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ANNIE BESANT

SUGESTÕES PARA O ESTUDO


DO BHAGAVAD-GITA

Tradução,
acrescida de um glossário
JOAQUIM GERVASIO DE FIGUEIREDO

EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO

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Título do original:
Hints on the Study of The Bhagavad-Gita
Four Lectures Delivered at the Theosophical Society at Adyear, Madras.

CAPA:
O Bodhisattva Avalokitesvara,
que vela por este mundo de sofrimento com olhos de infinita compaixão.

SUMÁRIO

I Conferência - A Grande Revelação 04


II Conferência - Como Uma Voga Shãstra 17
III Conferência - Métodos de Yoga e Bhakti 28
IV Conferência - Discernimento e Sacrifício 42
Glossário dos Termos Sânscritos, e Outros, Usados no Texto 56

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I Conferência

A GRANDE REVELAÇÃO

Ao tentar falar-vos sobre o conteúdo do Bhagavad-Gítã em quatro sucessivas


conferências matinais, sinto, mais fortemente do que o pode sentir qualquer de vós, minha
completa incompetência para a tarefa. Falar do Gítã (1) é falar da história do mundo, da sua
vasta complexidade, da teia de desejos, pensamentos e ações que constitui a evolução da
humanidade, pois esse livro não é simplesmente o relato da instrução de Arjuna por Sri
Krishna: é muito mais que isso. Tudo quanto se pode rogar ao empreender tarefa tão acima
de suas forças é dizer que essa flauta, cuja música arrancava melodia até das próprias
pedras que a ouviam, possa insuflar a mesma oni-arrebatadora música no coração da
oradora e dos ouvintes, de modo que dessa música ressoe alguma nota nos corações aqui
reunidos para inculcar, na vida que brota desses corações, algo do espírito Incorporado nas
palavras do Gítã Quão grande é o Canto do Senhor, todas as nações a uma só voz o
proclamam. Não só em seu país natal, mas em todos os países tem chegado essa música, e
em todas as regiões tem ela despertado algum eco nos corações receptivos. Além disso,
muitas pessoas que o leem e o quereriam compreender acham-no - como realmente o
achou o primeiro ouvinte - difícil, complexo e mesmo confuso, voando aparentemente de
um assunto para outro, falando agora de um método e depois de outro, de métodos
aparentemente opostos; algumas vezes parecendo dar conselho segundo uma linha, para
depois aconselhar segundo outra linha, falando da necessidade da vida que se acha
incorporada em todos os seres e, todavia, com um contínuo estribilho, "combate", pelo que
a vida foi liberada de numerosas formas. Quem pode compreender a complexidade do Gítã
pode igualmente compreender a complexidade do mundo, em que o Autor do Gítã é o
sustentador e o mantenedor da vida. E tão complexo como o mundo é o Gítã, um e outro
dignos do mais profundo estudo.
Mas, nos dias atuais, o estudo é uma coisa difícil, pois o método do Instrutor Divino
não é o método do pedagogo humano. Deus não ensina da maneira como o homem
ensina, em compêndios escritos para um menino aprender, exercitando-lhe mais a
memória do que desenvolvendo-lhe a vida. A natureza, que é o reflexo exterior da
Divindade, não nos ensina por meio de preceitos e mais preceitos, por palavras faladas,
fáceis de compreender; e, assim, vocês podem notar que no Gítã, onde o método de ensino
é o do Instrutor Divino e não o do pedagogo, há muita confusão, muita dificuldade e, daí
por que, de quando em quando, surge a aflição no coração e mesmo nos lábios do
aprendiz. Quantas vezes, nas primeiras lições, reclama o discípulo amargamente do
Instrutor que ele não pode compreender. Quantas vezes surge o amargo, o repreensivo
grito por um ensino claro, definido e inconfundível. Deveis relembrar sloka por sloka em
que a confusão de Arjuna se apresenta, ora em tergiversantes, ora em quase petulantes
palavras: "Eu Te pergunto qual será melhor - dize-mo de modo decisivo. Eu sou o Teu
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discípulo, que Te suplica; ensina-me." (II: 7.) E a resposta? Um discurso longo e eloquente,
belo, cheio da mais profunda sabedoria; mas após esse discurso, que resultado se operou
na mente do ouvinte? "Com estas palavras ambíguas só me confundes o entendimento.
Portanto, dize-me, com certeza, por qual caminho posso eu alcançar a bem-aventurança,"
(III: 2.) De novo fala o Instrutor, Slokas mais slokas, em musical beleza fluem dos lábios
divinos; e, de novo, depois de proferidos dois longos discursos, o mesmo grito
desesperado: “Dos dois, qual é o melhor? Dize-mo concludentemente." (V: 1.) Quão
estranho! Ali está Sri Krishna ensinando Arjuna e, contudo, não pode fazê-lo compreender.
Ali está o aluno ideal, o discípulo ideal clamando por luz a seu Mestre e a luz não lhe é
dada. Ah! não. Não é assim. Não é o Mestre quem recusa a luz; o discípulo é que ainda é
incapaz de estar atento para compreendê-la. Tanto para o discípulo como para o Instrutor
é necessária a mente receptiva, assim como a sabedoria que flui dos divinos lábios. Qual a
valia do branco esplendor do Sol se incide em olhos cegos a sua radiação? De que vale a
melodia do mais primoroso vinã (2), se ela cair em ouvidos surdos? A dificuldade, meus
irmãos, está em nós e não Naqueles que ensinam. Eles derramam caudais de Sabedoria
Divina: mas pode o oceano esvaziar-se num pequeno balde? O que nos vemos é a
relutância, como quase nos parece, da parte do Instrutor; o discípulo está sedento de luz,
ardendo por conhecimento, suplicando por Sabedoria e, contudo, nada lhe aparece. A:,
contrário, aparece-lhe em caudalosas torrentes; vagas e mais vagas ondulam sobre nós,
mas somos fátuos, cegos e insensíveis como pedras, e até piores que pedras, pois estas
respondem à melodia da flauta, e nós não.
Bem, esta é a primeira grande lição do Gítã: o discípulo deve fazer-se por si mesmo.
Podeis aprender todas as coisas exteriores que o homem pode ensinar da instrução
exterior, embora ainda aí a capacidade do discípulo condicione a Iluminação que a mente
recebe, consistindo sua instrução apenas naquilo que ele assimila. Mas da Sabedoria
Divina não podeis aprender uma sílaba, ou antes, uma letra, enquanto não a viverdes na
vida real e deixando de repeti-la apenas com, os lábios. Para compreender o Gítã, tendes
de vivê-lo e, a medida que aprenderdes a vivê-lo, seu grande significado brilhará
lentamente na vossa inteligência; somente quando, passo a passo, se consegue vivê-lo, é
possível o profundo desvendar dos mistérios ao coração do indivíduo, Assim, alguns
tomarão o Gítã, lê-Io-ão do começo ao fim, e depois dirão: É muito belo, mas, no entanto,
nada há nele que não houvéssemos conhecido antes." E outros lerão, lerão, lerão, e a
leitura somente produzirá pequenos frutos. Bem, mas vós podeis dizer: ensina-se em
alguns dos nossos Shãstras" que se lerem tanto um quarto do sloka, meio sloka, um sloka
ou um quarto de todo o livro, assim serão os frutos. Sim, mas a leitura que proporciona o
fruto do conhecimento não é a leitura dos olhos, mas a da vida; e o homem que vê, o
homem que lê um quarto de um sloka, e o lê de maneira a torná-lo parte da sua vida, de
maneira que todos os que o rodeiam possam também lê-lo em suas vidas e saber que
nesse homem uma porção do Gítã achou incorporação, esse homem o leu
verdadeiramente e colhe o fruto. Cada verdadeira leitura marca um estágio de evolução
humana, marca um ponto no progresso humano. Não é a mera repetição de palavras,
mas, sim, o poderoso habitante espiritual, encarnado em nossos corações, o que
manifesta o fruto.
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Neste Bhagavad-Gítã há, portanto, dois significados bastante claros, distintos e ainda
intimamente ligados um ao outro, e convém compreender o método dessa conexão.
Primeiro, o histórico. Agora, especialmente nos dias atuais, em que o pensamento
ocidental está influenciando e colorindo a mente oriental, tanto os indianos como os
europeus se inclinam a abandonar a ideia de que as verdades históricas se originam em
grande parte da literatura sagrada. Esses enormes períodos, esses longos reinados, essas
gigantescas e sangrentas batalhas, tudo isso é, seguramente, uma simples alegoria; nada
disso representa uma história. Mas, o que é a história e o que é a alegoria? A história é a
execução do plano do Logos; o Seu plano, o Seu esquema para a evolucionante
humanidade; e a história é também o relato da evolução de um Logos mundial, que
governará algum sistema mundial do futuro. Essa é a história, o relato da vida de um Logos
evolucionante na execução do plano do Logos governante. E quando dizemos alegoria,
queremos significar com isso apenas uma história menor, uma historieta, cujos pontos
salientes, reflexos da história maior, são repetidos no relato da vida de cada Jívãtmã
individual, de cada Espírito incorporado como indivíduo.
A história em sua verdadeira acepção, é o plano do Logos governante para a evolução
de um futuro Logos, manifestado em todos os planos e visível para nós no plano físico e,
portanto cheio do mais intenso interesse e do mais profundo Significado. O significado
interior, como é chamado algumas vezes - aquilo a que respondem os vossos corações e o
meu, aquilo que é chamado alegoria -, é de natureza perpétua, sempre e sempre a se
repetir em cada indivíduo, e realmente é o mesmo em miniatura. Na história, Ishvara vive
no Seu mundo, tendo o futuro Logos e o mundo por Seu corpo; na alegoria, Ele vive no
homem individual, tendo o Jívãtmã e seus veículos por seu corpo. Em ambos, porém, estão
a Vida una e o Senhor uno, e quem compreende um a ambos compreende. Ninguém,
senão os sábios, pode ler a página da história com os olhos que veem; ninguém, senão os
sábios, pode traçar no seu auto desenvolvimento o grande desenvolvimento do sistema em
que o Jívãtmã e um futuro Logos, e o Logos governante, o Supremo Eu. E, visto que o
menor é o reflexo do maior, e a história do indivíduo em evolução é apenas uma copia
pobre e pálida da evolução do futuro Logos, há sempre nas Escrituras o que chamamos um
duplo significado: essa história a mostrar um Eu maior evoluindo, e o significado interior
alegórico a falar do desenvolvimento dos Eus menores. Não podemos deixar perder-se
qualquer desses significados, pois algo da riqueza do tesouro nos escaparia. Cabe-nos
conservar na mente, de modo firme e claro, que não se trata de nenhuma superstição dos
antigos, de nenhum sonho dos antepassados, de nenhuma fantasia de gerações ignorantes
da remota antiguidade, que nas pequenas. Vidas dos homens veriam reflexos da grande
Vida que tem o Universo para sua expressão.
Não deveis admirar-vos nem ficar perplexos todas as vezes que colherdes aqui e ali,
nesse desdobrante quadro, vislumbres de coisas que, em menor escala, vos são familiares
em vossa evolução individual. E, em lugar de pensardes que um mito e uma coisa nebulosa,
oriunda da história de um individuo remoto, exagerada e ampliada, como faz a moderna
fantasia, aprendei que o que chamam de mito é a verdade, a realidade, o grande
desenvolvimento da Vida Suprema que provoca a modelação de um Universo, e que o que
chamais de história; o relato dos indivíduos, é apenas uma cópia pobre e pálida desse
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grande desenvolvimento. Quando deparardes com a semelhança, sabei que o grande não é
modelado pelo pequeno, mas que o pequeno é que é o reflexo do grande. E assim, lendo o
Bhagavad-Gítã, podeis aceitá-lo como a história; e depois é a Grande Revelação que vos faz
compreender o significado e o propósito da história humana, para assim capacitar-vos a
perscrutar, com os olhos que veem, o panorama do grande desenrolar dos acontecimentos
em nações após nações, em raças após raças.
Quem ler assim o Gítã na história humana pode permanecer imperturbável em meio
do estrondar dos mundos em fragmentação. E podeis também lê-lo como uma alegoria
para vosso auxílio, estímulo e esclarecimento individual: o relato do Espírito que evolui
dentro de vós mesmos.
Eu me proponho, nesta manhã, a tomar estes dois significados como o nosso estudo
especial, e a mostrar que o Gítã como história é a Grande Revelação, o descerrar do véu
que encobre o esquema real que a história executa no plano físico, pois foi isso que
dissipou a ilusão de Arjuna e o tomou apto para cumprir o seu dever em Kurukchetra. E
depois, voltando desse plano mais vasto para buscar o seu significado quando relacionado
com o desdobramento individual do Espírito, veremos o que isso tem para nos ensinar, o
que traz de significativo para a nossa iluminação individual, pois realmente a alegoria é tão
verdadeira quanto a história. Pois, como veremos, se a história foi a preparação para a
Índia do presente, e a preparação da Índia para o futuro, é verdadeiro também o que está
escrito algures no Mahãbhãrata: "Eu sou o Instrutor, e a mente é o meu discípulo." Desse
ponto de vista, veremos Sri Krishna como o Jagatguru, o Guru do Mundo, e Arjuna como a
mente, o Manas Inferior, sendo ensinada pelo Instrutor. E, assim, podemos aprender o seu
significado por nós mesmos, em nosso próprio pequeno ciclo de crescimento humano.
Pois bem, um Avatãra é o Ishvãra, o Logos de um sistema mundial que aparece sob a
forma física por ocasião de uma grande crise na evolução. O Avatãra desce - desvela-se
seria a palavra mais certa; usamos a palavra "desce" quando pensamos do Supremo como
se estivesse muito distante, posto que, na verdade, ele é a onipenetrante Vida em que
vivemos; mas, ao olho exterior, parece apenas uma vinda para baixo, uma descida. E Sri
Krishna é esse Avatãra. Ele vem como o Logos do sistema, velando-se numa forma humana,
de modo que possa, como homem, exteriorizar e modelar o curso da história com grande
poder, pois nenhuma força inferior seria capaz de modelá-la. O Avatãra, porém, é também
o Ishvãra do Espírito humano, o Logos do Espírito, o Supremo Eu, o Eu de quem o Espírito
individual é uma porção - um amsa. Eis, portanto, o Avatãra como o Ishvara do nosso
sistema; o Avatãra, também, como o Ishvara do Espírito humano; e tão logo o vejamos sob
estas duas apresentações, a luz brilha e começamos a compreender.
Tomemos o drama histórico, a fixação do grande ensinamento. A Índia passara por um
longo ciclo de grandeza e de prosperidade. Sri Rãma Chandra governara o país segundo o
modelo do Reinado Divino, que guia, adapta e ensina uma civilização infantil. Esse dia
passara. Outros tinham vindo, mais débeis para governar e guiar, e deflagraram-se
numerosos conflitos. A grande casta Kshattriya, que havia sido cortada quase pela raiz pela
Avatãra Parashurãma, a Rama do machado, tinha de novo crescido forte e vigorosa. Foi
dentro dessa Índia que surgiu a nova manifestação.
Nesse passado da sua história, esta primeira ramificação da grande Raça Ariana se
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estabeleceu nas regiões setentrionais da Índia. Tinha ela servido aí como modelo, o modelo
mundial de uma nação. Tal foi a sua função: uma religião abrangendo tanto as alturas como
as profundezas do pensamento humano, capaz de ensinar o camponês em seu campo e o
filósofo e metafísico em recluso estudo; uma religião de âmbito mundial havia sido
proclamada através dos lábios dos Rishis deste primeiro rebento da raça. Não apenas uma
religião, mas também uma política, uma ordem econômica e social, planejadas pela
sabedoria de um Manu, e governadas por esse mesmo Manu. Não apenas uma religião e
uma política, mas também o planejamento da vida individual segundo as diretrizes mais
sábias: os sucessivos Varnas e Asramas. Os estágios de vida na longa existência do indivíduo
foram marcados nas castas, e cada vida de casta do incorporado Jívãtmã reproduzia em
seus princípios fundamentais, com base na vida individual, os Ashramas pelos quais passava
o homem entre o nascimento e a morte. Assim, perfeitamente concebida, assim,
maravilhosamente planejada, foi dada à Raça esta infante civilização como um padrão
mundial, para mostrar o que se podia fazer onde a Sabedoria governava e o Amor
inspirava.
A palavra de ordem proferida por esse antigo modelo foi Dharma: Dever, Adaptação,
Lei Correta. Gradualmente, como todas as coisas humanas, ela se adulterou e tornou-se
cada vez mais fraca. Tinha executado o seu trabalho, construindo um modelo para o
mundo, do qual as nações mais jovens extrairiam as partes que pudessem e as edificariam
em suas próprias civilizações.
Uma outra função, maior, mais divina, mais maravilhosa, devia caber agora à sagrada
Terra Oriental, e foi para prepará-la para essa função que Sri Krishna operou a mudança. A
Índia, que fora um mundo modelo de obrigações sistematizadas em seu povo divinamente
moldado, tinha de servir no futuro mui longínquo - futuro que a seus divinos olhos não
estava distante, pois, o que é a distância para a Divindade, a quem o passado e o futuro são
apenas um eterno presente? - não como modelo do mundo, mas como Salvadora do
Mundo. Eis a chave dos acontecimentos ulteriores.
Nenhuma nação pode galgar tão alto posto senão trilhando o vale sombrio da morte e
bebendo até as borras do cálice da humilhação e sofrimento; para isso veio Sri Krishna -
para tomá-lo possível e inevitável. Quaisquer outras mãos menos sábias e menos amorosas
que as de um Avatar jamais poderiam lançar a nação indiana no caminho, o amargo
caminho da humilhação e do sofrimento. E se lerdes cuidadosamente a história de Sua
vida, vereis que isto domina equitativamente toda a Sua política. Ele nunca oscila, nem
muda. Todo o Seu trabalho, em que Ele infunde o Seu inigualável poder, é guiado por esta
previdente, retilínea, imutável vontade. A imutável vontade ali estará, em qualquer véu de
maya que Ele, no momento, se envolva. Ele quer modelar este país, esta raça, para ser um
Salvador do Mundo. O que significa essa modelação? Significa primeiro humilhação sobre
humilhação. Quem pode fazer um retrospecto de como esta nação existiu no esplendor de
seu passado, e vê-la imperatriz dos mundos do espírito e da mente, com a sua tríplice coroa
de conhecimento espiritual, poder intelectual e prosperidade ilimitada, para depois,
contemplando-a nos dias atuais, vê-la descoroada, ressequida de lágrimas, a não ser as
vertidas de seu próprio coração, mais semelhantes a gotas de sangue? E, contudo, foi o
Senhor de Amor que em Kurukchetra tornou possível esse mesmo destino que hoje
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contemplamos; mais ainda: tornou-o inevitável. Ele despedaçou a dura muralha de aço
construída pelas espadas da casta Kshattriya da Índia: com suas próprias espadas afiadas.
Ele as destruiu, sim, o poderoso Senhor de todos, pois Ele viera como o tempo do juízo
final:

Eu sou o tempo desolador do mundo,


Que se manifesta na Terra para extermínio do gênero humano!
De todos estes guerreiros alinhados para a luta,
Nenhum escapará à morte. (XI: 32.)

