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Nos tempos em que muito se falava de Reengenharia de Processos e em Gestão

Estratégica de Custos (isso lá pelos anos entre 1991 a 2003), ouvi muito e em muitas
ocasiões que "eliminar atividades que não agregam valor é a única forma de reduzir
custos e assegurar processos enxutos". Como aprendi a desconfiar de qualquer receita
vista como "a única solução", comecei a perguntar aos "gurus" desse evangelho o que
eram as tais "atividades que não agregam valor". Fiquei chocado com as respostas
evasivas que eles me davam. Resolvi, então, estudar o tema. Desses estudos acabei
chegando a uma conclusão: A discriminação das atividades em atividades que agregam
valor e atividades que não agregam valor é ingênua e inconsequente, não tendo,
portanto, nenhuma utilidade para orientar ações inteligentes cujo objetivo seja
melhorar a qualidade dos processos ou a eficiência da utilização de recursos
organizacionais.
Em vez de desperdiçar tempo e talentos em discriminar as atividades em agregadoras de
valor ou não, o mais adequado é analisar todas as atividades a partir de considerações
sobre inutilização de recursos.
Nota:
Esse texto foi elaborado em 2003, posteriormente publicado e m 06/01/2016 no
Linkedin Pulse https://www.linkedin.com/pulse/o-que-agrega-valor-n%C3%A3o-
andre-ambrosio-abramczuk .

O que agrega valor? O que não agrega valor?


André A. Abramczuk
1. INTRODUÇÃO
Não existe nenhum conceito universal de valor agregado, somente algumas noções
derivadas de definições operacionais.1 A definição operacional
universalmente difundida define valor agregado como diferença entre a
receita R auferida por uma empresa ou grupo de empresas com a venda de mercadorias
e a soma P dos preços pagos pelos recursos adquiridos e utilizados na elaboração dessas
mercadorias. Essa é uma definição operacional de valor agregado por diferença,
utilizada em muitos países para fins de tributação. Para algumas comparações de
interesse econômico prefere-se uma definição operacional de valor agregado por
quociente, (S – P)/P.
Inicialmente aplicadas ao resultado econômico-financeiro de atividades empresariais,
essas definições operacionais de valor agregado foram estendidas a produtos isolados.
Com o surgimento e divulgação do chamado custeio baseado em atividades (mais
conhecido por ABC, acrônimo da expressão inglesa Activity Based Costing)2 a noção
de valor agregado foi estendida às operações de manufatura e às atividades com
influência no processo de manufatura, que daí em diante passaram a ser discriminadas
em atividades que agregam valor e atividades que não agregam valor.
Embora falem convictamente em atividades que agregam valor e atividades que não
agregam valor e apresentem métodos para determinar o custo de cada atividade, os
especialistas não oferecem nenhum método para determinar o valor agregado por uma
atividade. A discriminação que fazem é simplesmente dicotômica; a questão para a qual
dão resposta não é qual o valor agregado por uma atividade, muito menos se uma
atividade agrega mais ou menos valor que outra, mas simplesmente se a pressuposta
agregação de valor acontece ou não acontece. Esta maneira de classificar as atividades
executadas ao longo de um processo (seja de manufatura, seja de prestação de serviços)
suscita duas perguntas:
(1) Quais os critérios utilizados para determinar se uma atividade agrega valor ou não?
(2) Uma vez discriminadas as atividades de acordo com estes critérios, o que se faz com
essa informação?
Os critérios utilizados para discriminar as atividades em atividades que agregam valor e
atividades que não agregam valor são ambíguos e questionáveis. Em processos fabris,
costumeiramente são classificadas como atividades que não agregam valor todas as
atividades das quais não resultam transformações de materiais nem conformações de
produtos à configuração final; presume-se que essas atividades não contribuem para
integrar aos produtos aquilo por que o cliente está disposto a pagar. A inspeção – seja ao
longo do processo, seja a inspeção final – é o exemplo clássico mais citado de atividade
que não agrega valor. Há, todavia, circunstâncias em que a inspeção e a correspondente
documentação são exigências legais, outras em que exigências adicionais de inspeção
são estabelecidas contratualmente, outras ainda em que a declaração de que existe
inspeção é argumento para atrair consumidores (por exemplo, a publicidade que um
fabricante de sucos de frutas faz da qualidade de seus produtos, propagando que em sua
elaboração são utilizadas somente frutas rigorosamente selecionadas).
