ANNIE BESANT
MORTE... E DEPOIS ?
EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
2
Título do original:
Death ... and After?
Edição original: The Theosophical Publishing House,
Adyar , Madras, Índia.
SUMÁRIO
Prefácio 04
Morte ... e depois? 05
O Destino do Corpo 12
O Destino do Duplo Etérico 17
O Kãmaloka e o Destino do Prãna e do Kãma 20
O Kãmaloka. Os Invólucros 29
O Kãmaloka. Os Elementares 31
O Devachan 32
O Devachani 39
A Volta à Terra 44
O Nirvãna 46
Comunicações Entre a Terra e as Outras Esferas 47
Apêndice 54
3
PREFÁCIO (1)
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MORTE ... E DEPOIS?
A outra forma,
Se de forma pode ser chamada, pois não tinha nenhuma
Distinguível em elemento, junta, membro
Ou substância, pois mais à sombra se assemelhava,
Parecendo uma e outra, negra como a noite se postava,
Fera como dez fúrias, terrível como o inferno,
E vibrou um medonho dardo; o que parecia ser sua cabeça
Encimava a semelhança de uma coroa régia.
Satã estava agora disponível e do seu trono
O monstro depressa ia avançando,
Com horríveis passadas; o inferno tremia enquanto ele andava (... )
(...) Assim falou o pavoroso terror; e, na forma
Assim falando, tão ameaçador ficou dez vezes
Mais horrível e deformada (...)
(...) mas ele, meu inimigo congênito,
Lançou-se para diante, brandindo o seu dardo fatal,
Criado para destruir; eu fugi e gritei: Morte!
O inferno tremeu ao nome nefando e suspirou
Em todas as suas cavernas, e ressoou: Morte. (3)
É muito estranho que essa perspectiva da Morte fosse aceita pelos partidários
declarados de um Mestre de quem se diz que "rasgou o véu da vida e da imortalidade".
Tanto mais que a pretensão de que há apenas dezoito séculos é que se revelou a ideia da
imortalidade da alma é completamente absurda, em face do testemunho esmagador de
inúmeras provas em contrário. O majestoso ritual egípcio com o seu Livro dos mortos, em
que se descrevem as jornadas post-mortem das Almas, seria por si só suficiente para deitar
irremediavelmente por terra tão pretensiosa afirmação. Ouvi as exclamações da Alma do
justo:
Ó vós, que formais a escolta de Deus, estendei os braços para mim, que em breve
serei um dos vossos (XVII, 22).
Salve Osíris, Senhor da Luz, que moras na mansão poderosa, no seio da
obscuridade absoluta. A ti venho, como alma purificada; minhas mãos estão em volta
de ti (XXI, 1).
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Eu abro o céu; eu faço o que foi ordenado em Mênfis. Conheço o meu coração,
estou de posse absoluta do meu coração, estou de posse absoluta de meus braços,
estou de posse absoluta de minhas pernas, sou senhor da minha vontade. A minha
alma não está prisioneira de meu corpo às portas de Amênti (XXVI, 5, 6).
Para não cansar o leitor com citações de um livro que está todo cheio das obras e
palavras do homem desencarnado, limito-me a transcrever o juízo final da Alma Vitoriosa:
O defunto será deificado entre os Deuses, na região divina inferior; nunca será
expulso. [...] Beberá na corrente do rio Celestial. [...] Sua Alma não será aprisionada,
visto que é uma Alma que traz a salvação àqueles que estão próximo dela. Os vermes
não o devorarão (CLXIV, 14-16).
A crença geral na Reencarnação é suficiente para provar que as religiões, cuja doutrina
central é constituída por essa teoria, creram na sobrevivência da Alma depois da Morte; e
querendo um exemplo, podemos citar unia passagem das Leis de Manu, que vem
imediatamente após um exame de metempsicose e que responde à questão da maneira
como o homem se pode libertar dos renascimentos:
O Desatir persa fala com a mesma clareza. Essa obra compõe-se de quinze livros,
escritos pelos profetas persas, originariamente na língua vesta; "Deus" é. Ahura-Mazda ou
Yazdan:
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Deus escolheu o homem dentre os animais para lhe conferir a alma, que é uma
substância livre, simples, não composta e não apetitosa. E que se converte num anjo
pelo aperfeiçoamento.
Com sua profunda sabedoria e sublime inteligência pôs a alma em relação com o
corpo material.
Se procede bem [o homem] no corpo material, e tem bom conhecimento e religião,
é um Harstap.
[...] Assim que ele deixa o seu corpo material, eu (Deus) levo-o para o mundo dos
anjos para que possa conversar com eles e contemplar-me.
E se embora não seja Harstap, tem sabedoria e se abstém do vicio, elevá-Io-ei à
ordem dos anjo:
Todo o ente encontrará, em proporção com a sua sabedoria e a sua devoção, um
lugar nas fileiras dos sábios, no meio dos céus e das estrelas, e nessa região de
felicidade permanecera para sempre. (6)
Realmente essa crença chinesa, que ainda hoje se mantém como nos mais remotos
tempos, é tão prática que a "mudança que os homens chamam Morte" parece representar
um papel insignificante no pensamento e na vida dos habitantes da Terra Florida.
Essas citações, que poderíamos centuplicar, bastam para provar a insensatez da ideia
de que a imortalidade "foi revelada pelo Evangelho". O mundo antigo está todo banhado
na luz da crença na imortalidade do homem; vivia diariamente nela, encheu com ela sua
literatura e com ela cruzava em paz as portas da morte.
Continua de pé o problema: por que é que o Cristianismo, que confirmou e tornou a
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confirmar essa crença, com tanto vigor e ao mesmo tempo com tanta serenidade, fez
desenvolver esse enorme terror perante a Morte, terror que tão predominante papel tem
representado na vida social, literária e artística dos povos cristãos. Não é apenas a
concepção do inferno que cercou o túmulo de um tão grande cortejo de horrores, porque
outras religiões há que também têm infernos e contudo seus adeptos não andam
arrepiados com esse terror sombrio. Os chineses, por exemplo, encaram a Morte como
uma coisa ligeira e trivialíssima e, contudo, têm uma coleção de infernos verdadeiramente
única pela natureza e variedade dos tormentos. É possível que esta diferença de
interpretação seja proveniente mais de uma questão de raça do que propriamente de
crença; talvez a vida vigorosa e ativa do Ocidente estremeça perante a antítese dessa vida,
e que o senso comum das nossas raças tão sem imaginação ache uma existência incorpórea
demasiado desconfortável, ao passo que o Oriente, mais místico e sonhador, mais inclinado
à imaginação, e sempre ansioso por se libertar da escravidão dos sentidos durante a vida
terrena, considere o estado incorpóreo como o melhor e como o que melhor conduz à
libertação do pensamento.
Antes de entrarmos no estudo da história do homem no estado post-mortem, é
conveniente lançar uma vista de olhos, embora rápida, à constituição do homem segundo o
critério da Filosofia Esotérica, pois, para podermos compreender a desintegração do ser
humano, é imprescindível o conhecimento de seus constituintes. O homem é constituído
por:
Desses sete corpos ou princípios, o corpo físico é a forma exterior visível e tangível,
composta de vários tecidos. O duplo etérico é o duplicado etérico do corpo, composto de
éteres físicos. O Prãna é a vitalidade, a energia que integra e coordena as moléculas físicas
conservando-as unidas num organismo definido; é o sopro de vida dentro do organismo, a
parte do Alento da vida universal de que o organismo se apropriou durante esse lapso de
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tempo da existência, a que vulgarmente se chama "uma vida", e que aparece em duas
formas: vitalidade consciente e vitalidade automática. O Kãma é a conjunção de desejos,
paixões e emoções, comuns ao homem e ao animal, embora com um desenvolvimento
maior no homem sob a ação do espírito inferior. O Manas é o Pensador, aquilo que em nós
pensa e raciocina, a Inteligência. O Buddhi é o aspecto do Espírito que se manifesta acima
da Inteligência, é o veículo onde habita o Manas, e por meio do qual este se manifesta.
O laço entre a Tríade Imortal, permanente, e o Quaternário Mortal, perecível.
transitório, é a Inteligência, o intelecto que é dual durante a vida terrena ou encarnação, e
que funciona como Inteligência ou Manas superior, e como Espírito ou Manas inferior. A
Inteligência emite um Raio, o Espírito, que trabalhando no cérebro humano e por meio
dele, funciona como consciência cerebral, como consciência raciocinadora. Este une-se ao
Desejo, à natureza emocional, ao Kãma, e dessa união resulta as paixões e emoções
passarem a fazer parte integrante do Espírito, como o define a Psicologia do Ocidente. E
assim temos o elo que liga a natureza superior do homem à inferior, esse Espírito de
Desejos, ou Kãma-Manas, que pertence à superior pelos elementos intelectuais ou
manásicos, e à inferior pelos elementos emocionais ou kâmicos. Como este Kãma-Manas é
o campo onde durante a vida se desenrola a grande batalha entre as aspirações
progressivas e as inclinações regressivas, seu papel na vida post-mortem é
excepcionalmente importante. Podemos agora, tendo em vista esta junção, no Kãma-
Manas, dos elementos permanentes e transitórios, classificar nossos sete princípios da
seguinte forma:
Atmã
Buddhi Imortal
Manas superior
Kãma·Manas ............... Condicionalmente imortal
Prâna
Duplo etérico Mortal
Corpo físico
(3). Paraíso perdido,livro li, versos 666 a 789. A passagem toda está cercada de
horrores.
(4). XII 85. Tradução de Le Burnell e Hopkins.
(5). Da tradução de Dhunjeebhoy Jamsetjee Medhora. Zoroastrismo e alguns outros
antigos sistemas.
(6). Traduzido por Mirza Moamed Hedi. O platônico, 306.
(7). Os livros sagrados do Oriente III, 109, 110.
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O DESTINO DO CORPO
Estará presente em seu corpo de tal modo que a melhor parte de si mesmo estará dele
ausente e unir-se-á por meio de sacramento solene às coisas divinas, de maneira que não
sentirá nem amor, nem ódio pelas coisas mortais. Considerar-se-á o senhor e, portanto, não
deverá ser servo nem escravo do corpo, que reconhecerá ser a prisão que lhe tolhe a
liberdade, o visco que lhe prende as asas, a cadeia que lhe ata solidamente as mãos, o véu
que lhe cega a vista. Que não seja nem servo, nem escravo, nem cativo, que não se deixe
apanhar no laço, nem cegar, nem encadear, nem vencer pela inação, pois o corpo que
abandona não pode tiranizá-lo; de modo que assim o espírito apresenta-se-Ihe, até certo
ponto, como mundo corporal, e a matéria fica sujeita à divindade e a natureza. (12)
Uma vez chegados a considerar deste modo o corpo, e adquirida portanto nossa
liberdade, conquistando-a, a morte perde todos os seus terrores e abandonamos o corpo,
como quem despe uma roupa de que já não precisa e sem ela ficamos eretos e libertos.
Nessa mesma ordem de ideias, escreve o Dr. Franz Hartmann:
16
O DESTINO DO DUPLO ETERICO
O duplo etérico, ou Linga Sharira ou corpo astral é, como seu nome indica, o duplicado
do corpo grosseiro do homem. É o corpo etéreo que se vê algumas vezes na proximidade
do corpo físico, e a sua ausência deste nota-se geralmente por uma espécie de semiletargia
que se manifesta no corpo da pessoa de onde saiu. Atuando como reservatório, ou veículo
do princípio vital durante a vida terrena, sua separação do corpo assinala-se naturalmente
por uma queda de todas as funções vitais, mesmo antes da quebra do fio que os une. Como
já foi dito, é a quebra desse fio que ultima a morte do corpo.
