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vitem rLusser Medéles do corpo humano. Para Gabriel Borba, Modelos mdam, keta afirmativa 6 caracteristioa da chamada "Idade mo- derna", Na antiquidade e na Idade Média modelos sao imutéveis, Para os ere gos e 08 oristaos "sabedoria" 6 contemplagao dos modelos imut&veig,(das for mas), Embora o método varie, ("theoria" para os gregos, "f6" para os cris- téos). Para os modernos "saber" 6, entre outras coisas, manipular e mudar mo, delos. Téda vez que um modelo muda, muda a nossa viedo, e portanto comprensa: do modelado. Mas h& feed-back em tal processo. Téda vez que @ nossa compren sao de um determinado fenémeno se revela insatisfatéria, buscamos névo modelo HA vérios oritérios para classificar modelos, Trés dos critérios 880 © motivo do presente ensaio, Prineiro oritério: dimensao. (1) Modelos ling ares, por exemplo descriqdes, equagoes e curvas. (2) Nodelos planos, por ex, emplo mapas geogréficos e desenhos de aparelhos. (3) Modelos tridimensionais por exemplo casas-miniatura e estruturas de arame com bolas modelando estru- turas de moléculas. Téda vez que muda a dirensao do modelo, mda a cosmovi- sao. 0 exemplo eléssico disto 6 o aparecimento do globus, isto 6 a curvatu= ra do mapa. Outro exemplo 6 o aparecimento de modelos tridimensionais da in formagao genética, isto 6 o desdobramento dos modelos bioquimicos planos para dentro do espago. Segundo critério: dinfmica. (1) Modelos sinerénicos, por exemplo mapas anatémicos e mapas politicos. (2) Modelos diacrénicos, por ex- emplo modelos plésticos de organismos com 6rgaos substituiveis, e séries de mapas histéricos, Téda vez que muda a dinfmica dos modelos, muda a cosmovi- 880. 0 exemplo clfssico 6 a biologia, isto 6 a substituigao do modelo sin erénico dos enoiclopedistas pelo modelo diacrénico darwiniano. Outro exemple 6 a quimica, isto 6 a substituigao do modelo de valéncias pelo modelo de in- terferéneias de érbitas de electrons. Terceiro oritério: perspectiva. (1)¥o delos objetivos, (projetados de um ponto de vista que transcende o fenomeno), (2) Modelos subjetives, (projetados do ponto de vieta de quem enfrenta o fen meno), (3) Modelos intersubjetivos, (projetados a partir do conoreto estar— no-mundo humano), Na nossa tradigao modelos objetivos, (por exemplo os da ciéneia), @ modeloe subjetivos, (por exemplo os da arte), se completam para resulter em nossa cosmovisao. A crise da nossa cosmovieao se manifesta, en- tre outras coisas, pela crescente problematicidade dos modelos objetivos, 6 pelo aparecimento de modelos intersubjetivos. 0s trés critérios motivam o present ensaio pela razao seguinte: most. ram que a elaboragéo de névos modelos 6 problema técnico e problema de ponto de vieta, e que poucas sao as atividades humanas tao revolucionérias quanto 0 68 elaboragdo de névos modelos. Comeqarei pela discussao do probloma do Ponto de vista, e aplicarei a discussao ao fenémeno "corpo humano”. A grande maioria, sendo a totalidade, dos modelos postos ao nosso dig p6r polas ciénoias 6 do tipo “objetivoe", Tike modelos sao projetados a par tir de uma "transcendénoia" do sujcito que pretende orientar-se no mundo. A partir de tal perspoctiva o mundo & visto @ nodelado como contexto oom VILEM FLUSSER Posto de objetos. Por exemplo o corpo humano aparece, scb tal perspectiva, como sendo um entre varios objetos no mundo, © como objeto de tipo esvecifi co, chamado “organismo". 0s modelos do corpo humano que a oiénoia nos fore nece, (mapas anatémicos, descricdes fisiolégicas ete.), sao projecoes a par tir de tal ponto de vista tanto quanto certos mapas geogrfficos sao projecac Mercator". 0 ponto de vista "objetivo", assumido conscientemente e metédi- camente desde pelo menos o Renasoimento, apresentava sempre dificuldades de varias ordens. Por exemplo a dificuldade de se saber exatamente o que 6 0 sujeito transcendente, e com que métodos ele consegve transeender 0 objeto. Mas os modelos funcionavam extremamente bem na praxis, de forma que tais di ficuldades forga sendo relegadas a segundo plano. Ultimamente, no entanto, estao eurgindo difiouldades de ordem diferente. Est& se tornando sempre maé claro nos mais variados campos de atividade que a divisao nitida "sujeito — objeto" 6 impraticivel. © principio de Heisenberg 6 apenas um entre virios exemplos disto. Pois tal difiouldade prética nao pede ser relegada a segun do plano, porque faz ourgir a suspeita que modelos objetivos deforman de al, guma maneira o fenémeno a ser conprendido, (e manipulado), = HA outra sus peita, talvez ainda mais perturbadora. Possivelmente o préprio modelo in- terfere no fen6meno a ser modelado, de maneira que o préprio fenémeno se de forma para adaptar-se ao modelo. A relagdo entre modelos eoonémicos, poli- ticos e