenderam
esconder com a simulação – cominando a sua invalidade. Desta forma, e para solucionar
estes problemas, deve-se ter em conta o regime do âmbito da forma legal (221º CC, já
estudado). Para que o NJ dissimulado formal cumpra os requisitos de forma basta
somente que os elementos do negócio dissimulado para os quais seja determinante
a exigência da forma legal constem de documento que revista as formalidades
exigidas por lei para o negócio dissimulado (após o apuramento das razões
subjacentes à exigência de forma, e da sua aplicabilidade, ou não às estipulações
essenciais ou acessórias em causa). Esse documento poderá ser o próprio
documento onde se consubstancia o negócio simulado ou qualquer outro
documento. Caso não seja encontrado nenhum documento onde concorram tais
elementos, o NJ dissimulado formal é nulo.

Nota: A bem da clarividência deste complexo sistema; citaremos alguns exemplos…

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1 - Simulação do valor de venda de um bem imóvel:

Na escritura pública ou no documento particular autenticado que titule a venda


simulada constam todos os elementos do negócio dissimulado para os quais é
determinante a exigência da forma legal, sendo que na venda simulada e na venda
dissimulada o elemento que difere é apenas o montante do preço. Ora, a estipulação
quanto ao montante concreto do preço não está abrangida pela forma legal. A forma
legal abrange a estipulação de preço, mas não a estipulação de preço determinado (883º
CC) → NJ dissimulado válido.

2 - Compra e venda simulada de um bem imóvel, encobrindo uma doação:

A escritura pública de compra e venda não titula o animus donandi, que é


elemento específico da doação. Pelo contrário, a escritura pública de compra e venda do
imóvel titula a declaração de transmitir a propriedade mediante o pagamento de preço
(ainda que este possa não estar determinado) - elemento específico da compra e venda,
incompatível com a doação. Pelo que a escritura pública de compra e venda não contém
todos os elementos do negócio dissimulado para os quais é determinante a exigência da
forma legal → a doação dissimulada é inválida pois padece de um vício de nulidade, por
vício de forma. Um assento do STJ de 1952, proferido no âmbito da vigência do CC
1867, decidiu pela invalidade da doação, contudo, a jurisprudência e doutrina actuais
não são unânimes quanto a este ponto.

3 - Doação simulada de um imóvel, encobrindo uma compra e venda:

A escritura pública de doação do imóvel titula o animus donandi, que é elemento


específico da doação, mas dela não consta a declaração de transmitir a propriedade
mediante o pagamento de preço (elemento específico da compra e venda). Pelo que a
escritura de doação não contém todos os elementos do negócio dissimulado (compra e
venda) para os quais é determinante a exigência da forma legal → o contrato
dissimulado de compra e venda é inválido, nulo, por vício de forma. Atenção que este
entendimento não é unânime na doutrina e na jurisprudência.

4 - Simulação subjectiva - Interposição fictícia de pessoas:

A declara querer vender um imóvel a B, quando a sua vontade real é a de vender


a C. A declaração de C não figura na escritura pública que titula o negócio simulado.

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Este documento não revela o acordo de vontades (232º) relativo ao negócio


dissimulado, nem a identificação do elemento substancial subjectivo → o negócio
dissimulado é inválido, por vício de forma.

7.2.1.4. Legitimidade para arguir a nulidade da simulação

O artigo 242º nº 1 ressalva a aplicabilidade do regime geral consagrado no artigo


286º quanto à legitimidade para a arguição da nulidade, esclarecendo que os
simuladores têm legitimidade para arguir a simulação, ainda que a simulação seja
fraudulenta. Este regime visa proteger um dos simuladores contra o indevido
aproveitamento pelo outro da aparência criada pela simulação, e a sua consagração
específica resulta do imenso debate que na vigência do antigo CC. No seguimento do
regime geral do 286º, a nulidade é potencialmente invocada por qualquer
interessado, o que inclui terceiros diferentes dos simuladores e dos seus herdeiros,
simplesmente titulares de situação jurídica afectada, embora apenas na sua
consistência prática, pela validade do NJ simulado. Algumas categorias de terceiros
ocorrem com tanta frequência na invocação da nulidade do NJ simulado, que merecem
uma nota específica: os herdeiros legitimários (exercício de um direito próprio, 242º
nº2), os sub-adquirentes do simulador alienante, os credores do simulador alienante
(605º CC – sub-rogação), os preferentes - que tenham interesse em afastar a simulação
para exercerem o seu direito de preferência em relação ao negócio dissimulado (por
exemplo, na simulação de valor, em que o preço do negócio simulado seja superior ao
estipulado no negócio dissimulado, o preferente tem interesse na declaração de nulidade
para preferir pelo valor mais baixo, correspondente ao do negócio dissimulado) -, os
herdeiros (no exercício de um direito próprio e, por isso, actuando como terceiros), os
legatários (têm interesse em atacar acto simulado do autor da sucessão que tenha por
objecto o bem legado que, assim, aparentemente, não integra a herança) e a fazenda
nacional.

Nota: Uma referência especial ao regime dos herdeiros legitimários. Estes podem agir
na qualidade de herdeiros do simulador (depois da morte do simulador). Nesta hipótese,
não agem na qualidade de terceiros, mas sim no exercício de um direito que cabia ao
simulador e que lhes foi transmitido mortis causa. Aplica-se-lhes o regime do nº 2 do
394º. Contudo, podem agir no exercício de um direito próprio, em defesa da sua
qualidade de herdeiro legitimário (da sua legítima). Nesta hipótese, são considerados

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terceiros. Releva aqui o artigo 242º nº 2 - a nulidade pode também ser invocada pelos
herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os
negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Tem aqui
relevo a distinção entre simulação inocente e fraudulenta, sendo que só a segunda
faculta o poder de arguição.

7.2.1.5. Oponibilidade e inoponibilidade a terceiros

Ao contrário do que a princípio pode parecer, nem sempre a posição de terceiros


traduz, necessariamente, o interesse em atacarem o negócio simulado, demonstrar o seu
vício e repor a realidade por ele encoberta. Certos terceiros podem ter interesse em se
valer do negócio simulado, como se ele fosse verdadeiro e nunca nenhum vício
tivesse sobrevindo. Ou seja, há casos em que a tutela de terceiros é assegurada através
da impossibilidade de lhes ser oposta a nulidade do negócio simulado. Exemplo de
terceiros interessados na nulidade do negócio são, por exemplo, os sub-adquirentes do
vendedor simulador, e exemplo de terceiros interessados na manutenção do negócio
simulado são, por exemplo, os sub-adquirentes do simulador comprador (ver,
atentamente, pp. 331 Carvalho Fernandes). O regime geral é o da oponibilidade na
nulidade (289º CC) mas analisaremos as excepções do 243º CC…

Fundamentalmente este último é de valor, na medida em que estabelece o


regime especial prevalecente no lugar do, muito mais exigente, 291º CC. Ao contrário
desse preceito, a tutela dos terceiros é muito mais forte e muito mais facilitada na
simulação, bastando-se o seu estado de boa-fé. De salientar que os conceitos de boa-
fé do 243º e do 291º não são inteiramente coincidentes. Segundo o artigo 291º nº3 é
considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia,
sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável (boa-fé subjectiva ética). Por seu turno,
o artigo 243º considera irrelevante o desconhecimento culposo da simulação pelo
terceiro, bastando que o terceiro ignore, de facto, a simulação (boa-fé subjectiva
psicológica). Por conseguinte, o terceiro de boa-fé pode prevalecer-se do NJ simulado,
como se ele fosse imaculado, verdadeiro e válido. Mas quem estará abrangido por
este regime? Só os que sofreriam um prejuízo caso vissem o NJ simulado invalidado,
como o sub-adquirente do simulador comprador em caso de simulação absoluta? Ou
também aquelas que tiram vantagem da sua validade e que sofrem uma desvantagem se
ele for invalidado e os efeitos desta lhes forem oponíveis, como nos casos de simulação

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de valor em que o terceiro preferente perde o benefício de preferir pelo preço


(necessariamente mais baixo) do negócio simulado? Ou, pura e simplesmente, todos,
incluindo os que meramente perdem um benefício? Esta última resposta é a que
melhor se adequa à letra e história do preceito, ainda que com ressalvas. O
entendimento correto redunda na compreensão teleológica do consignado no 243º
CC – impedir que a invalidação do acto simulado venha pôr em causa direitos
adquiridos por terceiros de boa-fé, na medida em que o terceiro não deve ser
prejudicado pelo facto de o simulador invocar a sua própria torpeza. Aqui entra a
ressalva: tais razões não valem no caso de o terceiro apenas tirar vantagem da
manutenção do NJ simulado, pois o aproveitamento do terceiro seria também
censurável.

Nota: Inoponibilidade não significa convalidação. O NJ continua a ser nulo, mas


somente nas relações entre os simuladores.

Finalmente, refiramos os casos em que conflitos poderão eclodir entre


terceiros interessados na nulidade e terceiros não-interessados na nulidade, e as
complexas situações que daí poderão advir - como nos casos em que qualquer dos
simuladores aliena novamente a coisa objecto do contrato de compra e venda simulado.
O CC não nos dá qualquer espécie de solução para um caso deste género, pelo que
seguiremos a posição dominante de Carvalho Fernandes:

→ Se só um terceiro está de boa-fé, prevalece a posição dele se é quem invoca a plena


eficácia da declaração de nulidade;

→ Se o único terceiro que está de boa-fé é o que está interessado na inoponibilidade,


prevalece também a sua posição;

→ Se ambos os terceiros estão de boa-fé, aplicam-se as regras da colisão de direitos,


cujo regime seguirá o 335º do CC.

→ Se ambos os terceiros estiverem de má-fé, será dada a prevalência à posição do


interessado em requerer a nulidade do NJ simulado, por ser o que, apesar de tudo, mais
se enquadra nos imperativos de legalidade e ordem pública que ao caso se impõem.

7.3.2. Reserva Mental (244º CC)

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Ressalve-se, desde já, que a relevância prática deste instituto é


incomparavelmente menor à da anteriormente analisada simulação. Posto isto, há
reserva mental (divergência intencional enganosa) quando o declarante manifesta
uma vontade que não corresponde à sua vontade real, com o objectivo de enganar
o declaratário. A sua destrinça face à declaração não séria é evidente, pois nessa não há
qualquer tipo de intenção de enganar o declaratário – mais do que isso, o declarante
conta que o declaratário denote a falta de seriedade da declaração. Também face à
simulação não haverá hipótese de confusão, na medida em que a divergência é
meramente unilateral (e não concertada), não havendo simulação mesmo que haja um
cruzamento de declarações negociais feitas sob reserva mental. Mesmo que a reserva
mental seja conhecida do declaratário não há qualquer espécie de simulação, somente os
seus efeitos, pois continua a faltar um elemento essencial – o pactum simulationis. A
reserva mental pode desdobrar-se por duas modalidades…

→ Absoluta vs. Relativa – Consoante não haja a intenção de celebrar negócio


algum, ou haja intenção de celebrar um negócio completamente diferente.

→ Inocente vs. Fraudulenta - Consoante haja ou não a vontade de prejudicar


outrem (animus decipiendi).

Por regra, a reserva mental não prejudica a validade da declaração (244º


nº2, 1ª parte), e este regime justifica-se por imperativos de tutela do declaratário.
Já no caso de uma reserva conhecida (não somente cognoscível!) do declaratário, é
aplicado, analogicamente, o regime da simulação. Façamos uma última ressalva. No
caso da reserva inocente deveria bastar a mera cognoscibilidade, como pequena
atenuação do efectivo conhecimento para requerer a nulidade, patente no regime da
simulação. Contudo, de iure condendo, não é possível. Pode, contudo, recair na figura
do abuso de direito (334º CC) - excede, normalmente, os limites da boa-fé a pretensão
do declaratário no sentido da validade da declaração que o respectivo autor emitiu, com
reserva mental, para trazer uma vantagem ao declaratário (por exemplo, para o dissuadir
de suicídio ou de um acto patrimonial ou pessoalmente ruinoso). Em conclusão: Sendo
o negócio reservado válido, é irrelevante saber se a reserva é absoluta ou relativa, pois,
neste segundo caso, o negócio reservado prevalece sempre sobre o negócio encoberto.
Se a reserva é conhecida (negócio inválido como na simulação) coloca-se o problema
do valor do negócio encoberto (em caso de reserva relativa). Esclareça-se que a hipótese

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é meramente académica, pois dificilmente se concebe a existência de um negócio


querido e outro não, sem colaboração do declaratário, ainda que do 244º nº2 pareça
resultar que o regime é idêntico ao da simulação relativa - o valor do negócio encoberto
não é atingido, avaliando-se através dos mecanismos comuns da validade do NJ.

7.3.3. Erro na declaração

Saímos agora do campo das divergências intencionais enganosas, para


enveredarmos pelo campo de análise das divergências não intencionais entre a
vontade e a declaração. Comecemos pelo erro na declaração, a sua modalidade mais
importante. Neste caso já não falamos, como anteriormente, a propósito, por exemplo,
do medo, de erros-vícios na formação da vontade, mas sim em erros obstáculos, erros
obstativos na declaração. Desta forma, há erro na declaração quando alguém, por
lapso, manifesta uma vontade que não corresponde à sua vontade real. Sublinhe-se
a importância do “lapso”, como plataforma da não intencionalidade do erro: o
declarante pretendia manifestar a sua vontade em termos adequados, mas há uma
circunstância acidental e alheia à sua vontade que o impede de o fazer, como um
engano na identificação do prédio objecto do NJ, ou na indicação do valor do preço. Os
mais comuns são os chamados erros materiais (mecânicos, lapsus linguae e afins), ou
por desconhecimento da linguagem.

O erro pode revestir tantas modalidades quanto os diversos elementos do


negócio sobre que incide, mas estas distinções (erro sobre o preço, erro sobre o objecto,
etc.) não têm relevância prática, pois o regime para todos é idêntico. O que realmente
importa é a sua maior ou menor evidência em face do conteúdo da declaração, ou seja:

→ Erro conhecido - quando o declaratário sabe a vontade real do declarante


e, desde logo, identifica a existência de erro na declaração. O seu regime redunda,
não no regime do erro, mas através da aplicação dos critérios gerais de interpretação do
NJ (236º), pelo que o negócio vale de acordo com a vontade real, como consignado pelo
nº2 do referido preceito. Como tal, o erro é irrelevante e o negócio válido segundo a
vontade real do declarante. Este regime torna-se mais complexo quando estamos
perante negócios formais (238º).

→ Erro ostensivo ou cognoscível – o erro não é conhecido do declaratário,


mas é apreensível pelos próprios termos da declaração ou das circunstâncias em

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que ela é emitida, sendo que qualquer pessoa normalmente (236º) atenta pode
deduzir, de tais elementos, a vontade real. O seu regime é, em tudo, similar ao do
erro conhecido, invocando-se, mais uma vez, o 236º que dá a validade ao NJ
segundo a vontade real do declarante.

→ Erro não conhecido nem ostensivo – quando de nenhum elemento da


declaração negocial se possa conhecer ou deduzir o verdadeiro sentido da mesma,
para lá do erro (que não se sabe que existe). Chegados ao regime do erro não
conhecido, entramos nos verdadeiros casos de erros na declaração, na medida em que
nos outros as regras de interpretação do NJ solucionam o problema tornando o erro
irrelevante. É aqui que entram em acção os regimes do 247º e 248º. Esse mesmo regime
justifica-se por imperativos de tutela dos interesses do declaratário, que não conhece
nem deve conhecer a vontade real do declarante. Quais são, então, os requisitos de
relevância do erro não conhecido? O 247º fixa dois: a essencialidade, para o
declarante, do elemento (preço, objecto material ou jurídico do negócio) sobre que
recaiu o erro, e o conhecimento dessa essencialidade, ou dever de não a ignorar,
por parte do declaratário. O primeiro, a essencialidade, traduz-se na necessidade do
erro incidir sobre um elemento decisivo para a intenção de celebrar o NJ. Esta pode ser,
ainda, absoluta, quando influi na decisão de celebrar o negócio em si mesmo, ou
relativa, quando apenas influi nos termos em que o negócio é concluído. O segundo
refere-se à essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro, e já não o erro em si.
Não é exigido que o erro seja desculpável, mas, quanto menos o for, mais difícil será
para a contraparte se aperceber do mesmo, pelo que é o melhor é observar, ao máximo,
o ónus de adequada expressão. Quando estes dois requisitos estiverem preenchidos
temos um erro na declaração não conhecido relevante e o 247º determina a sua
anulabilidade. Esta seguirá o regime geral do 287º, mas com possibilidade de validação
do NJ viciado segundo a vontade real do declarante nos termos do 248º, modificando o
declaratário o NJ segundo a vontade do declarante em erro. Se se convalidar por
iniciativa do declaratário, a sua anulabilidade por parte do declarante ficará
inviabilizada para futuro. Quanto aos negócios formais, as exigências de forma legal
podem obstar ao funcionamento do 248º, quando o sentido correspondente à vontade
real do declarante não esteja coberto pela forma exigível para o negócio e o erro respeite
a elemento para o qual valham as razões determinantes da forma legal (221º CC).

7.3.4. Erro na transmissão da declaração

Pedro da Palma Gonçalves Página 108


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Este erro na declaração pressupõe um representante ou um núncio, a que o


autor da declaração recorre para transmitir a sua vontade, e que a prossegue
erradamente. Neste caso, diferirá a solução consoante estiver em causa um
representante, nos termos do 259º nº1, sendo em função da pessoa do representante que
se aferirá a existência do erro; ou o erro respeitar a elementos em que tenha sido
decisiva a vontade do representado (259º nº1), uma vez que nessas hipóteses o
representante atua como mero núncio (250º nº1). Ou seja, se se estiver perante um
mero núncio, o regime é o do erro na declaração (remissão 250º - 247º, com os seus
3 requisitos de relevância). Todavia, a remissão para o 247º só opera quando o erro na
transmissão não for ostensivo, nem cognoscível, pois se o for, o seu regime será o da
modalidade correspondente de erro na declaração. Este regime sofre desvio, nos
termos do 250º nº2, nos casos em que a inexactidão da declaração resultar de dolo
do transmitente – cominando na anulabilidade do negócio com um único requisito,
a essencialidade do elemento sobre que recai o erro do declarante.

7.2.5. Erro no entendimento

Uma análise das relações entre a vontade e a declaração no NJ deixa


compreender que uma das possibilidades a ter em conta é a do declaratário compreender
mal a declaração, falando-se, então, de um erro no entendimento. Atenção, que se o
declaratário atribuir à declaração um sentido diferente do querido pelo declarante, mas
correspondente à correcta interpretação do negócio, não há erro no entendimento - tudo
se resolve em sede de interpretação, e as normas da hermenêutica negocial fazem
prevalecer o sentido atribuído pelo declaratário. Aqui não haverá erro relevante, pois o
236º limpa-o. O erro no entendimento proprio sensu ocorre quando o declaratário
atribui à declaração um sentido não coincidente com o querido pelo declarante,
estando este adequadamente expresso na declaração – aqui, é o sentido querido
pelo declarante que corresponderá ao sentido do negócio, segundo as regras da
interpretação. O erro do declaratário é irrelevante novamente, pois se o declaratário
entende mal o negócio, sibi imputet, o negócio vale na mesma com o sentido querido
pelo declarante, por ser esse o que lhe é atribuído nos termos do 236º.

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O regime supracitado valerá para os NJ unilaterais recipiendos (nos não


receptícios a questão não se levanta). Todavia, nos NJ bilaterais o regime adquire
feições mais complexas, para tal, enunciaremos alguns exemplos e as respectivas
soluções…

1 - A propõe a B comprar-lhe certa coisa por 10.000, sendo este o sentido vinculativo
do negócio; mas B entende 11.000 e responde simplesmente «aceito». Neste caso há
erro vício sobre os motivos, nos termos do 252 nº1º CC → erro irrelevante, em regra.

2 - A propõe a B comprar-lhe certa coisa por 10.000, sendo este o sentido vinculativo
do negócio, mas B entende 11.000 e responde «aceito por 11.000». Neste caso poderá
haver erro obstáculo quanto à declaração de B → erro irrelevante, em regra (247º).

Todo pode, ainda assim, ficar mais complicado, quando se conjuga um erro na
declaração com um entendimento errado por parte do declaratário (que atribui ao
negócio sentido não coincidente com o seu sentido objectivo, nem com o querido pelo
declarante): neste caso, o sentido objectivo do negócio não coincide com o que lhe
atribui nenhum dos intervenientes…

3 - A propõe a B vender X ao preço corrente do mercado, mas quer escrever «ao preço
corrente do mercado do vendedor». B entende que venda é feita ao «preço corrente do
mercado do comprador» e nessa base aceita a proposta. Ocorre, então, um dissenso ou
um desentendimento. Se preço for essencial para A e B o souber ou não dever ignorar,
A pode anular o negócio (247º). B pode validar o negócio (248º), se a manutenção lhe
convier. Mas quando nenhuma dessas duas situações aconteça, como decidir? A
verdade é que não se pode manter a validade do negócio, por aplicação meramente
formal da lei, tal situação não satisfaria nenhum interesse de nenhuma parte nem se
adequaria à vontade de nenhuma delas. Nestas hipóteses há duas divergências e não se
pode dizer que alguma das partes possa responder pelo sentido que a outra dá à
declaração. A melhor solução é considerar que o negócio é anulável, sem mais
requisitos, com fundamento no dissenso.

Nota: O não dissenso não se confunde com a falta absoluta de consenso. Aqui nem se
chega a formar o negócio: o negócio é inexistente, não havendo, por isso, erro. Cite-se,
como exemplo, um caso em que A declara “vendo” e B entende “arrendo” e declara que
aceita arrendar o objecto negocial.

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8. Cláusulas acessórias típicas

Todos nós já compreendemos a complexidade de um contrato - desde a sua


formação, à maior ou menor importância a atribuir à vontade ou à declaração, passando,
pela perfeição, culminando na sua eficácia e caducidade superveniente – constatamos
que o contrato, tão simplesmente e, muitas vezes, até inconscientemente celebrado,
encerra em si uma infinidade de elementos que adjuvam na definição do seu conteúdo e
na propagação dos seus efeitos. Já abordadas a propósito de outras categorias da matéria
do negócio jurídico, aprofundemos agora, num número autónomo, as cláusulas
acessórias. Antes de tal, relembremos a destrinça entre cláusula essencial e cláusula
acessória: as primeiras englobam a definição dos elementos essenciais para aquele tipo
negocial, provenham eles exigência legal ou voluntária (partes, objecto negocial e tipo
de negócio, sendo que o preço certo raramente é elemento essencial, bastando ser
determinável), enquanto as segundas acrescem ao conteúdo essencial do NJ, e integram
as estipulações que, em aspectos que não integram o “cerne do negócio”, completam ou
vão além do clausulado no documento, regulando aspectos nele não previstos e
afastando, não raro, as correspondentes normas supletivas, sem nunca o contrariar. A
destrinça baseia-se, então, na “essencialidade” dos elementos.

8.1. Condição

Como desde logo se deduz do artigo 270º CC, chama-se condição a um facto
ou acontecimento futuro incerto a que as partes subordinam a produção dos
efeitos do NJ ou a sua resolução. “Condição” também pode designar, não só o
referido objecto jurídico, mas também a sua forma, ou seja, a cláusula acessória
pela qual as partes introduzem a condição no NJ. Em suma, os 3 requisitos da
condição são…

→ Referir-se a um acontecimento futuro face à celebração do negócio

→ A verificação desse acontecimento tem de ser incerta em termos objectivos

→ Tal facto tem de ter fonte convencional, e nunca legal (conditio iuris)

Como tal, constatamos que a condição não se pode referir a factos passados ou
contemporâneos da celebração, nem envolver um facto de verificação certa, sendo
incerto apenas o momento em que se verificará, pois aí não há condição, mas termo

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incerto (quanto ao momento da verificação certa). Adiantemos, desde já, uma referência
ao termo, para precisarmos o sentido da condição. Diferentemente da condição, o termo
é o facto futuro, mas certo, de que as partes fazem depender o início ou a cessação dos
efeitos do NJ. Como denotado, os acontecimentos futuros podem, ser certos ou incertos,
podendo sê-lo quanto a dois aspectos: o da sua verificação ou não verificação (an
sequuntur) e o do momento da verificação (quando sequuntur). Um esquema talvez
auxilie uma plena compreensão…

Nota: Avancemos com alguns exemplos… Exemplo de termo certo – o contrato


perdurará até ao dia 17.11.2013; Exemplo de termo incerto - quando A morrer; mas não
será assim se for: se A morrer nos próximos 15 dias – aí teremos uma condição.
Exemplo de condição de momento incerto – quando eu casar; Exemplo de condição de
momento certo – quando eu atingir a maioridade.

Nota: Condição vs. Pressuposição (Windscheid) - a pressuposição é uma condição não


desenvolvida (não explicitada), uma limitação da vontade do declarante, que este só não
desenvolve na própria declaração porque admite como certa a verificação do evento a
que, se assim não fosse, não deixaria de condicionar a produção de efeitos da
declaração. Embora não o faça expressamente, o declarante não deixa de relacionar a
produção de efeitos com a verificação de um determinado evento. O que mais
facilmente a distingue da condição é o facto de tanto poder respeitar a factos passados,
como presentes e futuros, e não somente a estes últimos. Contudo, só quanto a factos
futuros é que se autonomiza, fruto do seu carácter implícito, em contraste com as
condições, necessariamente explícitas. Quando respeite a factos passados ou presentes,
o seu regime não se diferencia do regime do erro na formação da vontade. Desta forma,

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o regime próprio da pressuposição manifesta-se apenas quando não conste


explicitamente do negócio. A teoria de Windscheid está na origem de formulações
modernas para resolução do problema da imprevisão, ainda que não tenha conquistado,
pelo menos no nosso CC, o estatuto de instituto autónomo. Dela se encontram
manifestações, ainda assim, a respeito do erro sobre a base do negócio (252º nº2) e do
error in futurum, quanto à resolução ou modificação do contrato por alteração das
circunstâncias (437º e ss.).

Posto tanto, cumpre, por último, vincar a importância da condição enquanto


instituto jurídico de potente alcance prático – produto da necessidade de as pessoas
se salvaguardarem quanto à verificação ou não de determinados eventos. A
condição é também um meio técnico de que uma das partes se pode servir para
estimular um comportamento de outrem ou para assegurar-se da verificação de
um determinado resultado vantajoso para si. Fáceis exemplos de condições se
vislumbram - A faz doação a B se este se licenciar em direito, ou A recebe um prémio
se antecipar o prazo de conclusão de uma obra (ambas são condições potestativas). Já
estamos em condições de abordar as diversas modalidades, sobreponíveis, de
condições…

→ Condição própria vs. Condição imprópria – Muito simplesmente, a condição


diz-se imprópria quando nela não concorram um dos requisitos que caracterizam as
condições proprio sensu, ou condições próprias. São, assim, portanto, impróprias, as
condições que reportem a um acontecimento passado ou presente, as condições relativas
a acontecimentos certos ou impossíveis e as condições legais (conditio iuris – 1716º,
1760º, nº1, a)).

Nota: A condição resolutiva tácita é uma modalidade de condição legal: num contrato
sinalagmático, se uma das partes não cumprir, pode a outra resolvê-lo (direito
potestativo de resolução e não resolução automática – artigos 801º nº2 e 808º nº1).

→ Condição suspensiva vs. Condição resolutiva – a distinção entre estas duas


modalidades redunda na maneira como a condição interfere com a produção de efeitos
do negócio, e são as duas modalidades expressas na letra do 270º CC. Nas condições
suspensivas, a produção dos efeitos do NJ fica paralisada enquanto não se verificar
o evento condicionante. Exemplo: A doa X a B se este passar no exame. Nas
condições resolutivas, a sua verificação tem como consequência a cessação dos

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efeitos do acto, efeitos esses que até à constatação do referido acontecimento


produzem-se na sua normalidade. A determinação de uma condição como resolutiva
ou suspensiva pode não ficar claramente expressa, sendo que nessas situações se deve
recorrer aos princípios da interpretação negocial (236º CC), nos casos em que a lei não
estabeleça a solução, como no 2234º, relativo ao testamento.

Nota: A cláusula resolutiva expressa distingue-se da figura da condição. Aqui já não há


uma automaticidade na extinção dos efeitos. Diferentemente, as partes podem decidir
prever, no próprio contrato, eventos ou circunstâncias que as habilitam a fazer cessar
prematuramente o vínculo, mediante a emissão de uma declaração de vontade a
tanto dirigida. Aqueles eventos ou circunstâncias determinam, não a extinção
automática do vínculo, mas a constituição do direito potestativo de o fazer cessar, por
resolução.

→ Condição idónea vs. Condição inidónea – Na destrinça entre estas


modalidades está a diferença entre condições lícitas e ilícitas e entre condições possíveis
e impossíveis, tal como consignadas no 271º nº1 e nº2….

→ → Lícita vs. Ilícita, Possível vs. Impossível (271º) – A diferença não


se afere em função do facto condicionante, em si mesmo, mas sim atendendo à sua
relevância no conjunto do conteúdo do negócio condicionado, tendo em conta a
intenção das partes e o fim visado com o NJ, mas nada melhor do que um exemplo
para ilustrar a diferença - a condição «se matares», é lícita como condição resolutiva de
uma doação e ilícita se actuar como condição suspensiva. Não há condições
necessariamente ilícitas, tudo deverá ser tido em conta no caso concreto. Ilícita é
também a condição cuja inclusão num NJ torne este contrário à lei, embora o facto
condicionante seja em si mesmo lícito - por exemplo condições restritivas da liberdade
(de casar ou não casar, de adopção de determinada profissão, etc.). Acrescente-se, a bem
do rigor do 271º nº1, que também são ilícitas as condições que envolvam ofensa da
ordem pública e dos bons costumes (2232º e 2233º). A propósito das possibilidades e
impossibilidades, desde já anuncie-se que se fala de impossibilidade física ou legal
(como estudado a propósito do objecto negocial). Nesta destrinça, o que de mais
relevante releva são as consequências, para o negócio, da aposição de cláusulas
impossíveis ou ilícitas, cujo regime resulta do, já nomeado, 271º CC. Uma coisa terão
sempre em comum, a nulidade da cláusula negocial que as estatua. A diferença virá

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no arrasto, ou não, de todo contrato pela nulidade desta cláusula: na condição ilícita, a
nulidade acarreta a nulidade de todo o negócio (271º nº1); na condição impossível
suspensiva, também há a nulidade de todo o contrato (271º nº2, 1ª parte); todavia, a
condição impossível resolutiva, tem-se por nunca escrita, ou seja, a nulidade só atinge a
própria cláusula (271º nº2, 2ª parte), ocorrendo, de tal modo, nulidade parcial e uma
redução do NJ.

Nota: Quando se trate de liberalidades, como a doação ou o testamento, o regime


especial a aplicar é o 2230º, por remissão do 967º - a cláusula é nula, havendo redução
(não voluntária, mas legal do negócio – este mantém-se incondicionado, pleno. De
salientar que este regime pode ser afastado por vontade do testador ou doador, no caso
da condição impossível.