Havia soado a hora; as espadas dos Kshattriyas despedaçavam-se umas contra as


outras em luta fratricida. Os corpos dos Kshattriyas jaziam mortos na planície de
Kurukchetra. A contenda por um reinado redundou na dissolução de dois reinados, e daí
nasceu a Índia atual. A fronte de tríplice coroa foi arremessada na poeira, de modo que as
destrutivas ondas da invasão poderiam roçá-la durante épocas sucessivas. Alexandre veio e
varreu as terras setentrionais, e seus exércitos voltaram para a Grécia enriquecidos do
pensamento oriental. Mais amargurada foi ainda a dor, mais cruel ainda a humilhação,
quando ondas sucessivas procedentes das nações asiáticas do Norte, da Mongólia, do
Turquestão, sustentando a forma mais feroz da crença do Islã, o Islã da espada e não da
pena, se estenderam sobre ela e lutaram para fazer soçobrar a crença do povo hindu, e,
destarte, erigiu-se o trono de Mughal no mesmo lugar onde reinara Yudhishthira. Mais
tarde, as nações europeias, umas após outras, jogaram com os dados da guerra e do
comércio para governar a Índia. Suas defesas haviam desaparecido. Nem armamentos nem
guerreiros, ainda que heroicos, foram bastante fortes para deter a corrente; as oceânicas
ondas da invasão tudo varreram e submergiram de costa a costa, Era a hora da sua paixão,
da sua crucificação entre as nações.
Alçada à sua cruz de dor, zombada e escarnecida, chasqueada e desprezada, seus
mantos de beleza a servir de despojos da soldadesca insolente, dali ela pende agonizante,
há muitas centenas de séculos. Mas quando vos falamos de humilhação e de paixão, de
crucificação e de ferimentos, só nos referimos à metade da história de um Salvador do
Mundo, pois após a paixão vem a ressurreição, como inevitavelmente à noite se segue o
dia. Contudo, se observardes com visão perspicaz, desanuviada das lágrimas provocadas
por esse relato da humilhação e da paixão, podereis ver que, ao passo que cada onda de
conquista inundava a terra, ela fertilizava essa terra e realmente não a destruía. E cada
onda, ao regressar, levava consigo algo com que fertilizar a sua própria terra, e deixava na
Índia algum novo pensamento, alguma ideia nova, algum tesouro para lhe enriquecer o
pensamento sempre crescente. A invasão parece uma torrente destruidora, se encarada
apenas de seu lado de fora. Entretanto, é reconhecida como uma torrente fertilizadora se
observada do lado de dentro, semelhante ao Nilo que irriga o Egito de modo tal que para
todos a terra aparenta estar alagada, mas dessa torrente depende a colheita da futura
estação. Pois não guia o Avatãra o mundo? E do mal aparente Ele extrai um bem
incessante. E porque Ele ama, e é tão sábio quanto amoroso, com mãos seguras guia a Sua
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eleita pelo vale da miséria e pelo inferno da humilhação, a fim de que, purificada pelo
sofrimento e enriquecida pela experiência colhida de muitas nações para misturar com a
sua própria, possa a Salvadora do Mundo erguer-se, gloriosa, na manhã da ressurreição,
para difundir uma nova luz por todo o mundo, em vez de projetá-la sobre uma única nação.
Tal foi o significado da vinda de Sri Krishna, e tal foi o trabalho que o Avatãra viu ante
si, e com imutável vontade firmemente o executou. Mas aqui desponta para nós uma outra
lição: pois observamos que, para atingir o fim, Ele nunca se esqueceu nem deixou de
empregar os meios que na época exigia a Ordem Correta. Estais lembrados de como, antes
do alvorecer do dia da batalha, Sri Krishna se dirigiu à corte do Rei Dhritarashtra, e como
com a Sua inflamadora eloquência, a sua áurea linguagem, lhe solicitou a paz? Estais
lembrados de como Ele chamou Duryodhana, como à obstinação deste Ele antepunha a Sua
paciência, e à sua desvairada loucura, a Sua doce sabedoria? Quão suaves as Suas palavras,
quão hábeis as Suas sugestões; não só isso mas, depois de tudo fracassado, também
revelou parcialmente a Sua forma como Ishvára, a fim de fazer um esforço máximo para
levar a convicção aos corações que a Ele se opunham e se inclinavam para uma guerra
fatal. Quantos esforços pela paz, não obstante saber que a guerra era inevitável Tanto
empenho pelo inatingível, tantas diligências para obter coisas que teriam frustrado a Sua
própria missão.
Quão estranho parece isso aos nossos olhos míopes! Mas quão necessário e quão sábio
quando começamos a ver! Pois, embora Ele soubesse que esses esforços fracassariam ante
o propósito do momento, embora Ele soubesse que a guerra era inevitável, e Ele mesmo
quisesse essa guerra, não menos Ele sabia que o dever precisava ser cumprido e que era
Seu dever, como patriota e como estadista, esforçar-se pela paz com todo o interesse e
energia humana que possuía. Ele sabia, em Sua divina sabedoria, que o valor do esforço
não está no sucesso imediato, como nós o consideramos; que os esforços, dirigidos para
fins nobres, nunca são perdidos, mas constituem uma força sempre se acumulando, e que
o futuro sucesso jamais se conseguiria com correção e perfeição se faltasse um desses
esforços e não se fizesse um desses empreendimentos. Ele conhecia o segredo da ação.
Sabia que a ação correta não é a executada pelo sábio por causa do seu fruto imediato e
evidente; e que a ação correta deve ser sempre executada, mesmo quando a aguarde um
inevitável fracasso. Bem sabia Ele que todos os Seus esforços eram forças, energias
necessárias à consecução do resultado final no que, para nós, é ainda o longínquo futuro.
Os esforços pela paz empreendidos por Sri Krishna, frustrados como então pareciam pela
obstinação de Duryodhana, fazem parte das energias que estão trabalhando pela paz
universal no futuro, quando houver passado a necessidade das lições da guerra, e as
brancas asas da paz pairarem sobre um mundo tranquilo. E por isso Ele trabalhou e se
esforçou.
Agora atentemos para o relato histórico, para uma rápida visão do conjunto.
Despontado o dia da batalha, Arjuna, sentado na carruagem tirada por cavalos brancos,
com o divino Cocheiro a seu lado, sentiu o coração desfalecer ao extremo. Amigos de
ambos os lados, parentes postados sob bandeiras hostis; e mais ainda: seus antigos
instrutores - Bhishma, Drona e outros - alinhados contra Ele e guiando os exércitos
inimigos: que coração não desfaleceria ante esse conflito de deveres? Devia travar-se uma
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'batalha dentro do coração antes da batalha de Kurukchetra e, à medida que essa batalha
recrudescia, ele se sentia intranquilo, desanimado, confuso quanto ao dharma. Que deveria
fazer? Era o reinado um prêmio suficiente para o extermínio dos seres amados? Assentar-
se-ia suavemente a coroa na fronte quando o coração está dilacerado? Não, com
verdadeira previsão ele anteviu o pesado fardo de miséria que aguardava tanto o
conquistador como o conquistado: a sombra do dia vindouro, quando, na corte vazia,
procurasse debalde os rostos dos seus amados parentes, os companheiros de
divertimentos dos seus dias de infância. Essa sombra se escurecia cada vez mais e lhe
entenebrecia o coração amante. "Como matarei estes?" exclamou ele, "meus Gurus, como
os exterminarei? é preferível comer da côdea do mendigo, viver como um exilado, a
exterminar esses altivos Gurus, esses amados parentes. Meu próprio alimento teria o sabor
de sangue." (II: 4,5.)
E todo o seu argumento era razoável; suas ideias sobre a confusão das castas, suas
ideias sobre a decadência gradual do dharma, que inevitavelmente se seguiram à carnificina
de Kurukchetra, eram todas corretas. A história as tem justificado; seus pressentimentos
provaram ser verdadeiros; o dharma decaiu; a confusão das castas aí está. Sua visão não
era, pois, uma visão cega; ele apenas não via muito longe. Ele via o futuro imediato de
maneira clara, distinta e correta. Não é verdade que o dharma decaiu? Não é verdade que
temos agora completa confusão das castas? Que foi feito do dharma das castas?
Desvaneceu-se, como bem o temia Arjuna. Suas palavras, consideradas do ponto de vista
da visão limitada, eram verdadeiramente "palavras de sabedoria" (II: 11), de sabedoria
mundana, a sabedoria da mente não iluminada. Ele via com verdadeira previsão o que
sobreviria ao país.
Compreendeu que se achava empenhado num trabalho que significava a ruína da
Índia; isso ele sabia embora não enxergasse além da Índia do momento; a Índia mais
poderosa, que deveria nascer das dores do parto da ruína, estava fora do seu alcance
visual. É de se admirar que assim fosse? Como podíamos esperar que Arjuna, sábio em
muita coisa como era penetrasse as densas névoas do futuro e visse o que devia nascer
dessa miséria temporária? Como podíamos esperar que ele visse o resultado, o verdadeiro
resultado de toda a luta? Por que foi ele, pois, tão asperamente repreendido? Se a sua
profecia era verdadeira, se a sua previsão estava certa, se o dharma ia se desvanecer, por
que se precipitaram dos divinos lábios estas palavras de repreensão? "Donde te sobreveio
este abatimento, esta aflição perigosa, ignóbil, que fecha o céu, esta aflição infamante, ó
Arjuna? Não cedas à impotência, ó Pãrtha, que não te assenta bem. Lança fora essa vil
covardia. Levanta-te Parantapa." (II: 2, 3.)
Por que essa forte repreensão? Porque, qualquer que seja a dificuldade do momento,
o plano, o esquema de Ishvara deve ser cumprido por aqueles que são os Seus agentes no
trabalho. Arjuna tinha convivido com Sri Krishna desde a sua mocidade e era o Seu amigo
mais dileto. Lembrai-vos de como, quando jovens, eles se encontravam após o grande
torneio em que Arjuna venceu Draupadi e se tornou senhor do campo. Lembrai-vos de
como eles cresceram um ao lado do outro; de como, durante muitos anos, a influência, a
maravilhosa influência de Sri Krishna envolvera o seu amigo eleito, preparando-o para a
parte notável que deveria tomar na luta. Havia um plano para ser executado, em que
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Arjuna era um ator e ao qual seus olhos estavam cegos. Ele estava sob uma ilusão; confuso,
perplexo, não podia ver. O grande plano a ser executado era imutável; nada que Arjuna
fizesse poderia alterá-lo; nenhuma resistência de sua parte poderia contribuir para torná-lo
diferente. Ele tinha de compreender que as formas perdem a vida, porém que o Espírito
nunca morre e que, uma vez cumprido o trabalho da forma, convém que ela seja
despedaçada, pois somente quando o Espírito modela novas formas para si é que se pode
operar o desenvolvimento mais amplo. Quem hesita em destruir a forma cujo trabalho está
terminado desconhece ainda o poder da vida, que é o construtor e continuará a construir
em dias vindouros.
Não é menos certo que na ruptura dos sistemas cujo trabalho se acha terminado são
os executores do Sahajan Dharma - o dever inato - os que servem de ponte entre a velha e
a nova ordem. Os que compreendem a necessária progressão dos acontecimentos, os que
conhecem quais as formas que se devem romper quando as novas formas estão prontas
para nascer, os que cumprem firmemente o dharma das formas mais velhas em que
nasceram, embora saibam estarem elas agonizantes, até que as novas estejam prontas -
esses constituem a ponte pela qual os ignorantes podem atravessar incólumes, em meio do
estrépito de um sistema decadente, para entrar num novo sistema preparado pelo Espírito
que sempre remoça a vida e constrói novas formas.
Assim, Arjuna tinha de cumprir o seu dever, acontecesse o que acontecesse, fosse qual
fosse o resultado, e, de maneira bastante estranha, quem fora escolhido para esta grande
tarefa - o de ser a ponte para a nova ordem - era um homem em cuja própria família estava
mui definidamente manifestado este mesmíssimo fato da confusão das castas. Pois, se
voltardes o vosso pensamento para a história de Arjuna, lembrar-vos-eis de que sua bisavó
foi uma pescadora que se casara com um rei; que os filhos desse rei morreram sem deixar
descendência, e que Vyãsa foi chamado a fim de dar nascimento a filhos para serem os
herdeiros do falecido monarca. E quanto a estas crianças, assim nascidas, Pãndu agira de
tal modo, que ele também não era o pai dos que eram chamados de seus filhos, os quais
nasceram de Kuntl e Madri por contato dos Devas. Semelhantemente, da bisavó, a filha do
pescador, e da avó, que nenhum filho gerou para o seu próprio senhor, e sim para Vyãsa, e
da mãe, na qual se infundiu a sombra dos Devas, se originou a mistura de estranhas e
diversas correntes nas veias deste Arjuna, dileto amigo de Sri Krishna, instrumento
escolhido para o trabalho de transição. É nesses fatos que o pensador pode refletir
apropriadamente.
No entanto, disse eu que era necessário o cumprimento do plano divino da evolução,
quisesse-o ou não Arjuna e, por isso, se declara do grande esquema: "O Senhor habita no
coração de todos os seres, ó Arjuna! Por Seu iludente poder faz com que todas as coisas se
revolvam, como que atadas à roda do oleiro." (XVIII: 61.) Esse é o desígnio; não há escolha
nem poder que o altere; a sabedoria não se corrige com a ignorância, nem a visão que
penetra o futuro é ensinada para ver corretamente por olhos cegos. O desígnio não podia
ser modificado por causa do sentimentalismo de Arjuna, ou porque seu coração pudesse
partir-se ao dar-lhe cumprimento. O tempo estava maduro; a hora havia soado. "Eu sou o
tempo" (XI: 32), presente aqui e agora, e era demasiado tarde para hesitar; já havia
passado o tempo para pensar, e soara a hora da ação.
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Ao contrário, com esse passado dharma que por trás o impelia como um dever sobre
si, que era obrigado a cumprir em virtude das causas por ele mesmo engendradas
anteriormente, não lhe assistia nenhum poder para se recusar a desempenhar o papel por
ele escolhido em seu passado; e isso Sri Krishna lhe diz em palavras claras e plenas:
"Entrincheirado no egoísmo pensas: 'Não combaterei.' É inútil a tua determinação; a
natureza te constrangerá. Ó filho de Kuntí, obrigado por teu próprio dever oriundo da tua
própria natureza, aquilo que de enganoso não desejas fazer, isso mesmo executarás e sem
assistência." (XVIII :59,60.)
Que significa isto? Significa que, na grande crise do destino de uma nação, em que o
Senhor montado na roldana do oleiro faz girar a roda da história, mão nenhuma é então
capaz de detê-la. Significa que os que escolheram os papéis principais nas suas inumeráveis
escolhas no passado geraram uma força kármica atrás de si, a que eles, nos seus atuais
corpos, são impotentes para resistir. E significa que o sangue de Kshattriya, que circulava
nas veias de Arjuna, assim como o poder da hereditariedade física proveniente de gerações
atrás de si, e nas quais ele criara o dever de o Kshattriya enfrentar seu inimigo, o
impulsionariam mesmo contra o seu atual desejo, contra o seu atual coração, contra a sua
atual vontade. A poderosa força inata da natureza, criada no seu passado, lançá-lo-ia, a
despeito do seu atual eu no meio de um exército adversário, e ele inevitavelmente
combateria, constrangido pelo seu próprio passado. Mas se combatesse desse modo, o
infortúnio seria seu. O plano de Ishvara seria efetivamente cumprido; a roda do oleiro não
pararia de girar; o Senhor ali montado não seria estorvado pelo minúsculo poder de Arjuna
em Kurukchetra.
Mas para Arjuna, inapelavelmente forçado a lutar, realmente seria mau se,
entrincheirado naquele egoísmo do sentimento do momento, continuasse a persistir no
"Eu não combaterei". "Se por egoísmo não ouvires, serás totalmente destruído." (XVIII:
59.) Tal é o propósito de Deus e a cooperação do homem enunciados em poucas
sentenças. Não podeis modificar o grande plano; simplesmente vos é dada a oportunidade
para cooperar. Todavia, se impulsionado à cooperação pelo vosso passado, resistirdes no
presente movido pelo egoísmo, por vos julgardes o ator em vez de vos postardes como um
simples instrumento nas mãos do grande Dramaturgo e disserdes: "Não combaterei; não
cumprirei o meu dever; não farei a minha tarefa" - então, a despeito do cumprimento
involuntário, sereis totalmente destruído, pois a vossa escolha atual é no sentido de
faltardes ao vosso dever, e a escolha interior determina o futuro, como a escolha passada
determinou o presente. O plano sairá triunfante, porém o egoísmo em que vos refugiardes
vos destruirá, mesmo que forçados à obediência externa do plano.
Assim se fez a Arjuna a Grande Revelação e mudou-se a sua atitude para com o mundo
exterior. Ele compreende agora o que significa a história. Entende o imutável plano e o
papel que nele desempenham os eus individuais que se tornaram dignos de cooperar com
o poderoso Senhor. Sabe, agora, que Sri Krishna é o Tempo; Tempo tornado manifesto
para extermínio daqueles povos. "Portanto, combate," Justamente por ser chegado o
tempo, os objetos obstrutores devem ser eliminados para o bem de toda a humanidade:
"Portanto, combate." "Sê tu a causa visível (XI: 33), a espada, o instrumento." É como se
Ele dissesse: "Em verdade, já os exterminei, e esse extermínio significa apenas a sua
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libertação. Eles agora constituem obstáculos, obstruções. A morte é sua amiga, sua
libertadora e não sua inimiga. Mortos, eles vêm a mim, Seu Senhor vivente. Eles se
precipitam dentro de minha boca (XI: 26-29); perecem os seus corpos para que sua
verdadeira vida possa crescer. Contribui, pois, para a realização da grande tarefa e liberta
os Espíritos viventes enquanto tombam os obstrutivos corpos. Por ser eu o Tempo, por ser
seguro o esquema, por ser o fim certo, por tudo isso, combate."
Arjuna compreendeu. Atentai para as suas últimas palavras: "Desvanecida está minha
ilusão. Obtive o conhecimento por Tua graça, ó imutável ser! Firme estou e dissipadas
estão minhas dúvidas. Agirei segundo a Tua palavra." (XVIII:73.) Ele aprendera o
significado da história. Entendera o lugar do plano e o lugar do ator. Compreendera que
de nenhum modo era ele quem trabalhava, salvo como instrumento do sumamente sábio
e amoroso. Não mais pensava em amigos ou inimigos; não mais pensava em apegos e em
ligações pessoais. No maravilhoso ensino da revelação do mundo ele compreende o único
Senhor que move tu o, que trabalha sempre para o melhor, pelo caminho mais curto
possível e, vendo isso, arroja-se alegremente aos Seus pés para agir conforme a sua
palavra. “Destruída está a minha ilusão. Combaterei."
E é assim em toda a história, se tão só pudermos ver corretamente a história que nos
circunda, a história de Arjuna em Kurukchetra; se pudermos aprender o espírito da
Grande Revelação, o significado da vida oculta atrás do véu e das pequenas vidas deste
lado, a sua cooperação, as relações de uns com os outros, então em cada luta podemos
colocar-nos do lado certo e combater sem dúvidas, sem ilusões, sem, temores, porque o
Guerreiro que realmente peleja faz tudo, ao passo que nós somos apenas as células do
Seu corpo, com nossas vontades harmonizadas e unificadas com a Sua. É necessário
dissipar a ilusão para que a atividade não seja paralisada pela dúvida, o mais fatal inimigo
da ação. A dúvida debilita a virilidade, vampiriza a mente. Necessária, absolutamente
necessária, como um estágio para o conhecimento, ela rompe o rijo laço entre o
pensamento e a ação quando se prolonga indevidamente e se torna uma atmosfera
habitual. "O... escravo da dúvida caminha para a destruição. Porque nem neste mundo
nem nos mundos do além há felicidade para quem duvida." (IV: 40.) “Portanto, combate"
é o estribilho constante. Compreendei para poderdes agir
Essa é a revelação da história. Não tenho tempo para desenvolvê-la de modo mais
completo, mas vedes o princípio subjacente no todo; aplicai-o às lutas das nações que vos
rodeiam no momento atual. Olhai através do véu para a realidade que está atrás dele, e
vereis em toda a parte o grande Avatãra guiando, e todas as coisas muito bem planejadas
e trabalhando para um fim previsto.
Essa é a lição histórica; e qual é a outra lição, a da alegoria? O conflito,
evidentemente, entre o Manas Inferior, a mente em evolução, simbolizada por Arjuna, e
Kama, a natureza passional, simbolizada pelos parentes capitaneados por Duryodhana,
incorporando todos os laços do passado. Arjuna ali está como o Manas Inferior, não
iluminado, indeciso, vacilante, questionador, ora se movendo de um modo, ora de outro,
sem confiança em si próprio, sempre fazendo perguntas e, quando lhe respondem, não
compreendendo a resposta, sempre confuso quanto ao que seria realmente o melhor.
Tanto se inclina para uma das partes como para a outra; este argumento é muito bom,
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mas aquele também é admirável; entre os dois está sempre oscilando, para trás, para
diante, ora para um lado, ora para o outro.
Aqui temos o tipo de um Manas não iluminado, e a essa mente o Instrutor dirigiu as
palavras de sabedoria há pouco citadas: "Nem neste mundo, nem nos mundos do além, há
felicidade para quem duvida." Um eu que sempre duvida e nunca pode satisfazer a própria
mente; que, no momento de decidir uma questão, examina todos os argumentos do outro
lado e precisa sempre recomeçar para alcançar o todo, esse não faz nenhum progresso. É
o exagero da virtude, da cautela e da prudência; a virtude exagerada que se torna vício.
É.melhor agir e cometer um erro crasso, e assim aprender a melhorar a ação no
futuro, do que hesitar sempre em tudo antes de agir, pois a entorpecedora dúvida vos
impede de receber as lições que só a experiência vos pode ensinar. A hesitação desponta
fortemente em todos os argumentos de Arjuna. O incitamento à decisão desponta
fortemente nas palavras do Instrutor.
Os estágios que Arjuna tem de atravessar, podemos reconhecê-los em nossa própria
experiência. Primeiro, em sua juventude, Arjuna, rapaz da corte, está sujeito aos mais
velhos da família em todos os estágios incipientes do seu crescimento; sábia e
necessariamente sujeito, pois só por essa sujeição pode a mente ser induzida a vencer a sua
inércia e a esforçar-se e, por esse esforço, a desenvolver os seus poderes.
Nos primórdios da evolução é isso que se dá com a humanidade. Sob a tutela dos mais
velhos, e seguindo sem hesitação os impulsos nascidos do apetite e prazeres naturais, a
mente segue seu curso sem pensar muito e sem hesitação ou dúvida. Então não há
nenhuma luta.
Depois, vem o tempo da luta inerente aos estágios intermediários, quando se percebe
que a satisfação dos impulsos naturais, do Kama, é insaciável; que a satisfação do Kama
tanto traz miséria como felicidade; quando se nota que as decepções e as frustrações
seguem as pegadas dos desejos satisfeitos, e surge um anseio por compreender.
Chega, então, o tempo da luta, o tempo belicoso da miséria, da duvida; a mente está
confusa quanto ao dharma e quanto ao melhor caminho a seguir. A mente clama ao
Instrutor por auxilio, mas a resposta apenas confunde, pois o Manas não está ainda apto
para ver a verdade, mas está confundida por todas as atrações circundantes a que o
coração arrastado. A verdade parece insípida, dura, repulsiva; segui-Ia assemelha-se a
matar todas as alegrias da vida ou, em outras palavras, a própria vida. Depois vem a visão
do Supremo, a única que dissipa o gosto pelos prazeres provocados pelos objetos que nos
circundam. Somente quando se vê o Supremo, e quando a vida mais plena se infunde na
menor, é que cessa a atratividade da vida dos sentidos (II: 59). Então o Manas ascende
triunfante, iluminado, com a luz do Eu, clara, radiante, decidida; a ilusão é desfeita, o
guerreiro é o vencedor dos seus inimigos, Parantapa.
Esta é, na verdade, a senda da alma guerreira; este é, na verdade, o caminho que ela
deve percorrer. Amigos em ambos os lados; pois quando no Kurukchetra da alma começa a
batalha que há de trazer a vitória final, a iluminação, a união com o Supremo, nunca se
encontram num só lado todos os amigos criados por laços passados: em ambos os lados
existem amigos guerreando uns contra os outros. Ali se atritam em conflitos de direitos, de
deveres, de obrigações de toda espécie. É fácil agir quando sabeis; a dificuldade está em ver
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o caminho em meio do alarido e da poeira da batalha, e em manter a visão bastante
aguçada para penetrar as nuvens e examinar por onde se estende o caminho do dever.
Amigos em ambos os lados: como poderão ser abandonados? Ah! não; mais que
amigos deve a alma guerreira achar entre seus adversários: Instrutores, Gurus.... aqueles a
quem no passado o guerreiro implorara auxílio, direção - Bhishma e Drena, tipos dos que
auxiliam, guiam e ensinam. Os antepassados estão contra ele; os amigos e parentes
também estão contra ele; e também os que são menores, os mais jovens, criticam,
repreendem e desprezam por ignorância, a alma guerreira tem de ficar sozinha, como ficou
Arjuna no espaço vazio entre os exércitos. Sozinho e, ao mesmo tempo, não sozinho, pois o
Instrutor estava ao seu lado, o divino Cocheiro estava ali; o Eu, aguardando ser
reconhecido.
Ele deve engolfar-se sozinho na batalha; por seu forte braço direito, por sua própria
vontade inflexível, por sua própria coragem indomável, deve essa renhida batalha ser
travada até o amargo fim. Ele se sente isolado, em meio das mais extremadas insulações. E
é nessa insulação, nessa solidão, que ele deve achar o Eu. Ali, no âmago da luta, quando se
sente sozinho, quando todos estão contra ele, resplandece sobre ele a glória do Eu, e ele
sabe verdadeiramente que não está só.
A despeito dos ferimentos, cujo sangue o cega, a despeito de golpeada a armadura, de
sujas as vestimentas e de danificadas as armas, a alma guerreira permaneceu intrépida até
o fim, ignorando que o escudo do seu Instrutor permanecera sobre ela no momento de
maior perigo, ignorando que, quando ao seu encontro se dirigia o único dardo a que
nenhuma força humana poderia resistir, a esse dardo o seu Instrutor voltou o seu próprio
peito, transformando-o numa grinalda em volta do pescoço do Cocheiro. Ele nada sabia do
broquei invisível que desviara a corrente de fogo que só o Senhor poderia enfrentar; não
sabia, nem pensava, nem sonhava, que o Real Guerreiro, disfarçado no Cocheiro, o estava
protegendo, pois se o houvesse percebido na luta, como poderia ter aprendido a confiar no
Eu interior?
O Eu exterior deve desvanecer-se antes de se encontrar com o Eu interior. Essa é a
experiência de toda a alma guerreira, a experiência pela qual cada um deve passar, à
medida que trilha a senda que conduz ao Supremo. Somente nessa solidão extremamente
desoladora é que Arjuna, ou qualquer outro, pode achar o Eu.
Não temais, pois, os que deveis ser guerreiros, quando vossos amigos vos repreendem
e vos voltam as costas. Não temais, ainda quando os mais velhos condenarem, quando os
mais jovens desprezarem, quando os iguais escarnecerem. Caminhai intrépidos, inflexíveis,
que o Eu está dentro de vós. Podeis cometer muitos erros, pois o Eu está incorporado e os
erros pertencem ao corpo. Lembrai-vos de que os erros são do corpo, não do Espírito
interior. É pelo sofrimento que se segue a esses mesmos erros, a matéria grosseira é
queimada e o Eu se torna mais manifesto. Continuais combatendo, lutando, cheios de
coragem, com coração bravo e estrepito, e no fim da vossa batalha em Kurukchetra,
também para vós resplandecerá o Eu em Sua Majestade, igualmente destruída será vossa
ilusão, e vereis o vosso Senhor como realmente Ele é.