Quando o duplo etérico deixa finalmente o corpo físico, não se distancia deste.
Normalmente, conserva-se flutuando sobre ele, que passa a um estado de consciência
sonolento e tranquilo, a não ser que em volta do cadáver, que ele acabou de deixar, haja
grandes e violentas manifestações de dor e de emoção. E a propósito, convém observar
que, durante o lento processo da morte, enquanto o duplo etérico está realizando a
separação, e mesmo depois desta terminada, todos se devem conservar no maior sossego e
tranquilidade, tanto quanto possível senhores de si, na câmara mortuária. Pois é durante
esse tempo que o Ego passa em revista toda a vida passada, como nos contam aqueles que,
prestes a morrer afogados, já se encontraram nesse estado de inconsciência e quase de
morte. Um Mestre escreveu:
No último momento toda a nossa vida se nos reflete na memória e emerge de todos os
cantos e recantos esquecidos, quadro após quadro, acontecimento após acontecimenta. [...]
Um homem pode muitas vezes parecer já estar morto e, contudo, entre a última pulsação e
o momento final em que a derradeira centelha de calor animal abandona o corpo, medeia
um espaço de tempo em que o cérebro pensa e o Ego revive, durante esses rápidos
segundos, toda a sua vida passada. Falai em segredo, que não se ouça mais que um tênue
murmúrio, vós, que estais junto a um leito de um moribundo, na presença solene da Morte.
Acima de tudo, conservai-vos tranquilos, assim que a morte tenha estendido a mão viscosa
sobre o corpo. Falai baixinho, repito, porque, se o não fizerdes, vossa voz e vossos gritos e
soluços perturbarão o tranquilo marulhar do pensamento, tornar-se-ão em obstáculos à
laboriosa obra do passado, lançando seus reflexos sobre o véu do futuro. (14)
A este espetáculo cheio de vida segue-se, nas criaturas vulgares, essa tranquila e
sonhadora semiconsciência, de que já se falou, quando o duplo etérico flutua por sobre o
corpo a que pertenceu, agora completamente separado dele.
Algumas vezes, quando o pensamento do moribundo se fixou com intensidade em
alguém que vai deixar, quando qualquer grande preocupação lhe assaltou o espírito nos
últimos momentos, qualquer coisa que queria deixar feito e não fez - há pessoas da casa ou
das proximidades que veem esse duplo etérico. Nestas condições, e em outras de natureza
semelhante, pode ver-se ou ouvir-se o duplo; quando se deixa ver apresenta esse estado
de inconsciência a que se aludiu, apresenta-se silencioso, de aspecto vago e por assim
dizer, incomunicável.
Mas os dias vão passando; e com seu decorrer os cinco princípios superiores vão-se
soltando gradualmente do duplo etérico e sacodem-no de si, como fizeram com o corpo
físico. E tendo-o abandonado, passam, como entidade quíntupla, a um estado de que nos
ocuparemos mais adiante, deixando o duplo etérico, agora uma espécie de cadáver astral,
com o corpo, precisamente como aconteceu antes com o corpo físico, que se converteu
num cadáver físico. Esse cadáver astral conserva-se perto do físico, e ambos se desintegram
ao mesmo tempo. Os clarividentes veem esses despojos astrais nos cemitérios, umas vezes
dotados de grande semelhança com o corpo físico morto, outras, apenas com o aspecto de
uma luz violácea. Um de meus amigos, que, decerto, perante o terrível espetáculo que
presenciou, amaldiçoou sua faculdade de clarividência, viu um desses cadáveres astrais no
período repulsivo da putrefação. O processo vai seguindo pari passu, até que, por fim, tudo,
à exceção do esqueleto ósseo do corpo físico, se desintegra completamente e as partículas
vão entrar em novas combinações.
Uma das grandes vantagens da cremação - além do caráter higiênico para os vivos -
reside na rapidez da restituição à Mãe Natureza dos elementos físicos que compõem os
corpos físico e astral, provocada pelo fogo. Em vez de uma decomposição lenta e gradual, a
cremação provoca uma dissociação rápida, que não deixa vestígios físicos, capazes de ainda
vir a produzir perturbações no plano físico.
O cadáver astral pode, até certo ponto, recuperar um pouco de vida, durante alguns
momentos depois de sua morte. A este respeito diz o Dr. Hartmann:
19
O KÃMALOKA E O DESTINO DO PRÃNA E DO KÃMA
Loka é uma palavra sânscrita que podemos traduzir por lugar, mundo, terra, e
Kãmaloka, quer dizer, literalmente, o lugar ou mundo do Desejo, visto "Kãma" ser o nome
dado a essa parte do organismo humano que encerra as paixões, os desejos e as emoções
que o homem tem em comum com os animais inferiores. (17) Nesta divisão do Universo, no
Kãmaloka, é que habitam todas as entidades humanas que sacudiram de si o corpo físico e
seu duplo etérico, mas que ainda não se desembaraçaram da natureza passional e
emocional. Além dessas entidades, muitas outras habitam também o Kãmaloka, mas neste
momento apenas nos interessam os seres humanos que passaram recentemente pelas
portas da Morte, e, portanto, a esses limitaremos nosso estudo.
Seja-nos, porém perdoada uma pequena digressão sobre a questão da existência de
regiões no Universo, diferentes do mundo físico, que são habitadas por seres inteligentes.
A existência dessas regiões é aceita pela Filosofia Esotérica, e é conhecida- dos Adeptos e
de muitos indivíduos de ambos os sexos em menor grau de evolução, por experiência
própria; para se poder conhecer essas regiões basta ter desenvolvido certo número de
faculdades latentes no homem; um homem "vivo", servindo-nos da linguagem vulgar, pode
abandonar os corpos físico e etéreo e explorar essas regiões, sem transpor as portas da
Morte. Assim lemos no Teosofista, que o verdadeiro conhecimento pode ser adquirido em
vida pelo homem que entre em relações conscientes com o mundo do Espírito.
Como, por exemplo, o caso de um Adepto iniciado que traz para a Terra memórias
pormenorizadas e verdadeiras até nos menores detalhes dos conhecimentos que adquiriu e
de tudo que presenciou na esfera invisível das Realidades. (18)
Não tendo essas entidades órgãos dos sentidos, como os nossos, respondendo os seus
sentidos a vibrações diferentes daquelas que afetam os dos seres humanos, é evidente que
o homem pode passar a seu lado, cruzar com elas a todos os instantes, sem contudo dar
por sua existência, e vice-versa. Mr. Crookes dá-nos uma ideia da possibilidade dessa
coexistência inconsciente de seres inteligentes, e basta um ligeiro esforço de imaginação
para apreender essa concepção:
Não é improvável que outros seres sencientes possuem órgãos dos sentidos que não
respondem a algum ou a nenhum dos raios para os quais nossa vista tem sensibilidade,
mas que sejam capazes de apreciar outras vibrações para as quais somos cegos. Esses
seres viveriam realmente num mundo diferente do nosso. Ponhamos no espírito a ideia de
que formaríamos daquilo que nos cerca, se, em vez de sermos dotados com olhos
impressionáveis pelos raios de luz, fôssemos dotados de olhos sensíveis às vibrações
concernentes aos fenômenos elétricos e magnéticos. O vidro e o cristal contar-se-iam entre
os corpos mais opacos. Os metais seriam todos dotados de um certo grau de transparência,
segundo sua condutibilidade elétrica ou magnética, e um fio telegráfico pelo espaço afora
dar-nos-ia a impressão de um furo comprido e estreito feito com uma broca num corpo
sólido, impenetrável. Um dínamo em movimento parecer-nos-ia um pavoroso incêndio, e,
pelo contrário, um ímã permanente realizaria o sonho dos místicos medievais, constituiria
uma lâmpada de luz eterna, sem a menor perda de energia, nem consumo de combustível.
(20)
Eis aqui a nossa doutrina, que apresenta o homem como um ser sétuplo durante a
vida, e quíntuplo depois da Morte, no Kãmaloka. (21)
Quando o homem morre, seus três princípios inferiores, isto é, o corpo, a vida e o
veiculo desta, o corpo etéreo ou o duplo do homem em vida, abandonam-no para
sempre. E então, os outros quatro princípios - o principio central ou médio (a alma
animal ou Kãma Rúpa, com o que assimilou do Mãnas inferior) e a Tríade superior _
encontram-se no Kãmaloka. (22)
Este corpo dos desejos sofre uma mudança notável logo após a morte. A matéria astral
que o compõe agrupa-se a segundo suas diferentes densidades em séries de cascas ou
invólucros kâmicos, ficando a mais densa exteriormente como que a defender a consciência
dos menores contatos e influências de fora. Livre de qualquer perturbação a consciência
22
encerra-se em si mesma e prepara-se para dar mais um passo a frente, enquanto o corpo
dos desejos se vai desintegrando, largando, uma a uma, suas cascas ou invólucros.
Até o ponto deste novo arranjo da matéria do corpo dos desejos, a experiência post-
mortem é em geral a mesma para todos; é uma espécie de “tranquila sonolência
semiconsciente”, como já foi dito, que nos casos mais felizes passa, sem se acordar
totalmente, à ainda mais profunda "inconsciência devachânica" vindo a terminar no
venturosíssimo despertar no Devachan, que é o período de repouso que medeia entre duas
encarnações. Mas como ao chegar a este ponto, se apresentam, nos vários casos,
possibilidades diferentes vamos traça primeiramente o processo normal e continuo do
Kãmaloka até o ingresso no Devachan, e depois voltaremos aos casos menos gerais.
No caso de uma pessoa que levou uma vida cheia de pureza, e sempre se esforçou com
constância para se identificar com sua natureza superior e não com a inferior, seus
elementos passionais, enfraquecidos por falta de exercício - consequência da separação do
corpo denso e do duplo etérico, e do reingresso do Prãna no oceano da vida - não têm força
para se afirmar com persistência no Kãmaloka. Ora, durante a vida terrena, o Kãma e o
Manas inferior estão intimamente unidos e estreitamente entrelaçados; no caso que
estamos tratando, o Kãma está enfraquecido e o Manas inferior tem concorrido em grande
escala para a purificação do Kãma. O espírito, amalgamado com as paixões, as emoções e
os desejos, purificou-os e assimilou a parte mais pura, observou-a em si, de forma que o
pouco que resta do Kãma é um simples resíduo que facilmente se solta e de que é
extremamente simples à Tríade Imortal ver-se totalmente livre. Essa Tríade Imortal, que é o
Homem verdadeiro, vai concentrando pouco a pouco suas forças; reúne em si as
lembranças da vida terrena que terminou, os amores, as esperanças, as aspirações e
prepara-se para passar do Kãmaloka ao feliz repouso do Devachan, a "terra dos Deuses",
ou, como já se lhe chamou, a "terra da Suprema Ventura". O Kãmaloka é uma localidade
astral, o Limbo da teologia escolástica, o Hades dos antigos; falando com propriedade, só
num sentido muito relativo é que se lhe pode chamar uma localidade: não tem nem área
definida, nem limites ou fronteiras; existe dentro de um espaço subjetivo, isto é, para além
de nossas percepções sensoriais. Contudo, existe e é lá que os eidolons (23) astrais de todos
os seres que viveram, até mesmo dos animais - esperam a segunda morte. Para os animais,
esta vem com a desintegração, e com o murchar total de todas as suas partículas astrais.
