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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS


CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

UTILIZAÇÃO DE ELEMENTOS DO DIREITO COMPARADO


PELO STF: ANÁLISE DO CASO ELLWANGER

ANDRÉA ALINE VERGANI

São José, Outubro de 2007


2

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

UTILIZAÇÃO DE ELEMENTOS DO DIREITO COMPARADO


PELO STF: ANÁLISE DO CASO ELLWANGER

Monografia apresentada como requisito para


obtenção do grau em Direito na Universidade
do Vale do Itajaí.

ANDRÉA ALINE VERGANI

Orientador: Professor Msc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior

São José, Outubro de 2007


3

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador e Prof. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior, pelo apoio e incentivo
e por haver me auxiliado na escolha do presente tema.
Aos meus amigos e colegas de trabalho, em especial a minha amiga e
companheira Carolina Ayres da Silva, pelo apoio em todos os momentos difíceis no decorrer
da elaboração desta monografia.
Ao meu namorado Thiago pela constante compreensão, paciência e apoio,
principalmente nos momentos de cansaço e fraqueza.
À minha irmã Manuela e ao meu pai, que mesmo não convivendo diariamente, se
fizeram presentes neste momento.
À minha irmã Danielle por estar sempre presente e por ter me auxiliado nesta
pesquisa de forma significativa.
Em especial, à minha amada mãe, pela paciência, apoio, dedicação, incentivo e
pela constante presença, não só neste, mas em todos os momentos de minha vida.
Por fim, à toda minha família por terem confiado e acreditado em mim.
A vocês, família, pela força e incentivo diários, o meu profundo e carinhoso muito
obrigada.
4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................7

1 CONSTITUIÇÃO MATERIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E O


PARÂMETRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE......................10

1.1 CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO MATERIAL .................................................. 10


1.2 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O PARÂMETRO DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE ..................................................................................... 13
1.2.1 Tipos de inconstitucionalidade ...........................................................................14
1.2.2 Afronta direta ao texto constitucional .................................................................15
1.3 A INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.............................. 17
1.3.1 A eficácia dos direitos fundamentais: aplicabilidade direta e imediata ................19
1.3.2 O catálogo de direitos fundamentais: cláusula de abertura constitucional............21
1.4 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E O AUMENTO DO
BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ................................................................. 24

2 A UTILIZAÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO COMO


ESTRATÉGIA DE ARGUMENTAÇÃO DOS TRIBUNAIS..................................27

2.1 BREVE DISCUSSÃO SOBRE DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO27


2.1.1 Método ou ciência comparativa..........................................................................30
2.1.2 Micro e macro-comparação ................................................................................32
2.1.3 Elementos característicos do método comparativo..............................................33
2.2 ABORDAGEM FEITA PELA DOUTRINA ESTRANGEIRA SOBRE A
UTILIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSTITUCIONAL ......................................... 35
2.2.1 Critérios utilizados para justificar a utilização do direito constitucional
comparado pela jurisdição constitucional ....................................................................36
2.2.2 Classificação do uso de elementos não-nacionais pela jurisdição constitucional .36
2.2.3 Direito comparado como estratégia de argumentação .........................................38

3 USO DO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO PELO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL: ANÁLISE DO CASO ELLWANGER............................42

3.1 BREVE DESCRIÇÃO DO CASO....................................................................... 42


3.2 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS CENTRAIS DA DECISÃO ............................ 43
3.2.1 Sobre a caracterização do anti-semitismo como crime de racismo ......................43
5

3.2.2 A tensão entre a liberdade de expressão e a proteção da dignidade de um povo:


análises da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade .......................................46
3.3 IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS NORMATIVOS NÃO-NACIONAIS
REFERIDOS NAS DECISÕES DOS MAGISTRADOS ............................................ 48
3.3.1 Elementos presentes nos votos vencedores .........................................................48
3.3.2 Argumentos de objeção às aproximações juscomparativas empreendidas pelos
magistrados da corte....................................................................................................51
3.4 IDENTIFICAÇÃO DAS DIFERENTES APROXIMAÇÕES EMPREENDIDAS
PELOS MAGISTRADOS AO DIREITO COMPARADO.......................................... 54
3.4.1 A tipologia de Mark Tushnet: o direito constitucional comparado como parâmetro
de crítica interna...... ....................................................................................................55
3.4.2 A tipologia de Sujit Choudry: o direito constitucional comparado como técnica de
fornecimento de razões................................................................................................59
3.4.3 A proposta de Taavi Annus: recurso ao direito constitucional comparado como
estratégia discursiva ....................................................................................................63
3.5 CONCLUSÕES PARCIAIS ................................................................................ 67

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................70

4.1 OBRAS CONSULTADAS.................................................................................. 70


4.2 DECISÕES REFERIDAS ................................................................................... 72
6

RESUMO

A presente monografia objetiva evidenciar o uso do argumento de direito comparado


pela jurisdição constitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. Para tanto, após
um breve estudo acerca do direito constitucional brasileiro, buscou-se discutir a forma com
que a doutrina estrangeira vem classificando tal fenômeno e analisar a aplicabilidade desta
abordagem à prática jurisprudencial do STF. Passa-se, então, a análise do HC 82424-RS, onde
foram constatadas algumas características no que tange ao uso de elementos não-nacionais
pelo STF: a abertura ao diálogo por parte deste é freqüente e seu uso não encontra maior
objeção por parte dos magistrados; o recurso aos elementos não-nacionais no Brasil é
realizado indiretamente, (as decisões estrangeiras utilizadas não são fruto da pesquisa direta
dos magistrados); na maioria das vezes há um posicionamento pré-existente por parte dos
Magistrados quando estes utilizam este recurso; assim, o recurso ao elemento estrangeiro se
insere na estratégia de argumentação dos togados para reforçar ou rechaçar uma tese. Nesse
diapasão, o recurso a elementos não-nacionais, legitimado que é pelo § 2º do art. 5º da
CRFB/88, afigura-se como uma ferramenta extremamente relevante, que pode e deve ser
muito mais explorada, principalmente para melhor compreender a realidade nacional no que
tange à interpretação dos direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição constitucional; Direito constitucional comparado; Caso


Ellwanger
7

INTRODUÇÃO

A constatação de um crescente movimento de circulação de modelos jurídicos e da


ampliação dos espaços de regulação supra-nacionais tem exigido dos juristas nacionais que
passem a, cada vez mais freqüentemente, levar em conta elementos não-nacionais na
determinação do sentido e do alcance do próprio texto constitucional, situação esta que exige
um autêntico redimensionamento da função a ser desempenhada pela comparação jurídica
como método aplicável no processo de concretização constitucional.
Nesse contexto, o recurso ao argumento de direito comparado figura como uma
estratégia argumentativa que deixa de ter um caráter supletivo (e acessório) para assumir uma
importante função de crítica da auto-compreensão nacional sobre a constituição. Ao realizar
este tipo de abertura, no exercício da jurisdição constitucional, os tribunais nacionais
contribuem para a consolidação de um espaço de diálogo transnacional entre as cortes
constitucionais.
Como conseqüência do reconhecimento da importância do papel da comparação
jurídica, inúmeras têm sido as funções que lhe são atribuídas: propiciar o acesso ao
conhecimento e à compreensão da realidade estrangeira, até mesmo para melhor compreender
os fundamentos do direito pátrio (função cognoscitiva); subsidiar os trabalhos preparatórios
que precedem o processo de elaboração legislativa; e, por fim, auxiliar o labor interpretativo
dos tribunais, em especial no que tange aos direitos fundamentais, e é justamente os impactos
que esta última prática tem provocado à teoria constitucional que a presente monografia
pretende analisar.
Neste diapasão, as cortes de justiça, com fundamento na existência de cláusulas de
abertura expressa1 ou implicitamente consideradas2, reconhecem que para melhor
compreender o papel desempenhado pela Constituição no ordenamento interno podem

1
Este é o caso, por exemplo, das Constituições Espanholas (art. 10.2. As normas relativas aos direitos
fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece serão interpretadas em conformidade com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e com os tratados e acordos internacionais sobre estas matérias que
tenham sido ratificados pela Espanha), Sul-Africana (39.1 Quanto à interpretação da carta dos direitos, a Corte,
tribunal ou fórum: (a) devem promover os valores que baseiam uma sociedade democrática e aberta como o
princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade; (b) deve-se considerar a lei internacional e (c)
pode-se considerar lei estrangeira) e Chilena (art. 5.2 O exercício da soberania reconhece como limitação o
respeito aos direitos essenciais que emanam da natureza humana. É dever dos órgãos do Estado respeitar e
promover tais direitos, garantidos por esta Constituição, assim como pelos tratados internacionais ratificados pelo
Chile que se encontrem vigentes).
2
Esta é a prática reconhecida, p. ex., pelas Cortes Constitucionais Canadense, Israelense e Australiana (cf.
SAUNDERS, Cheryl. The use and misuse of comparative constitucional law. Indiana Journal of Global Legal
Studies v. 13, n. 1, p. 37-76, winter 2006).
8

envolver-se em um diálogo com outras realidades normativas não-nacionais. Os estudos no


que concerne a este tema, embora ainda escassos, têm se acentuado nos últimos anos, em
especial, com base na literatura em língua inglesa.
Pretende-se, nesta pesquisa, evidenciar as utilizações destes elementos pela jurisdição
constitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. Para tanto, dentre os inúmeros
casos que expressamente se valeram destes elementos como estratégia de persuasão dos
fundamentos da decisão da corte, optou-se por utilizar o emblemático caso sobre a
imprescritibilidade do crime de racismo, o caso Ellwanger (HC 82424-2 – RS), uma vez que
fornece ricos subsídios para o estudo empreendido.
Para fins desta pesquisa, compreende-se como elemento não-nacional: as normas de
direito internacional (tratados e costumes internacionais, decisões de instâncias
supranacionais); os sistemas universais e regionais de proteção dos direitos humanos; e, a
experiência constitucional nacional de outros países (texto normativo, excertos
jurisprudenciais, doutrina estrangeira sobre sua realidade normativa).
Deste modo, o primeiro capítulo desta pesquisa discorre sobre como o direito
constitucional brasileiro constrói duas idéias fundamentais: a identificação do texto
constitucional como parâmetro concreto de legitimidade do ordenamento nacional e a
sistemática de proteção dos direitos fundamentais. Em seguida, são apresentadas de que forma
as inovações recentes em matéria de proteção dos direitos fundamentais têm recorrido à idéia
de cláusula de abertura constitucional e a ampliação da esfera de proteção dos direitos
fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro.
O segundo capítulo, por sua vez, reflete a mudança de enfoque presente na literatura
especializada sobre o tema (utilização pelas cortes de elementos do direito comparado). No
primeiro momento, é feita uma abordagem “tradicional” sobre o problema da comparação
jurídica (em especial, a comparação constitucional), a partir da qual é apresentado o debate em
torno do método comparativo (e a ciência comparativa) e dos desafios ínsitos a toda pretensão
de comparação jurídica. No segundo momento, busca-se compreender de que forma os
tribunais vêm recorrendo, no processo de argumentação judicial, a elementos não-nacionais
para definir o conteúdo e o alcance de suas próprias cláusulas constitucionais. Não se pode
esperar que os tribunais constitucionais realizem, em suas decisões, estudos comparativos
completos (e complexos). Desta forma, busca-se apresentar diferentes esforços de
compreensão (e descrição) desta prática argumentativa presente nos tribunais, ou seja, o
recurso a “argumentos de direito comparado” nas decisões judiciais.
9

A fim de analisar a prática discursiva do Supremo Tribunal Federal a partir de um caso


concreto, o terceiro capítulo traz uma breve descrição dos elementos centrais discutidos no
caso Ellwanger (HC 82424-RS), e em seguida, apresenta de que forma o recurso a elementos
do direito comparado foi articulado nas manifestações dos Ministros e algumas das
perspectivas que se apreendem a partir desta constatação, levando em conta a aplicabilidade
da abordagem descrita no segundo capítulo.
Por derradeiro e para finalizar, são lançadas as considerações finais sobre o fenômeno
estudado e a realidade nacional.
10

1 CONSTITUIÇÃO MATERIAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PARÂMETRO


DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1.1 CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO MATERIAL

Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado que pode ser descrita como o
conjunto de normas jurídicas que regem a organização política, econômica e social deste,
estabelecendo as garantias e deveres básicos e fundamentais de todo o seu povo, bem como
delimitando e estabelecendo as diretrizes de atuação de seus governantes.
A doutrina apresenta vários modos de classificar as constituições, não havendo um
consenso entre os autores3. José Afonso da Silva4 classifica as constituições quanto à forma,
em escritas ou não escritas; quanto ao modo de elaboração, em dogmáticas ou históricas5;
quanto à origem, em populares ou outorgadas6; quanto à estabilidade, em rígidas, flexíveis ou
semi-rígidas; e quanto ao conteúdo, em materiais ou formais.
Para os fins desta pesquisa, é útil reportar-se às classificações das constituições quanto
à forma, quanto à estabilidade e quanto ao conteúdo.
Para José Afonso da Silva,
(...) considera-se escrita a constituição, quando codificada e sistematizada num texto
único, elaborado reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando
todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a organização
dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, os direitos

3
Silva classifica as Constituições quanto ao conteúdo (materiais ou formais), quanto à forma (escritas ou não
escritas), quanto ao modo de elaboração (dogmáticas ou históricas), quanto à origem (populares ou outorgadas) e
quanto à estabilidade (rígidas, flexíveis ou semi-rígidas). (SILVA, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 40). Estas classificações costumam ser
reproduzidas pelos principais manuais de direito constitucional: Bonavides classifica as Constituições quanto ao
conteúdo (materiais ou formais), quanto à estabilidade (rígidas ou flexíveis), quanto à forma (costumeiras ou
escritas), quanto à apresentação (codificadas ou legais), quanto à origem (populares, outorgadas ou pactuadas) e
quanto à extensão (concisas ou prolixas). (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 81-92) Alexandre Moraes, por sua vez, classifica as Constituições quanto ao conteúdo
(materiais ou formais), quanto à forma (escritas ou não escritas), quanto ao modo de elaboração (dogmáticas ou
históricas), quanto à origem (promulgadas ou outorgadas), quanto à estabilidade (imutáveis, rígidas, flexíveis ou
semi-rígidas) e quanto à extensão e finalidade (analíticas ou sintéticas). (MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 39).
4
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.40.
5
Constituições dogmáticas são aquelas escritas e que foram elaboradas “por um órgão constituinte, e que
sistematizam os dogmas ou idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante no momento.”
Constituições históricas ou costumeiras são aquelas não-escritas, “res ultantes de lenta formação histórica, do
lento evoluir das tradições, dos fatos sóciopolíticos, que refletem como normas fundamentais da organização de
determinado Estado, como exemplo podemos citar a Constituição inglesa”. (SILVA, José Afonso. Curso de
Direito Constitucional Positivo, p. 41).
6
Populares ou democráticas são aquelas que se originam de um órgão constituinte composto de representantes do
povo, eleitos para este fim. Enquanto que as constituições outorgadas são aquelas elaboradas e estabelecidas sem
a participação do povo, aquela que o governante impõe ao povo. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo, p. 41).
11

fundamentais (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais). Não escrita,


ao contrário, é a constituição cujas normas não constam de um documento único e
solene, mas se baseie principalmente nos costumes, na jurisprudência e em
convenções e em textos constitucionais esparsos (...).7