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II Conferência

COMO UMA YOGA SHASTRA

Ao tratar de um livro tão complicado como o Gítã, num tão breve espaço de tempo
como o que temos ao nosso dispor, é necessário escolher cuidadosamente os pontos que
extraiam desse livro seus pensamentos centrais, suas instruções principais, para assim
termos um todo sintético, que possa permanecer na mente e, dentro dela, pelo nosso
próprio estudo, adaptarmos os vários pormenores de uma forma ordenada. Hoje, a parte
do assunto que me proponho a colocar diante de vós é a natureza do Gítã em sua essência,
como uma Voga Shãstra, uma Escritura da Voga. A seguir vem a questão da atividade, a
natureza da atividade, a sua força aglutinadora e o método de se libertar de suas ligações
pela yoga. Isso nos levará a uma consideração do que se entende por yoga, e por yogue; e,
por último, teremos de indagar quais os meios que estão dentro do nosso alcance, pelos
quais a yoga pode ser alcançada. Esta última parte, porém, deixarei para amanhã e depois
de amanhã; hoje trataremos somente dos pontos que acabo de mencionar: o Gítã como
Voga Shãstra, a atividade, sua natureza aglutinadora, o método da libertação pela yoga, a
natureza da yoga e, portanto, o caráter do yogue.
Antes de tudo, compreendamos definitivamente que o Bhagavad-Gítã, em sua pura
essência, é o que se chama no fim de cada um dos Adhyãyas - uma Yoga Shãstra. Se não
pudermos aprender a voga através desta Escritura, perdido ficará para nós o seu propósito.
Bem, a Escritura da voga é dada pelo Senhor da Yoga. Quem fala é o Yogeshvara, o
Senhor da Voga, e lemos, quase no fim, depois de tudo enunciado, como exclama o ouvinte
de todo o diálogo: "Graças a Vyâsa eu ouvi esta secreta e suprema Yoga do Senhor da Yoga,
o Próprio Krishna falando ante meus olhos." (XVIII: 75.) De modo que temos aqui o ensino
da yoga dado por Aquele que é o Yogeshvara. "Como posso eu conhecer-Te, ó Yogue?" (X:
17) é o grito de Arjuna. Como yogue, ele está pensando Nele, e é em resposta à pergunta:
"Como posso conhecer-Te, ó Yogue?" que a Divina Forma se revela, fato este mais
significativo quanto ao sentido da yoga, como veremos logo mais. Notamos também que
Arjuna apresenta a súplica em detalhe: "Fala-me novamente da Tua Yoga." (X: 18.) Isso é o
que ele procura, a fim de que a hesitação e a ilusão se desvaneçam. "Quem conhece em
essência a minha Soberania e a minha Yoga, esse está harmonizado por indefectível Yoga"
(X: 7); e assim a súplica do discípulo ao Senhor da Yoga é para que ele possa compreender o
seu significado interior, que é a própria essência do Gítã. E isso que devemos aprender no
Gítã.
Mas como conciliar esta yoga, ou o ensino da yoga, com o que constitui o objeto do
Gítã na sua verdadeira acepção? Pois bem vos lembrais de que o orador e o discípulo estão
de pé no meio, entre dois exércitos que estão prestes a empenhar-se numa batalha. E
justamente quando "o arremesso das flechas está para começar" (I: 20) que o desalento se
apodera do coração do heroico Arjuna. O objeto capital de tudo quanto é dito e feito,
segundo relata o texto do Gítã, tem apenas um intento: dar a Arjuna disposição e coragem,
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forçá-lo a agir, lançá-lo, se necessário for, na batalha; e o argumento é continuamente
entrecortado com o constante estribilho: "Portanto, combate." Não importa qual tenha
sido a linha do argumento. Pode ter sido um argumento expondo a natureza do Jívãtmã, o
inato, o indestrutível, o perpétuo e o permanente; depois dessa exposição: "Portanto,
combate." (II: 18.) Pode ter sido um longo argumento filosófico, explicando a natureza do
Uno e do Múltiplo, explanando a constituição dos mundos, a Vida Una que a tudo penetra;
no fim da argumentação, de novo soa o estribilho: "Portanto, em todos os tempos, pensa
somente em Mim e combate." (VI: 7.) Ou pode ser o ensino da devoção, o mandamento
para o discípulo submeter todas as ações ao seu Senhor, e "com os teus pensamentos
repousados no supremo Eu [ ... ] empenha-te na batalha" (III: 30). Apresentada que foi a
Divina Forma: "Destrói, pois, sem temor. Combate!" (XI: 34.) No final: quando Ele ordena a
Arjuna: "Imerge tua mente em Mim, se Meu devoto, sacrifica a Mim", ainda a insistente
ideia soa na pergunta: "Desvaneceu-se a tua ilusão causada pela ignorância?" (XVIII: 65,
72.) E o resultado de tudo isto é a resolução de Arjuna de combater: "Agirei segundo a Tua
palavra" (XVIII:73), e engolfou-se na luta.
A primeira vista, porém, isso é muito curioso e surpreendente. A yoga vai ser ensinada,
o perfeito yogue está para ser treinado, e a cada interrupção do argumento e mudança do
assunto, o estribilho: "Portanto, combate" estruge nos admirados ouvidos. "Apresta-te
para a batalha" (II: 38) é a ordem do Senhor da Yoga. Em toda a parte desta Escritura há a
insistência para a prática da ação da mais violenta espécie como se no combate estivesse
incorporada - podemos dizer - a real quintessência da atividade, a sua sacudidura, o seu
tufão, o seu tumulto, o seu estrondo. Onde há atividade mais intensa que a do campo de
batalha dos heróis? Ainda existe essa Yoga para ser governada, existe esse Yogeshvara que
aparece em toda a plenitude do Seu poder e da Sua magnificência. Ora, isto parece
naturalmente estranho, e mais estranho que tudo, talvez, para a mente moderna, e para a
mente moderna da Índia. Pois na Índia hodierna, habitualmente, a grande atividade e a
prática da yoga jamais caminham de mãos dadas. Não; tenho visto aqui homens que se
arrogam falar pela ortodoxia hindu, a defendê-la do ensino do Teósofo; eu os tenho visto
aqui sustentar que nenhum homem pode ser um yogue, a não ser que viva nas cavernas,
nas brenhas ou no deserto, a não ser que viva em algum recesso dos poderosos Himalaias,
ou em outra cadeia de montanhas sob o sagrado céu da Índia. Eu os tenho ouvido dizer que
nenhum homem pode ser um yogue desde que esteja no meio da atividade, trabalhando,
esforçando-se por fomentar todas as boas coisas que estão no mundo e, portanto,
profanas; que yoga significa reclusão, silêncio, inação. Aparentemente, essa é a ideia de
muitos indianos modernos; e é um fato - cuja razão veremos mais tarde - que no curso da
evolução, entre a atividade nascida do desejo por objetos do mundo e essa nobre e
incessante atividade que surge do desejo de cooperar com Ishvara, o Supremo, há um
estágio intermediário em que a ação se tornou fastidiosa, como pertencente ao mundo,
quando a lição superior da ação na inação (IV: 18) não foi ainda aprendida pelo discípulo.
Mas o Próprio Senhor da Yoga vê a yoga sob um prisma muito diferente do que acabo
de descrever: “Quem executa cada ação como um dever, independentemente do fruto da
ação, esse é um asceta, é um yogue." (VI: 1.) Ele vai mais além e declara: "Yoga é perícia na
ação."(II: 50.) De modo que na mente do "'Senhor da Yoga, a yoga parece ter envolvido
18
algo muitíssimo diferente da ideia atual de se afastar dos homens, de se sentar nas
cavernas ou brenhas, isolado dos homens. Isso tem seu lugar, tem sua parte na evolução
humana. É um estágio no progresso humano. Mas a yoga, como a ensinou o Senhor da
Yoga, a Yoga Suprema, é algo diferente. O homem está aqui no mundo para a atividade; o
Criador do mundo é a incorporação de Kriyã, a atividade. Brahma representa Kriyã, e
nenhum objetivo existe em qualquer universo físico que não seja para o desenvolvimento
da atividade correta, dirigida pelo pensamento correto e pelo desejo correto; todas as
coisas conduzem a isso. O mundo está repleto de objetos desejáveis, foi preenchido pelo
Próprio Ishvara com objetos que despertam desejos; o Próprio Ishvara se acha oculto
dentro de cada objeto, a imprimir-lhe sua graça atrativa, seu poder encantador.
Veremos presentemente que nada existe em todo o mundo em que o Senhor do
Mundo não se ache incorporado. E esta vasta disposição de objetos é estabelecida no
mundo pelo Próprio Ishvara·. Ele Se vela nestes objetos por meio de Mãyã e, por isso, Ele
desperta desejos nessas porções de Si Mesmo, as quais Ele colocou aqui a fim de crescerem
da semente divina para o Senhor divino.O desejo é despertado, levantado, fortalecido pela
presença de todos estes objetos desejáveis. E se o desejo não tivesse um papel a
representar na evolução humana então teríamos nascido num mundo que fosse um
deserto, onde não houvesse nenhum objeto para atrair, nada para encantar Mas a
presença desses objetos prazenteiros como a desses objetos dolorosos, não só provocam
repulsão e atração em nós, como também nos suscitam. 0 pensamento; pois colocam-se
dificuldades entre nós e os objetos de nosso desejo, e o pensamento é despertado dentro
de Jívãtmã, a fim de que essas dificuldades sejam ou vencidas ou desvanecidas. A medida
que traçamos o curso da evolução humana, observamos que o pensamento é estimulado
pelo desejo, e que todas as vigorosas atividades mentais, que vemos nos homens do
mundo que nos circunda, são motivadas pelo desejo, e por ele estimuladas, provocadas,
impelidas. A menos que Ishvara tenha planejado Seu universo muitíssimo mal - e muitas
vezes imaginamos, em nossa sabedoria, que nós o teríamos planejado melhor se no-lo
tivessem deixado organizar - deve haver alguma significação na presença desses objetos
que provocam desejos, alguma significação nas dificuldades, cuja adequação torna
inevitável a aplicação do pensamento. O desejo e o pensamento fazem o motivo e os
poderes guiadores da ação, e esta vem depois do desejo e do pensamento como seu
resultado natural, inevitável. Este é um ponto em que nos deteremos por um momento
para que o possamos .compreender. Contudo, a fim de compreenderdes seu objetivo final,
a tremenda força do argumento que nele jaz, deveis pensar sobre ele ponto por ponto, de
pormenor em pormenor, até que aprendais o mundo como Yogeshvara o tem planejado, e
não como os homens o fantasiam ou imaginam que ele deveria ser. E, assim pensando,
chegareis a compreender que todas as coisas se acham dispostas de modo que possam
promover a atividade, porque, como Ele nos diz: A ação é superior à inação." (III: 8.)
Portanto, o homem é acariciado e seduzido, estimulado e aguilhoado para a ação; e
devemos gravar e firmar esse pensamento na mente, do contrário o significado do Gítã
nos escapará inevitavelmente.
Por que tanta insistência de Sri Krishna sobre a ação? A razão disso parece-nos muito
evidente, desde que voltemos ao terceiro Adhyãya, onde Ele tanto fala da ação, o Adhyãya
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chamado "A Yoga da Ação." Tudo depende da ação: "De alimento vivem as criaturas; da
chuva se produz o alimento; a chuva procede do sacrifício; o sacrifício surge da ação. Sabes
tu que de Brahma provém a ação?" (III: 14,15.) Eis a cadeia da vida. As criaturas do
alimento, o alimento da chuva, a chuva do sacrifício, o sacrifício da ação, a ação de Ishvãra -
toda a vida do mundo, toda a reprodução dos seres tudo o que faz um mundo, um
manvantara em contradição com um pralaya, tudo o que depende da atividade nasce da
ação. Assim, a ação não é uma coisa tão completamente desprezível como a Índia de hoje
que se inclina algumas vezes a pensar. E é possível que dataríamos com precisão o começo
da decadência da Índia, a partir do instante em que o seu povo perdeu de vista a correta
proporção entre a ação e a inação, e começou a encarar a ação como um entrave para a
vida espiritual, em vez de vê-la como um meio, como o caminho para isso. Pois não está
escrito que: "Para um sábio Que busca a yoga, a ação é considerada o meio?" (VI: 3.)
Todavia, dizeis: "Terminai o sloka." Certamente. "Para o mesmo sábio entronizado na yoga,
a serenidade é considerada o meio." Mas, significa inação a serenidade? Pelo contrário;
leiamos um pouco mais e veremos o que foi dito do Sábio sereno: "Agindo em harmonia
Comigo, torne ele atrativa toda ação" (III: 26); de maneira que este ensinamento do valor
da ação caminha passo a passo: ação, serenidade, serena ação. O motivo por que é
necessária a atividade, nos é ensinado de forma muito completa neste mesmo capítulo.
Pois está declarado: "Como o ignorante age por apego à ação, assim, assim, ó Bhãrata, deve
o sábio agir sem apego, aneloso pelo bem-estar do mundo. Não perturbe o sábio a mente
dos ignorantes apegados à ação; mas - como acabei de citar - agindo em harmonia Comigo,
torne ele atrativa toda ação." (III: 25, 26.)
Em que repousa a ação do Próprio Ishvãra? "Nada existe nos três mundos, ó Pãrtha -
diz Ele como Sri Krishna -, que fosse feito por Mim, nem algo inatingido que pudesse ser
atingido e, contudo, Eu me envolvo na ação. Pois se nunca Me envolvesse em infatigável
ação, todos os homens seguiriam o Meu caminho, ó filho de Prithã. Em ruínas cairiam
estes mundos se Eu não cumprisse a ação; Eu seria o autor da confusão das castas e
exterminaria estas criaturas." (III: 22-24.) Eis, na verdade a raiz de toda a atividade correta.
Atividade correta é a cooperação com Ishvara, o Lagos do universo; esse é o mais elevado
caminho, e para ele devem tender toda iniciativa, todo esforço - a cooperação com a
Vontade divina, a obra em harmonia com a Vontade que trabalha mais sabiamente pelo
supremo bem. Qualquer que seja o dever do momento, esse deve ser feito: combater se
esse for o Interesse na época; passividade, se a passividade for necessária. Uma vez
chegado o tempo, no curso da história do mundo, quando um grande número de homens
seguindo ao longo do caminho que os conduz para baixo, tem de ser salvo do caminho em
declive por meio da destruição do corpo desesperadamente deformado a fim de que o
Espírito vivente possa modelar por si mesmo um corpo mais apropriado para fins
superiores - então a destruição de corpos pode ser a cooperação pedida . Encasais a morte
como uma coisa má e terrível. Influenciados pelo pensamento ocidental, pensais na morte
como sendo uma perseguidora, uma inimiga do homem; mas a morte tem outros aspectos
que não o de perseguidora do homem, meus irmãos. Não;·a morte é a amiga em vez. da
perseguidora do homem; é quem abre a porta da prisão onde o Espírito interior está
saldando um passado não bem vivido, não bem pensado. É muitas vezes a morte que,
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olhada de um lado é terrível, quando encarada de um outro se revela como a verdadeira
porta do nascimento na vida. E quando um homem semelhante a Duryodhana, nobre em
muitos dos seus, impulsos, esplêndido em sua coragem, amante de seu povo e atento ao
seu bem-estar; quando um homem como ele está fazendo o que nós chamamos
desesperadamente de errado e opondo-se a Vontade divina, [...] que pode o mais gracioso
mensageiro mandar-lhe a não ser a morte, que abata o estouvado corpo e desvenda os o
os o Espírito? Uma vez entendido isso, começais a compreender que, mesmo a guerra,
com todos os seus horrores, é uma mensagem de misericórdia, de salvação, de libertação
para muitos que tombam no campo de batalha. E se o coração de Deus pode suportar a
visão do sofrimento nós que somos muito mais egoístas, podemos também suporta; vê-lo,
e estar desejosos de cooperar com Ele. Portanto, se a sabedoria e o amor declaram que o
combater é necessário para o progresso no momento, então combater é a cooperação
com Ishvára, e a palavra de ordem retumba: "Portanto, combate, Arjuna."
Atividade Correta é, pois, a lição do Gítã, e atividade correta é a ação harmônica com
a Vontade divina. Essa é a única definição verdadeira da atividade correta; não pelo fruto,
não pelo desejo de estar em movimento, não pelo apego a qualquer objeto ou a quaisquer
resultados da atividade, mas por estar totalmente harmonizada com a Vontade que
trabalha pelo bem universal. "Sem nenhum apego, executa com perseverança a ação que
é dever." (III: 19.) Isso e tão só isso é a atividade correta.
Agora, surge uma grande dificuldade no meio de todo este ensinamento. Se pode ser
Verdade, e é verdade, que o Jñaní, o homem perfeitamente sábio; o Bhakta, o homem
perfeitamente devoto; o Kartã, o homem que age no caminho reto, estão todos
trabalhando em mãrgas reais, em caminhos reais, para o Supremo, eles todos caminham
para essa atividade correta e nela se confundem. Para essa atividade são necessários a
perfeita sabedoria, a perfeita devoção e o perfeito desapego aos frutos da ação, e
somente os que são sábios, devotados e ativos podem alcançá-la. Onde está, pois, a
dificuldade? É que o homem está limitado pela ação. Este pensamento parece ter surgido
na mente de Arjuna quando ele ouvia esta glorificação da ação. O homem é limitado pela
ação e, vendo esta dificuldade, o Instrutor declara: "0 mundo é limitado pela ação." (III: 9.)
A ação forja laços entre nós e as coisas a que a ação é dirigida. Nós nos ligamos às nossas
ações, sejam boas, más ou indiferentes. Não é só a ação má que ata; a ação boa ata da
mesma maneira. E verdade que o fruto difere. O fruto da má ação é o pesar, e o da boa
ação, a felicidade; mas as boas e as más ações atam igualmente. 0 homem. "O mundo é
limitado pela ação." Em que espécie de lugar então nos achamos? Como resolver este
problema? Devemos ser ativos, trabalhar, afanar-nos; devemos nos lançar na vida do
mundo, fazer ação pelos outros e trabalhar pelo bem-estar do gênero humano; e sempre
estamos atando os nossos membros com as cadeias que agrilhoam, peando as asas do
Espírito que anseia por voar bem alto, com estas ligaduras de atividade que o retêm na
Terra. Pode ser essa a consequência do ensinamento do Senhor da Yoga? Não. É bem
verdade que o homem é limitado pela ação. À medida que se desenvolve o Seu
argumento, Ele parece tornar as coisas algo desesperadas para nós, pois, não contente em
falar-nos que o homem é limitado pela ação, Ele também nos diz que: "O homem não
consegue libertar-se da ação abstendo-se da atividade." (III: 4.) Aqui temos fechada contra
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nós a primeira porta de escape. Não conseguimos nos libertar da ação permanecendo
inativos: "Não é por mera renúncia que ele ascende à perfeição." (III: 4.) O problema se
torna mais intricado à medida que avançamos. Não é de se admirar que Arjuna ficasse
confuso. O Instrutor insiste nisso mais e mais. Ainda não é tudo. Pela inação não podeis
obter liberdade, e, na verdade, não podeis nem mesmo estar inativos. Está enunciado de
modo definitivo: "Nem pode ninguém, mesmo por um instante, permanecer isento da
ação; pois cada um é involuntariamente impelido à ação pelas qualidades inatas da
natureza! (III: 5.) Como Ele diz de novo em outra passagem: "Com efeito, nem podem os
seres encarnados renunciar completamente à ação." (XVII: 11.)
Que deve então fazer um homem infeliz? Diz-se que ele não deve estar inativo.
Quando ele age, diz-se-Ihe que a ação o prende. Ao desejar libertar-se, diz-se-Ihe que não
pode se abster da ação. Não; diz-se-Ihe algo mais. "Executando a ação sem apego é como
o homem pode verdadeiramente alcançar o Supremo." (III: 19.) Em que emaranhado de
contradições parece que temos entrado! Existimos acaso para estar sempre atados a esta
roda de nascimentos e mortes? Existimos acaso para ser sempre escravos, atados por
laços que forjamos com a nossa própria atividade? Não há nenhuma liberdade para o
homem? Não há nenhuma libertação para ele? Ele existe para ser sempre um ente
desvalidamente atado, escravizado pelos laços que nascem da ação? Não; a lição vai mais
além, e eu parei no meio do Sloka quando li que “O mundo é limitado pela ação". "O
mundo é limitado pela ação, se esta não é executada por causa do sacrifício." (III: 9.) Um
raio de luz aparece através das trevas. Se a ação é executada como sacrifício, "por causa
do sacrifício", se ela é oferecida como sacrifício, então ela perde o seu poder ligante. Sri
Krishna diz ainda algo mais: "Aquele que, liberto do egoísmo, de discernimento íntegro,
embora extermine este povo, não é seu exterminador nem fica ligado." (XVIII: 17.) Ainda
mais: "Janaka e outros - diz Ele atingiram a perfeição pela ação." (III: 20.) Há, pois, uma
espécie de ação que não só não liga, como é, em si, um meio de libertação - um novo
pensamento que não está em harmonia, bem sabemos, com alguns dos ensinamentos
atuais, nem, realmente, como alguns que são tidos como imperativos. E, além disso, é
apresentado de forma muito enfática, muito forte, com reiteração: "Tendo-o assim
compreendido, os nossos antepassados, procurando sempre a libertação, executaram a
ação; portanto, executa tu também a ação, como o fizeram os nossos antepassados nos
tempos remotos... Quem vê inação na ação e ação na inação, esse é sábio entre os
homens; acha-se harmonizado, mesmo enquanto executa toda a ação. Aquele cujas obras
estão todas isentas do bolor do desejo, cujas ações são queimadas pelo fogo da sabedoria,
a esse os doutos chamam de Sábio. Tendo abandonado o apego ao fruto da ação, sempre
contente, esse não está fazendo nada, embora praticando ações. Nada esperando, com
sua mente e seu eu controlados, abandonada toda cobiça, executando a ação somente
com o corpo, esse não comete pecado. Contente com tudo o que obtenha sem esforço,
liberto dos pares de opostos, sem inveja, equilibrado tanto no sucesso como no fracasso,
esse, embora agindo, não se liga. Daquele que, morto, o apego, harmonizado, com os
pensamentos estabelecidos na sabedoria, sacrifica as suas obras, toda a ação se dissolve."
(lV: 15, 18-23.) Aí está, pois, o segredo da ligação e da desligação; aí está o ensinamento
do Senhor da Yoga. Como se pode praticar a ação sem contudo engendrar liames, como
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combinar a atividade com a liberdade, como fazer da ação um caminho para a libertação,
essas são as lições do Gítã.
Como se deve fazer isto? Pela yoga. Eis a resposta em duas palavras. Como fazê-lo,
como agir e não ser ligado, como transformar o que normalmente liga em verdadeiros
meios para atingir a libertação, eis a lição que agora aprendemos, e esse "como" é a Yoga.
Pela Yoga. De nenhum outro modo pode ser feito isto. Estas aparentes contradições se
harmonizam quando a yoga é compreendida e, por isso, naturalmente perguntamos: Que
é a yoga? Que é o yogue? Por quais meios se pode obter a yoga?
Recebemos a revelação do que é a yoga por meio do ensino pessoal do Próprio
Senhor da Yoga. Que é, pois, a yoga, segundo o Gítã?
É melhor tomá-la primeiro das palavras do próprio Gítã, e definirmos a yoga
como ele a define. Abandonai por um momento vossos pensamentos comuns. Não vos
confundais, por um momento, com quaisquer ideias de Yoga que possais ter previamente
concebido. Atentai, antes, às palavras do Senhor da Yoga: "Ela! Contempla hoje o universo
inteiro, movente e imovente unificado com o meu corpo, o Gudãkesha, com tudo o mais
que desejas ver. Mas verdadeiramente não és capaz de Me contemplar com estes teus
olhos; o divino olho Eu te dou ... Contempla a Minha Soberana Yoga." (XI: 7, 8.) Ali,
Pãndava contemplou o universo inteiro, dividido em partes multiformes unificado com o
corpo do Deus dos Deuses." (XI: 13.) Essa é a suprema yoga - a visão da união dos muitos
contemplados no Uno, o universo inteiro Unido ao divino Corpo, que é a Yoga.
O undécimo Adhyãya é o próprio coração do Gítã, a sua essência. Quem não tenha
nenhuma ideia do significado desse Adhyãya, não pode alcançar a yoga. É o seu coração; a
sua essência; todas as coisas nos conduzem a isso e disso nos afastam. Na visão da Forma
Divina, na qual todas as, coisas estão incluídas, nessa soberana yoga está exposta a única
grande verdade libertadora. Esta é a suprema Palavra (X: 1). Este e o soberano segredo, o
soberano conhecimento a sabedoria e o conhecimento combinados (IX: 1,2). Esta é a voga
do Eu (XI: 47), ou o próprio Eu, o recôndito coração da yoga. Eis a palavra suprema e o
sublime segredo: os muitos estabelecidos no Uno. Nada menos. E no Gítã, sloka após
sloka, insiste-se nisto reiteradamente; em tudo, sem fazer exceções; no chamado bem,
como no chamado mal.
Se não podeis ver isso, a yoga não é para vós e não estais preparados para ela. "Por
isso, verás a todos os seres no Eu, sem exceção, e assim em Mim." (IV: 35.) Tudo procede
de Mim (X: 8), não apenas o bom, o belo, o feliz e o harmonioso; tudo procede de Mim. "O
Gudãkeshal Eu sou o Eu, que mora nos corações de todos os seres; sou o princípio, o meio
e o fim de todos os seres." (X: 20.) Todas as práticas que conduzem à yoga, que
harmonizam um homem com a yoga, têm somente Isto como resultado: que estando
"harmonizado pela yoga ele vê o Eu habitando em todos os seres no Eu; em toda parte ele
vê o mesmo" (VI: 29). De que modo estranho soa isso a alguns ouvidos! Em toda parte, o
mesmo. Se ao menos pudéssemos ter um pouco mais de Eu no santo que no pecador; se
ao menos o Eu pudesse ser um pouco mais no homem bom do que no mau. "Não é
assim", diz o Próprio Eu. "Residente igualmente em todos os seres, o Senhor Supremo,
Imperecível dentro do perecível - quem vê assim realmente vê. Vendo, na verdade, o
mesmo Senhor presente igualmente em todos os lugares." (XIII: 28, 29.) Isso é expresso de
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um modo muito veemente para que ninguém seja capaz de tentar escapar disso, ou seja
capaz de entendê-lo mal.
E ainda depois, talvez receoso de que este ensinamento pudesse parecer demasiado
estranho, e de que, a despeito de tudo, qualquer exceção pudesse ser feita, Ele declara:
"As naturezas que são harmônicas, ativas, inertes, conhece-as como provenientes de
Mim." (VII: 12.) Não há que escapar. Não podeis apartar o inerte dizendo-lhe: "0 Eu não
está em vós." As naturezas inertes - declara Ele - são todas Minhas. Em essência, não há
nem bem nem mal na natureza das coisas. Tudo é parte do Supremo. Tornamos as coisas
boas ou más em relação conosco mesmos por nossa ignorância, por nossa loucura, por
nossa própria paixão e estamos aqui a fim de que, compreendemos pelo menos a unidade
a unidade de todas as coisas, possamos transcender tanto o bem como o mal e repousar
finalmente no Supremo. Dura doutrina, dizem alguns. Perigosa doutrina, dizem outros.
Enquanto todas as coisas são perigosas para o ignorante, nada é perigoso para o sábio. A
Unidade não se vê nos estágios inferiores, onde ela pode ser mal-entendida ou
tergiversada. Eles veem a separatividade, não a Unidade, veem o multifário, não o Uno;
veem os muitos. mas não o permanecente no único Corpo do Senhor. Cada qual esta certo
de que ele é ele mesmo e não qualquer outro, de que ele e o ator, pois se acha
entrincheirado no egoísmo. É justo e bom que ele fique assim entrincheirado durante
certo tempo, pois só assim poderá aprender as lições necessárias à manifestação do Eu em
si, esse Eu que mora em cada um, esperando com infinita paciência até que as rodas do
veículo aprendam a sua colação certa no esquema das coisas.
O grande Senhor da Yoga não teme apresentar a verdade. Intrépido Ele declara uma
vez mais, com essa contínua insistência que lhe é congênita, aos que são bastante sábios
para ler e compreender: "Resido no coração de todos, e de; Mim. procedem a memória, a
sabedoria e a ausência de ambas. (XV: 15.) Não só, pois, a sabedoria e a memória, mas
também a ausência de sabedoria e da memória. O nono e décimo Adhyãyas não se
aplicam a outra coisa senão em levar Arjuna à visão do Supremo. Cada coisa Ele declara
ser Ele mesmo: Eu sou isto, Eu sou aquilo, Eu sou aquele outro. Eu sou. todos os Rishis, as
montanhas, os rios, as árvores e os animais, pois Eu sou tudo. "Uma porção de Mim
Mesmo, transformada num Espírito Imortal no mundo da vida reúne ao redor de Si os
sentidos, imortal no mundo da vida, reúne ao redor de si os sentidos, dos quais a mente é
o sexto, velados na matéria.” (XV: 7.) Quando o Senhor (Jíva, o Eu individual emanado do
Espírito Supremo) deixa um corpo e passa a outro novo, leva consigo a mente e os
sentidos, como das flores recolhe" o vento, os aromas. Tendo dominado o ouvido, os
olhos, os órgãos do tato, do paladar e do olfato, e também do manas, Ele utiliza os objetos
dos sentidos (XV: 8, 9). Poucas pessoas hoje em dia ousariam proferir essa grande palavra
de que “quando o Senhor toma um corpo, Ele utiliza os objetos dos sentidos". Os ilusos
não percebem o Senhor nem quando presente nem quando ausente do corpo, nem
quando afeta a influência das qualidades; mas percebe-O aquele que vê com os olhos da
Sabedoria. (XV: 10.) E mais: como que receando que alguém ainda pensasse que, depois
de tudo, alguma coisa se pudesse deixar apartada de Si, Ele pronuncia sobre os "homens
que efetuam severas austeridades não prescritas nas Escrituras" e sobre eles declara:
"Ignorantes, atormentando os agregados elementos que lhes formam o corpo, e também
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a Mim, que resido no intenor do corpo, tais homens têm propensões demoníacas." (XVII:
5, 6.) De sorte que aqueles que atormentam mesmo o corpo exterior atormentam o
Próprio Senhor que mora dentro dele.
Alçando-se em voos altaneiros do onipenetrante e velado Eu, Ele declara: "Eu sou o
Tempo perdurável. .. e a Morte que tudo devora, Eu sou, assim como a origem de todas as
gerações futuras." (X: 33, 34.) "Sou o jogo do trapaceiro e o esplendor das coisas
magníficas Eu sou." (X: 36.) "E qualquer que seja a semente de todos os seres, essa sou Eu,
ó Arjuna, porque nada do que existe, movente ou imovente, pode subsistir despojado de
Mim." (X: 39.) "Como um único Sol ilumina todo este mundo, assim o Senhor do campo
ilumina todo o campo, ó .Bhãrata." (XIII:33.) Tal é a Yoga. A unidade de todas as coisas, a
multiplicidade vista no Uno.
Quem é, então, o yogue? É o homem que compreendendo a Unidade, vive-a Ele, e
somente ele, é o yogue. Essa é a declaração repetidamente feita neste Yoga Shãstra
quanto ao homem que é o vogue aos olhos do Senhor da Yoga, do próprio Eu revelado
pela yoga como O chamam (XI: 47). O yogue, é o homem que, compreendendo a unidade,
vive-a. Ninguém que não a compreenda assim, e não a viva, pode ser chamado yogue na
acepção integral do termo. Lembremos mais uma vez a frase: "Quem executa a ação como
um dever [...] é um asceta, é um yogue, não aquele que só prescinde dos fogos e dos
ritos." (VI: 1.) Não é o traje exterior do homem o que faz o yogue; o yogue não é o homem
que perambula com o hábito de um yogue, mas “o que executa cada ação como um dever,
independentemente do fruto da ação”. Agora o homem que é o Yogue típico está descrito
em variadas repetições e suas características são claramente definidas. Está declarado: "0
equilíbrio se chama yoga" (II: 48); somente o que vê a unidade permanente fica estável no
meio da mutação dos vários efeitos transitórios. Ele é hábil nas ações exteriores: "A yoga é
perícia na ação" (II: 50.) Ele não sente nenhuma atração pelos objetos dos sentidos, ou
pelas ações, e renuncia à elaboração de planos: ”Quando um homem não sente nenhum
apego, quer pelos objetos dos sentidos, quer pelas ações, renunciando à vontade
formativa, então se diz estar ele entronizado na yoga." (VI: 4.)
Ao definir o Yogue perfeito, o homem que alcançou essa perfeição da unidade que
significa triunfo. Ele.declara: "Quem, através da identidade do Eu, o Arjuna, vê a Igualdade
em todas as coisas, sejam agradáveis ou dolorosas, esse é considerado um perfeito
yogue." (VI: 32.) Com cuidado e elaboração desenvolve Sri Krishna, no sexto Adhyãya, a
seguinte ideia sobre um Yogue: ele é o que se acha "estabelecido na unidae:" (VI:31); que
tem a mente "fixa no Eu" (VI: 18); na visão do Uno presente em todas as coisas, ele vê que
ate o prazer e a dor são apenas fases da manifestação do Uno, e está “liberto do desejo de
todas as coisas desejáveis" (VI: 18), e assim alcança "a desconexão da união com a dor."
(VI: 23). "Harmonizado é quem está satisfeito com a sabedoria e o conhecimento,
infatigável, cujos sentidos se acham subjugados.” (VI: 8, 9.). Com esses objetivos deve ele
meditar, pois, na agitação e precipitação do mundo exterior, ele não pode compreender a
Unidade, a menos que se afaste da multiplicidade de tempos em tempos e a olhe do
exterior, "num secreto lugar, por si mesmo" (VI: 10); todo homem que queira alcançar a
visão da unidade deve além das muitas oras que dedica ao trabalho, a diversão e ao sono,
reservar um pouco de tempo para a solidão .e a meditação, até que se encontre bastante
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forte para meditar sempre, no meio de qualquer turbilhão. Sem isso, é tolice esperar
sucesso.
Eis que, enquanto não formos fortes, mas fracos; enquanto não tivermos olhos de
sabedoria, mas formos Iludidos inúmeras vezes; enquanto não formos impulsionados
pelas qualidades, pensarmos nas coisas como separadas, permitirmos que uma coisa nos
proporcione prazer e, uma outra, dor, em vez de aceitarmos cada coisa desagradável e
agradável como experiência, que pode ser utilizada para auxílio dos upãdhís (1) em que o
Eu deve se tomar manifestado; enquanto se der isso com todos nós, devemos passar um
tempo em silêncio, num lugar solitário, onde nos sentemos apartados, e ali, com a mente
fixa no Eu, compreendamos a nossa unidade com esse Eu, a despeito do turbilhão dos
acontecimentos. Devemos seguir as direções traçadas por Sri Krishna (VI: l0-19), até que,
"buscando o Eu pelo Eu, no Eu" estejamos "satisfeitos" (VI: 20); até que possamos achar "0
supremo deleite que a Razão pode colher independentemente dos sentidos, nos quais se
acha estabelecida", nós não seremos "sacudidos mesmo pela penosa tristeza" (VI: 21, 22).
Então gozaremos a "infinita bem-aventurança da união com o Eterno" (VI: 28). E quando
tudo isto está realizado, quando um homem verdadeiramente "vê o Eu morando em todos
os seres no Eu" (VI: 29), então o que, "estabelecido na unidade, Me adora a Mim, que
moro em todos os seres, esse yogue vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver"
(VI: 31). Essa é a grande verdade do autêntico yogue. Ele pode ser um escritor ou um
orador, pode ser um varredor ou um agricultor, pode ser um filósofo ou um comerciante,
pode ser um rei ou um estadista, pode ser um advogado ou qualquer outra coisa - isso não
importa. "Ele vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver", se ele vê a unidade
em todas as coisas, todas as coisas em Deus.
Isso resume, parece-me, toda a essência do pensamento que temos seguido esta
manhã: "Esse yogue vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver." Não é o que
vós sois nas vossas ocupações: é o que sois na vossa mente; não são as vossas atividades
exteriores: é a atitude com que encarais o mundo; não é o que vós fazeis, mas o que sois
em vossos sentimentos e pensamentos; é isso que determina se vós sois ou não um
vogue.
Por três caminhos viajam os que procuram a yoga. Traçarei esses caminhos, em
alguma extensão, amanhã e depois de amanhã. Sabeis que se falam de três - o caminho
da sabedoria, o caminho da devoção e o caminho "'da atividade. Cada qual segundo um
temperamento, os caminhos que se julga serem três, porém, que se confundem em um,
desde que o Eu que está atrás de toda a espécie de temperamento é um. Jñaní é o que
segue o caminho da sabedoria; o Bhakta ou Tpasv é o que trilha o caminho da devoção; e
a Karta é o que vai pelo caminho da ação. Mas que disse Sri Krisna sobre estes homens,
ao resumir esta porção do Seu ensinamento sobre a yoga contida no sexto Adhyãya? Ele
disse: "O yogue é maior que os ascetas, é reputado ser maior que o próprio sábio. O
yogue é maior que os homens de ação." (VI: 46.) O perfeito yogue é maior que os homens
de qualquer um dos caminhos separados, maior que os homens que estão trilhando um
ou outro, ou o terceiro destes três caminhos que conduzem à yoga completa. e maior do
que o Jñaní, o Tapsdví e o Kartã, pois ele resume em si, em perfeito equilíbrio, as
características distintas desses três, e não é ninguém em particular, pois ele é todos
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juntos. Ele aprendeu o correto pensamento, o correto desejo e a correta atividade, e
tendo assim se tornado perfeitamente sábio, ativo e devoto, ele é maior que o
predominantemente sábio, devoto ou ativo; ele os resumiu em si. "Portanto, torna-te tu
um yogue, ó Arjuna." (VI: 46.)