Para o eidolon humano, começa quando a Tríade Ãtmã Buddhi-Mãnásica se "separa" de
seus princípios inferiores, ou seja, da reflexão da ex-personalidade, ao cair no estado
devachânico. (24)
Essa segunda morte é, pois, a passagem da Tríade Imortal da esfera do Kãmaloka, tão
intimamente relacionada com a esfera terrestre, ao estado superior do Devachan, de que
nos ocuparemos mais adiante. O tipo de homem, cujo caso estamos considerando, passa
por este processo ao estado de suave letargo, já referido, e se nada o perturbar, não volta
a ter plena consciência, enquanto não tiver passado por estas etapas e esse repouso não
for totalmente substituído pela suprema bem-aventurança.
Mas, durante o período completo, seja ele pequeno ou grande, dure ele dias ou
séculos, em que os cinco princípios: a Tríade Imortal, o Espírito e o Kãma permanecem no
23
Kãmaloka, não cessam as influências terrenas. No caso do indivíduo considerado, este
pode ser desperto pela tristeza ou pela intensa saudade das pessoas queridas, que deixou
na Terra: esses elementos kâmicos, ao vibrar violentamente nas pessoas encarnadas,
podem dar lugar a vibrações no Kãma Rüpa das desencarnadas, alcançar e despertar o
Manas inferior, antes de sua junção com sua progenitora, a Inteligência Espiritual. Desse
modo, pode ele ser arrancado do estado de sonolência e mergulhar vivamente nas
recordações da vida terrena, que há tão pouco tempo deixou, e pode - ou diretamente, se
se trata de um sensitivo ou médium, ou indiretamente por meio de um desses desolados
entes queridos, em comunicação com o médium - servir-se dos corpos etéreo e físico do
médium para falar ou escrever àqueles que deixou na Terra. Esse despertar vem
geralmente acompanhado de um intenso sofrimento; e mesmo que este possa ser evitado,
o processo natural de libertação da Tríade é perturbado e retardado por essas emoções e
recordações da Terra. Referindo-se à possibilidade dessa comunicação ocorrer no período
que medeia entre o momento da morte e o ingresso do homem liberto no Devachan, diz H.
P. Blavatsky:
Que qualquer mortal em vida tenha obtido grandes vantagens e proveitos da volta do
"Espírito" ao plano objetivo - a não ser em alguns casos excepcionalíssimos, quando a
intensidade do desejo da pessoa moribunda de voltar à Terra por causa de qualquer
intenção particular force a consciência superior a conservar-se acordada e, neste caso, seria
a individualidade verdadeira, o "Espírito" que estabeleceria a comunicação - é muito
duvidoso. Depois da morte, o Espírito está num estado de grande perturbação e
depressa passa ao estado que chamamos "inconsciência pré-devachânica". (25)
O primeiro intervalo é o período que medeia entre a morte física e a entrada do Ego
espiritual no estado conhecido entre as doutrinas esotéricas dos Arhats pelo nome de
Bardo. Traduzimo-lo por período de "gestação" (pré-devachânica).
Algumas das comunicações obtidas pelos médiuns têm sua origem nesta atração da
entidade desencarnada para a esfera terrestre - cruel carinho que lhe retarda a evolução
progressiva e introduz um elemento de perturbação naquilo que deveria ser uma cadeia
contínua de progresso ordenado. É esta a causa da duração da estada no Kãmaloka; o
corpo de desejos continua a receber alimento e a ter em seu poder o Ego, de forma que a
libertação da alma é adiada, visto que a imortal Andorinha ainda se encontra presa ao visco
da Terra.
Aqueles que levaram uma vida perdida, que satisfizeram e estimularam as paixões
animais, e foram alimentando o corpo de desejos, deixando quase morto de fome o
espírito inferior - esses continuam por muito tempo a habitar o Kãmaloka, cheios de
desejos e de vontade de regressar à Terra, mortificados pela ânsia dos prazeres animais
que, por falta do corpo físico, não podem satisfazer. Estes formam como que um enxame
em volta do médium e do sensitivo, tentando utilizá-los para a satisfação própria de seus
impulsos, e constituem uma das forças mais perigosas com que, em sua ignorância, os
incautos e os curiosos têm de se defrontar.
Existe uma outra ordem de entidades desencarnadas formada pelos indivíduos cuja
vida na Terra foi abruptamente interrompida, quer por suicídio ou crime, quer por
desastre. Seu destino em Kãmaloka depende das condições de que se cercou a sua partida
da vida terrena, pois nem todos os suicidas são culpados de feIo de se, e a extensão de sua
responsabilidade pode variar dentro de limites muito amplos. A condição destes vem
claramente expressa na seguinte passagem:
Esses desencarnados, quer mortos por suicídio, quer por desastre, podem, embora
com grande prejuízo seu, comunicar-se com a Terra. Como já foi dito, os bons e os
inocentes dormem tranquilamente até o dia em que deviam morrer naturalmente. Mas se
a vítima de um acidente foi perversa e sensual, sua morte é tudo o que há de mais triste.
Vagueiam como sombras desgraçadas, de um lado para o outro (não como invólucros
kâmicos, visto que sua ligação com os dois princípios superiores não está cortada), até a
hora da segunda morte. Arremessados para fora da vida terrena no apogeu das paixões,
que continua a prendê-los às cenas familiares, sentem-se induzidos pelas oportunidades
oferecidas pelos médiuns para as satisfazer, ainda que, indiretamente, por intermédio de
um substituto. São os Pisãchas, os Íncubos e Súcubos dos tempos medievais; os demônios
da sede, da gula, da luxúria e da avareza. Elementares de imensa força, de enorme maldade
e de intensa crueldade, impelem suas vitimas a cometer crimes horríveis, regozijando-se
com sua perpetração. Mas sua ação não se limita à perdição dos infelizes que lhes caem nas
garras: espécie de vampiros psíquicos, arrastados pela torrente dos impulsos que os
dominam são, por fim - ao chegar o termo final do período natural de sua existência, -
transportados para fora da aura terrestre, a regiões onde durante séculos experimentam os
mais agudos sofrimentos e terminam absolutamente aniquilados.
Ora, as causas que produzem "o novo ser" e que determinam a natureza do Karma são
Trishnã (Tanha) - sede desejo de uma existência senciente - e Upãdãna, que é a realização
ou a consumação de Trishnã, o desejo de que acabamos de falar. São esses dois que o
médium contribui para desenvolver nec plus ultra num Elementar, (28) seja um suicida ou
uma vítima de um crime. Como regra, uma pessoa que morra de morte natural fica, durante
um período de tempo que pode ser "de horas ou de alguns anos", na esfera de ação da
atração terrestre - isto é, no Kãmaloka. Mas o caso dos suicidas e, em geral, dos que
morrem violentamente, constituem exceções. Daqui resulta que um desses Egos que
estivesse destinado a viver, por exemplo, oitenta ou noventa anos mas que se matasse ou
26
morresse violentamente aos vinte anos, terá de passar no Kãmaloka não apenas "alguns
anos", mas, no caso considerado, sessenta ou setenta anos no estado de "judeu errante na
terra", porque, infelizmente para ele, não é nem sequer um "invólucro kâmico". Felizes, mil
vezes mais felizes, são aquelas entidades desencarnadas que dormem sua longa sonolência
e vivem sonhando no seio do Espaço! Mas desgraçados daqueles cujo Trishnã os atrai para
os médiuns, e desgraçados destes que os tentam com um Upãdãna tão fácil. Pois atraindo-
os e satisfazendo-lhes a sede de vida, o médium concorre para desenvolver neles - é mesmo
a causa principal desse desenvolvimento - um novo grupo de Skandhas, de um novo corpo
com tendências e paixões muito piores do que as que tinham o corpo abandonado. Todo o
futuro desse novo corpo será determinado não só pelo Karma de mérito do grupo anterior,
mas também pelo novo grupo do futuro ser. Se os médiuns e os espíritas soubessem que, a
cada novo "anjo protetor" que com tanto prazer acolhem, o induzem a um Upâdâna que
produzirá males sem conta para o novo Ego que renasce sob sua sombra nefasta, e que em
cada sessão espírita especialmente nas de materialização, concorrem para centuplicar
sofrimentos, obrigando o desgraçado Ego a um fracasso em seu nascimento espiritual, ou a
renascimento numa existência muito pior, talvez fossem menos pródigos na concessão de
sua hospitalidade.
Logo que transpõe a saída do Kãmaloka – que cruzou a “Ponte de Ouro” que conduz às
“Sete Montanhas de Ouro” – o ego deixa de poder entrar em comunicação com os médiuns
vulgares.
Existem algumas possibilidade excepcionais de alcançar esse Ego, que mais adiante
explicaremos; mas o Ego esta fora do médium vulgar e não p ode ser atraído à esfera
terrestre. Mas antes de seguirmos a Tríade temos de estudar o destino do Kãma Rupa,
agora abandonado, que ficou no Kãmaloka como uma mera relíquia.
28
O KÃMALOKA. OS INVÓLUCROS
O Invólucro kâmico é o corpo de desejos, abandonado pela Tríade com o Raio, que
continuou o seu caminho; é a terceira das túnicas transitórias da alma, abandonada no
Kãmaloka em processo de desintegração.
Quando a vida terrena passada foi nobre e mesmo quando foi apenas de uma pureza e
de uma utilidade medianas, esse Invólucro conserva pouca vitalidade depois do abandono a
que o votou a Tríade, e desintegra-se rapidamente. Contudo, as moléculas que o
constituem retêm, durante esse processo de desintegração, as impressões nelas deixadas
durante a vida terrena, o que se manifesta numa tendência para vibrar em resposta aos
estímulos provenientes da influência constante desse período. Todos os estudantes de
psicologia sabem o que é a ação automática, a tendência das células para repetir as
vibrações originalmente provocadas por ações voluntárias; assim se formam os chamados
hábitos, que acarretam a repetição involuntária de movimentos que a princípio não foram
inconscientes, antes pelo contrário, foram "meditados" E esse automatismo do corpo é tão
forte e poderoso, que, como todos sabem por experiência própria, é dificílimo cortarmos
completam o costume de repetirmos certas frases ou certos gestos que se nos tornaram
um "hábito".
0ra, o corpo de desejos é, durante a vida na Terra o recipiente de todos os estímulos
que nos vem de fora, e é ele que continuamente registra e os transmite. Lá se encontram
os hábitos e as tendências de repetir automaticamente vibrações familiares, vibrações de
amor e de desejo e, em geral, as que refletem toda a espécie de experiências passadas.
Assim como a mão repete um gesto familiar, também o Kãma Rüpa pode repetir um
pensamento ou um sentimento habitual. E esse automatismo fica, quando a Tríade
continua o seu caminho e, desse modo, o Invólucro kâmico pode apresentar sentimentos e
pensamentos que estão absolutamente isentos de inteligência e de vontade propriamente
ditas. Muitas das respostas às pergunta; cheias de ansiosa curiosidade, que fazem nas
sessões espíritas, provém dessas formas, atraídas para junto dos amigos e presentes pela
influência magnética durante tanto tempo familiar e querida e que respondem
automaticamente às ondas de emoções e de saudosas recordações, ao decorrer da vida
terrena recentemente abandonada. Frases de afeto, banalidades morais, recordações de
coisas passadas. Etc., nisso se resumem todas as comunicações que podem ser devidas a
esses Invólucros; porém, estas podem literalmente transvasar em condições favoráveis, sob
a ação do estímulo magnético aplicado sem restrição pelos amigos e parentes encarnados.