→ Condições de momento certo vs. Condições de momento incerto – Esta


destrinça está bem patente no quadro supra enunciado, pelo que será somente
brevemente retomada. O facto pode ser incerto quanto à sua verificação, mas, a
ocorrer, sabe-se quando irá, por exemplo, “quando Joaquim fizer 18 anos”. A
dupla incerteza – se se irá o facto verificar e quando se irá verificar – corresponde
à condição de momento incerto. Por exemplo, “se Joaquim casar…” ou “se Manuel se
licenciar…”.

→ Condições potestativas vs. Condições casuais vs. Condições mistas – O


critério de distinção entre estas três últimas modalidades da condição diz respeito
à maior ou menor relevância da vontade de uma das partes. Como bem entendido,
na condição potestativa, a verificação do facto condicionante depende da vontade de
uma das partes (exemplo - dou-te X se te licenciares em medicina), seja da parte do
sujeito activo ou passivo (parte creditoris ou parte debitoris). Nesta ordem de
considerações cite-se o exemplo da condição arbitrária, uma condição meramente
potestativa ou de puro querer (só cumpre, simplesmente, se quiser). Mais uma vez como
bem entendido, a condição causal tem o seu facto condicionante dependente de
causa natural ou vontade de terceiro. Por último, a condição mista reúne elementos
de potestatividade e de causalidade, imagine-se a condição “dou-te X se casares com
a Rita” – conjuga-se a ocorrência de um facto natural ou uma vontade de terceiros com
a vontade da parte a que se dirige a condição e é parte do NJ que a inclui.

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8.1.1. Regime de aponibilidade, pendência da condição e verificação (ou


não)

A que negócios poderão condições ser e não ser apostas? Neste domínio, a
regra é a da livre aponibilidade ou condicionalidade dos negócios, com último
fundamento na autonomia privada da vontade dos contraentes. Há, contudo, NJ em que
não pode ser incluída qualquer condição: declaração de compensação (848º nº2),
casamento (1618º nº1), perfilhação (1852º nº1), aceitação e repúdio da herança ou
legado (2054º nº1, 2064º nº1, e 2249º). Esta última ordem de restrição remete para casos
em que a norma expressamente interdita a condição. Em institutos como a adopção, é a
própria natureza do acto que impossibilita, e no NJ unilaterais resultantes de um direito
potestativo que atinja a esfera jurídica de outrem com eficácia vantajosa, a necessidade
de certeza quanto ao regime proíbe a aponibilidade (em denúncias, em resoluções ou em
despedimentos). Posto isto, que sucederá a um NJ incondicionável a que se apõe
uma condição? Verdadeiramente, a dúvida só se levanta quando o legislador nada diga,
já que nesses casos é claramente contra legem (294º). Nos restantes, é de perfilar o
entendimento de que se deve aplicar analogicamente o 271º, fixando a nulidade desse
mesmo negócio.

Nota: Como complemento, qual será, então, a relevância das condições na eficácia do
NJ? Sendo a condição uma cláusula acessória, ela pressupõe a existência de certo
negócio, sempre. É sempre sobre a eficácia do NJ que a condição incide. Por exemplo,
na condição suspensiva, o negócio é válido, mas ineficaz, há uma ficção legal ab initio
que impede a eficácia plena, o mesmo se passará na condição resolutiva, mas em
sentido inverso. Todavia, algumas consequências podem verificar-se, desde a
celebração, impostas, nomeadamente, pela necessidade de tutela de terceiros…

Concluindo o regime da aposição, ele terá os seus efeitos diversos consoante a


modalidade seja suspensiva ou resolutiva – mas a fase que sempre decorre entre o
momento da celebração do NJ e o momento da verificação ou não da condição
sempre se designa por pendência da condição -, havendo sempre a possibilidade de
cessação do estado de incerteza que, naturalmente, caracteriza a pendência da condição.
Aprofundemos a pendência da condição. Desde já cumpre adiantar que terá significados
diferentes consoante seja condição suspensiva ou resolutiva, mas os problemas
relevantes são comuns, e são três…

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→ Exercício do direito e cumprimento de obrigações condicionais - Neste 1º


problema, não importa que a modalidade da condição seja suspensiva ou resolutiva,
pois sempre o titular do direito sob condição está obrigado a agir de boa-fé e de forma a
não comprometer o direito da outra parte (272º). Por exemplo, o adquirente de um
terreno sob condição não pode, na pendência desta, arrancar um pomar, constituir
direitos reais menores sobre ele…

→ Actos conservatórios do direito – Quanto a este aspecto, como bem


entendido, eles dirigem-se a sujeitos diferentes segundo as diferentes modalidades -
na condição suspensiva, relativamente ao adquirente e, na condição resolutiva,
relativamente ao alienante. Simplificando: o adquirente sob condição suspensiva só se
torna definitivo titular do direito se a condição se verificar e não o adquire no caso
contrário, enquanto o alienante sob condição resolutiva retoma o seu direito se a
condição se verificar e perde-o definitivamente na situação oposta. Podem estes dois
sujeitos praticar actos de conservação de um direito – um, de um direito que ainda não
possui plenamente, o outro de um direito que não sabe se retomará ou não? O 273º
responde-nos afirmativamente, pois que a situação do titular do direito sob
condição suspensiva corresponde a uma expectativa jurídica.

Nota: Relembrando… Expectativas – não nos interessam as de mero facto, como de


resultados desportivos só as jurídicas. É uma data de conjunções nas quais se requeira,
para o surgimento de certo efeito jurídico, uma sucessão articulada de eventos que se
vão produzindo e prolongando no tempo. Há uma legítima “spes iuris”, que pode
resultar de normas legais explícitas, de negócios jurídicos ou de conceitos
indeterminados, como o de boa-fé. Neste último exemplo é a expectativa de negócio
jurídico que nos importa, do NJ feito sob condição.

→ Actos de disposição do direito – O problema que se coloca é precisamente o


mesmo, poderão ser praticados actos de disposição durante a pendência de uma
condição? Mais uma vez o legislador nos dá a resposta, nos dois números do artigo
274º: nº 1 - há aqui condição legal – ope legis, o acto dispositivo fica sujeito, também, a
condição, sendo admitida convenção em contrário na condição inicial; nº 2: O
adquirente desse direito sob condição é equiparado a possuidor de boa-fé (para efeito de
benfeitorias que faça).

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Como anteriormente já referido, a verificação da condição é a produção do


facto futuro incerto de que os efeitos do negócio ficam pendentes, pelo que a não
verificação da condição se dá em situações diametralmente opostas. Atenção que a
condição pode revestir a modalidade positiva ou a modalidade negativa – a primeira é
aquela em que o facto condicionante consiste numa alteração da situação existente num
certo momento (que pode ser ou não o da celebração do negócio), por exemplo “Se
chover no dia da boda…”; a segunda implica a manutenção de um estado de coisas, por
exemplo “se A continuar solteiro à data da morte de B…”. Fatalmente, a não verificação
consiste na manutenção do status quo, pois não se verificou o facto futuro incerto,
enquanto a não verificação da condição negativa traduz uma alteração do estado de
coisas previsto na condição futura incerta. Perante as dificuldades práticas do momento
da verificação ou não da condição, o 275º nº1 diz quando é que se tem por verificada ou
não a condição, e o 275º nº2, relativamente às condições potestativas, estabelece uma
ficção legal de verificação ou não da condição.

Os efeitos da (não) verificação da condição, diferentes se a condição for


suspensiva ou resolutiva, estão consubstanciados no 276º CC, e postulam sempre
uma eficácia retroactiva. Há, contudo, certas excepções a nomear… 276: vontade das
partes e natureza do negócio; 277º nº2: actos de administração ordinária; 277º nº3:
possuidor não deixa de ser considerado de boa-fé; 277º nº1: contratos de execução
continuada (434º nº2).

8.2. Termo

Desta feita, falamos de um facto futuro, mas de ocorrência certa, a que as


partes subordinam o início ou a cessação dos efeitos do NJ (278º CC). Mais uma
vez, a palavra “termo” é usada tanto para designar o conteúdo da cláusula
acessória, como a própria cláusula acessória. A fixação do momento de ocorrência
desse facto futuro de ocorrência certa é feita ou através da indicação do dia certo de
calendário, ou da indicação de um dado período de tempo (“dentro de uma semana”). O
período de tempo que, no termo certo, decorre entre o momento da celebração do NJ e o
momento em que os efeitos se iniciam ou terminam chama-se prazo, e todos esses
“prazos” serão contados segundo as regras do 279º. O fundamento redunda, na
autonomia privada de as pessoas quererem vincular-se por um período limitado, e com

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ele o regime que as partes pretendem submeter a regulamentação dos seus interesses
fica fixado. Tal como a condição, pode revestir várias modalidades…

Termo próprio vs. Termo impróprio – Não há nada mais a adiantar relativamente
à distinção feita na modalidade da condição. Um exemplo de termo impróprio é o termo
legal, pois lhe falta a voluntariedade dos sujeitos na sua consagração – elemento
essencial.

Termo inicial vs. Termo final - Não há nada mais a adiantar relativamente à
distinção feita na modalidade da condição, desta feita entre suspensivas e resolutivas.

Termo certo vs. Termo incerto – O critério atende ao momento da


verificação, se é sabido ou não, independentemente da necessária certeza de que
irá acontecer. Exemplo de negócio com termo incerto é um negócio sujeito ao termo
da vida de uma parte – todos sabemos que esse alguém irá, um dia, perecer, só não se
sabe é quando perecerá.

Termo essencial vs. Termo não essencial – Por último, a destrinça assenta no
tipo de efeitos decorrentes do decurso do prazo de realização de uma prestação. Nos
primeiros, o não cumprimento dentro do prazo é equiparado à impossibilidade da
prestação, enquanto nos segundos o devedor entra em mora, mas a prestação
ainda é possível. De salientar que a essencialidade pode resultar da vontade das partes
ou da lei.

Nota: tudo se passa de forma similar à condição no que toca à aponibilidade do termo,
com as devidas divergências – 1307º CC, quanto à aquisição da propriedade (nulidade
do negócio há sempre, mas neste caso há possível conversão, segundo o 293º, num
direito real menor, como o usufruto do direito de propriedade).

Relativamente à pendência do termo, novamente há um paralelismo com a


condição (278º CC), com a diferença de que o 278º não remete para os actos de
disposição do 274º, não significando isso que não se possa praticar atos de disposição,
somente que o regime do 274º não se adequa ao instituto do termo. Quanto aos efeitos
da verificação do termo, são deveras mais simples, pois, ao invés da condição, existe
uma certeza da sua verificação, e uma diferença fundamental também diz respeito à não
retroactividade da verificação do termo final e da consequente caducidade do NJ. No
termo inicial simplesmente se desencadeiam os efeitos previstos.

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8.3. Modo

Diz-se modo ou ónus, o encargo a que o autor de um negócio gratuito vincula


o declaratário, em benefício do declarante, de terceiros ou até no próprio interesse
do declaratário. Deduz-se esta noção do 963º e do 2244º do Código Civil. Impõe ao
declaratário a obrigação de praticar certo acto, que poderá ser pagar dívidas do
declarante, mandar rezar missas, pagar pensão ao declarante ou a terceiros, entre muitas
outras. A inidoneidade do objecto da obrigação modal gera nulidade do modo (967º,
2245º e 2230º Código Civil), mas não afecta o NJ – vitiatur sed non vitiat).

O modo tem a aponibilidade muito específica de só se aplicar a negócios


gratuitos (doações, deixas testamentárias de definição de um herdeiro ou legatário,
instituição de uma fundação). O efeito típico do modo é constituir no beneficiário da
liberalidade a obrigação de cumprir certo encargo. Uma característica muito específica
do modo é que a obrigação que o mesmo institui tem como limite máximo o valor da
própria liberalidade (se o exceder, é a ele reduzido – 963º nº2 e 2276º).

Em lugar de se falar na verificação ou não verificação da condição, aqui


deve antes aludir-se ao cumprimento ou não cumprimento do encargo. Que
acontece se não cumprir? Simples, as pessoas indicadas no 965º (e 2247º) podem
exigir o cumprimento. Se, pura e simplesmente, houver incumprimento definitivo e
absoluto do encargo, a lei consagra diversas soluções, para cada instituto…

1 - Doação - a lei permite que o doador ou seus herdeiros peçam a resolução da doação
(966º);

2 – Testamento – Já que o direito de resolução não pode caber ao testador, o testador


pode estipular que a atribuição patrimonial é resolúvel, se o encargo não for cumprido -
nesse caso, o direito de resolução cabe a qualquer interessado (2248º nº1). Não é,
contudo, preciso que haja aquela estipulação do de cuius (ver parte final do 2248/1), e
uma vez resolvida a deixa testamentária, rege o 2248º nº2.

8.3.1. Modo vs. Condição

Apesar da diferença entre modo e condição nem sempre ser muito nítida,
podemos desde já excluir todas os casos que envolvam NJ onerosos ou se a
condição for potestativa a parte debitoris, uma vez que o problema só se coloca

Pedro da Palma Gonçalves Página 120


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para negócios gratuitos e com condição potestativa a parte creditoris, ou seja,


dependente da vontade do credor condicional, e não do devedor condicional, pois
nesse caso tal como acontece com o modo, a vontade de uma das partes é
determinante do regime dos efeitos do negócio condicionado. Citemos um exemplo,
que ilustre a dificuldade… A doa 10.000 a B se este pagar uma pensão a C durante os
seus estudos – abstraindo-se da formulação condicional da frase, a mesma tanto pode
comportar-se como modo ou como condição. Desta forma, que tipo de cláusula foi
aposta? Como se demarcam os dois institutos e os respectivos regimes? Para tal,
frequente é utilizar famosas fórmulas mnemónicas, que apresentaremos de seguida…

→ “A condição (suspensiva) suspende, mas não obriga e o modo obriga, mas


não suspende” - isto significa que na condição suspensiva potestativa os efeitos do
negócio só se produzem se o acto condicionante vier a ser praticado, mas o
beneficiário da liberalidade (de cuja vontade esse acto depende) não está obrigado
a praticá-lo. Se a cláusula for modal, o beneficiário fica obrigado a cumprir o
encargo, mas os efeitos do negócio produzem-se logo.

→ “A condição (resolutiva) resolve, mas não obriga e o modo obriga, mas não
resolve” - Se o beneficiário não praticar o acto condicionante, a que não está
obrigado, os efeitos do negócio cessam, ipso facto. No caso do modo, se não for
cumprida a obrigação, não há resolução automática dos efeitos do negócio. O não-
cumprimento apenas confere o direito potestativo de resolução, e, mesmo que esta
se verifique, não tem eficácia retroactiva.

Ainda é possível fazer a distinção com recurso às regras da interpretação,


sendo que o entendimento de Oliveira Ascensão é de perfilar. Se a intenção primária do
autor da liberalidade for a de beneficiar o destinatário e só em segundo plano visar outro
objectivo (secundário), há estipulação de um modo. Se a dúvida persistir, segue-se o
regime do 237º – o critério quanto aos negócios gratuitos leva a considerar o acto como
sujeito a condição, por o negócio condicionado ter menos consistência que o modal.

8.4. Outros elementos acidentais

Para além das cláusulas acessórias típicas já citadas – condição, termo e modo -,
importa fazer referência a outras categorias igualmente de relevo…

Pedro da Palma Gonçalves Página 121


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→ Cláusula penal – traduz a estipulação através da qual as partes fixam uma


pena convencional, a indemnização acordada pelas partes e que o credor pode
exigir ao devedor quando este não cumpra aquilo a que se obrigou ou não cumpra
atempadamente (cláusula penal moratória). A sua aposição visa assegurar os
interesses do credor, não só por funcionar como um meio de pressionar o devedor a
cumprir, mas, por princípio, eliminar o litígio quanto ao valor dos danos a indemnizar.
Pela fixação antecipada da indemnização, elimina a necessidade de apurar o valor do
dano. Sublinhemos que pena convencional identifica a indemnização em si mesma,
enquanto a cláusula penal é o meio através da qual as partes a estipulam. O seu
regime resulta dos termos do 810º CC e as suas modalidades constam do 811º. Por
último, digamos que a cláusula penal é uma das modalidades de cláusula sobre a
responsabilidade, juntamente com as cláusulas de agravamento e de atenuação da
responsabilidade (remissão para o Direito das Obrigações).

→ Cláusula de equidade – constante do artigo 4º CC, reconhece a convenção


das partes como uma das fontes de relevância da equidade na ordem jurídica
portuguesa. Este tipo de cláusula pode ser aposta aos NJ, através da qual as partes
aceitam a subordinação da decisão dos pleitos que dele possam emergir, não a
critérios de direito s.s., mas de equidade. Atribui-se, por esta via, a faculdade ao
juiz de decidir ex aequo et bono, ou seja, segundo a justiça do caso concreto.

→ Cláusula de escolha de lei em negócios internacionais (41º CC, Regulamento


Roma I)

→ Estipulação do domicílio electivo (84º CC)

→ Pacto de aforamento (escolha do tribunal competente na ordem interna)

→ Pacto atributivo de jurisdição

→ Convenção de arbitragem (artigo 1º da Lei nº 31/86, de 29 de agosto) – em


certas matérias, é permitido que as partes instituam tribunais ad hoc, para resolver casos
litigiosos. O julgamento desses casos é feito por árbitros, daí que institua os chamados
tribunais arbitrais. Se a convenção tiver por objecto um litígio actual, mesmo já afecto a
um tribunal judicial, recebendo aí a designação de compromissos arbitrais. Caso remeta
para eventuais litígios futuros emergentes de dada relação jurídica, chamamos cláusula
compromissória (nº2 do mesmo artigo da Lei nº 31/86, de 29 de agosto).

Pedro da Palma Gonçalves Página 122


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1. Compra e venda real quoad effectum

António dirigiu-se a uma livraria para comprar os 32 volumes da 15.ª


edição da Enciclopédia Britânica. O vendedor avisou-o de que tinha apenas uma
colecção em stock e que a versão impressa já teria sido descontinuada, pelo que seria
muito difícil encontrar outra colecção no mercado. Perante este cenário, António
decidiu, de imediato, comprar a enciclopédia, mas uma vez que tinha ido de mota,
acordou com o vendedor que passaria no dia seguinte, de carro, a apanhar os volumes e
a pagar, o que fez.

Quem é o proprietário da Enciclopédia e em que momento se transferiu a


propriedade?

R: Para além da noção facultada pelo artigo 874ºCC, a compra e venda é um


negócio real quoad effectum, ou seja, como decorrente do artigo 874º CC, a contrario
sensu, e, mais explicitamente, do artigo 879º b) CC, a obrigação da tradição da coisa é
um mero efeito do negócio jurídico. Negócio esse que, como tal, se rege por um dos
vectores estruturantes do privatismo português, o princípio do consensualismo, que nos
diz que o negócio dá-se simplesmente pela manifestação de vontade coincidente das
partes, pelo mútuo acordo, seguindo as lógicas do 405º do 408º nº1 CC (“por mero
efeito do contrato”). Quando respeitante a coisa móvel, a compra e venda é, à luz do
artigo 219º CC, um negócio jurídico não solene, numa consubstanciação da liberdade de
forma, na medida em que não exige qualquer ritual específico na exteriorização da
vontade. Posto isto, cumpre então esclarecer que António é o proprietário da
Enciclopédia Britannica desde o 1º dia, ou seja, no momento em que António e o
vendedor acordaram por declaração oral o negócio de compra e venda, dando-se desde
logo a aquisição derivada translativa do direito de propriedade sobre o bem para o
hemisfério patrimonial de António. O facto de só no 2º dia António ter cumprido a
obrigação de pagamento do preço e o vendedor a obrigação de entregar a coisa não
afecta a validade do negócio, somente contribui para a plenitude dos seus efeitos reais e
obrigacionais.

Pedro da Palma Gonçalves Página 123


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2. Mútuo: real quoad constitutionem ou consensual?

António, em 15 de Junho de 2014, telefonou ao amigo Bento, pedindo-lhe um


empréstimo de 1000 euros.

Bento, no mesmo telefonema, assentiu disponibilizar-lhe os 1000 euros, tendo


ainda ficado acordado que a quantia seria entregue no dia 1 de Julho de 2014, no
domicílio de Bento, e devolvida no prazo de um ano. Entretanto, no dia 1 de Julho de
2014, António foi ao domicílio de Bento, mas este recusou entregar-lhe qualquer
quantia.

António alega ter direito à entrega do valor acordado. Quid iuris?

Vide STJ 25.01.2011 (Hélder Roque)

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6b466565eae6
93e580257829003489ba?OpenDocument

R: Como elucidado pelo artigo 1142º CC, o mútuo é o contrato pelo qual uma
das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada
a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Com base nesta definição, será de
entender o mútuo como um negócio real quoad constitutionem, ou seja, como um
negócio cuja tradição da coisa não é um mero efeito contractual ou condição de plena
eficácia, mas um requisito da perfeição da própria constituição do negócio? Aqui duas
visões se digladiam, o entendimento tradicional advogado, por exemplo, por Antunes
Varela, e o entendimento actualista. A visão tradicional-romanista é clara quanto ao
enquadramento inequívoco do mútuo na categoria de NRQC, frisando que a sua
perfeição depende, para além da manifestação de vontade, formal ou não, solene ou não,
da prática da entrega da coisa (traditio). Relembro que o negócio real é aquele que exige
não só os requisitos comuns da definição de negócio jurídico, como também a
transferência do bem (a datio rei, segundo a terminologia romana). A visão progressista
de autores como Menezes Cordeiro ou Carvalho Fernandes vê a questão sob um prisma
menos restritivo, mais conforme ao princípio consensualista, intimamente conexo com a
liberdade contractual do 405º CC que enforma o Direito Privado: defendem que, em

Pedro da Palma Gonçalves Página 124


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certas situações, o contrato tipificado de mútuo pode, por consenso das partes e mútuo
acordo, constituir-se num contrato atípico de mútuo perfeitamente válido. Bem
entendido que esta incursão liberalizante deve ser temperada com o circunstancialismo
do negócio, na medida em que não é por acaso que os NRQC necessitam de traditio
(consciencialização do mutuante). Atendendo a este caso concreto, é de perfilar a
posição de que António tem direito ao montante de 1000 euros acordado com Bento a
15 de junho de 2014. Nesse dia, sob a forma de acordo oral não solene, foi celebrado
um contracto atípico de mútuo entre ambos através da coincidência das manifestações
de vontade. Nesse momento, Bento viu nascer na sua esfera jurídica a obrigação de
entrega do dinheiro no dia 1 de julho de 2015 e António um direito de crédito sobre essa
mesma obrigação, ou seja dois efeitos obrigacionais e um real. Como tal, António está
no direito de exigir o dinheiro a Bento, não como requisito de celebração do contracto,
mas como condição de eficácia do mesmo.

Nota: Exemplos de negócios reais quanto à constituição: comodato (1129º),


mútuo (1142º), depósito (1185º), penhor (669º), doação de coisa móvel não reduzida a
escrito (947º nº2), parceria pecuária (1121º CC), reporte (477º Código Comercial).
Todavia, só a determinados institutos se admite a possibilidade de modalidades atípicas
(consensuais) de negócios tipicamente reais - casos do comodato, mútuo e depósito.

Pedro da Palma Gonçalves Página 125


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3. Partilha em vida (art. 2029.º do Código Civil)

António, proprietário de uma grande fortuna, decide, em vida, partilhar parte dos
seus bens. Para o efeito, deu a cada um dos seus três filhos uma casa. A Bento e Carlos,
uma casa avaliada em 1 milhão de euros cada e a Daniel uma casa avaliada em 1,6
milhões de euros, com o acordo de Daniel restituir 200.000,00 a cada um dos seus
irmãos.

Trata-se de um negócio oneroso ou gratuito?

Vide STJ 14.06.2013 (Nuno Cameira)

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4e95166b8d9f
357180257b5c0035acd1?OpenDocument

R: Bento → 1M + 200m (torna)

Carlos → 1M + 200m (torna)

Daniel → 1,6M – 200m – 200m (tornas)

= 1,2M (quinhão)

A partilha em vida aludida pelo artigo 2029º CC é qualificável como doação à


luz do artigo 940º nº1 CC, ou seja é, intrinsecamente, um negócio jurídico gratuito ou
liberalidade, na medida em que cada uma das partes retira dele somente benefício ou
sacrifício patrimonial, como desde logo, se extrai do elemento literal do referido
preceito legal. Na modalidade de doação partilha em vida, só uma parte, o donatário,
retira benefício patrimonial do negócio através da aquisição derivada translativa do
bem, enquanto o doador sofre somente o prejuízo patrimonial de perda do direito de
propriedade sobre o objecto da partilha. A dúvida que poderia causar a presença de
tornas (modo), não tem razão de ser, na medida em que funcionam somente como meio
de composição e ajuste dos quinhões, não constituindo fundamento para a
autonomização enquanto negócio oneroso ou correlatividade das prestações. Como tal,

Pedro da Palma Gonçalves Página 126


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o negócio jurídico unilateral levado a cabo por António é indubitavelmente um negócio


gratuito.

Relativamente às tornas…

Diz-se modo ou ónus, o encargo a que o autor de um negócio gratuito vincula o


declaratário, em benefício do declarante, de terceiros ou até no próprio interesse do
declaratário. Deduz-se esta noção do 963º e do 2244º do Código Civil. Impõe ao
declaratário a obrigação de praticar certo acto, que poderá ser pagar dívidas do
declarante, mandar rezar missas, pagar pensão ao declarante ou a terceiros, entre muitas
outras. A inidoneidade do objecto da obrigação modal gera nulidade do modo (967º,
2245º e 2230º Código Civil), mas não afecta o NJ – vitiatur sed non vitiat). O modo tem
a aponibilidade muito específica de só se aplicar a negócios gratuitos (doações, deixas
testamentárias de definição de um herdeiro ou legatário, instituição de uma fundação).
O efeito típico do modo é constituir no beneficiário da liberalidade a obrigação de
cumprir certo encargo. Uma característica muito específica do modo é que a obrigação
que o mesmo institui tem como limite máximo o valor da própria liberalidade (se o
exceder, é a ele reduzido – 963º nº2 e 2276º). Em lugar de se falar na verificação ou não
verificação da condição, aqui deve antes aludir-se ao cumprimento ou não cumprimento
do encargo. Que acontece se não cumprir? Simples, as pessoas indicadas no 965º (e
2247º) podem exigir o cumprimento. Se, pura e simplesmente, houver incumprimento
definitivo e absoluto do encargo, a lei consagra diversas soluções, para cada instituto…

Pedro da Palma Gonçalves Página 127


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4. Inter vivos e mortis causa

Diga, justificando a sua resposta, se os seguintes negócios jurídicos são inter


vivos ou mortis causa:

a) doação, reservando o doador o direito de usufruto do bem doado, até à


sua morte; 2029º ou 940º CC.

R: Os negócios mortis causa são somente os do domínio sucessório, os negócios


em que a morte é a causa da produção de efeitos desejada pelo de cuiús, como o
testamento ou o pacto sucessório. Há que ter em atenção ao inferir a causalidade, pois aí
está a chave da destrinça. Todos os outros são negócios inter vivos. Neste caso, a
doação é um negócio jurídico inter vivos (bilateral e gratuito), pois a reserva do direito
de usufruto do bem doado pelo doador constitui um mero termo suspensivo e facto
secundário do principal, a doação. Distingue-se do testamento pela transmissão
automática do direito de propriedade, com o ónus de não violar a reserva de usufruto do
doador.

Relativamente ao termo suspensivo…

Falamos de um facto futuro, mas de ocorrência certa, a que as partes subordinam


o início ou a cessação dos efeitos do NJ (278º CC). Mais uma vez, a palavra “termo” é
usada tanto para designar o conteúdo da cláusula acessória, como a própria cláusula
acessória. A fixação do momento de ocorrência desse facto futuro de ocorrência certa é
feita ou através da indicação do dia certo de calendário, ou da indicação de um dado
período de tempo (“dentro de uma semana”). O período de tempo que, no termo certo,
decorre entre o momento da celebração do NJ e o momento em que os efeitos se iniciam
ou terminam chama-se prazo, e todos esses “prazos” serão contados segundo as regras
do 279º. É suspensivo pois só se desencadeiam os efeitos do NJ quando ocorrer o
acontecimento futuro certo de momento incerto a que a cláusula se refere, neste caso, a
morte do doador.

b) testamento; 2031º CC.

Pedro da Palma Gonçalves Página 128


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R: O testamento é um negócio jurídico mortis causa pois a morte é a causa


jurídica do accionamento dos efeitos a que se dirige o negócio jurídico (morte acciona
efeitos jurídicos do NJ inter vivos).

c) partilha em vida. 2029º CC.

R: É um negócio jurídico inter vivos pois os efeitos jurídicos de uma partilha em


vida, em muito semelhante à doação, produzem-se de imediato, em vida, sendo a causa
da produção de efeitos o negócio per se, e não o falecimento do sujeito.

Vide TRG 05.04.2005 (Amílcar Andrade)

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/0/fc46a4b9455dea7e80257164004fc0be?OpenDocu
ment

Pedro da Palma Gonçalves Página 129


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§ 3. O OBJETO NEGOCIAL

5. “Martinhal à venda”

Finda a época balnear, António decide colocar uma placa na praia do Martinhal
a dizer: “Vende-se esta praia a bom preço”. Bëntø, turista dinamarquês, decide comprar
a praia. Quid iuris?

R: O problema da ilegitimidade de António nem sequer será tratado, pela sua


clareza e por não ser esse o objectivo da hipótese. Os 3 requisitos de idoneidade do
objecto negocial são a licitude, a possibilidade e a determinabilidade, tal como se deduz
a contrario sensu do artigo 280º do CC. Qualquer NJ cujo objecto negocial não
preencha um ou mais destes requisitos chumba no teste e a inidoneidade do mesmo
deve dar origem à nulidade do próprio negócio. Ora, neste estamos perante a
impossibilidade legal da coisa, na medida em que a praia do Martinhal é um bem
público, ou seja, uma coisa fora do comércio. Como tal, o NJ concertado entre António
e Bento é nulo por impossibilidade legal da coisa e consequente inidoneidade do objecto
negocial à luz do artigo 280ºCC, e ainda violador da ordem pública por agressão de
norma fundamental constitucional (84º CRP), portanto, contrário à lei, o que é
sublinhado pelo 294º do CC. Seja como for, a consequência jurídica essencial é sempre
a nulidade do NJ e a adstrição de António a restituir o preço ao turista dinamarquês
Bento em sede de responsabilidade pré-contratual pois era impossível praticar o NJ, o
que exclui a responsabilidade contratual.

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6. “Ética empresarial”

António, fornecedor único de matéria-prima para a empresa de Bento, celebra


com Carlos, proprietário de uma empresa concorrente à de Bento, um contrato de onde
constam as seguintes cláusulas:

Cláusula 4.ª

António obriga-se a vender matéria-prima defeituosa ou de baixa


qualidade a Bento até que este entre em situação de insolvência.

Cláusula 5.ª

1. Carlos pagará a António pelo serviço da cláusula 4.ª o preço de 1 milhão de


euros, acrescidos dos eventuais valores que António seja condenado a pagar pelo
incumprimento do contrato de fornecimento com Bento.

2. Em contrapartida pelo preço, António obriga-se, além do preceituado na


cláusula 4.ª, a converter-se à religião professada por Bento.

Pronuncie-se sobre a validade destas cláusulas.