(1). Upãdhi: base, veículo ou portador de alguma coisa que não é ele mesmo. Ex.: O
corpo humano é o upãdhi da alma (N. T.).

27
III Conferência

MÉTODOS DE YOGA E BHAKTI

Vós vos lembrareis de que consideramos ontem a essência, a- natureza da yoga.


Também vos falei dos meios de alcançar a yoga como um dos assuntos do Gítã, e esse é o
nosso assunto especial para hoje e para amanhã. Como alcançar a yoga? Verificamos, ao
estudar a sua essência, que esta consistia na realização da Unidade, de sorte que se
tornasse uma coisa muito estável e bem equilibrada. O yogue repousa na rocha da
Unidade, e daí provém o desempenho de todas as suas atividades.
Todavia, como esse centro estável, esse equilíbrio, é uma coisa terrivelmente difícil de
se alcançar, não é de se admirar que uma das primeiras questões que logo se levantaram
na mente ardorosa do atento discípulo Arjuna fosse o fato da dificuldade em se atingir esse
centro, a aparente impossibilidade de permanecer quieto no meio do turbilhão. De onde o
vemos formular essa célebre pergunta que, penso, é repetida por todo aspirante, como se
isso fosse alguma peculiaridade sua, especial de seu infeliz eu, que tornou o caminho mais
difícil para ele do que para qualquer um dos seus companheiros. "Esta Yoga que declaraste
ser equânime, ó Madhusüdana, nenhum fundamento estável acho para ela, devido à
inconstância; pois a mente é impetuosa, forte e difícil de se subjugar; eu a julgo tão difícil
de se dominar como o vento." (VI: 33, 34.1 A resposta vem prontamente: "Sem dúvida, ó
armi-potente, Inconstante e difícil de se dominar é a mente; mas ela pode ser dominada
pela prática constante e pelo desapego. A yoga é difícil de ser atingida, parece-me, por um
eu descontrolado, mas pelo Eu controlado ela é atingível pela energia apropriadamente
dirigida." (VI: 35, 36.) Esta é a resposta constantemente reiterada do Instrutor da Yoga a
esta experiência do discípulo, frequentemente repetida. Cada um de nós sabe que a mente
é difícil de se subjugar, difícil de se dominar, e quanto mais nos esforçamos por domina-Ia,
tanto mais vigorosa parece ela em seus impacientes mergulhos; não obstante, o Senhor da
Yoga declara que é possível alcançar-se a equanimidade, e Ele profere duas palavras que
servem para guiar o aspirante: a prática constante e o desapego.
Podeis lembrar-vos de um sloka anterior, em que ele dissera: "Tantas vezes quantas se
desviar a mente vacilante e irresoluta, deves refreá-la e trazê-la para o domínio do Eu" (VI:
26.) Essa é “a prática constante"; e sem isso, nenhuma possibilidade existe de equilíbrio; e
é naturalmente assim, porque durante milhares e milhares de anos a mente tem estado
vagando em todas as direções, e essa sua vagueação é a característica do seu
desenvolvimento num certo estágio. Quando a mente se encontra num estágio inferior de
desenvolvimento, ela permanece indiferente, sonolenta dentro do homem, salvo quando
excitada externamente por algum potente estimulante físico. Nenhum progresso é então
possível a não ser pela exteriorização da mente, e esta irrequieta atividade da mente é
então necessária â evolução, à condução do homem a um estágio em que ele possa
começar a trabalhar com equanimidade. A prática constante, pois, refreando-a e
colocando-a dentro do Eu, muitas e muitas vezes com imperturbável paciência, com
28
incessante perseverança, eis o primeiro passo.
Que o pretendente a yogue imite a magnífica paciência que no Ocidente caracteriza o
cientista, essa inquebrantável perseverança com que ele, ano após ano, faz a mesma
experiência até que o último resultado seja bem seguro e não reste mais nenhuma dúvida;
essa mesma magnífica paciência é exigida do pretendente a cientista na yoga, pois a yoga é
verdadeiramente uma ciência e deve ser seguida de acordo com a lei. Mas é justamente
porque está de acordo com a lei que ela é certa. Se assim não fosse, não haveria nenhuma
certeza de êxito, pois podereis então refreá-la constantemente sem resultado; mas como a
norma é que a prática faz o hábito e o hábito forma o caráter, podeis estar certos de que a
prática constante conduzirá gradualmente ao hábito da equanimidade, e esta se tornará a
estabilidade fixa do caráter.
Os meios, porém, para se alcançar isto não são exatamente os mesmo para cada
homem; donde vemos Sri Krishna falando de diferentes métodos, não os separando muito
rigorosamente um do outro, mas passando, de fato, muito rapidamente às vezes de um
para o outro. Um sloka talvez fale de um; logo o próximo, de outro, de modo que é
necessário um estudo muito cuidadoso e uma visão muito clara a fim de que possais
compreender a direção dada e colocar cada um no seu devido lugar. Os três meios
principais ou caminhos para a yoga são também chamados, num sentido secundário, yoga;
os meios, como o fim, são intitulados yoga. Estes três recebem denominações distintas. Há
a Yoga da Renúncia - a renúncia do desejo: "Harmonizado pela Yoga da Renúncia, virás a
Mim." (IX: 28.) Há a Yoga do Discernimento - a Yoga do Conhecimento: "Eu apresento a
Yoga do Discernimento, pela qual eles vêm a Mim." (X: 10.) Há a Yoga do Sacrifício - a Yoga
da Ação: “A yoga pela ação dos yogues." (III: 3.) Estes são os três meios, e observamos, à
medida que os examinarmos, quão perfeitamente está cada um adaptado ao seu fim
específico e como, alcançando esse fim, o homem verifica que todos os três foram por ele
conquistados, e que ao longo de qualquer desses três caminhos, como são frequentemente
chamados, ele viaja, ele atinge a mesma meta. Só as crianças, como foi dito com respeito
aos caminhos da Sânkhya e da Yoga - só "as crianças, não os Sábios, falam da Sânkhya e da
Yoga como diferentes; quem está devidamente estabelecido em um obtém os juntos de
ambos" (V: 4). O sábio não ignora que os três caminhos são um, embora difira o título
colocado em cada um deles, por motivos que logo veremos.
Primeiro, considerai o ciclo da evolução, composto de dois arcos - o descendente e o
ascendente - os bem conhecidos Pravritti e Nivritti-mãrgas, o caminho da ida e o caminho
da volta. H. P. Blavatsky insistia muito sobre esta "descida do Espírito à Matéria" e a
subsequente subida, e esses dois caminhos primários são necessariamente trilhados por
todo o gênero humano no longo curso da evolução; cada ser humano está percorrendo um
ou outro desses caminhos, a respeito dos quais se pode usar as palavras de Sri Krishna:
''Tem se admitido serem estes os sempre eternos caminhos do mundo; por um vai quem
não volta, por outro quem regressa." (VIII: 26.) Este não é, certamente, o sentido que Ele
deu às Suas palavras; esta não é, literalmente, a verdade a respeito dos Pravritti e Nivritti-
mãrgas, uma vez compreendido que um homem pode estar no Nivritti-mãrga durante
muitas vidas, antes que ele pise o estágio final do mesmo, de que fala Sri Krishna, e não
volte mais; mas nesse caminho o homem nunca está saindo: ele está vindo para sua casa,
29
embora essa casa possa estar ainda muito longe. No Pravritti-mãrga o homem nasce
muitíssimas vezes, é trazido ao nascimento pelo desejo, e nasce no lugar apropriado para a
satisfação dos seus desejos, e cada nascimento forja novos elos na interminável cadeia que
o liga; no Nivritti-mãrga o homem nasce para pagar os débitos contraídos pelo seu passado,
e cada nascimento quebra algum elo da restringente cadeia que o ata.
No Pravritti-mãrga a consciência está dominada, cega pela matéria, e constantemente
se esforça por se apropriar de matéria e conservá-la para seu uso. A medida que se
familiariza com os seus circunstantes, ela aos poucos se aproxima mais inteligentemente, e
cada vez mais exercita os seus poderes seletivos. Através das experiências na matéria, a
consciência diferencia suas próprias capacidades, e suas funções manifestam uma
crescente especialização. Essas funções manipulam lentamente a matéria e preparam os
órgãos para a sua expressão mais completa; pelo uso desses órgãos, as funções se tornam
claramente marcadas, o sombrio se toma definido, o denso sutiliza-se. O vago "sentimento"
do mundo exterior, nos seus estágios primitivos, se torna visão, audição, tato, paladar e
olfato; as sensações procuram materiais para cognições e a consciência se desenvolve,
Tudo isso é ,necessário para o seu domínio sobre a matéria, e assim ela trilha o caminho da
ida. Por fim, a saciedade começa a substituir o desejo ardente e lentamente, com muitas
quedas na ida, a consciência começa a voltar-se para o interior, e um decrescente interesse
no Não-Eu permite o desenvolvimento de um crescente interesse no Eu. O homem entra
definitivamente no Nivritti-mãrga, o caminho da volta, e todas as instruções do Gítã são
para a consciência nesse caminho. A não ser assim, elas são impróprias e até prejudiciais
para quem ainda se acha no caminho da ida.
Estes dois arcos do círculo da evolução dão-nos a primeira divisão principal do gênero
humano em duas grandes classes: os que estão indo e os que estão de volta; os que estão
se diferenciando e os que estão se unificando. O primeiro compreende a vasta, a
esmagadora maioria; o segundo, neste estágio de evolução, consiste em apenas alguns.
Em cada um desses arcos se veem três subclasses, cada qual distinta por seu
temperamento. Pela palavra “temperamento" quero dizer um tipo que inclui um numero
indefinido de variedades, no qual predomina um dos três aspectos da consciência
acompanhado da sua qualidade ou guna correspondente de matéria. São, como bem o
sabeis, Jñanam, Kriyã e Ichchhã, com Sattva, Jajas e Tamas – a sabedoria, a ação e a
vontade com ritmo,mobilidade e inércia.
Esta linha de pensamento leva-nos para o interior dessa região de triplicidade que se
nota em nosso universo. Sabeis como a tríplice natureza da consciência é reconhecida em
toda parte; como quando se fala de Saguna Brahman, se, declara que Ele é
Sachchidãnanda; estas qualidades, refletidas na consciência humana, são Kriyâ, Jñãnam e
Ichchhã - os três aspectos ou funções da consciência. (2) Em vez de estudar a consciência,
estudamos os upãdhis: a mesma triplicidade se apresenta e a ela nos referimos como
correspondente às três gunas de Prakriti-Sattva, Rajas e Tamas. Em toda parte vemos essa
triplicidade; mas vemos mais do que a triplicidade e devemos também reconhecer esse
mais; pois a unidade subjaz na triplicidade, e onde e quando se vê uma função em
particular, deve-se lembrar que as outras duas estão ali presentes, sempre ligadas a ela; no
entanto, por estarem temporariamente no seu interior, pela sua predominância, elas se
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conservam num lugar secundário. Nenhum átomo de Prakriti existe que não apresente em
si as três gunas, inseparadas e inseparáveis. Não podeis dizer que um átomo é sáttvico e
que o outro é rajásico, e que. o outro é tamásico, pois cada átomo contém três gunas
Igualmente. Mas quando pensais em combinações quando pensais em moléculas, tecidos,
órgãos e corpos então, pelo relativo arranjo dos átomos ou moléculas, pode-se salientar
uma qualidade predominantemente, de modo que podeis chamar a combinação pelo nome
de um dos três e dizer: a combinação é sáttvica, rajásica ou tamásica. Mas nunca deveis vos
esquecer, quando falais da combinação como sáttvica, que os elementos rajásico e
tamásico se acham também ali presentes. Ainda que, por momentos, sejam menos
evidentes eles não deixam de estar ali, e podem ser evocados. Onde se liga que a natureza
é sáttvica, ali também se acham presentes os elementos rajásico e tamásico, e podem ser.
despertados por estímulos apropriados; e onde a nota, dominante seja tamásica, ali
também se acham presentes o sáttvico e o rajásico; e onde domine o rajásico, ali também
se encontram o sáttvico e o tamásico.
A unicidade nunca deve ser esquecida; não deveis vos iludir pela triplicidade. Em lugar
nenhum dividimos em várias uma coisa que é absolutamente pura; cada coisa esta sempre
misturada; tudo está presente em toda parte, mas existe a manifestação parcial e, por isso,
na manifestação há multiplicidade. Posso, por um momento, apresentar isto de uma
maneira material, usando a analogia do ímã. Bem sabeis que o ímã tem polos positivo e
negativo, e que ao longo da parte central do ímã se manifesta muito pouco magnetismo, de
modo que ele dificilmente atrai ou repele no meio. É que então todo o magnetismo
positivo se acha localizado num extremo e todo o negativo no outro. Não existe, então,
nenhum magnetismo no meio? Não, absolutamente; porém, no meio, segundo uma
hipótese explanatória, as correntes positiva e negativa circulam de maneira tal que se
equilibram entre si; ao passo que em cada polo há uma corrente desequilibrada; de onde,
em cada polo aparece naturalmente uma corrente magnética: no polo positivo, a
eletricidade positiva está, por assim dizer: fora; e no outro polo, é a eletricidade negativa
que está fora, a corrente está sempre ali, circulando incessantemente em torno das
moléculas, e assim aparece a variedade que julgamos ser separação, porém realmente não
representa nenhuma separação, mas apenas uma aparência transitória produzida pelo
arranjo das correntes. Similarmente, os três aspectos da consciência se acham presentes
em cada indivíduo, predominando um ou outro do modo como indiquei.
Vindo pelo Pravritti-mãrga, os três aspectos da consciência são impelidos para um
crescimento vívido, ou antes, para uma envolvimento; em conjunto, todos estão
envolvidos, estão presentes no interior, embora não manifestados; esse fragmento do Eu, o
Jivãtmã, tem dentro de si todas as possibilidades da Divindade, mas elas se acham
encerradas no interior como na semente se acham encerradas todas as possibilidades da
árvore que nascerá dali. Muito belas são as analogias que podeis ver na natureza; se
tomardes uma semente cortando-a cuidadosamente, podereis ver encerradas dentro dela
as três partes da planta, que serão a raiz, que cresce para baixo a haste que cresce para
cima; as folhas, que se estendem para os lados. Ali se encontra a planta em miniatura, um
maravilhoso microcosmo do futuro macrocosmo da árvore; e assim em todos os outros
casos do crescimento embrionário. Esse processo da natureza, de juntar no interior aquilo
31
que tem de se desenvolver no curso da evolução, é interminavelmente repetido no reflexo
físico, dominado pela semente da vida que brotou de Ishvara. Assim, temos que em cada
Jivãtmã que entra no Pravritti-mãrga se acham presentes as três funções ou aspectos da
consciência, e todos têm de ser ativados manifestados trazidos à atividade funcional. A fim
de que isso ocorra, existe o mundo. Este existe tão só por causa do desenvolvimento dos
Jívãtmãs dentro de si, e cada pormenor do mundo se acha planejado com muito cuidado e
apurada sabedoria, para que estes poderes divinos possam ser tirados da sua condição
embrionária e levados a manifestar-se em toda a sua glória, como o resultado do labor do
universo.
Vemos então que o mundo está repleto de objetos, a fim de que esses objetos,
atraindo-se e repelindo-se uns aos outros por suas colisões e separações, possam provocar
a evolução da forma e o desenvolvimento dos poderes jivátmicos. Cada objeto, por sua vez,
é um estímulo para a evolução dos outros, e recebe também um estímulo dos outros, para
o desenvolvimento do Eu dentro de todos. Pedras e árvores, animais e homens, devas e
asuras, todos eles estão se afetando uns aos outros e sendo afetados por todos os demais;
uma contínua interação uma mútua modelação e influência perpétuas, e disso depende o
progresso do desenvolvimento.
A fim de despertar esse aspecto da consciência chamado Ichchhã, o mundo está cheio
de objetos desejáveis e repulsivos. A doadora dos objetos de desejo, Sri Lakshmí, Consorte
de Vishnu, a grande típica de Prakriti, é a única em cujas mãos permanece o tesouro dos
objetos desejáveis, pelos quais este aspecto da consciência será estimulado, fortalecido e
desenvolvido. Não vos esqueçais de que Lakshmí é a Consorte de Vishnu de que o Desejo é
o servo, o devoto da Sabedoria. Ichchhã deve ser induzido pela presença de objetos
desejáveis em toda parte, de modo que, indo atrás deles, ele possa se tornar gradualmente
potente e sua poderosa energia no interior da consciência possa ser despertada. Mas o
aspecto de Jñãnam também deve ser induzido. Esse será estimulado à atividade pelos
anelos do desejo; pelo anseio por objetos desejáveis. Em todos os seus desenvolvimentos
iniciais ele não será o senhor dos desejos, mas, sim, o seu servo; ele não é ainda Jñãnam no
sentido superior, pois ainda está na manifestação inferior. E, finalmente, é preciso evoluir
também o aspecto Kriyã, a atividade, o poder para afetar o mundo exterior. Ichchhã é a
mudança dentro da consciência, a tendência a impelir-se para os objetos de desejo;
Jñãnam é o que reflete os objetos dentro de si; e Kriyã é o que avança para obter, para
apanhar, para se apoderar, e todos os três são necessários para que a consciência possa
tornar-se perfeitamente manifestada.
Além disso, cada um destes tem dois aspectos - um superior e outro inferior -
pertencentes, respectivamente, a Pravritti e a Nivritti-mãrgas. Fundamentalmente, cada
um permanece o mesmo, mas a manifestação de cada um se transforma de acordo com a
direção do caminho. E veremos em breve que a mudança consiste no inferior, quando ele
já foi desenvolvido até o seu pleno poder, tornando-se o superior pela mudança de sua
atitude, e toda a força que tiver sido obtida no mundo inferior muda a sua direção e se
dirige para o Supremo. Assim, no Deví-Bhagavata, diz-se que Durgã se transforma com a
Sua atitude; expelida pelo Seu Senhor, Ela é Prakriti; voltada para Ele, Ela é una com Ele, é
Mahã-deva.
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Detenhamo-nos, pois, em Pravritti-mãrga durante um momento. Ali o desejo é muito
bom. Sem o desejo, nenhum progresso; sem o desejo, existe a letargia, a coma. É
interessante observar Que Ichchhã tem como sua correlação especial, no mundo da
matéria, a guna Tãmasa. As gunas, como os aspectos da consciência, têm uma parte
superior e outra inferior; o Tamas inferior é o repouso preguiçoso, e o superior é a paz, a
estabilidade, o equilíbrio; a inércia da matéria corresponde à quietude absoluta, à paz do
Supremo. Existem os polos superior e inferior da matéria. No superior, uma estabilidade
perfeita; no inferior, uma imobilidade inerte. No caminho de ida, essa inércia tem de ser
vencida, e é vencida provocando-se na consciência a atração pelos objetos desejáveis e a
repulsa pelos repelentes; o desejo se desperta e vence a preguiça, e o desejo apaixonado
supera o obstáculo colocado no seu caminho pela inércia da matéria. Esse aspecto inferior
do desejo não deve ser renunciado tão prematuramente, pois, se isso acontecer, o
progresso será paralisado; com uma renúncia muito antecipada, a qualidade Tâmasa se
reafirma e a letargia toma o lugar da atividade. O homem do mundo, o homem mundano,
na verdadeira acepção do termo, deve estar cheio de desejos. E assim também com os
outros aspectos da consciência. É bom que o aspecto Jñãnam, que é sabedoria, se revista
da forma Vijñãnam, o conhecimento seletivo que separa, que divide. O conhecimento das
partes deve preceder o conhecimento do Uno, e a menos que esta função da consciência
tenha refletido em si o múltiplo, nenhuma esperança existe de que ela compreenda esse
múltiplo e veja através dele a Unidade subjacente. Quanto mais perfeitamente esse
aspecto da consciência seleciona, separa e classifica, tanto mais completamente ela
começa a compreender.
Assim se dá na ciência, que é a expressão do aspecto inferior de Jñãnam: a ciência é,
acima de tudo, a ideia da diferença e, depois, a ideia da classificação, um estágio de
unificação. Enquanto não conhecerdes o diferenciado não podeis conhecer o Uno. A
unicidade não provoca nenhuma impressão na consciência antes que a diferença tenha
levado a consciência à compreensão do que ela não é. Se estiverdes rodeados de ar
parado, nenhuma consciência tereis de que ali existe ar; somente quando há o movimento
do vento é que sabeis que estais circundados pelo oceano da atmosfera. Só uma cor não
seria nenhuma cor, pois não veríeis nada mais e a ideia de cor não vos surgiria. Somente
quando as diferenças de cor aparecem é que o sentimento da cor se desenvolve. O prazer
não poderia ser sentido se não houvesse o seu aspecto oposto, o sofrimento, pois só pela
mudança do prazer em dor, da alegria em tristeza é que desenvolveis o conhecimento de
uma e de outra e da possibilidade de transcender a ambas. Daí que este estágio científico,
este polo inferior de Jñãnam, deva ser cultivado no Pravritti-mãrga, e quanto mais
perfeitamente ele estiver desenvolvido, tanto mais apta estará a consciência para a grande
mudança de direção que em breve virá.
O terceiro aspecto da consciência, Kriyã, a atividade, que também deve ser induzido,
estimulado em todas as direcões tornando o desejo, a mente e o corpo instáveis, lançando-
se aqui e ali em contínuas precipitações e em contínua agitação. Tudo isso é muito útil. Os
choques, os redemoinhos, as tormentas - tudo isso significa crescimento. Reserva bastante
tempo para começar a ajustar logo que tenhais obtido algo para ajustar; enquanto não
houver energia, nenhum domínio útil é possível, pois nada existe para dominar. Quanto
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mais forte a manifestação dos aspectos e das qualidades, tanto mais se pode esperar do
homem.
Todavia, sei que esta não é a maneira como o assunto geralmente é apresentado, e
queremos chegar ao outro lado num momento, mas tudo no seu lugar e na sua ordem. O
homem que está estourando de desejos, que o arrastam e o impelem para cá e para lá; o
homem cuja mente é muito ativa, rápida e inconstante, sempre examinando, observando,
aplainando, classificando, fazendo induções e deduções; o homem cujo corpo está cheio de
atividade, um corpo que, se é preciso mover-se corre em vez de andar, tão grande é a
necessidade de movimento - esse é o homem de quem podeis esperar algo no futuro. Não
digo que tal homem seja apreciado por aqueles que veem somente o lado exterior das
qualidades, mas ele é o homem com possibilidades, o homem no qual se está
desenvolvendo ai uma coisa e no qual, portanto, existe alguma coisa para ser trabalhada.
Se quiserdes construir uma casa, primeiramente necessitareis de tijolos; e embora os
animais que puxam as carroças que trazem e despejam os tijolos não sejam muito belos e
atraentes, todos eles são necessários ao trabalho do arquiteto para a disposição dos tijolos
na forma de algum belo edifício. O homem que dorme a todo o momento ... que aptidão
tem ele para os vigorosos labores do caminho superior? Crede-se: Ishvara não teria
determinado todo este tumulto se essa não fosse a melhor maneira para se chegar a meta,
pois o Amor e a Sabedoria guiam o Universo.
Graças aos próprios homens que trilharam o Pravritti-mãrga tão ardentemente, que