No que tange à estabilidade, nossa Constituição é classificada como rígida e, como


conseqüência, é reconhecida como a lei fundamental e suprema do nosso Estado e dotada de
especial proteção contra o legislador ordinário. Nas palavras de Paulo Bonavides, rígidas são
aquelas constituições “que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis
ordinárias. Demandam um processo de reforma mais complicado e solene.” 8
Cabe ressaltar que da rigidez constitucional emana o princípio da supremacia da
constituição, o qual confere a esta a condição de lei suprema do Estado, visto que nela se
encontra a sua estruturação, bem como a organização de seus órgãos, e os direitos
fundamentais reconhecidos aos indivíduos em seu interior, de onde decorre sua superioridade
em relação às demais normas jurídicas.
Neste sentido, para Paulo Bonavides:
As constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um
processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez
superior àquela que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia
incontrastável de lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num
determinado ordenamento.9

Portanto, a supremacia da Constituição decorre do fato dela ocupar a cúspide do


ordenamento jurídico, esta fornece fundamento para todos os atos normativos
infraconstitucionais que, por sua vez, não podem contrariar os limites e fins impostos por ela.
A doutrina distingue ainda a supremacia material e supremacia formal da constituição.
A primeira é reconhecida até em constituições costumeiras e flexíveis enquanto a supremacia
formal é aquela possível nos casos de rigidez constitucional.10
Quanto ao conteúdo, as constituições podem ser classificadas como materiais ou
formais. A constituição material, em sentido estrito, institui normas constitucionais que
regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais,
podendo ser escritas ou costumeiras, ou seja, não necessitam estarem inseridas em um

7
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.41.
8
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.83.
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.82.
10
Em países de constituição escrita, a constituição formal é o texto constitucional promulgado, e se neste mesmo
país, as constituições forem dotadas de rigidez, ela (em sentido formal) gozará de primazia frente aos demais atos
do estado.
12

documento escrito.11 Logo, através do critério material, são consideradas constitucionais as


normas que tratam de um conjunto de conteúdos (organização do Estado, sua estrutura e os
direitos fundamentais), independente de estarem previstas em uma Carta denominada
Constituição.12 Por outro lado, por constituição formal entende-se um “documento
solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e
13
formalidades especiais nela própria estabelecidos.”
Paulo Bonavides traz a distinção entre a teoria formal e a teoria material da
Constituição e cita a polêmica Kelsen-Schmitt nos anos 1930, em Colônia, como o motivo que
acarretou a divisão da teoria do século XX.
Para este mesmo autor, o positivismo confere um poder ilimitado ao legislador para
dispor sobre o Direito, uma vez que só entende ser legítimo o processo de mudança formal do
texto constitucional.
Bonavides14, citando Lassalle, esclarece:
As Constituições por excelência do positivismo foram as Constituições do
constitucionalismo e da idade liberal do Século XIX. Passaram elas a significar
ulteriormente na fase de declínio e crise aquilo que Lassalle, com ironia e
menosprezo, chamou Constituições de folhas de papel.

Ocorre que no auge do liberalismo as constituições formais desempenharam a função


de introduzir mudanças e reformas para concretizar juridicamente o modelo emergente da
sociedade burguesa e seu Estado de Direito.15
Sucede que as constituições liberais não conseguiram acompanhar as mudanças e
transformações sociais, “convertendo -se em objeto de um formalismo nihilista ou esvaziante,
que assinalou toda a metodologia constitucional do positivismo.” 16
Nas palavras de Bonavides:
A constituição do positivismo é, em primeiro lugar, conceito formal, norma que se
explica pelo seu conteúdo nominal, por sua rigidez, vazada por escrito, mais
hermética que aberta em presença da realidade circunjacente, exterior, em si mesma,
à própria realidade, que ela organiza e regula juridicamente.17

Um dos traços marcantes do positivismo jurídico-estatal é abreviar as reflexões sobre a


Constituição para reduzi-la a uma classificação legalista, fixada unicamente sobre seu exame e

11
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.40.
12
A noção de bloco de constitucionalidade será melhor desenvolvida no item 2.3.
13
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.41.
14
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
15
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
17
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172-173.
13

emprego como lei técnica de organização do poder e exteriorização formal de direitos. Esse
positivismo confere um poder ilimitado ao legislador para dispor sobre o Direito e somente,
admite a mudança constitucional do texto da Constituição.18
Desse modo, conforme assinala Bonavides:
A Constituição do positivismo jurídico-estatal é nomeadamente formalista e fechada,
composta de preceitos normativos que fazem coincidir por inteiro o sentido formal
com o sentido material da Constituição, fruto da confiança otimista dos
positivistas.19

O positivista, como intérprete da Constituição, é conservador por excelência, visto que


a aplicação do direito se afigura como uma operação lógica, um ato de subsunção, sem
margem para criação ou aperfeiçoamento.20
Por outro lado, continua o autor, a teoria material consiste em uma concepcão teórica
que reconheça ser possível encontrar a normatividade constitucional para além dos limites do
texto constitucional. Se faz necessário, para compreender a eficácia garantística da
Constituição, em especial no que toca à proteção dos direitos fundamentais, que se assuma
como ponto de partida uma teoria material da constituição, ou seja, uma concepção teórica
que reconheça ser possível encontrar a normatividade constitucional para além dos limites do
texto constitucional.

1.2 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O PARÂMETRO DE CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE

Da necessária conformação da norma infraconstitucional com a Constituição deflui o


princípio da compatibilidade. Assim, todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro só
serão válidas se estiverem de acordo com a as normas previstas na nossa Carta Magna, isso
quer dizer que os órgãos estatais não podem introduzir atos normativos contrários às normas
constitucionais. Assim, o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se
conformem com os princípios e preceitos da Constituição.21

18
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
19
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
20
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
21
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 46.
14

Deste modo, surge o controle de constitucionalidade22 que tem por objetivo aferir a
compatibilidade vertical das normas com a Constituição, verificando a regularidade tanto do
processo legislativo (aspecto formal), quanto do conteúdo propriamente dito (aspecto
material). Portanto, os limites passíveis de aferição são tanto formais como materiais. O
controle de constitucionalidade visa a fazer prevalecer a supremacia da Constituição,
assegurando a observância da compatibilidade vertical.
A classificação trazida pela doutrina distingue o controle formal do controle material
de constitucionalidade das leis.
Nesse sentido, Paulo Bonavides23 sustenta que o controle formal é um controle
exclusivamente jurídico:
Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram
elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das
formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida
constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não
contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes,
ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos
estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do
Estado.

Deste modo, o controle formal está focado tão somente nos aspectos formais. Por outro
lado, o controle material da norma diz respeito ao seu conteúdo ou substância, contendo
inclusive um grau de politicidade e de subjetividade, conforme será visto a seguir.

1.2.1 Tipos de inconstitucionalidade

Para Clèmerson Merlin Clève24, podem ser identificados tipos distintos de


inconstitucionalidade: a formal (procedimental e orgânica) e a material.
A inconstitucionalidade orgânica é aquela “decorrente de vício de incompetência do
órgão que promana o ato normativo, consiste numa das hipóteses de inconstitucionalidade
formal. Diz-se que uma lei é formalmente inconstitucional quando elaborada por órgão
incompetente.” 25 E é a este tipo de inconstitucionalidade que Clève denomina de

22
A decisão da Suprema Corte Norte-Americana (EUA), de 1.803, proferida pelo Chief Justice John Marshall,
no famoso caso William Marbury v. James Madison, é tida como o marco histórico inicial do controle da
constitucionalidade das leis, bem como da exaltação da supremacia da Constituição ante as demais leis e atos
normativos. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 64).
23
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.297.
24
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 37.
25
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 39.
15

inconstitucionalidade orgânica. Já a inconstitucionalidade formal propriamente dita ocorre


quando uma lei é elaborada com um procedimento diverso daquele previsto pela Constituição.
Poderá ocorrer, ainda, inconstitucionalidade formal no caso de violação do que Canotilho,
citado por Clève, chama de “pressupostos constitucionalmente considerados como elementos
determinativos de competência dos órgãos legislativos em relação a certas matérias.” 26
A inconstitucionalidade material, por sua vez, pode ser verificada quando ocorrer uma
alteração no conteúdo da Constituição, como por exemplo, nos casos de emenda ou reforma.
Neste episódio todas as normas anteriores à reforma/emenda que forem incompatíveis com o
novo conteúdo, serão atingidas pela inconstitucionalidade material superveniente. Portanto, a
inconstitucionalidade material reporta-se à compatibilidade do conteúdo do ato normativo em
relação à Constituição.

1.2.2 Afronta direta ao texto constitucional

A problemática surge no momento de identificar o parâmetro constitucional que deve


ser adotado para o controle de constitucionalidade, daí decorre o conceito de bloco de
constitucionalidade trazido por Canotilho27:
As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições (1) o
parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou leis com valor
constitucional formal, e daí que a conformidade dos actos normativos só possa ser
aferida, sob o ponto de vista de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade,
segundo as normas e princípios escritos da constituição (ou de outras leis
formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem
constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos
normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis
constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da
ordem constitucional global. [grifo no original].

Nota-se, pelo exposto, que Canotilho visa a alargar o bloco de constitucionalidade,


sustentando que este deve englobar, além das normas e princípios constantes das leis
constitucionais escritas, os “princípios reclamados pelo «espírito» ou pelos «valores» que
informam a ordem constitucional global.” 28

26
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 40.
27
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 919.
28
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 920.
16

Assim, a ordem constitucional global iria além da Constituição escrita e dos princípios
jurídicos fundamentais informadores de um Estado de direito, compreenderia também os
princípios implícitos nas leis constitucionais escritas.
Nas palavras de Clève29:
A fiscalização da constitucionalidade pode ser definida pelo parâmetro utilizado.
Neste caso, o controle levará em conta, para a verificação da compatibilidade do
direito infraconstitucional: (i) toda a Constituição formal, incluindo aí os princípios e
normas implícitos; (ii) apenas alguns dispositivos da Constituição formal; ou (iii) o
bloco formado pela Constituição formal mais os princípios superiores definidos
como direito supralegal (positivados ou não na Constituição). Em geral, os vários
sistemas de fiscalização vinculam-se apenas à Constituição formal (normas
expressas e implícitas das primeiras derivadas). É o caso do Brasil e dos Estados
Unidos, por exemplo. 30
Nesse sentido, percebe-se que há um certo consenso, entre os autores nacionais, de que
o parâmetro de constitucionalidade brasileiro corresponde ao controle da constituição em
sentido formal. Contudo, isto não exclui os chamados preceitos e princípios, inclusive
implícitos, conforme a noção de bloco de Constitucionalidade trazida por Canotilho.
31
Desse modo, expõe-se que nos termos do art. 102, I, “a” da CRFB/88 o parâmetro
adotado pelo Brasil é exclusivamente a Constituição. Tendo-se como conceito de Constituição
todas as normas contidas no texto constitucional, bem como os princípios materiais que não
estão expressamente escritos nela.
Em conformidade com este entendimento, Gilmar Ferreira Mendes32 leciona:
O conceito de Constituição abrange todas as normas contidas no texto constitucional,
independentemente de seu caráter material ou formal. Tal conceito abrange,
igualmente, os chamados princípios constitucionais materiais, que não estão
mencionados expressamente na Constituição.

Ainda nas palavras de Gilmar Mendes33:


Assim, o Tribunal já se utilizou do princípio da proporcionalidade no contexto das
limitações a direitos fundamentais, como a liberdade de exercício profissional, o
direito de propriedade e o direito de proteção judiciária. [grifo no original].

29
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 40.
30
Por outro lado há países em que o parâmetro desta fiscalização é ainda mais limitado, admitindo apenas a
fiscalização do direito infraconstitucional colidente com algumas normas constitucionais expressamente
definidas, como exemplo podemos citar a Bélgica. E existe ainda países que utilizam como parâmetro para o
controle de constitucionalidade das leis além das normas inscritas em sua Lei Fundamental outras derivadas de
um “direito supralegal” reconhecido pela Corte Constitucional, como é o caso da Alemanha.
31
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (...)”.
32
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle abstrato de normas no Brasil e
Alemanha. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 187.
33
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle abstrato de normas no Brasil e
Alemanha, p. 187.
17

Assim, tem-se que no Brasil o parâmetro de controle de constitucionalidade


reconhecido pelo STF é restritivo, adotando como violação apenas aquilo que afronta o texto
formal da Constituição Federal e, conforme o entendimento citado por Canotilho, Clève e
Mendes, no máximo de alguns princípios implícitos34, entretanto defende-se neste trabalho
que, em matéria de proteção dos direitos fundamentais, é possível ir muito além. A cláusula de
abertura, constante da nossa Constituição (art. 5º, § 2º da CRFB/8835), confere legitimidade
para o diálogo entre as cortes internacionais.

1.3 A INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais desenvolveram-se à sombra das concepções jusnaturalistas


dos direitos do homem, de onde emana a tese de que tais direitos são inalienáveis,
imprescritíveis e irrenunciáveis36.
Em rigor, o lema da revolução francesa do século XVIII, exprimiu em três princípios
cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais: liberdade, igualdade e
fraternidade.37
Com o passar dos tempos, diante da evolução da sociedade, novas pretensões surgiram
fazendo com que a teoria dos Direitos Humanos e sua positivação acompanhassem tal

34
Por exemplo, podem ser citados o princípio da proporcionalidade e do sigilo bancário, sistematicamente
invocados em decisões proferidas pelo STF. Neste sentido, cf: ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º
976 - DF, j. 28/03/2007, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa; AI-AGR – Agravo Regimental no Agravo
de Instrumento n.º 598635 – SP, j. 18/12/2006, Primeira Turma, rel. Min. Cármen Lúcia; HC – Habeas Corpus
n.º 86424 – SP, j. 11/10/2005, Segunda Turma, rel. Min. Ellen Grace; AI-AGR – Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento n.º 629720 – DF, j. 17/04/2007, Segunda Turma, rel. Min. Eros Grau; AI-AGR –
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 477815 – RS, j. 21/03/2006, Segunda Turma, rel. Min.
Joaquim Barbosa; RE – Recurso Extraordinário n.º 464963 – GO, Segunda Turma, j. 14/02/2006, rel. Min.
Gilmar Mendes.
35
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/88. “Art. 5º. § 2º - Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
36
São inalienáveis por se tratarem de direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo
econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer por serem
indisponíveis. Imprescritíveis, pelo fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se
verificam requisitos que importem sua prescrição. Vale dizer: nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é
instituto jurídico que somente atinge a exigibilidade de direitos de caráter patrimonial e não a exigibilidade dos
direitos personalíssimos, ainda que, não individualistas, como é o caso. Se forem sempre exercíveis e exercidos,
não há intercorrência temporal de não-exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição. São
também, irrenunciáveis, alguns destes direitos podem não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas
não se admite que sejam renunciados. Possuem caráter absoluto, no sentido de imutabilidade, não pode
mais ser aceito desde que se entenda que possuam caráter histórico. (SILVA, José Afonso da. Comentário
Contextual à Constituição. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 58).
37
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 516.
18

evolução e, como se observa na maior parte da doutrina contemporânea, esta evolução fora
dividida em dimensões38 ou gerações.
Para Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais de primeira dimensão são os
direitos e garantias individuais e políticas clássicas (liberdades públicas), surgidos
institucionalmente a partir da Constituição.39 Correspondem, portanto, àquela fase inaugural
do constitucionalismo do Ocidente e, segundo Bonavides
(...) têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.40

A primeira dimensão de Direitos Humanos compreende, portanto, os Direitos Civis e


Políticos e as liberdades públicas.
De acordo com Moraes, a segunda dimensão, advinda logo após a Primeira Grande
Guerra, é aquela dos direitos sociais, econômicos e culturais, ganhando destaque, os direitos
sociais, por abrangerem o direito do trabalho, o seguro social, o amparo à doença, à velhice,
dentre outros.41
Segundo Bonavides, os direitos desta dimensão merecem um exame mais amplo por
envolverem os direitos coletivos ou de coletividades. Nasceram abraçados ao princípio da
igualdade (em sentido material), do qual não se podem separar.42 Tavares os define como as
liberdades positivas que objetivam a tutela dos hipossuficientes, única forma de implementar
efetivamente a igualdade social, fundamento do Estado brasileiro.43
A terceira dimensão abarca os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade,
direitos estes que ganharam corpo, principalmente a partir da Revolução Francesa, e que têm
sidos incorporados nos ordenamentos constitucionais positivos e vigentes de todo o mundo.
Para Tavares44, os direitos humanos de terceira dimensão são os direitos coletivos, em sentido
amplo, designam os interesses de grupos de pessoas indeterminadas.
Neste sentido, atualmente, entende-se como direitos de terceira dimensão os chamados
direitos de solidariedade ou fraternidade, que compreendem o direito a um meio ambiente

38
Será adota para a presente pesquisa a expressão ‘dimensões’, seguindo a nomenclatura utilizada pela doutrina
contemporânea. (Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 54).
39
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 61.
40
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 563-564.
41
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p. 61.
42
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 564.
43
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 467.
44
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 467.
19

equilibrado, à uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos


povos e a outros direitos difusos.45
Para Bonavides, os direitos da terceira dimensão tendiam a cristalizar-se no fim de
século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de
um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm por primeiro destinatário o
gênero humano.46 47
Ingo Sarlet, em obra que constitui uma referência sobre a temática dos direitos
fundamentais, para além da discussão em torno das dimensões, ressalta que se faz
imprescindível desenvolver uma metódica constitucional que se ocupe de uma adequada
compreensão sobre a efetividade dos direitos fundamentais. Para o autor, o estudo sobre os
direitos fundamentais deve ocupar-se de duas grandes questões: o problema de definição e o
problema de sua eficácia jurídica e social.