R: Os 3 requisitos de idoneidade do objecto negocial são a licitude, a


possibilidade e a determinabilidade, tal como se deduz a contrario sensu do artigo 280º
do CC. Qualquer NJ cujo objecto negocial não preencha um ou mais destes requisitos
chumba no teste e a inidoneidade do mesmo deve dar origem à nulidade do próprio
negócio. Na cláusula 4ª temos um problema de conformidade com ordem pública,
entendida como os princípios fundamentais estruturantes do ordenamento, de onde se
extrai uma violação do princípio da boa-fé (334ºCC) e, consecutivamente a
contrariedade com a lei que determina a sua nulidade (280º e 294ºCC). Este,
evidenciava uma clara situação de confiança para com António, uma justificação para
tal confiança fruto do contrato de prestação de serviços (fornecimento) que tinham,
investimentos de confiança ilustrados através da compra de material a António e,
finalmente, é possível a imputação dessa confiança a António, que a frustrou. Essa
violação da ordem pública é, além do mais, atendível como chumbo do 1º requisito de
idoneidade do elemento objectivo do negócio jurídico, a licitude do objecto negocial,

Pedro da Palma Gonçalves Página 131


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pois estamos perante uma ilicitude mediata do objecto material prestacional. Em adição
temos ainda uma violação do artigo 406º CC no que concerne ao cumprimento pontual
dos contratos e, como tal, uma ilicitude imediata ou direta (cláusula contra legem), o
que sublinha a nulidade da mesma por ofensa de preceito legal (294º CC). Na cláusula
5ª nº1 constata-se um problema estruturalmente similar aliado ainda a uma violação do
princípio da proporcionalidade (modalidade de proibição do excesso), também
decorrente da Lei Fundamental (1º e 2º CRP) e, como tal, de ordem pública. No
segundo nº da referida cláusula, o objecto da mesma é mais uma vez ofensivo da ordem
pública através do atentado à liberdade religiosa constitucionalmente consagrada. Como
tal, ambas as cláusulas devem ser liminarmente declaradas nulas.

Pedro da Palma Gonçalves Página 132


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8. Declaração tácita

António e Bento conheceram-se via internet. António trabalha e reside em Paris,


onde é proprietário de um apartamento. Bento estuda em Florença, onde adquiriu
também um apartamento. Bento, que não conhece Paris, enviou a António o seguinte e-
mail, no dia 31 de Junho de 2013: “Proponho-te o seguinte contrato: podes passar oito
dias do Verão de 2013, em minha casa, com início a 1 de Agosto, sem nada pagar. Em
troca, deixas-me passar essa mesma semana no teu apartamento em Paris, também sem
nada pagar”. António respondeu no próprio dia, enviando um e-mail que dizia apenas o
seguinte: “Podes comprar o bilhete de avião. Já comprei o meu”. Bento comprou o
bilhete de avião no próprio dia e enviou novo e-mail a António dando a notícia. António
responde: “Não te posso ceder a casa porque tenho visitas”. Bento diz que tem direito a
ficar alojado na casa de António, tanto mais que já comprou bilhete. Quid iuris?

R: O 2º elemento estrutural do NJ, a declaração negocial, entendida como


comportamento humano através do qual se exterioriza certo conteúdo de pensamento
(certa vontade), implica sempre um acto exterior adequado a comunicar e a dar a
conhecer a outrem – o declaratário – uma certa intenção do seu autor, uma vontade
dirigida à regulamentação autónoma de interesses segundo a definição de negócio
jurídico por CF. A declaração pode ser expressa ou tácita (217ºCC – ler definições), a 1ª
revela-se como um comportamento declarativo que corresponde a uma manifestação
directa da vontade, quando certo comportamento humano traduz, de modo directo e
imediato, determinado conteúdo de pensamento, como meio directo de manifestação da
vontade. Por outro lado, na declaração tácita temos factos (facta concludentia) de que se
deduz (sentido implícito) com toda a probabilidade (nexo de probabilidade) e segurança,
a vontade provável de emitir certa declaração negocial. O autor da declaração pode
prevenir-se contra a atribuição de um sentido implícito ao seu comportamento,
excluindo-o expressamente mediante declaração unilateral de sentido oposto (protesto
ou reserva).

Atendendo a este caso em concreto, temos por celebrado um contrato atípico a


30 de junho de 2013, via e-mail, mediante forma escrita voluntária, num corolário do
princípio consensualista do 219ºCC. O acordo de vontades foi alcançado nesse mesmo
dia, mediante declaração expressa de Bento, que claramente definiu os termos da sua

Pedro da Palma Gonçalves Página 133


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manifestação de vontade de forma directa (217ºCC) e tácita de António (217ºCC) que,


por seu turno, através da asserção declarativa de que já havia comprado o bilhete de
avião e Bento já podia comprar o seu (facta concludentia), deu a entender, com toda a
probabilidade e segurança a sua vontade implícita de proceder a um contrato relativo à
sua casa em Paris ao amigo Bento. Com a celebração do contrato, António viu nascer na
sua esfera jurídica um direito de crédito sobre o uso (1484ºCC) ou habitação do imóvel
de Bento em Florença de 1 de agosto até aos 8 dias subsequentes, contados segundo os
critérios do 279º d) ou seja, até 1 semana após dia 1 de agosto, bem como a adstrição à
obrigação de facultar o uso ou habitação a Bento da sua própria casa em Paris durante o
mesmo período de tempo. Bento vê nascer, igualmente, os mesmos efeitos reais e
obrigacionais na sua esfera jurídica, mas diametralmente opostos. De salientar que a
necessidade da tradição da coisa passa, fruto da atipicidade consensual estipulada pelas
partes, de condição de existência do NJ para efeito obrigacional do contrato.

Após Bento já ter comprado o bilhete de avião para Paris, António rompe com o
contrato já celebrado alegando “ter visitas”. Este incumprimento contratual de António
fá-lo incorrer em responsabilidade obrigacional (facto, ato voluntário, ilícito, culpa –
negligencia - e nexo de causalidade entre o ato e o facto) nos termos do artigo 798ºCC
pela violação de deveres específicos, com presunção de culpa à luz do artigo 798º e
799º CC. Como sanção, António terá de indemnizar Bento pelo interesse contratual
positivo (como é regra na responsabilidade contratual, ainda que importe proceder a
uma análise casuística), quiçá restituindo-lhe o dinheiro despendido no bilhete de avião
(562º e 566ºCC).

Pedro da Palma Gonçalves Página 134


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9. O silêncio vale ouro, ou não...

António, pintor, sabendo que o seu amigo Bento estava à procura de alguém que
lhe pintasse a casa por 1000 euros, envia-lhe um e-mail com o seguinte teor: “O Carlos
contou-me que precisas que te pintem a casa por 1000 euros. Eu faço-te esse trabalho.
Se nada disseres em contrário, apareço em tua casa para trabalhar no próximo fim-de-
semana”. Como não obteve resposta de Bento, António adquiriu o material necessário à
pintura e apresentou-se em casa de Bento. Este recusa-se a aceitar o serviço e a pagar
qualquer quantia. Bento afirma ter direito ao pagamento dos 1000 euros, em troca do
serviço que pretende realizar. Quid iuris?

R: Qual o valor declarativo do silêncio? O artigo 218ºCC dá-nos a definição.


Silêncio, para o direito, enquanto modalidade da declaração, significa uma absoluta
omissão de conduta (nada se diz, nada se faz), inacção que, contudo, exprime certa
manifestação de vontade. Somente por determinação legal, por constatação de um uso
ou por convenção das partes o silêncio pode revestir valor jurídico declarativo, nunca
como ato unilateral.

Atenda ao caso concreto, temos um alegado contrato de prestação de serviços


(1154º e 1155ºCC), mais concretamente de empreitada à luz do artigo 1207ºCC e da
liberdade de forma do regime geral do 219º CC. O problema surge quando nos
apercebemos que, na verdade, não estamos perante nenhum caso que a lei fixe como de
valor declarativo do silêncio, nem perante um uso, nem muito menos perante uma
convenção, ou seja, nunca em qualquer momento se constituiu qualquer direito ou
obrigação nas esferas jurídicas de António ou Bento, pois nunca houve qualquer espécie
de contrato que gera-se uma relação jurídica entre ambos. Ou seja, em conclusão, o
silêncio não tem qualquer valor declarativo neste caso, constituindo esse desvalor uma
protecção compreensível do contraente “dono da obra”.

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§ 5. A FORMA DA DECLARAÇÃO

10. “Dou-te tudo o que quiseres!”

António, proprietário de um grande património imobiliário e mobiliário, diz à


sua mulher, Benta, depois de uma discussão: “Dou-te o que quiseres do meu património
se me perdoares!”.

Benta, passados uns dias, diz a António: “Já escolhi! Dá cá o teu Mercedes 300
SL Gullwing de 1955!”.

Terá Benta direito ao carro?

R: Requisitos do objecto negocial. Estão todos assegurados, pois o objecto não é


indeterminado mas determinável, pois sabemos que está inserido no património de
António. Declaração negocial não-séria, 245º? Possivelmente, mas como diz “depois”,
poderemos pressupor que não foi no calor da discussão, intempestivamente, ou seja,
temos vontade funcional e existência jurídica da manifestação de vontade. Como tal,
estamos perante um contrato de doação (940ºCC), bilateral a não sinalagmático,
consensual de regime geral, a aceitação da proposta de doação “dou-te tudo o que
quiseres” foi emitida por Benta ao garantir que “já escolheu”, mas esbarra no 947º nº2
in fine (doação de coisa móvel não reduzida à escrito é NRQC), ou seja temos uma
invalidade na modalidade de nulidade por preterição de norma legal imperativa e vício
de forma (220º e 293ºCC). Portanto, Benta não tem direito ao Mercedes 300 SL
Gullwing de 1955 pois o NJ padece de um vício de nulidade por ilegalidade e vício de
forma que inviabiliza a sua produção de efeitos (nunca nenhum direito ou obrigação
chegou a nascer na esfera jurídica de qualquer um dos contraentes. Outras hipóteses se
poderiam levantar, como se haveria medo de António, o que determinaria a nulidade da
própria proposta de NJ por falta de liberdade de consciência no ato negocial.

Pedro da Palma Gonçalves Página 136


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11. Âmbito da forma legal

António e Bento celebraram, por escritura pública, um contrato de compra e


venda de um andar de que o primeiro é proprietário, estipulando-se que «o pagamento
do preço será efectuado em dez prestações mensais» e que «a primeira prestação deve
ser paga no primeiro dia do mês subsequente ao da celebração do contrato». Dias depois
da celebração da escritura, e em face do silêncio da escritura pública quanto ao lugar do
pagamento do preço, António e Bento acordam verbalmente que «este será feito no
domicílio do devedor».

Vencida a primeira prestação, Bento pretende pagar no seu domicílio, mas


António alega em sentido contrário o disposto no artigo 885° do Código Civil. Onde
deve ser feito o pagamento?

R: Há que distinguir, antes de mais, quando falamos de estipulações principais


de quando nos referimos a estipulações acessórias, pois a exigência de forma legal
abrange sempre as primeiras mas raramente as segundas. Como tal, traça-se a destrinça
com base na essencialidade, ou não, dos elementos do NJ sobre que a cláusula incide.
São acessórias as estipulações que, em aspectos que não integram o “cerne do negócio”,
completam ou vão além do clausulado no documento, regulando aspectos nele não
previstos e afastando, não raro, as correspondentes normas supletivas, sem nunca o
contrariar. São as estipulações acessórias que mais nos interessam. O 221º fala em 3
tipos de estipulações acessórias, as anteriores, as contemporâneas e as posteriores ao NJ.
São estas últimas que mais nos interessam. Relativamente às estipulações posteriores o
âmbito é bem mais liberal, prevalecendo tendencialmente sempre independentemente da
forma legal prescrita, tendo como única exceção os casos em que esses elementos não
verifiquem as razões do requisito formal da lei nesse caso (interesse público, segurança
jurídica e cognoscibilidade). De sublinhar que só se abrangem os pactos modificativos e
não já os extintivos. A relevância do regime estabelecido no 221º é fortemente
restringida pelo regime da prova de tais cláusulas, mesmo quando meramente adicionais
(393º, 394º e 351º CC – que factos podem ser provados?). As cláusulas acessórias,
sejam anteriores ou contemporâneas, sejam posteriores, acrescem ao conteúdo de
documento legalmente exigido, pelo que a respetiva prova só pode fazer-se por
confissão ou por documento escrito, embora menos solene que o exigido para o

Pedro da Palma Gonçalves Página 137


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negócio, não sendo, em princípio, admitidas as provas testemunhal e por presunções. É,


por isso, diminuta a possibilidade de produzirem efeitos jurídicos. A consequência
natural da preterição da forma legal prescrita, o chamado vício de forma resultante de
inobservância de formalidades legais ad substantiam, é a nulidade do NJ (220º, 286º,
289º e 293ºCC), ainda que também se possa falar de inexistência jurídica quando haja
absoluta falta de forma. A sua conversão em negócio preliminar estará sempre em
aberto. Convém ainda uma referência às situações que um dos contraentes, perde o
poder de arguir a nulidade por força do vício de nulidade que ajudou a criar, infringindo
cuidados de boa-fé que se exigiam na formulação ou no decurso do NJ (inalegabilidade
formal).

Como tal, o pagamento deve ser efectuado na residência do devedor, Bento,


como acordado convencionalmente entre os dois, afastando a norma legal supletiva do
885º independentemente da forma adoptada para tal estipulação.

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12. Forma convencional

António e Bento acordam que celebrarão o contrato de compra e venda da mota


de António por escrito particular para, segundo os próprios, “se garantir e ficar prova da
celebração”.

a) No dia seguinte, celebram o contrato sem reduzir o acordo a escrito. É eficaz?

R: Estamos perante um contrato de compra e venda não solene sinalagmático,


em que as partes convencionaram oralmente que o NJ só se celebraria se alicerçado
sobre forma mais exigente do que a legal. Forma convencional (223ºCC) - pressupõe
uma convenção, por força da qual as partes se vinculam a adoptar certas formalidades
para certo NJ que intentam celebrar no futuro (223ºCC), pelo que é enquadrável como
modalidade da forma voluntária lato sensu. Falamos essencialmente dos casos em que é
convencionado pelas partes uma formalidade relativa á forma mais solene do que a
legalmente exigida, caso contrário esse acordo de vontades quanto ao modo de
exteriorização da vontade é inútil ou ilegal (294ºCC). A convenção entre as partes sobre
a forma é, em si, um NJ não formal, pelo que o abandono de tais requisitos formais não
implica, igualmente, qualquer forma, podendo ser livremente revogáveis mediante
acordo de vontades. Também nestes casos há que discernir entre convenções anteriores
de um lado, e posteriores ou contemporâneas ao negócio. Nas hipóteses prévias, é
estabelecida uma presunção legal (350º) de essencialidade, de que as formas não se
quiseram vincular senão pela forma convencionada (presunções legais são ilidíveis
mediante prova – 350º nº2, ainda que limitadas pelo 394 nº1 CC). A questão resume-se
a se a presunção legal foi, ou não ilidida. Pois se foi, o contrário é eficaz, mediante
revogação tácita (temos factos, facta concludentia, de que se deduz (sentido implícito)
com toda a probabilidade (nexo de probabilidade plena, já não de causalidade como no
anterior Código Civil) e segurança, a vontade provável de emitir certa declaração
negocial) do acordo quanto à forma convencional. Se não foi, o contrato de compra e
venda é ineficaz, nem sequer chegou a existir qualquer NJ per se.

b) Imagine que o acordo quanto à forma tinha sido celebrado por escrito e que
existia a seguinte cláusula:

Cláusula 3.ª

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A alteração do acordo quanto à forma de celebração do contrato de compra e


venda só pode ser feita através de forma escrita.

António e Bento não observaram esta exigência. O contrato é eficaz?

R: Nesta alínea as questões jurídicas que se levantam são exactamente as


mesmas, pois a única coisa que muda é a forma como a exigência formal foi
formalizada: no primeiro, por mero acordo oral, neste caso, por documento particular.
Este regime releva diferentemente na matéria da prova dos factos e na ilidição da
presunção (393º e 394ºCC).

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§ 6. A FORMAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

13. “Às voltas” com o artigo 224.º

António, interessado em adquirir uma colecção de livros sobre história da arte


pertencente a Francisco, seu amigo, escreve-lhe, no dia 1, propondo-lhe a compra da
colecção por 500 euros. Bento responde-lhe, no dia 4, aceitando vender.

a) A carta de Bento não chegou ao seu destino porque foi perdida pelos Correios.
Foi celebrado algum contrato entre António e Bento?

R: Colecção de livros – universalidade de facto; Cumpre efectuar uma cuidada


análise do artigo 224º CC, tendo em mente que o 217º assegura, desde logo, que a
simples emissão da declaração de vontade assegura a sua existência jurídica. No 224º
ficam estabelecidos diferentes critérios para os diferentes tipos de declaração negocial:

→ Declaração recipienda – três regimes distintos de eficácia…

→ → 224º, nº1, 1ª parte, logo que é efectivamente conhecida pelo


destinatário (ou seja, logo que este toma conhecimento do respectivo conteúdo).

→ → 224º nº2, a partir do momento em que, normalmente, teria sido


recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna
recepção.

→ → 224º nº3, quando não chega ao poder do destinatário em condições


de ser por ele conhecida (espécie de complemento da “chegada ao poder” do nº1). Se
não houver este nexo de “desculpabilidade” na não tomada de conhecimento da
declaração, esta é ineficaz, como no caso de uma missiva dirigida a um analfabeto, ou
uma declaração oral a um surdo.

Neste caso concreto não houve qualquer contrato entre António e Bento, na
medida em que não houve qualquer acordo de vontades entre os 2 contraentes, pois a
aceitação é uma declaração recipienda e, à luz do 224º nº2 (a contrario sensu), ou do
224º nº1 CC 1ª parte expressamente, a declaração não é recebida e não por culpa do
destinatário, mas por culpa de terceiros auxiliares, os Correios. Como tal, nunca chegou
a ser conhecida pelo destinatário, pelo que é ineficaz. Pode-se ainda dizer que os prazos

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de vigências das declarações negociais foram cumpridos (228ºCC), pelo que não será
daí que algum problema advirá.

b) A carta de Bento não foi colocada na caixa de correio de António, porque o


carteiro se deparou com esta caixa de correio lacrada e com o seguinte aviso: “Não se
aceita qualquer tipo de correspondência”. Foi celebrado algum contrato entre António e
Bento?

R: Feita a dilucidação teórica anteriormente, não mais há que referi-la, fazendo-


se somente a necessária remissão quando dúvidas sobrevierem. Pelo contrário, nesta
situação já se tem por formado o contrato entre António e Bento, na medida em que
António não observa, culposamente, o ónus de contacto com a sua residência. Como tal,
decorre do 224º nº2 CC, a contrario sensu, que a declaração é eficaz o que origina,
como tal, o encontro de vontades que enformará o NJ (219º e 232º CC).

c) A carta de Bento foi colocada na caixa de correio de António no dia 6, mas o


seu conteúdo estava ilegível, pois a saca de transporte do carteiro ficara encharcada por
chuva intensa que caiu nesse dia. Foi celebrado algum contrato entre António e Bento?

R: Não, não se tem por formado qualquer contrato. Neste caso, fazendo uma
interpretação literal e declarativa do artigo 224º nº3 CC alcançamos a solução de que a
declaração é ineficaz, pois não é por culpa de António que o conteúdo da carta é
ininteligível, pelo que nunca se deu o acordo de vontades que formaria o contrato à luz
do 224º nº1 CC. Como tal, nenhum direito ou obrigação constitui-se na esfera jurídica
de nenhuma das partes.

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14. “Benta vai às Amoreiras”

Ontem, Benta, estudante de direito, foi às Amoreiras.

a) Entrou no Jumbo e pagou as compras nas caixas rápidas self-service. Saiu do


supermercado a pensar: “O Jumbo fez-me uma proposta negocial que eu aceitei ou um
convite a contratar? A minha resposta seria diferente se em vez de pagar no self-service
tivesse pago na caixa, a uma pessoa?

R: Problemática em questão - Convite a contratar vs. Oferta ao público.


Abordemos os dois conceitos, então. Antes de mais, cumpre esclarecer que por proposta
contratual, entenda-se a declaração pela qual uma pessoa manifesta a sua intenção de
celebrar determinado negócio, destinando-se a integrar o correspondente conteúdo se
ele vier a celebrar-se. A proposta é, regra geral, uma declaração recipienda. A proposta
é, por isso, uma figura distinta da oferta ao público ou do mero convite a contratar.

→ Convite a contratar - concretamente, no convite a contratar (invitatio ad


offerendum) não existe qualquer proposta, mas um convite, uma solicitude e abertura ao
envio de propostas, demonstrando disponibilidade para negociar e, quiçá, contratar. Um
mero convite, a ou as propostas virão depois. Esta situação não inibe o emissor do
convite a contratar a incluir no mesmo certos elementos fulcrais do negócio, deixando,
somente, à disposição do destinatário um reduzido leque de elementos. Desta forma, são
tidos como convites a contratar e não propostas os casos em que uma proposta não
reúne os requisitos de completude ou adequação formal (adiante dilucidados) ou dela
conste o protesto do declarante expressamente nesse sentido, o do não entendimento da
declaração emitida como proposta. O convite a contratar poderá, ainda, ter importantes
repercussões no âmbito da interpretação do futuro contrato e inclusive quanto a uma
hipotética responsabilidade pré-contratual, por violação dos ditames da boa-fé.

→ Oferta ao público – falamos, neste caso, sim, de uma proposta


contratual, mas numa modalidade bem distinta do entendimento inicialmente
explicitado, pelo que merece um tratamento individualizado. Também chamada de
proposta ao público, designa a proposta contratual dirigida a um círculo indeterminado
de pessoas. O público é então o declaratário da proposta contratual, ou seja, estamos
perante uma declaração não recipienda. As suas características são, para além da

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indeterminação pessoal do destinatário, a sua consequente fungibilidade subjectiva do


futuro ou futuros contraentes (excepto nos casos de concessão de créditos pelo
anunciante) e a utilização do anúncio público como meio de difusão da proposta (por
exemplo, em catálogos, panfletos, anúncios ou ementas). O seu regime segue o da
proposta, salvo no que respeita à revogação, onde admite a sua revogabilidade (230º nº3
CC).

Por vezes surgem dúvidas na delimitação destas duas últimas categorias, e essas
dúvidas não são descabidas. É exemplo o leilão, onde há uma grande dificuldade e
intenso debate em determinar quem tem a iniciativa da negociação com o público. A
solução costuma passar pela aplicação das regras sobre a interpretação negocial.
Todavia, uma boa forma de delinear eficazmente os conceitos é compreendendo que a
oferta ao público constitui proposta contratual e, portanto, tem de reunir as
características desta (completude e firmeza, precisão e adequação formal). Se tal não
suceder, faltando estas características, a iniciativa de negociação com o público é
qualificada como um mero convite a contratar.

Ora, neste caso em concreto, estamos precisamente perante uma oferta ao


público na medida em que temos um declarante – o hipermercado Jumbo – e um
declaratário indeterminado mas determinável – os clientes -, sendo que o primeiro emite
uma quantidade de propostas negociais completas e firmes, precisas e adequadamente
formalizadas não recipiendas (224º nº1, 2ª parte e 225º) ao público que se encontra na
liberdade, como é óbvio, de as repudiar ou de as aceitar, adquirindo os produtos na
caixa do hipermercado (local e momento onde a aceitação da proposta se torna eficaz –
chegada à esfera de poder do declaratário -, antes disso ainda é livremente revogável
(retractável).

b) Pouco depois, passou em frente à Loja das Meias e viu um vestido


“giríssimo”. Entrou e disse: “Quero aquele vestido que está na montra, o azul, em
tamanho S, por favor”. A menina da loja que respondeu: “Em S só temos o que está na
montra, mas não a posso desfazer, está com pouca sorte...”. Quem tem razão?

R: A problemática novamente em questão - Convite a contratar vs. Oferta ao


público, sendo que toda a explicação inicial da alínea anterior é aqui aplicável. Neste

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caso concreto, o concreto problema jurídico prende-se com a existência ou inexistência


de um contrato.

Para tal, basta-nos constatar requisito a requisito a presença ou não dos quatro
pressupostos do contrato, a completude, a firmeza, a precisão e a adequação formal.
Dentro dos mesmos, todos estão claramente presentes, com excepção da firmeza ou
intenção inequívoca de contratar. É o único pressuposto do contrato que se pode dizer
que levanta dúvidas. Mas como analisar se há intenção inequívoca de contratar? Temos
de recorrer às regras da interpretação contratual, neste caso consubstanciadas no
236ºCC. E o que nos dizem elas? Dizem-nos que temos de nos por no lugar do
declaratário normal e aferir se o mesmo, no nosso lugar, encararia a situação jurídica
como uma clara intenção contratante. Portanto, sendo a Loja das Meias uma loja de
roupa, onde se incluem os vestidos, e servindo a montra como exposição dos produtos
que estão para venda - numa clara oferta ao público com todos os requisitos da proposta
contratual preenchidos -, não há razão para um declaratário normal duvidar da firmeza
da proposta. Como tal, a menina da loja não tem razão, mas sim Benta, pois já foi
celebrado um contrato de compra e venda entre Benta e a Loja das Meias, à luz do 224º
nº 2. Caso a loja se recuse a vender, pode incorrer em responsabilidade contratual
(facto, ato voluntário, ilícito, culpa – negligencia consciente - e nexo de causalidade
entre o ato e o facto) nos termos do artigo 798ºCC pela violação de deveres específicos,
com presunção de culpa à luz do artigo 798º e 799º CC. Como sanção, encontra-se
adstrita à obrigação de indemnização de Benta pelo interesse contratual positivo,
garantindo a aquisição do vestido.

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15. Conceito de proposta:

Vide STJ 27.10.2011 (Oliveira Vasconcelos)

http://www.dgsi.pt/jstjf.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1d10adeed45e
d74480257b900033eda0?OpenDocument

Na doutrina, vide HEINRICH HÖRSTER, Sobre a formação do contrato


segundo os artigos 217.º e 218.º, 224 a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil, RDE, ano
IX, 1983, pp.121-157 e FERNANDO FERREIRA PINTO/FERNANDO SÁ,
Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Lisboa, 2014, anotação ao art. 230.º, pp.
519-523.

Acórdão…

E assim quer do ponto de vista do “desvio ao programa contratual contratado”,


quer sob o ponto de vista de culpa “in contrahendo”, sempre haveria que considerar que
a conduta dos réus, ao contratar um novo empreiteiro, tinha sido ilícita e originado uma
obrigação da indemnizar a autora pelo interesse contratual positivo – pelos lucros que
lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado – para além das despesas já tidas pela
autora com os trabalhos que realizou no terreno”.

No acórdão recorrido entendeu-se, tal como na 1ª instância, que dos factos dados
como provados se tinha que concluir que o negócio tinha sido concluído, na medida em
que as “partes tinham acordado sobre os elementos essenciais, tanto assim que a autora
chegou a iniciar a execução dos trabalhos, com a preparação do terreno (desaterro,
demarcação, construção do muro” e que os réus, ao contratarem outro empreiteiro,
tinham tacitamente desistido da empreitada, o que conferiu à autora, empreiteira inicial,
o direito a uma indemnização pelos “gastos e trabalho” ainda pelo “proveito que
poderia tirar da obra”.

Mas mesmo que se considerasse que o contrato ainda não estava concluído e se
estava ainda na fase negociatória ou preambular do contrato, mesmo assim, tendo em
conta que já tinha havido acordo sobre as obras a executar e o valor do preço (elementos
essenciais), mas faltando a convencionada redução a escrito (forma convencional),
existiria sempre “acordo pré-contratual e uma “uma clara “situação objectiva de

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confiança”, cuja conduta dos Réus deve ser entendida como uma tomada de posição
vinculante em relação a dada situação futura (a conclusão do contrato), um
“investimento na confiança” e a boa fé da Autora.

O que obrigaria os réus a indemnizarem a autora nos termos acima assinalados


para responsabilidade contratual.

Os recorrentes entendem que face aos factos dados como provados não se podia
concluir ter sido celebrado qualquer contrato de empreitada entre as partes uma vez que
a autora abandonou as negociações em curso, não tendo havido qualquer concretização
da obra a realizar, do prazo para a sua conclusão, da redução do preço a escrito, da
forma de pagamento do preço.

Mas mesmo que se considerasse ter havido a celebração do contrato, estaria


elidida a presunção de culpa que sobre si impenderia como devedores, face aos factos
dados como provados.

Entendem também os recorrentes que dos factos dados como provados não se
pode concluir que da sua parte tenha havido violação culposa de deveres por que se
pauta a fase das negociações, antes se tem concluir que foi a autora a assumir essa
violação com a sua conduta ao rejeitar os contactos tentados pelos réus.

Cremos que não têm razão e na realidade, dos factos dados como provados se
tem que concluir que as partes concluíram um contrato.

Para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232º do Código


Civil, é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um
acordo entre as partes.

E em segundo lugar, um requisito de ordem formal – as declarações contratuais


têm que ser emitidas com a forma adequada, isto é, “com nível de forma igual ou
superior ao que, no caso, seja exigido por ele ou acordado pelas partes” – Carlos
Ferreira da Almeida “in” Contratos, I, 2ª edição, página 82, obra que seguiremos de
perto nos conceitos a seguir expostos.

Os contratos formam-se pela aceitação de uma proposta.

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Temos, pois, três elementos que na proposta contactual deviam constar: os


sujeitos, a realização de uma obra e o preço.

Ora, todos esses elementos constavam da proposta contratual apresentada pela


autora aos réus: a identificação das partes – a autora e os réus – a realização de um obra
– execução das fundações e estrutura do edifício, bem como todos os trabalhos inerentes
e complementares e ainda muros de vedação, fossas e passeios, de acordo com a área
demarcada no projecto - e o preço proposto – pelo menos, 60.000,00 €, a que acrescia
IVA, à taxa legal.

A proposta da autora tinha, assim, que ser considerada completa, precisa, firme e
formalmente adequada.

A questão que se põe agora é se teriam aceite essa proposta.

Face ao disposto no artigo 234º do Código Civil, “quando a proposta, a própria


natureza ou circunstâncias do negócio , ou os usos tornem dispensáveis a declaração de
aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a
intenção de aceitar a proposta”.

Atentemos nos seguintes factos.

Os réus solicitaram à autora um orçamento para a realização de uma obra, que


enunciaram.

Os réus acordaram verbalmente com a autora no preço para a sua realização –


60.000,00 €, com IVA incluído.

Acordaram com a mesma que os materiais e utensílios necessários para a sua


realização seriam fornecidos pela autora.

Acordaram com a mesma autora que para esta iniciar a obra teriam que a avisar
da existência de água e electricidade, que se comprometeram a requerer junto das
respectivas entidades.

Ora, destes factos, não podemos deixar de concluir que os réus praticaram actos
que indicaram a sua intenção do aceitar a proposta da autora.

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Sendo assim, temos que concluir que os réus aceitaram tacitamente a proposta da
autora, o “que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – cfr.
última parte do nº1 do artigo 217º do Código Civil.

Temos, pois, que concluir pela existência do contrato invocado pela autora.

Mas terá sido esse contrato formalmente válido?

O contrato foi verbal, sendo que as partes convencionaram que ele seria reduzido
a escrito.