No casos em que o Manas inferior esteve durante a vida terrena muito apegado a
objetos materiais ou a trabalhos intelectuais estimulados e provocados por um motivo
puramente pessoal, o corpo de desejos pode adquirir um considerável grau de
automatismo de caráter intelectual e pode dar respostas inteligentes e de raro valor. Mas,
contudo, há de lhe faltar o cunho da originalidade, "Visto que a inteligência aparente não
pode dar de si mais do que meras repetições, e nunca apresentará pensamentos novos,
que seriam manifestação de uma grande inteligência em ação no seio de circunstâncias
novas. A esterilidade intelectual é a característica da grande maioria das comunicações do
29
"mundo espiritual"; os reflexos das cenas terrenas, das condições da Terra, dos modos de
ser terrestres, aparecem muito nessas ocasiões, mas seria debalde que procuraríamos
pensamentos novos e poderosos, dignos das Inteligências que se libertaram da prisão da
carne.
Existe um perigo constante nessa convivência com as formas kâmicas. Precisamente
pelo fato de serem apenas Formas, e nada mais, respondem aos impulsos vindos de fora; é
com a maior facilidade que se convertem em maliciosas e prejudiciais, respondendo
automaticamente a vibrações perniciosas. E assim que os médiuns, ou em geral os
espectadores das sessões espíritas, de pouca moralidade, imprimem impulsos de ordem
inferior nos invólucros que pululam à volta deles; qualquer desejo animal e os pensamentos
tolos e ignorantes porão em ação vibrações de sua espécie nos invólucros cegos e de fácil
contravibração.
Por outro lado, os Elementais, forças inconscientes que funcionam nos diferentes
reinos da Natureza, apossam-se com facilidade dos invólucros e podem utilizá-los como
veículo de brincadeiras e truques. O duplo etérico do médium e os corpos de desejos
abandonados por seus moradores imorais fornecem a base material por meio da qual os
Elementais podem produzir resultados curiosos e verdadeiramente surpreendentes;
bastaria apelar-se para o testemunho dos frequentadores das sessões espíritas, que
decerto dariam resposta afirmativa se se lhes perguntasse se a maior parte das
brincadeiras e truques com que estão familiarizados, tais como puxões de cabelo, beliscões,
roubo de objetos, coisas escondidas etc. não se devem atribuir com mais razão a
extravagâncias burlescas de forças subumanas, que à ação de "espíritos", que, enquanto
encarnados, seriam decerto incapazes dessas banalidades, sem graça nem espírito.
Deixemos, porém, os Invólucros kâmicos entregues a sua desintegração e a seu
trabalho de regresso ao cadinho da Natureza. Os autores do Perfect Way [O Caminho
Perfeito] mostram primorosamente o que é esse Invólucro.
30
O KÃMALOKA. OS ELEMENTARES
A palavra "Elementar" tem sido empregada com uma tal amplitude de sentido que tem
dado lugar a muitas confusões. H.P. Blavatsky definiu-a da seguinte forma:
Os leitores desta série de Manuais sabem que é possível o Manas inferior enredar-se
de tal modo no Kãma, a ponto de chegar a separar-se violentamente de sua origem, e é a
essa separação que em Ocultismo se chama "a perda da Alma". (31) Em outras palavras, é a
perda do eu pessoal, que se separou de seu Pai, o Ego Superior, condenando-se assim a
perecer. Essa Alma, deste modo segregada da Tríade Imortal durante a vida terrena,
converte-se num verdadeiro Elementar, ao abandonar os corpos físico e astral. Depois,
revestido do corpo de desejos, vive durante um certo tempo, maior ou menor, segundo o
vigor de sua vitalidade, convertido na personificação da perversidade; perigoso e maléfico,
ele tenta renovar sua vitalidade em decadência, por todos os meios que a loucura ou a
ignorância das almas encarnadas lhe sugerem. Seu destino final é, na verdade, a
aniquilação, mas, entretanto, enquanto percorre um dos caminhos que a ela conduzem - e
pode escolher qualquer um - pode ainda fazer muito mal.
A palavra Elementar usa-se, no entanto, também aplicada ao Manas inferior, revestido
do corpo de desejos, ainda não separado dos Princípios Superiores, mas ainda não unido ao
Manas superior. Esses Elementares podem encontrar-se em qualquer grau de evolução e,
portanto, a sua ação benéfica ou maléfica é muito relativa.
Outros escritores usam Elementar também como sinônimo de Invólucro kâmico,
concorrendo assim para tornar ainda maior a confusão. A palavra devia limitar-se, pelo
menos, a designar o Kãma Rüpa mais o Manas inferior, quer este esteja em via de
separação dos elementos kâmicos para ser absorvido por sua nascente, o Manas superior,
quer esteja solto do Ego Superior e, portanto, em via de aniquilamento.
31
O DEVACHAN
Entre os vários conceitos apresentados pela Filosofia Esotérica, poucos há, talvez, que
sejam de tão difícil compreensão para o Ocidente como o do Devachan, ou Devasthãn, a
Região dos Devas, ou a Região dos Deuses. (32) E uma das principais dificuldades nasceu da
exagerada liberdade no uso dos termos ilusão, estado de sono e outros semelhantes,
aplicados à consciência devachânica: e por isso uma impressão de falta de realidade veio
desvirtuar todo o conceito de Devachan. Quando o pensamento oriental, referindo-se à
vida presente, lhe chama Mãyã, ilusão, sonho, os positivistas ocidentais traduzem as
palavras literalmente, dando-lhe um caráter alegórico ou fantasioso, pois nada pode ser
menos ilusório dizem eles de que este nosso mundo de compras e vendas, de bifes mal-
passados e de cerveja engarrafada. Porém, quando qualquer desses termos é aplicado a
um estado post-mortem - estado que, segundo a religião lhes ensina, é todo nebuloso e
nada tem de realidade, e no qual, entendem eles, faltam todas as comodidades
substanciais tão queridas do homem acostumado ao conforto da família - então aceitam as
palavras em seu significado prosaico e tratam o Devachan de "ilusão", no sentido que a
palavra tem nos dicionários. E, pois, necessário ao abordar-se esse assunto de Devachan
apresentar essa questão da "ilusão" em seu verdadeiro aspecto.
No sentido metafísico profundo, tudo o que é condicionado é ilusório. Literalmente
todos os fenômenos são "aparências", máscaras exteriores com que a Realidade Una se
manifesta em nosso instável universo. Quanto mais "material" e mais sólida é a aparência,
tanto mais longe se acha da realidade e, portanto, tanto mais ilusória é. Haverá alguma
coisa mais falsa do que este nosso corpo aparentemente tão sólido, estável, visível e
tangível? É um agregado de pequeníssimas partículas com vida, que mudam
constantemente, um centro de atração para o qual convergem continuamente miríades
de seres invisíveis, que se tornam visíveis por sua acumulação nesse centro, de onde saem
ato contínuo, voltando, logo que se separem uns dos outros, à sua invisibilidade
proveniente de sua pequenez. Menos ilusório, em comparação com este corpo
imensamente instável, é o espírito que pode expor as pretensões do corpo e pô-las na
verdadeira luz. O espírito anda constantemente enganado pelos sentidos, e a Consciência,
que é o que em nós existe de mais real, está pronta a considerar-se a si mesma como
ilusória. Na verdade, é o mundo do pensamento que está mais próximo da realidade, e as
coisas tornam-se mais ou menos reais, conforme tomam um caráter mais ou menos
fenomenal.
Além disso, o espírito é permanente, comparado com o transitório mundo físico.
Porque "espírito" e "mente" não passam de nomes grosseiros do Pensador que vive em nós
Entidade verdadeira e consciente, o Homem interno "que foi, é e será, para quem a hora
nunca há de soar". Quanto menos profundamente este homem interno está submerso na
matéria, tanto mais real é sua existência; e depois de se ter desfeito dos invólucros, de que
se revestiu ao encarnar-se, isto é, os corpos físico, astral e as paixões, é que ele se encontra
próximo da Alma das Coisas; e se é certo que nesse estado ainda tem a visão obscurecida
por alguns véus, estes têm todavia um grau de transparência muito maior do que tinham,
32
quando se achava revestido de carne. Sua verdadeira vida, a mais livre e a menos ilusória, é
precisamente aquela que ele passa fora do corpo, e é nesse estado, quando desencarnado,
que, relativamente, ele vive sua vida normal. Sai desse estado normal e mergulha na vida
física durante curtos períodos para adquirir a experiência que de outro modo nunca
poderia colher, experiência que, ao abandonar o corpo físico, leva consigo para enriquecer
a sua condição de vida permanente. Assim como o mergulhador penetra nas profundezas
do oceano para lá colher uma pérola, e depois volta à superfície e põe o pé em terra firme,
assim também o Pensador mergulha no oceano da vida física para de lá colher a pérola da
experiência: mas pouco tempo se demora fora de seu elemento, retorna para cima, para a
atmosfera em cujo seio vive normalmente e atira para longe de si o elemento mais pesado.
É, pois, com um grande fundo de verdade e de realidade, que se diz que a Alma deixa a
Terra, e que volta à sua verdadeira mansão; porque, realmente seu lar é o "Mundo dos
Deuses", ao passo que na Terra é uma prisioneira desterrada. Este ponto de vista foi
exposto com muita clareza por um dos Mestres numa conversa com H. P. Blavatsky,
impressa com o título Life and Death [Vida e Morte]. A seguinte passagem é
suficientemente elucidativa: (33)
Por que, neste caso, devemos chamar de sonho a realidade e fantasma o estado
acordado?
Esta comparação foi feita por mim para facilitar a sua compreensão. Do ponto de vista
das nossas noções terrestres, ela é perfeitamente exata.
Notem as palavras: "Do ponto de vista das nossas noções terrestres", pois elas são a
chave para todas as frases usadas para Devachan como "ilusão". Nossa matéria física
grosseira não se encontra aí; as limitações por ela impostas não estão aí; mas a mente em
seu próprio domínio, onde querer é criar, onde pensar é ver.
Tendo-se perguntado a um Mestre: Se não seria melhor dizermos que a morte não é
mais que um nascimento numa outra vida, ou antes, um regresso à imortalidade?", eis o
que ele respondeu:
Assim é realmente, e nada tenho a dizer em contrário a essa maneira de pôr a questão.
33
Com as noções que temos da vida material, as palavras "viver" e "existir" não são aplicáveis
à condição puramente subjetiva posterior à morte; e se as empregássemos em nossa
Filosofia sem uma definição rigorosa de sua significação, os Vedantinos em breve
chegariam às ideias generalizadas em nosso tempo, entre os Espiritualistas Americanos,
que pregam acerca de espíritos que se casam não só uns com outros espíritos mas até com
mortais. O mesmo que acontece com o; cristãos - entre os verdadeiros, não os de nome
apenas - acontece com os Vedantinos: a vida além-túmulo é a região onde não há lágrimas,
nem suspiros, onde não há casar nem pedir em casamento, e onde o justo realiza sua
completa perfeição.