são os que têm de trilhar o Nivritti-mãrga, serão os primeiros a serem encontrados. É certo
agarrar, é certo apropriar-se e é certo manter; todos estes são esforços valiosos da
consciência em Pravritti-mãrga; por meio deles, a consciência se amplia, os corpos se
desenvolvem forma-se a organização, fabricam-se os veículos necessários aos futuros
propósitos do Jívãtmã. Ainda que considereis o caso de um dos mais desagradáveis
produtos da moderna civilização, o caso de um homem que tenha acumulado milhões e
milhões de moedas à custa da destruição de inumeráveis lares da perversão de inumeráveis
famílias, verificareis que esse homem tem desenvolvido a força de vontade, a concentração
da mente e a atividade que desconhece a fadiga, que não procura descansar do trabalho. E
embora o seu objetivo seja muito pobre, ele, ao persegui-lo, está desenvolvendo
qualidades que, logo que o seu objetivo se tenha mudado de indigno para nobre, farão dele
uma poderosa força no mundo.
Mas agora vejamos como se opera a mudança. Observamos que Sri Krishna fala dos
homens que adoram por causa de recompensas; uma nova tendência é implantada na
alma humana por esta adoração, e embora não possamos admitir que a adoração por
causa de recompensas seja uma coisa muito elevada, só podemos, contudo, considerar os
homens tal qual são, e não tal qual imaginamos que deviam ser.
As três castas duas vezes nascidas, com muita frequência mencionadas, simbolizam,
respectivamente, um tipo especial de natureza; no estágio que estamos considerando, os
homens de cada uma delas são movidos pelo desejo, e esse desejo é produzido pelo
aspecto especial de consciência dominante em cada casta. Na Vaizya, dominada por
Ichchhã, a atividade e estimulada pelo Dharma de acumular os objetos do desejo; na
Kshattriya, dominada por Kriyã, a atividade é estimulada pelo Dharma do esplendor, da
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soberania, do poder; e na Brãhmana, dominada por Jñãnam, a atividade é estimulada pelo
desejo por Svarga, o desejo por objetos celestiais. Em cada casta a atividade é motivada
pelo desejo; por isso a adoração faz parte do culto exotérico. Diz o segundo Adhyãya: "Com
o desejo como eu, com o céu por meta, oferece-se o futuro nascimento como fruto da ação
e prescrevem-se muitas e várias cerimônias para alcançar o prazer e a soberania." (II: 43.)
São estas as cerimônias executadas sob o estímulo do desejo de gozar a soberania, o
senhorio, o prazer de ser levado ao nascimento como um Kshattriya, estado em que a
soberania e o prazer, de mãos dadas com o cumprimento do dever, são coisas legítimas.
Diz-se do Brãhmana: "Os conhecedores dos três - dos três Vedas, os bebedores de Soma, os
purificados do pecado, adorando-Me como sacrifício, suplicam-Me o caminho do céu;
estes, ascendendo ao santo mundo do Governador dos Seres Brilhantes, alimentam-se no
céu das ambrosias dos Seres Brilhantes." (IX: 20.) E assim existe também o Vaizya típico,
que deseja o êxito na ação; dele se disse: "Os que anseiam pelo êxito da ação na Terra
sacrificam aos Seres Brilhantes; pois, verdadeiramente, no mundo dos homens pouco tarda
em dimanar o proveito da ação." (IV: 12.) Vede como no interior de uma adoração assim
oferecida reside o começo de uma mudança. O desejo é o motivo, o desejo do eu pessoal;
mas, se esses motivos são dominados pelo aspecto Jñãnam, então o objeto é elevado a um
reino mais distante e sutil; ele constitui o alimento dos Devas, as alegrias do mundo dos
Seres Brilhantes. O sacrifício deve ser oferecido, o desejo por objetos físicos deve ser
refreado e deve ser feito o sacrifício deles, a fim de que se possam gozar os prazeres mais
sutis. Pelo prazer físico, o domínio, a soberania um Kshattriya deve fazer sacrifícios e
realizar cerimônias, e assim se lhe impõe um freio parcial, que o restringe, que o força a
alguma autonegação, enquanto ele desfruta do domínio e da soberania até que estes
acabam por saciá-lo. E assim se impõe também o Vaizya que sacrifique um pouco de seus
bens, a fim de que o êxito da ação possa pertencer a ele, e se lhe ensinam a fazer sacrifícios
aos Devas de modo que o puro anseio pelo êxito possa servir como um meio sutil para
afasta-lo do puro desejo que é o seu estímulo. Quão sábio é tudo isso! Nada de
precipitação; há tempo bastante. Deixai que todos os desejos cresçam e floresçam, para
que os homens se tornem fortes; mas começai a refreá-los pelo princípio das cerimônias e
dos sacrifícios; depois, deixai que eles se esforcem para, atingir a sua meta; depois, deixai
que eles tenham o seu próprio estímulo; as alegrias do céu em lugar das da Terra; o amplo
domínio em vez de pequenos poderes· a grande riqueza em vez de limitados recursos. O
objeto é conservado como um estímulo durante o tempo necessário e o gosto pelos
objetos é encorajado; mas isso é lentamente refreado, restringido, trazido sob domínio,
pelo princípio do sacrifício; e se isto prossegue de vida em vida, o Eu afinal desenvolve
certo cansaço por esta contínua corrida exterior e nesse. período de lassidão tudo lhe
parece transitório, insulso, vazio. Vem as decepções aflitivas, vêm as tristezas, vêm os
fracassos; o homem que busca poderes obtém-nos mas acha-os incomodativos; o homem
ansioso por conhecimento consegue-o, mas o seu coração ficou desolado, tornou-se um
vácuo; o homem que se afana por alcançar grande sucesso, conquista-o, mas adverte-se de
que o castelo do seu sucesso e simplesmente uma prisão.
Assim, paulatinamente, o Jivãtmã, desdobrando-se internantemente, vai
compreendendo que todos esses objetos são Insuficientes para satisfazê-lo; ele tanto
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provou que se enfastiou; tanto se divertiu que se aborreceu; tanto estudou que o fardo do
conhecimento se lhe tornou cansativo, e assim indefinidamente em pormenores
intermináveis, que se perdem a distâncias desconhecidas.
O Eu se sente cansado destas repetidas experiências; essa e a curva do caminho, e
nessa curva nasce do cansaço uma momentânea despreocupação. Não é o verdadeiro
Vairãgya, que e o fruto do conhecimento, mas um Vairãgya passageiro, fruto do desgosto, e
nesse momento, em que permanece na junção de dois caminhos Pravritti e Nivritti - na
curva da grande jornada, - o cansaço abate a alma peregrina, e nesse cansaço se opera uma
mudança sutil no interior da consciência; e lentamente, da busca do polo inferior, ela
começa a alçar-se para o superior. "Mesmo o gosto - pelos objetos dos sentidos - o
abandona depois que ele vê o Supremo." (II: 59.)
Até aqui cada qual conserva sua qualidade característica, mas pela mudança de
direção em que ele está viajando, essa qualidade característica assume o caráter superior
dela e é gradualmente transformada. Cada um dos três aspectos muda simplesmente de
objetivo; pela mudança da direção da consciência total, lchchhã, o desejo, cujo polo inferior
é Kama, torna-se o desejo pelo Eu, o Supremo, que é o polo superior, Bhakti. Vijnãnam, o
polo inferior, que compreende a separatividade de todos os objetos exteriores, torna-se
Jñãnam; a sabedoria que conhece o Uno. Kriyã, em vez de se manifestar em seu polo
inferior como atividade por objetos, manifesta-se em seu polo superior e torna-se Jñãnam,
sacrifício. Destarte, os três mudaram os seus nomes mas não as suas qualidades, e assim
temos Bhakti, temos Jñãnam e temos Yajña. Estas são as manifestações superiores, estes
são os polos superiores dos três aspectos da consciência, e assim deparamos com Sri
Krishna falando que neste estágio: "Alguns, por meditação, contemplam o Eu no Eu, pelo
Eu", isto é, no caminho de Bhakti; "outros pela Sãnkhya-yoga", isto é, pelo caminho de
Jñãnam; "e outros pela Yoga da Ação", isto é, pelo caminho de Yajña (XIII:25).
Eles têm de chegar ao lugar onde os meios da yoga devem ser tomados e praticados; e,
no Nivritti-mãrga, vemos ainda os três aspectos dentro do ser. Segundo o temperamento
dominante, assim será o caminho escolhido, e cada caminho terá a sua yoga apropriada:
para o aspecto Ichchhã existe a Yoga da Renúncia; para o aspecto Jñãnam existe a Yoga do
Discernimento - não mais entre um objeto e outro, mas entre o real e o irreal, o transitório
e o eterno; e para o terceiro, o aspecto Kriyã, temos a Yoga do Sacrifício: quando toda ação
é feita como sacrifício, conforme vimos ontem, sua qualidade de ligação se desvanece.
Agora tudo está mudado. Temos de estudar os três aspectos como eles se apresentam
no Nivritti-mãrga, cada um com a sua yoga apropriada, cuja prática é o trilhar do caminho
especifico. Consideraremos primeiro o caminho que pertence ao aspecto Ichchhã, e
veremos como deve guiar-se o homem deste temperamento se ele quiser percorrer o
Nivritti-mãrga. Deparamos logo com o ensino tão familiar a todos referente ao desejo,
aquele que é o guia do aspirante, a Yoga da Renúncia. Quando Arjuna, voltando-se para o
seu Instrutor lhe perguntou: "Arrastado pelo quê, ó Varshneva, comete o homem o pecado
de um modo verdadeiramente relutante como se constrangido fosse por alguma força?" (III:
36) qual foi a resposta? "É o desejo, é a ira, gerados da qualidade da mobilidade, tudo
consumindo, tudo contaminando; reconhece isso como Nosso inimigo aqui na Terra." (III:
37.) Daí o dizer ao Seu discípulo: "Destrói, armipotente, o inimigo sob a forma de desejo,
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difícil de se vencer." (III:43.) Neste caminho da Renúncia, no Nivritti-mãga, o aspecto
inferior de Ichchhã, desejo, se torna o grande inimigo do homem. E assim fala de novo o
Senhor, em Sua sabedoria: “A afeição e a aversão pelos objetos da sensação residem nos
sentidos; ninguém se deixe dominar por ambas, pois são obstrutoras do caminho." (III: 34.)
Mas como deve proceder o homem? Durante idades incontáveis ele esteve
desenvolvendo todas estas coisas; a afeição e a aversão foram sempre as suas forças
motrizes... como, pois, deve ele transformá-las e encará-las como suas adversárias como
suas inimigas, que têm de ser mortas? Elas foram as suas amigas, as suas companheiras de
juventude, os seus parentes; quão vazia será a vida quando elas forem mortas; no
Kurukchetra da alma elas são as suas inimigas, assestadas contra ele. Como combaterá ele?
O primeiro passo é um passo de forçada abstenção da satisfação do desejo. "Como uma
tartaruga encolhe em todos os lados os seus membros, assim ele contrai os seus sentidos
dos objetos sensórios." (II: 58.) O homem compreendendo a futilidade da alegria
constantemente seguida de sofrimento; compreendendo que todo contato nascido dos
deleites são fontes de dor (V: 22); compreendendo que todo o prazer que no começo é
néctar mais tarde se torna veneno (XVIII: 38); reconhecendo tudo isto, que fará ele? O
primeiro passo é conservar-se, pela mente, afastado dos objetos do desejo; isto ele pode
fazer, pois "mais poderosa do que os sentidos é a mente" (III: 42).
E assim se diz que do abstinente morador do corpo, os objetos sensórios se afastam
gradualmente (II: 59). E isso por uma razão muito simples. Porque em cada objeto de desejo
se acha oculto um fragmento do Eu, que é fascinado por um outro fragmento, que nele
desperta o desejo de união; mas logo que esse fragmento do Eu começa a desejar a união
com o Eu e não com a casca exterior, e deliberadamente rejeita a casca, o Eu que está no
interior do objeto afasta esse objeto e neutraliza a sua influência sedutora. Assim, a
rejeição do objeto pelo homem é respondida por meio do afastamento do objeto sedutor
pelo Senhor, que vive dentro dos objetos das sensações. Desse modo, pode-se dizer
verdadeiramente que os objetos recusados "abandonam o abstinente morador do corpo".
Depois vem o segundo passo. O homem só se detém pela força. Seus desejos estão
ansiosos por mergulhar nos deleites dos sentidos, pois "o gosto" permanece; mas ele os
detém com mãos de ferro; o desejo transforma-se em vontade e, em vez de ser arrastado
pelo exterior, ele está sendo guiado do interior. Graças a essa abstenção forçada, graças a
esse recuo dos objetos do desejo, é que o abstinente morador do corpo, no meio desses
anseios frustrados, recebe a visão do Supremo, do supremo deleite independentemente
dos sentidos (VI: 21).
Quando a visão do Supremo se defronta no abstinente morador do corpo, então o
próprio gosto de desvanece; o desejo morre, vencido pelo desejo mais poderoso, morto
pelo Bhakti, que é a perfeição do temperamento que buscou todos os objetos desejáveis.
Ante a visão do Supremo, que se torna o Objeto do desejo, o Objeto da devoção, todos os
objetos inferiores perdem sua força de atração e não possuem mais nenhum poder
sedutor para desviar o homem. Este sente uma atração mais poderosa, a do Eu desvelado,
visto que, antes, o Eu estivera velado dentro da casca do objeto desejável. Esse
predominante desejo destrói todo o gosto pelos objetos passageiros do momento, e então
vem a prática regular da Yoga da Renúncia: "Reconhece como yoga aquilo que é chamado
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renúncia, ó Pãndava! Ninguém pode se tornar yogue sem renunciar à vontade formativa...
Quando um homem não sente nenhum apego pelos objetos dos sentidos, nem pelas ações,
renunciando à vontade formativa, então se diz estar ele entronizado na yoga." (VI: 2, 4.)
"Harmonizado pela Yoga da Renúncia", diz o Senhor, "virás a Mim." (IX: 28.) "Os sábios
consideraram como renúncia a renúncia das obras com desejo." (XVIII: 2.) Abandonar o
desejo é renunciar, é seguir a Yoga da Renúncia, o Bhakti-mãrga, e o caminho se torna fácil
depois de visto o Supremo.
A Yoga da Renúncia tem muitos pontos em comum com a Yoga do Sacrifício, com a
qual frequentemente é confundida - na verdade, as duas estão frequentemente mescladas
no mesmo ensinamento, pois é mais fácil considerá-las juntas do que separadas. Existe
mais uma diferença que distingue uma da outra; na primeira, a Yoga da Renúncia, tendes
como força motriz o amor pelo Supremo, a devoção, Bhakti, o desejo fixo nesse único
objeto; tudo o mais perde o poder e, por assim dizer, fica afastado do foco, não é visto
claramente, nem é cuidado. O homem "abandona, ó Pãrtha, todos os desejos do coração e
satisfaz-se no Eu pelo Eu" (II: 55). A felicidade encontra-se sozinha no único Objeto, e o
vislumbre dela dá à vida o seu sabor. Então ele "se encaminha para a paz" (II: 64). Por outro
lado, na Yoga do Sacrifício, o Karma-mãrga, o que muda é o motivo da ação; a mudança
não está na direção do desejo - a consciência dominada por Ichchhã - mas no espírito com
que se pratica a ação - a consciência dominada por Kriyã. É sacrifício a ação feita como
sacrifício, que é a característica do Karma-mãrga.
Pois bem, a fim de que possa trilhar o caminho da devoção, o homem deve pensar em
desistir de satisfazer os desejos que pululam dentro do seu coração, e a melhor maneira é
o esforço diário para se tornar indiferente ao prazer e à dor. Não é procurando ser
completamente indiferente desde já; mas, ao vos aparecer um prazer, não deveis permitir-
vos gozá-lo totalmente, pois não mais desejais desenvolver o poder do desejo pelos
objetos, porém voltar ao vosso desejo para o Supremo. Ao surgir um sofrimento, não vos
permitais ser oprimidos por ele, mas lembrai-vos de que o sofrimento é apenas uma fase
passageira no meio do prazer. Mantende a memória da dor no meio do prazer e mantende-
a memória do prazer no meio da dor. Assim é possível ter "como iguais o prazer e a dor “
(II: 38). Fundi-os ambos em pensamento. Lembrai-vos de que um ou outro são apenas dois
lados do mesmo aspecto do Eu, o aspecto de Ichchhã; nenhum deles é permanente; ambos
são transitórios; e eles se sucedem um ao outro como a noite ao dia, vindo e indo
continuamente: "Os contatos da matéria, ó filho de Kunti, que produzem frio e calor, prazer
e dor, vêm e vão impermanentemente: suporta-os com bravura, ó Bhãrata." (II: 14.) Vede-
os juntos, como um aspecto do Eu, e aprendei a fundi-los em vossa vida diária; fundindo-os
assim, procurai ver os elementos do prazer na dor, procurai reconhecer os elementos da
dor no prazer. Confundi-os no pensamento e na vida, até que ambos se tornem igualmente
atraentes, e não mais vos encalhais do que é doloroso nem ansieis pelo perecível; mas
quando o prazenteiro se apresentar, recebei-o, e quando se apresentar o doloroso,
recebei-o também; mas se o prazenteiro estiver ausente, não ansieis por ele, e se a dor
estiver ausente, não a desejeis (XIV: 22). Tendes de aprender como vos manterdes
equilibrados ante o aparecimento do prazer ou da dor. "O que conhece o Eterno... não se
regozija pela obtenção do que é agradável nem se aflige pela obtenção do que é
38
desagradável." (V: 20.)
Logo após deve-se lembrar que neste caminho da devoção há dois perigos principais
que afetam o homem, depois de parcialmente morto, ou antes, transmutado o inimigo do
desejo; pois há tremendas elevações e quedas na natureza cujo temperamento é dominado
pelo aspecto do desejo. Num momento o homem está muito entusiasmado, no momento
seguinte ele se acha abatido na mesma proporção - muito, muito satisfeito ante um prazer,
muito, muito triste ante uma dor. Ele deve buscar o ponto médio. Deve evitar o extremo
entusiasmo e, impedindo esse entusiasmo, evitará também a extrema depressão. Deve
gradualmente deixar que as ondas de prazer e de dor se agitem ao seu redor, ao passo que
ele se conserva de pé, firme sobre a imutável rocha da devoção ao Senhor. Então, nem as
ondas do prazer nem as da dor poderão fazê-lo escorregar os pés firmemente cravados na
rocha; ele não deixa de as sentir, pois o sentimento é necessário para um trabalho futuro,
mas deixa de ser fortemente afetado por elas, a ponto de perder o equilíbrio. Essa é a única
lição do Bhakta.
O outro perigo importante que o ameaça, como podemos ver na história de todos os
grandes devotos, é o de que ele, desvencilhando-se momentaneamente dos desejos e
ansiando pelo Supremo, possa às vezes, devido ao cansaço e à fraqueza, submergir nos
desejos inferiores que ele pensara haver renunciado e imaginar que está ansiando pelo
Supremo quando, na verdade, está ansiando pela satisfação do desejo e procurando o
prazer no Caminho da Renúncia. "Quantos existem - dizia um grande santo cristão - que
querem servir a Deus pelo corrupto." Daqui é que surge a frase que encontramos em
muitos livros de devoção, de que um homem precisa estar despido para trilhar este
caminho. Como se diz em A Imitação de Cristo, o devoto "deve seguir despido o despido
Jesus". Ele não deve esperar nada. A mesma ideia ressalta de algumas das histórias de Sri
Krishna, como ao arrebatar as roupas das Gopis, e no Kalki-Avatãra, onde ele deve
combater desarmado, com as mãos limpas. Sob a forma de uma alegoria, isto é uma
advertência ao devoto, para que ele se acautele quando entrar nesse caminho de sublime
emoção enquanto as vestes das emoções inferiores aderem ainda aos seus membros; pois
as emoções inferiores representam uma armadilha para o homem que está trilhando o
caminho da emoção purificada e sublime. Ele deve vigiar-se rigidamente, cuidadosamente,
e deve estar seguro de que o corpo é o seu escravo, embora o corpo o possa trair num
momento crítico, e por um instante fazê-lo desviar-se do caminho. E assim está escrito para
que ele o possa evitar: "Disciplinada a mente e pensando em mim, permaneça
harmonizado na aspiração por Mim." (VI: 14.) "Tendo feito a mente morar no Eu, que ele
não pense em outra coisa." (VI: 25.) Quão frequentemente está repetida a frase: "Quem
pensa em Mim, jamais pensa em outro." (VIII: 14.) "Com a mente apegada em Mim." (VII:
1.) "Em Mim fixa a tua mente; sê devotado a Mim; sacrifica a Mim, prostate ante Mim." (IX:
34.) "Imerge tua mente em Mim, sê Meu devoto, consagra-te a Mim." (XVIII: 65.) É para os
"que só Me adoram, sem pensarem mais nada, para esses, sempre harmonizados, Eu trago,
a completa tranquilidade" (IX: 22). "Ele, o supremo Espírito, o Pãrtha, pode ser alcançado
por inabalável devoção somente a Ele." (VIII: 22.) Esse é o Bhakti-mãrga, cuja yoga
adequada é a da renúncia. Trata-se de uma desinteresseira e perfeita devoção ao Senhor
como o único centro de amor, e de serviço; a esperança de união com o Senhor como o
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único motivo para tudo o que se faz. No coração de tal devoto a sabedoria se expande no
curso do tempo. "Aqueles que, sempre harmonizados, adoram com amor, Eu dou a Yoga do
discernimento, pelo qual eles vêm a Mim." (X: 10.) "O homem cheio de fé obtém a
sabedoria." (IV: 39.)
Naturalmente que a sabedoria deve vir aonde haja devoção perfeita; pois o que é que
cega a sabedoria? É o desejo. Os homens estão cegos e confusos em seu pensamento, por
causa das atrações e repulsões que os rodeiam; seus pensamentos estão coloridos pelo
desejo: eles veem tudo através da atmosfera colorida com que o desejo os circunda. Eles
pensam que as coisas são boas porque as almejam, e pensam que as coisas são más porque
são repelidos por elas; e somente quando toda esta coloração do desejo for destruída e
que a branca e esplendente luz da sabedoria do Eu pode resplandecer, sem distorção e sem
ofuscamento, através. do homem. Para o homem perfeitamente devoto, a sabedoria vira
inevitavelmente, assim como a atividade correta; pois, que seria a sua vontade na ação sem
a vontade do Senhor que ele ama. Ele se une em pensamento com o Objeto de sua
devoção; tudo quanto ele faz não é feito por si, mas pelo seu Senhor através dele; ele é
somente o canal pelo qual a força do Senhor flui para o mundo da ação. Sempre fixo na
meditação, em seu coração pensa somente Nele, e por meio desse coração aberto ao
Supremo fluem torrentes de bênçãos para o mundo dos homens, pois o devoto é um
conducto do Senhor. Para um homem assim, tudo o mais se lhe torna indiferente; ele não
mais precisa pensar no que os homens chamam deveres: "Abandonando todos os deveres,
recolhe-te unicamente em Mim, como único refúgio." (XVIII: 66.) "Liberto de obrigações,
ele atinge pela renúncia a Suprema Perfeição." (XVIII: 49.) Essa é a mensagem para o
devoto. Ele abandona o dever porque, com o coração purificado de todo desejo, o Senhor,
através e dentro dele, executa toda a ação que é dever e ele não tem mais nenhum
interesse ulterior nisso; ele pode abandonar o dever por não ter desejo e porque o poder
do Senhor flui através dele como através de um canal para o mundo. E esse é o verdadeiro
devoto: "Aquele de quem o mundo não se afasta, que não se afasta do mundo", aquele que
"é puro, hábil, desapaixonado, imperturbado, que aceita igualmente o elogio e a
repreensão, quieto, totalmente satisfeito com o que vier." (XII: 15, 16. 19.) Do homem que
é o mesmo no prazer e na dor, incônscio de desejo ou de repulsa, que olha todas as
qualidades como mutáveis, sendo ele próprio imutável, unido ao coração do Senhor, desse
homem está escrito: ele é "melhor em yoga" (XII: 2), "ele, Meu devoto, Me é querido" (XII:
16).