É sabido que o contrato em causa – um contrato de empreitada – salvo


disposição especial em contrário, pode ser celebrado por mero consenso das partes - cfr.
artigo 219º do Código Civil.

Sendo assim e em princípio, não tinha a proposta da autora de ser feita por
escrito.

Mas está provado que “entre as partes foi acordado que o negócio seria reduzido
a escrito” – resposta ao ponto 23º da base instrutória.

Ora sendo assim e face ao disposto no nº1 do artigo 223º do Código Civil,
parece que a proposta teria que ser feita por escrito.

Mas, dispõe-se no nº2 do mesmo artigo que “se, porém, a forma só for
convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua conclusão, e
houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo,
presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio, ou qualquer outro
efeito, mas não a sua substituição”.

Dos factos dados como provados acima referidos, não podemos deixar de
concluir que no momento da conclusão do negócio ou até depois, celebraram as partes
uma convenção onde pactuaram para o referido contrato a forma escrita.

Ora e conforme refere Galvão Telles “in” Manual dos Contratos em Geral, 4ª
edição, página 148, a aludida convenção sobre a forma “coeva da conclusão do negócio
ou subsequente a tal conclusão, deixa de pé, intacto, o contrato realizado, ainda que este
o tenha sido de forma diversa da determinada nessa convenção. Esta terá servido, não
para infirmar o contrato, mas, ao invés, para o consolidar (…)”.

Pedro da Palma Gonçalves Página 149


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“O negócio está validamente celebrado. Deve, pois, presumir-se, neste caso, que
as partes apenas quiseram, com a forma escrita, consolidar o acto, facilitar a sua prova,
tornar mais precisas as cláusulas ou qualquer outro efeito análogo, e não substitui-lo por
outro” – Pires de Lima e Antunes Varela "in" Código Civil Anotado, 2ª edição, em
anotação ao citado artigo 223.

Atentemos agora na questão do incumprimento do contrato.

Como já se referiu, entendeu-se no acórdão recorrido que os réus, como donos


da obra, tinham desistido da mesma, já que não se podia concluir dos factos dados como
provados que a autora tinha abandonado a obra.

Os réus entendem que foi a autora, através da recusa de sucessivas tentativas de


contacto promovidas pelos réus com vista a concluir o negócio, que impossibilitou a sua
conclusão.

Cremos mais uma vez que decidiu bem.

Como resulta do acima exposto, quando os réus tentaram contactar a autora nos
termos da resposta ao ponto 25º da base instrutória, o contrato já estava concluído.

Logo, a questão que se põe, é se face aos factos aí referidos, se podia concluir
que a autora abandonou a obra, ou seja, se recusava a executar a sua prestação ou o que
restava dela.

Não existem factos que nos possam levar a essa conclusão.

O que se sabe é apenas que os réus não lograram contactar o representante da


autora, por via telefónica e pessoalmente.

Os réus, não logrando o contacto com o legal representante da autora, acordaram


a realização da obra de pedreiro com outro empreiteiro, procedendo à substituição do
alvará da autora que constava do processo de licenciamento da CM de Ovar.

Desta conduta resulta necessariamente a conclusão que os rés desistiram da


empreitada que havia sido celebrada com a autora, possibilidade esta, aliás, que o
disposto no artigo 1229º do Código Civil lhes concedia.

Pedro da Palma Gonçalves Página 150


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Mas desistindo e nos termos da última parte desse normativo, ficaram obrigados
a indemnizar a autora empreiteira “dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia
tirar da obra”.

Conclusão… O STJ confirma o acórdão recorrido.

Pedro da Palma Gonçalves Página 151


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16. “Vamos contar prazos” – 228º CC!

Antónia, interessada em vender um colar de pérolas de família de que era


proprietária, escreve uma carta a Benta, com o seguinte teor: “Quero vender o meu colar
de pérolas de família que conheces, por 2000 euros. Aceitas comprar?”.

a) A carta redigida por Antónia foi colocada no correio normal no dia 1 e


recebida por Benta no dia 4. Benta responde, por carta no dia 6, afirmando que queria
comprar. A resposta de Benta chega ao correio de Antónia apenas no dia 11. Foi
celebrado algum contrato entre Antónia e Benta?

Todo o exercício se baseará no postulado pelo 228º CC…

Alíneas b) + c) do nº1 do referido artigo = prazo de transporte + prazo de


reflexão

Esquematização…

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
12

1- Envio; 1-4 prazo de transporte de 3 dias; 4- recepção; 5-9 prazo de reflexão de


5 dias; 6 – resposta; 10-12 (24h de dia 12) prazo de transporte de 3 dias; 11 – recepção e
acordo de vontades.

Dado que o prazo de transporte foi respeitado, a aceitação foi expedida dentro do
prazo de 5 dias de reflexão e chegou à esfera jurídica de António dentro do prazo de
transporte, o contrato tem-se por formado.

Nota: visto que foi utilizada a forma “carta” na proposta original o prazo de
vigência das declarações é de 6 dias (soma dos prazos de transporte de correio normal –
3+3).

b) A carta redigida por Antónia foi colocada no correio no dia 1 e recebida por
Benta no dia 4. Benta responde, por carta no dia 6, afirmando que queria comprar. A

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resposta de Benta chega ao correio de Antónia no dia 13, por atraso imprevisível dos
correios. Foi celebrado algum contrato entre Antónia e Benta?

Alíneas b) + c) do nº1 do referido artigo = prazo de transporte + prazo de


reflexão

Esquematização…

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
12 13

1- Envio; 1-4 prazo de transporte de 3 dias¸4 recepção; 5-9 prazo de reflexão de


5 dias; 6 – resposta; 10-12 (24h de dia 12) prazo de transporte de 3 dias; 13- recepção
intempestiva.

O prazo de transporte da proposta foi respeitado, a resposta (aceitação de Benta)


foi expedida dentro do prazo de reflexão conferido pelo 228º c) quando não seja pedida
resposta imediata a pessoa ausente, o problema surge com a recepção fora do prazo de
transporte (intempestiva) da aceitação de Benta. Desta feita, não houve contrato, pois
Antónia recebe a resposta de Bento quando a eficácia da mesma já havia cessado,
caducado, por decurso do prazo legal do 228 b). Estamos na presença de uma aceitação
tardia, nos termos do 229º.

Aceitação tardia do 229º - Por regra, a eficácia da aceitação depende da sua


tempestividade, isto é, da sua emissão e produção de efeitos dentro do prazo de vigência
da proposta contratual. Contudo, a aceitação intempestiva pode produzir certos efeitos
jurídicos, tornando-se eficaz já depois de caducar a proposta, sendo exemplos disso a
adstrição do proponente ao dever de avisar que o contrato não se celebrou (229º nº1 CC,
caso não queira contratar), ou até a eficácia por vontade unilateral e potestativa do
proponente (229º nº2, 1ª parte, quando quiser contratar), desde que expedida em tempo
oportuno. O aceitante tem, portanto, um ónus de emissão oportuna e tempestiva da sua
declaração, pois necessário é que, consoante o meio escolhido para o transporte da
declaração, esta seja expedida com a antecedência que, em circunstâncias normais,
permita a sua recepção tempestiva. Não há dever de aviso por parte do proponente se a
intempestividade for óbvia. Neste caso não é. O veículo utilizado para cumprir a
exigência de aviso imediato deve ser tão ou mais veloz quanto o utilizado pelo
declaratário para fazer chegar a sua aceitação. No caso de incumprimento do dever de

Pedro da Palma Gonçalves Página 153


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aviso, o proponente poderá incorrer em culpa in contrahendo (227º), por violação de


imperativos de boa-fé, nomeadamente de deveres de informação. Fora do 229º nº2, 1ª
parte, a aceitação intempestivamente expedida nunca pode ser eficaz. Quanto muito, a
aceitação tardia e expedida fora de tempo oportuno poderá ser interpretada como
proposta do aceitante, desde que reúna os requisitos necessários para tal qualificação.

Nota: Não poderá haver eficácia superveniente da resposta intempestivamente


recebida, se a aceitação for expedida em tempo inoportuno ou em tempo oportuno sem
hipótese de cumprimento do prazo de transporte (por exemplo, o caso do envio
oportuno de uma aceitação por correio normal sabendo que este, dentro dos prazos
regulares de entrega, será recebida já depois de caducar a proposta). Neste caso, o
aceitante não merece tutela.

Sendo assim, Antónia tem duas opções, correspondentes aos números 1 e 2 do


229º, ou avisa Benta que o contrato não se celebrou correndo o risco de incorrer em
culpa in contrahendo se não o fizer, ou aceita, potestativa e unilateralmente a aceitação
que não tem motivos para desconfiar da emissão oportuna, formando-se o contrato e
tornando a proposta intempestivamente recebida eficaz.

c) A carta redigida por Antónia foi colocada no correio no dia 1 e recebida por
Dora no dia 4. Benta responde, por carta no dia 13, afirmando que queria comprar. A
resposta de Benta, enviada por correio azul, chega ao correio de Antónia no dia 14. Foi
celebrado algum contrato entre Antónia e Benta?

Alíneas b) + c) do nº1 do referido artigo = prazo de transporte + prazo de


reflexão

Esquematização…

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
13 14

1- Envio; 1-4 prazo de transporte de 3 dias¸4 recepção; 5-9 prazo de reflexão de


5 dias; 10-12 (24h de dia 12) prazo de transporte de 3 dias; 13- resposta intempestiva;
14- recepção intempestiva.

O prazo de transporte da proposta foi respeitado, contudo, decorreu o prazo de


reflexão que se estendeu de dia 5 a dia 9 e o prazo de transporte que se estendeu de dia

Pedro da Palma Gonçalves Página 154


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10 às 24h do dia 12 e nada – a proposta caducou às 24h do dia 12. No dia 13 e no dia
14, tanto a emissão da aceitação como a recepção da mesma já intempestivas são. Não
pode operar a figura da aceitação tardia pois o aceitante não observou o ónus de envio
oportuno, desrespeitando os prazos de vigência da proposta. Como tal, o contrato não se
tem por formado (232º nunca houve acordo de vontades), nem Antónia está adstrita a
qualquer dever de aviso de não formação do contrato de compra e venda. Quanto muito,
a emissão de dia 13 pode funcionar como nova proposta, se reunir os requisitos
(completude, adequação formal, precisão e firmeza) reiniciando-se todo o processo
negocial.

d) A carta redigida por Antónia foi colocada no correio normal no dia 1 e


recebida por Benta no dia 4. Benta responde, por e-mail no dia 9, afirmando que queria
comprar. A resposta de Benta chega à caixa de e-mail de Antónia no dia 9. Foi
celebrado algum contrato entre Antónia e Benta?

Alíneas b) + c) do nº1 do referido artigo = prazo de transporte + prazo de


reflexão

Esquematização…

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
12

1- Envio; 1-4 prazo de transporte de 3 dias; 4- recepção; 5-9 prazo de reflexão de


5 dias; 9 – resposta; 9- recepção (via e-mail); 10-12 (24h de dia 12) prazo de transporte
de 3 dias.

O prazo de transporte foi respeitado, os prazos de reflexão e transporte também.


Nada obriga Benta a utilizar o mesmo método de envio de Antónia, desde que observe o
ónus de emissão oportuna e o veículo seja tão ou mais célere que o empregue pelo
proponente. Tudo isso foi cumprido, pelo que se tem o contrato formado dia 9, quando
se dá o encontro de vontades que o enforma (232º).

Cabe ainda acrescentar que se, porventura, Antónia não possui-se endereço de
correio electrónico ou nunca lá fosse, a aceitação ter-se-ia por ineficaz nos termos do
artigo 224º nº3.

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Nota: em todas estas resoluções, omitiu-se, por presunção de aquisição prévia


dos conhecimentos, a referência a que todos os instantes em que um contratante viu a
declaração negocial por ele emitida ou por ele recepcionada ou conhecida se deram nos
termos do artigo 224º nº1.

Vide FERNANDO FERREIRA PINTO, Comentário ao Código Civil – Parte


Geral, Lisboa, 2014, anotação ao artigo 228.º, pp. 514-517.

Pedro da Palma Gonçalves Página 156


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18. Uma proposta, uma coleção de selos e duas aceitações

Em 2 de Março de 2014, António envia uma carta a Bento dizendo que lhe
vende a sua coleção selos por 20.000 euros.

Bento, no dia 4, responde também por carta, que chega ao seu destino do dia 5,
aceitando o negócio. No mesmo dia, Bento, entusiasmado com a compra, vai comprar
uma série de álbuns, no valor de 300 euros, para arquivar os novos selos.

António, no mesmo dia 4, recebe, de um colecionar japonês, uma proposta de


compra dos selos por 40.000 e vende-os imediatamente. Quid iuris?

Definir proposta…..

Indisponibilidade superveniente (226º nº2 CC) – o nº2 do 226º consagra uma


restrição à eficácia da declaração já emitida mas ainda não recepcionada ou conhecida:
quando o declarante perca a disposição do direito a que se refere a proposta (deixe de
ser titular do direito ou o mesmo se torne indisponível por força das regras da
insolvência). Neste caso, a declaração negocial emitida torna-se ineficaz. Mais uma vez
o regime legal deve ser aplicado, por analogia, às declarações não recipiendas, sempre
que a perda do poder de disposição sobre o direito se verifique entre a emissão e a
perfeição das mesmas.

Neste caso, tudo dependerá de uma situação: terá Bento recebido ou tomado
conhecimento da declaração de António (nos termos do 224º nº1,e nº3 a contrario
sensu) – a proposta para um contrato de compra e venda da colecção de selos - antes ou
depois de António, o proponente, ter perdido o poder de disposição do direito sobre a
colecção de selos? A única coisa que sabemos é que António enviou a proposta dia 2,
que Bento enviou a aceitação dia 4 e a mesma torna-se perfeita na esfera jurídica de
António dia 5, e que, por último, António vendeu dia 4 a colecção de selos a um
coleccionador de selos japonês.

Perante este cenário, analisando os factos que nos são facultados, duas possíveis
soluções jurídicas poderão advir:

Pedro da Palma Gonçalves Página 157


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→ 1ª – Se a declaração (proposta de António) torna-se eficaz na esfera


jurídica de Bento no dia 4 em momento posterior à perda do poder de disposição de
António sobre a colecção de selos – venda ao coleccionador japonês -, temos um
problema de indisponibilidade superveniente (226ºnº2 CC).

Nestes termos, no iter emissão-recepção/conhecimento da declaração o


declarante (António) perdeu o direito de propriedade sobre a universalidade de facto
colecção de selos, pelo que a sua proposta torna-se ineficaz no momento da perda de
disponibilidade. Contudo, nem suspeitando que de tal vicissitude padecia a proposta que
recebera de António no dia 4, Bento vai alimentando a esperança e a confiança de vir a
possuir a colecção de selos. Não tem motivos para desconfiar da probabilidade de tal
acontecimento. Na senda desta crença, declara que aceita a proposta dia 4, declaração
que entra na esfera jurídica de António dia 5. Só neste instante apercebe-se Bento que
nenhuma das declarações negociais, nem a proposta, nem a aceitação, se tornaram
eficazes, de modo que nunca nenhum contrato se formou (não há encontro de vontades
– 232º CC). António sente-se, legitimamente, defraudado nas suas legítimas
expectativas jurídicas e tem o direito a ser indemnizado nos termos da responsabilidade
pré-contratual do 227º, por violação de António dos deveres de lealdade e informação
que caracterizam a boa-fé, princípio fulcral do ordenamento. António pelo menos
poderia ter avisado que estava aberto a propostas de outros sujeitos…

→ 2ª - Se a declaração (proposta de António, declaração recipienda)


torna-se eficaz na esfera jurídica de Bento no dia 3, ou no dia 4 em momento anterior à
perda do poder de disposição de António sobre a colecção de selos, não falaremos num
problema de indisponibilidade superveniente, pois a perda do direito de propriedade
sobre a colecção de selos é posterior à recepção ou conhecimento da proposta de
António por Bento.

Quando António vende a colecção ao coleccionador japonês, já a proposta o


vinculava ao seu conteúdo na esfera jurídica de Bento. Este, sem motivos para duvidar
da seriedade da proposta e supondo (e bem) a sua perfeição, aceita-a dentro dos prazos
do 228º. A aceitação é recebida e conhecida por António dia 5, momento em que se dá o
acordo de vontades que enforma o NJ (232º CC), e formará o contrato. Ora, nesta
situação, temos um problema de venda de bens alheios de António a Bento, nos termos
do 892º CC, na medida em que o direito de propriedade já se transferiu para o

Pedro da Palma Gonçalves Página 158


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coleccionador japonês, no dia 4. Esta compra e venda é, como se extrai da letra do


referido preceito legal, nula (286º CC). António incorre, desta forma, em
responsabilidade contratual nos termos do 798º CC por violação de deveres específicos
(406º nº1 – “o contrato deve ser pontualmente cumprido”), e deverá indemnizar Bento à
luz do 562º CC, por danos emergentes e frustração das duas legitimas expectativas por
danos morais (227º CIC, também). Foram, assim, celebrados dois contratos por
António, um válido, com o coleccionador japonês, e um nulo, por venda de bens
alheios, a Bento.

Pedro da Palma Gonçalves Página 159


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§ 7. A REPRESENTAÇÃO

19. Procuração

António, que recentemente completou 80 anos, é proprietário de um imponente


edifício situado junto ao Jardim da Estrela. Recentemente, a proposta feita pela
Sociedade Só Constrói, S.A. – verdadeiramente tentadora – convenceu António a
desfazer-se do prédio. Atendendo ao facto de residir em Castelo Branco, António
passou uma procuração a Bento, de 17 anos, para que «este o represente no negócio,
conferindo-lhe poderes para vender o edifício por um preço nunca inferior a € 150 000».

a) Que forma deverá revestir a procuração?

→ Forma – meios por que opera a manifestação de vontade, é-nos claro definir
forma como o aspecto exterior que a declaração assume, o modo por que a vontade se
revela (entendimento de Castro Mendes.

Procuração - A representação voluntária, ou procuração, é uma posição jurídica


que tem origem num acto voluntário do titular dos interesses que vão ser prosseguidos
através do NJ praticado pelo representante. O seu campo de aplicação consagra o
princípio de que os poderes jurídicos admitem exercício representativo, cuja única
excepção redunda nos poderes em que o exercício se revela mera e exclusivamente
pessoal. É um NJ unilateral e não recipiendo autónomo através do qual se concedem
poderes ao representante (262º nº1).

Forma da Procuração- Salvo disposição legal em contrário, o princípio diz-nos


que a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva
realizar, nos termos do 262º nº2 CC e do 116º e ss. Do CN…

Artigo 116.º - Procurações e substabelecimentos

1 - As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por


instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com
reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.

Pedro da Palma Gonçalves Página 160


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2 - As procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro


devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório
notarial.

3 - Os substabelecimentos revestem a forma exigida para as procurações.

Como desde logo se compreende, a procuração será um negócio formal ou não


formal, solene ou não solene, consoante a lei exija ou não forma especial para o negócio
a celebrar pelo procurador, tudo isso influenciará a solenidade do documento da
procuração, sempre atendendo às normas legais especiais, tanto mais se forem
contrárias. Permite-se que a procuração revista forma menos solene do que a exigida
para o negócio a celebrar pelo procurador, quando este implique intervenção notarial.
Note-se que a modificação da procuração está, naturalmente, sempre sujeita às
formalidades da sua constituição.

R: Ou seja, a procuração poderá revestir a forma de escritura pública se seguir o


princípio postulado pelo 262º nº2 CC, mas a vontade negocial também se poderá
manifestar mediante instrumento público, documento escrito e assinado pelo
representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou documento
autenticado, à luz do 116º nº1 do Código do Notariado.

b) Pode Bento exercer os poderes que lhe foram conferidos?

Quais as particularidades do regime da procuração? Este ponto é de grande


importância, pelo que será analisado em três pontos, a saber, a capacidade, a forma, e a
extinção. Já analisado o elementos formal, aprofundemos agora o capacitário.

→ Capacidade – ao procurador exige-se a capacidade natural (263º CC) de


entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar, o que significa
que pode praticar actos que lhe estaria vedado praticar em nome próprio, por falta de
capacidade, ainda que não se exclua completamente a aplicação do 259º, em matéria de
capacidade. Esta liberalização de regime justifica-se pelo facto da escolha do
representante ser exclusivamente da responsabilidade do representado e pela situação de
que tudo o que suceda de desejado ou indesejado no exercício dos poderes funcionais

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repercute-se na esfera jurídica do representado e de mais ninguém. Já quanto ao autor da


procuração, aplica-se o regime geral da capacidade de exercício.

Incapacidade do menor- Como atrás referido, a incapacidade de gozo é muito


limitada, mas a incapacidade de exercício é deveras significativa (123ºCC). Mas tem
pontuais excepções, como o decorrente dos artigos 127º, 263º, 185º 1 e 2, 1913º nº2 e
ainda, como é óbvio, dos direitos de personalidade.

R: Como tal, Bento, nos seus 17 anos de idade já preenche os requisitos legais
do 263º para entender e querer o NJ que irá efectuar em nome, no interesse e no uso do
poder representativo facultado por António, ainda que por sua conta e interesse não
pudesse, supondo que não é plenamente emancipado. Esta liberalização de regime
justifica-se pelo facto da escolha do representante ser exclusivamente da
responsabilidade do representado e pela situação de que tudo o que suceda de desejado
ou indesejado no exercício dos poderes funcionais repercute-se na esfera jurídica do
representado e de mais ninguém.

c) Suponha, ainda, que Bento, invocando a qualidade de procurador de António,


celebrou, em nome deste, um contrato de arrendamento sobre o dito prédio com a
Sociedade Só Constrói, SA, com base numa renda mensal de € 2000. Quid iuris?

Representação sem poderes (268º) - Este regime abrange dois casos…

→ Falta de poderes - O caso de ao representante não terem sido atribuídos


poderes para o acto que praticou ou de estes terem cessado.

→ Excesso de representação – O caso de ultrapassar os que efectivamente lhe


tinham sido fixados.

Relativamente à tutela do representado e ao valor negativo do acto ele é


assegurado pelo 268º, que postula o princípio da ineficácia do NJ praticado por uma
pessoa sem poderes de representação, (a não ser que o mesmo o ratifique, num NJ
autónomo, sujeito à forma da procuração e com eficácia retroactiva). De sublinhar que
esta ineficácia se dá para ambos os intervenientes, um por falta de poderes de
representação, e o outro por ter atuado em nome de outrem e não em nome próprio.
Como garante de uma protecção acrescida, o terceiro goza, inclusive, da faculdade de

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fixar um prazo para a ratificação, decorrido o qual, ela tem-se por negada. Se
desconhecia falta de poderes no momento da conclusão do negócio, o sujeito que
contratou com o falso representante pode revogar ou rejeitar o negócio, enquanto este
não for ratificado pelo representado (268º nº4). Se a contraparte só se aperceber da falta
de poderes ou do excesso de representação após certos investimentos de confiança, o
representante (e talvez o representado) poderão incorrer em culpa in contrahendo (227º)
por violação dos deveres de informação e lealdade. A representação admite a
modalidade tácita, não constituindo impedimento o carácter formal da procuração (217º
nº1 e nº2), apenas bastando a existência de um facto concludente e que sejam
observadas as formalidades legalmente exigidas.

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20. António foi para França

António, ausente em França, atribuiu a Bento “poderes para vender, pelo preço
mínimo de € 50.000,00, um prédio urbano de que é proprietário, podendo Bento
convencionar o mais que entendesse por conveniente”.

Admita as seguintes hipóteses, separadamente:

a) Bento adquiriu o prédio para si, por € 50.000,00, a pagar em 10 prestações


mensais. Passado um mês Bento vendeu o prédio a Carlos por € 75.000,00, pagos de
imediato. António, que só soube desta venda após receber o pagamento da primeira
prestação, pretende anular os contratos celebrados por Bento e exigir de Carlos a
restituição do prédio. Poderá fazê-lo?

Definição de procuração, preenchida, prosseguindo…

Cumpre analisar 4 questões diferentes, de forma sequenciada:

Poderá Bento adquirir o prédio para si, por 50 mil euros, a pagar em 10
prestações mensais? Poderia este ter vendido o prédio a Carlos por 75 mil euros, pagos
de imediato? Poderá anular António os contrato anulados por Bento? Terá essa anulação
algum efeito face a Carlos?

1º - Contrato consigo mesmo, ou autocontrato – 261º CC

Havendo duas partes no contrato, ele é normalmente celebrado com pessoa


diferente do representante, comummente um terceiro ou representante desse terceiro. A
dúvida levanta-se quando o representante intervém no contrato em representação de
outrem e, a outro tempo, em nome próprio. Quando representa simultaneamente as duas
partes do contrato. Será possível tal suceder? Será possível, até, um caso em que o
representante represente tanto A, o vendedor, como B, o comprador? Em qualquer
destas situações, fala-se de contrato consigo mesmo. Serão estes contratos válidos?
Antes de aferir da validade, urge evidenciar que um negócio deste tipo envolve duros
riscos, tais como uma colisão de interesses – que culminará facilmente no sacrifício dos
interesses do representado ou de um dos representados. Finalmente, no que à validade
concerne, o regime jurídico do 261º CC é muito claro, o da anulabilidade, que só o

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representado tem legitimidade para invocar, à luz do 261º-287º nº 2 CC, em que o prazo
para a anulação (não estando o negócio cumprido – 406º -, devido às 10 prestações
mentais) é ilimitado, podendo ser arguida a todo o momento.

O contrato de compra e venda consigo mesmo é, como tal anulável pelo


representado, António, nos termos do 261º CC, através do mecanismo geral da
anulabilidade do 287º.

2º - Contrato de compra e venda entre Bento e Carlos.

Temos um segundo contrato de compra e venda de imóvel validamente


celebrado entre Bento e Carlos, mediante acordo de vontades que, supondo que não
houve qualquer vício de forma ou de vontade a afectá-lo, produzirá todos os seus efeitos
jurídicos naturais, a aquisição derivada translativa do direito de propriedade do imóvel
para a esfera jurídica de Carlos, constituindo-se na de António um direito de crédito
sobre o preço, 75 mil euros.

3º - Anulabilidade dos contratos de Bento, e 4º - Efeitos da declaração de


anulabilidade

Como já respondido anteriormente no problema 1, António poderá anular o


autocontrato de Bento. Quanto ao contrato de compra a venda do seu imóvel celebrado
por Bento e Carlos em que o primeiro alienou o seu imóvel ao segundo mediante o
pagamento de 75 mil euros, António nada poderá fazer, na medida em que o registo da
aquisição é anterior ao registo da acção de anulação, pelo que esta ordem de factores
aliada à boa-fé do terceiro Carlos, torna a anulabilidade inoponível face a terceiros, nos
termos do 291º CC (estando preenchidos os seus 6 requisitos de excepção ao princípio
do 289ºCC). Bento e Carlos já haviam celebrado um contrato de compra e venda
perfeitamente válido e eficaz nos termos do 875º, 0 879º, o 405º e o 408º nº1. Bento
terá, como tal, de indemnizar António no valor do imóvel alienado (75 mil euros)
posteriormente de forma válida a Carlos, terceiro de boa-fé que haveria precedido ao
registo da aquisição previamente ao registo da acção de anulação de António.

b) Bento vendeu o prédio a Carlos, por € 50.000,00. Poderia fazê-lo?

Sim, dentro dos poderes funcionais representativos que lhe foram conferidos.

c) Bento vendeu o prédio a Carlos, por € 45.000,00. Poderia fazê-lo?

Pedro da Palma Gonçalves Página 165


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Representação sem poderes (268º)…

No instituto da representação, o poder representativo é, sem dúvida, um dos


elementos mais importantes. Falamos, como é óbvio, da actuação em nome de outrem
sem que existam poderes representativos. Este regime abrange tanto o caso de ao
representante não terem sido atribuídos poderes para o acto que praticou ou de estes
terem cessado (falta de poderes), como o de ultrapassar os que efectivamente lhe tinham
sido fixados (excesso de representação).

Relativamente à tutela do representado e ao valor negativo do acto ele é


assegurado pelo 268º, que postula o princípio da ineficácia do NJ praticado por uma
pessoa sem poderes de representação, (a não ser que o mesmo o ratifique, num NJ
autónomo, sujeito à forma da procuração e com eficácia retroactiva). De sublinhar que
esta ineficácia se dá para ambos os intervenientes, um por falta de poderes de
representação, e o outro por ter atuado em nome de outrem e não em nome próprio.
Como garante de uma protecção acrescida, o terceiro goza, inclusive, da faculdade de
fixar um prazo para a ratificação, decorrido o qual, ela tem-se por negada. Se
desconhecia falta de poderes no momento da conclusão do negócio, o sujeito que
contratou com o falso representante pode revogar ou rejeitar o negócio, enquanto este
não for ratificado pelo representado (268º nº4).

Neste caso, estamos perante uma representação sem poderes na modalidade de


excesso de representação, na medida em que Bento possui poderes para vender o
imóvel, mas ultrapassou-os, alterando o preço mínimo contra a vontade do
representado. Isto tornará o NJ praticado por Bento ineficaz, a não ser que António,
posteriormente, o ratifique.

d) Bento vendeu o prédio a Carlos, por € 50.000,00, apesar de ter recebido


instruções para vender por aquele valor mínimo apenas depois de decorridos seis meses
sem que alguém oferecesse valor mais elevado. Quid iuris?

Abuso da representação – 269º CC (só dizer “abuso de representação” no final


da definição)

Pedro da Palma Gonçalves Página 166


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Refere-se às situações em que o representante age, formalmente, no âmbito dos


poderes que lhe foram conferidos, mas utiliza a procuração para um fim não ajustado
àquele para que foi atribuída. A forma é respeitada, mas o fim é deturpado. Não é fácil
distinguir da representação sem poderes, mas a diferença é relevante ao nível do regime,
como no 269º onde se remete para o 268º (ineficácia do NJ).

Mas operará aqui a remissão para o 268º? Será que a outra parte conhecia ou
devia conhecer o abuso?

Se o sujeito que celebrou o negócio com quem abusou dos poderes de


representação não conhecia nem devia conhecer o abuso, não opera a remissão, sendo o
NJ eficaz. Há, deste modo, maior protecção do terceiro. Isto justifica-se pelo facto de o
abuso de representação ser mais difícil de ser conhecido pelo sujeito que celebra o
negócio com o representante do que o é a representação sem poderes, pois no abuso
pode escapar mais facilmente ao terceiro a percepção do desvio ao fim. O
desconhecimento da falta de poderes é mais facilmente imputável ao terceiro, pois este
pode exigir a justificação dos poderes (260º), daí a menor protecção face aos casos de
abuso de representação.

R: temos um caso de abuso de representação, pois Bento age, formalmente, no


âmbito dos poderes que lhe foram conferidos, mas utiliza a procuração para um fim não
ajustado àquele para que foi atribuída. A forma é respeitada, está aparentemente tudo
OK, mas o fim, conhecido de Bento, é deturpado. Quando à validade do NJ, tudo
dependerá de se operar aqui a remissão para o 268º, ou não. Será que a outra parte,
Carlos, conhecia ou devia conhecer o abuso? Esta é uma questão crucial que caberá ao
representado provar (342º nº1), tendo à sua disposição todos os meios de prova
existentes para tal. A resposta a esta questão dará origem à eficácia ou ineficácia
jurídica do negócio celebrado por Bento, após se decidir pela remissão, ou não, para o
artigo 268º, onde impera um princípio de ineficácia.