As ideias a priori do espaço e do tempo não lhe governam as percepções, porque ele as
cria e as aniquila ao mesmo tempo de modo absoluto. A intensidade da existência física
aumenta da infância para a idade madura e diminui da velhice para a morte;
igualmente a vida-sonho do Devachan é vivida de um modo semelhante. A Natureza
não engana a entidade devachânica mais do que engana o homem físico. Lá, a
Natureza dá-lhe uma felicidade e uma bem-aventurança mais real do que aqui, onde
todas as probabilidades do mal conspiram contra ele. Chamar à existência no Devachan
"sonho ", a não ser por adoção de um termo convencional, é renunciar para sempre ao
conhecimento da Doutrina Esotérica, única salvaguarda da verdade.
"Sonho", sim, mas apenas no sentido de que não pertence a este plano de matéria
grosseira, que não pertence ao mundo físico.
34
Tentemos abranger, numa visão de conjunto, a vida do Eterno Peregrino, do Homem
Interior, da Alma humana, durante um ciclo de encarnação. Antes de começar a nova
peregrinação - porque antes desta já fez muitas em seu passado, e delas recolheu os
poderes que o tornam apto para a atual - ele é um ser espiritual, mas um ser que já passou
para fora da condição de puro Espírito, e a quem as experiências anteriores desenvolveram
a inteligência e um espírito consciente de si próprio. Mas essa evolução, devida à
experiência, está longe de ser tão completa, que ele se possa considerar senhor da matéria;
sua ignorância conserva-o ainda nas mãos de todas as ilusões da matéria grosseira; basta
que entre em contato com esta para ficar prisioneiro; e está ainda muito longe de ser um
construtor de um universo, por estar sujeito às visões ilusórias e enganadoras causadas
pela matéria grosseira - como uma criança olhando através de um vidro azul, vê tudo, dessa
cor, e julga que todo o mundo para além do vidro é todo da cor do céu. O objetivo de um
ciclo de encarnação é precisamente libertá-lo dessas ilusões, de forma que, mesmo
rodeado de matéria grosseira, ele possa separar o joio do trigo e não se deixe cegar pelo
que é ilusório. Ora, o ciclo de encarnação compõe-se de dois estados que se alternam: um
estado de pequena duração chamado vida terrena e um outro, relativamente muito mais
longo, chamado vida devachânica, durante o qual ele se acha no meio de uma esfera de
matéria sutil, ainda ilusória, é certo, mas muito menos do que a da Terra. A este segundo
estado pode muito bem chamar-se o seu estado normal, visto que é de uma duração
enorme perante a duração das interrupções que sofre para vir viver na Terra e por estar
menos longe de sua Vida Divina essencial; e, alem disso, estar mais liberto da matéria e,
portanto, menos sujeito as ilusões de suas aparências instáveis. Lenta e gradualmente. à
força de experiências repetidas, a matéria grosseira vai perdendo o poder que tinha sobre
ele e de tirana absoluta converte-se em serva fiel e obediente. Na liberdade parcial do
Devachan vai assimilando suas experiências da Terra, ainda dominado por elas - a princípio,
realmente, dominado quase em absoluto, de modo que a vida devachânica é a continuação
sublimada da vida terrena - mas liberta-se delas gradualmente, à medida que lhes vai
conhecendo seu caráter transitório e externo, até se poder mover livremente em qualquer
região de nosso Universo com uma autoconsciência ininterrupta. Verdadeiro Senhor do
Espírito, deus livre e triunfante. É este o triunfo da Natureza Divina manifestado na carne, a
subordinação de todas as formas da matéria ao instrumento obediente do Espírito. Assim
disse o Mestre:
Seja marido, pai, estudante, patriota, artista, cristão ou budista, tem de sofrer no
Devachan os efeitos da vida terrena; não pode comer nem assimilar mais alimento do que
aquele que juntou; não pode colher mais do que o correspondente ao que semeou. Para
lançar uma semente à terra, basta um momento, mas para que a semente se transforme na
espiga madura, são precisos muitos meses; e conforme a espécie da semente, assim será a
espécie da espiga, que dela resulta: igualmente, a colheita do campo de Aanroo será o
resultado da espécie de vida que se teve na curta estada na Terra.
No Devachan não entra nada que corrompa, pois a matéria grosseira ficou na Terra e
36
no Kãmaloka com todos os seus atributos. Porém, se o semeador deitou à terra poucas
sementes, escassa será a colheita devachânica e o desenvolvimento da Alma será
retardado por causa da pobreza dos alimentos de que tem de nutrir-se. Daqui vem a
importância imensa da vida terrena, o campo da semeadura, o lugar onde se faz a colheita
da experiência. É ela que condiciona, regula e limita o desenvolvimento da Alma; produz o
mineral em bruto que a alma extrai e trabalha durante o estado devachânico, fundindo-o,
forjando-o, e temperando-o, para dele fazer as armas com que vai lutar na próxima vida
terrena. A Alma, cheia de experiência, constrói no Devachan uma arma magnífica para a
próxima vida na Terra, ao passo que a Alma inexperiente apenas forjará uma fraca lâmina
embotada. No Devachan, a "Alma, por assim dizer, separa e classifica suas experiências,
tem uma vida relativamente livre e adquire pouco a pouco poder. de dar às experiências
terrenas seu verdadeiro valor; põe em prática, por completo, como realidades objetivas,
todas as ideias de que na Terra concebeu os germens. Desse modo, qualquer aspiração
nobre é um embrião que a Alma converterá numa esplendida árvore de verdade no
Devachan, e quando, na próxima encarnação, volta à Terra traz consigo a imagem mental
dessa realidade objetiva, que na primeira ocasião oportuna materializará: porque a esfera
do espírito é a esfera da criação, e a Terra é o lugar onde o pensamento persistente se
materializa. A Alma é uma espécie de arquiteto que traça um plano no silêncio e na
meditação profunda, e que, depois, o mostra em plena luz e por ele constrói o edifício;
com os conhecimentos adquiridos na vida anterior, a Alma esboça os planos para a
próxima e regressa à Terra para dar forma material aos edifícios que planejou em seu
isolamento. A passagem seguinte é a alegoria de Brama em atividade criadora:
Como as mais importantes das atividades são as morais e as espirituais, e como de seu
desenvolvimento depende o desenvolvimento e aperfeiçoamento do verdadeiro Homem e,
por consequência, a realização do "objetivo da criação, a libertação da Alma", podemos por
este fato começar a compreender alguma coisa da grande importância do estado
devachânico.
(32). Em vez da palavra Devachan, usa-se também a palavra Sukhãvati, tirada do Budismo
do Tibete. Segundo Schlagintweit, o Sukhãvati é "a morada dos bem-aventurados, à qual
ascendem os que se tornaram dignos pela prática de virtudes"; e os que lá vivem "estão
libertos da metempsicose" (O Budismo no Tibete. p. 99). Segundo a escola Prasanga, o
Caminho superior conduz ao Nirvãna, o inferior ao Sukhãvati. Mas Eitel chama ao Sukhãvati
"o Nirvâna dos indivíduos vulgares, onde os santos vivem na maior bem-aventurança
durante anos, até reingressarem no círculo da Transmigração" (Dicionário Sânscrito-chinês).
Contudo, quando se refere à palavra Amithãba, diz que o "espírito popular" considera o
"paraíso do Ocidente" como "o posto da redenção final dos vendavais da transmigração".
Segundo um dos Mestres da Filosofia Esotérica, esse termo abrange os estados
devachãnicos superiores, dos quais a Alma volta à Terra.
(33). Veja Lúcifer, outubro de 1892, vol. XI, nº 62.
(34). O caminho, maio de 1890.
(35). caminho, maio de 1890.
(36). "Notas sobre o Devachan", op. cit.
(37). "Notas sobre o Devachan". Há uma grande variedade de estágios no Devachan: o
Rüpa Loka (lugar das formas) é um estado inferior, onde a Alma se acha ainda cercada de
formas. No Tribhuvana, acha-se já livre de todas essas personalidades.
(38). Vishnu Purãna, livro I, cap. V.
38
O DEVACHANI
Quando a Tríade se despoja do último invólucro, atravessa o limiar do Devachan e
converte-se num "Devachani", isto é, numa entidade devachânica. Já vimos que esta, antes
de dar o passo que a coloca fora da atração terrestre, ou seja, antes da "segunda morte",
ou "inconsciência pré-devachânica", se encontra num estado de tranquila sonolência. A
esse estado chama-se também período de "gestação", porque precede imediatamente o
nascimento do Ego na vida devachânica. Este passo, visto da vida terrena é a morte; visto
do Devachan é o nascimento. As "Notas sobre o Devachan" dizem:
No Devachan, o Ego passa por coisas semelhantes às que se dão na vida terrena; no
principio, as primeiras manifestações da vida psíquica: depois, a maturação dessa vida
psíquica: depois, por um esgotamento gradual da força, passa a uma semiconsciência, a um
letargo, a um esquecimento total, e por último, sobrevém, não a morte, mas o nascimento
em outra personalidade e a reaquisição das ações que diariamente geram novos agregados
de causas, que devem dar seus efeitos em outro período devachânico; e depois à
encarnação física numa nova personalidade. O que hão de ser, para cada caso, as vidas no
Devachan e na Terra, é determinado pelo Karma; e esta árdua roda de nascimentos tem de
girar umas poucas vezes, até chegar ao fim da sétima Ronda, ou então alcance, entretanto,
a sabedoria de um Arhat, depois a de um Buda, único meio por que se pode libertar de uma
ou de duas Rondas.
Quando a entidade devachânica nasce nessa nova esfera, está fora de toda a atração
terrestre. A Alma encarnada pode elevar-se até ela, mas esta não pode ser atraída ao nosso
mundo. Sobre este ponto falou um Mestre categoricamente:
É fato que o novo Ego, ao voltar a nascer (no Devachan) retém durante certo tempo,
proporcional a duração; da vida terrena, uma memória completa desta; mas do Devachan
não pode voltar à Terra, senão quando se reencarna.
Ãtmã não é nenhuma propriedade individual, mas sim a Essência Divina que não tem
39
corpo, nem forma; que é imponderável, invisível e inaudível; aquilo que não existe, e
contudo é, como dizem os budistas acerca do Nirvana; apenas cobre com sua sombra
protetora o mortal; o que entra neste e lhe impregna o corpo todo são apenas os seus raios
a sua luz onipresente, que irradia por meio de Buddhi, seu veiculo e sua emanação direta.