1.3.1 A eficácia dos direitos fundamentais: aplicabilidade direta e imediata

Para Ingo Sarlet, todo e qualquer preceito da Constituição (mesmo sendo de cunho
programático) é dotado de certo grau de eficácia jurídica e aplicabilidade, consoante a
normatividade que lhe tenha sido outorgada pelo Constituinte.48
Segundo o art. 5º, § 1º da Constituição da República Federativa do Brasil/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação


imediata.

45
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p 61-62.
46
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 569.
47
Apesar de grande parte da doutrina considerar somente a existência de três dimensões de direitos
fundamentais, há inúmeros autores que aduzem haver a quarta dimensão, que possui o escopo de inserir no rol
dos direitos do homem, as atuais pretensões e anseios advindos da evolução tecnológica. Para Bonavides, os
direitos da quarta dimensão não somente culminam a objetividade dos direitos das duas dimensões antecedentes
como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos a
primeira dimensão. Enfim, os direitos de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e o porvir da
liberdade de todos os povos. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 26)
48
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 243.
20

Constata-se, porém, que a doutrina pátria (a exemplo do que ocorre no direito


comparado, inobstante de forma menos acentuada) ainda não alcançou um estágio de
consensualidade no que concerne ao significado e alcance do preceito em exame.49
Sarlet defende em sua obra que a aplicação do § 1º, do art. 5º da CRFB/88 não está
limitada apenas aos direitos individuais e coletivos pois não há como sustentar uma redução
do âmbito de aplicação de referida norma a qualquer das categorias específicas de direitos
fundamentais consagrados em nossa Constituição.50 Para Sarlet, é possível adotar uma
interpretação extensiva da norma que consagra a aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais, entendendo que a sua aplicabilidade extende-se tanto aos direitos fundamentais
constantes do catálogo, como aqueles localizados fora deste e àqueles constantes nos tratados
internacionais (cf., a idéia de abertura material, constante do art. 5º, § 2º da CRFB/88),
justificando que a extensão do regime material da aplicabilidade imediata aos direitos fora do
catálogo não encontra óbice no texto constitucional.51
Quanto à aplicação imediata, deve-se entender que tais direitos não necessitam de lei
especial que os regulamente, todavia, ocorre que alguns direitos fundamentais, em especial os
decorrentes dos direitos sociais, em virtude de sua função prestacional e da forma de sua
positivação, dependem de concretização legislativa mesmo que a esses direitos se aplique a
norma supracitada. Levando em conta esta distinção, Sarlet sustenta que a norma contida no
art. 5º, §1º, de nossa Constituição é uma espécie de mandado de otimização, ou seja,
estabelece aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos
fundamentais.52
Nesse sentido Sarlet conclui:
(...) os direitos fundamentais possuem, relativamente às demais normas
constitucionais, maior aplicabilidade e eficácia, o que, por outro lado (consoante já
assinalado), não significa que mesmo dentre os direitos fundamentais não possam
existir distinções no que concerne à graduação desta aplicabilidade e eficácia,
dependendo da forma de positivação, do objeto e da função que cada preceito
desempenha.53

Cabe, portanto, ao Poder Público “conferir eficácia máxima e imediata a todo e


qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental”. 54

49
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 244.
50
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 273-274.
51
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 274.
52
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 282.
53
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 467.
54
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988. Revista
Amicus Curie, Criciúma, n. 2, p.11-39, 2005.
21

1.3.2 O catálogo de direitos fundamentais: cláusula de abertura constitucional

A Constituição de 1988, em seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”,


possui um amplo catálogo de direitos fundamentais. Ocorre que, além dos direitos
fundamentais dispostos no Título II da Constituição da República Federativa do Brasil,
existem outros dispostos no restante do texto constitucional, que são igualmente denominados
de direitos fundamentais constitucionais, entretanto, localizados fora do catálogo.
Inspirado pela IX emenda da Constituição norte americana, o legislador brasileiro
consagrou a idéia de abertura material do catálogo constitucional dos direitos e garantias
fundamentais em seu art. 5º, § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Nas palavras de Dobrowolski55, “o man damento sob análise tem a importante finalidade de
servir para vivificar o sistema constitucional de direitos fundamentais, tornando-o
efetivamente aberto”.
Portanto, igualmente aos direitos fundamentais enumerados, aqueles que não o forem,
estarão sujeitos ao mesmo regime jurídico, ou seja, com aplicabilidade imediata, vinculando
todos os Poderes.
Para Kelsen, citado por Dobrowolski56, “do ponto de vista do Direito positivo, o efeito
dessa cláusula é autorizar os órgãos do Estado que têm de executar a constituição,
especialmente os tribunais, a estipular outros direitos que não os estabelecidos pelo texto da
constituição”. Daí entende -se que a competência para identificar os direitos não enumerados
seria de todos os poderes estatais, especialmente do Judiciário.
É quase unânime, entre a doutrina, a existência de abertura material do catálogo de
Direitos Fundamentais na CRFB/8857. A problemática surge no momento de identificar os
direitos não arrolados na constituição, principalmente com relação à definição do conteúdo de
um conceito substancial de direitos materialmente fundamentais.
Dobrowolski58 sugere que os direitos fundamentais “possuem zonas cinzentas de
significação, a partir das quais será possível avançar na busca de outras aplicações,
formulando outros direitos.”

55
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 24.
56
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 20.
57
DOBROWOSLKI, Silvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 20.
58
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 22.
22

Assim, o reconhecimento destes direitos resulta, também, da interpretação dos


princípios que compõem nossa Constituição. Deve-se, para tanto, utilizar a interpretação
sistemática, ou seja, examinar o contexto e a realidade social em que se encontram.
Outro atributo que se faz necessário na identificação dos direitos denominados como
materialmente fundamentais é que estes “têm de possuir a característica da generalização,
permitindo sua aplicação em hipóteses similares que venham a ocorrer no futuro”, acrescidos
de uma aceitação universal. Cumpre não esquecer que os direitos fundamentais visam à
proteção do ser humano e ao atendimento de suas necessidades básicas.59
Logo, deve-se interpretar o texto no sentido de atualizar o seu conteúdo e alcançar a
realidade social atual, visto que alguns dos direitos construídos refletem autêntica
manifestação de outros já existentes.
Neste sentido Ingo Sarlet60, mencionando o entendimento de R. Alexy, leciona:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às


pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu
conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto
da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes
constituídos (fundamentalidade formal), bem como, as que, por seu conteúdo e
significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material,
tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material
do Catálogo).

Ainda para Sarlet61:


Importante, nesse Contexto, é a constatação de que o reconhecimento da diferença
entre direitos formal e materialmente fundamentais traduz a idéia de que o direito
constitucional brasileiro (assim como o lusitano) aderiu a certa ordem de valores e de
princípios, que por sua vez, não se encontra necessariamente na dependência do
Constituinte, mas que também encontra respaldo na idéia dominante de Constituição
e no senso jurídico coletivo. Apesar da viabilidade de uma incursão pela seara do
direito natural, que, contudo, refoge aos limites do presente estudo, é preciso ter
como certo que a construção de um conceito material de direitos fundamentais
(assim como da própria constituição) somente pode ser exitosa em se considerando a
ordem de valores dominante (no sentido de consensualmente aceita pela maioria),
bem como as circunstâncias sociais, políticas, econômicas e culturais de uma dada
ordem constitucional.

Ainda no que tange à classificação do art. 5º, § 2º de nossa Lei Fundamental, cumpre
aludir a problemática relativa à existência de direitos fundamentais com assento na legislação
infraconstitucional.
Para Sarlet, seria possível

59
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 91.
60
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 91.
61
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 94.
23

uma interpretação de cunho extensivo que venha a admitir uma abertura do catálogo
dos direitos fundamentais também para posições jurídicas reveladas, expressamente,
antes pela legislação infraconstitucional, já que, por vezes é ao legislador ordinário
que se pode atribuir o pioneirismo de recolher valores fundamentais para
determinada sociedade e assegurá-los juridicamente, antes mesmo de uma
constitucionalização.62

Embora haja uma escassez de doutrina pátria que aprofunde este assunto, Sílvio
Dobrowolski63 apresenta a seguinte classificação dos direitos fundamentais:
Direitos enumerados (ou expressos) diretamente;
Direitos implícitos ou enumerados indiretamente (ou implicitamente expressos) nas
formulações de garantias.
Cada uma dessas espécies se subdivide, conforme a localização, em [a] constantes do
catálogo, por figurarem no rol do título II (catálogo de direitos) e, [b] de fora do
catálogo, por estarem esparsos pelo restante do texto constitucional.
A terceira categoria, dos direitos não enumerados, permitidos pela cláusula de
abertura do parágrafo 2º, compõe-se dos grupos seguintes:
3.1 Direitos não enumerados decorrentes do regime e dos princípios adotados na
Constituição, considerados aí também incluídos, na categoria de princípios, os
direitos expressos, pois positivados em normas de princípios, consoante antes
explicitado.
3.2 Direitos não enumerados decorrentes dos tratados e convenções internacionais,
subdivididos em:
3.2.1 Direitos decorrentes de tratados e convenções internacionais aprovados como
emendas constitucionais;
3.2.2 Direitos decorrentes de tratados e convenções internacionais não aprovados
como emendas constitucionais.

Infere-se, portanto, que os direitos fundamentais em sentido material somente poderão


ser aqueles que por sua substância (conteúdo) e relevância possam ser equiparados aos direitos
fundamentais formalmente constitucionais, ou seja, àqueles constantes do catálogo.
E é exatamente, pela relevância que possuem estes direitos para a comunidade, que
estes não podem ser deixados na esfera da disponibilidade absoluta do legislador ordinário;
Carlos Maximiliano, citado por Sarlet, apontou o seguinte: a Constituição “não pode
especificar todos os direitos, nem mencionar todas as liberdades. A lei ordinária, a doutrina e a
jurisprudência completam a obra. (...) Portanto, não é constitucional apenas o que está escrito
no estatuto básico, e, sim, o que se deduz do sistema por ele estabelecido, bem como o
conjunto das franquias dos indivíduos e dos povos universalmente consagrados.” 64
Para identificar os direitos fundamentais, Carl Schmitt65 estabeleceu dois critérios
formais de caracterização: pelo primeiro entende-se por direitos fundamentais todos os

62
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 103.
63
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p.18.
64
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 94.
65
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre.Unveraenderter Neudruck, 1954, Berlim, pp. 163-173. Apud.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2003. p. 561.
24

direitos ou garantias especificados no instrumento constitucional, enquanto que pelo segundo


critério, entende-se por direitos fundamentais aqueles que receberam da Constituição um grau
mais elevado de garantia ou segurança, podem ser imutáveis ou de difícil alteração, como, por
exemplo, aqueles alteráveis somente através de emenda Constitucional.
Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam
conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípio que a
Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos.

1.4 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E O AUMENTO DO


BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

A internacionalização dos direitos do Homem teve início na segunda metade do século


66
XIX , tendo-se manifestado no campo do Direito Humanitário, na luta contra a escravidão e
na regulação dos direitos do trabalhador assalariado.
Assim, Tavares67 assevera:
A internacionalização pressupõe, do ponto de vista dos fundamentos dos direitos do
Homem, uma retomada da clássica reinvidicação de seu caráter universal e supra-
estatal. [grifo no original]

Cabe ressaltar que os autores da Declaração universal de 1.948 foram fortemente


influenciados pelos direitos fundamentais positivados em diversos ordenamentos nacionais,
especialmente o norte-americano e o francês.68
A efetivação do catálogo de direitos humanos no âmbito internacional incentivou as
constituições nacionais, conforme demonstra Tavares69:
Alguns Estados chegaram ao ponto máximo de relação com os direitos humanos,
pois constitucionalizaram diretamente os textos internacionais sobre direitos
humanos no lugar de seu catálogo de direitos fundamentais ou ao seu lado, como a
Áustria e o Peru.

66
Foi em 12 de junho de 1.776, que teve início a positivação dos Direitos do Homem com a Declaração de
Direitos do Bom Povo da Virgínia, nos Estados Unidos da América. Entretanto o primeiro documento normativo
de caráter internacional foi a Convenção de Genebra de 1.864, a partir da qual foi fundada a Comissão
Internacional da Cruz Vermelha, em 1.880.
67
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 461.
68
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 463.
69
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 463.
25

Em face do que foi exposto, denota-se, que é cada vez mais freqüente e comum os
Estados interpretarem seus direitos à luz das declarações universais. Três são as possíveis
decorrências da internacionalização dos tratados de direitos humanos:
Em primeiro, pode haver coincidência entre as normas internacionais e as nacionais,
asseguradas constitucionalmente. É o que ocorre com normas constitucionais que
reproduziram o conteúdo de normas internacionais, como o art. 5º, III, relativamente
ao art. V da Declaração Universal de 1.948.

Em segundo, as normas internacionais podem complementar ou ampliar o rol das


normas nacionais. Nessa situação, não há dúvida sobre a incorporação das normas no
âmbito nacional. É o caso do direito das minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas
de manter suas especificidades culturais, praticar suas religiões e usar sua língua
nativa, consoante determina o art. 27 do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o art. 30 da Convenção de sobre os Direitos da Criança. Pode ocorrer,
ainda, como observa Flávia Piovesan, ‘o preenchimento de lacunas apresentadas pelo
Direito brasileiro’. É o que se deu com o crime de tortura contra criança e
adolescente (art. 233 do E.C.A.), e a polêmica do tipo penal aberto, integrado pelos
documentos internacionais como a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da
Criança (1.990), a Convenção Interamericana contra a Tortura (1.985) e o Pacto de
São José da Costa Rica.