A classificação dicotômica das atividades em atividades que agregam valor e atividades
que não agregam valor suscita outro ponto para reflexão. A expressão “atividade que
não agrega valor” é utilizada – principalmente pelos especialistas de ocasião – de
maneira abertamente demeritória, com a clara conotação simplista de atividade que deve
ser eliminada. Muitos executivos e dirigentes de empresas aceitam sem crítica esta
conotação e, no afã de reduzir custos, pura e simplesmente decretam a eliminação das
atividades rotuladas como atividades que não agregam valor (e quase invariavelmente
optam também por demitir as pessoas que as executam). Ocorre, todavia, que análises
despidas de tendenciosidade demonstram que algumas atividades classificadas como
atividades que não agregam valor são necessárias, não podem ser sumariamente
eliminadas. O que importa, portanto, é que sejam executadas com eficiência,
racionalidade e economia, com o máximo de produtividade possível e sem inutilização
de recursos. Como esses critérios valem também para as atividades que agregam valor,
conclui-se que a discriminação das atividades em atividades que agregam valor e
atividades que não agregam valor não tem nenhuma utilidade para orientar ações
inteligentes de melhoria do desempenho de processos fabris nem das atividades que lhes
dão apoio e suporte.
1. UMA CONCEPÇÃO MAIS ADEQUADA
A expressão “inutilização de recursos” pode não ser fascinante, mas a concepção
subjacente é rica e útil para orientar o pensamento e as ações rumo ao objetivo de
melhorar a relação (S – P)/P por meio de reduzir P de maneira inteligente.
O que se deve entender como inutilização de recursos? Todo e qualquer dispêndio que
não contribua para a conformação de um produto ou serviço aos padrões de qualidade
adequados para a satisfação dos clientes.
A inutilização de recursos tem três fontes: perdas, desperdícios e especificações de
projeto.
Perda é uma inutilização involuntária e fortuita de um recurso, provocada por evento
acidental, que por sua vez pode ser resultado de procedimento inadequado ou inseguro
ou de condição inadequada ou insegura. O derramamento do conteúdo de uma lata de
tinta porque caiu da prateleira da loja é uma perda; o pagamento de juros de mora sobre
o valor de uma duplicata vencida e não quitada na data prevista é igualmente uma
perda.
Desperdício é uma inutilização sistemática e habitual de recursos. Tanto no ambiente
doméstico como no ambiente organizacional é possível identificar o que é e o que não é
desperdício.3 No caso específico de processos de manufatura, Taiichi Ohno (criador do
sistema Toyota de produção) discriminou o desperdício em sete categorias:4
1. Excesso de produção,
2. Ociosidade de pessoas, de máquinas e de processos,
3. Deslocamentos desnecessários,
4. Paradas imprevistas ou mal planejadas de operações e de processos,
5. Estoques excessivos de produtos intermediários (produtos em processo) e finais
(produtos acabados),
6. Movimentos desnecessários para localizar, deslocar e posicionar peças e
ferramentas,
7. Produtos com defeito.
Com adequadas medidas de controle é possível prevenir perdas, ou pelo menos reduzir
sua freqüência e gravidade; com adequadas ações de esclarecimento e planejamento é
possível eliminar e prevenir desperdícios, reduzindo assim parcela significativa dos
custos decorrentes da inutilização de recursos. Restará, todavia, uma parcela agregada
aos produtos e processos por meio de especificações de projeto. Essa parcela de
inutilização de recursos é objeto de interesse da Engenharia e Análise do Valor (EAV),
que a denomina custo desnecessário.5
O conceito fundamental da EAV para identificar custos desnecessários e sugerir ações
que os previnam e eliminem é o conceito de função com o sentido de operação, i. e.,
capacidade que algo tem de produzir um efeito, de prestar um serviço.