40
(2). Não cabe aqui fazer uma longa explanação sobre o "porquê" das transposições
dos membros da triplicidade, como se apresenta na fraseologia popular; pera o
estudante de Teosofia bastará o diagrama abaixo, cujas letras são as iniciais das
qualidades:

41
IV CONFERÊNCIA

DISCERNIMENTO E SACRIFÍCIO
Temos de tratar hoje, embora imperfeitamente, por falta de tempo, das outras duas
formas da Yoga preliminar, pertencentes aos dois aspectos da consciência aos quais não
me referi ontem. Lembrar-vos-ei que, depois de esboçar os aspectos dos caminhos da ida e
da volta, tomei um caminho preliminar próprio para o aspecto Ichchhã da consciência, e
verificamos que nesse aspecto, que se manifesta no mundo inferior como desejo, o desejo
material se transforma em desejo do Supremo, a devoção - e isto conduz o homem à
perfeição pela yoga.
Hoje temos de considerar as duas formas restantes da Yoga preliminar: a Yoga do
Discernimento, ligada ao aspecto Jñãnam da consciência, e a Yoga do Sacrifício, ligada ao
aspecto Kriyã. Ao traçar o meu rápido esboço destes dois aspectos, devo pedir-vos que o
tomeis simplesmente como um resumo, no qual os detalhes devam ser adaptados pelo
vosso próprio estudo e pela vossa própria vida, pois talvez, especialmente a primeira parte
de nosso estudo, a Yoga do Discernimento seja difícil para os que não estudaram com
profundidade a constituição e a natureza do homem. E mesmo para aqueles em quem
predomina o aspecto Jñãnam, a cognição, o conhecimento ou a sabedoria, esta é a forma
que conduz à última yoga, a união com o Supremo.
Com referência a este aspecto; o da sabedoria, existe, porém, um grande perigo que
assalta o pretendente a sábio, pois para ele, talvez mais que para todos os outros, os
sentidas são as avenidas do perigo, e embora esses sentidos tenham sido até aqui as
avenidas do conhecimento, e ele deva se esforçar por dominá-los completamente antes
que qualquer coisa, mesmo da yoga preliminar, se torne possível para ele. Assim é que,
com referência a este caminho, deparamos com Sri Krishna declarando ao homem que ele
deve tornar-se o futura sábio: "O filho de Kuntí! Os fogosos sentidos arrastam
impetuosamente até mesmo o coração do sábio que contra eles forceja. Uma vez
subjugados todos os sentidos, pode o homem estar em harmonia Comigo, que sou a sua
aspiração suprema; parque quem subjugou os seus sentidos é de mente equilibrada." (II:
60, 61.) E, com o intuito de demonstrar que a fonte do perigo não é constituída apenas
pelos sentidos em geral, porém que para isso basta tão só um sentido, Ele se exprime
assim: “Do homem de sentidos erráticos, que a eles abandona a sua mente, foge o
conhecimento como barco sobre as águas, impelido pelo vento. Portanto, ó armipotente,
aquele cujos sentidos estão totalmente desapegados dos objetos de sensação é de mente
equilibrada." (II: 67, 68.) Do desejo, diz-se, "os sentidos, a mente e a Razão são a sua sede
... Portanto, ó o melhor dos Bhãratas, subjugando primeiro os sentidos, extirparás esta
causa de pecado, desviadora da sabedoria e do conhecimento" (III: 40, 41).
A primeira nota vibrada no Bhagavad-Gitã é a apresentação do grande ensino da Yoga
do Discernimento: "Tu te afliges por aqueles por quem não devias afligir-te, conquanto
fales palavras de sabedoria." (II: 11.) Ora, na introdução à prática do Gítã , chamado Gítã
42
Karadinyasa, se diz que estas palavras: "Tu te afliges por quem não devias afligir-te", são o
Bijam do Gitã. Conheceis a força dessa palavra Bijam. "Semente." Bijam é um som, palavra
ou sentença para ser pronunciada no começo de um mantra, a fim de produzir um efeito
desejado. Ele varia de acordo com os indivíduos, e os sons que se dão como sendo o
mantra-bijarn comunicam ao mantra a sua força peculiar, específica, de modo que um
mantra genérico se torna um mantra especializado ao se lhe transmitir um determinado
bijam ou semente. Nesse bijam está a própria essência de todo o mantra. O mantra-fruto
cresce, cada um de per si, destas sementes-sons, que precedem a repetição do mantra. As
palavras: "Tu te afliges por aqueles por quem não devias afligir-te", diz-se serem o bijam (a
semente) do mantra do Gítã. Eles constituem a essência desse mantra, revelam o seu
objetivo, comunicam-lhe o seu significado especial. Todo o Gítã está encerrado nelas como
a planta na semente. Elas também iniciam o ensinamento da Yoga do Discernimento. "Tu
falas palavras de sabedoria", disse o Instrutor, pois o argumento de Arjuna fora um
argumento eminentemente razoável, como vos frisei outro dia. Sua objeção quanto ao
extermínio dos parentes era perfeitamente natural; seu sentimento de que a realeza fora
comprada demasiado cara para estar sujeita a matança era um sentimento todo louvável;
o esquivar-se ele de derramar torrentes de sangue era uma coisa que devia encontrar
agasalho em qualquer homem pensador ou compassivo. Contudo o Instrutor disse: "Tu te
afliges por aqueles por quem não deves te afligir." Mas por quê? "0 sábio não se aflige nem
pelos vivos nem pelos mortos." Ora, por que é que o sábio não se aflige nem pelos vivos
nem pelos mortos? A resposta se encontra no ensino da sabedoria, o caminho do
verdadeiro Jñaní, ensinamento esse difundido em todo este discurso do Senhor da
Sabedoria. Ele começa, como estais lembrados, por aqueles maravilhosos slokas que
esboçam rapidamente a razão para não se afligir, que vai ser exposto no restante do
ensinamento da Sabedoria. Não se deve afligir pelos mortos, porque tal não existe no
extermínio. Tudo o que é real nunca pode deixar de ser, e aquilo que pode perder o ser é
porque nunca o possuiu realmente (II: 16). "Este Morador do Corpo de cada um é sempre
invulnerável." (II: 30.) "Nenhuma arma o pode ferir nenhuma injúria o pode atingir." (II: 23-
25.) Ele e nonato, perpétuo eterno, e não morre quando morre o corpo (II: 20) e,
conhecendo-o como tal, "não deves te afligir" (II: 30). Esta é a primeira sugestão do grande
ensinamento a seguir: que deve se tornar claro, definido, preciso, de modo que Arjuna
possa compreender a natureza do mundo e a natureza do homem dentro do mundo; pois,
conhecendo isso, compreendido isso, fundado, estabelecido na sabedoria, tornar-se-á
impossível para ele afligir-se, como se afligem o ignorante e o tolo. EIe estará estabelecido
no Eu e toda sua dúvida se desvanecerá.
Vejamos, pois, o que é essa Yoga do Discernimento, este profundo ensinamento da
Sabedoria, que é elevar o discípulo que se torna sábio acima de todas as tristezas do
mundo.
É antes de tudo o ensinamento da natureza do mundo, da natureza do Senhor do
Mundo, e das várias partes da Sua natureza, que distinguimos aqui como superior e
inferior, o Supremo Senhor e o Mundo. E destina-se especialmente àqueles que são
mencionados por Arjuna em sua pergunta quanto à melhor espécie de yoga: "Os devotos
que, sempre harmonizados, Te adoram, e também aqueles que adoram o Indestrutível, o
43
Imanifestado, qual destes é o mais instruído na yoga?" (XII: 1.) E o Senhor respondeu:
"Aqueles que, com a mente fixa em Mim, sempre harmonizados, Me adoram, dotados de
fé suprema, estes, em minha opinião, são os melhores na yoga. Os que adoram o
Indestrutível, o Inefável, o Imanifestado, o Onipresente, o Inimaginável, o Incambiante, o
Imutável, o Eterno, controlam e submetem os sentidos, olhando tudo com igualdade,
regozijando-se com a felicidade de todos: estes também vêm a Mim. A dificuldade
daqueles cujas mentes repousam no Imanifestado é maior, pois o caminho do
Imanifestado é difícil para os encarnados alcançar." (XII: 2-5.) E nós O vemos mencionando
em toda parte aqueles cujas naturezas os auxiliam a trilhar este caminho mais rude, mais
difícil, como uma das divisões dos "justos que Me adoram" (VII: 16). "Destes - diz o Senhor
da Sabedoria - o sábio que, constantemente harmonizado, adora o Uno, é o melhor; Eu sou
supremamente caro ao sábio e ele é caro a Mim. Nobres são todos estes, mas eu considero
o sábio como verdadeiramente Meu." (VII: 17, 18.) Agora podeis pensar em ligar estas duas
passagens. Numa delas se diz que os que adoram cheios de fé são os melhores na yoga, ao
passo que na outra se declara que o sábio é o melhor, porque "Eu reputo o sábio como a
Mim mesmo", o que representa uma pequena dificuldade para saber-se qual delas é
realmente a melhor. A resposta é simples: a de que um caminho é o melhor ou pior para
um homem segundo o seu temperamento; que para um homem semelhante a Arjuna,
cheio de emoção e de paixão, o melhor caminho era o da devoção; mas para quem, pelo
seu temperamento, se inclina à sabedoria, o caminho da sabedoria é o melhor. Assim como
o devoto alcança a união com o seu Senhor, também o sábio que é "verdadeiramente
Meu", virá a Ele pelo conhecimento; pois o Senhor é Sabedoria, Emoção e Ação; cada qual
é a melhor no seu lugar, e oferece um caminho para cada um dos três temperamentos
entre os homens. Cada qual é a melhor para aquele que naturalmente pertence a ela, "pois
o caminho que os homens tomam de qualquer parte é Meu" (lV: 11).
Ouçamos o ensinamento do Senhor sobre o caminho da sabedoria, e compreendamos
que o conhecimento é a base da conduta correta.
Antes de tudo, Ele explica a Sua própria constituição, e no-la apresenta como tríplice -
o Supremo Espírito revestido de Espírito e Matéria, o Eu envolto pela Natureza, que é dual.
O ensino desta tríplice constituição se difunde por muitas passagens, acrescentando a cada
uma alguma coisa ao nosso conhecimento, como verificamos logo que os reunimos todos.
Resumindo estas passagens, eu as extraio de partes amplamente diferentes do Gítã, a fim
de as unir num todo coerente e inteligível. Sua natureza inferior, o Aparãprakriti é: “A
terra, a água, o fogo, o ar, o éter, assim como a mente e também a razão e o egoísmo -
todos estes são a óctupla divisão da Minha natureza. Esta é a inferior" (VII: 4, 5), o
Aparãprakriti. Conservai por um momento essa ideia clara na mente, distinta de todas as
outras. A natureza inferior do Senhor, o Prakriti inferior inclui a totalidade da natureza
manifestada, visível fenomenal; toda ela é parte Dele; toda a manifestação do universo
físico, toda a manifestação do universo sutil, todos os fenômenos, as figuras que em cada
plano da natureza formam os seres e os objetos externos desse plano, todos se acham
Incluídos numa grande generalização: "Eles são a Sua natureza inferior." Lembrai-vos
sempre de que, embora sejam a natureza inferior, eles constituem ainda parte do Senhor.
Não estão separados d’Ele, como se fossem independentes; não estão separados d’Ele
44
como se fossem antagônicos. Fazem parte de Sua natureza; são a Sua natureza inferior, e o
"conhecimento da... minha natureza perecível" (VIII: 4) é o Adhibhuta, o conhecimento
concernente aos elementos, que são construídos em formas. Uma outra nota que surge
repetidamente do Gítã, com relação a essa natureza inferior, é a palavra "manifestado".
Em qualquer parte em que se fale do manifestado, temos de considerar a natureza inferior
do Senhor, a Aparãprakriti.
Antes de penetrarmos nisso, vejamos qual é a segunda divisão da Sua natureza, a
Parãprakriti, algumas vezes chamada Daiviprakriti, aquilo que Ele descreve, continuando o
Sloka que eu leio: "Conhecei a Minha outra natureza, a superior, o elemento vital, ó
onipotente! - no qual o Universo se sustém." (VII: 5.) Esta Parãprakriti, esta natureza
superior, este elemento-vida, o Jivabhuta, o Purusha da Sãnkhya, contrasta com os outros
elementos. Esta é a natureza superior do Senhor. Seu conhecimento, a ciência da energia
que proporciona vida, o lado-vida da natureza, é o Adhidaiva, o conhecimento dos Seres
Brilhantes, que são os canais da vida, os canais da Sua vida, chamados, na ciência moderna,
as energias da natureza.
Assim temos duas grandes ciências a estudar no caminho do conhecimento: uma
relacionada com a Sua "natureza perecível", e a outra, com a Sua "energia que proporciona
vida". A primeira é o manifestado, a segunda é o imanifestado; mas é o imanifestado
inferior (veja-se VIII: 20; XV: 17), ponto este de imensa importância, pois, se o perdermos
de vista, todo o ensinamento se torna confuso. Essa é verdadeiramente a vida que penetra
todas as coisas e sustém o universo. "Por mim todo este mundo está penetrado em meu
aspecto imanifestado" (lX: 4); é o imanifestado, atrás do véu da matéria; contudo, ele é
ainda o imanifestado inferior, e não a divisão mais suprema da Sua natureza.
De novo O vemos declarando que "existem duas energias neste mundo: as destrutíveis
e as indestrutíveis; as destrutíveis são todos os seres, a imutável é chamada de
indestrutível" (XV: 16). Mais uma vez se nos apresentam duas palavras significativas que
devemos conservar na mente: o inferior, o destrutível, o manifestado, é o que chamamos
de fenomenal; e o superior, o indestrutível, o imanifestado, é o que chamamos de vida que
permeia toda a natureza. Estas são também referidas por Ele como "matéria e Espírito"
(XIII: 19); a Matéria é o inferior, o Espírito, o superior; mas "sabe tu também que Matéria e
Espírito são ambos sem começo" (III: 20); pois, sendo ambos da natureza do Senhor,
formando as divisões inferior e superior da Sua natureza, participam do sem-fim e sem-
começo do Senhor; ambos são considerados como "sem-começo".
São estes que, em verdade, formam o que chamamos de "natureza". Os dois juntos, as
duas energias (XV: 16), juntas, são a Natureza. E elas provocam um giro constante na roda
da vida: o manifestado, o Inferior, passa para o imanifestado, o superior, e o imanifestado,
o superior, anuncia novamente o manifestado, o inferior, no começo de um novo Kalpa, de
um novo período de mundo; tendes de mover diante de vós essa grande roda da vida: do
manifestado para imanifestado, e de novo para o imanifestado. No início do período do
mundo aparece o manifestado. No fim do período do mundo o manifestado desaparece no
imanifestado.
"Todos os seres, ó Kaunteya, entram na minha natureza inferior no fim de um período
do mundo; no começo de um período Eu os emano de novo. No interior da natureza, que é
45
a Minha própria, Eu emano repetidamente toda essa multidão de desvalidos seres pela
força da Natureza." (IX: 7, 8.) Detenho-me nisto por um momento, porque os mundos - se
vos esqueceis de outros slokas do Gítã que os explicam - podem confundir-vos em vosso
estudo. Observai a frase "entram em minha natureza inferior", e logo dizeis que a
"natureza inferior" deve significar Aparãprakriti. Mas quando o Senhor Se contrasta com a
Natureza, então as duas divisões, até aqui referidas como inferiores e superiores
relativamente uma à outra, tornam-se ambas inferiores, relativamente a Ele.
Isto se acha exposto mais plenamente num outro sloka a que me referirei agora, a fim
de que se esclareça algum possível mal-entendido ali subjacente. Ele o havia já explicado,
antes de fazer a exposição que acabo de ler, pois já dissera no discurso precedente: "Do
imanifestado emana o manifestado ao chegar o dia; ao aproximar-se a noite se dissolve
tudo, embora Naquilo chamado o imanifestado. Essa multidão de seres que saem
repetidamente dissolve-se ao aproximar da noite; para manter a ordem, ó Pãrtha, emana
ela ao chegar o dia. Verdadeiramente existe, pois, superior a esse imanifestado, um outro
imanifestado, eterno, que não é destruído com a destruição de todos os seres. Esse
imanifestado se chama ‘o Indestrutível'. É denominado o mais elevado caminho. Os que o
atingem não voltam mais." (VIII: 18-21.) Assim, depois das palavras: "Existem duas energias
neste mundo, as destrutíveis são todos os seres, as imutáveis são chamadas as
indestrutíveis", lemos: “A Energia mais elevada é verdadeiramente Outra, declarada como
o Supremo Eu, Ele que, penetrando tudo, sustém os três mundos, o Indestrutível Senhor.
Desde que transcendo o destrutível e sou mesmo superior ao imperecível, no mundo e nos
Vedas, sou proclamado o Supremo Espírito." (XV: 16-18.) De novo diz Ele: "Abaixo de Mim,
como supervisor, a Natureza produz o movente e o não-movente: por causa disto, O
Kaunteya, o universo é produzido vez após vez." (IX: 10.)
E novamente: "Espectador, guia, sustentador, desfrutador, Soberano Senhor e
também o Eu Supremo: assim se intitula neste corpo o Supremo Espírito." (XIII: 23.)- Outra
explicação se encontra no décimo terceiro Adhyãya, que trata do Campo e do Conhecedor
do Campo. O Campo é a Natureza, e logo que se descreve o Campo vemos
interpenetrando-o tanto a Matéria como o Espírito, pois ambos constituem o Campo; o
Conhecedor do Campo é o Senhor. O campo está descrito: "Os grandes Elementos,
Individualidade, Razão e também o Imanifestado" - isto é, o imanifestado dentro do qual
todo o manifestado se recolhe no fim de um período do mundo e fora do qual sai no início
- "os dez sentidos e o uno, e os cinco domínios dos sentidos; desejo, aversão, prazer, dor,
combinação [o corpo] em inteligência, firmeza; estes, brevemente descritos, constituem o
Campo e suas modificações." (XIII: 6, 7.)"0 Campo é a natureza, e o superior e o inferior são
o corpo do Senhor. E Ele, o Grande Senhor, o Eu Supremo, neste corpo do Universo, é
denominado o Supremo Espírito." (XIII: 23.) Ele é Conhecedor, não o Conhecido, Ele, e só
Ele, é o Objeto da Sabedoria. Também está escrito acerca deste Supremo que Ele é sempre
imanifestado: "Os carentes de Discernimento espiritual pensam de Mim, o imanifestado,
como tendo manifestação, pois não conhecem a minha natureza suprema, imperecível,
excelentíssima." (VII: 24.) Quando, prosseguindo neste pensamento, nos detemos nele,
conservando todas estas passagens na mente, a ideia surge clara e definida e, então,
vemos a grande Triplicidade: Aquele que é chamado "o outro imanifestado",
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"verdadeiramente outro"; Aquele que é chamado "supervisor"; Aquele que é chamado “o
Supremo Eu", “ o Supremo Espírito", o Purushottama, governa tudo, revestido de uma
dupla natureza composta de Matéria e Espírito, de Prakriti e Purusha; estes, considerados
juntos, constituem a Natureza; e o Senhor da Natureza é maior que a Natureza. Matéria e
Espírito formam a roda da vida, mas o Senhor está sentado sobre a roda, imutável; o
movimento da Matéria e do Espírito, do Apara e do Parãprakritis, continua; as mudanças se
alternam continuamente, ora surgindo uma da outra, ora desaparecendo nesse outro de
novo; atrás destes permanece o imutável Senhor, e estes dois reunidos são o Seu Mãyã,
que os iludidos são incapazes de penetrar, pelo qual os ignorantes são cegados, de modo
que não vejam através deles o Senhor que está além (VII: 25, 27). Considerai, pois, este
primeiro par de opostos, Matéria e Espírito, como sendo o véu do Próprio Senhor. Pensai
Nele, o Imutável, como estando sempre atrás dos dois, o Supervisor, o Senhor da Natureza,
o Senhor de Mãyã, sendo este universo apenas o véu da Sua inefável glória, e atrás deste
Ele, o Indestrutível, o Inefável, o Imutável, o Eterno, o Supremo. Isso é o que nos é
apresentado no ensino do Bhagavad-Gítã, com referência à relação do Senhor com o Seu
mundo. "Tendo estabelecido todo este universo com um fragmento de Mim mesmo, Eu
permaneço." (X: 42.)
Antes de darmos o próximo passo, detenhamo-nos por um momento para indagar
como deve ajudar-nos todo este ensinamento na realização da unidade. Pois nos
encontramos em face de uma triplicidade, não de uma unidade; vemos o Senhor Supremo
e Sua natureza imanifestada e manifestada. Como isto deve ensinar-nos a não nos afligir
pelos vivos nem pelos mortos? Como isto deve confortar-nos com referência à nossa
natureza, na qual vemos tanto a Matéria como o Espírito, dos quais se nos diz que ambos
aparecem e desaparecem. Porque Purushottama, o Supremo, é verdadeiramente Outro, o
mais elevado, o eterno, e Ele é o mais recôndito Eu do homem. Imagináveis serdes
somente partes da Natureza? Imagináveis que em vós havia somente este duplo. Prakriti, o
superior e o inferior? Imagináveis que em vós havia somente a manifestação da Natureza,
não a pura essência do Senhor? Pelo contrário, o Senhor habita dentro de vossos corpos
como no corpo do universo, o Indestrutível, o Supremo; o próprio Purushottama é que está
envolvido pelos corpos dos homens. Não sois simplesmente a Natureza de que Ele fala.
Não sois simplesmente os Para e Aparãprakritis. Estes são os vossos corpos, do mesmo
modo que são o Seu corpo, e partes são do Próprio Supremo, são verdadeiramente Ele,
"uma porção do Meu próprio Ser" (XV: 7), como Ele declara. Uma porção do Meu próprio
Ser se transforma, no mundo da Vida, em um Espírito imortal", que sois vós.
Ele não se acha, pois, afastado. Ele não se acha distante de qualquer um de nós. Ele
pode ser imanifestado com deferência aos Para e Aparãprakritis, mas Ele não pode ser
imanifestado a Si Mesmo. Ele não está realmente dentro de nós, porque Ele não pode se
esconder de Si Mesmo, e pensar que Ele possa estar dentro de nós, que somos Ele Mesmo,
é a mais sutil mãyã de todas as mãyãs; é ilusão. Ele é o nosso Eu mais recôndito e o
verdadeiro coração de nosso ser. Se algo existe que um homem possa conhecer, é
seguramente o seu Eu recôndito, aquele que permanece atrás do Espírito e da Matéria,
aquele que é ele mesmo - isto, seguramente, um homem pode conhecer.
É, portanto, sabedoria compreender que o Eu Supremo "reside igualmente em todos
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os seres", e "quem assim vê, verdadeiramente vê" (XIII: 28); o Senhor está no coração de
cada homem e o Senhor é a natureza mais recôndita de cada um.
Subitamente, por uma grande iluminação, nos sentimos elevados acima da Natureza e
no Supremo, que é o Senhor da Natureza. Partilhamos da Sua mais recôndita natureza; Ele
é o nosso Eu recôndito. Que significam, pois, o temor, a tristeza, a ilusão para aqueles que
conheceram o Uno? Essa é a Sabedoria. Conhecer o Aquele-que-Conhece e saber que
Aquele-que-Conhece somos nós mesmos. Essa é a grande lição da Sabedoria do Gítã.
Muitas vezes Ele diz isso, para que não concebamos o Uno como afastado. Ele se chama a
Si "a eterna semente de todos os seres" (VII: 10); Ele se chama a Si “a vida em todos os
seres" (VII: 9). Não existe hesitação, dúvida, desvio, nenhuma escapatória nesta verdade
extrema. Ele, e somente Ele, é a vida que está dentro de todas as coisas; é graça a Ele que
tudo vive. Se os homens se odeiam uns aos outros, "odeiam-Me nos corpos dos outros e
nos seus próprios (XVI: 18); se os homens atormentam os corpos, eles atormentam
também a Mim, que me acho no interior dos corpos" (XVII: 6). Nada pode escapar da
plenitude desta gloriosa verdade.
Contudo ele se oculta de todos os olhos que não podem penetrar a Natureza. Ele
declara: "Nem por todos sou Eu descoberto, envolvido como estou em Minha ilusão
criadora" (VII: 25), em minha yoga mãyã. Como é que deve ser visto o Uno em todas as
variedades de formas? De onde procedem elas, essas infinitas combinações e permutações
que ocultam a unicidade do Eu? Todas elas são ilusões produzidas pela guna; consistem em
gunas, as três qualidades da matéria, da natureza inferior, que, combinando
continuamente em infinitas variedades, iludem a observação exterior, assim Ele declara
acerca destas: "Todo este mundo, iludido por essas naturezas feitas pelas três qualidades,
não Me conhece, acima delas, imperecível. Esta divina ilusão de Mim, causada pelas
qualidades, é difícil de se penetrar; os que Me veem sobrepõem-se a esta ilusão." (VII: 13,
14.) "Ninguém está isento do movimento das qualidades: Ninguém existe, na Terra ou
mesmo entre os seres Brilhantes do céu, que esteja liberto destas três. qualidades nascidas
da natureza." (XVIII: 40.) Não obstante, o sábio deve penetrá-las a fim de alcançar o
Senhor. E todas as naturezas são Dele: "As naturezas harmônicas, ativas, preguiçosas,
conhece-as como sendo Minhas." (VII: 12.) Como eu disse, todas elas são do corpo do
Senhor, são partes Dele. Penetrar o conhecido para conhecer o Aquele-que-Conhece
somente isso é Sabedoria.
Analisemos esta ilusão. Inicialmente existe o primeiro par de opostos, a atração e a
repulsão, a atração da natureza do Espírito e a repulsão da natureza da Matéria. A atração
é o efeito da vida, una, indivisível e imanifestada, que existe dentro de inumeráveis formas,