Em terceiro, as normas internacionais podem contrapor-se às nacionais, sendo


especialmente polêmica a contradição que ocorra com normas de âmbito
constitucional.70

O critério de solução diferenciado para os direitos humanos que vem sendo adotado
pelos tratados internacionais, pela jurisprudência dos órgãos internacionais, bem como pela
doutrina, é o da regra mais favorável à vítima, exigência que decorre de sua própria natureza e
que encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana71. Tavares corrobora o
entendimento de Sarlet ao concordar que o princípio da dignidade humana norteia a
compreensão dos direitos fundamentais72.
Conforme assinalado alhures73, Canotilho visa alargar o conceito de bloco de
constitucionalidade, sustentando, para tanto, que este deve englobar além das normas e
princípios constantes das leis constitucionais escritas, os “princípios reclamados pelo
«espírito» ou pelos «valores» que informam a ordem constitucional global.” Em
conseqüência, a ordem constitucional global iria além da Constituição escrita e dos princípios
jurídicos fundamentais informadores de um Estado de direito, compreenderia também os
princípios implícitos nas leis constitucionais escritas e teria-se a possibilidade de ampliação do
âmbito material do controle de constitucionalidade.

70
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 464.
71
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 465.
72
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 466.
73
Cf. item 2.2.2.
26

Tem-se que no Brasil o parâmetro de controle de constitucionalidade reconhecido pelo


STF é restritivo, adotando como violação apenas aquilo que afronta o texto formal da
Constituição Federal e, conforme o entendimento citado por Canotilho, Clève e Mendes, no
máximo de alguns princípios implícitos, entretanto defende-se neste trabalho que, em matéria
de proteção dos direitos fundamentais, é possível ir muito além. A cláusula de abertura
constante da nossa Constituição (art. 5º, § 2º da CRFB/88) confere legitimidade para o diálogo
entre as cortes internacionais.
Ao adotar esta linha de pensamento no que tange aos elementos não-nacionais em
relação à interpretação dos direitos fundamentais, ter-se-á os seguintes posicionamentos:
a) as normas de direito internacional em geral, e dentre estas as de direito internacional
referentes aos direitos humanos, a luz do art. 5º, § 2º da CRFB/88, podem ser compreendidas
como normas de direitos fundamentais;
b) as demais experiências constitucionais podem servir como fator de reflexão sobre o
ordenamento jurídico nacional através do diálogo entre as cortes constitucionais.
Nestes termos, o bloco de constitucionalidade pode ser ampliado por via
argumentativa. É o que se pretende analisar no próximo capítulo.
27

2 A UTILIZAÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO COMO


ESTRATÉGIA DE ARGUMENTAÇÃO DOS TRIBUNAIS

2.1 BREVE DISCUSSÃO SOBRE DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO

O recurso, por parte dos magistrados, à experiências estrangeiras no processo de


fundamentação judicial, não é um fenômeno novo, e pode ser facilmente identificado nos mais
diferentes momentos históricos de toda a tradição constitucional ocidental.74
O Congresso Internacional de Direito Comparado de 1.900, realizado em Paris, que
pode ser considerado como o ato de nascimento do direito comparado moderno, constitui
ponto de partida de uma série de obras, das quais a primeira cronologicamente – e talvez em
importância – é a que Edouard Lambert consagrou em 1903, à La fonction du Droit Civil
Compare. 75
O debate em torno da utilização do direito comparado pela jurisdição constitucional
(empréstimo constitucional) tem se acentuado nos últimos anos, particularmente a partir da
utilização de extratos da experiência estrangeira em algumas decisões da Suprema Corte
norte-americana (em especial no polêmico caso Lawrence vs. Texas76 no ano de 2003).77
Entretanto, ainda são pouquíssimos os estudos e materiais científicos destinados à
discussão e comparação mais sistemática entre sistemas constitucionais. As iniciativas são
bastante isoladas e, ainda, predominam estudos que, ao incluírem um capítulo destinado “ao
direito comparado”, limitam -se à mera análise textual de um emaranhado de extratos
legislativos estrangeiros e de esporádicas decisões judiciais, fragmentadas e
descontextualizadas.

74
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation. In: VIIth
World Congress of the International Association of Constitutional Law, 2007, Atenas. VIIth World Congress of
the International Association of Constitutional Law, 2007. CD-ROM. p.1.
75
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado. Tradução de Sérgio José Porto. Porto Alegre,
Fabris, 1980. p. 29.
76
Nesta decisão, a Suprema Corte norte-americana declarou inconstitucional lei do Estado do Texas que
criminalizava como sodomia a relação sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo. Nesta decisão, o
precedente Bowers v. Hardwick da corte foi revisado e, como reforço na argumentação, foram citadas inúmeras
decisões da Corte Européia de Direitos Humanos.
77
VERGANI, Andrea; BASTOS JR, Luiz. Utilização de elementos do direito comparado pela jurisdição
constitucional: o caso Ellwanger. In: SILVA, Everton (Org). Produção científica do CEJURPS. Itajaí: Univali,
2007. no prelo. p. 02.
28

Nesse sentido, Ivo Dantas78 assinala:


Tais cursos, entretanto, não se preocupam com análises de conteúdo epistemológico,
nas quais sejam enfrentados problemas de natureza metodológica. Limitam-se a
descrições dos sistemas constitucionais estrangeiros enquanto que livros e artigos
sobre temas de Direito Constitucional, quando sempre confundem o Direito
Comparado com simples referências às legislações estrangeiras, previamente
selecionadas. Em nenhuma das duas hipóteses, contudo, significa que estejamos
fazendo Direito Comparado (...).

No entanto, conforme já assinalado anteriormente, nos últimos anos os estudos


destinados a esta seara vêm, ainda que lentamente, crescendo e amadurecendo. Com efeito,
conforme assinala Marc Ancel “(...) o direito compara do pode ser considerado como uma
criação do século XIX é, entretanto, durante a primeira metade do século XX, que ele se
constitui em disciplina científica autônoma (...)”. 79
Ivo Dantas cita as quatro razões mencionadas por Mauro Cappelletti, que em geral são
aceitas pelos demais comparativistas, para o aumento da difusão e da importância dos estudos
do direito comparado nas últimas décadas: a) A primeira razão seria o aumento excessivo do
intercâmbio econômico, pessoal e cultural entre as nações o que acarreta o maior
desenvolvimento das relações jurídicas em nível transnacional; b) A segunda, que não deixa
de estar ligada à primeira, seria a natureza transnacional de fenômenos cada vez mais
relevantes que requerem uma disciplina jurídica que não seja meramente nacional; c) A
terceira razão provém da tendência de alguns valores, notavelmente na seara dos direitos
humanos, serem universais; d) A quarta razão resulta na tendência de criar organizações
políticas e econômicas multinacionais como a União Européia, por exemplo.80
Em síntese, as razões trazidas por Mauro Cappelletti poderão reduzir-se ao fenômeno
da quebra de fronteiras, com a conseqüente troca de informações acerca de modelos
econômicos, políticos e jurídicos, sinteticamente denominada de globalização.81
Nota-se, pelo exposto acima, que
(...) diferentes são os fatores que têm contribuído para que o direito constitucional
comparado ultrapasse as funções cognitivas que lhe eram originariamente atribuídas,
passando a figurar como uma metodologia que deixa de ter um caráter supletivo (e
acessório) para assumir, no interior da interpretação constitucional, uma importante
função de crítica e de correção da auto-compreensão nacional sobre a constituição,
no curso dos processos concretos de solução de conflitos.82

78
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 10.
79
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 43.
80
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 52-53.
81
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 123.
82
BASTOS JR, L. M. P. Redimensionamento da utilização do direito constitucional comparado pela
interpretação constitucional. In: LOIS, C; BASTOS JR, L.M.; BASILONE, R. (Orgs.). A constituição como
espelho da Realidade. São Paulo: LTr, 2006. p. 11.
29

Como conseqüência do reconhecimento da importância do papel da comparação


jurídica, inúmeras têm sido as funções que lhe são atribuídas: propiciar o acesso ao
conhecimento e à compreensão da realidade estrangeira, até mesmo para melhor compreender
os fundamentos do direito pátrio (função cognoscitiva); subsidiar os trabalhos preparatórios
que precedem o processo de elaboração legislativa; e, por fim, auxiliar o labor interpretativo
dos tribunais83, em especial no que tange aos direitos fundamentais, e é justamente os
impactos que esta última prática tem provocado à teoria constitucional que a presente
monografia pretende analisar.
Marc Ancel84 destaca que o Direito Constitucional Comparado:
(...) possibilita ao estudante novas aberturas, fazendo-lhe conhecer outras regras e
sistemas diferentes dos seus. Ele permite ao jurista um melhor conhecimento e uma
melhor compreensão do seu direito, cujas características particulares se evidenciam,
muito mais, através de uma comparação com o estrangeiro. Ele enriquece a bagagem
do jurista, até mesmo o mais graduado, pois ele lhe fornece as perspectivas, as
idéias, os argumentos que o simples conhecimento de seu próprio direito não lhe
permitiria.

Para José Afonso da Silva, uma das funções primordiais do Direito Constitucional
Comparado consiste em oferecer conclusões que concorram para o aprimoramento das
instituições estatais particulares.85
Neste diapasão, as cortes de justiça têm se valido de elementos do direito comparado
através do “diálogo” com outras Cortes para melhor compreender a realidade nacional, essa
função ganha mais força, em se tratando de cortes internacionais e de direitos humanos, a fim
de dispor de subsídios e critérios para o controle das decisões. Para isto, o intérprete vale-se,
essencialmente, das cláusulas de abertura material da Constituição (e.g. art. 5º, § 2º da
Constituição da República Federativa do Brasil/88).

83
DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Introdución al derecho constitucional comparado: las “formas de Estado” y
las “formas de gobierno”, las constituciones modernas. México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p.80-81;
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p.115.
84
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 17-18.
85
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Congreso Internacional
de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados. UNAM, Ciudad del México, 30 ene. 2004. Disponível em:
<http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/docs_bd/pub%20otras%20entidades/iij%20unam/ mesa10/262s.pdf>. Acesso
em: 13 mar. 2005. p.01.
30

2.1.1 Método ou ciência comparativa

Com efeito, José Afonso da Silva ressalta que há uma larga controvérsia sobre a
natureza da comparação jurídica. A discussão gira em torno da questão de o Direito
Constitucional Comparado ser considerado uma disciplina científica autônoma ou ser somente
um método.
Para alguns, a comparação jurídica é um simples método que representa uma técnica
especial de estudo dos diversos ordenamentos constitucionais, e não caracteriza uma ciência
porque não preenche nenhuma das condições que esta deve preencher; assim a expressão
Direito Constitucional Comparado seria inadequada porque sugere o entendimento de
designar um corpo de normas jurídicas, como se fosse um ramo da ciência jurídica.86
J. A. da Silva traz a baila o entendimento de De Vergottini que defende ser o Direito
Constitucional Comparado uma ciência jurídica autônoma; este observa que embora o Direito
Constitucional Comparado não seja direito positivo ele vem a interessar precisos campos de
pesquisa e responde a específicas finalidades e, pois, responde a regras que são próprias
somente dele e não de outras disciplinas científicas.87
Por outro lado, José Afonso da Silva defende o posicionamento de que o Direito
Comparado é um método de estudos jurídicos de vários ordenamentos constitucionais
estrangeiros em confronto metódico. Não é uma ciência jurídica em sentido técnico, porque
não é um ramo da ciência jurídica, como Direito Constitucional, o Direito Administrativo etc.
O Direito Constitucional Comparado não é, para Silva, parte do direito positivo, pois não
elabora regras de conduta humana, e, se há alguma regra, ela tem apenas a natureza de modo
de conduzir-se no método comparativo.88
Infere-se, portanto, do acima exposto, que a doutrina está longe de chegar a um
posicionamento pacífico sobre o assunto, subsistem outras posições comparativistas que
concebem a comparação jurídica como uma disciplina autônoma, porém com diferentes
enfoques.
Ivo Dantas89, por sua vez, entende o Direito Comparado como estudo científico. Para
ele:
Mesmo que um grande número de estudiosos entenda que o Direito comparado é,
simplesmente, método – o método comparativo aplicado às ciências jurídicas –

86
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.02-03.
87
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.03.
88
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.30.
89
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 56.
31

assim não pensamos, inclusive porque, conforme raciocínio de QUIRINO RIBEIRO


aplicado à Educação Comparada, “o fato de a disciplina se utilizar, obrigatoriamente,
do método comparativo não a reduz a este, até porque a comparação é o ato final de
um estudo comparativo. Antes de alcançá-lo deve, o comparatista, coletar e
interpretar fatos e, para tanto, utilizar-se-á de outros métodos, advindos de outros
campos científicos”.

Deste modo, segundo Dantas, não se pode reduzir o Direito Comparado a simples
método, que ficaria restrito a indicar características dos sistemas jurídicos pesquisados. O
método é apenas o caminho a ser seguido.90
Marc Ancel91 também critica a doutrina recente que considerara a comparação jurídica
apenas como um método e a rebate:
Os defensores do novo estilo propõem exigências prévias à utilização do método
comparativo, sem dúvida necessárias, mas exigências que reclamam uma
especialização do pesquisador e uma especificidade da pesquisa, de início dirigida ao
conhecimento exato dos sistemas estrangeiros. Não se trata, por acaso, de fazer
reaparecer esse direito comparado e esse comparativista que se pretendia banir?

Prossegue Marc Ancel92:


Um dos argumentos principais desta teoria crítica é, sabe-se, que o direito
comparado não tem um objeto próprio, como o têm os diferentes ramos do direito; o
método comparativo se aplica às matérias que afirmam, pertencem, na verdade, a um
outro ramo do direito. (...). Se este aspecto e este conteúdo não são facilmente
definidos e isolados é porque, como observa Jerome Hall, o direito comparado
apresenta ele mesmo aspectos múltiplos; pois o processo abrange desde a simples
citação de um código ou de uma decisão estrangeira até as vastas construções de
síntese como as de Sir Henry Summer Maine.

Do mesmo modo, Ivo Dantas93 cita o argumento de Carlos Ferreira de Almeida para
quem o direito comparado dispõe de um objeto diferente do objeto das demais disciplinas
jurídicas, qual seja a pluralidade de ordens jurídicas e que possui um método específico que é
o método comparativo. Ivo Dantas traça um terceiro elemento caracterizador do Direito
Comparado como Ciência: a sua autonomia doutrinária e didática.94
Diferente não é o posicionamento de Biscaretti Di Ruffia95 quanto à natureza da
comparação jurídica, vez que a compreende como:
Es uma de las ciencias jurídicas cuyo objeto es el estudio profundo de los
ordenamientos constitucionales de los estados (...) que se dirige a través del llamado
método comparativo, a cotejar entre sí las normas e instituciones consagradas en los
diversos ordenamientos estatales, tanto del presente como del pasado, com el

90
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 57.
91
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 49.
92
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 49-50.
93
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 58.
94
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 59.
95
DI RUFFIA, P.B. Introdución al derecho constitucional comparado: las “formas de Estado” y las
“formas de gobierno”, las cons tituciones modernas, p.79.
32

propósito de poner en evidencia, además de las características más significativas, sus


notas similares o diferenciales, y alcanzar por esta vía la determinación posterior de
principios y reglas que encuentren una efectiva aplicación en tales ordenamientos. Es
precisamente la última fase de construcción y elaboración doctrinal la que permite
transformar lo que primera vista aparece como un estricto método de investigación
em una verdadera y propia ciencia jurídica autónoma. [grifo no original].