A sistemática de trabalho preconizada pela EAV fundamenta-se na busca de respostas
para perguntas orientadas por esse conceito de função. Em relação às atividades que
supostamente não agregam valor a EAV se mostra adequada para identificar a função da
atividade em termos de uma finalidade essencial (isto é, da razão de ser da atividade).
Nesse caso, as perguntas iniciais são:
 Qual é a atividade?
 Qual a sua finalidade essencial?
A primeira pergunta tem resposta fácil; a atividade pode ser o trabalho de inspeção de
recebimento de matérias-primas, de produtos em processo ou de produtos acabados,
pode ser o trabalho da unidade de vendas, pode ser o conjunto de atividades da
contabilidade, do departamento de treinamento etc. Para a segunda pergunta, todavia, a
resposta exige que se descubra o que a atividade deve fazer para ser considerada útil e
necessária para os objetivos da organização, não simplesmente enunciar o amontoado de
pequenas atividades que ela faz hoje. Num trabalho de análise de uma unidade de
manutenção, por exemplo, foram necessárias algumas horas de acaloradas discussões
para se concluir que a finalidade essencial da unidade era manter os processos fabris em
operação normal.
Uma vez identificada a finalidade essencial, as perguntas que se seguem e as respectivas
respostas contribuem para a efetiva redução dos custos das atividades que contribuem
para a finalidade essencial e para o tratamento daquelas que não dão essa contribuição:
 Quem é o cliente da finalidade essencial?
 Que benefícios o cliente aufere com o atendimento dessa finalidade essencial?
 O que é necessário fazer para atender à finalidade essencial com a qualidade
adequada às necessidades do cliente?
 Quais os recursos exigidos para executar as atividades exigidas pelo
atendimento da finalidade essencial?
 Qual o custo dos recursos?
No caso da unidade de manutenção, cuja finalidade essencial foi definida como manter
os processos fabris em operação normal, determinou-se que os clientes da finalidade
essencial eram as gerências de produção; consultadas, essas gerências propiciaram
informações suficientes para concluir que, para manter os processos fabris em operação
normal, eram necessárias duas ações: (1) prevenir falhas de operação e (2) eliminar
falhas de operação. A partir das informações proporcionadas pela análise dos
procedimentos para o desempenho dessas ações, os responsáveis pela unidade de
manutenção decidiram aumentar os investimentos em manutenção preventiva e
preditiva, transferir para terceiros as atividades de recondicionamento de equipamentos
(principalmente bombas hidráulicas e motores elétricos) e contratar uma empresa
especializada para prestar serviços de manutenção de equipamentos que não tinham
ligação com os processos fabris, como bebedouros, condicionadores de ar dos
escritórios etc.
Vale observar que a sequência de perguntas e respostas não trata do desdobramento da
atividade a partir do que se faz hoje e agora, mas a partir do que é necessário fazer para
o atendimento eficaz da finalidade essencial. Com isso se identificam atividades que
não contribuem para a finalidade essencial (por exemplo, a atividade de manutenção dos
condicionadores de ar dos escritórios não contribui para a atividade essencial de manter
os processos fabris em operação normal). Desvincular os custos dessas atividades dos
custos das atividades necessárias para o atendimento da finalidade essencial é o
primeiro passo para concentrar esforços na melhoria da qualidade e redução dos custos
das atividades exigidas pelo atendimento da finalidade essencial.
É questão de análise em outro foro continuar executando com recursos próprios
atividades que não contribuem para a qualidade do atendimento da finalidade essencial
ou transferi-las para a responsabilidade de fornecedores terceiros.