(39)
Buddhi e Manas unidos, a essa sombra protetora que lhes dá o Ãtmã, formam o
Devachani; ora, como vimos ao estudar Os Sete Princípios, o Manas tem suas modalidades,
durante a vida terrena, e o Manas Inferior e de novo chamado ao Superior, durante o
intervalo de Kamaloka. Graças a esta nova união do raio ao Manas, sua fonte, este
converte-se de novo em uno e leva para o Devachan as experiências puras e nobres da vida
terrena, mantendo-se, desse modo a personalidade passada como qualidade característica
do Devachani; e é nesse prolongamento, chamemos-lhe assim do "Ego pessoal” que
consiste a "ilusão da personalidade", Se a entidade manásica estivesse livre de toda a ilusão,
veria em todos os Egos Almas irmãs e lançando um olhar ao passado, reconheceria a
variedade de relações que teve em outras vidas, como um ator que recordasse os papéis
que tivesse representado com outros atores e considerasse cada um destes não como a
personagem, pai, filho, juiz, assassino, ou amigo, interpretado nas peças mas como um
irmão seu. A relação humana mais profunda evitará que os atores-irmãos se identifiquem
com os seus papeis, e assim, os Egos espirituais aperfeiçoados, reconhecendo a sua
profunda unidade e plena fraternidade nunca se deixarão iludir pelas armadilhas das
relações terrestres Mas o Devachani, pelo menos nos estágios inferiores, ainda está dentro
dos limites pessoais da vida terrena passada; está encerrado nas relações nos parentescos
dessa encarnação; e o seu paraíso é povoado por aqueles que amou com um amor que não
morre, que e o único sentimento que sobrevive, como já foi dito o característico que
sobressai no Devachani Voltando as “Notas sobre o Devachan", encontramos:
"Quem vai para o Devachan?" Pelo que vimos é o Ego pessoal, mas beatificado,
purificado, santificado. Cada Ego - combinação do sexto e sétimo princípios (40) - que
depois do período de gestação inconsciente torna a renascer no Devachan, é por
necessidade tão inocente e tão pura como uma criança recém-nascida. O fato de um
renascimento demonstra a preponderância do bem sobre o mal em sua última
personalidade. E enquanto o Karma (o do mal) se afasta durante este tempo para o seguir
depois na encarnação futura, o Ego só leva consigo para o Devachan o Karma de suas
ações, palavras e pensamentos de bondade. "Mal" é um termo relativo para nós, como já se
disse antes mais de uma vez, e a Lei da Retribuição é a única lei que nunca falha. Por isso,
todos aqueles que não mergulharam no mar do pecado e da animalidade vão para o
Devachan. Mais tarde, então, pagarão pelos pecados voluntários ou involuntários.
Entretanto, vão recebendo a recompensa pelo bem; vão recebendo os efeitos das causas
que produziram.
Posto isto, encaremos com serenidade uma outra questão: muitos revoltam-se à ideia
de que os laços que formaram na Terra não sejam permanentes na eternidade. Ora,
40
quando uma mãe aperta ao peito pela primeira vez seu filhinho recém-nascido, a relação
entre eles parece ser perfeita; se a criança morresse, o desejo da mãe seria possuí-lo assim
mesmo; porém, geralmente vive, atravessa a mocidade, chega a homem, e nesta altura os
laços que o unem à mãe mudam; o amor protetor da mãe e a obediência passiva do filho
convertem-se num sentimento diferente, como entre camaradas e amigos, mas superior à
amizade vulgar graças às velhas recordações; porém, mais tarde, quando a mãe está velha
e o filho se encontra a meio da vida ou na idade madura, invertem-se os papéis e é, então,
o filho que passa a proteger a mãe que, por sua vez, passa a depender do filho, agora seu
guia e protetor. Pergunta-se agora: Qual dos laços será mais forte, o primeiro, o da infância,
ou este de agora? Evidentemente, o segundo. Pois é precisamente o que sucede com os
Egos; podem em muitas vidas manter relações mútuas, e finalmente, tendo chegado como
Irmãos da mesma Loja a unir-se estreitamente, podem olhar para trás, para as vidas
passadas, e ver-se nas vidas terrenas relacionados de todas as maneiras que aparecem nas
relações entre seres humanos, até que a corda esteja tensa e forte, formada por todos os
fios bem torcidos do amor e do dever. Não será a unidade final mais rica, em lugar de mais
pobre, em virtude da grande quantidade de fios que se entrelaçaram para formar o laço?
Digo “finalmente" mas esta palavra apenas se pode aplicar ao ciclo atual, porque não há
inteligência humana que possa saber que a vida de mais amplidão e de menos
separatividade se seguirá para além. A meu ver, acho que é precisamente essa variedade
de experiências que fazem mais fortes, e não mais fracos, os laços, e que é uma satisfação
mesquinha e sem valor conhecermo-nos a nós mesmos e aos outros apenas sob um único
aspecto, único e insignificante, dos muitos que a humanidade toma, durante séculos sem
fim; para mim seria suficiente conhecer uma pessoa sob um certo caráter, durante um
milhar de anos, por exemplo, e depois passar a conhecê-la sob um novo aspecto de sua
natureza. Porém, os que não concordam com essa maneira de ver não têm que se afligir,
nem sentir-se desgraçados, pois gozarão a presença daqueles que amam, sob a mesma
forma de que estavam revestidos durante a encarnação de que têm consciência, egoza-la-
ão por tanto tempo quanto dura o desejo dessa presença. Mas, se esta certeza os consola,
não devem querer impor aos outros a sua maneira particular de encarar a felicidade, nem
insistir em que a espécie de felicidade, que agora lhes parece mais apetecível e satisfatória,
se vá estereotipar na eternidade, e assim fique durante todos os milhões de anos que se
estendem diante de nós. A Natureza dá a cada um, no Devachan, a satisfação de todos os
desejos puros, e o Manas exerce ali a faculdade de sua divindade inata, que é "não desejar
nada em vão". Será isto suficiente?
Mas, pondo à parte essa questão do que será para nós a "felicidade", num futuro
separado do presente por milhões de anos, a tal ponto que nos é impossível determinar-lhe
as condições, à semelhança da criança, que, ao brincar com os seus brinquedos, é incapaz
de precisar as alegrias e interesses mais profundos de sua idade madura, tenhamos bem
presente que, segundo as doutrinas da Filosofia Esotérica, o Devachani se acha rodeado por
todos os que amou na Terra com um carinho puro e desinteressado, e que, realizando-se a
união no plano do Ego, e não no plano físico, se acha livre de todos os sofrimentos que
seriam inevitáveis, se ele estivesse conscientemente no plano físico com todas as suas
ilusórias alegrias e transitórios pesares. Está cercado de todos os seres amados na
41
consciência superior, mas sem passar pela tortura de saber que eles sofrem na consciência
inferior, mantida pelos laços da carne. Segundo o ponto de vista dos cristãos ortodoxos, a
morte é uma separação; os "espíritos dos mortos" têm de esperar que os entes queridos
cruzem também o vestíbulo da morte, para se reunirem, ou segundo outros, que passe o
dia do juízo final. Contrariamente a isto, a Filosofia Esotérica ensina que a Morte não pode
tocar a consciência superior do homem, e que não pode separar os que se amam, senão no
que diz respeito aos veículos inferiores; o homem que vive na Terra, cego pela matéria,
sente-se separado daqueles que a deixaram; mas o Devachani, diz H. P. Blavatsky, tem a
plena convicção "de que não existe Morte, nem nada que se lhe pareça, pois já arrojou para
longe de si todos os veículos sobre os quais a Morte pode ter poder". Portanto, seus olhos,
menos cegos, avistam em torno deles os seres que ama; para esses olhos rasgou-se o véu
da matéria que os separa deles.
Uma mãe morre, deixando na Terra seus pequeninos órfãos, a quem adora e, tantas
vezes, um esposo adorado também. Dizemos que o "Espírito" dessa mãe, ou seu Ego - essa
individualidade que agora, no período devachânico, se acha penetrada dos sentimentos
mais nobres que teve sua última personalidade, isto é, amor aos filhos, compaixão pelos
que sofrem etc. - que então se encontra completamente separado do "vale de lágrimas”;
que sua felicidade consiste na feliz ignorância de todos os males que deixou [...]; que a
consciência espiritual post-mortem da mãe lhe fará ver que vive rodeada de seus filhos e de
todos os que amou, que não haverá vácuo algum e não lhe faltará algum laço de amor para
que sua situação seja de uma felicidade absoluta e perfeita. (41)
Estamos, então, com aqueles que perdemos na forma material e mais perto, muito
mais perto deles, do que estávamos quando nos achávamos encarnados. E isto não é uma
questão de fantasia, como muitos creem: pois o amor puro e divino não nasce só do coração
humano; tem suas raízes na eternidade. O amor sagrado espiritual é imortal, e o Karma faz
com que, mais cedo ou mais tarde, todos os que se amem, com um afeto espiritual
semelhante, encarnem de novo na mesma família. (43)
As raízes do amor estão na eternidade" e aqueles para quem nos sentimos fortemente
atraídos são Egos que amamos em vidas terrenas passadas e com quem estivemos no.
Devachan; ao voltar à Terra esses laços permanentes de amor voltam a reunir-nos e
aumentam o poder e a beleza da união, e assim sucessivamente até que se esgotem todas
as ilusões, e os Egos fortes e perfeitos participem unidos das experiências de seu passado
quase ilimitado.
43
A VOLTA À TERRA
Por fim, as causas que levaram o Ego ao Devachan se esgotam; as experiências colhidas
foram completamente assimiladas e a Alma começa a sentir de novo a sede de vida
material senciente que só pode ser satisfeita no plano físico. Quanto maior é o grau de
espiritualidade alcançado, quanto mais pura e elevada foi a vida terrena precedente, tanto
mais longa será a demora no Devachan, mundo dos efeitos espirituais puros e elevados.
[Excetua-se apenas o caso daqueles que estejam apressando sua evolução, abrindo a
marchas forçadas de pureza de vida, num número limitado de encarnações, o caminho que
conduz ao Adeptado.] O "tempo médio [da estada em Devachan] é de dez a quinze
séculos", diz-nos H. P. Blavatsky, porque é de mil e quinhentos em mil e quinhentos anos
que os grandes fatos históricos se assinalam, como consequência da volta à Terra dos
mesmos Egos. (44) Mas na vida moderna este período tem-se reduzido em consequência
de os objetos físicos exercerem uma atração maior sobre o coração humano. Além disso,
deve lembrar-se que o "tempo médio" não é o que lá é passado por todos os indivíduos. Se
um deles passa lá mil anos e outro cinquenta, a "média" é quinhentos e vinte e cinco anos.
O período devachânico é mais ou menos longo conforme o gênero de vida que o precedeu;
quanto maior for a atividade espiritual, intelectual e emocionai, de espécie elevada, tanto
maior será a colheita; quanto maior era a atividade dirigida no sentido dos ganhos egoístas
na Terra, tanto menor será o período devachânico.
Assimiladas as experiências, em pouco ou muito tempo, o Ego está em condições de
voltar, e traz consigo não só as experiências aumentadas, mas também qualquer coisa a
mais que no Devachan conseguiu reunir, no campo do pensamento abstrato; pois, durante
a estada no Devachan:
Podemos, num certo sentido, adquirir mais conhecimento, isto é, podemos desenvolver
qualquer faculdade que na vida terrena estimaríamos ver desenvolvida e nos esforçamos
por desenvolver, contanto que se trate de coisas abstratas e puras, como música, pintura,
poesia etc. (45)
Mas ao cruzar o limiar do Devachan em seu caminho para a Terra, o Ego encontra "na
atmosfera do plano terrestre" as sementes do mal que semeou na vida terrena precedente.
Enquanto esteve no Devachan não soube o que eram desgostos nem tristezas, mas o mal
que fez no passado não morreu, conservou-se como que suspenso, num estado latente.
Assim como as sementes lançadas à terra na primavera. dormem sob sua superfície, e
graças ao calor do sol e ao alimento da água, vão inchando, e o embrião vai crescendo,
assim as sementes do Mal, semeadas por nós, dormem durante o Devachan, mas lançam
suas raízes na nova personalidade, que assim começa a formar-se para a próxima
reencarnação. O Ego tem de carregar o fardo do passado, e esses germens ou sementes,
que se desenvolvem e se transformam em culturas de semeaduras passadas, são os
Skandhas, para nos servirmos de um termo próprio, emprestado de nossos irmãos
budistas. São constituídos por qualidades materiais, sensações, ideias abstratas, tendências
44
espirituais, faculdades mentais; e ao passo que o puro aroma impregnou o Ego e o
acompanhou ao Devachan, tudo que era grosseiro, baixo e mau, ficou no estado latente, de
que falamos, e é retomado pelo Ego em seu caminho para a Terra e vai formar o novo
"homem de carne", que o homem verdadeiro vai habitar. E assim vai se sucedendo a ronda
dos nascimentos e das mortes, à volta da Roda da Vida, longa jornada no Ciclo da
Necessidade, até que, cumprida a tarefa, esteja completa a formação do Homem Perfeito.