Vale ressaltar, entretanto, o entendimento de José Afonso da Silva, no que diz respeito
a esta discussão, quando este aduz que “esta controvérsia, não tem senão in teresse acadêmico,
e é estéril, porque sua solução, qualquer que seja, não traz nenhuma conseqüência prática
96
(...)”.
Sabe-se, portanto, que a discussão em torno da autonomia científica da ciência
comparativa não é unívoca, assumindo diferentes posições de acordo com os autores e com as
funções exercidas por esta perante o Direito, mas pode-se dizer com segurança que é esta uma
discussão estéril para os objetivos aqui pretendidos.

2.1.2 Micro e macro-comparação

Quanto à abordagem, a comparação pode ser classificada em micro ou macro-


comparação. O objeto da micro-comparação é obter e acumular observações parciais de
partículas ou microelementos que formam as ordens jurídicas; consiste, portanto, na
comparação de institutos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados parciais e
fragmentados. Já a macro-comparação tem como objeto o estudo de dois ou mais sistemas
jurídicos, enquanto entidades globais, ou seja, pesquisa as estruturas fundamentais desses
ordenamentos.97
Assim, pode-se dizer que a macro-comparação constitucional só se realiza com
profundidade, em termos tipicamente comparativos, quando tem como objeto a pesquisa das
estruturas fundamentais dos ordenamentos constitucionais considerados por via da seleção,
ordenação e classificação dos resultados parciais obtidos pela micro-comparação
constitucional. “Os comparatistas constitucionais operam desse modo, selecionando os
ordenamentos constitucionais a serem comparados, agrupando-os em sistemas, destacando no
interior dele as instituições e institutos sobre os quais recai o processo comparativo.” 98

96
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.02.
97
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.04.
98
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.06.
33

Nesse sentido, José A. da Silva99 destaca que há uma corrente, para a qual o Direito
Comparado é ao mesmo tempo, método e ciência, cada qual com o seu objeto:
1) o método comparativo realiza a micro-comparação, consistente na aproximação
comparativa de ordenamentos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados
parciais e fragmentários, desordenados; seu objeto é assim obter e acumular
observações parciais;

2) a ciência do Direito Comparado faz macro-comparação, ou seja, confronta e


penetra nas ordens jurídicas enquanto entidades globais, e sistemas jurídicos,
enquanto unidades tipológicas irredutíveis, englobando vários ordenamentos
jurídicos. Seu objeto de pesquisa são as estruturas fundamentais desses
ordenamentos. Consiste em selecionar, ordenar e classificar os resultados parciais
obtidos pelo método comparativo, permitindo amealhar conhecimentos novos num
domínio inexplorado.

2.1.3 Elementos característicos do método comparativo

Quanto aos elementos caracterizadores do método comparativo, José Afonso da


Silva100 assinala:
A comparação jurídico-constitucional é um processo complexo que envolve
múltiplos elementos técnicos e procedimentais. Compreende uma série de passos
enquadrados numa ordenação sistemática e racional. Isso quer dizer que o mero
confronto de normas e instituições do direito constitucional estrangeiro não
caracteriza, só por si, Direito Constitucional Comparado. (...) O Direito
Constitucional Comparado requer mais do que a evidência de semelhanças.

Para tal existem inúmeras técnicas, José Afonso da Silva101 vale-se da teoria
desenvolvida por Constantinesco, que é aceita pela maioria dos comparativistas, para explanar
acerca da técnica102 mais utilizada para a comparação em geral:
O método do Direito Constitucional Comparado, como de qualquer outro ramo do
direito comparado, “consiste em conduzir um estudo comparativo por três fases
sucessivas”, que a doutrina chama de regra dos três “C”, que são: Conhecer,
Compreender e Comparar. As três fases devem desenvolver-se na ordem indicada,
porque são solidárias e complementares, cada uma delas constitui a preparação
necessária e etapa preliminar da fase seguinte.

Some-se a este, o entendimento de Dantas de que o Direito Comparado deve verificar


a realidade dos sistemas jurídicos em seu conjunto e ter presente além da legislação, a
jurisprudência, o conhecimento do meio social, a prática contratual, a tendência da técnica

99
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.04-05.
100
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.05.
101
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.11.
102
Cabe ressaltar que este é apenas um método, talvez um dos mais reproduzidos por outros comparativistas, e
que a comparação jurídica pode dar-se, através de outros métodos.
34

jurídica. O direito, ainda nos países de direito escrito como o Brasil, onde sua fonte primordial
está na lei, não se limita a esta.103 Esta contextualização, assinalada por Dantas, é igualmente
defendida por Constantinesco e pode ser verificada na fase do ‘Compreender’. A fase do
compreender talvez seja a mais importante. Neste sentido, Ivo Dantas104 alerta:
(...) todo o direito estrangeiro que se toma por matéria de estudo – deve constituir o
objeto de uma apreensão global; em segundo lugar, tratando-se desta feita de
sistemas diferenciados, deve constituir o objeto de uma análise particular (...) Esta
compreensão global do sistema, em seus dados históricos e nas suas condições sócio-
econômicas de aplicação, torna-se, destarte, a condição primeira para uma utilização
verdadeiramente científica do método comparado.

Seguindo a linha de raciocínio da grande maioria dos autores, José Afonso da Silva105
traz os seguintes problemas metodológicos relacionados às técnicas comparativistas
freqüentemente utilizadas:

2.1.3.1 Escolha do ordenamento a comparar

Número e escolha dos ordenamentos constitucionais a comparar e, dentro deles, a


escolha dos termos a comparar. Nesta etapa os comparativistas devem selecionar os
ordenamentos a serem cotejados, agrupá-los em sistemas e, por fim, destacar no interior deles
as instituições e institutos sobre os quais é que recai o processo comparativo.

2.1.3.2 Comparabilidade

Constitui pressuposto básico da comparação jurídico-constitucional, porque, sem ela,


esta não tem cabimento. A comparabilidade se fundamenta na existência de elementos
comuns, relativamente às instituições, às funções e aos resultados pertencentes aos
ordenamentos objetos da comparação.

2.1.3.3 Modo de conhecimento do objeto a comparar

Com efeito, a comparação jurídica exige conhecimento direto do direito estrangeiro:


suas normas, sua jurisprudência e seu funcionamento na prática, porém, não se pode excluir

103
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 29.
104
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 69.
105
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.06.
35

meios auxiliares indiretos, como pessoas, equipes de pesquisa, ou traduções autorizadas que
supram deficiências lingüísticas, quando se quer fazer comparação constitucional de povos de
língua menos difundida.

2.1.3.4 Definição dos contextos a comparar

Há que se buscar, no contexto, os elementos que completem e esclareçam o sentido de


cada norma e instituto. Ressalta-se a importância do contexto na compreensão das normas
constitucionais. Assim, a obra do comparativista só terá êxito, se este levar em conta os
diversos contextos em que se situam os ordenamentos em comparação, caso contrário os
resultados poderão apresentar-se deturpados.
Dessa forma, observa-se que os principais problemas práticos existentes quando da
utilização do Direito Constitucional Comparado trazidos pela doutrina são: a dificuldade de
compreender a lei estrangeira, a tendência dos responsáveis pelas decisões fazerem análise de
casos fora de seu contexto social e cultural, a dificuldade em determinar os efeitos das leis no
exterior, e os problemas de transferir tal experiência para o sistema doméstico.

2.2 ABORDAGEM FEITA PELA DOUTRINA ESTRANGEIRA SOBRE A


UTILIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSTITUCIONAL

Aqui, se faz necessário trazer a mudança de enfoque presente na literatura


especializada sobre o tema (utilização pelas cortes de elementos do direito comparado). No
primeiro momento, é feita uma abordagem “tradicional” sobre o problema da comparação
jurídica (em especial, a comparação constitucional), a partir da qual é apresentado o debate em
torno do método comparativo (e a ciência comparativa) e dos desafios ínsitos a toda pretensão
de comparação jurídica. No segundo momento, busca-se compreender de que forma os
tribunais vêm recorrendo, no processo de argumentação judicial, a elementos não-nacionais
para definir o conteúdo e o alcance de suas próprias cláusulas constitucionais.
36

2.2.1 Critérios utilizados para justificar a utilização do direito constitucional


comparado pela jurisdição constitucional

Inúmeros são os fatores que têm contribuído para que o recurso ao direito
constitucional comparado seja, cada vez mais, explorado pelas cortes de justiça. Para legitimar
esse “diálogo” com outras Cortes, os togados, valem -se, principalmente, das cláusulas de
abertura material da Constituição e justificam o seu uso para o enriquecimento e melhor
compreensão dos fundamentos do direito pátrio, principalmente no que tange à interpretação
dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o direito constitucional comparado proporcionaria
uma visão diferenciada e revolucionária do direito interno.

2.2.2 Classificação do uso de elementos não-nacionais pela jurisdição constitucional

São inúmeras as tentativas de categorizar os usos do direito constitucional comparado


pelas cortes. Embora a maioria dos autores sustente que existem três técnicas diferentes, os
mesmos divergem quando à tipologia.
Dentre as inúmeras abordagens existentes, pretende-se, aqui, apresentar aquelas de
maior influência nos estudos comparatísticos (Mark Tushnet e Sujit Choudhry) e que
forneçam subsídios à identificação da ligação entre a experiência estrangeira utilizada pela
corte e as estratégias de argumentação por ela empregada para justificar o seu uso e os
resultados obtidos (Taavi Annus).
Mark Tushnet106 descreve a forma/modo que o recurso às experiências estrangeiras, no
processo de adjudicação constitucional, é empregado pelas Cortes (a forma como se dá sua
aproximação ao direito estrangeiro) e ressalta que este é utilizado, sobretudo, quando há uma
insatisfação por parte do magistrado. Para este autor, a Corte pode aproximar-se dos
elementos normativos não-nacionais, de três maneiras, quais sejam: funcionalista,
expressivista e bricolage.
A aproximação funcionalista (functionalist approach) é aquela na qual o direito
comparado é empregado levando em conta as similitudes entre os institutos dos países em

106
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law. Durham, North Caroline, US, Duke
University, v. 14, p. 301-349, Fall 2004. Disponível em:
<http://www.law.duke.edu/journals/djcil/articles/djcil14p301.htm>. Acesso em: 13 dez. 2006. p. 05.
37

cotejo. Nas palavras de Bastos Jr.107 “A abordagem funcionalista ocupa-se em identificar


equivalentes funcionais que forneçam luzes (soluções melhores) aos problemas suscitados no
direito nacional”.
Por outro lado, a aproximação expressivista (expressivist approach) é aquela utilizada
para rechaçar um entendimento ou argumento, tendo em vista as diferenças existentes entre os
países em cotejo. Assim, pode ocorrer de as cortes discutirem casos estrangeiros apenas para
mais tarde admitirem que a decisão da corte estrangeira era inaplicável ao caso devido às
circunstâncias legais, sociais, ou econômicas diferentes entre os países em comparação. Nesta
prática, ao valer-se do direito comparado para rechaçar um entendimento alienígena, a Corte
acaba por reforçar sua própria identidade nacional e, assim, aprimorar a auto-compreensão de
seus valores internos.
Já a prática do bricolage é aquela através da qual o intérprete recorre à experiências
estrangeiras de maneira aleatória, sem realizar uma avaliação acerca das diferenças ou
similitudes existentes entre os países em cotejo. O magistrado utiliza-se de diversas decisões,
de diferentes Cortes, como auxílio para o processo de tomada de decisão. Para Tushnet, o
bricolage nada mais seria do que uma prática natural freqüentemente utilizada de maneira
inconsciente.
A classificação de Sujit Choudhry108, por sua vez, traz à baila os argumentos utilizados
pelas Cortes para justificar o emprego do Direito Constitucional Comparado na solução de
conflitos internos. Estes podem ser divididos em três: universalista, genealógico e dialógico.
A interpretação universalista pressupõe que os princípios constitucionais estejam
baseados em normas universais similares em diferentes realidades constitucionais. A
utilização desta abordagem confere um nível de poder (autoridade) à Corte, ou seja, a
experiência estrangeira trazida possui um grau de persuasão considerável para o desfecho da
decisão final.
Por outro lado, a interpretação genealógica enfatiza as raízes históricas similares das
constituições dos países em cotejo. Esta abordagem também é dotada de um certo grau de
influência (poder/autoridade) em relação à decisão final da Corte.
A interpretação dialógica, por sua vez, foca em aproveitar da jurisprudência estrangeira
os pontos positivos e rechaçar os negativos (sempre fundamentando a sua aplicabilidade ou

107
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 14.
108
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 04.
38

rechaço), portanto decorreria “de um processo de auto -reflexão interpretativa em face do qual
os juízes inclinam-se pela conveniência da comparação quando identificam similitude entre os
pressupostos domésticos e não-nacionais.” 109
Para Choudhry, esta última abordagem seria mais vantajosa frente às demais, pois ela
reflete uma situação de independência do magistrado em relação ao elemento normativo não-
nacional, ou seja, as cortes não se sentem vinculadas à experiência externa. Desta forma, a
corte recorre ao direito comparado sem ensejar uma “internacionalização de sua cultura
constitucional doméstica”.

2.2.3 Direito comparado como estratégia de argumentação

Taavi Annus classifica o uso do direito comparado em duas categorias: uso brando
(soft use) e uso ostensivo (hard use)110, levando em conta o peso atribuído à experiência
estrangeira no processo de adjudicação constitucional.
O uso brando (soft use), que é utilizado mais freqüentemente, consiste em utilizar o
direito comparado sem confiar nesta experiência para alcançar a decisão final, ou seja, a corte
utiliza a experiência estrangeira apenas como uma fonte de inspiração e elucidativa. Assim,
geralmente este uso envolve exemplos onde uma corte referencia materiais estrangeiros mas
não considera que estes possuam um peso crucial para a decisão final. O “soft use” permite à
corte tornar aceitável uma decisão aos olhos do público ou de instituições políticas, dando a
aparência desta ter sido baseada em considerações legais, mesmo quando a decisão foi
motivada realmente por interesses políticos. Cabe assinalar que as fontes utilizadas no uso
brando (soft use) são quase que exclusivamente de casos constitucionais.111
As cortes podem considerar que a decisão de uma corte estrangeira é persuasiva e
então reproduzirem um raciocínio similar sem que isto signifique que a experiência
estrangeira represente uma autoridade dotada vinculatividade. Para Taavi Annus, a corte não

109
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 15.
110
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p.05.
111
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05-08.
39

procura decisões de cortes estrangeiras, procura sim argumentos que a auxiliem a chegar a
uma resposta adequada.112
O uso ostensivo (hard use), por sua vez, contribui diretamente para o desfecho do
caso, confere um grau de legitimidade bastante elevado, afigurando-se como um argumento
central à corte. Assim, a omissão da referência a estes materiais reduziria o peso do argumento
final da decisão.113
As cortes, desta forma, recorrem ao direito comparado para duas finalidades: a)
auxiliar no julgamento de direitos com diferentes valores constitucionais (judicial
balancing)114; e, b) auxiliar a elaboração de observações empíricas sobre as conseqüências de
uma decisão judicial em determinado país (empirical arguments).115
Nesse sentido, o raciocínio utilizado pela corte pode ser normativo (normative
reasoning) ou empírico (empirical reasoning). Aquele contribui para fornecer critérios de
interpretação verificando o conteúdo da norma ou expressão em outros países116, enquanto
este busca verificar o impacto que tal decisão teve em determinado país para verificar a
possibilidade desta ser aplicada no direito interno.117
Taavi Annus reconhece que o recurso à comparação jurídica consiste em uma
estratégia de argumentação, visto que os elementos não-nacionais são utilizados
seletivamente. Nesse diapasão, pode constatar-se que o uso de precedentes estrangeiros
geralmente é um uso estratégico, no qual as cortes omitem precedentes que não se coadunam
com o posicionamento por elas adotado.118
No entanto, em que pese haja a identificação de uma efetiva aproximação e de
intensificação do diálogo entre as cortes e entre diferentes experiências constitucionais, pode-