Pedro da Palma Gonçalves Página 167


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§ 8. A FALTA DE VONTADE

21. “Aluno não sério”

António, professor de Contratos Civis, durante uma aula, vira-se para Bertílio e,
com o intuito de melhor explicar a matéria relativa à proposta negocial, diz-lhe: “Quer
comprar a minha mota por 1000 euros?”.

Bento, encantado com o preço, responde: ”Aceito! Aceito!”.

Este negócio é válido?

Vontade e declaração…

Estamos perante uma declaração não séria, nos termos do 245º CC, pois o
declarante expressa uma vontade que efectivamente não tem, na convicção de o
declaratário se aperceber da falta de seriedade da declaração. Temos uma declaração
sem qualquer vontade negocial mas sem qualquer intuito de enganar. No caso presente,
reveste a modalidade de docendi ou demonstrationis causa, pois a declaração não séria
tem somente fins académicos. Nos termos do referido artigo, os seus efeitos jurídicos
pura e simplesmente não o são, ou seja, o valor negativo do negócio é a inexistência
jurídica do ato, daí, nenhum direito ou obrigação nasceu na esfera jurídica de nenhum
dos sujeitos intervenientes. António e Bertílio, supondo que Bento e Bertílio partilham a
personalidade jurídica.

Pedro da Palma Gonçalves Página 168


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22. “Aluno não sério” Parte II – A vingança

Irritado por não ter ficado com a mota, Bento encontra o professor António no
bar e hipnotiza-o. Neste estado, António assina um contrato de doação da mota. Quid
iuris?

Vontade e declaração…

O artigo 246º consagra a coacção física, nos termos em que é definível como
força exterior ao agente que o leva a assumir um comportamento declarativo
independentemente da sua vontade, totalmente repelida e censurada por essa força. É
uma das modalidades da falta de vontade, a par da declaração não-séria e da falta de
consciência na declaração. A coacção é designada por vis absoluta quando é física e vis
relativa quando é psicológica (vício na formação da vontade). Na hipótese da hipnose,
Castro Mendes enquadra-a no âmbito da coacção física, entendimento que é de perfilar.
Da parte do declarante não existe vontade de ação, vontade de declaração, nem vontade
negocial, logo, há inexistência de vontade funcional, apesar do comportamento exterior
com relevo declarativo Como tal, a sua consequência jurídica é a inexistência jurídica
do ato, pelo que o contrato de doação da mota assinado pelo professor em estado de
hipnose inexiste, portanto, não produzirá qualquer efeito jurídico nas esferas jurídicas
dos intervenientes. Bento poderá ainda incorrer em responsabilidade criminal.
Acrescente-se ainda que não haverá lugar a indemnização.

Distinguir coacção física de coacção moral…

Pedro da Palma Gonçalves Página 169


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23. Leilão no Ritz

António, hospedado no Hotel Ritz, em Lisboa, entra, por engano, numa sala
onde decorria um leilão de antiguidades e, ao deparar com Bento, seu amigo de
infância, acena entusiasticamente na sua direcção.

O leiloeiro, ao ver o seu gesto diz: “1 milhão uma, 1 milhão duas, 1 milhão três,
vendido por um milhão de euros ao senhor que acabou de entrar na sala! Os meus
parabéns!”.

António, assustado, diz que “não era sua intenção oferecer qualquer quantia”.
Quid iuris?

Estamos perante um comportamento que objectivamente vale como


manifestação de vontade que efectivamente não tem, ou seja, estamos perante um caso
de falta de consciência – modalidade da falta de vontade -, onde o declarante emite uma
declaração sem consciência de o estar a fazer, nos termos do 246º CC. Temos, da parte
do declarante, vontade de acção, mas não qualquer espécie de vontade de declaração. O
declarante não quer a declaração que a esse comportamento adoptado é objectivamente
atribuída, como tal, queria efectivamente levantar o braço, mas não o valor negocial que
lhe é imputado (licitar no leilão). Quanto aos efeitos desta declaração desprovida de
vontade, não podem ser outros que não a sua inexistência jurídica. Neste caso poderá
haver dever de indemnização por culpa in contrahendo, na medida em que António
escapou aos deveres de cuidado (negligência inconsciente) que ao caso cabiam ao entrar
numa sala onde decorriam o leilão. Desta forma, António incorre em responsabilidade
pré-contratual (227º), pela frustração da boa-fé dos leiloeiros que confiaram
legitimamente na licitação de António.

Pedro da Palma Gonçalves Página 170


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§ 9. VÍCIOS NA FORMAÇÃO DA VONTADE

24. A área de um terreno

António e Bento acordam, através de documento particular autenticado, na


compra e venda de um terreno com 20 hectares para a instalação de um olival de
exploração intensiva, sendo que, para esse tipo de exploração, é necessário um terreno
com, pelo menos, 18 hectares. António, depois de tomar posse do terreno, manda fazer
um levantamento topográfico e descobre que a propriedade tem apenas 15 hectares.
Quid iuris?

Estaremos perante um problema de erro-vício. Nesta concepção de erro,


referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à falsa representação da realidade que
determinou ou poderia ter determinado a celebração do negócio. O erro será simples,
porque relativo somente à pessoa do declarante, não foi induzido ou provocado pelo
declaratário ou por terceiros. A relevância do erro está dependente da presença de certos
requisitos, sem os quais o erro não é atendido, é irrelevante.

→ Causalidade – O erro vício só gera anulabilidade se for causal. Diz-se causal


o erro quando, se não tivesse existido ignorância ou falsa representação de certo motivo
que interferiu no fenómeno volitivo, o declarante não quereria celebrar qualquer
negócio ou quereria celebrar um negócio diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto
aos seus elementos essenciais ou acidentais. Quando isto se passa, temos um error
causam dans. Por seu turno, diz-se acidental ou indiferente o erro que, apesar da sua
ocorrência, o declarante sempre quereria celebrar o dado NJ (sendo, nesta situação,
válido). O apuramento da verificação do requisito faz-se por confronto entre o conteúdo
de duas vontades, a vontade real (vontade negocial, a vontade efectivada pelo
declarante) e a vontade conjectural (vontade hipotética, a que o declarante formaria se
tivesse conhecido a realidade que ignorou ou representou falsamente). Como claro está,
somente releva a vontade no momento da celebração do NJ, não a vontade actual do
declarante.

Pedro da Palma Gonçalves Página 171


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Constatamos que o erro também é causal, portanto. O NJ não teria sido


celebrado se o declarante soubesse que o terreno não tinha o tamanho necessário.
Tentemos enquadrá-lo numa modalidade do erro simples do NJ…

Não poderá haver erro sobre a pessoa do declaratário, pois refere-se, claramente
ao objecto negocial e não à pessoa de Bento, pelo que excluiremos, desde já essa opção.

Poderá haver erro sobre o objecto negocial? No que toca ao erro sobre o objecto
negocial, convém dilucidarmos que nos referimos ao objecto material pois falamos na
sua identidade ou qualidades objectivas (nunca subjectivas, caso contrário, 252ºCC). O
erro abrangido pelo 251º CC, em qualquer das modalidades é relevante nos termos do
247º CC, o preceito que consagra o erro na declaração. Deste modo, o erro vício sobre o
objecto ou a pessoa do declaratário só é relevante para fins anulatórios quando este
conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do motivo sobre
que incidiu o erro (247º). O conhecimento ou a cognoscibilidade referem-se, à
essencialidade do motivo do erro.

Concluímos que a solução passará por duas ordens de considerações…

1- Se Bento conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do elemento sobre


que recaiu o erro – o terreno ter mais de 18 hectares para poder construir um olival em
plantação intensiva -, estão preenchidos os requisitos do erro sobre o objecto negocial,
pelo que o NJ é anulável segundo o regime geral do 287º, postulando os efeitos
retroactivos decorrentes do 289º e oponível ao terceiro adquirente da obra a Bento, em
que a solução mais apropriada será a restituição em espécie já que a mesma é possível.

2- - Se Bento não conhecia nem deveria conhecer a essencialidade do elemento


sobre que recaiu o erro – o terreno ter mais de 18 hectares para poder construir um
olival em plantação intensiva -, o que nos parece a resposta mais adequada, já que o
declaratário normal (236º) dificilmente conhece a essencialidade desse elemento, não
estarão preenchidos os requisitos da relevância do erro sobre o objecto negocial e o NJ
não será anulável.

Perfilando esta segunda posição, também não poderemos advogar qualquer erro
sobre a base do NJ, já que não há conhecimento bilateral da essencialidade do elemento
sobre que recaiu o erro. Nem erro sobre os motivos – a categoria residual – já que lhe
falta o necessário acordo.

Pedro da Palma Gonçalves Página 172


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Acrescente-se que quem se queira valer da anulabilidade tem o ónus legal de


provar que o declaratário conhecia ou deveria conhecer a essencialidade do elemento
sobre que recaiu o erro (247º), tendo à sua disposição todos os meios de prova
legalmente exigidos (prova documental, pericial, testemunhal, presunções legais,
confissões, entre outras).

Vide STJ 27.05.2010 (Azevedo Ramos)

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dbf335787790
04b980257734003168c9?OpenDocument&Highlight=0,erro

Pedro da Palma Gonçalves Página 173


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25. António vs. Bento

António, especialista em arte impressionista, pôs à venda a sua coleção privada


de arte. Bento comprou dois quadros que, no catálogo da venda, eram descritos como
atribuídos a “autor desconhecido”.

a) António, passados dois anos, descobre, através da imprensa, que especialistas


americanos atribuíram as pinturas a Degas e que Bento as vendeu por um preço
astronómico? Como poderá António reagir?

Estaremos perante um problema de erro-vício. Nesta concepção de erro,


referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à falsa representação da realidade que
determinou ou poderia ter determinado a celebração do negócio. O erro será simples,
porque relativo somente à pessoa do declarante, não foi induzido ou provocado pelo
declaratário ou por terceiros. A relevância do erro está dependente da presença de certos
requisitos, sem os quais o erro não é atendido, é irrelevante.

→ Causalidade – O erro vício só gera anulabilidade se for causal. Diz-se causal


o erro quando, se não tivesse existido ignorância ou falsa representação de certo motivo
que interferiu no fenómeno volitivo, o declarante não quereria celebrar qualquer
negócio ou quereria celebrar um negócio diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto
aos seus elementos essenciais ou acidentais. Quando isto se passa, temos um error
causam dans. Por seu turno, diz-se acidental ou indiferente o erro que, apesar da sua
ocorrência, o declarante sempre quereria celebrar o dado NJ (sendo, nesta situação,
válido). O apuramento da verificação do requisito faz-se por confronto entre o conteúdo
de duas vontades, a vontade real (vontade negocial, a vontade efectivada pelo
declarante) e a vontade conjectural (vontade hipotética, a que o declarante formaria se
tivesse conhecido a realidade que ignorou ou representou falsamente). Como claro está,
somente releva a vontade no momento da celebração do NJ, não a vontade actual do
declarante.

Constata-se que o erro é causal, já que se António soubesse que os quadros


pertenciam a Degas não teria celebrado qualquer NJ, ou um completamente diferente.

Pedro da Palma Gonçalves Página 174


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Não poderá haver erro sobre a pessoa do declaratário, pois refere-se, claramente
ao objecto negocial e não à pessoa de Bento, pelo que excluiremos, desde já essa opção.

Poderá haver erro sobre o objecto negocial? No que toca ao erro sobre o objecto
negocial, convém dilucidarmos que nos referimos ao objecto material pois falamos na
sua identidade ou qualidades objectivas (nunca subjectivas, caso contrário, 252ºCC). O
erro abrangido pelo 251º CC, em qualquer das modalidades é relevante nos termos do
247º CC, o preceito que consagra o erro na declaração. Deste modo, o erro vício sobre o
objecto ou a pessoa do declaratário só é relevante para fins anulatórios quando este
conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento
sobre que incidiu o erro. O conhecimento ou a cognoscibilidade referem-se, à
essencialidade do elemento do erro.

Concluímos que estão preenchidos os requisitos do erro sobre o objecto


negocial, pelo que o NJ é anulável segundo o regime geral do 287º, postulando os
efeitos retroactivos decorrentes do 289º e oponível ao terceiro adquirente da obra a
Bento (291º - pois falha o requisito de se referir a coisas imóveis ou móveis sujeitas a
registo), em que a solução mais apropriada será a restituição em espécie já que a mesma
é possível.

De salientar que o erro sobre o objecto negocial também seria anulável pelo erro
sobre a base do NJ, na medida em que há, como bem diz Castro Mendes, um erro
bilateral sobre as condições patentemente fundamentais do negócio. A base do NJ são
circunstâncias fulcrais para ambas as partes, ou, na hipótese de o serem só para uma
delas, a outra não poderia deixar de a considerar condicionante do NJ, sem violar os
princípios da boa-fé. Nas palavras do legislador, são “as circunstâncias em que as partes
fundaram a decisão de contratar” (437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao
celebrarem certo NJ, dão como verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou
são diferentes das que elas tomaram como certas. Qual será, então, o valor negativo do
erro sobre a base do NJ? Já sabemos que não será, certamente, a resolubilidade. Ora
bem, tratando-se de um vício contemporâneo da celebração do NJ, está em causa o valor
do acto nesse momento (vício genético, não superveniente).

Como tal, a solução para esse tipo de vício é a anulabilidade, ou a


modificabilidade, segundo juízos de equidade, à luz do 437º CC.

Pedro da Palma Gonçalves Página 175


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b) Imagine agora que as pinturas, depois de avaliadas por peritos, foram


atribuídas a “discípulos de Degas, pintadas sob sua orientação”, o que, ainda assim,
aumentou consideravelmente o seu valor de mercado. Como poderá António reagir?

Exactamente da mesma forma que na última questão. Os problemas jurídicos são


idênticos e idêntica é, também, a solução.

Pedro da Palma Gonçalves Página 176


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26. “Bom negócio, mau negócio”

António comprou na Fnac, por 1000 euros, um gira-discos. Fê-lo depois de ter
consultado os preços em várias lojas, convencido de que este era o melhor preço.
Todavia, dias depois de ter efetuado a compra, apercebe-se que, numa pequena loja
perto de sua casa, existe um aparelho igual 200 euros mais barato.

Perante isto, dirigiu-se à Fnac para devolver o aparelho, alegando que nunca
teria comprado o gira-discos se soubesse que o conseguiria comprar mais barato. Quid
iuris?

Definição de compra e venda…

Constatamos, sim, que há um erro: estaremos perante um problema de erro-


vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. O erro será simples, porque relativo somente à pessoa do
declarante, não foi induzido ou provocado pelo declaratário ou por terceiros. A
relevância do erro está dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro
não é atendido, é irrelevante.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

Poderemos estar perante um caso de dolus bonus da parte da Fnac- sugestões ou


artifícios usuais, considerados legítimos (segundo as concepções dominantes no
comércio jurídicos), o que nos revela que a lei só proíbe o dolus malus, que aqui não
haverá.

Todavia, constatamos que o erro não se enquadra em nenhuma das quatro


modalidades do erro-vício simples (sendo que as mais plausíveis seria o erro sobre a
base do NJ ou o erro sobre o objecto negocial, ainda que mais a segunda), pelo que não

Pedro da Palma Gonçalves Página 177


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será anulável. Toda essa exclusão resulta do facto de não preencher o requisito essencial
para o declaratário – a FNAC - de que este conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante – António -, do elemento sobre que incidiu o erro. O
conhecimento ou a cognoscibilidade referem-se, à essencialidade do elemento do erro, e
a Fnac não poderia adivinhar se ele estaria a comprar o gira-discos por ser o mais
barato, por ser o mais bonito, por apreciar aquela marca, para oferecer a um amigo,
enfim… Muito menos se falaria no erro bilateral que caracteriza o erro sobre a base do
NJ.

Como tal, o NJ não é anulável e António nada poderá fazer.

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27. O hipocondríaco

António, advogado, supondo estar gravemente doente e que, por isso, não mais
poderia exercer a sua profissão, doa a Bento uma valiosa coleção de discos. Tendo
recebido entretanto o resultado das análises, António verifica que, afinal, o seu
problema não passa de uma mera infeção temporária e sem qualquer gravidade. Pode
anular a doação?

Definição de doação…

Constatamos, sim, que há um erro: Estaremos perante um problema de erro-


vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. O erro será simples, porque relativo somente à pessoa do
declarante, não foi induzido ou provocado pelo declaratário ou por terceiros. A
relevância do erro está dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro
não é atendido, é irrelevante.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

A única hipótese de erro que pode ocorrer seria erro sobre a base do NJ, já que
não falamos da pessoa do declaratário nem do objecto negocial. Veremos…

→ Erro sobre base do NJ (252º nº2) – Antes de mais, a que nos referimos
quando falamos nas “bases do negócio”? Ao celebrar certo negócio, existem várias
circunstâncias de facto ou de direito, que mais ou menos determinam as partes a praticar
este ou aquele acto, com este ou aquele conteúdo. A “base” do NJ é, então, constituída
por essas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em
consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do
conteúdo do negócio. Como bem diz Castro Mendes, a ideia central no erro sobre a base

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do NJ é a de um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais do


negócio. São circunstâncias fulcrais para ambas as partes, ou, na hipótese de o serem só
para uma delas, a outra não poderia deixar de a considerar condicionante do NJ, sem
violar os princípios da boa-fé. Nas palavras do legislador, são “as circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar” (437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao
celebrarem certo NJ, dão como verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou
são diferentes das que elas tomaram como certas. Realce-se que as circunstâncias
devem sempre ser contemporâneas ou passadas em relação ao momento da celebração
do negócio. Não inclui, pois, o instituto da pressuposição (437ºCC). Esta modalidade de
erro pode referir-se a quaisquer circunstâncias determinantes da celebração do acto,
desde que revistam as características e requisitos supracitados. Ele é, também
cumulativo face a outras modalidades, desde que essas circunstâncias constituam
também base do NJ, por exemplo no caso da contratação de um famoso pintor para
ornamentar uma parede de nossa casa, quando depois se descobre que não era aquele
artista que desejávamos (erro sobre a pessoa do declaratário e erro sobre a base do NJ).
No que ao seu regime diz respeito, reparos há a fazer relativamente à remissão do 252º
nº2 para o 437º e seguintes. Como é óbvio, não fará sentido falar de resolução. O que o
nº2 do 252º pretende apenas dizer é que o erro sobre a base do negócio é relevante nos
termos em que o seja a alteração das circunstâncias, ressalvadas as diferenças entre as
duas figuras. O que a remissão verdadeiramente significa é que o erro sobre a base do
NJ só releva se incidir sobre circunstâncias patentemente fundamentais para a decisão
de contratar, sendo essas circunstâncias comuns a ambas as partes, ou a outra parte não
poderia deixar de aceitar como condicionante do negócio, segundo a boa-fé, pois a
manutenção do mesmo NJ como fora celebrado, seria atentatório da tutela confiança.
Qual será, então, o valor negativo do erro sobre a base do NJ? Já sabemos que não será,
certamente, a resolubilidade. Ora bem, tratando-se de um vício contemporâneo da
celebração do NJ, está em causa o valor do acto nesse momento (vício genético, não
superveniente). Como tal, a solução para esse tipo de vício é a anulabilidade, ou a
modificabilidade, segundo juízos de equidade, à luz do 437º CC.

Mas será que constatamos o requisito do erro bilateral - circunstâncias


fulcrais para ambas as partes, ou, na hipótese de o serem só para uma delas, a outra não
poderia deixar de a considerar condicionante do NJ, sem violar os princípios da boa-fé.
Nas palavras do legislador, são “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão

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de contratar” (437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao celebrarem certo NJ, dão
como verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou são diferentes das que
elas tomaram como certas.

Posto isto, haverá duas possíveis conclusões…

Apenas sabemos que a circunstância da suposta grave doença é conhecida e


determinante para a vontade funcional de António, mas nada nos indica que Bento a
conheça. Se António provar (342º nº1) que Bento a conhece, haverá anulabilidade do NJ
por erro vício sobre a base do NJ. Se não conseguir e Bento não a conhecer, como
parece suceder, não há erro-vício sobre a base do NJ relevante e a doação não será
anulável.

Pedro da Palma Gonçalves Página 181


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28. O professor em Vila Real

Bento, professor, foi colocado a dar aulas em Vila Real de Santo António.
Quando preparava a sua mudança de Lisboa, arrendou a Carlos, através da internet, uma
casa em Vila Real de Trás-os-Montes.

Só depois de celebrado o contrato é que se apercebeu do erro.

a) Poderá Américo anular este contrato?

Constatamos, sim, que há um erro: Estaremos perante um problema de erro-


vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. O erro será simples, porque relativo somente à pessoa do
declarante, não foi induzido ou provocado pelo declaratário ou por terceiros. A
relevância do erro está dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro
não é atendido, é irrelevante.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo – confundir Vila Real de Santo
António com Vila Real de Trás-os-Montes - que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

Contudo, na verdade não se enquadra em nenhuma das cinco modalidades do


erro-vício simples: não se refere à pessoa do declaratário, não é bilateral para ser da
base do NJ, não é sobre objecto negocial porque não há conhecimento da essencialidade
do elemento sobre que incidiu o erro, nem será sobre os motivos pois não há acordo.
Como tal, Bento não poderá anular o contrato.

b) Imagine que através de uma troca de e-mails com o proprietário,


Américo tinha perguntado se a casa era perto da escola. Altera a sua resposta?

Pedro da Palma Gonçalves Página 182


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A resposta ainda é idêntica à questão anterior. A resposta a ser perto ou não da


escola – todos nós temos uma escola mais ou menos perto das nossas habitações - não
confere ao declaratário o conhecimento da essencialidade do motivo sobre que incidiu o
erro, já que a modalidade que se poderia falar era de erro sobre o objecto negocial.
Bento nunca conseguiria provar que Carlos conhecia ou não devia ignorar a
essencialidade do motivo sobre que incidiu o erro – a casa ser em Trás-os-Montes e não
no Algarve -, mediante qualquer meio de prova.

c) Imagine que através de uma troca e-mails com o proprietário, Américo


tinha perguntado se a casa era perto da escola e explicado, também, que se estava a
mudar porque tinha sido aí colocado a dar aulas. Mantém a sua resposta?

A resposta ainda é idêntica à questão anterior. A resposta a ser perto ou não da


escola por ele ter sido colocado nela não confere ao declaratário o conhecimento da
essencialidade do motivo sobre que incidiu o erro, já que a modalidade que se poderia
falar era de erro sobre o objecto negocial. Bento nunca conseguiria provar que Carlos
conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do motivo sobre que incidiu o erro- a
casa ser em Trás-os-Montes e não no Algarve-, mediante qualquer meio de prova.

d) Imagine que o negócio é anulável, mas que Benjamim, por mero acaso,
tem uma casa exactamente igual em Vila Real de Santo António, com a mesmo renda e
à mesma distância da escola. Pode Benjamim forçar Américo a arrendar esta casa?

→ Erro sobre base do NJ (252º nº2) – Antes de mais, a que nos referimos
quando falamos nas “bases do negócio”? Ao celebrar certo negócio, existem várias
circunstâncias de facto ou de direito, que mais ou menos determinam as partes a praticar
este ou aquele acto, com este ou aquele conteúdo. A “base” do NJ é, então, constituída
por essas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em
consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do
conteúdo do negócio. Como bem diz Castro Mendes, a ideia central no erro sobre a base
do NJ é a de um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais do
negócio. São circunstâncias fulcrais para ambas as partes, ou, na hipótese de o serem só
para uma delas, a outra não poderia deixar de a considerar condicionante do NJ, sem

Pedro da Palma Gonçalves Página 183


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violar os princípios da boa-fé. Nas palavras do legislador, são “as circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar” (437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao
celebrarem certo NJ, dão como verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou
são diferentes das que elas tomaram como certas. Realce-se que as circunstâncias
devem sempre ser contemporâneas ou passadas em relação ao momento da celebração
do negócio. Não inclui, pois, o instituto da pressuposição (437ºCC). Esta modalidade de
erro pode referir-se a quaisquer circunstâncias determinantes da celebração do acto,
desde que revistam as características e requisitos supracitados. Ele é, também
cumulativo face a outras modalidades, desde que essas circunstâncias constituam
também base do NJ, por exemplo no caso da contratação de um famoso pintor para
ornamentar uma parede de nossa casa, quando depois se descobre que não era aquele
artista que desejávamos (erro sobre a pessoa do declaratário e erro sobre a base do NJ).
No que ao seu regime diz respeito, reparos há a fazer relativamente à remissão do 252º
nº2 para o 437º e seguintes. Como é óbvio, não fará sentido falar de resolução. O que o
nº2 do 252º pretende apenas dizer é que o erro sobre a base do negócio é relevante nos
termos em que o seja a alteração das circunstâncias, ressalvadas as diferenças entre as
duas figuras. O que a remissão verdadeiramente significa é que o erro sobre a base do
NJ só releva se incidir sobre circunstâncias patentemente fundamentais para a decisão
de contratar, sendo essas circunstâncias comuns a ambas as partes, ou a outra parte não
poderia deixar de aceitar como condicionante do negócio, segundo a boa-fé, pois a
manutenção do mesmo NJ como fora celebrado, seria atentatório da tutela confiança.
Qual será, então, o valor negativo do erro sobre a base do NJ? Já sabemos que não será,
certamente, a resolubilidade. Ora bem, tratando-se de um vício contemporâneo da
celebração do NJ, está em causa o valor do acto nesse momento (vício genético, não
superveniente). Como tal, a solução para esse tipo de vício é a anulabilidade, ou a
modificabilidade, segundo juízos de equidade, à luz do 437º CC.

Desta feita sim, se considerarmos que o NJ é anulável por ter havido erro sobre a
base do NJ, o mesmo será potencialmente modificável, por alteração das circunstâncias
vigentes no momento em que o contrato foi concluído, segundo juízos de equidade
(252º nº2, 437º nº1). O Bento poderá então, modificar o contrato para que Carlos lhe
arrende a casa em Vila Real de Santo António. Acrescente-se que este é um dos casos
em que a equidade é fonte de direito (4º a) CC).

Pedro da Palma Gonçalves Página 184


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29. António & Bento e base do negócio

A sociedade produtora de eventos XPTO celebrou com a sociedade


Pavilhão Atlântico, S.A., um contrato de exclusividade relativo à organização do
concerto de António & Bento no Pavilhão Atlântico, no valor de 3.000.000 de euros,
dos quais foram pagos, no momento da celebração do negócio, 1.000.000 de euros.

Dias após a celebração do negócio, vem a descobrir-se que António &


Bento, por motivos pessoais não especificados, tinham desistido da realização dos
concertos, sem disso avisar atempadamente a XPTO.

Como pode a XPTO reaver a quantia já paga?

Constatamos, sim, que há um erro: estaremos perante um problema de erro-


vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. O erro será simples, porque relativo somente à pessoa do
declarante, não foi induzido ou provocado pelo declaratário ou por terceiros. A
relevância do erro está dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro
não é atendido, é irrelevante.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

Desde já excluímos o erro sobre o objecto negocial ou sobre a pessoa do


declaratário, por isso partimos para o erro sobre a base do negócio (252º nº2).

→ Erro sobre base do NJ (252º nº2) – Antes de mais, a que nos referimos
quando falamos nas “bases do negócio”? Ao celebrar certo negócio, existem várias
circunstâncias de facto ou de direito, que mais ou menos determinam as partes a praticar
este ou aquele acto, com este ou aquele conteúdo. A “base” do NJ é, então, constituída
por essas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em

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consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do


conteúdo do negócio. Como bem diz Castro Mendes, a ideia central no erro sobre a base
do NJ é a de um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais do
negócio. São circunstâncias fulcrais para ambas as partes, ou, na hipótese de o serem só
para uma delas, a outra não poderia deixar de a considerar condicionante do NJ, sem
violar os princípios da boa-fé. Nas palavras do legislador, são “as circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar” (437º nº1). Posto isto, há erro se as partes, ao
celebrarem certo NJ, dão como verificadas certas circunstâncias que, ou não existem, ou
são diferentes das que elas tomaram como certas. Realce-se que as circunstâncias
devem sempre ser contemporâneas ou passadas em relação ao momento da celebração
do negócio. Não inclui, pois, o instituto da pressuposição (437ºCC). Esta modalidade de
erro pode referir-se a quaisquer circunstâncias determinantes da celebração do acto,
desde que revistam as características e requisitos supracitados. Ele é, também
cumulativo face a outras modalidades, desde que essas circunstâncias constituam
também base do NJ, por exemplo no caso da contratação de um famoso pintor para
ornamentar uma parede de nossa casa, quando depois se descobre que não era aquele
artista que desejávamos (erro sobre a pessoa do declaratário e erro sobre a base do NJ).
No que ao seu regime diz respeito, reparos há a fazer relativamente à remissão do 252º
nº2 para o 437º e seguintes. Como é óbvio, não fará sentido falar de resolução. O que o
nº2 do 252º pretende apenas dizer é que o erro sobre a base do negócio é relevante nos
termos em que o seja a alteração das circunstâncias, ressalvadas as diferenças entre as
duas figuras. O que a remissão verdadeiramente significa é que o erro sobre a base do
NJ só releva se incidir sobre circunstâncias patentemente fundamentais para a decisão
de contratar, sendo essas circunstâncias comuns a ambas as partes, ou a outra parte não
poderia deixar de aceitar como condicionante do negócio, segundo a boa-fé, pois a
manutenção do mesmo NJ como fora celebrado, seria atentatório da tutela confiança.
Qual será, então, o valor negativo do erro sobre a base do NJ? Já sabemos que não será,
certamente, a resolubilidade. Ora bem, tratando-se de um vício contemporâneo da
celebração do NJ, está em causa o valor do acto nesse momento (vício genético, não
superveniente). Como tal, a solução para esse tipo de vício é a anulabilidade, ou a
modificabilidade, segundo juízos de equidade, à luz do 437º CC.

Desta forma, constatamos que há erro sobre a base do NJ, na medida em que
ambas as partes, a sociedade produtora de eventos XPTO e a Pavilhão Atlântico S.A.,

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fundaram a decisão de contratar na efectiva realização do concerto por parte de António


e Bento, circunstância errónea, na medida em que os artistas já haviam, previamente,
desistido da performance dos mesmos, apesar de não terem avisado a XPTO. A prova
da existência deste erro bilateral pela XPTO e pela Pavilhão Atlântico S.A. impende
sobre quem se faz valer desse facto constitutivo do direito de anulação ou modificação –
a XPTO (342º nº1).

Estando preenchidos os requisitos do erro sobre a base do NJ, os seus efeitos


poderão ser a anulabilidade ou a modificabilidade. Todavia, como pura e simplesmente
não será realizado qualquer concerto – não havendo somente, por exemplo, a
indisponibilidade de um dos membros do conjunto – não se falará em modificabilidade,
mas sim em anulabilidade.