sociais de um lado, @ a realidade a ser por eles modelada, 6 bom ex- emplo disto. De maneira que nao 6 mais tao facil assumir-se vontos de vis— ta objetivos e projetar-se madelos a partir de tal perspectiva, Nao 6 f&cil por razoes pr&ticas, que se acresentam As teéricas sempre existentes. Isto 6 aspecto da nosea crise, (0 aspecto “crise da objetividade”). wm congequéneia est& sendo elaborado, em t6da parte, um n6vo ponto de vieta, (que 6 "n8vo" apenas no sentido de “deliteradamente assumide para superar a crise"). £0 ponto de vista de quem nao prooura transcender o mi do, mas assumixr-se enquanto mergulhado dentro do mundo. A elaboragao de ta ponto de vista, e de modelos projegados a partir de tal ponto de vista, 6 o programa da "fenomenologia". ois os modelos que vém sendo propostos sob tal perspectiva néva modificarao nossa cosmovieao radicalmente, Por exemp- Jo @ nossa viedo do corpo humano. Nao mais 6 visto como um entre os objeto do mundo que nos cerca, mas como nossa maneira de "estarmos-no-mundo", isto 61 vivenciarmos e manipularmés os objetos que nos cercam. Tais modelos do nosso corpo, se e quando disciplinadamente elaborados, nao arao mais obje- tivos, (como que vistos a partir de Marcianos), mas intersubjetivos, (vis tos a partir da condig&o corp6rea comum a tédos os homens). Nem serdo eub- jetivos, (vistos a partir de um especifico sujeito). No entanto, ainda nao dispomos de modelos satisfatérios deste tipo. Nao dispomos de tais modelos embora a literatura "fenomenologia do corpo humano" esteja aumentando e se aprofundando com cada ano que passa. Isto tem a ver com o problema thoni- co da elaborago de modelos. VILEM FLUSSER Modelos s&0 instrumentos para a comprensdoy (e posterior mani pulagao), do fenémeno por eles modelado, Como tédo instrumento, sao resultados de de torminada tecnologia, Oe mapas olnborades A base de acro-fotogratia aio mo delos diferentes dos mapas elaborados & base de navigagao costeira, m con sequénoia 6 diferente a viedo que temos do modeledo, (de um pate por exemp- lo). A eserite alfabética 6 resultado de determinada técnica de trabalhar. se barro. Representa profunda revolugao na hist6ria, (com efeito: inicia a histéria propriamente dita), porque possibilita a elaboracdo de modelos li- neares, ("hist6ricos"), do mundo. A aeronfutica surgiu por razoes indepen- dentes da atividade modeladora, e também a fabrioagio de tijolos. Mas dado um contexto espeoifico, no qual por uma ou outra razdo certos modelos dispo niveis sao julgados insufioientes, (por exemplo desenhos de cenas ou a Pro- Jeqdo “Mercator” para mapas), 0 desenvolvimento tecnol6gico recente pode o- ferecer a possibilidade para a elaboragéo de modelos de névo tipo. Tal pa- rece ser o caso da atualidade. Dispomes, atualmente, de téda uma gama de métodos névos para a comuni, cacko de fenfmenos que nos cercan, Filmes, viedotapes © hologramas efo ape nas exemplos da grande variedade de expressao n6va da qual dispomos. 0 que caracteriza tédo este desenvolvimento 6 isto: podemos doravante estruturar as nossas mensagens de forma préviemente inpossivel, Por exemplot no filme e no videotape podemos estruturar planos linearmente, e no holograma podemos fazer o plano transparente para o espago. Ou: podemos, gragas a estes e out ros meios, diacronizar eincronias e sincronizar diacronias. Fm outros ter. mos: podemos doravante elaborar modelos de tipos préviamente impossiveis por falta de tecnologia apropriada, Tal virtualidade modeladora da chamada "re volugao nos meios de comunioagéo", e o impacto que teria, se realizada, nao parece ter penetrado profundamente a consciéncia geral, e isto 6 surprenden te. & surprendente, porque de um lado a caréncia de modelos de néto tipo & patente, e de outro lado as experiéncias com os videotapes em curso parecem olemar por utilizagao "modelar” desse meio, (para citar apenas um Gnico ex- emplo). Assim por exemplo necessitamos de modelosyiradicalmente névos para as vérias cosmogonies que vém sendo elaboradas par meios 6bviemente inade- quados, (descrigoes discursives, desenhos planos eto.), e a técnica dos vi- deotapes parece indicada para tais modelos, A nossa é a situagdo de stmeros que dispoem de tijolos e os utilizam apenas para neles imprimirem carimbos representando animais e deus: E og criticos sumerianos disoutirem se os leses carimbados podem vir a substituir os ledes talhados em pedra, Embora outros simeros j& tivessem procurado, com éxito duvidoso, talhar letras em pedras, £ que 6 dificil libertar o tijolo da pedra, e o videotape da pinta rae da fita de cinema, 0 paparelo sumeriano, (em si duvidoso), pode ser elaborado. (0s atime ros podem ser manipulados para servirem de modelos Para o nosso problema),

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