112
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 09.
113
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05.
114
Embora seja freqüentemente criticada, a maioria das cortes constitucionais admite explicitamente esta prática
que consiste balancear os diferentes valores constitucionais.
115
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05-06.
116
Como, por exemplo, verificar o alcance do termo “racismo” em outros países para ajudar a determinar o
significado da expressão no direito interno.
117
Nesse raciocínio busca-se comparar as experiências concretas de outros países (dados estatísticos,
conseqüências (impacto) na economia e nos arranjos políticos de determinadas decisões judiciais ou de leis
específicas).
118
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 10.
40

se facilmente encontrar inúmeras espécies de objeções e resistências à utilização desta


estratégia de argumentação119:
Estas abordagens trazem principalmente os riscos concernentes aos abusos na
utilização do recurso ao Direito Constitucional Comparado, destacando diferentes
aspectos: (a) a dificuldade (impossibilidade) de controle de racionalidade das
decisões; (b) o risco de realização de importações descuidadas e descontextualizadas
(Osiatynski, 2003), ou mesmo já superadas por outras decisões da corte mais
recentes (Saunders, 2006); e, (c) os desafios conectados à própria metodologia
comparada (identificação funcional dos elementos a serem comparados, a diferença
de linguagem e da impossibilidade de exata compreensão do sentido e do alcance da
experiência a ser comparada).120

Ressalta-se que, enquanto a maioria dos autores se limita a classificar o uso do direito
comparado, poucos dirigem-se realmente à problemática no que tange à sua legitimidade. Isso
é surpreendente, principalmente se considerarmos que o recurso ao direito comparado no
processo decisório é expressamente rejeitado por algumas cortes constitucionais.121
Talvez a discussão mais comum no tocante à legitimação do emprego do Direito
Constitucional Comparado122 foque no caráter universal de algumas normas constitucionais
(conforme já mencionado alhures), particularmente nas questões ligadas aos direitos humanos.
Discute-se que as cortes devem olhar práticas estrangeiras porque tais práticas refletem
freqüentemente normas de caráter universal. Por exemplo, o caráter universal de normas dos
direitos humanos é discutido para exigir uma aplicação universal destes direitos.123
Por outro lado, pode-se citar dois principais argumentos utilizados por aqueles que
rejeitam o recurso ao direito comparado: a) em razão da necessidade de preservação da
identidade nacional e do caráter integrador que a constituição desempenha em uma sociedade
tão marcada pelo pluralismo; b) por entender que uma autêntica identidade nacional só pode
ser criada a partir do desenvolvimento de formas autóctones de auto-compreensão da
constituição e das formas jurídicas.124

119
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 05.
120
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 07.
121
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04.
122
Para Taavi Annus, quando as cortes limitam a discussão de casos estrangeiros a um papel de guia, que seja
útil no processo de tomada de decisão (soft use), as questões de legitimidade não aparecem.
123
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04-05.
124
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 06.
41

Bastos Jr.125 adota um posicionamento divergente e defende o uso do direito


comparado assegurando que:
A abertura da constituição a este diálogo com outras experiências constitucionais,
não ignora a existência da cultura política própria de cada país, não implica em
importação acrítica de instituições e de modelos jurídicos estrangeiros, nem significa
uma negação da própria idéia de soberania constitucional, pelo contrário, exige que a
própria prática constitucional sujeite-se, constantemente, a mecanismos de auto-
reflexão e ampliação de sua função garantidora da dignidade humana e da
democracia.

Por fim, pode ser identificado um conjunto de críticas no que tange ao uso de materiais
não-nacionais. Para estes autores – que criticam o recurso ao direito constitucional comparado
- comumente as cortes valem-se de práticas de outras jurisdições como forma de legitimar as
soluções já adotadas.126
As abordagens aqui expostas identificam-se, em certa medida, com as questões
travadas no que tange ao direito constitucional comparado. Mas esta diversidade de
classificações do uso do direito comparado ilustra que não existe ainda uma aproximação mais
sistemática a este tópico. Certamente, análises de autores diferentes se sobrepõem, entretanto,
nenhuma destas classificações pode ser tida como completa ou exaustiva.127

125
BASTOS JR, L. M. P. Redimensionamento da utilização do direito constitucional comparado pela
interpretação constitucional. In: LOIS, C; BASTOS JR, L.M.; BASILONE, R. (Orgs.). A constituição como
espelho da Realidade. São Paulo: LTr, 2006. p. 80-100. p. 15.
126
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 06.
127
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04.
42

3 USO DO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO PELO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL: ANÁLISE DO CASO ELLWANGER

A partir da classificação e das abordagens discutidas no capítulo anterior, pretende-se


demonstrar exemplificativamente: (a) de que forma o recurso ao direito comparado vem sendo
utilizado pelo STF para “melhorar” a aplicação do direito constitucional interno; e (b) em que
circunstâncias esta estratégia argumentativa sofre resistências ou restrições de uso. Para tanto,
dentre os inúmeros casos que expressamente se valeram de extratos do direito comparado
como estratégia de persuasão dos fundamentos da decisão da corte128, optou-se por utilizar o
emblemático caso sobre a imprescritibilidade do crime de racismo, o caso Ellwanger (HC
82424 – RS), uma vez que fornece diferentes elementos e argumentos em torno do emprego
do direito comparado no estudo da compreensão do direito constitucional interno.

3.1 BREVE DESCRIÇÃO DO CASO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor do Sr. Siegfried Ellwanger Castan


contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que, por maioria dos votos, manteve a decisão
da Câmara Criminal do TJRS129, que condenou o paciente pelo crime de racismo, à pena de
dois anos de reclusão, por ter publicado e editado obras literárias que veiculavam conteúdo
anti-semita130.
A discussão travada no Supremo Tribunal Federal gravitou em torno de duas questões
centrais: (a) se o “racismo” a que alude o inciso XLII do art. 5º da CRFB/88 131 (reforçado pela
cláusula de imprescritibilidade) incluiria a vedação à prática de atos de anti-semitismo; e, (b)
se a edição de livros (“Holocausto Judeu ou Alemão? nos bastidores da mentira do século”, de
autoria sua; “O Judeu Internacional”, de Henry Ford; “A história Secreta do Brasil”, “Brasil

128
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. º 3289-DF, j. 05-05-2005, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes; Argüição de descumprimento de preceito fundamental n.º 33-PA, j. 07-12-2005, Tribunal Pleno, rel.
Min. Gilmar Mendes; Agravo de Instrumento n.º 529.694-RS, j. 15-02-2005, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar
Mendes; Mandado de Segurança n.º 24.268-MG, j. 05-02-2004, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie.
129
TJRS, Apelação Crime n.º 695130484, rel. Fernando Mottola, j. 31/10/1996 e STJ, 5 ª T., Ag 149673, Rel.
Min. GILSON DIPP, J. 14/12/1998.
130
Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado em favor de condenado como incurso no art. 20 da Lei n.º
7.716/89 (com as alterações dadas pela Lei n.º 8.081/90), tendo em vista a prática do delito de discriminação
contra os judeus, por ter, na qualidade de escritor e sócio de editora, publicado, distribuído e vendido ao público
obras anti-semitas, delito este ao qual foi atribuída a imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da CRFB/88.
131
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/88. “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei; (...)”.
43

Colônia de Banqueiros” e “Os protocolos dos Sábios de Sião”, de autoria de Gustavo Barroso;
“Hitler – Culpado ou Inocente”, de Sérgio Oliveira; e “Os conquistadores do mundo – os
verdadeiros criminosos de guerra”, de Louis Marchalko”) constituiria fato típico subsumido
no tipo penal “racismo”, ou seja, incorreria na prática de atos anti -semitas. Questões que
foram respondidas afirmativamente pelo STF, nos termos a serem apresentados nos próximos
itens.132

3.2 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS CENTRAIS DA DECISÃO

3.2.1 Sobre a caracterização do anti-semitismo como crime de racismo

Ao enfrentar o debate em torno da caracterização ou não do anti-semitismo como


crime de racismo, o acórdão reconhece: que o racismo é antes de tudo uma realidade social e
política que decorre da intolerância dos homens, sem nenhuma referência ao conceito
biológico ou científico do termo “raça” (Min. Maurício Corrêa, fls. 560/588) 133; que a norma
infra-constitucional previu, dentre o leque de abrangência do crime de racismo, não só a
prática de atos discriminatórios relativos à raça e a cor, mas estendeu a proteção à religião, à
etnia ou à procedência nacional134 (fl. 530) e, de maneira mais abrangente, que o dispositivo
constitucional (art.5º, inc. XLII) exige uma interpretação teleológica e que integre as normas
internacionais e os dispositivos infra-constitucionais que regulam a questão, tendo em vista a
proteção dos direitos humanos e da dignidade humana (Min. Maurício Corrêa, fls. 577/581).
Dentre os votos dos Ministros apenas no voto do Min. Moreira Alves verifica-se
objeção contra o primeiro argumento, qual seja, de que o racismo não está fundado na
demonstração de diferenças biológicas entre raças, mas na caracterização cultural e
historicamente determinada da existência de grupos identificados a partir de elementos
arbitrários (etnia, fenótipo, etc.), que se apresentam em uma relação de fragilidade e

132
VERGANI, Andrea; BASTOS JR, Luiz. Utilização de elementos do direito comparado pela jurisdição
constitucional: o caso Ellwanger. In: SILVA, Everton (Org). Produção científica do CEJURPS. Itajaí: Univali,
2007. no prelo. p. 03.
133
Desta forma, afasta o argumento levantado pelo impetrante de que os judeus não podem ser identificados
como uma “raça própria”, argumento este embasado em divers os autores judeus que não se reconhecem como
raça, mas como povo, dotado de uma história e de uma cultura que os distingue e os identifica de outros
grupamentos humanos.
134
Antes, a Lei n.º 7716/89 restringia-se a definir como prática do racismo condutas de discriminação pertinentes
à raça e a cor. Posteriormente, com o advento da Lei n.º 8081/90, a prática do racismo contempla a discriminação
alusiva não só à raça e a cor, como também à religião, etnia ou procedência nacional, valendo-se dos meios de
comunicação social, ou por publicação de qualquer natureza.
44

desigualdade de condições na sociedade, como se depreende dos seguintes trechos transcritos


da decisão:
(...) embora hoje não se reconheça mais, sob o prisma científico, qualquer subdivisão
da raça humana, é cediço que o racismo persiste enquanto fenômeno social originado
da intolerância dos homens, e isto é que deve ser considerado na aplicação do direito.
(Min. Maurício Corrêa, fl. 568).

(...) amplio o conceito de racismo para alcançar, também, no caso, a realidade dos
judeus. Todavia, lendo o livro do paciente, da primeira à última edição, e lendo
outros livros mencionados na denúncia, cheguei à conclusão de que não houve
racismo. (Min. Carlos Britto, fl. 977).

Assim não vejo como se atribuir ao texto constitucional significado diverso, isto é,
que o conceito jurídico de racismo não se divorcia do conceito histórico, sociológico
e cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-
semitismo. (Min. Gilmar Mendes, fl. 649)

Contra este argumento, insurge-se o Ministro Moreira Alves:

Não sendo, pois, os judeus uma raça, não se pode qualificar o crime por
discriminação pelo qual foi condenado o ora paciente como delito de racismo, e
assim, imprescritível a pretensão punitiva do Estado. (Min. Moreira Alves, fl. 544).

Por isso, interpretei o texto constitucional a respeito restritivamente dando ênfase ao


seu elemento histórico a traduzir o que pretendeu o constituinte alcançar com ele,
num país, como o nosso, em que nunca, por questão racial, houve perseguição ou
atrocidades do tipo do holocausto na Alemanha nazista. (Min. Moreira Alves, fl.
611).

Tudo isso, e especialmente, a aberração que é a imprescritibilidade em matéria penal,


me levou a dar ao texto constitucional referente à prática do racismo como crime
uma interpretação estrita a que se chegasse com fundamento jurídico, e não como
base na controvérsia que há sobre o conceito de racismo com base em aspectos
antropológicos, sociológicos ou científicos, estes de conhecimento recentíssimo e
posterior à CF de 1988 e ao crime por que foi condenado o ora paciente como sendo
de racismo. (Min. Moreira Alves, fl. 599).

Assim, o Min. Moreira Alves (fls. 599/603/605) reconhece que, em razão da


intensidade do gravame imposto pela Constituição (imprescritibilidade do crime) e da
ausência de histórico de casos anti-semitas no Brasil, este dispositivo deveria ter sua
abrangência reduzida ao máximo, sob pena de violação às liberdades civis e ao princípio da
segurança jurídica.135
Todavia, sem rechaçar exatamente o fundamento de que o racismo é uma realidade
social, os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, sob fundamentos distintos, também
emprestaram a este dispositivo interpretação restritiva. O primeiro (Min. Carlos Britto

135
Para o magistrado, a hipótese constitucional de imprescritibilidade tanto deve ser entendida de forma residual
que sequer alcança os crimes hediondos, por opção do constituinte.
45

fls.803/813) propugna a necessidade de se interpretar os dispositivos constitucionais a partir


de uma estrutura lingüística o mais próximo do sentido corrente, razão pela qual, para ele, o
apelo semântico do texto constitucional não se coadunaria com a conduta do paciente.
Enquanto que para o segundo (Marco Aurélio, fls. 893), o alcance da expressão racismo deve
ser definido exclusivamente a partir da realidade cultural nacional; o magistrado invoca as
origens desta cláusula na experiência constitucional brasileira, para quem, a mesma resultou
da flagrante disparidade de oportunidades e da existência de estigmas sociais entre brancos, de
um lado, e de negros e indígenas, de outro, não havendo nenhum histórico nacional de práticas
anti-semitas (argumento este igualmente defendido por Moreira Alves, fl. 611).
O segundo aspecto, a referência à legislação infraconstitucional como parâmetro para a
interpretação do alcance do texto constitucional, foi sustentado nos seguintes termos:
Registro que após a promulgação da Constituição Federal cuidou o legislador
ordinário de disciplinar o tema, ao editar a Lei 7.716/89, que definiu “os crimes
resultantes de raça ou de cor”. Explicitamente estabeleceu o alcance de raça não
limitada à cor da pele. A simples alusão à raça, considerada, como deve ser, uma
realidade sócio-política, já exibe suficiente base jurídico-constitucional para incluir o
anti-semitismo na extensão de seu verdadeiro conceito. Ainda assim, a Lei 8081/90
fez incluir expressamente a vedação ao preconceito de etnia, de religião e de
precedência nacional, aproximando a norma ordinária aos preceitos conformadores
da Constituição e às convenções internacionais sobre o tema. (Min. Maurício Corrêa
fl. 588).