Essa anulabilidade, plasmada no 247º, segue o regime geral do 287º, cuja


legitimidade para arguir cabe à pessoa colectiva XPTO enquanto “interessado” nos
termos do nº1, dentro do prazo que entender, na medida em que o NJ ainda não foi
concluído (406º, só quando pontualmente cumprido, efectuadas todas as prestações,
tem-se por concluído). A arguição da anulabilidade será feita nos termos do 289º
postulando os seus efeitos retroactivos, em que se constituirá na esfera jurídica da
Pavilhão Atlântico S.A. a obrigação de restituir o milhão de euros já pago pela XPTO.
Desta forma, a XPTO pode reaver a quantia despendida.

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30. Dolo

António, que se tem por bom conhecedor de arte, entra numa galeria e logo se
entusiasma por um quadro que atribui a Júlio Pomar.

a) O dono da galeria, Bento, enquanto conversava com António,


apercebeu-se que este, afinal, nada percebia de arte e resolve aproveitar a situação e
confirmar-lhe que o quadro era de Júlio Pomar quando, na verdade, não era. Pode
António reagir?

Constatamos, sim, que há um erro: Estaremos perante um problema de erro-


vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

Neste caso estaremos perante um erro provocado por dolo do declaratário: O


erro é qualificado por dolo quando seja provocado por dolo relevante, pois se o dolo não
for juridicamente atendível, existirá erro simples. O 253º nº1 dá-nos a noção legal de
dolo: “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou
consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a
dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”. Constate-se que o
deceptor é o declaratário, Bento, quem ludibria a vítima, António, mediante uma
conduta positiva intencional em que o mantém em erro sobre a identidade da autoria do
quadro. Este problema traduz-se no incumprimento do dever de elucidar o declarante,
fazendo cessar o erro em que ele se encontra (253º nº2, in fine). Não estamos perante
nenhum caso de dolus bonus - sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos

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(segundo as concepções dominantes no comércio jurídicos), o que nos revela que a lei
só proíbe o dolus malus. Estaremos perante dolus malus?

Quais os requisitos do dolo (malus)? O requisito específico para todos os casos


de dolo é a dupla causalidade. Ou seja, o dolo deve ser causa do erro (1ª causa) e o erro,
por sua vez, deve ser causa da declaração que enformará o NJ (2ª causa, 254º nº1).
Assim, só há dolo relevante quando o declarante tenha caído em erro por efeito da
conduta artificiosa de outrem. É precisamente este, o caso aqui presente. A
unilateralidade da invocação não é um requisito pois a lei reconhece e relevância do erro
bilateral (254º, nº1, in fine), mas neste caso é unilateral. Quando o deceptor é o
declaratário - o único requisito para a anulabilidade do NJ é a dupla causalidade (254º
nº1), sem se tornar necessário que o declaratário conheça ou não deva ignorar a
essencialidade do erro. O dolo é um acto ilícito da autoria do declaratário, pelo que o
infractor não merece tutela acrescida, independentemente de quem seja o beneficiário da
conduta dolosa.

Como tal, o NJ padece de um vício de anulabilidade, arguível por António, o


interessado (que tem à sua disposição todos os meios de prova, segundo o 342º nº1, e
s.s., pois trata-se da arguição de um facto constitutivo de um direito, o direito a arguir a
anulação, havendo presunção de inocência), nos termos do 254º e do 287º, até 1 ano
após a cessação do vício, ou seja, quando ele teve conhecimento de que o quadro não
pertencia a Júlio Pomar e, como tal, haviam-no enganado, postulando os efeitos
retroactivos do 289º, onde Bento verá nascer na sua esfera jurídica a obrigação de
restituir o montante despendido por António no quadro, bem como a adstrição ao
pagamento de uma indemnização por danos morais do comprador e frustração da boa-fé
(violação dos deveres de lealdade e informação), na medida em que esta
responsabilidade terá a natureza de responsabilidade pré-contratual (227º). Os efeitos da
declaração de anulação serão de dúplice ordem, divididos em atos jurídicos e materiais.
Nos primeiros, dar-se-á precisamente, a destruição da transmissão do direito de
propriedade, enquanto nos segundos se dará a, já referida, restituição das prestações já
efectuadas por cada um dos contraentes.

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b) Na galeria estava outro cliente, Carlos, que se apresenta como


estudante de arte e que, longe da presença de Bento, em conversa com António, lhe diz:
“que este Júlio Pomar é excepcional e está a muito bom preço… Se fosse a si nem
pensava duas vezes!”. Perante isto, sem mais conversas com Bento, decide levar o
quadro. Dias depois, descobre que o quadro é de Júlia Pumar, cuja assinatura é muito
parecida com a de Júlio Pomar. Como pode reagir?

Constatamos, sim, que há um erro: Estaremos perante um problema de


erro-vício. Nesta concepção de erro, referimo-nos ao desconhecimento (ignorância) ou à
falsa representação da realidade que determinou ou poderia ter determinado a
celebração do negócio. O erro será simples, porque relativo somente à pessoa do
declarante, não foi induzido ou provocado pelo declaratário ou por terceiros. A
relevância do erro está dependente da presença de certos requisitos, sem os quais o erro
não é atendido, é irrelevante.

Também constatamos que esse erro é causal: – O erro-vício só gera


anulabilidade se for causal. Diz-se causal o erro quando, se não tivesse existido
ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o
declarante não quereria celebrar qualquer negócio ou quereria celebrar um negócio
diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto aos seus elementos essenciais ou
acidentais.

Não poderá ser nem erro sobre a pessoa do declaratário, nem erro sobre a base
do NJ, na medida em que o erro bilateral é entre o declarante, António, e o terceiro
estudante, Carlos, a única hipótese que se concebe será o erro sobre o objecto negocial
material…

No que toca ao erro sobre o objecto negocial, convém dilucidarmos que nos
referimos ao objecto material quando falamos na sua identidade ou qualidades
objectivas (nunca subjectivas, caso contrário, 252ºCC), e ao objecto jurídico quando
abordamos o conteúdo do objecto negocial. O erro abrangido pelo 251º CC, em
qualquer das modalidades é relevante nos termos do 247º CC, o preceito que consagra o
erro na declaração. Deste modo, o erro-vício sobre o objecto ou a pessoa do declaratário
só é relevante para fins anulatórios quando este conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante, do motivo sobre que incidiu o erro.

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Confirmado o erro relevante sobre o objecto negocial, na medida em que é


patente para o declaratário, Bento, a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro
(ainda que tudo isto caiba a António provar, segundo o 342º nº1) – não pertencer a Júlio
Pomar mas a Júlia Pumar - passemos aos seus efeitos. Como tal, o NJ padece de um
vício de anulabilidade, arguível por António, o interessado (que tem à sua disposição
todos os meios de prova, segundo o 342º nº1, e s.s., pois trata-se da arguição de um
facto constitutivo de um direito, o direito a arguir a anulação, havendo presunção de
inocência de Bento), nos termos do 254º e do 287º, até 1 ano após a cessação do vício,
ou seja, quando ele teve conhecimento de que o quadro não pertencia a Júlio Pomar e,
como tal, haviam caído em erro, postulando os efeitos retroactivos do 289º, onde Bento
verá nascer na sua esfera jurídica a obrigação de restituir o montante despendido por
António no quadro. Os efeitos da declaração de anulação serão de dúplice ordem,
divididos em atos jurídicos e materiais. Nos primeiros, dar-se-á precisamente, a
destruição da transmissão do direito de propriedade, enquanto nos segundos se dará a, já
referida, restituição das prestações já efectuadas por cada um dos contraentes.

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31. “Noite de copos”

Alberto, durante uma noite de muitos copos, acorda com Benilde a venda do seu
valioso relógio, presente do seu avô, por 20 euros.

a) No dia seguinte, Alberto pretende reaver o seu relógio. Como o poderá fazer?

Tanto poderíamos resolver este caso pela incapacidade acidental, como pela
usura, como pela falta de consciência na declaração, mas avançaremos pelo problema
que se nos afigura como mais óbvio, o da incapacidade acidental de Alberto decorrente
da embriaguez.

Nos termos do artigo 257º, a declaração de Alberto feita pelo mesmo em estado
de embriaguez – onde tem a sua vontade viciada pelo álcool, faltando vontade de acção,
mas não havendo vontade nem consciência da declaração, faltando, por isso, a vontade
funcional – é anulável desde que provado por Alberto que o facto seja notório ou
conhecido do declaratário. Como tal, o NJ padece de um vício de anulabilidade,
arguível por António, o interessado (que tem à sua disposição todos os meios de prova,
segundo o 342º nº1, e s.s., pois trata-se da arguição de um facto constitutivo de um
direito, o direito a arguir a anulação, havendo presunção de inocência de Bento), nos
termos do 254º e do 287º, até 1 ano após a cessação do vício, ou seja, quando ele teve
conhecimento do NJ que fez e, como tal, postulando os efeitos retroactivos do 289º. Os
efeitos da declaração de anulação serão de dúplice ordem, divididos em atos jurídicos e
materiais. Nos primeiros, dar-se-á precisamente, a destruição da transmissão derivada
translativa do direito de propriedade, enquanto nos segundos se dará a restituição das
prestações já efectuadas por cada um dos contraentes, o pagamento do preço e a entrega
do relógio. Benilde poderá, ainda, incorrer em responsabilidade pré-contratual por
violação dos deveres de segurança, por se ter aproveitado da fragilidade de Alberto.

Talvez pela usura o caso fosse melhor resolvido. Na definição avançada pelo
282º nº1 do CC, o NJ diz-se usurário quando alguém, explorando a situação de
necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de
carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de

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benefícios excessivos ou injustificados – o que é precisamente o caso, na exploração da


situação do débil estado mental temporário de Alberto para lhe adquirir o valioso
relógio a preço de saldo. Poderão ser identificados, na usura, requisitos de ordem
subjectiva e objectiva. Nos primeiros, temos situações referentes aos sujeitos do NJ - de
um lado, a necessidade de constatação da inferioridade do declarante (vítima), do outro,
a intenção e a consciência de exploração da mesma por parte do usurário. Nos
elementos objectivos, estamos perante uma análise objectiva dos produtos do NJ, onde,
para estar preenchido este requisito da usura, deverá haver uma excessividade ou
injustificação escandalosa do benefício (do objecto material do negócio, como desde
logo se denota pela secção do CC onde se insere) obtido pelo usurário. Todos estes
requisitos serão averiguados pelo tribunal.

Relativamente às consequências de um NJ viciado pela usura, a solução passará


pela anulabilidade de regime geral do 282º, com as devidas particularidades do 283º
nº1, nomeadamente a possibilidade de modificabilidade do NJ segundo juízos de
equidade. Deve entender-se que a referência à equidade significa, simplesmente, a
entrega do benefício excessivo, repondo, assim, a justiça substantiva do negócio, e
evitando qualquer tentação de sancionar o comportamento do usurário. O n.º 2 do 283º
estabelece que, sendo requerida a anulação, o usurário se oponha aos efeitos impondo a
modificação do negócio, salvaguardando-se, ainda, algum interesse do declaratário na
subsistência do negócio. Por último, quando é que se terá por iniciada a contagem do
prazo de anulação a que o 287º se refere? Ou seja, quando será de considerar o vício
como cessado, ou seja, conhecido? Nessa aferição, não basta que cesse a situação de
inferioridade, mas que o lesado tome efectivo conhecimento da exploração que foi
vítima. A usura, como ato ilícito, dá azo a responsabilidade civil e, quando também
criminal, o prazo de anulação é estendido até à prescrição do correspondente crime, nos
termos do 284º CC.

Neste caso, a solução mais apropriada seria a anulação pura e simples do NJ, nos
termos do 282º, segundo o regime geral do 287º e os efeitos do 289º, já adiantados na
solução pela incapacidade acidental.

b) Será relevante o facto de Alberto ser conhecido “por beber muito, mas sem
nunca perder a compostura, nunca parecendo que está embriagado”.

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A solução jurídica será precisamente a mesma, a única diferença poderia ser na


notoriedade ou não do facto para o declaratário. Se Alberto fosse amigo de Benilde, ela
deveria saber e aí a solução é a mesma do exercício anterior.

Se não fosse, o NJ não poderia ser anulável por não preenchimento do requisito
da incapacidade acidental. O NJ poderia, ainda assim, ser anulado por falta de
consciência na declaração ou por usura, como já referido.

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32. Aval e coacção moral

António é ameaçado por Bento de que caso a sociedade de que é administrador


não pague o que lhe deve, ele irá executar o aval.

António entende que estamos perante uma situação de coacção moral, terá
razão?

Temor reverencial não constitui coacção, como nos diz o 255º nº3. Este traduz-
se no receio de desagradar a certa pessoa de quem se é psicológica, social ou
economicamente dependente, e não há coacção pelo facto da ameaça não ser ilícita, mas
enquadrar-se no exercício normal de um direito. Como é óbvio, se este direito for
excedido, deixa de haver temor reverencial e pode haver coacção moral, ou até usura.
Este exemplo serve para discernir o que se entende por exercício normal ou exercício
abusivo de um direito (anormal).

Neste caso, o pedido de pagamento da divida não é mais do que o exercício de


um direito normal do credor, pelo que não haverá qualquer espécie de coacção moral.
Mas expliquemos porquê…

A coacção moral, compulsiva ou psicológica (vis relativa) distingue-se da


coacção física por não excluir de todo a vontade, mas sim viciá-la. Descreve casos em
que um coactor violenta ou ameaça ilicitamente outrem (coagido) de um certo mal, com
vista a obter uma declaração negocial. Temos assim coacção moral quando, por
exemplo, alguém agride outrem para o levar à celebração de um certo negócio, ou
quando o coactor ameaça alguém de o agredir se ele não emitir certa declaração. A
coacção moral engloba três elementos centrais…

→ Ameaça de um mal – Podemo-nos referir a condutas que


desencadeiem males, como aquelas que mantêm males já iniciados, sendo que este mal
pode referir-se à pessoa, honra ou património do coagido ou de terceiro. Apesar do nº2
do 255º não existir qualquer existência de vínculo entre o coagido e terceiro, Carvalho
Fernandes considera que o preceito não poderá ser interpretado olvidando a sua ratio: é
verdade que a qualidade do terceiro não interfere na aferição da existência da coacção,
mas continua a importar na determinação do requisito geral da causalidade. A

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proveniência da ameaça também poderá advir do declaratário como de terceiros, mas a


sua determinação tem, mais uma vez, decorrências de regime.

→ Ilicitude da ameaça – decorrente do nº1 e nº3 do 255º, a ameaça é


ilícita quando viola a lei civil ou penal, existindo coacção. O n.º 3 ajuda a delimitar o
requisito, pois dele resulta que constitui coacção o exercício anormal ou abusivo do
direito, distinguindo dos casos em que estamos perante um exercício normal de um
direito. A ilicitude poder tanto ser relativa aos meios utilizados como aos fins almejados
pelo coactor.

→ Intencionalidade da ameaça - o coactor, com a ameaça, deve ter em


vista obter a declaração negocial do coagido (255º nº2, in fine), exigindo-se, portanto,
que a ameaça seja cominatória. Falta este elemento se o coagido emitir outra declaração
que não aquela a que a ameaça se dirige, não havendo, nestes casos, coacção relevante.

Posto isto, quais serão os requisitos para a relevância prática da coacção moral?
Tal como no erro qualificado por dolo, é necessário que o medo resulte da ameaça do
mal, e que o medo causado pela ameaça seja a causa da declaração. Como podemos ver,
falamos mais uma vez da dupla causalidade – cuja prova impende sobre quem se queira
valer desse direito (342º nº1). Verificando-se este requisito, a declaração negocial é
anulável, não necessitando de haver, forçosamente, prejuízo para o coagido, ainda que
quase sempre haja. Assim como no erro provocado por dolo, cumpre distinguir, mais
uma vez e como já referido, se o erro provém do declaratário ou de terceiro, sendo o
regime distinto para cada situação…

→ Coactor é o declaratário - basta a dupla causalidade (256º, a contrario sensu).

Neste caso, não está presente o requisito da ilicitude da ameaça, já que o pedido
de cumprimento da dívida e ameaça de execução do património é um direito normal do
credor. Como tal, não haverá coacção moral e António não terá razão.

Vide STJ 13.03.2013 (Fernandes do Vale)

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http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4702dc370314
a61580257b13003dcf9f?OpenDocument&Highlight=0,usura

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33. O taxista

Tendo acordado tarde no dia do teste de Teoria Geral do Negócio – que se


realizou num dia de greve geral de transportes -, António, residente no Saldanha,
chamou um táxi. O motorista, apercebendo-se do desespero de António, só concorda em
transportá-lo à Faculdade por € 75. António, sem alternativa para chegar a tempo (uma
vez que todos os outros táxis estavam ocupados), aceita. No dia seguinte, consulta o seu
advogado com vista a reaver a totalidade da quantia paga. Quid Iuris?

Usura como vícios na vontade (282º a 284º CC). Na definição avançada pelo
282º nº1 do CC, o NJ diz-se usurário quando alguém, explorando a situação de
necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de
carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de
benefícios excessivos ou injustificados.

Este é, precisamente, o caso aqui presente, pois o taxista está explorando a


situação de necessidade e dependência de António fruto da urgência e da ausência de
alternativas para chegar ao exame, para dele obter um benefício excessivo e
injustificado na cobrança do transporte.

Poderão ser identificados, na usura, requisitos de ordem subjectiva e objectiva.


Nos primeiros, temos situações referentes aos sujeitos do NJ - de um lado, a
necessidade de constatação da inferioridade do declarante (vítima), do outro, a intenção
e a consciência de exploração da mesma por parte do usurário. Nos elementos
objectivos, estamos perante uma análise objectiva dos produtos do NJ, onde, para estar
preenchido este requisito da usura, deverá haver uma excessividade ou injustificação
escandalosa do benefício (do objecto material do negócio, como desde logo se denota
pela secção do CC onde se insere) obtido pelo usurário. Que situações englobará cada
requisito de qualificação do NJ como usurário?

→ Elemento subjectivo –Mas que significa isto? Para Carvalho Fernandes, há


uma necessidade de consciência da fraqueza do declarante naquela concreta situação, e
do benefício que a sua exploração poderá conquistar, enquanto para Menezes Cordeiro
“a exploração pode ser objectiva, isto é, pode não implicar o conhecimento da fraqueza
da contraparte”. A anulabilidade destes NJ não será afectada pela iniciativa do negócio

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pertencer, por absurdo, à própria vítima, já que a consciência ou intenção pode advir de
quem quer que seja.

→ Elemento objectivo – Aferida objectivamente, a lesão constata-se quando


haja uma “promessa de concessão de benefícios excessivos” (não necessariamente
“manifestos”, como antes de 1983), ela deverá ser enorme (laesio enormes) e conduzir a
um desequilíbrio inusitado das prestações. Atenção que este benefício extraordinário
não terá, forçosamente, de ser a favor do declaratário, concebendo-se, igualmente, NJ
usurários a favor de terceiros. O declaratário pode explorar a situação de inferioridade
do declarante em seu benefício ou em favor de terceiro, assim como um terceiro pode
explorar a situação de inferioridade em benefício próprio, em benefício do declaratário
ou em benefício de outro terceiro. É, potencialmente, aplicável a regra ultra diminium –
todas as lesões superiores a metade do valor de mercado do bem transaccionado, tornam
o NJ anulável por usura (ex. é assinado um contrato-promessa de compra e venda de um
imóvel por 150 mil euros, quando o seu preço de mercado é de 100 mil euros).

Tudo isto cabe ao tribunal averiguar.

Relativamente às consequências de um NJ viciado pela usura, a solução passará


pela anulabilidade de regime geral do 282º, com as devidas particularidades do 283º
nº1, nomeadamente a possibilidade de modificabilidade do NJ segundo juízos de
equidade. Deve entender-se que a referência à equidade significa, simplesmente, a
entrega do benefício excessivo, repondo, assim, a justiça substantiva do negócio, e
evitando qualquer tentação de sancionar o comportamento do usurário. O n.º 2 do 283º
estabelece que, sendo requerida a anulação, o usurário se oponha aos efeitos impondo a
modificação do negócio, salvaguardando-se, ainda, algum interesse do declaratário na
subsistência do negócio. Por último, quando é que se terá por iniciada a contagem do
prazo de anulação a que o 287º se refere? Ou seja, quando será de considerar o vício
como cessado, ou seja, conhecido? Nessa aferição, não basta que cesse a situação de
inferioridade, mas que o lesado tome efectivo conhecimento da exploração que foi
vítima. A usura, como ato ilícito, dá azo a responsabilidade civil e, quando também
criminal, o prazo de anulação é estendido até à prescrição do correspondente crime, nos
termos do 284º CC.

Nestes termos, António poderá arguir a declaração de anulação ou de


modificabilidade, segundo o artigo 282º e 283º. Fará mais sentido arguir a

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modificabilidade do NJ (283º nº1), segundo juízos de equidade, devolvendo o benefício


excessivo do taxista, repondo, assim, a justiça substantiva do negócio. Se, todavia,
arguir a anulação, ela reger-se-á pelo 282º nº1 segundo o regime geral do 287º,
iniciando-se a contagem do prazo de 1 ano quando cesse a situação de inferioridade e no
momento em que o lesado tome efectivo conhecimento da exploração que foi vítima. O
taxista poder fazer uso do 283º nº2 e opor-se à anulação, preferindo a modificabilidade
já explicitada. Este, poderá ainda incorrer em responsabilidade civil ou criminal pois a
usura é potencialmente crime e, se assim for, o prazo só cessa quando o crime caducar.

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§ 10. DIVERGÊNCIAS ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

35. Matemática para juristas

Artur escreveu uma carta a Bento, propondo-lhe a venda, por 500 euros,
de uma enciclopédia. Esta carta esclarecia que tal preço correspondia ao valor de 50
euros por cada um dos 10 volumes que compunha a enciclopédia.

Bento respondeu nos seguintes termos: “Aceito o valor de cada um dos


10 volumes, pelo que compro por 400 euros.”.

Bento, que se arrependeu da compra, pretende anular o negócio. Terá


fundamento?

Artur enviou uma proposta negocial de um contrato de compra e venda de uma


universalidade de facto (biblioteca) a Bento na forma voluntária de documento
particular – 363º nº1 (carta).

Por proposta contratual, entenda-se a declaração pela qual uma pessoa manifesta
a sua intenção de celebrar determinado negócio, destinando-se a integrar o
correspondente conteúdo se ele vier a celebrar-se. A proposta é, regra geral, uma
declaração recipienda, segunda aproximação adiante explicitada. A proposta contratual,
enquanto declaração negocial unilateral (Menezes Cordeiro e Ferreira de Almeida),
deve reunir as seguintes três (ou quatro) características indispensáveis. Enunciemo-las,
para, de seguida, as desenvolvermos:

→ Completa e precisa

→ Firme

→ Formalmente adequada

Averiguamos que a proposta reúne todos estes requisitos, mas avancemos com a
definição sumária de cada um deles.

Pedro da Palma Gonçalves Página 201


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→ Completude – Cada contrato dispõe de um texto (ou conteúdo) que é


composto pelo conjunto de elementos constantes das respectivas cláusulas. Ora, decorre
do 232º que só há proposta se ela se apresentar como iniciativa contratual completa, ou
seja, como projecto acabado do contrato que o proponente tenciona celebrar. Caso o
contrato seja atípico, a proposta deve conter uma regulamentação racional, fechada e
compreensível do negócio a celebrar.

→ Precisão - A proposta, uma vez aceite, não pode deixar dúvidas sobre os
elementos componentes do contrato celebrado, mas este requisito não deve, todavia, ser
exacerbado.

→ Firmeza - A proposta deve ser reveladora de uma vontade clara, séria e


definitiva de contratar, mas não um grau especial de seriedade e de consciência para lá
daqueles que são exigidos para a existência de uma qualquer declaração negocial.

→ Adequação formal – Finalmente, a proposta deve ser dotada de forma


suficiente para a formação do contrato a que vai dirigida.

Supondo que todos os prazos de vigência foram respeitados, a carta tornou-se


eficaz na esfera jurídica de Bento 3 dias depois.

A resposta que Bento deu à proposta contratual de Artur constituiu a aceitação


que representou o encontro de vontades e formou o contrato de compra e venda (232º).

É verdade que houve um erro na declaração…

Há erro na declaração quando alguém, por lapso, manifesta uma vontade que
não corresponde à sua vontade real. Sublinhe-se a importância do “lapso”, como
plataforma da não intencionalidade do erro: o declarante pretendia manifestar a sua
vontade em termos adequados, mas há uma circunstância acidental e alheia à sua
vontade que o impede de o fazer, como um engano na identificação do prédio objecto
do NJ, ou na indicação do valor do preço. Os mais comuns são os chamados erros
materiais (mecânicos, lapsus linguae e afins), ou por desconhecimento da língua.

Mas esse erro é ostensivo ou cognoscível, pelo que não é relevante para fins
anulatórios, na medida em que é solúvel pelas regras da interpretação constantes do
236º - declaratário normal apercebe-se que após Bento dizer que aceita o valor de cada
um dos 10 volumes, não poderá estar a querer dizer 400 euros, mas 500.

Pedro da Palma Gonçalves Página 202


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→ Erro ostensivo ou cognoscível – o erro não é conhecido do declaratário, mas é


apreensível pelos próprios termos da declaração ou das circunstâncias em que ela é
emitida, sendo que qualquer pessoa normalmente (236º) atenta pode deduzir, de tais
elementos, a vontade real. O seu regime é, em tudo, similar ao do erro conhecido,
invocando-se, mais uma vez, o 236º que dá a validade ao NJ segundo a vontade real do
declarante.

Posto isto, não haverá erro relevante e Bento não poderá anular o NJ, pelo
menos fazendo uso do erro na declaração, só poderá ser outro qualquer vício afectar o
NJ, outro qualquer a que não teremos acesso pelo enunciado.

Pedro da Palma Gonçalves Página 203


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36. Simulação e forma

Em Agosto de 2000, António diz ao seu colega Bento: “Recebi de herança um


Malhoa e um Vieira da Silva. Cada um avaliado em cerca de 250.000 euros. Vendo-te
um deles – aquele que quiseres.”.

Bento responde: “Fico com o Malhoa. E, já agora, em vez de dinheiro, entrego-


te o meu apartamento da Praia da Luz”; ao que António respondeu: “Bom negócio!
Combinado!”.

Passado um ano, em Agosto de 2001, António sugere a Bento: “o negócio do


Malhoa está feito. Mas é de ficar preto no branco, pelo que convém irmos a um notário.
Já agora, avaliemos o Malhoa em 100.000 euros, para que poupe alguns impostos”. Em
setembro de 2001 é lavrada a escritura.

Passados cinco anos, António é contactado por Carlos, coleccionador de arte


que, julgando-o dono do Malhoa, lhe oferece 600.000 euros.

António vem agora invocar a invalidade do contrato titulado pela escritura,


alegando ser proprietário do quadro para o vender a Carlos. Quid iuris?

Estamos perante um problema jurídico de simulação, regulado pelos 240º-243º


CC. Analisemo-lo, então…

C/V imóvel simulada por 300 000 euros

António <----------------------------------------------------------------------------------
Bento

C/V imóvel dissimulada por 500 000 euros

- - - - - - - - - - -
-

Carlos (preferente do imóvel)

Pedro da Palma Gonçalves Página 204


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37. Preferente “esperto”

António e Bento outorgaram, por escritura pública, a compra e venda de um


imóvel sito na praia de Moledo por 300.000 euros. Na verdade, António pagou 500.000
euros, sendo o preço declarado por ambos na escritura mais baixo, de forma a pagar
menos IMT.

Carlos, titular de um direito de preferência, tendo tido conhecimento do negócio,


mas nada sabendo das combinações de bastidores entre António e Bento, pretende
adquirir o imóvel por 300.000 euros. Quid iuris?

Estamos perante um problema jurídico de simulação, regulado pelos 240º-243º


CC. Analisemo-lo, então…

C/V imóvel simulada por 300 000 euros

António <----------------------------------------------------------------------------------
Bento

C/V imóvel dissimulada por 500 000 euros

- - - - - - - - - - -
-

Carlos (preferente do imóvel)

Carlos tem direito a que Bento lhe dê preferência na C/V do imóvel


transaccionado com António, segundo as condições que ele estipulou para o NJ
simulado com António, tendo também direito de tomar efectivo conhecimento
antecipado dessas condições. Carlos tem um direito de preferência sobre o imóvel de
Bento.

Carlos tem interesse em valer-se da validade do NJ simulado, prevalecer-se face


à sua nulidade.

Este direito de preferência pode ter duas fontes…

→ Lei (arrendatário)

Pedro da Palma Gonçalves Página 205


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→Convenção (pacto de preferência)

Carlos deverá, então, intentar uma acção de preferência (legal) em tribunal,


pretendendo substituir-se a António na C/V pelas condições declaradas na escritura
pública (300 mil), declaradas nas certidões do cartório notarial - valor inferior ao
efectivamente praticado entre António e Bento.

António e Bento alegarão que o valor é de 500 mil euros, o valor efectivamente
pago para a C/V do imóvel de Bento. Carlos dirá que nada tem a ver com isso, pois o
valor declarado na escritura pública é outro.

António dirá a C/V foi simulada, padecendo de um vício de nulidade, pois


encobre o NJ efectivamente querido e praticado, o dissimulado, por 500 mil euros.
Estamos perante uma simulação relativa de valor do negócio. Ele, então, diria: senhor
juiz! Declare o NJ simulado nulo e deixe a descoberto o verdadeiro negócio, o por 500
mil euros, para que Carlos possa exercer o direito de preferência por 500 mil euros.

Haverá simulação? Analisemos o 240º…

→ Pactum simulationis

→ Intenção de enganar terceiros (animus decipiendi)

→ Divergência entre a vontade real e a vontade declarada

Poderá ainda ser classificada como simulação objectiva de valor, fraudulenta


(enganar o Fisco) e, como já referida, simulação relativa.

Dá-se, então, um conflito entre os simuladores e o terceiro, na medida em que os


primeiros querem invocar a nulidade e o segundo quer prevalecer-se da nulidade do
negócio simulado, para se substituir a António na C/V do imóvel através do direito de
preferência. A uns interessa a declaração de nulidade, e a outro não interessa.

Enveredamos agora pelos problemas da prova, na medida em que impende sobre


quem invoque a nulidade, António e Bento, o ónus de provar a existência da simulação,
para que o NJ simulado seja declarado nulo e Carlos possa exercer o direito de
preferência pelo preço estipulado na escritura, substituindo-se a António. Qual é então o
regime da prova do negócio simulado e dissimulado para terceiros?

Pedro da Palma Gonçalves Página 206


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→ Prova do negócio simulado e do negócio dissimulado pelos simuladores – A


primeira nota a fazer, é adiantar que o regime a aplicar é o mesmo, independentemente
de saber se os simuladores pretendem invocar a simulação entre si ou perante terceiros.
Neste caso, pretende-se invocar perante terceiros. A prova da simulação e do negócio
dissimulado pelos simuladores está sujeita às limitações dos nº 1 e 2 do artigo 394º do
CC e, indirectamente, do 351º do CC: proibição da prova testemunhal e por presunções
judiciais, só sendo permitida a prova por confissão (neste caso pouco credível, como
adiante se diz…), a prova documental e, ainda que pouco significativa, a prova pericial.
A confissão, por requerer a colaboração de ambos os simuladores, torna-se mais
complicada, enquanto a prática de contradeclarações não é comum no nosso
ordenamento. Todo isto torna a prova dificultada.