45
O NIRVÃNA
O que o Devachan é para cada vida terrena, o Nirvâna é para o ciclo terminado de
reencarnações; porém, aqui, estaria deslocada qualquer discussão acerca desse glorioso
estado. É apenas aflorado, como complemento do "depois da Morte", pois nenhum
conceito humano, estritamente circunscrito nos acanhados limites da consciência inferior,
pode chegar a explicar o que é o Nirvãna; qualquer tentativa de descrição pouco mais faria
do que desfigurá-lo. Mas se se não pode dizer o que é esse estado, pode dizer-se o que não
é: não é "aniquilamento", não é perda nem destruição da consciência. Mr. A. P. Sinnett
expôs de uma forma rápida e clara o absurdo de muitas ideias sobre o Nirvãna, correntes
no Ocidente. Depois de falar da ciência absoluta, prossegue:
Poderíamos servir-nos de expressões descritivas, mas elas não podem ter nenhuma
significação para uma inteligência ordinária - dominada pelo cérebro físico e pelo intelecto
que nasce desse cérebro. Tudo o que podemos exprimir por palavras, acerca do Nirvãna, é
que é um sublime estado de repouso consciente na onisciência. Seria ridículo, depois do que
já se tem dito a esse respeito, recomeçar as velhas discussões que têm havido entre os
cultores do Budismo Esotérico, para saber se o Nirvãna significa ou não "aniquilamento".
Não há comparação alguma deste mundo que possa dar uma ideia dos sentimentos que
essa questão faz nascer no espírito dos graduados da Ciência Esotérica. Será sensato dizer
que a última penalidade da lei é a honra mais elevada do pariato ? E uma colher de pau o
emblema mais elevado das eminências mais ilustres do saber? Essas perguntas são apenas
pálidos exemplos da extravagância dos que perguntam se o Budismo considera o Nirvãna
como sinônimo de aniquilamento. (46)
46
COMUNICAÇÕES ENTRE A TERRA E AS OUTRAS ESFERAS
Estamos agora em condições de discriminar as várias espécies de relações que existem
entre aqueles que tolamente chamamos "mortos" e "vivos", como se o homem fosse
apenas o corpo e pudesse morrer. A frase correta, ou, pelo menos, mais própria, seria
"comunicações entre encarnados e desencarnados".
Em primeiro lugar, ponhamos à parte, por imprópria, a palavra Espírito. O Espírito não
pode se comunicar com o Espírito de algum modo concebível pelo homem. Esse principio
de ordem mais elevada não está ainda manifestado na carne; conserva-se o que é, fonte
oculta de tudo, Energia eterna, um dos polos do ser em manifestação. A palavra é
empregada com liberdade para denotar inteligências elevadas que vivem e morrem fora
das condições de matéria imagináveis por nós, porém o Espírito puro é atualmente
inconcebível em nosso plano; e como, ao tratarmos das "comunicações" possíveis, nos
referimos à generalidade dos seres humanos que as recebem, podemos muito bem excluir
a palavra Espírito tanto quanto for possível, livrando-nos, assim, de ambiguidades. E
quando ela aparece, em citações, por uma questão de obediência a um hábito, significa o
Ego.
Considerando os estados por que passa o homem desencarnado depois da "Morte" ou
do abandono do corpo, é fácil fazer uma classificação das comunicações que podem ser
recebidas, ou das aparências de comunicações que se podem ver.
I. "Quando a Alma abandonou o corpo físico e ainda está revestida do duplo etérico ," É
um período de pequeníssima duração, mas, durante o qual, a Alma se pode mostrar
envolvida nessa túnica etérea:
Não há nenhuma comunicação durante esse curto intervalo, nem enquanto habita
dentro dessa forma. Estes "espectros" são silenciosos, sonhadores, como sonâmbulos, e
realmente se pode dizer que são sonâmbulos astrais. Não respondem, mas são capazes de
expressar um pensamento único, de pesar, de ansiedade, de desastre, de assassinato etc.;
são as aspirações provenientes apenas de um pensamento do moribundo que toma forma
no mundo astral, e é levado por sua própria vontade para uma determinada pessoa com
quem sinta um intenso desejo de comunicar-se. Um pensamento desta ordem, a que
algumas vezes se dá o nome de Mãyãvi Rüpa, ou forma ilusória:
Pode ser muitas vezes objetivado como sucede nos casos de aparições depois da morte;
mas, a não ser que seja projetado com conhecimento de causa (latente ou potencial), ou
seja, devido à intensidade do desejo de ver ou de aparecer a alguém, cuja lembrança cruza
o cérebro do moribundo, a aparição será simplesmente automática; não será devida a
alguma atração simpática nem a qualquer ato voluntário, da mesma forma que a imagem
47
refletida por uma pessoa que inconscientemente passa diante de um espelho, não é
resultado de nenhum ato da vontade.
Apesar de haver quem lhe chame ilusão, (49) o amor de além-túmulo tem uma potência
mágica e divina que vem reagir nos vivos. O Ego de uma mãe cheia de amor pelos filhos
imaginários que ele vê junto de si, vivendo uma vida de felicidade, tão real para ele como na
Terra - esse amor será sempre sentido pelos filhos encarnados. Senti-Io-ão nos sonhos e
frequentemente em muitas outras ocasiões - em proteções e salvações providenciais,
porque o amor é um escudo, forte e poderoso, independente do espaço e do tempo. E o que
acontece com esse amor de mãe, sucede com todas as relações e dedicações humanas,
exceto as que têm um caráter puramente egoísta e material. (50)
Sempre que, anos depois da morte de uma pessoa, se afirma que seu espírito "voltou à
Terra", para aconselhar aqueles que ama, é sempre um caso de visão subjetiva, ou em
sonhos ou em êxtase natural ou provocado, e nesse caso é a Alma do vidente vivo que é
atraída para o espírito desencarnado, e não este que vem de novo pairar em nossa esfera.
(51)
Um "espírito" ou o Ego espiritual não pode descer ao médium mas pode atrair a si o
espírito deste, e só pode fazê-lo durante os dois intervalos - antes e depois do "período de
gestação". O primeiro intervalo é o período de tempo que medeia entre a morte física e o
ingresso do Ego espiritual nesse estado que na Doutrina Esotérica Arhat se chama "Bardo".
Traduzimo-lo por "período de gestação", cuja duração vai de dias a anos, segundo o
testemunho dos Adeptos. O segundo intervalo dura enquanto os méritos do Ego antigo
[pessoal] dão ao ser o direito de colher o fruto da recompensa que lhe é devida por sua
regeneração em sua nova maneira de ser. Começa quando termina o período de gestação e
quando o novo Ego espiritual renasce - como Fênix das cinzas - do antigo. Ao lugar onde
este último habita, chamam os Budistas Ocultistas do Norte "Devachan". (53)
O Ego de um médium puro pode ser atraído e posto, por um instante, em relação
49
magnética [?] com um espírito desencarnado real, ao passo que a alma de um médium
impuro só se pode familiarizar com a Alma Astral ou Invólucro kâmico do morto. A primeira
possibilidade explica os casos extremamente raros da escrita direta em autógrafos
reconhecidos e das mensagens enviadas pelas classes mais elevadas das inteligências
desencarnadas.
mesmo os sensitivos da maior pureza conseguem apenas pôr-se em relação com uma
entidade espiritual particular, e apenas podem saber, ver e sentir o que essa entidade
particular sabe, vê e sente.
Nem há espécie alguma de comunicação consciente com as Almas errantes que, por
assim dizer, vêm saber onde os Espíritos estão, o que fazem, pensam e veem.
O que é, então, um ser em comunicação? É simplesmente uma identidade de vibração
molecular entre a parte astral do sensitivo encarnado e a parte astral da personalidade
desencarnada. O espírito do sensitivo fica, por assim dizer, impregnado pela aura do
espírito , quer este se ache hibernando na região terrena, quer sonhando no Devachan;
estabelece uma identidade de vibração molecular, e, durante um breve espaço de tempo, o
sensitivo converte-se na personalidade que partiu, e escreve com a letra desta, emprega
sua linguagem e pensa por seus pensamentos. Nessas ocasiões os sensitivos acreditam que
aqueles com que estão momentaneamente em comunicação descem à Terra, quando, na
realidade, são afinal seus próprios espíritos que, vibrando em uníssono com os outros, se
acham, nessa ocasião, identiticedos.com eles. (55)
Num caso especial que observou, H. P. Blavatsky disse que a comunicação podia vir de
um Elementar, mas que era
muito mais provável que o espírito do médium se tivesse posto em relação com
qualquer entidade espiritual devechânica, cujos pensamentos, conhecimentos e
sentimentos formassem a substância da comunicação, e que fossem a personalidade do
médium e suas ideias preexistentes que influíssem mais ou menos em sua forma. (56)
Apesar de não se poder confiar nos fatos e nas opiniões manifestadas nessas
comunicações,
observaremos, no entanto, que é possível que haja realmente uma entidade espiritual
50
que vá influir no espírito do nosso correspondente. Em outras palavras, pode haver -
segundo o que se conseguiu apurar - um espírito com quem sua natureza espiritual se
encontre presentemente na mais completa harmonia, a ponto de tomar para si os
pensamentos, a linguagem etc. desse espírito, que passa a comunicar-se com ele. [...] É
possível também - embora com poucas probabilidades, se é que com alguma - que
habitualmente entre em relações com um espírito verdadeiro, fique durante esse tempo se
identifique com ele, tendo (em grande parte, se não por completo) os mesmos pensamentos
que esse espírito teria, escrevendo com a sua letra etc. Mas mesmo assim, não deve de
forma alguma Mr. Terry imaginar que essa comunicação é consciente da parte do espírito,
ou que esse espírito sabe alguma coisa dele ou de qualquer outra pessoa ou coisa que exista
na Terra. O que acontece simplesmente é que, uma vez estabelecida a comunicação, Mr.
Terry se identifica momentaneamente com essa personalidade e pensa, fala e escreve,
como ela o teria feito na Terra. [...] As moléculas de sua natureza astral podem, de vez em
quando, vibrar em uníssono com o espírito de uma determinada pessoa que esteja no
Devachan, e daí pode resultar a ilusão de estar em comunicação com o seu espírito, falar
com ele, receber dele conselhos e advertências etc., sendo até possível que os clarividentes
vejam na Luz Astral a imagem da forma que esse espírito teve em sua vida terrena.