Contra esta assertiva insurge-se o Min. Carlos Britto. Esta objeção, todavia, não se
dirige exatamente a este recurso hermenêutico (referência à legislação infraconstitucional para
integrar o sentido normativo da constituição), mas às circunstâncias fáticas apresentadas do
caso. Para o magistrado, a ampliação da abrangência do crime de racismo ocorreu em razão do
advento da Lei n. 8.081/90, como a lei foi editada posteriormente à publicação dos livros pelo
editor (ocorridos em 1989 e em 1990136), ilegítima seria, pois, o recurso à norma
referenciada.137
Por fim, o argumento de que a inclusão do anti-semitismo, no âmbito de abrangência
do racismo, encontra respaldo no direito comparado e no direito internacional foi
expressamente sustentado pelos diferentes Ministros (Maurício Corrêa, fl. 581; Celso de
Mello, fls. 619/930; Gilmar Mendes, fls. 646). Destaca-se, dentre os votos analisados, o

136
Como não há prova nos autos sobre a data exata em que se deu a publicação dos livros durante o ano de 1990,
aplica o magistrado a máxima in dúbio pro reo, em favor do impetrante (Carlos Britto, fls. 791/795).
137
Conclusão esta, sob o ponto de vista dos autores, por si só, coerente com o sistema de garantias previsto na
constituição. Razão pela qual se entende ser muito frágil o argumento de que o resultado da interpretação
resultou de integração da norma constitucional pela legislação interna.
46

posicionamento do Min. Celso de Mello que, acolhendo a tese apresentada pelo Prof. Celso
Lafer138, em parecer extensamente citado pelos togados139, sustenta:
(...) ser necessário levar em conta o compromisso que o Brasil assumiu ao
subscrever a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, cabendo ao
intérprete extrair, das declarações internacionais e das proclamações constitucionais
de direitos, a sua máxima eficácia, sobretudo na proteção aos direitos fundamentais
(fl. 620).

Concluindo, adiante, que “em matéria de direitos humanos, a interpretação jurídica


deve considerar, necessariamente, as regras e cláusulas do direito interno e do direito
internacional” (fl. 634). Corroborando as referências, o Min. Maurício Corrêa sentencia que,
segundo os tratados internacionais subscritos pelo país, “o racismo alcança de forma taxativa a
discriminação contra os judeus” (fl. 581).

3.2.2 A tensão entre a liberdade de expressão e a proteção da dignidade de um povo:


análises da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, nos termos definidos pelo Tribunal Constitucional


Alemão140, e definitivamente incorporado pela doutrina constitucional nacional141,
proporciona critérios de correção que podem ser utilizados pelos julgadores para decidirem
situações de colisão entre direitos fundamentais em tese (quando se formaliza o controle de
constitucionalidade de leis restritivas a direitos fundamentais), ou concretas, quando se realiza
o controle dos atos da Administração142, ou mesmo a ocorrência de conflitos entre
particulares, tendo em vista a necessidade de máxima efetividade à Constituição como um
todo.143

138
Cf. o livro do Celso Lafer que representa, em grande medida, o parecer encaminhado aos magistrados por
ocasião do julgamento do referido caso.
139
Vários trechos do parecer de Celso Lafer foram reproduzidos pelos Ministros (Min. Maurício Corrêa, fls. 580,
592; Celso de Mello, fl. 626; Min. Gilmar Mendes, fls. 648, 949; Min. Celso Velloso, fls. 679, 683, 684; Min.
Nelson Jobim, fl. 741; Sepúlveda Pertence, fl. 1000).
140
Cf. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
141
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 392.
142
A doutrina constata a existência de três elementos ou subprincípios que governam o princípio da
proporcionalidade: o primeiro é a pertinência ou aptidão, que está diretamente ligado à adequação, à
conformidade ou à validade do fim. O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade,
elemento pelo qual a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim que se almeja. E
por fim, o terceiro critério de concretização do princípio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade
mesma, tomada stricto sensu, que pode traduzir-se na obrigação de fazer uso de meios adequados.
(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 397-398).
143
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
47

O caso em apreço discute se a edição de livros de inspiração ideológica anti-semita,


não obstante revestirem-se de caráter (pseudo?-)científico, pode ser (ou não) reconhecida
como um abuso da garantia constitucional à liberdade de opinião e de expressão artístico-
científica, por ofender a dignidade de um povo ao veicular posicionamentos preconceituosos e
hostis contra um determinado grupamento social, fomentando o desenvolvimento de uma
cultura de intolerância.
O debate em torno da possibilidade de imposição por parte do Estado de limites à
liberdade de expressão é polêmico e encontra-se presente nas mais diferentes tradições
constitucionais, mais ou menos liberais144; e freqüentemente está associado ao debate sobre a
extensão do pluralismo de idéias aceitáveis em estados democráticos de direito. A existência
da colisão destes valores foi devidamente identificada pela grande maioria dos Ministros
(Gilmar Mendes, fl. 669; Marco Aurélio, fl. 895; Celso de Mello, fl. 632; Carlos Velloso, fl.
689; Carlos Britto fl. 835).
A constatação desta tensão é seguida pela invocação do dever de aplicabilidade do
princípio da proporcionalidade (Gilmar Mendes, fl. 658; Marco Aurélio, fl. 886; Celso de
Mello, fl. 632; Carlos Velloso, fl. 689; Carlos Britto fl. 835). Ademais, diferentes magistrados
recorrem igualmente à experiência do direito comparado para subsidiar suas análises
normativas (Moreira Alves fl. 608, Gilmar Medes fls. 646/655/660/; Nelson Jobim fl. 744;
Marco Aurélio fls. 866/875/902-907/919; Celso de Mello fls. 929/933/962). Não obstante esta
aparente univocidade, o resultado a que chegam os magistrados é diferente (em alguns casos
diametralmente oposto).
Após discutirem sobre a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade, sem realizar
a aplicação específica dos seus sub-princípios, o STF estatuiu que a liberdade de expressão
não se afigura absoluta, estando restringida aos limites traçados pela própria Constituição.145
Infere-se, portanto, do entendimento do STF, que a publicação de livros caracteriza prática
discriminatória e que o anti-semitismo deve ser compreendido como prática do crime
tipificado de racismo.

144
FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo:
RT, 2004.
145
Cf. os seguintes trechos: Min. Gilmar Mendes, fl. 657; Min. Carlos Velloso, fl. 689; Min. Maurício Corrêa, fl.
584/585.
48

3.3 IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS NORMATIVOS NÃO-NACIONAIS


REFERIDOS NAS DECISÕES DOS MAGISTRADOS

A busca por elementos do direito constitucional comparado pode ser realizada de


diferentes formas. Verificou-se ao longo do julgado, o recurso a diferentes elementos não-
nacionais, pelos diversos ministros para conferir mais peso aos seus argumentos. Foram
extraídos do direito comparado: decisões, doutrinas, legislações, tratados e convenções
internacionais.

3.3.1 Elementos presentes nos votos vencedores

3.3.1.1 Caracterização do anti-semitismo como racismo

Para concluir que o anti-semitismo caracteriza a prática de racismo, os ministros


fizeram referência à experiência (decisões) de outros países por intermédio da citação da
doutrina estrangeira.
Nesse sentido, o Min. Gilmar Mendes (fl. 646) menciona decisões proferidas pela
Suprema Corte dos Estados Unidos da América e pela Câmara dos Lordes na Inglaterra,
extraídas do Parecer do Professor Celso Lafer (também referenciadas nos votos dos Ministros
Maurício Corrêa e Celso de Mello), onde decidiu-se que estavam os judeus tutelados, em que
pese não serem um grupo racial distinto, pela legislação norte-americana de 1982, voltada ao
combate à discriminação racial. Igualmente o Min. Nelson Jobim (fl. 744) cita decisões
extraídas de outras Cortes Constitucionais, para sustentar o mesmo posicionamento.
Inúmeras legislações, convenções, resoluções e tratados internacionais também foram
citados para corroborar o entendimento de que o anti-semitismo como sinônimo de
exteriorização do racismo encontra respaldo no Direito Internacional Público, conforme se
depreende dos seguintes trechos, extraídos da decisão:
Os tratados subscritos pelo Brasil demonstram que perante o Direito Internacional
Público considera-se crime a propagação de doutrinas fundadas em discriminações e
baseadas na superioridade ou ódio raciais. Portanto, os atos normativos
internacionais fornecem subsídios relevantes para a adequada compreensão da
correta exegese a ser dada ao crime de racismo, que fere os postulados gerais dos
direitos humanos. Mostra-se, assim, que no direito comparado o problema da
segregação racial é enfrentado atribuindo-se ao termo raça uma conotação mais
complexa, sempre com o objetivo de assegurar o efetivo respeito aos postulados
universais da igualdade e dignidade da pessoa humana. Como visto, nos tratados
internacionais o racismo alcança de forma taxativa a discriminação contra os judeus.
Pretender, agora, dar interpretação diversa e restritiva é negar toda a ordem jurídica
que concebeu a positivação dos direitos fundamentais. (Min. Maurício Corrêa, fl.
577).
49

Cabe ter em consideração, no ponto, que, em matéria de direitos humanos, a


interpretação jurídica há de considerar, necessariamente, as regras e cláusulas do
direito interno e do direito internacional, cujas prescrições tutelares se revelam – na
interconexão normativa que se estabelece entre tais ordens jurídicas – elementos de
proteção vocacionados a reforçar a imperatividade do direito constitucionalmente
garantido, como observa, em seu lúcido parecer, o ilustre Professor CELSO
LAFER.” (Min. Celso Mello, fl. 634).

Não se pode ignorar, Senhor Presidente, a propósito do tema que ora julgamos, que a
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou, em 09/12/1998 (na
véspera do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana),
pela Resolução 623, que o anti-semitismo e todos os atos de intolerância a ele
relacionados constituem manifestações preocupantes de formas contemporâneas de
racismo, impondo-se, por isso mesmo, a adoção, pela comunidade internacional e
pelos Estados nacionais, de medidas que impeçam a propagação desse modo
perverso de exclusão social. (Min. Celso Mello, fl. 634).

O presente julgamento impõe, por tal motivo, um instante de necessária reflexão


sobre o significado do grave compromisso que o Brasil assumiu ao subscrever a
Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana. É esse, pois, o grande desafio
com que nós, Juízes da Suprema Corte deste País, nos defrontamos no âmbito de
uma sociedade democrática: extrair, das declarações internacionais e das
proclamações constitucionais de direitos, a sua máxima eficácia, em ordem a tornar
possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a sistemas institucionalizados
de proteção aos direitos fundamentais da pessoa sob pena de a liberdade, a tolerância
e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. (Min. Celso Mello, fl.
620).

O Direito Internacional Público é um elemento adicional a confirmar que o crime


cometido por Siegfried Ellwanger é o da prática do racismo. Com efeito, a
Convenção de 1965 qualifica, no seu art. 1, como discriminação racial, qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou
origem nacional e estipula, no seu art. 4, como delito, a difusão de idéias baseadas na
superioridade ou ódios raciais ou qualquer incitamento à discriminação racial, tal
como definido no art. 1º. A prática do crime de racismo inclui, assim, o anti-
semitismo, que é um fenômeno social, que independe de um inexistente e impreciso
conceito de ‘raças’. (Min. Nelson Jobim, fl. 746).

Ainda pode-se verificar, todavia de maneira menos expressiva, a referência direta à


doutrina estrangeira:
Destacou as considerações de Kevin Boyle: Reconhecemos hoje que a classificação
biológica dos seres humanos em raça e hierarquia racial - no topo da qual
encontrava-se certamente a raça branca – era produto pseudo-científico do século
XIX. (Boyle, Kevin. Hate Speech – Teh United States versus the resto f the world?
In: Maine Law Review, v. 53:2, 2001, p.490). (Min. Gilmar Mendes, fl. 639).

Nesse sentido, bem conclui Trina Jones, Professora Associada de Direito da


Universidade de Duke: “Raça é o significado social atribuído a uma categoria. É um
conjunto de crenças e convicções sobre indivíduos de um grupo racial em particular.
(...) (Shades of Brown: the Law of Skin Color. In: Duke Law Journal, v. 49: 1487,
200, p. 1947) (Min. Gilmar Mendes, fl. 647).
50

3.3.1.2 Reconhecimento da restrição da liberdade de expressão

Da mesma forma, para concluírem que a liberdade de expressão não se afigura


absoluta, os togados fizeram referência à inúmeras decisões estrangeiras, notavelmente,
aquelas que levaram em conta o princípio da proporcionalidade para decidir entre os dois
direitos conflitantes.
O Min. Gilmar Mendes (fl.655) utilizou-se mais uma vez de decisões estrangeiras para
sustentar que deveria prevalecer a proteção à dignidade da pessoa humana em detrimento à
liberdade de expressão:
A propósito, a própria Corte Européia de Direitos Humanos, ao julgar o caso
Lehideux e Isorni versus França (55/1997/839/1045), ECHR, 23 set. 98, aplicou o
princípio da proporcionalidade, ao estabelecer um confronto entre o art. 10
(liberdade de expressão) e o art. 17 (proibição de abuso de direito) da Convenção
para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdade Fundamentais. (...) A Corte
Européia considerou que a jurisdição francesa violou o artigo 10 da Convenção
Européia, prevalecendo, nesse caso, a liberdade de expressão. Nesse contexto, ganha
relevância a discussão da medida de liberdade de expressão permitida sem que isso
possa levar à intolerância, ao racismo, em prejuízo da dignidade humana, do regime
democrático, dos valores inerentes a uma sociedade pluralista. (Min. Gilmar
Mendes, fl. 655).

Vale ressaltar que os Ministros valem-se da doutrina para pesquisar as decisões


estrangeiras, deste modo, a decisão supracitada foi referenciada através da obra de Zur
Schneider. Adiante, em seu voto, o Min. Gilmar Mendes mais uma vez utilizou-se da doutrina
estrangeira para sustentar que qualquer medida que afete os direitos fundamentais deve-se
mostrar compatível com o princípio da proporcionalidade:
A Corte Constitucional alemã entende que as decisões tomadas pela Administração
ou pela Justiça com base na lei eventualmente aprovada pelo Parlamento, submetem-
se, igualmente, ao controle de proporcionalidade. Significa dizer que qualquer
medida concreta que afete os direitos fundamentais há de se mostrar compatível com
o princípio da proporcionalidade (Schneider, Zur, Verhaltmassigkeits-Kontrolle, cit.,
p.403). (Min. Gilmar Mendes, fl. 660)
51

3.3.2 Argumentos de objeção às aproximações juscomparativas empreendidas pelos


magistrados da corte

São dignas de nota as objeções apresentadas pelos Ministros Moreira Alves e Marco
Aurélio, já que reproduzem, em grande parte, as objeções que, em outros foros, são feitas à
utilização do direito comparado.146
Contra o recurso ao direito comparado, Moreira Alves dirige basicamente duas
objeções: a primeira que diz respeito às dificuldades metódicas da utilização de
juscomparação em decisões judiciais (atenção às especificidades nacionais e a correta
identificação dos termos a comparar):
Quero fazer algumas considerações sobre os precedentes colhidos no direito
comparado, tendo eu reservas quanto à interpretação do direito nacional com base no
direito estrangeiro, porquanto as tradições jurídicas, o raciocínio jurídico, o sistema
jurídico e o ordenamento jurídico estão estreitamente vinculados com os aspectos
culturais de um povo. (Min. Moreira Alves, fl. 608).

Por outro lado, nos pareceres dos Drs. Celso Lafer e Miguel Reale Júnior – este
seguindo, em boa parte, aquele nesse particular, invocam-se conceitos de raça em
convenções internacionais. Sucede, Sr. Presidente, que nenhuma dessas convenções
impõe a imprescritibilidade de crime de racismo, que é a razão de ser da
interpretação restritiva que dou a esse termo “raci smo” ... (Min. Moreira Alves, fl.
605).

A segunda dirige-se contra a suposta existência de acordos unânimes no direito


comparado sobre a temática:
Em 18 de maio de 1987, relativa à sinagoga de uma congregação em Maryland que
tinha sido grafitada, em tinta vermelha e preta, com “slogans” anti -semitas, frases e
símbolos; a congregação e alguns de seus membros moveram ação contra os
responsáveis invocando lei de 1982 voltada ao combate à discriminação racial; os
acusados se defenderam alegando, à maneira do ora paciente neste habeas corpus,
que, não sendo os judeus um grupo racial distinto, não eram eles objeto da tutela
prevista nessa lei, vencendo em primeira e em segunda instâncias, o que foi revertido
por decisão da Suprema Corte em 18 de maio de 1987 (...). (Min. Moreira Alves, fls.
608/609).