Um aprofundamento há a fazer quanto à interpretação do 394º CC. A sua razão


de ser redunda na maior fiabilidade da prova documental, face à fragilidade
característica da prova testemunhal. Durante um primeiro momento, o entendimento
dominante foi o literal, interditando na íntegra tanto presunções legais como provas
testemunhais. Todavia, um entendimento muito rigoroso da proibição do 394º poderia
deixar um dos simuladores nas mãos do outro, facilitando o aproveitamento iníquo por
um dos simuladores da aparência criada pela simulação. Para evitar este resultado,
Carvalho Fernandes defende uma interpretação restritiva do 394º, permitindo o uso da
prova testemunhal e das presunções judicia como meios complementares da prova
documental, nunca como meios probatórios exclusivos, para determinar o sentido das
declarações contidas em documento ou, mesmo, para contribuir para o juiz formar a
convicção da existência da simulação, quando a prova documental apenas a permitisse
ter como plausível.

Se A e B obtiverem sucesso na prova da simulação e da arguição da nulidade,


ela será, oponível ou inoponível a terceiros, ou seja, a Carlos (289º, 291º, 243º)?

Ao contrário do que a princípio pode parecer, nem sempre a posição de terceiros


traduz, necessariamente, o interesse em atacarem o negócio simulado, demonstrar o seu
vício e repor a realidade por ele encoberta. Certos terceiros podem ter interesse em se
valer do negócio simulado, como se ele fosse verdadeiro e nunca nenhum vício tivesse
sobrevindo. É este o caso! Ou seja, há casos em que a tutela de terceiros é assegurada
através da impossibilidade de lhes ser oposta a nulidade do negócio simulado. Exemplo

Pedro da Palma Gonçalves Página 207


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de terceiros interessados na nulidade do negócio são, por exemplo, os sub-adquirentes


do vendedor simulado, e exemplo de terceiros interessados na manutenção do negócio
simulado são, por exemplo, os sub-adquirentes do simulador comprador (ver,
atentamente, pp. 331 Carvalho Fernandes). O regime geral é o da oponibilidade na
nulidade (289º CC) mas analisaremos as excepções do 243º CC…

Fundamentalmente este último artigo é de valor, na medida em que


estabelece o regime especial prevalecente no lugar do, muito mais exigente, 291º CC.
Ao contrário desse preceito, a tutela dos terceiros é muito mais forte e muito mais
facilitada na simulação, bastando-se o seu estado de boa-fé. De salientar que os
conceitos de boa-fé do 243º e do 291º não são inteiramente coincidentes. Segundo o
artigo 291º nº3 é considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da
aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável (boa-fé
subjectiva ética). Por seu turno, o artigo 243º considera irrelevante o desconhecimento
culposo da simulação pelo terceiro, bastando que o terceiro ignore, de facto, a simulação
(boa-fé subjectiva psicológica). Por conseguinte, o terceiro de boa-fé pode prevalecer-se
do NJ simulado, como se ele fosse imaculado, verdadeiro e válido, mas Carlos não é um
terceiro de boa-fé! Já perceberemos porquê.

Mas quem estará abrangido por este regime? Só os que sofreriam um prejuízo
caso vissem o NJ simulado invalidado, como o sub-adquirente do simulador comprador
em caso de simulação absoluta? Ou também aquelas que tiram vantagem da sua
validade e que sofrem uma desvantagem se ele for invalidado e os efeitos desta lhes
forem oponíveis, como nos casos de simulação de valor em que o terceiro preferente
perde o benefício de preferir pelo preço (necessariamente mais baixo) do negócio
simulado? Ou, pura e simplesmente, todos, incluindo os que meramente perdem um
benefício? Esta última resposta é a que melhor se adequa à letra e história do preceito,
ainda que com ressalvas. O entendimento correto redunda na compreensão teleológica
do consignado no 243º CC – impedir que a invalidação do acto simulado venha pôr em
causa direitos adquiridos por terceiros de boa-fé, na medida em que o terceiro não deve
ser prejudicado pelo facto de o simulador invocar a sua própria torpeza. Aqui entra a
ressalva: tais razões não valem no caso de o terceiro apenas tirar vantagem da
manutenção do NJ simulado, pois o aproveitamento do terceiro seria também
censurável. Mesmo se Carlos estivesse de boa-fé, apenas não tem o benefício do
desconto de 200 mil euros. Por tudo isso, ele não pode ser considerado terceiro de boa-

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fé, tal facto seria censurável! O regime do 243º nº1 não é, então, aplicável a Carlos, pelo
que a declaração de nulidade é-lhe oponível, não podendo ele substituir-se a António no
NJ por 300 000 euros (pois é nulo), mas somente por 500 mil euros (NJ dissimulado).

A declaração de nulidade da simulação arguida por António e Bento é, assim,


oponível a Carlos – o negócio não é somente nulo entre os simuladores, mas é também
nulo para terceiros -, que exercerá, obrigatoriamente, o direito de preferência pelo valor
real, os 500 mil euros pagos entre António e Bento no negócio dissimulado válido.

Mas tudo isto pressupõe que o NJ dissimulado entre António e Bento seja
válido. Mas será? Tudo dependerá de preencher, ou não, os requisitos de substância e
forma comuns a qualquer outro NJ.

Aqui, o 241º nº2, quando aplicado a negócios dissimulados para cuja celebração
a lei exija documento autêntico ou particular autenticado, não pode ser interpretado no
sentido de exigir que o próprio negócio dissimulado seja celebrado pela forma
legalmente prevista para o tipo negocial em causa, se assim fosse, o preceito conduziria
à invalidade sistemática do negócio dissimulado, quando a forma legal exigida para este
fosse a escritura pública ou o documento particular autenticado. Só se fossem parvos é
que estariam a revelar, perante uma autoridade pública, todo o esquema que pretendem
montar para dissimular o verdadeiro negócio! Por exemplo, se A e B celebram por
escritura pública uma compra e venda simulada de um imóvel, para encobrirem uma
doação (negócio dissimulado), é evidente que não vão celebrar por escritura pública ou
documento particular autenticado o contrato de doação, pois, se o fizessem, estariam a
revelar o negócio que pretenderam esconder com a simulação – cominando a sua
invalidade.

Desta forma, e para solucionar estes problemas, deve-se ter em conta o regime
do âmbito da forma legal (221º CC, já estudado). Para que o NJ dissimulado formal
cumpra os requisitos de forma basta somente que os elementos do negócio dissimulado
para os quais seja determinante a exigência da forma legal constem de documento que
revista as formalidades exigidas por lei para o negócio dissimulado (após o apuramento
das razões subjacentes à exigência de forma, e da sua aplicabilidade, ou não às
estipulações essenciais ou acessórias em causa). Esse documento poderá ser o próprio
documento onde se consubstancia o negócio simulado ou qualquer outro documento.
Caso não seja encontrado nenhum documento onde concorram tais elementos, o NJ

Pedro da Palma Gonçalves Página 209


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dissimulado formal é nulo. Atenção que inoponibilidade não significa convalidação. O


NJ continua a ser nulo, mas somente nas relações entre os simuladores.

Neste caso, da escritura pública constam todos os requisitos de forma e de


substância, pelo que o NJ dissimulado é válido (241º nº2).

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38. Preferente “enganado”

António e Bento outorgaram, por escritura pública, a compra e venda de um


imóvel sito na praia de Moledo por 1.000.000 de euros. Na verdade, António pagou
apenas 300.000 euros, sendo que o preço declarado na escritura foi mais alto do que
efectivamente pago para evitar que Carlos, preferente, pudesse exercer o seu direito.
Como poderá Carlos reagir depois de ter descoberto a artimanha de António e Bento?

Estamos perante um problema jurídico de simulação, regulado pelos 240º-243º


CC. Analisemo-lo, então…

C/V imóvel simulada por 1 000 000 euros

António <----------------------------------------------------------------------------------
Bento

C/V imóvel dissimulada por 300 000 euros

- - - - - - - - - - -

Carlos (preferente do imóvel)

Carlos apercebe-se do esquema orquestrado pelos simuladores, tendo ele direito


a que Bento lhe dê preferência na C/V do imóvel transaccionado com António.

Carlos tem interesse em valer-se da nulidade do NJ simulado, prevalecer-se da


validade do NJ dissimulado.

Este direito de preferência pode ter duas fontes…

→ Lei (arrendatário)

→Convenção (pacto de preferência)

A quantia de 1M de euros é para dissuadir Carlos de exercer o direito de


preferência, que poderá ter dito que por 1M nunca compraria o imóvel de Bento. Carlos,
mais tarde, descobre que o valor real da C/V foi de 300 mil euros. Que poderá Carlos
fazer? Ao contrário do caso anterior, Carlos, o terceiro, não tem interesse na
manutenção do NJ simulado para se substituir a António na C/V fazendo uso do direito

Pedro da Palma Gonçalves Página 211


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de preferência e da inoponibilidade a terceiros. Carlos tem, sim, interesse em destruir a


mentira (provar a sua nulidade) do NJ simulado, pôr a descoberto o NJ dissimulado e,
valendo-se da oponibilidade da declaração de nulidade da simulação a terceiros,
substituir-se a António na C/V do imóvel por 300 000 mil euros. Que poderá fazer,
então?

Carlos deverá, então, intentar uma acção de preferência (legal) em tribunal,


pretendendo substituir-se a António na C/V pelas condições declaradas no NJ
dissimulado (300 mil), valor muito inferior ao declarado por António e Bento. Para tal,
deverá fazer prova da nulidade do NJ simulado intentando por a descoberto o NJ
dissimulado.

Haverá simulação? Analisemos o 240º…

→ Pactum simulationis

→ Intenção de enganar terceiros (animus decipiendi)

→ Divergência entre a vontade real e a vontade declarada

Poderá ainda ser classificada como simulação objectiva de valor, fraudulenta


(enganar o Fisco) e, como já referida, simulação relativa.

Constatamos que os requisitos do 240º estão preenchidos.

Nestes termos, Carlos é qualificável como um interessado nos termos do 242º


nº1 e 286º CC. Qual o regime de prova para terceiros interessados? O âmbito é muito
mais liberal do que entre simuladores…

→ Prova do negócio simulado e do negócio dissimulado por terceiros – Quanto


a todos os estranhos ao NJ simulado, a prova é bastante mais facilitada, não existindo
qualquer tipo de restrições como as do 394º nº1 e nº2. Todos os meios de provas são
admitidos, e tamanha liberalidade justifica-se por imperativos de ordem pública e,
ainda, pelo difícil acesso de terceiros, ao contrário dos simuladores, a provas
documentais comprovativas da simulação.

Pedro da Palma Gonçalves Página 212


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Se Carlos conseguir demonstrar a simulação, o NJ simulado é declarado nulo.


Mas que dizer da validade do NJ dissimulado? É a validade deste que mais interessa a
Carlos, caso contrário não poderá exercer o direito de preferência, já que a invalidade do
NJ dissimulado não deixará a Carlos qualquer negócio para preferir (nulidade do NJ
simulado é-lhe oponível, tal como no exercício anterior, pois ele nunca seria um terceiro
de boa-fé, e NJ dissimulado inválido também lhe seria oponível neste caso, e ninguém
pode preferir algo inválido). A única hipótese que tem de se valer do direito de
preferência, é provar a validade do NJ dissimulado.

241º postula que a nulidade do NJ simulado não arrasta consigo o NJ


dissimulado.

O negócio dissimulado não é afectado no seu valor jurídico, pela simulação, mas
sim apreciado em si mesmo como um NJ comum, como se não houvesse qualquer
dissimulação. Desta forma, será válido ou inválido (anulável, nulo, inexistente)
consoante preencha os requisitos de validade que a lei exige para um negócio do seu
tipo. Quanto a requisitos substanciais, nada indica que estejam em falta (por exemplo,
vícios na vontade). Mas e os requisitos formais (forma, tipo negocial, objecto e
sujeitos)?

Aqui, o 241º nº2, quando aplicado a negócios dissimulados para cuja celebração
a lei exija documento autêntico ou particular autenticado, não pode ser interpretado no
sentido de exigir que o próprio negócio dissimulado seja celebrado pela forma
legalmente prevista para o tipo negocial em causa, se assim fosse, o preceito conduziria
à invalidade sistemática do negócio dissimulado, quando a forma legal exigida para este
fosse a escritura pública ou o documento particular autenticado. Só se fossem parvos é
que estariam a revelar, perante uma autoridade pública, todo o esquema que pretendem
montar para dissimular o verdadeiro negócio! Por exemplo, se A e B celebram por
escritura pública uma compra e venda simulada de um imóvel, para encobrirem uma
doação (negócio dissimulado), é evidente que não vão celebrar por escritura pública ou
documento particular autenticado o contrato de doação, pois, se o fizessem, estariam a
revelar o negócio que pretenderam esconder com a simulação – cominando a sua
invalidade.

Desta forma, e para solucionar estes problemas, deve-se ter em conta o regime
do âmbito da forma legal (221º CC, já estudado). Para que o NJ dissimulado formal

Pedro da Palma Gonçalves Página 213


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cumpra os requisitos de forma basta somente que os elementos do negócio dissimulado


para os quais seja determinante a exigência da forma legal constem de documento que
revista as formalidades exigidas por lei para o negócio dissimulado (após o apuramento
das razões subjacentes à exigência de forma, e da sua aplicabilidade, ou não às
estipulações essenciais ou acessórias em causa). Esse documento poderá ser o próprio
documento onde se consubstancia o negócio simulado ou qualquer outro documento.
Caso não seja encontrado nenhum documento onde concorram tais elementos, o NJ
dissimulado formal é nulo.

Como tal, se da escritura pública do NJ simulado constarem todos estes


requisitos essenciais (forma, tipo, objecto e sujeitos) quanto à forma (221º- âmbito da
forma legal), então o NJ simulado é válido. O NJ dissimulado e o seu documento foram
aproveitados para tornar o NJ dissimulado válido! Assim, Carlos terá direito a
substituir-se a António e a preferir o NJ por 300 000 euros.

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§ 11. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

39. O Caso do Menu (Speissekartfall)

António pretende pregar uma partida ao seu amigo Bentos, proprietário de um


famoso restaurante. Para o efeito, produziu uma réplica da carta de vinhos com preços
muito abaixo do valor corrente.

Numa das suas habituais idas ao restaurante, deixa lá o menu falso. Momentos
depois, esse menu é entregue na mesa de Carlos que, vendo na lista uma garrafa de
Henri Jayer Richebourg Grand Cru de 1986 a bom preço – António decidiu que essa
garrafa iria custar apenas 1000 euros, em vez dos originais 11 000 euros –, decidiu
pedir.

No fim do jantar, a Carlos é cobrado o valor original, constante dos restantes


menus. Carlos entende que não tem de pagar tal valor. Quid iuris?

Todo este problema tem a sua resolução adstrita ao artigo 236º, onde se
estabelecem as regras da interpretação negocial. O tal artigo consagra o regime geral de
consagração da importância da vontade e da declaração no nosso ordenamento. Há
quem identifique nele uma visão objectivista, presente no nº1, e outros, como Carvalho
Fernandes, que dão maior relevo ao nº2 onde se dá prevalência à vontade real, sempre
que conhecida. Qual será a vertente preponderante no nosso CC?

→ Posição de Carvalho Fernandes – Numa tentativa de “fusão” de aspectos


construtivos de diversas teorias mas, mais precisamente, da teoria da responsabilidade
de Scialoja e do valor ou validade de Larenz, Carvalho Fernandes reconhece que o NJ é
primordialmente um ato de vontade e que este aspecto não pode deixar de moldar todo o
seu regime jurídico geral. Contudo, a vontade não pode valer por si, dependendo
incindivelmente da declaração para fazer-se valer, ser-se dada a conhecer e actuar nas
esferas jurídicas alheias. Mas a declaração não é mera manifestação de vontade, pois a
vontade corporiza-se na declaração, formando um rijo dorso que enforma o núcleo do
negócio. Então, se a vontade tem de ser, acima de tudo, a causa dos efeitos jurídicos do
NJ, a declaração é uma condicionante absoluta da relevância da vontade, daí o grande
poder da declaração. Mas até onde irá esse poder, essa relevância? Cumpre esclarecer

Pedro da Palma Gonçalves Página 215


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que a selecção do meio ou comportamento declarativo é inteiramente da


responsabilidade livre do autor da declaração, devendo este assegurar a apropriada
tradução dos seus interesses. Este é o chamado ónus de adequada expressão da vontade,
uma das vertentes das modernas teorias da vontade. Portanto, o valor do NJ, segundo a
declaração emitida e pela qual o declarante é responsável, é algo com que o autor da
declaração não pode deixar de contar. Vista a perspectiva do autor, há que analisar o
declaratário. Este pode, fruto do ónus suportado pelo declarante, razoavelmente confiar
que escolheu o meio mais adequado para comunicar a sua vontade e, por isso, ter como
válido o sentido objectivo do respectivo ato negocial. Porém, a protecção não se
encontra tão desnivelada como até aqui aparenta, na medida em que incumbe
igualmente ao declaratário um ónus de diligência no entendimento da declaração (ónus
de adequado entendimento), que lhe impõe a necessidade de usar de razoável cuidado e
atenção no apuramento da intenção do declarante, segundo as circunstâncias relevantes
da declaração. Há uma anteposição “ónus-contra-ónus” na relação entre as partes do
negócio, pois tal como o declarante está na posse de todos os meios declarativos,
também o declaratário está na possibilidade de se informar sobre a intenção e interesse
do autor da declaração, mediante os recursos de um declaratário normal. Concluindo,
cumpre finalmente uma resposta à questão da divergência vontade-declaração: nesta
situação deve prevalecer, não o sentido percebido ou favorável ao destinatário por
imperativos de boa-fé, mas o sentido da declaração perceptível pelo homem médio
(236º CC, “reasonable man”), usando dos cuidados e da atenção exigíveis a quem
recebe aquela declaração negocial. De salientar, ainda, que o sentido perceptível só
pode ser atendido se for imputável ao declarante, como postula o final do referido
artigo. Mas o que sucede se o sentido naturalmente apreendido pelo declaratário for de
todo inconciliável com o sentido imputável ao declarante? A situação é deveras
improvável, pois ambos os sentidos são perscrutados segundo critérios objectivos de
diligência, sagacidade e informação mas, nesse caso o NJ deve ser considerado nulo por
indeterminabilidade do conteúdo (224º nº3, 280º), na medida em que a prevalência de
um outro sentido seria insustentavelmente onerosa para a contraparte do negócio.

O problema redunda precisamente neste último ponto – 236º nº1 in fine, na


medida em que o conteúdo da proposta mediante oferta ao público (ementa) não é, de
todo, imputável ao SUPOSTO declarante, o restaurante, nem o seu sentido subjectivo,
irreconhecível, nem o seu sentido objectivo. Neste caso o NJ deve ser considerado

Pedro da Palma Gonçalves Página 216


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inexistente juridicamente – ou nulo por indeterminação de conteúdo na medida em que


não há um verdadeiro consenso (232º) nos termos do aparente contrato celebrado. Nada
existe, de todo, pelo que Carlos não se verá adstrito ao pagamento de 11 mil euros.

Contudo, foi celebrado um contrato de compra e venda (874º) consensual não


solene válido de um vinho entre Carlos e o restaurante pelo preço de 1000 euros, valor
que Carlos terá sempre de pagar, na medida em que houve uma proposta contratual
(oferta ao público) completa e precisa, formalmente adequada e firme – sempre
atribuível pelo declaratário médio ao restaurante – e uma aceitação por Carlos, o cliente,
onde se deu o encontro de vontades que formou o contrato (232º) transferindo o direito
de propriedade, nascendo na esfera jurídica do restaurante a obrigação de entrega da
coisa (vinho) e um direito de crédito sobre o preço, e na esfera de Carlos a adstrição à
obrigação de pagamento do preço - (879º).

António deverá, ainda, incorrer em responsabilidade civil extracontratual, por


violação de deveres genéricos e presunção de inocência (487º) onde terá de indemnizar
o restaurante (Bento’s) por lucros cessantes à custa da brincadeira de António (483º,
562º e 566º).

Pedro da Palma Gonçalves Página 217


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40. O caso haakjöringsköd (RGZ 99, 147 e ss.)

António, comerciante de peixe, enviou uma nota de encomenda a Olaf Bento


Ingmar, pescador norueguês, de uma tonelada haakjöringsköd, ou seja, carne de tubarão,
quando, na verdade, queria encomendar de baleia. António queria baleia, mas o seu
norueguês não é fantástico, e Olaf Bento Ingmar quer e sempre quis vender baleia. Com
que sentido deve valer este contrato?

Estamos perante um erro na declaração…

Saímos agora do campo das divergências intencionais enganosas, para


enveredarmos pelo campo de análise das divergências não intencionais entre a vontade e
a declaração. Comecemos pelo erro na declaração, a sua modalidade mais importante.
Neste caso já não falamos, como anteriormente, a propósito, por exemplo, do medo, de
erros vícios na formação da vontade, mas sim em erros obstáculos, erros obstativos na
declaração. Desta forma, há erro na declaração quando alguém, por lapso, manifesta
uma vontade que não corresponde à sua vontade real. Sublinhe-se a importância do
“lapso”, como plataforma da não intencionalidade do erro: o declarante pretendia
manifestar a sua vontade em termos adequados, mas há uma circunstância acidental e
alheia à sua vontade que o impede de o fazer, como um engano na identificação do
prédio objecto do NJ, ou na indicação do valor do preço. Os mais comuns são os
chamados erros materiais (mecânicos, lapsus linguae e afins), ou por desconhecimento
da língua – é precisamente, este último, o caso aqui presente.

Nestes termos, há que distinguir se a vontade real era, ou não conhecida,


cognoscível ou desconhecida do declaratário.

Se o erro for conhecido - quando o declaratário sabe a vontade real do declarante


e, desde logo, identifica a existência de erro na declaração. O seu regime redunda, não
no regime do erro, mas através da aplicação dos critérios gerais de interpretação do NJ
(236º), pelo que o negócio vale de acordo com a vontade real, como consignado pelo
nº2 do referido preceito. Como tal, o erro é irrelevante e o negócio válido segundo a
vontade real do declarante. Este regime torna-se mais complexo quando estamos perante
negócios formais (238º) – vendida carne de baleia.

Pedro da Palma Gonçalves Página 218


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→ Erro ostensivo ou cognoscível – o erro não é conhecido do declaratário, mas é


apreensível pelos próprios termos da declaração ou das circunstâncias em que ela é
emitida, sendo que qualquer pessoa normalmente (236º) atenta pode deduzir, de tais
elementos, a vontade real. O seu regime é, em tudo, similar ao do erro conhecido,
invocando-se, mais uma vez, o 236º que dá a validade ao NJ segundo a vontade real do
declarante – vendida carne de baleia.

→ Erro não conhecido nem ostensivo – quando de nenhum elemento da


declaração negocial se possa conhecer ou deduzir o verdadeiro sentido da mesma, para
lá do erro (que não se sabe que existe). Chegados ao regime do erro não conhecido,
entramos nos verdadeiros casos de erros na declaração, na medida em que nos outros as
regras de interpretação do NJ solucionam o problema tornando do erro irrelevante. É
aqui que entram em acção os regimes do 247º e 248º. Esse mesmo regime justifica-se
por imperativos de tutela dos interesses do declaratário, que não conhece nem deve
conhecer a vontade real do declarante.

Quais são, então, os requisitos de relevância do erro não conhecido? O 247º fixa
dois (aferidos pelo tribunal, claro está): a essencialidade, para o declarante, do elemento
(preço, objecto material ou jurídico do negócio) sobre que recaiu o erro, E o
conhecimento dessa essencialidade, ou dever de não a ignorar, por parte do declaratário.
O primeiro, a essencialidade, traduz-se na necessidade do erro incidir sobre um
elemento decisivo para a intenção de celebrar o NJ. Esta pode ser, ainda, absoluta,
quando influi na decisão de celebrar o negócio em si mesmo, ou relativa, quando apenas
influi nos termos em que o negócio é concluído. O segundo refere-se à essencialidade
do elemento sobre que recaiu o erro, e já não o erro em si. Não é exigido que o erro seja
desculpável, mas, quanto menos o for, mais difícil será para a contraparte se aperceber
do mesmo, pelo que é o melhor é observar, ao máximo, o ónus de adequada expressão.

Quando estes dois requisitos estiverem preenchidos temos um erro na declaração


não conhecido relevante e o 247º determina a sua anulabilidade. Esta seguirá o regime
geral do 287º, mas com possibilidade de validação do NJ viciado segundo a vontade
real do declarante nos termos do 248º, modificando o declaratário o NJ segundo a
vontade do declarante em erro. Se se convalidar por iniciativa do declaratário, a sua
anulabilidade por parte do declarante ficará inviabilizada para futuro.

Pedro da Palma Gonçalves Página 219


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41. “O caso das camas de hotel” (Hotelbetten-Fall)

António enviou o seguinte e-mail para o Hotel Ritz:

“Quero reservar dois quartos com três camas, para a noite de 31 de Dezembro de
2015.”

Ao que o Ritz respondeu, também por e-mail:

“A sua reserva foi efectuada, muito obrigado pela sua preferência.”

António queria reservar dois quartos, um com duas camas e um com uma
cama. No entanto, quando chegou ao hotel, deparou-se com a reserva de dois quartos,
cada um com três camas, num total de seis. Com que sentido deve valer este negócio?

Aqui não é, de todo, apreensível pelo declaratário médio (236º) o sentido da


declaração, pelo que não poderá ser conhecido nem cognoscível.

→ Erro não conhecido nem ostensivo – quando de nenhum elemento da


declaração negocial se possa conhecer ou deduzir o verdadeiro sentido da mesma, para
lá do erro (que não se sabe que existe). Chegados ao regime do erro não conhecido,
entramos nos verdadeiros casos de erros na declaração, na medida em que nos outros as
regras de interpretação do NJ solucionam o problema tornando do erro irrelevante. É
aqui que entram em acção os regimes do 247º e 248º. Esse mesmo regime justifica-se
por imperativos de tutela dos interesses co declaratário, que não conhece nem deve
conhecer a vontade real do declarante.

Quais são, então, os requisitos de relevância do erro não conhecido? O 247º fixa
dois: a essencialidade, para o declarante, do elemento (preço, objecto material ou
jurídico do negócio) sobre que recaiu o erro E o conhecimento dessa essencialidade, ou
dever de não a ignorar, por parte do declaratário. O primeiro, a essencialidade, traduz-se
na necessidade do erro incidir sobre um elemento decisivo para a intenção de celebrar o
NJ. Esta pode ser, ainda, absoluta, quando influi na decisão de celebrar o negócio em si
mesmo, ou relativa, quando apenas influi nos termos em que o negócio é concluído. O
segundo refere-se à essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro, e já não o erro
em si. Não é exigido que o erro seja desculpável, mas, quanto menos o for, mais difícil
será para a contraparte se aperceber do mesmo, pelo que é o melhor é observar, ao
máximo, o ónus de adequada expressão.

Pedro da Palma Gonçalves Página 220


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Se se provar a verificação destes dois requisitos, temos um erro na declaração


não conhecido relevante e o 247º determina a sua anulabilidade. Esta seguirá o regime
geral do 287º, mas com possibilidade de validação do NJ viciado segundo a vontade
real do declarante nos termos do 248º, modificando o declaratário o NJ segundo a
vontade do declarante em erro. Se se convalidar por iniciativa do declaratário, a sua
anulabilidade por parte do declarante ficará inviabilizada para futuro.

Pedro da Palma Gonçalves Página 221


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42. A biblioteca

Por testamento, o senhor António, ilustre historiador, legou ao seu grande


amigo Bento, engenheiro mecânico, a sua “biblioteca”. Em rigor, António, entre
familiares e amigos próximos, referia-se à sua adega particular como a “biblioteca”. Os
filhos de António, pouco interessados nos livros e mais interessados nos vinhos,
pretendem entregar a Bento os livros e guardar as garrafas, alegando que “uma
biblioteca, como está escrito no testamento, é um conjunto de livros e não um conjunto
de garrafas”. Terão razão?

O testamento é um NJ formal e, como tal, será interpretado segundo os critérios


do 238º, explicitado para as particularidades do testamento no seu regime especial
constante do 2187º. Ao contrário do regime geral objectivista plasmado no 238º, este
outro estabelece uma incursão subjectivista, o chamado favor testamenti, onde se dá
prevalência à vontade do de cuius na fixação do sentido da letra do testamento.

Nestes termos, estarão preenchidos os dois requisitos do 2187º –


correspondência à vontade real das partes e mínimo de correspondência com o texto do
documento - para se estabelecer a interpretação com base num sentido não constante do
documento exigido ex lege? Consideramos que sim. A interpretação da “biblioteca”
como “adega” constitui a vontade real do testador e é conhecida pelas partes, assim
como a presença de “biblioteca” no texto do negócio, ainda que possivelmente
imperfeitamente expressa, faculta o mínimo de correspondência, o que permite a
incursão subjectivista segundo a derradeira vontade do de cuius.

Como tal, os filhos de António não terão razão.

Pedro da Palma Gonçalves Página 222


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§ 12. CLÁUSULAS ACESSÓRIAS TÍPICAS

43. Modalidades de cláusulas acessórias típicas

Qualifique as seguintes cláusulas acessórias, pronunciando-se sobre a respetiva


validade:

a) António e Bento celebram um contrato de compra e venda de um prédio, sito


na Avenida de Roma, em que consta a seguinte cláusula: “A venda fica sem efeito, no
caso de o comprador ser transferido, por força do serviço, para o concelho de Loures”.

Condição resolutiva válida.

b) António doou um automóvel a Bento. No respectivo contrato,


estipulou-se que: “A doação fica dependente da conclusão da licenciatura em direito,
por Bento, no prazo de cinco anos”. Bento, ainda no seu 3.º ano de licenciatura, vende o
automóvel a Carlos e Bento mudou de licenciatura.

Condição suspensiva válida; relativamente ao ato dispositivo na pendência da


condição ele pode fazê-lo, mas→ Actos de disposição do direito – poderão ser
praticados actos de disposição durante a pendência de uma condição? Mais uma vez o
legislador nos dá a resposta, nos dois números do artigo 274º: nº 1 - há aqui condição
legal – ope legis, o acto dispositivo fica sujeito, também ele, a condição, sendo admitida
convenção em contrário; nº 2: O adquirente desse direito sob condição é equiparado a
possuidor de boa-fé (para efeito de benfeitorias que faça).

c) António alugou o seu carro a Bento, tendo acordado que o contrato produziria
efeitos a partir do mês seguinte ao da sua celebração e que vigoraria pelo prazo de dois
anos.

Termo inicial e termo final.

d) António doa € 10 000 a Bento, “obrigando-se este a pagar, mensalmente, uma


pensão a Carlos, no valor de € 2000, pelo período de 10 anos”.

Modo (atenção - 963 º nº2!) e termo final.

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e) António contrata com Bento que este pinte um retracto de sua mãe, pelo preço
de € 500. Nos termos do contrato celebrado, “No caso de Bento incumprir a sua
obrigação, pagará € 750 a António”.

Cláusula penal e pena convencional (810º)

g) António promete vender o seu automóvel descapotável a Bento, funcionário


de uma repartição de finanças, “se este lhe conseguir obter um perdão de dívidas
fiscais”.