IV. "Comunicações que não são de almas desencarnadas", passando por estados
normais post-mortem:
a) Invólucros kâmicos [Espectros]. Estas apenas se dão enquanto estes invólucros
abandonados pela alma libertada retêm a impressão de seu último habitante e lhe
reproduzem automaticamente os hábitos de pensamento e de expressão, precisamente
como um corpo físico repete automaticamente gestos habituais. A ação reflexa é tão
possível ao corpo de desejos como ao físico, mas toda a ação reflexa é evidenciada por seu
caráter de repetição e pela ausência de toda a iniciativa de movimento. Responde a um
estímulo com uma aparência de ação premeditada, mas não toma qualquer iniciativa seja
para o que for. As pessoas que, nas sessões espíritas, tratam de "desenvolver" faculdades
mediúnicas, ou esperam ansiosamente mensagens de pessoas amigas desencarnadas,
fornecem o estímulo necessário e obtêm os sinais de reconhecimento por que tão
ardentemente anseiam.
b) Dos Elementares. Estes, possuindo as capacidades inferiores do espírito, isto é, todas
as faculdades intelectuais cujo meio de expressão é o cérebro, podem dar lugar a
comunicações de um caráter altamente intelectual. São, porém, raros esses casos, como se
pode ver pelas mensagens publicadas a respeito das comunicações recebidas de "espíritos
desencarnados".
c) De Elementais ou Espíritos da Natureza. Estes representam um papel importante nas
sessões espíritas e constituem a grande maioria dos agentes que produzem fenômenos
físicos. São eles que ocasionam a queda de objetos, a produção de ruídos, de toques de
campainha etc. Algumas vezes fazem seus truques com os invólucros kâmicos, animando-
os e fazendo-os representar o papel de espíritos de personalidades conhecidas que
viveram na Terra, mas que, a julgar pelas efusões a que se entregam, degeneraram
lamentavelmente no "mundo dos espíritos". Algumas vezes, em sessões de materialização,
51
entretêm-se a lançar imagens da Luz Astral nas formas fluídicas, que se produzem fazendo-
as tomar aspectos de semelhança flagrante com outros indivíduos. Há ainda elementais de
ordem mais elevada, que de vez em quando se comunicam com médiuns de qualidades
excepcionais, os "resplandecentes" de outras esferas.
d) De Nirmãnãkãyas. Para estas comunicações, bem como para as duas seguintes, é
necessário que o médium seja de natureza puríssima e de grande elevação moral. O
Nirmãnãkãya é um homem perfeito que abandonou o corpo físico, mas que conserva os
outros princípios inferiores e se conserva na Terra para ajudar o progresso da
Humanidade. Os Nirmãnãkãyas
renunciaram, levados pele compaixão pela humanidade e por aqueles que deixaram
na Terra, ao estado nirvânico. Estes adeptos ou santos, chame-se-lhes como se lhes
chamar, convencendo-se de que é um ato de egoísmo viver na bem-aventurança,
enquanto a humanidade geme sob o peso da desgraça proveniente da ignorância,
renunciam ao Nirvãna, ficando, e resolvem viver invisíveis em espírito nesta nossa Terra.
Não têm corpo material, visto que se despojaram dele há muito; mas têm todos os outros
princípios mesmo na vida astral de nossa esfera. Essas entidades podem se comunicar e se
comunicam com certo número de eleitos, mas evidentemente não estabelecem qualquer
espécie de relação com médiuns vulgares. (57)
e) De Adeptos que vivem na Terra. Os Adeptos que vivem na Terra comunicam-se com
os seus discípulos sem se servirem de meios de comunicação usuais e conhecidos; quando,
às vezes, acontece um Adepto ter tido, em qualquer encarnação passada, qualquer ligação
com um médium, pode estabelecer-se comunicação entre eles, e e esta comunicação entre
o Adepto e seu discípulo que muitas vezes se confunde com a mensagem de um "Espírito"
recebida pelo médium. Há quem conheça a maneira de transmissão dessas mensagens, por
escritas ou por palavras pronunciadas de forma precipitada. (58)
f) Do Ego Superior do médium. Quando uma pessoa pura, homem ou mulher, busca
com ardor a luz, este esforço ascensional para o divino é correspondido pela natureza
superior e a luz do alto jorra para baixo e ilumina a consciência inferior. Então, o espírito
inferior une-se nesse momento com o seu progenitor, e transmite aquela parte do
conhecimento que pode reter.
Desse brevíssimo esboço se pode inferir a grande variedade de fontes de onde se
podem receber comunicações, que aparentemente vêm do "outro lado da morte". Como
diz H. P. Blavatsky:
A variedade das causas dos fenômenos é muito grande; e é preciso que seja Adepto, e
se possa ver realmente o que acontece em cada caso, para se poder explicar a causa e o
processo de formação de cada um. (59)
Para completar essa aclaração, pode se acrescentar que o que a generalidade das
Almas pode fazer depois de cruzar o limiar da Morte podem também fazê-lo do lado de cá;
e as comunicações por meio de escrita, de estados hipnóticos e pelos outros meios, podem
52
vir tanto de Almas encarnadas como de desencarnadas. Se todos nós nos esforçássemos
por desenvolver os poderes latentes em nossas Almas, em lugar de vaguearmos sem um
fim, sem um objetivo determinado, em lugar de nos entregarmos, sem saber o que
fazemos, a experiências perigosas, seria enorme e inofensivo o conhecimento que se
poderia adquirir para acelerar a evolução da Alma. Uma coisa, porém, pode-se afiançar: o
Homem é hoje uma Alma que vive e viverá, sem que sobre ela a Morte tenha algum poder;
e a chave da prisão do corpo, tem-na ele em suas mãos, e é de sua vontade que depende
poder servir-se dela. O fato de a Morte se ter convertido para o homem num abismo, em
vez de ser o que é, uma porta de comunicação entre as Almas encarnadas e as
desencarnadas, provém - e é esta a única causa - de seu Eu verdadeiro ter se deixado cegar
pelo corpo, e ter por isso perdido o contato com os outros Eus.
53
APÊNDICE
O trecho seguinte, sobre o destino dos suicidas, foi tirado do Teosofista, setembro de
1882.
Não temos o pretexto - não nós é permitido - de lidar exaustivamente com a questão
no momento, mas podemos falar a respeito de uma das mais importantes classes de
entidades que pode participar dos ·fenômenos objetivos, além dos elementares e dos
elementais.
Essa classe compreende os Espíritos dos Suicidas conscientes e sãos. Eles são Espíritos
e não Invólucros, porque, de qualquer modo, não há nem haverá no caso deles uma
preparação total e permanente entre o quarto e o quinto princípios, por um lado, e o sexto
e o sétimo, por outro. As duas díades estão divididas; elas existem separadamente, mas
uma linha de conexão ainda as une; elas podem, contudo, se reunir caso a personalidade
dolorosamente ameaçada evite o seu destino; o quinto principio ainda mantém em suas
mãos a chave pela qual, atravessando o labirinto dos pecados e paixões terrenas, pode
chegar novamente ao santuário sagrado. Mas, por enquanto, embora seja realmente um
Espírito e, por conseguinte, seja chamado de Espírito, não está praticamente longe do
invólucro.
Essa classe de Espírito pode, indubitavelmente, comunicar-se com os homens mas, em
geral, os seus membros têm de pagar muito caro pelo exercício desse privilégio, enquanto
nada mais lhes resta fazer senão rebaixar e degradar a natureza moral daqueles com quem,
e através de quem, eles costumam se comunicar. De modo geral, trata-se de uma simples
questão de grau; do muito ou pouco dano resultante dessa comunicação; os casos em que
pode surgir um benefício real e permanente são por demais excepcionais para merecerem
consideração.
Vejam como isso acontece. O ser infeliz, revoltando-se contra os caminhos da vida -
provas, resultado e suas próprias ações interiores; provas, remédio misericordioso dos
céus para os mental e espiritualmente doentes - decide, em vez de enfrentar
corajosamente um mar de problemas, deixar cair o pano e, como supõem, como dar as
provas por terminadas. Isso destrói o corpo, mas continua mentalmente tão vivo quanto
antes. Essa criatura teve um período de vida fixado por uma rede intrincada de causas
anteriores, que o seu ato intencional e repentino não pode abreviar. Esse tempo deve
correr como a areia colocada na ampulheta. Você pode estilhaçar a metade inferior do
vidro, de modo que a areia impalpável que corre da parte superior se dissipe nas correntes
aéreas que passam enquanto ela escoa; mas essa corrente continuará a correr, por mais
despercebida que permaneça, até que toda a reserva do recipiente superior se esgote.
Assim, vocês podem destruir o corpo, mas não o período fixado para a existência do
ente sensciente, predestinado de antemão (simplesmente pelo efeito de uma rede de
causas) para ser vivido antes da dissolução da personalidade; esta deve continuar em
atividade durante todo o período que lhe foi prefixado.
Assim também se dá em outros casos, por exemplo, os das vitimas de acidente ou
violência; elas também têm de completar seu período de vida e dessas também falaremos
54
em outra ocasião - mas aqui é suficiente notar que, boa ou má sua atitude mental no
momento da morte altera por completo a sua posição subsequente. Também elas têm de
esperar dentro dos limites da "Região dos Desejos", até que sua onda de vida se escoe e
alcance a praia que lhe foi designada; mas elas esperam envoltas pelos sonhos
apaziguadores e ditosos ou, ao contrário, de acordo com seu estado mental e moral antes
e na hora fatal, mas quase isentas de posteriores tentações materiais e, de modo geral,
incapazes (a não ser no momento da morte real) de se comunicarem scio motu com a
Humanidade, embora não estejam totalmente fora do possível alcance das formas mais
elevadas da "Ciência Malfadada", a Necromancia. A questão é profundamente intrincada;
seria impossível explicar, dentro do exíguo espaço de tempo que ainda nos resta, de que
modo as condições imediatamente após a morte diferem tão inteiramente como no caso
(1) do homem que deliberadamente sacrifica (não apenas arrisca) a própria vida por
motivos altruístas, na esperança de salvar a vida dos outros; e (2) daquele que
deliberadamente sacrifica a própria vida por motivos egoístas, na esperança de escapar das
provas e problemas que assomam à sua frente. Sendo a Natureza, ou a Providência, o
Destino ou Deus apenas uma máquina auto ajustadora, pareceria à primeira vista que o
resultado deveria ser idêntico nos dois casos. Mas, embora se trate de uma máquina,
devemos nos lembrar que é uma máquina sui generis:
apenas para despertar numa consciência ativa ou objetiva, quando renasce na Região da
Felicidade; enquanto o pobre infeliz e desorientado mortal que, procurando iludir o
destino, solta egoistamente o fio prateado e rompe o recipiente dourado, se vê
terrivelmente vivo e acordado, ficando o seu instinto com todas as maléficas ansiedades e
desejos que amarguraram sua vida mundana, sem um corpo com que satisfazê-los e capaz
apenas de um alívio parcial, que se torna possível pela satisfação mais ou menos indireta, e
esta só a custo da ruptura final completa com os seus sexto e sétimo princípios, o do
aniquilamento final consequente depois de, ai! prolongar os períodos de sofrimento.
Não se vá pensar que não existe nenhuma esperança para esta classe - a do suicida
55
deliberado e são. Se carregando firmemente a sua cruz, ele sofrer com paciência o castigo,
lutando contra os apetites carnais ainda vivos nele, com toda a sua intensidade, embora,
naturalmente, cada um em proporção com o grau de sensualidade de sua vida terrena -
isto é, se ele suportar isso humildemente, nunca se deixando tentar, aqui ou ali, pela
satisfação ilícita de desejos ímpios - então, quando soar a hora predeterminada da sua
morte, os seus quatro princípios mais elevados se reúnem e, na separação final
subsequente, bem pode acontecer que tudo lhe corra bem e que ele passe para o período
de gestação e de evolução posterior.
56