1. CONCLUSÃO
Além de potencialmente perniciosa para as competências essenciais das organizações, a
discriminação das atividades em atividades que agregam valor e atividades que não
agregam valor com fundamento no critério simplista de sua participação direta ou
acessória nos processos é inútil. Já a análise com fundamento no conceito de
inutilização de recursos leva em conta a eficiência, racionalidade e economia das
atividades em relação a suas finalidades essenciais. No processo de manufatura, a
finalidade essencial de uma atividade de transformação de materiais ou de conformação
do produto à configuração final pode parecer óbvia, mas isto não a livra de ser
submetida a uma análise mais acurada quanto à eficiência, racionalidade e economia à
luz das melhores práticas. Por outro lado, a finalidade essencial de atividades acessórias
(ou atividades de apoio, atividades de suporte ou qualquer outra denominação que se
lhes dê) ao processo de manufatura – inspeções, manutenção, preenchimento de
documentos, leitura de instruções etc. – nem sempre é óbvia; de início é necessário
identificar sua finalidade essencial e em seguida analisá-las não somente quanto à
eficiência, racionalidade e economia à luz das melhores práticas, mas também quanto ao
seu grau de contribuição para as competências essenciais da organização.

1
A expressão definição operacional tem origem nas ideias enunciadas em 1914 pelo
cientista britânico Percy W. Bridgman. Uma definição operacional é a descrição de
algo em termos de um processo específico ou de um conjunto de testes de validação
para determinar a existência e a quantidade deste algo. As propriedades de um objeto
descritas desta maneira devem ser acessíveis, de modo que um número indeterminado
de pessoas possa repetir independentemente e à vontade o processo ou os testes de
validação. Apesar das controvérsias filosóficas suscitadas pelas ideias de Bridgman, a
noção de definição operacional tem grande utilidade prática. Em seus escritos sobre
qualidade, por exemplo, W. Edwards Deming dá especial importância à utilização da
definição operacional em todos os acordos e contratos de negócios. É de Deming a
ideia de que uma definição operacional é um procedimento com o qual as partes
envolvidas e afetadas concordam como forma de traduzir um conceito em mensuração
de alguma natureza (V. pág.s 276-296 de DEMING, W. E. Out of the
crisis. Cambridge, MA: MIT Center for Advanced Engineering Study, 1986). Embora
a definição operacional sirva na prática para traduzir um conceito em mensuração de
alguma natureza (por exemplo, ‘barra de aço chata’ em ‘barra de aço com secção
transversal retangular com 7 mm de espessura e 59 mm de largura’), a recíproca nem
sempre é verdadeira: de uma definição operacional não decorre necessariamente um
conceito. Uma receita de bolo é exemplo de definição operacional de um bolo, mas
uma criança não estrutura um conceito de bolo a partir da leitura de receitas de
diferentes bolos.
2
As ideias seminais sobre o método de custeio por atividades se encontram em
KAPLAN, R. S.; BRUNS, W. J. Accounting and management: a field study
perspective. Boston, MA: Harvard Business School Press, 1987.
3
O desperdício nas atividades empresariais se constituiu em objeto de atenção desde os
primórdios da Revolução Industrial, atenção que se tornou mais intensa a partir de
1911 com a disseminação das ideias de Frederick W. Taylor. Ver, por exemplo, as
ideias sobre desperdício de recursos materiais e de tempo apresentadas por Henry Ford
em FORD, H. Today and tomorrow (special edition of Ford’s 1926
classic). Portland, OR: Productivity Press, 1988.
4
OHNO, T. O sistema Toyota de produção: além da produção em larga
escala [Toyota production system: beyond large-scale production, 1988]. Trad.
Cristina Schumacher. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1997.
5
A EAV é objeto de vasta bibliografia (Ver
<https://en.wikipedia.org/wiki/Value_engineering>. Ver também um excelente artigo
em <http://www.techoje.com.br/site/techoje/categoria/detalhe_artigo/287>). Eu
mesmo escrevi um livro a respeito: ABRAMCZUK, A. A. Engenharia e análise do
valor para cientistas, empresários e cia. São Paulo, SP: Scortecci, 2005.

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