Condição ilícita e nulidade de todo o NJ (271º).

h) António promete doar o seu computador a Bento se este “conseguir retirar


toda a areia da praia da Cordoama”.

Condição impossível (como 2230º).

Pedro da Palma Gonçalves Página 224


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44. Licença de condução

António compra a Bento um carro, tendo ficado acordado que: “no caso de no
prazo de dois anos a contar da data da celebração deste contrato o comprador não
obtiver licença para condução, fica o contrato sem efeito”.

Bento, arrependido do negócio, fala com o Carlos, examinador do exame de


condução, para que este chumbe António, uma vez que falta apenas uma semana para
terminar o prazo de 2 anos, o que torna impossível a repetição do exame em tempo útil.

Tal como combinado com Carlos, António chumba no exame. Quid iuris?

Estamos perante um contrato de compra e venda a que foi aposta uma cláusula
acessória.

Na medida em que estamos perante um facto incerto, falamos de uma condição


resolutiva. Todavia, como constante do 275º nº2, 2ª parte, o chumbo no exame de
condução foi provocado por a quem dele aproveita – Bento – a condição – não obter a
licença de condução – tem-se, assim, por não verificada (ficção legal) e o contrato de
compra e venda será eficaz.

Pedro da Palma Gonçalves Página 225


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§ 13 CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

1. Carla e João foram passar a lua-de-mel a um hotel no Algarve. Assim que


chegaram, Carla guardou o seu anel de noivado no cofre existente no quarto, tendo, em
seguida o casal ido para a piscina. Quando regressaram ao quarto, João reparou que o
cofre havia sido arrombado e que o anel havia desaparecido. Queixaram-se ao gerente
do hotel, o qual lamentou o sucedido, mas disse nada ter a pagar, porque, no verso do
documento que eles assinaram, relativo à hospedagem, se encontrava redigida em letra
microscópica uma cláusula de exclusão da responsabilidade por furtos verificados no
hotel, mesmo que realizados pelos seus funcionários. Quid iuris?

Cairá esta cláusula no âmbito de aplicação da LCCG? Se sim, foram respeitados


todos os deveres relativos às mesmas (informação e comunicação)? Se sim, poderá o
hotel incluir no documento relativo à hospedagem uma CCG com este conteúdo? Será
válida? Se não, quais as suas consequências?

Estamos perante um documento assinado pelos hóspedes, relativo à hospedagem


no hotel onda passam a lua-de-mel. As proposições impessoais pré-elaboradas que os
contraentes podem adoptar com vista à conclusão de um negócio, são disposições
negociais pré-estipuladas (sem prévia negociação individual) que se destinam a ser
incorporadas numa série de (futuros) NJ e que proponentes ou destinatários
indeterminados se limitam a propor ou a aceitar. Estas, podendo abranger a generalidade
ou apenas parte do conteúdo do NJ, são aplicáveis a tipos negociais diversificados e
essencial ao seu conceito é a elaboração prévia à celebração do negócio – sem
negociação individualizada entre as partes – independentemente de essa elaboração
advir do proponente, do destinatário ou de terceiros – enquadra-se no 1º nº1 LCCG.

Seguidamente… Terão sidos respeitados os deveres de comunicação e de informação


que se impõem aos utilizadores de CCG, aos proponentes dos contratos de adesão com
base em CCG? O artigo 5º nº1 e nº2 parece desde logo não ter sido respeitado, pela falta
de comunicação integral e de modo adequado de todo o clausulado: “no verso do
documento que eles assinaram, em letra microscópica”. O 6º nº1 também aparenta não
ter sido respeitado, pois este é um objecto do clausulado que claramente seria de

Pedro da Palma Gonçalves Página 226


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esclarecimento e informação preponderante, ao ponto que caso soubessem nunca teriam


deixado os anéis de noivado no cofre (ou sequer contratado a hospedagem), o que
demonstra que teriam uma confiança plausível na segurança dos mesmos no quarto. Por
si só, o desrespeito por estes deveres de comunicação e informação conduz à exclusão
das mesmas do contrato, por força do 8º a), b) e c) (por constar do verso e em letra
minúscula) – subsistindo o contrato de hospedagem nos termos do 9º nº1.

Ademais, o conteúdo do clausulado incluído pelo hotel no contrato de adesão de


hospedagem, esbarra ainda nas alíneas b) e d) do 18º LCCG, aplicável mediante
remissão do 20º e do 17º do mesmo diploma.

Esta violação conduziria, mais uma vez, à nulidade das referidas cláusulas (12º),
mas a uma possível subsistência do contrato (13º nº1 e nº2). Os funcionários
incorreriam ainda em responsabilidade penal por furto qualificado.

Pedro da Palma Gonçalves Página 227


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2. A Companhia de Seguros Castelo, S.A., tem ao dispor do público um contrato


de Seguro de “recheio” de habitações e de escritórios. No passado mês de Julho de
2011, aderiu a esse contrato, António, arquitecto, segurando o equipamento do seu
atelier. Meses mais tarde, António, ao accionar o seguro, é confrontado com a existência
das seguintes cláusulas constantes de um “Regulamento”, elaborado pela Seguradora, e
que António alega não lhe ter sido dado a conhecer, no momento da adesão ao contrato:

“1.ª - 0 presente contrato de seguro vigora por tempo indeterminado, cabendo à


seguradora a iniciativa de lhe pôr termo, sem necessidade de qualquer aviso prévio e em
termos discricionários;

2.ª - O prémio de seguro será actualizado anualmente pela seguradora;

3.ª - As condições contratuais podem, a todo o tempo, ser alteradas pela seguradora,
mediante carta remetida para o domicílio dos segurados;

4.ª - Os diferendos na interpretação e aplicação do presente contrato serão resolvidos


por uma comissão jurídica nomeada pela Seguradora;

5.ª - Sempre que as instalações da Seguradora se encontrem em obras, esta não será
responsável por eventuais danos pessoais ou patrimoniais sofridos pelo segurado ou
seus acompanhantes em deslocações às mesmas instalações”.

Quid Iuris?

Cairá este “Regulamento” no âmbito de aplicação da LCCG? Terá ou não sido


dado a conhecer, como António nega, ou seja, foram ou não respeitados os deveres de
informação e comunicação? Se sim, poderá a seguradora incluir uma CCG com este
conteúdo? Será válida? Se não, quais as suas consequências?

Estamos perante um contrato de seguro assinado por António, arquitecto,


relativo ao equipamento do seu atelier de arquitectura. As CCG são proposições
impessoais pré-elaboradas que os contraentes podem adoptar com vista à conclusão de

Pedro da Palma Gonçalves Página 228


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um negócio, são disposições negociais pré-estipuladas, sem prévia negociação


individual, que se destinam a ser incorporadas numa série de (futuros) NJ e que
proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar. Estas
podem abranger a generalidade ou apenas parte do conteúdo do NJ, são aplicáveis a
tipos negociais diversificados e essencial ao seu conceito é a elaboração prévia à
celebração do negócio – sem negociação individualizada entre as partes –
independentemente de essa elaboração advir do proponente, do destinatário ou de
terceiros – enquadra-se no 1º nº1 LCCG, por “ter ao dispor do público” o contrato, o
que indicia a pré-elaboração, a generalidade, a multiplicidade e a rigidez do mesmo.

Terá sido dada a conhecer e sido respeitado o dever de comunicação e o dever de


informação do 5º e 6º da LCCG? António alega que não. O nº3 do 5º atira o ónus da
prova para a esfera do utilizador das CCG, dando-se uma inversão do ónus da prova
(princípio da presunção de inocência é invertido, o de que o ónus de prova recai sobre o
lesado – 487ºCC). Ou seja, temos uma presunção de culpa do utilizador, tal como na
responsabilidade contratual, ilidível mediante prova em contrário 350º nº2 (iuris
tantum). Se o utilizador não conseguir provar que observou os deveres de comunicação
e informação, todo o clausulado cai por força do 8º a) b) e c) e as cláusulas do
Regulamento são excluídas do contrato de seguro, que poderá subsistir (9º nº1).
Também se poderia falar na nulidade de todo o contrato, através do 9º nº2, in fine
(desequilíbrio atentador da boa-fé - 334º e requisitos da tutela da confiança).

Se o utilizador da CCG provar que, efectivamente, cumpriu a obrigação de


comunicação integral e informação (o que parece bastante improvável, essencialmente
relativamente a este último, mas concedamos que sim), cumpre analisar uma a uma as
cláusulas e o seu conteúdo, aferindo da sua validade, conformidade com o Direito:

1ª – 15º (Tutela da confiança) e 16º. (18º j))

2ª – Pode.

3ª – 19º h)

4ª – 18º e), 19º g)

Pedro da Palma Gonçalves Página 229


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5ª – 18º a) b)

- A consequência é a nulidade de todas estas cláusulas (12º) com excepção da 2ª, sendo
que o 13º nº1 e nº2 permitem que o contrato ainda subsista, o que assegura a protecção
equilibrada dos dois contraentes.

Nota: na resolução desta hipótese, partimos do princípio que António age no âmbito da
sua actividade de empresário, enquanto profissional liberal (arquitecto), o que nos
exclui dos números 20º, 21º e 22º da LCCG.

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3. Francisco contactou uma empresa especializada em motores agrícolas com


vista à aquisição e instalação de motores de rega na sua exploração agrícola. Francisco
aceitou os termos do contrato propostos pela referida empresa. Porém, uma semana após
a recepção dos equipamentos e instalação dos mesmos, viu-se forçado a recorrer ao seu
advogado já que:

a) Os motores entregues estavam usados. Quando reclamou, ficou surpreendido ao


verificar que, no verso do instrumento do contrato por ele assinado, se continha uma
disposição nos termos da qual «a empresa só se comprometia a fornecer os artigos em
estado de “novo” se tal fosse expressamente convencionado».

b) Durante a instalação dos motores, os empregados da empresa calcaram por


desleixo grave e sem que isso fosse necessário, uma plantação de tulipas holandesas.
Francisco pretende saber se pode pedir alguma indemnização, atendendo a que no
contrato que assinara constava uma cláusula nos termos da qual «a empresa declina
qualquer responsabilidade pelos danos causados durante a execução do contrato».

c) A empresa veio, invocando uma outra cláusula, exigir o pagamento integral do


preço devido pelos motores e pelos serviços prestados. Francisco recusou-se a pagar,
uma vez que tinha ficado acordado verbalmente que o pagamento se efectuaria em duas
prestações.

Francisco, indignado com a empresa, pretende saber que meios que tem à sua
disposição para se defender e para obstar à utilização de semelhantes cláusulas em
contratos celebrados com futuros clientes.

Para se defender…

Cairá este contrato no âmbito de aplicação da LCCG? Terão sido respeitados


todos os deveres (informação e comunicação) relativos às cláusulas do contrato? Se sim,
poderá a empresa incluir no documento relativo à instalação de equipamentos agrícolas
CCG com este conteúdo? Serão válidas? Se não, quais as suas consequências?

Pedro da Palma Gonçalves Página 231


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Estamos perante um contrato assinado por Francisco, relativo à instalação de


equipamentos agrícolas. As CCG são proposições impessoais pré-elaboradas que os
contraentes podem adoptar com vista à conclusão de um negócio, são disposições
negociais pré-estipuladas, sem prévia negociação individual, que se destinam a ser
incorporadas numa série de (futuros) NJ e que proponentes ou destinatários
indeterminados se limitam a propor ou a aceitar. Estas, podem abranger a generalidade
ou apenas parte do conteúdo do NJ, são aplicáveis a tipos negociais diversificados e
essencial ao seu conceito é a elaboração prévia à celebração do negócio – sem
negociação individualizada entre as partes – independentemente de essa elaboração
advir do proponente, do destinatário ou de terceiros – enquadra-se no 1º nº1 LCCG.

Os problemas seguintes terão de ser analisados alínea a alínea…

a) Independentemente do conteúdo da cláusula, a CCG desrespeita desde logo os


deveres de comunicação integral e de informação – “no verso” - (5º e 6º) o que, pelo 8º
a) b) e c) determina a sua exclusão do contrato, que poderá subsistir pelo 9º nº1.

b) Neste caso, apesar dos motivos para suspeitar da violação dos deveres de informação
(6º, 8º b) - 9º), viola claramente o 18º b) c) através do 20º e 17º LCCG (talvez 21º d)).
As cláusulas serão nulas pelo 12º, mas pelo 13º nº1 o contrato pode subsistir. Haverá
ainda lugar a responsabilidade civil extracontratual (Dano, Acto voluntário, Ilicitude
(infracção de normas jurídicas sem justificação), Culpa (relação de meios-fim que
resulta num juízo de censura), com as modalidades:- Negligência consciente (fuga aos
deveres de cuidado que ao caso se impunham) - Nexo de causalidade (entre o acto e o
dano causado)), nos termos do artigo 483º CC, por violação de deveres genéricos, com
presunção de inocência, com indemnização a ser fixada pelo interesse positivo e por
danos não patrimoniais.

Pedro da Palma Gonçalves Página 232


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c) Âmbito da forma legal (221º CC) – quando falamos em “âmbito”, procuramos


alvitrar se a forma exigida ex lege abrange forçosamente todas as estipulações das
partes. São as estipulações acessórias que mais nos interessam. Neste ponto há que
distinguir entre as anteriores ou contemporâneas do documento legalmente exigido, das
posteriores ao mesmo. Relativamente às primeiras duas, a sua validade depende da sua
própria não sujeição a forma ex lege e do não desrespeito da razão determinante da
forma legal do documento exigido (caso a caso), bem como da certeza de terem sido
queridas pelas partes aquando da celebração do NJ (presunção de plenitude do negócio -
se não foram incluídas no mesmo também se presume que as partes assim não
desejaram convencionar, e a parte que delas se quiser valer terá de demonstrar o
contrário). A verificação destes requisitos terá de ser provada pela parte que deles ser
queira fazer valer (342º nº2 CC), pois são factos que obstam à arguição da nulidade
(221º CC, estipulações verbais e escritas em documento com menor força probatória).

Quanto às estipulações posteriores o âmbito é bem mais liberal, prevalecendo


tendencialmente sempre independentemente da forma legal prescrita, tendo como única
exceção os casos em que esses elementos não verifiquem as razões do requisito formal
da lei nesse caso. De sublinhar que só se abrangem os pactos modificativos e não já os
extintivos. A relevância do regime estabelecido no 221º é fortemente restringida pelo
regime da prova de tais cláusulas, mesmo quando meramente adicionais (ver arts. 393,
394 e 351 CC). As cláusulas acessórias, sejam anteriores ou contemporâneas, sejam
posteriores, acrescem ao conteúdo de documento legalmente exigido, pelo que a
respetiva prova só pode fazer-se por confissão ou por documento escrito, embora menos
solene que o exigido para o negócio, não sendo, em princípio, admitidas as provas
testemunhal e por presunções. É, por isso, diminuta a possibilidade de produzirem
efeitos jurídicos. A consequência natural da preterição da forma legal prescrita, o
chamado vício de forma resultante de inobservância de formalidades legais ad
substantiam, é a nulidade do NJ (220º, 286º, 289º e 293ºCC), ainda que também se
possa falar de inexistência jurídica quando haja absoluta falta de forma. A sua
conversão em negócio preliminar estará sempre em aberto. Convém ainda uma
referência às situações que um dos contraentes, perde o poder de arguir a nulidade por
força do vício de nulidade que ajudou a criar, infringindo cuidados de boa-fé que se
exigiam na formulação ou no decurso do NJ (inalegabilidade formal).

Pedro da Palma Gonçalves Página 233


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Logo… se for anterior Francisco não tem razão, se for posterior tem. Mas
mesmo que seja anterior, Francisco pode invocar o 9º nº2 para destruir todo o contrato
pelos motivos já aventados.

Para obstar a que isto volte a ser utilizado noutros clientes…

→ Acção inibidora (25º LCCG) – Enquanto as cláusulas proibidas agem como um


meio repressivo, que somente opera após a efectiva formação do contrato, fala-se, aqui,
de um mecanismo de tutela preventiva. Esta, actua independentemente da inclusão
efectiva de cláusulas proibidas em contratos singulares visando a condenação na
abstenção do uso ou da recomendação futuros de CCG proibidas, qualquer que seja a
modalidade da proibição. Neste âmbito, pode-se ainda falar em legitimidade activa (26º
LCCG) e legitimidade passiva (27º LCCG) para interpor a acção judicial. Como nada se
concretiza enquanto vegetar no plano dogmático, a LCCG consagra medidas destinadas
a tornar efectiva a decisão da acção:

→ → Publicidade eventual (30º nº2 LCCG)

→ → Registo em serviço próprio (34º e 35º LCCG)

→ → Sanção pecuniária compulsória (33º LCCG)

Nota: neste caso, partimos do princípio que Francisco não é um empresário ou entidade
equiparada no ramo agrícola, mas um mero consumidor final.

Pedro da Palma Gonçalves Página 234


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TÓPICOS
“PARA UMA RESPOSTA COMPLETA”

→ Modalidades de negócios jurídicos

- Definir tipo negocial (ex. compra e venda real quoad effectum, consensual,
sinalagmático, oneroso), se possível com recurso aos artigos do CC onde a matéria vem
regulada.

Nota: nos NRQC conhecer bem a problemática dogmática.

- Aplicar tudo ao caso concreto.

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido.

→ Objecto negocial

- Dilucidar sucintamente os contornos da dicotomia pressuposto objectivo (bem ou


objecto) – pressuposto subjectivo (partes) do NJ.

- Se foi apresentada proposta, definir proposta. Se for apresentada convite a contratar


definir convite a contratar (como no 5. da colectânea).

- Apresentar e definir os 3 requisitos de idoneidade do objecto negocial, com maior


enfoque, naturalmente, no(s) que no problema não se dão por verificados.

- Concluir pela nulidade das cláusulas inidóneas, e apresentar possíveis


responsabilidades pré-contratuais e deveres de indemnizar - Descrever as esferas
jurídicas dos contraentes.

→ Modalidades da declaração

- Dilucidar sucintamente os contornos da dicotomia elemento estrutural voluntarista


(vontade) – elemento estrutural declarativista (declaração) do NJ.

- Definir declaração negocial e apresentar o princípio da liberdade declarativa e da sua


equivalência jurídica.

- Definir declaração expressa e tácita, com maior enfoque pela que estiver em causa no
negócio. Se for tácita, distinguir entre tácita s.s. e presumida ou ficta.

Pedro da Palma Gonçalves Página 235


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- Definir o contrato em causa segundo os requisitos do contrato (adequação formal e


encontro de vontades) e segundo as modalidades supracitadas (típico, sinalagmático,
real quoad effectum, oneroso…).

- Aplicar tudo ao caso concreto.

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Forma da declaração

- Definir declaração negocial

- Definir proposta negocial e seus requisitos

- Definir forma e distinguir de formalidades (3 modalidades de formalidades)

- Definir o contrato em causa segundo os requisitos do contrato (adequação formal e


encontro de vontades) e segundo as modalidades supracitadas (típico, sinalagmático,
real quoad effectum, oneroso…).

- Se estiver em causa o âmbito da forma legal ou convencional, distinguir entre


estipulações acessórias e principais, definir cerne do negócio. Referir a dificuldade de
prova das cláusulas acessórias por força das limitações do 351º, 393º e 394º - só
confissão e documento escrito.

Nota: Atenção às presunções legais do 221º nº1 e do 223º nº1 e à sua ilidibilidade
mediante prova (difícil),nos termos do 350º nº2 (iuris tantum).

- Aplicar tudo ao caso concreto.

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Formação do negócio jurídico

- Referência ao modelo de formação do contrato sobre o qual nos iremos debruçar.

Pedro da Palma Gonçalves Página 236


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- Definir proposta contratual e as duas 4 características essenciais. Se for convite a


contratar ou oferta ao público, explicar os conceitos, a diferença entre eles e a diferença
face à proposta contratual proprio sensu.

- Importância e efeitos da perfeição das declarações (definir declaração e dizer se é


expressa ou tácita) e do artigo 224º, onde está implícita a diferença entre declaração
recipienda e não recipienda, que também será de definir.

- Aplicação ao caso concreto…

- Explicação pormenorizada do regime da vigência e caducidade da proposta contratual


do artigo 228º, nº1, alíneas a), b) e c). Discernir prazo de transporte da proposta vs.
prazo de transporte da aceitação vs. prazo de reflexão. Referência ao lugar de eficácia.

- Nos casos de revogação, explicitar as suas 4 possibilidades, sempre enquanto excepção


ao princípio da irrevogabilidade da proposta.

- Definir o tipo de contrato em causa (se se formar) segundo os requisitos do contrato


(adequação formal e encontro de vontades) e segundo as modalidades supracitadas
(típico, sinalagmático, real quoad effectum, oneroso…).

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Representação

- Definir representação proprio sensu com os seus 3 requisitos.

- Apontar os 3 efeitos da representação

- Enquadrar a representação em causa nas 3 modalidades existentes.

- Averiguar se estaremos perante representante ou núncio (distinguir um do doutro).

- Definir procuração, tendo em conta que é a principal fonte de representação


voluntária, nomeadamente face ao mandato com representação e o contrato de trabalho.

- Aferir no caso concreto o regime da procuração, quanto à capacidade do procurador e


do representado, quanto à forma da mesma face ao negócio a praticar e quanto à sua
extinção.

Pedro da Palma Gonçalves Página 237


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Nota: 267º - último dever do procurador – não esquecer.

- Definir o tipo de contrato em causa (se se formar) segundo os requisitos do contrato


(adequação formal e encontro de vontades) e segundo as modalidades supracitadas
(típico, sinalagmático, real quoad effectum, oneroso…).

- Aplicação ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Se for um problema de representação sem poderes (numa das suas modalidades) ou de


abuso de representação, definir os três conceitos e distingui-los antes de enquadrá-los
num, e referir o princípio de ineficácia do NJ praticado por uma pessoa sem poderes
representativos (268º).

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Falta de vontade

- Distinguir falta de vontade de vícios na formação da vontade

- Referir controvérsias do debate Voluntarismo vs. Declarativismo e sua


consubstanciação no 236º - conhecer bem a posição de Carvalho Fernandes.

- Enquadrar o caso numa das 3 modalidades, explicando a definição da modalidade em


causa, estabelecendo o contraponto face às modalidades excluídas (numa há vontade de
acção, noutra não, numa há vontade de declaração mas falta-lhe a vontade funcional…
etc.).

Nota: no caso de coacção física distingui-la face à coacção moral.

- Aplicação ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Vícios na formação da vontade

- Distinguir falta de vontade de vícios na formação da vontade.

Pedro da Palma Gonçalves Página 238


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- Enumerar sucintamente as modalidades de vícios na formação de vontade.

- Enveredar pela que nos importa para o caso…

→ → Erro

- Dilucidar se há, ou não erro, e definir erro.

- Havendo erro, distinguir erro-vício de erro-obstáculo.

- Havendo erro-vício, verificar se está preenchido requisito comum da


qualificação como tal: a causalidade (referência aos breve outros requisitos não
necessários).

- Havendo erro-vício causal, aferir se estamos perante erro simples ou erro qualificado
por dolo, definindo o que ao caso disser respeito.

- Havendo erro-vício causal simples, rastrear as suas 3 modalidades até encaixar


numa. Se não encaixar em nenhuma, verificar se não haverá erro sobre os motivos
(depende de acordo). Se preencher alguma ou algumas, teremos erro relevante, se não,
será irrelevante.

- Explicar bem o regime anulatório da modalidade preenchida e os seus


requisitos.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

- Havendo erro-vício causal qualificado por dolo, enquadra-lo numa das suas 3
modalidades e submodalidade. Ter sempre atenção que este tipo de erro-vício
comummente se consubstancia como um incumprimento do dever legal de elucidar o
declarante (252º nº2).

- Atestar se estaremos perante dolo bonus ou dolo malus (253º nº2).

- Verificar se no caso concreto estarão preenchidos os requisitos específicos dos casos


de dolo, sendo que o comum é a dupla causalidade e os específicos dependerão de quem

Pedro da Palma Gonçalves Página 239


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serão os deceptores, se o declaratário ou terceiros, e ainda de quem serão os


beneficiários.

- Explicar bem o regime anulatório da modalidade preenchida e os seus requisitos.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ → Medo

- Definir o medo jurídico.

- Enquadrar na sua modalidade – coacção moral –, distingui-la face à coacção


física e explicar porque é que o estado de necessidade não é uma causa de vício da
formação da vontade nos moldes do medo, mas nos moldes da usura.

- Explicitar os 3 elementos da coacção moral, bem como o seu único requisito de


relevância: a dupla causalidade, tendo em conta a pessoa do coactor identificar-se como
o declaratário ou com terceiros.

- Explicar bem o regime anulatório da modalidade preenchida e os seus


requisitos.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ → Usura

- Definir usura como vício na formação da vontade, atendendo à polissemia do


termo.

Pedro da Palma Gonçalves Página 240


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- Enumerar os dois requisitos de ordem subjectiva constantes do 282º nº1 e o


requisito de ordem objectiva do 282º nº1, fazendo referência ao instituto da lesão e da
regra ultra diminium.

- Explicar bem o regime anulatório da modalidade preenchida e os seus


requisitos.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→Vícios da declaração

- Destrinçar vícios na formação da vontade de vícios na declaração ou divergências


vontade-declaração.

- Fazer referências às suas duas modalidades e submodalidade.

→ → Simulação

- Definir o tipo de contrato em causa (se se formar) segundo os requisitos do contrato


(adequação formal e encontro de vontades) e segundo as modalidades supracitadas
(típico, sinalagmático, real quoad effectum, oneroso…).

- Definir simulação enquanto divergência intencional com base nos seus 3 requisitos do
240º e distingui-la da reserva mental.

- Enquadrar a simulação em cada um dos 3 tipos de modalidades.

- Atentar aos problemas de prova de uma simulação, e aos seus regimes


consoante a prova seja intentada pelos próprios simuladores ou por terceiros.

Nota: A prova da simulação é de conhecimento oficioso pelo tribunal, pelo que poderá
ser elaborada independentemente de qualquer interessado.

- Postular o valor do negócio simulado e do negócio dissimulado (nas simulações


relativas). O valor deste último dependerá do regime do 221º no que concerne ao âmbito
da forma legal, O mesmo será válido se preencher os requisitos substanciais e formais,

Pedro da Palma Gonçalves Página 241


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como qualquer outro NJ, na medida em que a validade do NJ simulado e do NJ


dissimulado é aferida em abstracto, autonomamente.

Nota: a simulação de valor é, quase sempre, a única que não enferma a validade do NJ
dissimulado. Simulações subjectivas (interposição fictícia de pessoas) ou objectivas
(natureza ou conteúdo), por seu turno, raramente garantem a validade autónoma do NJ
dissimulado. A prova da simulação é de conhecimento oficioso pelo tribunal, pelo que
poderá ser elaborada independentemente de qualquer interessado.

- Aferir se quem intenta arguir a simulação tem legitimidade para o fazer nos
termos do 242º e do 286º, tendo em consideração as categorias mais comuns e especiais
de terceiros interessados na nulidade, nomeadamente os sub-adquirentes, os herdeiros
legitimários, os credores e os preferentes.

- Constatar se há oponibilidade ou inoponibilidade da declaração de nulidade,


atendendo ao regime geral do 289º e ao regime específico do 243º, onde a tutela de
terceiros é muito mais facilitada, por se bastar com a boa-fé subjectiva psicológica para
garantir a inoponibilidade, prevalecendo-se face à nulidade.

- Fazer referência ao debate doutrinal sobre o conceito de terceiros constante do


243º, quem estará abrangido por este regime estando de boa-fé na acepção desse mesmo
artigo. O entendimento a perfilar é que todos estão abrangidos – ninguém deve ser
prejudicado nos seus legítimos direitos pela torpeza dos simuladores -, excepto os que
somente perderão um benefício, na medida em que esse aproveitamento também seria
censurável.

- Na hipótese de um conflito de interesses entre terceiros, saber que prevalece


sempre o terceiro de boa-fé, sendo que se ambos estiverem há colisão de direitos, e se
nenhum estiver dar-se-á prevalência a quem invocar a nulidade do NJ simulado.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

Pedro da Palma Gonçalves Página 242


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→ → Reserva mental

- Definir reserva mental enquanto divergência intencional e distingui-la da


simulação e da declaração não-séria.

- Enquadrá-la num tipo de cada uma das 3 modalidades.

- Postular o seu regime de validade, tendo em atenção que a remissão para o


regime da simulação deve ser feita cum grano salis, pela sua aplicabilidade meramente
académica.

→ → Erro na declaração

- Definir erro na declaração, enquanto divergência não-intencional.

- Qualificar o erro na declaração, como erro material ou por desconhecimento da


língua e atribuir-lhe uma modalidade consoante o elemento do NJ onde incida (objecto,
preço, contraentes…)

- Aferir se é conhecido, cognoscível ou não conhecido (proprio sensu), definindo


cada uma das categorias.

- Havendo erro na declaração não conhecido nem cognoscível, há que fixar o seu
regime, que segue o 247º e o requisito do conhecimento ou dever de não ignorar, para o
declaratário, da essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro do declarante.

- Explicar bem o regime anulatório da modalidade preenchida e os seus


requisitos, bem como a possibilidade de convalidação e modificação pelo declaratário
segundo a vontade real do declarante. Se o NJ alvo deste vício na declaração for de
natureza formal e solene, tal facto pode obstar à intervenção do 248º., quando o sentido
correspondente à vontade real não esteja coberto pela forma e esse elemento implique a
exigência de forma legal (221º).

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

Pedro da Palma Gonçalves Página 243


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- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ → Erro na transmissão da declaração

- Constatar que estamos na presença de uma representação (remissão).

- Definir erro na transmissão.

- Discernir se o erro é da autoria de um representante em elementos cuja sua


vontade é determinante (259º nº1), ou de um representante agindo como mero núncio,
pois só releva a vontade do representado (250º nº1). Se for este segundo caso, temos
erro na declaração (remissão). No primeiro, poderá haver qualquer tipo de erro, simples,
doloso, na declaração…

- Aferir de há dolo ou não na não transmissão correcta da vontade. Se houver,


basta-nos o requisito da essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu
o seu erro para a anulabilidade poder proceder. Neste caso seguir-se-á o regime da
anulabilidade (286º).

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ → Erro no entendimento

- Definir erro no entendimento.

- Teste de relevância, ou não, após análise com base no 236º.

- Hipótese mais complicada: quando se conjuga um erro na declaração e um erro


no entendimento – dissenso, anulável ficará o NJ sem mais requisitos. Nos outros casos
será sempre irrelevante, solucionável pelo 236º ou pelo 247º.

- Aplicação de tudo ao caso concreto, e ao problema em causa…

- Descrever as esferas jurídicas dos contraentes após tudo resolvido e hipotéticas


responsabilidades contratuais ou pré-contratuais emergentes de qualquer dano.

→ Interpretação do NJ

Pedro da Palma Gonçalves Página 244


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- Conhecer bem o regime do artigo 236º, as diversas posições – nomeadamente a de


Carvalho Fernandes - relativamente à concepção nele consagrada, e os regimes
especiais dos NJ formais, em especial, do testamento e das CCG.

→ Cláusulas acessórias típicas

- Incluir no exemplar do seu códice cível.

Pedro da Palma Gonçalves Página 245

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