Você está na página 1de 2

Nova Natureza e Velha Natureza

Paulo contrasta o que os fiéis eram “em Adão” e o que os fiéis são depois de receber o dom da salvação em
Cristo em relação a sua “natureza velha” e a sua “natureza nova”.

1. Terminologia
2. Romanos
3. Efésios e Colossenses
4. Importância teológica

1. Terminologia

Poucas palavras são mais perigosamente ambíguas que “natureza”. Por causa disso há um considerável mal-
entendido das expressões “natureza velha” e “natureza nova” (ver Rm 6.6; Ef 4.22; Cl 3.9). Numerosas
explicações populares da doutrina paulina da vida cristã afirmam ou pressupõem que, com essas expressões, o
apóstolo diferencia duas partes ou naturezas da pessoa. A esse modo de pensar mal orientado segue-se o
debate para saber se, na conversão, a “natureza velha” é substituída pela “natureza nova”, ou se a “natureza
nova” é acrescentada à velha.
A interpretação que ho palaios anthrõpos e ho kainos anthrõpos referem-se a partes ou naturezas da pessoa é
errada e ilusória. Esses termos designam, mais exatamente, a pessoa completa vista em relação ao todo
comunitário ao qual ela pertence. Assim, esses termos são mais bem traduzidos como “homem velho” e
“homem novo”. A tradução “personalidade velha” e “personalidade nova” é individualista demais, pois a ideia
com certeza refere-se ao indivíduo cristão (Rm 6.6), mas é muito mais que meramente individual. “Homem
velho” e “homem novo” não são, portanto, ontológicos, mas têm orientação relacional. Não falam de mudança
de natureza, mas de mudança de relação.
O “homem velho” não é a natureza do pecado* que é julgada na cruz* e à qual se acrescenta “um novo homem”.
O “homem velho” é o que os fiéis eram “em Adão” (no velho tempo). O “velho” indica tudo que está ligado à
queda da humanidade e à sujeição à dor e à morte de uma vida transitória, separada de Deus. No contexto da
teologia paulina, esse conceito traz laivos profundos da cólera* de Deus e das consequências do pecado. O
“homem novo” é o que os fiéis são “em Cristo” (no novo tempo). Paulo nos encaminha para o que é
completamente novo, para a salvação* e a cura que os fiéis recebem quando são crucificados* com Cristo e
ressuscitados com ele (cf. Rm 6.3-6).

2. Romanos

Em Romanos 6.6, Paulo afirma que o homem velho (o indivíduo fiel) foi crucificado com Cristo*. A referência à
crucifixão é mensagem surpreendente que indica a vasta distância que separa a teologia paulina de morrer e
ressuscitar com Cristo do misticismo* das religiões de mistério* de seu tempo. O “homem velho” foi crucificado
com Cristo no batismo*. Com efeito, no batismo os fiéis recebiam o sinal e o selo divinamente indicados do fato
de que, pela decisão graciosa de Deus, o homem velho foi, à vista de Deus, crucificado com Cristo no Gólgota.
A linguagem de Paulo denota a unidade entre os fiéis batizados e a pessoa do próprio Cristo em sua ação
redentora. Contudo, ao se despojar do homem velho, os fiéis ainda têm de realizar no nível moral a morte que,
no ato gracioso de Deus e no símbolo do batismo, eles já experimentaram. Essa é a ênfase paulina em Efésios
e Colossenses.

3. Efésios e Colossenses

Por trás do contraste entre “o homem velho” e “o novo” está o contraste entre Adão e Cristo (I Cor 15.45). Essas
expressões indicam a solidariedade com as cabeças dos dois tempos contrastantes da história da salvação.
Paulo emprega o termo com um sentido comunitário em Efésios 2.15 e Colossenses 3.10-11, mostrando que
judeus e gregos, circuncisos e incircuncisos, estão unidos em uma única humanidade.
Em Colossenses 3.9-11, Paulo explica que os fiéis se despojaram do “homem velho” com suas práticas e
revestiram o “homem novo”. Isso não significa apenas que Cristo exige do povo redimido um novo padrão de
vida. Significa que tudo que está ligado à humanidade deformada deve morrer (Cl 3.5-8) porque foi
transformado de acordo com o modelo perfeito, o próprio Cristo (Cl 1.15-20; 2.6) e, portanto, não há nenhuma
desculpa para esse comportamento deformado.
A metáfora de “despojar-se de” e “revestir” roupas (Cl 3.8-10; E f4.22-24) não significa simplesmente prometer
comportar-se de modo diferente. E antes a ação graciosa do Espírito* de Deus que move os fiéis para uma outra
esfera onde prevalece a nova regra de vida. Talvez Paulo aluda à imagem conhecida do candidato ao batismo
que, ao trocar roupas velhas por novas, simboliza a transferência de solidariedades.
Essas duas imagens do que os fiéis são e do que eles devem ser não estão em conflito. Os cristãos foram
transferidos do mundo velho de pecado e morte para o mundo novo de justiça e vida. É preciso resistir
continuamente aos poderes do mundo velho (por isso os infinitos imperativos apothesthai e endysasthai, em
Ef 4.22-24). No centro do contraste entre o velho e o novo está a tensão escatológica entre o início do novo
tempo na vida dos fiéis (cf. 2Cor 5.17) e a consumação do novo tempo na glória (cf. Rm 8.17; 9.23). O que os
fiéis eram em Adão não existe mais, porém a luta da vida entre o início e a consumação do novo tempo continua.

4. Importância teológica

No novo tempo, o “homem novo” deve viver entre as polaridades do que foi redentoramente alcançado pela
realização histórica da morte de Cristo e o que ainda está para se realizar em plenitude na consumação do
programa divino de redenção. Os fiéis vivem nessa tensão temporal entre o “já” e o “ainda não” e entre o
indicativo (o que eles são) e o imperativo (o que devem ser). Os fiéis vivem nesse tempo do “ainda não”, mas
seu modelo e seu padrão de conduta não são os deste mundo, essencialmente arrogantes e concentrados no
que é humano, mas os do mundo que há de vir. Contudo, a luta continua. Embora vivendo como “novo homem”
no mundo novo, é preciso lembrar a base para a vida nova. E pela morte e ressurreição de Jesus Cristo que o
Espírito aplica às vidas dos fiéis os benefícios da “vida nova”. Para a “nova humanidade”, a vida é viver, pelo
fortalecimento do Espírito, o que os fiéis são por causa de Cristo.

Você também pode gostar