e que tende à unificação. A Matéria, cuja essência é a multiplicidade, está sempre se
esforçando por se dividir, por se multiplicar infinitamente, de um modo contínuo. E o
múltiplo está continuamente dividindo e subdividindo, e sempre subdividindo, de modo
que as subdivisões se tornam cada vez mais sutis, e assim se produz a infinita variedade de
um universo. Nessa infinita variedade espelha-se o indivisível Senhor. Por causa das
subdivisões e mútuas limitações das formas materiais, necessitais ter a infinita variedade.
Como, de outro modo, poderia o infinito refletir-se em tudo em qualquer sentido real?
Nenhum fragmento desta matéria em constante divisão pode refletir o todo completo. A
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Beleza infinita deve refletir-se numa infinidade de objetos belos. O mar, o céu, o campo, a
montanha, o deserto, a planície, a cidade atravancada, tudo isso, com todos os seus
variados elementos, reflete do único sol, a Beleza, e em sua multiplicidade, em sua
totalidade, jaz a sua perfeição, pois somente assim podem refletir o Uno de que procedem.
E a que ocorre tudo o mais no mundo; é na totalidade do subdividido que podeis ver
refletido o Indivisível Uno. Desde que a Matéria está sempre se dividindo assim, é fácil ver
porque ela veio a ser o tipo do que se opõe à libertação do Espírito, que é a unidade.
Compreendemos porque, no primeiro par de opostos, Matéria e Espírito, a Matéria se
torna aparentemente o Inimigo, o adversário, em certos estágios da evolução humana.
Enquanto o Espírito está se exteriorizando com a Matéria, e a Matéria está se dividindo
infinitamente, prestando-se assim para a força construtora do Espírito, então a Matéria é
muito boa, é uma amiga. O elemento de repulsão, que é da própria essência da Matéria e
que produz as necessárias subdivisões, é a igualdade requerida para o desenvolvimento do
Espírito e, por isso, ela é boa. Quando, porém, se visa e realiza a Unidade; quando o
universo fez a metade do seu curso, e a segunda metade tem de ser a reintegração na
Unidade, em vez da diferenciação na heterogeneidade, então o princípio da divisão é tido
como o inimigo e as forças repulsivas como adversárias; o que era bom se torna um mal.
Isto porque contém em si o princípio da separação, porque o tempo da separação está
consumado e é chegado o tempo de trabalhar pela Unidade. E, desse modo, no que diz
respeito a este par de opostos preliminar, a Matéria e o Espírito, a repulsão e a atração, os
quais, sendo ambos o Senhor, são infinitamente bons. No decurso da evolução surge uma
mudança, e a repulsão se torna um mal, uma fonte de perturbações, porque contraria a
alterada corrente da Vontade divina. Deste primeiro par de opostos se desprendem duas
linhas de emoção: uma de amor, tendente à unificação, e a outra de ódio, tendente à
separação; estes são “os pares de opostos originados da atração e da repulsão" (VII: 27), o
par radical de que brotam todos os outros pares. Isto nos dá uma ciência da ética e,
olhando assim o mundo, compreendemos o que é justo e o que é injusto, e quando e
porque o Justo é Justo e o Injusto é Injusto. Isso nos é proporcionado pelo Senhor da
Sabedoria no décimo sexto Adhyãyã do Gítã, no qual, além deste primário par de opostos
de que, como acabei de dizer, se desenvolvem todos os outros pares de opostos, vemos
que se ensinam duas espécies de qualidades morais: uma chamada divina, por pertencer
ao Daiviprakriti, e a outra chamada demoníaca, por pertencer ao lado da Matéria da
Natureza, o Bhüta ou os elementos. No decurso da evolução no mundo dos homens, estas
se tornam opostas como divinas e demoníacas, onde realmente não pode haver nenhum
conflito, desde que ambas façam parte do corpo do Uno; mas com o tempo, elas se opõem,
ao começar a humanidade e alçar-se para a unidade consciente. Tudo o que tenda à
divisão, tudo o que seja ódio, tudo o que seja separação, se reveste do aspecto do mal para
o homem em evolução. Ele deve suplantar isso, deve resistir a isso, pois tem de se elevar
acima disso e, portanto, deve Identificar-se com o divino e lutar contra o instinto
separatista, que é fruto do passado.
Essa é a grande Yoga da Sabedoria, que surge de uma real compreensão da natureza
do Campo, da natureza do d'Aquele-que-Conhece o Campo, e as relações de um com o
outro (XII: 2). E por isso se diz que os sábios adoram “o Uno e múltiplo presente em todas
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as partes" (IX: 15), pois eles sabem que o, múltiplo e Simplesmente o Uno disfarçado e que
o múltiplo e apenas o Uno em manifestação. Onde tenha sido conquistada essa sabedoria,
está perto a libertação: "Eu de novo proclamarei essa suprema Sabedoria, a melhor de
toda outra sabedoria: todos os Sábios que a conheceram, caminharam desde então para a
suprema perfeição" (XIV: 1); desta está escrito: “Melhor que todo o sacrifício de quaisquer
objetos é o sacrifício da sabedoria, ó Parantapa. Todas as ações em sua plenitude, ó Pãrtha,
culminam em sabedoria." (IV: 33.) Esta sabedoria queima todas as ações "como o ardente
fogo reduz a lenha a cinzas (IV: 37); ela é o supremo purificador: verdadeiramente não
existe no mundo purificador igual à sabedoria" (IV: 38).
Agora podeis ver porque o Jñaní não se aflige. Por que deve ele afligir-se neste drama
do mãyã? Em toda esta mutável natureza, por que deve afligir-se ele que conhece a sua
unicidade com o imutável Eu? Por isso está escrito, como a semente de toda a exposição:
"Os sábios não se afligem nem pelos vivos nem pelos mortos." É fácil ver também porque
está escrito que os sábios olham tudo igualmente, com uma visão igual: “ Os Sábios olham
igualmente um Brãhmana, douto e humilde, uma vaca, um elefante e, ainda, um cão e um
pária." (V: 18.) Os sábios olham tudo igualmente, não veem nenhuma diferença porque
veem o Eu habitado igualmente em tudo tanto no pária como no Brãhmana, tanto no cão
como na vaca; eles veem o Eu em tudo; os que assim veem e, somente, eles são sábios.
Todos os outros estão iludidos pelas aparências exteriores; estão sob o domínio de mãyã.
Aqueles que transcenderam mãyã não veem nenhuma diferença, pois todos são corpos do
Senhor. Esse homem atingiu "o mais elevado estado de sabedoria" (XVIII: 50) e, "tornando-
se Brãhman sereno no Eu, nem se aflige nem deseja, é o mesmo para todos os seres, ele
obtém a suprema devoção em Mim. Pela devoção ele me conhece em essência, quem e o
que sou; tendo assim me conhecido em essência, ele penetra imediatamente no Supremo"
(XVIII: 54, 55). "Neles a sabedoria, brilhando como o Sol, revela o Supremo... eles vão para
o além, de onde jamais se volta, os seus pecados são dissipados pela sabedoria." (V: 16,
17.)
Há uma terceira forma de yoga preliminar, em aditamento à da devoção e à do
discernimento. E o Karma Yoga, a Yoga da Ação. Mas que ação? A ação que é sacrifício e,
assim, ela pode apropriadamente chamar-se a Yoga do Sacrifício. Esta yoga preliminar da
ação ou do sacrifício é, porém, simplesmente chamada yoga, "yoga pela ação, dos yogues"
(III: 3), sem qualquer prefixo, isto pelas razões que vos apresentei na primeira conferência,
quando falei da atividade e do perfeito yogue; pois mostra ao mundo muitas das
características que pertencem à atividade final do perfeito yogue, daí dizer-se que a yoga
pelo conhecimento e a yoga pela ação formam o duplo caminho. Ora, neste caminho da
yoga pela ação existem muitas dificuldades, aliás muito sérias; e a principal delas é o
conhecimento da própria ação. "Que é ação, que é inação?" Até os sábios estão perplexos
neste ponto. Por isso te declararei a ação por cujo conhecimento te libertarás do mal. É
necessário discernir a ação, bem como a ação ilícita e a inação; misterioso é o caminho da
ação. Quem vê inação na ação e ação na inação é sábio entre os homens e em harmonia
permanece enquanto executa toda a ação (IV: 16-18). Existem as dificuldades iniciais que
circundam o Kartã; ele tem que descobrir o que deve ser feito e o que não deve ser feito,
discernir a ação reta da ação errônea, a atividade correta da atividade errônea e a primeira
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coisa de que ele se deve lembrar é "Tua preocupação é somente com a ação, nunca com os
seus frutos" (II: 47). Os frutos pertencem ao Senhor que guia; o resultado vai ter com o
Senhor, quando a ação é feita com sacrifício, pois os homens nada tem a fazer com um
sacrifício, a não ser a sua execução, e aquilo que é fruto do sacrifício é recolhido pelos
poderes superiores e aplicado aos fins necessários. E, assim, "tua preocupação é só com a
ação". Compreendendo isso um homem deve executar a ação reta" (III: 8); "constantemente
executar a ação que é dever" (111: 9).
Que é dever? Que é ação reta? Eis as perguntas que precisamos responder se
pretendermos trilhar incólumes o caminho da ação e não ser continuamente atados por
nossas atividades, andando inconscientemente atrás do fruto. O Senhor nos fala
claramente o que é ação correta. "É agir em harmonia Comigo. (III: 26.) Tendes de discernir
a Vontade divina em evolução antes de poderdes executar a ação reta; mas, enquanto
procurais obter para sempre uma visão mais clara, podeis seguir algumas regras
preliminares. Cumpri os deveres que encontrardes em vosso caminho, os que vos são
impostos pelo vosso karma individual, familiar, social, nacional, pois eles são ali colocados
para vós pelo Senhor. Um verdadeiro ator não anda tumultuosamente em busca de
atividade; ele desempenha a atividade que surge naturalmente em seu caminho, e esforça-
se por executá-la perfeitamente lembrando-se em cada função que desempenha que ele é
o próprio Senhor em ação, e não verdadeiramente o executor da ação (III: 27). Neste
esforço para compreender desenvolve-se a sabedoria, pois na tentativa de distinguir a ação
correta da ação errônea - que é, frequentemente, o dever, ou a ação de qualquer outro
indivíduo, e cuja execução por outrem é sempre perigosa - o esforço desenvolve
faculdades. O esforço por si só elevará o ator às regiões da visão mais clara, e lhe
fortalecerá a mente para guiá-lo à sabedoria.
Uma outra regra simples é a das atividades úteis que surgem em vosso caminho, que é
o do dever que esteja dentro da vossa capacidade. O verdadeiro ator mede sua própria
força e não faz nem o demasiado excessivo nem o demasiado pouco. Supondo, porém, que
apareçam no vosso caminho muitas coisas úteis que estejam dentro da vossa capacidade,
mas em quantidade maior do que a que podeis satisfazer. Elas podem parecer exigir algo
de vós, podem apresentar-se como deveres, mas não tendes força nem tempo para fazê-
las? Então o conhecimento de que estais limitados tanto pelo tempo como pela capacidade
vos demarca a esfera do vosso dever, que será fazerdes tantas dessas coisas quantas
puderdes segundo a vossa capacidade e o vosso tempo. Mas se, procurando fazer mais do
que podeis fazer perfeitamente, abarcais um número de coisas que não tendes tempo para
terminar, então estais exorbitando de reta ação: se achais que o vosso tempo é limitado e
que os "deveres" parecem ilimitados, tendes então de compreender que aquilo que não
tendes tempo para fazer não é vosso dever, mas o dever de outrem e, uma vez mais, que
"o dever de outrem está cheio de perigos". O ator resvala no perigo se ele procura fazer
mais do que lhe permite o tempo ou a sua capacidade. Podeis acaso dizer: "Há muito que
fazer, muitos encargos absorvem a mim e o meu tempo, muitas ações que necessitam ser
realizadas e muitas coisas a serem feitas." Está muito bem. Mas não sois a única pessoa
que pode fazer as coisas. Não sois o indivíduo solitário, revestido de todos os poderes, de
todas as capacidades, de todo o tempo, para que todo o mundo deva depender da vossa
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atividade e para que nada deva ser feito sem a interferência da vossa própria mãozinha.
Este é um erro em que incidem muitos de nós, e que tem de ser evitado por quem trilha o
caminho da ação. O que não temos tempo para fazer não é dever nosso, e se o fazemos,
estamos impedindo outrem de cumprir o seu dever e, portanto, forçando-o a conservar-se
indolente. Desta falta de compreensão do que é o dever resulta que um homem anda
sempre numa louca precipitação e deixa metade do seu trabalho por terminar, porque ele
não tem tempo para completá-lo, ao passo que outro homem permanece ocioso, de mãos
vazias, porque um outro açambarcou vorazmente tudo para si. Isso não é a "ação que é
dever", pois o Senhor é o tempo, como tudo o mais, e as limitações de tempo são as
limitações estabelecidas a nós pelo Senhor. Se não tendes tempo para fazer uma coisa que
precisa ser feita, estai certos de que o Senhor encontrará para si outros atores e outras
mãos, pois Ele tem mãos em toda parte (XIII: 14), e não só em conexão com um simples
corpo. Esta é a segunda lição para os ativos, porque os ativos são frequentemente os
causadores da inação nos outros, da indolência, da preguiça, e de todas as qualidades que
detêm o homem em seu progresso.
A superatividade não é o caminho da ação; é o caminho do mundo. Uma lição difícil,
eu sei, para um homem ativo, porque uma parte da sua atividade é um senso de
capacidade; ele é capaz de fazer as coisas e, contudo, se esquece frequentemente de medir
seu tempo e força. Ambos são, porém, o Senhor, e ambos têm de ser considerados. E isto
eu sei que é verdade por minha própria experiência, pois muitas coisas tumultuam ao meu
redor, gritando. "Fazei-me, atendei-me", mas existem muito mais do que posso fazer; eu
usava procurar fazê-las todas e fracassava e nunca sentia que tivesse feito perfeitamente
bem uma simples coisa. Então compreendi que o Senhor as podia fazer muito bem sem
mim; que Ele não dependia de meu corpo pessoal em que, depois de tudo, Ele era o Ator e
não eu, e que Ele tinha muitos corpos em que atuar. E então compreendi que fazer bem o
que eu pudesse e deixar o mais por fazer era o caminho da sabedoria na ação. E sempre
tenho verificado que aquilo que por falta de tempo não constitui dever de alguém, e é
deixado de lado por fazer, outros logo aparecem e o tomam a seu cargo, e assim todo o
trabalho é mais bem feito quando a pessoa que o faz não procura monopolizá-lo.
Como aprenderá esta lição um homem ativo? Ele a aprende por essa grande verdade:
"Eu não sou o autor. O Eu, iludido pelo egoísmo, pensa: 'eu sou o autor'." (III:27.) Isto não é
assim. O sábio diz: " 'Eu não faço nada', deve pensar o harmonizado ser que conhece a
essência das coisas; vendo, ouvindo, tateando, aspirando, comendo, movendo-se,
dormindo, respirando, falando, dando, tomando, abrindo e fechando os olhos, ele verifica
que: 'Os sentidos se movem entre os objetos das sensações'." (V: 8, 9.) "Eu não faço nada."
Isso é o que significa inação na ação (IV: 18). Semelhante ao seu Senhor, ele se subrepõe às
qualidades e as deixa trabalhar. Ele observa, e quando compreende: "Eu não estou fazendo
nada", então toda a atividade correta é feita através dele e todas as coisas se movem
facilmente nos seus cursos, respectivamente determinados. A grande lição para o executor
é: "Eu não sou o autor." E o homem deve repetir isto à medida que executa as ações. Existe
somente um Autor, o Senhor Supremo, e o executor humano é apenas uma de Suas mãos,
uma mão colocada no mundo dos homens para realizar certo trabalho separado. Não
compete à mão pensar quanto ao modo como há de ser feito todo o trabalho existente em
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toda parte, mas apenas quanto à melhor maneira de fazer a tarefa específica que precisa
ser feita. E se puderdes pensar de vós mesmos como sendo a mão - uma mão capaz de
pensar a fim de achar a melhor maneira -, então deixareis em cada caso de andar à procura
de uma multiplicidade impossível de trabalhos. Se um homem precisa pintar, nenhuma
necessidade tem ele de trazer de uma só vez em sua mão um pincel, uma pena, um lápis,
ou, talvez um arado, um martelo, um machado também; mas deve ter um pincel quando
tem de pintar, um arado quando tem de arar, uma pena quando tem de escrever, e um
lápis quando tem de desenhar. Cada ferramenta de cada vez é que é o método da
sabedoria na ação. Fazei perfeitamente qualquer coisa que façais, pois lembrai-vos de que
tendes de reproduzir em vosso trabalho a perfeição do vosso Senhor, e que é melhor fazer
uma coisa perfeitamente do que centenas de coisas de modo imperfeito. A fim de que
possa ser assim, deve um homem não só perder o apego ao fruto da ação (III: 19), mas fazer
toda a ação como sacrifício (III: 9). A grande Lei do Sacrifício que sustém o Universo deve ter
a sua incorporação no homem ativo. Toda a natureza é sustentada pelo sacrifício. No
quarto Adhyãyã o Senhor descreve as várias espécies de sacrifício que os homens efetuam.
Todos esses homens, diz Ele, são conhecedores do sacrifício (IV: 30), e toda a ação deve
ser feita por causa do sacrifício.
Qual é a Lei? É que todos os seres devem viver pelo sacrifício das vidas dos outros e,
portanto, que cada ser, segundo se torne um eu consciente, deve estar pronto para saldar
o seu débito pelo sacrifício de si. Não é apenas nos homens que se encontra a Lei.
Encontra-se também entre as pedras, os vegetais e os animais. A pedra desaparece para
servir de alimento ao vegetal, o vegetal desaparece para alimentar o animal, os animais
vivem da rapina de outros animais, e os fortes devoram os fracos; os homens saqueiam os
homens devorando-se uns aos outros, outrora, fisicamente como alimento e depois por
outras maneiras. A Lei do Sacrifício está em toda a parte presente na Natureza, porque o
Senhor é o Senhor do Sacrifício, e o primeiro é o sacrifício de Si Mesmo. Ele é o Purusha,
das partes de cujo corpo está constituído o Universo. A Lei do Sacrifício deve ser aprendida
gradualmente pelo eu consciente no homem. O homem, à medida que evolui, vê que ele
vive do sacrifício de outras vidas e diz para si: "As pedras morrem por mim para manter o
reino vegetal; os vegetais morrem por mim para que o meu corpo possa se manter; os
animais entregam suas vidas a mim, sempre jungidos ao meu serviço e treinados para o
meu trabalho; meu corpo é o resultado de incontáveis atos de sacrifício, e continua a viver
somente pelo contínuo sacrifício de outros; inumeráveis vidas formam o corpo que eu
sustento, de modo que o meu corpo é o altar em que se sacrificam miríades de vidas.
Assim, pois, para que haja justiça comum, devo reparar todos esses sacrifícios pelo
sacrifício de mim mesmo e, destarte mover a roda da vida. Devo entregar-me aos outros.
Devo viver para os outros homens. Devo viver para o reino animal, para o reino vegetal e
para o reino mineral; todos eles podem evoluir mais rapidamente com o meu auxílio,
porque eu sou o resultado do sacrifício, eu devo ser um sacrifício."
A seguir, o homem aprende a discernir quanto às vidas sacrificadas para si, e procura
manter sua própria vida com o menor sacrifício possível dos outros. E, assim, entre as
miríades de vidas que se lhe oferecem, ele escolhe as que estão menos evoluídas em
consciência para a construção de sua própria estrutura. As vidas mais conscientes ele
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procura treinar e disciplinar, tanto para o seu próprio auxílio como para o seu serviço; e
procura desenvolver a si e a elas, e assim a Lei do Sacrifício se torna a lei da sua vida. Ele se
associa a cada ação da sua vida. No caminho Nivritti, ele paga os débitos contraídos no
caminho Pravritti. Por isso o que é seu dever, o que é devido por ele, ele sempre se esforça
por fazer, saldando os seus débitos. Ele sacrifica assim o resultado de todas as suas ações,
que não são suas, mas do seu Senhor, e assim se torna perfeito na ação, pois somente o
homem que não cogita do fruto da ação é que é capaz de efetuar perfeitamente a ação.
Deve isto soar mal, uma vez que vemos que todos os homens são movidos à atividade pelo
desejo do fruto da ação? Uma vez que os homens que perdem o desejo pelos frutos da
ação se tornam negligentes, inativos, preguiçosos? Mas surgiu um novo motivo para a ação
no verdadeiro ator que, pensando somente no seu Senhor e em si como o canal do Senhor,
não cogita do que se chama triunfo ou fracasso, uma vez que o único triunfo que ele
conhece e o de cumprir a Sua vontade e o único fracasso que ele pode Imaginar e o de ir de
encontro a essa vontade que é a lei da sua vida. Que importa para ele aquilo que o mundo
chama triunfo ou fracasso? Ambos estão no caminho do dever. Por que deve ele perturbar-
se se o edifício que ergue é um edifício que vai abrigar imediatamente o homem da
tempestade, ou e apenas o estabelecimento de um forte alicerce em que se levantará um
edifício maior no futuro? Os fundamentos das edificações são feitos dos materiais de
outros edifícios demolidos.
Mesmo quando precisais construir fisicamente uma coisa nova deveis obter certa
quantidade de tijolos e de pedras quebrados, e colocá-los para o início do alicerce. E muitas
coisas que serão os tempos do futuro estão tendo seus alicerces lançados agora, à custa
dos aparentes fracassos dos que estão trabalhando pelo Senhor. Por que, pois, devem eles,
se apoquentar? Onde está o fracasso, se eles O estão provendo do que Ele precisa para o
Seu edifício no futuro? E, embora o verdadeiro ator saiba que ele mesmo, envolvido por
mãyã, está frequentemente confuso e cego, que aquilo que ele pensa ser bom e parte do
plano pode não estar absolutamente no plano, e que muitas vezes ele pode estar errado
no caminho que ele mesmo planeja e no modo do seu trabalho, ele trabalha de boa-
vontade e sem apego. E logo que ele edifique algo que lhe pareça muito belo e útil, e tudo
caia desfeito em pedaços ao seu redor, ele não se comove, não se perturba, não se
apoquenta; ele quer que isso se desfaça desde que não seja o que o Senhor requer para o
seu edifício. Que importa isso para ele, que é a mão do Senhor, se as ruínas do seu belo
edifício constituem os alicerces do verdadeiro Templo? Se o metal que ele prepara é
desnecessário, ele o lança mui satisfeito no cadinho, certo de que se queimará somente a
escória e que o ouro permanecerá. A escória tem o seu próprio lugar e será incluída entre
as pedras e os tijolos quebrados dos alicerces, embora não faça parte da estrutura final. E
assim ele vive e trabalha, e assim trabalhando, sem nenhum desejo, trabalha
perfeitamente. Ele vislumbra cada aceno do seu Senhor, desde que não o cegue o desejo.
Ele pode ouvir o mais leve sussurro desde que esteja surdo ao clamor do mundo.
Seguindo este caminho da ação, pela Yoga do Sacrifício, ele também se torna livre. "O
que quer que façais, o que quer que comais, o que quer que oferteis, o que quer que deis;
o que quer que pratiqueis de austeridade, ó Kaunteya, faze-o como uma oferenda a Mim.
Assim te libertarás dos liames da ação, com seus frutos bons e maus." (IX: 27, 28.) Pois a
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ação também conduz à libertação e à perfeita yoga, Que é a união com o Supremo.
Mas o Senhor uno é o Objeto de toda a devoção; mas o Senhor uno é o Agente de toda
a sabedoria; mas o Senhor uno é a Fonte de toda a atividade. O Senhor uno e, portanto, a
humanidade una; o Senhor uno e, portanto, a Unicidade através da totalidade do corpo do
Senhor; o Senhor uno, a Vida una, a Fraternidade una, esse é o resultado do nosso estudo.
Os sábios ajudarão com a sua sabedoria, os ocupados com a sua atividade, os devotos com
o seu amor, e todos eles se fundirão tornando-se um único e perfeito corpo. Quando o
Universo tiver concluído seu trabalho e alvorecer o dia do repouso, então a glória do corpo
do Senhor brilhará em todos os temperamentos, em todas as atividades, em todos os
pensamentos, em todos os desejos. Esses serão as células e os tecidos que edificarão o
Corpo glorioso. Então veremos que do Universo uno surge, neste Corpo de Luz, o Senhor
de um outro universo, e nós, partículas de Seu Corpo, cooperaremos com Ele nesse novo
universo, e de maneira mais perfeita do que temos trabalhado aqui. E assim por diante, de
idade em idade, de universo em universo. E indago agora, onde está a aflição, onde está a
ilusão, quando houvermos deste modo contemplado a Unidade?

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TÊRMOS SÂNSCRITOS, E OUTROS, USADOS NO TEXTO

Adhibhuta - Supremo Ser.


Adhidaiva - Suprema Divindade.
Adhyãya - Leitura; capítulo.
Amsa - Parcela; mônada.
Apara - Inferior; o oposto a para.
Asramas (AzramasJ - Monastérios.
Avatãra - Encarnação divina.
Bhakta - Devoto; piedoso; fiel; adorador.
Bhakti - Devoção; piedade; adoração.
Bhakti-mãrga - Caminho da devoção.
Bhãrata - Descendente de Bharata (bardo, poeta).
Bhisma (Bhíshma) - Literalmente: "O Terrível"; principal caudilho da haste dos Kuravas.
Bhüta - Sombra; espectro; fantasma.
Bijam (Bíja) - Semente.
Brahma (Brahman) - O Ser Absoluto.
Brãhman - A mais elevada das quatro castas da Índia.
Brãhmana - Sacerdote; indivíduo da casta sacerdotal da Índia.
Daiviprakriti - A luz primordial, homogênea, também chamada "Luz do Logos".
Devibhagavata - Título de um dos livros Purãnas.
Dharma - A Lei Sagrada; dever; justiça; virtude.
Dhritarashtra - "Aferrado ao poder".
Drona - Sábio brãhmana muito versado na arte bélica.
Duryodhana - "Difícil de vencer" ou "o que peleja por uma causa má".
Gítã - Canto; poema. Por antonomásia, assim também se designa o Bhagavad-Gítã.
Gudãkesha - No Gítã, alcunha de Krishna e de Arjuna.
Ichchhã - Vontade ou poder da vontade (desejo, a faculdade volitiva da alma).
Ishvara - O "Senhor" ou deus pessoal; o Espírito Divino no homem.
Jivãtmã - O Espírito individual, em contraposição ao Espírito universal; o Espírito animador
da vida; a Única vida universal.
Jñãna - "Conhecimento"; conhecimento supremo e divino.
Jñaní - Sábio; conhecedor.
Kalkí-Avatãra - O “Avatãra do Cavalo Branco" que, segundo os brãhmanas, será a última
encarnação de Vishnu.
Kalpa - Ciclo ou período de tempo que, ordinariamente, representa um "Dia" ou uma
"Noite" de Brãhma, um período de 4.320 milhões de anos.
Kãma - Desejo carnal; lascívia; luxúria.
Karma - Fisicamente, ação; metafisicamente, a Lei de Causa e Efeito.
Karma-mãrga - O caminho da ação.
Kartã (Kartri) - Autor; agente.
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Kaunteya - "Filho de Kunti" (esposa de Pându e mãe dos Pándavas); patronímico de Arjuna.
Kriyã - Atividade criadora; dever; obra, especialmente piedosa.
Kshattriya - Guerreiro; casta militar; a segunda das quatro castas da antiga Índia.
Kurukchetra - Campo ou planície dos Kurus, onde se travou a encarniçada batalha entre os
Kurus e os Pãndavas, descrita no Capítulo I do Gítã.
Madhusüdana - "Matador de Madhu". Alcunha dada a Krishna por haver ele matado esse
demônio.
Mahãbhãrata – “A Grande Guerra", famoso poema épico. da Índia.
Manas - Mente.
Nivritti-mãrga - Caminho da renúncia, da inação e do retorno.
Pãndava - Filho ou descendente de Pãndu.
Para - Infinito e supremo; em filosofia: o último limite.
Pãrtha - Filho de Prithã. Patronímico aplicado a Arjuna.
Prakriti - A Natureza em geral.
Pravritti-mãrga - Caminho da ação, em oposição ao Nivrittimãrga.
Purusha - Espírito; o Eu espiritual; "Homem"; homem celeste.
Purushottama - Literalmente, "0 melhor dos homens"; metafisicamente, a Alma suprema
do Universo.
Rajas Mobilidade; atividade.
Rishis - Adeptos; inspirados ou iluminados.
Saguna - Literalmente, "com gunas": dotado de tributos, modos ou qualidades.
Sãnkhya-yoga - O sistema Yoga exposto pela escola filosófica Sãnkhya.
Sattva - Inteligência; ritmo; entendimento; harmonia.
Sloka (Shloka) - Verso ou versículo.
Soma - A Lua; também a bebida sagrada feita com o sumo da planta desse nome.
Sri Lakshmí - Esposa de Vishnu. Deusa da prosperidade e da abundância.
Svarga Mansão celeste.
Tamas - Qualidade de ignorância; inércia.
Tapas - "Abstração" ou "Meditação". Um dos elementos da Yoga preliminar e significa
jejum, penitência, austeridade.
Tapasví - Asceta ou anacoreta de qualquer religião; penitente.
Vairãgya - Desprendimento; indiferença.
Vaizya - Pertence à casta dos comerciantes, agricultores e artesãos da Índia.
Varnas - Cores; designação geral das quatro castas da Índia.
Varshneya - "Filho ou descendente de Vrishni". Patronímico de Krishna.
Viveka - Discernimento; distinção.
Vyãsa - Intérprete, ou melhor, revelador. Houve vários na Índia.
Yajãa - "Sacrifício".
Yoga Shãstra - Escritura Sagrada da Yoga.

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