E em seguida faz a seguinte consideração:

146
A discussão sobre as objeções comumente apresentadas ao uso do direito comparado, no que toca à tradição
do common law, podem ser encontradas em CHOUDHRY, Sujit. Globalization in search of justification:
toward a theory of comparative constitutional interpretation. Indiana Law Journal, v. 74, p. 819-948, 1999;
TUSHNET, Mark. The issue of state action/horizontal effect in comparative constitutional law. International
Constitutional Law Review. Oxford/UK; New York/US, v. 1, n. 1, p. 79-98, 2003 e SAUNDERS, Cheryl. The
use and misuse of comparative constitutional law. Indiana Journal of Global Legal Studies v. 13, n. 1, p. 37-
76, winter 2006.
52

(...) sucede que o fundamento dessa última decisão foi claro: apesar de os judeus
serem parte do que é tido como raça caucasiana - conseqüentemente branca -,
estavam tutelados pela referida lei porque ela visava a proteger da discriminação
classes identificáveis de pessoas submetidas à discriminação intencional, apenas por
conta de sua origem ou características próprias, afirmando a Corte, com base no
histórico da mesma lei, que árabes e judeus estavam entre os que, na época, eram
tidos como raças distintas, o que significava que se tratava, no caso, de interpretação
da lei de 1982 para verificar o seu alcance, o que não quer dizer que, com isso, se
firmava uma conceituação abstrata e genérica de racismo. (Min. Moreira Alves, fls.
608/609).

Desta forma, o Ministro Moreira Alves critica a utilização do Direito Comparado,


alegando que na decisão supracitada eles apenas interpretaram a lei interna de seu país, com
base em seu contexto histórico e social, e, em momento algum, teceram uma conceituação
universal ou internacional do termo “racismo”. Por isso, segundo entendimento do Min.
Moreira Alves, se faz necessário interpretar o texto constitucional restritivamente dando
ênfase ao seu elemento histórico a traduzir o que pretendeu o constituinte alcançar com ele,
especialmente no Brasil, uma vez que nunca, por questão racial, houve perseguição ou
atrocidades do tipo do holocausto na Alemanha nazista, portanto equivocado seria utilizar-se
de experiências ou precedentes de países onde este histórico é marcado pela intolerância
perante este povo.
Ao formular sua crítica aos usos do direito comparado, o Ministro a todo instante
retorna ao seu argumento central: a impossibilidade de se conferir interpretação ampliadora a
uma cláusula restritiva de direitos fundamentais (a cláusula de imprescritibilidade dos crimes
de racismo).
A preocupação do Min. Moreira Alves é muito relevante, tendo em vista que dentre os
problemas concernentes às técnicas da comparação jurídico-constitucional apresentados pela
doutrina, está a definição dos contextos dos ordenamentos a comparar, que consiste na
identificação de quais elementos contextuais da estrutura sócio-política que devem ser levados
em conta no processo de comparação jurídico-constitucional.
Já para Marco Aurélio, sua crítica resulta da conjugação de duas preocupações: a
primeira, do receio em transplantar visões eurocêntricas que não estejam adequadas à
realidade sócio-cultural brasileira:
É imprescindível que a solução deste habeas passe necessariamente por um exame da
realidade social concreta, sob pena de incidirmos no equívoco de efetuar o
julgamento a partir de pressupostos culturais europeus, a partir de acontecimentos de
há muito suplantados e que não nos pertencem, e, com isso, construirmos uma
limitação direta à liberdade de expressão do nosso povo baseada em circunstâncias
históricas alheias à nossa realidade. (Min. Marco Aurélio, fl. 894).

Repita-se – inexistem no Brasil os pressupostos sociais e culturais aptos a tornar um


livro de cunho preconceituoso contra o provo judeu verdadeiro perigo atentatório à
53

dignidade dessa comunidade. O mesmo não pode ser dito, por exemplo, no tocante a
países como a Alemanha. (Min. Marco Aurélio, fls. 893-894).

A segunda, que consiste na ameaça ao regime das liberdades públicas que esta decisão
poderia acarretar, tanto à liberdade de locomoção (interpretação ampliadora à cláusula da
imprescritibilidade), quanto à liberdade de expressão.
Curiosamente, a fim de reforçar o argumento do risco à liberdade de expressão que a
decisão poderia acarretar, o autor recorre à experiência do direito constitucional norte-
americano, para defender, no caso, a primazia da liberdade de expressão:

À medida que se protege o direito individual de livremente exprimir as idéias,


mesmo que estas pareçam absurdas ou radicais, defende-se também a liberdade de
qualquer pessoa manifestar a própria opinião, ainda que afrontosa ao pensamento
oficial ou ao majoritário. É nesse sentido que, por inúmeras ocasiões, a Suprema
Corte Americana, em hipóteses a evidenciar verdadeiras colisões de direitos
fundamentais, optou pela primazia da liberdade de expressão, mesmo quando
resultasse em acinte aos valores culturais vigentes (por exemplo, pornografia, no
caso “Miller v. California”) ou em desrespeito à imagem de autoridades e pessoas
públicas, como no caso “Falwell v. Hustler Magazine”, Inc. No caso “New York
Times v. Sullivan”, o juiz William Brennan, redator do acórdão, salientou: “a
liberdade de expressão sobre questões públicas é assegurada pela Primeira Emenda,
e esse sistema garante o livre intercâmbio de idéias para propiciar as mudanças
políticas e sociais desejadas pelo povo”. (Min. Marco Aurélio, fl. 875)

Igualmente, o Ministro Moreira Alves, após criticar veemente o recurso ao direito


comparado por parte dos outros magistrados, também utiliza-se deste pra sustentar seu
posicionamento:
Há, ainda, uma decisão mais recente da mesma Corte sobre o problema do racismo
em face da liberdade de manifestação de pensamento. Isso ocorreu em decisão de
junho de 1992 no caso RAV (como era indicado o réu, que era menor) versus a
cidade de Saint Paul, em Minesota. Tratava-se de caso de um garoto que atirara uma
cruz incendiada contra uma família negra e, por isso, foi acusado de crime de
discriminação contra membro de uma raça. Foi ele absolvido, considerando que,
nessa hipótese, prevalecia a liberdade de expressão. (Min. Moreira Alves, fl. 609-
610).

Por isso, interpretei o texto constitucional a respeito restritivamente dando ênfase ao


seu elemento histórico a traduzir o que pretendeu o constituinte alcançar com ele,
num país, como o nosso, que nunca, por questão racial, houve perseguição ou
atrocidades do tipo do holocausto na Alemanha nazista. (Min. Moreira Alves, fl.
611).

Curioso é que as ressalvas feitas ao direito comparado foram proferidas, justamente,


pelos autores contrários à tese vencedora.
54

3.4 IDENTIFICAÇÃO DAS DIFERENTES APROXIMAÇÕES EMPREENDIDAS


PELOS MAGISTRADOS AO DIREITO COMPARADO

Conforme já evidenciado, ao longo deste julgado, são feitas referências à diferentes


decisões de cortes de outras experiências constitucionais: ora reproduzindo decisões que
classificaram o racismo como práticas discriminatórias contra “minorias não étnica s” 147; ora
reportando-se a decisões de outras cortes sobre restrições à liberdade de expressão148; ora
referindo-se à ordens normativas que englobam expressamente na definição de racismo a
existência de práticas preconceituosas em relação aos judeus.149
Assim, através da análise do acórdão supracitado podem ser verificados diferentes
tipos de abordagens e de formas de aproximação aos elementos não-nacionais. A fim de
ilustrar a amplitude de variações, a cadeia de argumentação empreendida pelos magistrados e
os resultados obtidos com este recurso, faz-se útil recorrer às diferentes tipologias antes
analisadas e que são sintetizadas no quadro esquemático a seguir elaborado:

Autor Questão central Classificação

Funcionalista
Como o magistrado se aproxima do
Mark Tushnet Expressionista
elemento não-nacional?
Bricolage
Qual é a justificativa utilizada (explícita Universalista
Sujit Choudry ou implícita) pelo magistrado para Genealógica
recorrer à juscomparação? Dialógica

Taavi Annus Qual é a importância do elemento não- Uso brando (soft use)
nacional para a construção do Uso ostensivo (hard use)
argumento do magistrado?
147
Dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de outros países, que comportam aproximação com o
HC 82424-2 ora submetido ao julgamento do STF. Tanto o caso da Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido
pela Suprema Corte dos EUA em 1987 quanto o caso Mandla and another v Dowell Lee and another, decidido
pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e aplicam a legislação dos seus respectivos países em
matéria de discriminação racial. O caso decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo
em relação a judeus. O caso decidido pela house of lords diz respeito à prática do racismo em relação aos sikhs.
Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram não obstante as alegações dos réus semelhantes às do
impetrante que, apesar dos judeus e dos Sikhs não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cabendo
assim, respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da legislação inglesa de 1976, que
tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que julgaram em matéria de discriminação racial, atribui-se ao
termo ‘raça’ sua dimensão histórico cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias. (Min. Nelson Jobim, fl.
744).
148
O Min. Gilmar Mendes foi generoso na menção de decisões de outras cortes, fazendo uso, constantemente, de
elementos do direito estrangeiro através do diálogo constitucional, e por fim, concluiu no sentido de que a
decisão condenatória não violou o princípio da proporcionalidade. (Min. Gilmar Mendes, fls. 962-971).
149
O Ministro Maurício Corrêa também utilizou-se, dentre outros argumentos, do Direito Comparado para
sustentar, em seu voto, que o preconceito contra os judeus está englobado pelo termo “racismo” se levadas em
consideração as normas internacionais. (Min. Maurício Corrêa, fls. 573-580).
55

argumento do magistrado?
Argumento normativo ou
A juscomparação recai sobre aspectos Argumento empírico
normativos ou empíricos?

3.4.1 A tipologia de Mark Tushnet: o direito constitucional comparado como


parâmetro de crítica interna

A abordagem proposta por Tushnet possibilita evidenciar as diferentes posturas


adotadas pelos magistrados em relação ao direito comparado.

3.4.1.1 Funcionalista

Esta forma de aproximação, que leva em conta as similitudes entre os institutos e


elementos funcionais dos países em cotejo, em muito aproxima-se à preocupação funcional
levada a efeito pelo debate em torno do método comparativo150, visto que é realizada através
da identificação dos termos a comparar e da análise do grau de comparabilidade entre esses. E
foi justamente nesse sentido que alguns ministros teceram objeções ao uso do direito
comparado. Verificou-se, nos votos dos Min. Moreira Alves e Min. Marco Aurélio, a prática
da abordagem funcionalista quando estes ressaltaram que nenhum outro país – dos quais
foram extraídos elementos do direito constitucional comparado - adotou a imprescritibilidade
para a prática do crime de racismo:
(...) sendo que nos pareceres a que me referi de início, embora exuberantes em
citações de convenções internacionais, não se citou uma só, nem lei alguma de país
algum, em que se tivesse como imprescritível o crime de racismo. (Min. Moreira
Alves, fl. 594).

Excetuando-se os sistemas socialistas e os totalitários – os quais previam a


imprescritibilidade para crimes contra a própria personalidade do Estado ou para
crimes de motivação política -, no Direito Comparado, pouquíssimas infrações foram
tidas como imprescritíveis, e essa noção sempre vem associada à maior lesividade do
delito. Como exemplo, podemos citar os crimes de guerra, assim definidos no
Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e os contra humanidade,
quer cometidos em tempo de guerra ou de paz. (Min. Marco Aurélio, fl. 919).

150
Cf. item 0.
56

Está prática não é muito freqüente para definir o conteúdo dos direitos fundamentais,
no entanto ela pode ser muito útil quando utilizada na comparação entre instituições ou
garantias constitucionais, conforme se depreende dos trechos supracitados.

3.4.1.2 Expressivista

A aproximação expressivista é aquela na qual utiliza-se argumentos para diferenciar a


realidade interna de outras realidades que se apresentam a ser comparadas e, em conseqüência
destas diferenças, rechaçar um entendimento definido na experiência estrangeira.
Os Min. Marco Aurélio e Min. Moreira Alves empregaram esta forma de aproximação
quando utilizaram-se do argumento de investigação histórica do Brasil, qual seja, a existência
de preconceito contra os negros e índios e a inexistência de histórico de preconceito contra os
judeus:
(...) Por isso, interpretei o texto constitucional a respeito restritivamente dando
ênfase ao seu elemento histórico a traduzir o que pretendeu o constituinte alcançar
com ele, num país como o nosso, em que nunca, por questão racial, houve
perseguição ou atrocidades do tipo do holocausto na Alemanha nazista. (Min.
Moreira Alves, fl. 611).

É imprescindível que a solução deste habeas passe necessariamente por um exame


da realidade social concreta, sob pena de incidirmos no equívoco de efetuar o
julgamento a partir de pressupostos culturais europeus, a partir de acontecimentos de
há muito suplantados e que não nos pertencem, e, com isso, construirmos uma
limitação direta à liberdade de expressão do nosso povo baseada em circunstâncias
históricas alheias à nossa realidade. (Min. Marco Aurélio, fl. 894).

Repita-se – inexistem no Brasil os pressupostos sociais e culturais aptos a tornar um


livro de cunho preconceituoso contra o provo judeu verdadeiro perigo atentatório à
dignidade dessa comunidade. O mesmo não pode ser dito, por exemplo, no tocante a
países como a Alemanha. (Min. Marco Aurélio, fls. 893-894).

3.4.1.3 Bricolage

Em uma apreciação de maneira mais genérica, no que tange à forma com que os
Ministros aproximaram-se do direito comparado no processo de adjudicação constitucional,
pode-se verificar, notavelmente, a postura que se assemelha à prática descrita por Mark
Tushnet como Bricolage. Os Ministros (Min. Maurício Corrêa; Min. Celso de Mello; Min.
Gilmar Mendes; Min. Nelson Jobim) ao valerem-se de experiências estrangeiras, não
realizaram uma avaliação acerca das diferenças ou similitudes entre os países em cotejo,
57

apenas citaram julgados de maneira aleatória, como reforço geral da argumentação, sem uma
maior preocupação com a questão do grau de comparabilidade.151
O Min. Maurício Corrêa cita decisões da Corte de Apelação da Califórnia, Suprema
Corte norte-americana e da Câmara dos Lords da Inglaterra (fls. 579-580):
No âmbito dos Tribunais, é importante anotar que questão semelhante foi enfrentada
pela Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos em agosto de 1999. No
caso United States versus Lemrick Nelson, decidiu-se que, embora o povo judeu não
seja hoje tido como uma raça, tal não o retira da proteção da Emenda 13, que proíbe
qualquer forma de discriminação racial, pois a Suprema Corte com firmeza declara
que os judeus “são considerados raça para certos direitos fundamentais estabelecidos
pelo Congresso com base na Emenda 13”. (Min. Maurício Corrêa, fl. 579).

A Suprema Corte norte-americana decidiu em 1987, por unanimidade, seguindo o


voto do Justice White, que os judeus estavam tutelados pela legislação norte-
americana contra a discriminação racial (1982). (...) O fato interessante é que a
defesa dos réus, responsáveis por pichar uma sinagoga com mensagens anti-semitas,
foi exatamente de que não sendo os judeus uma raça distinta, não estariam
protegidos pela lei. (Min. Maurício Corrêa, fls. 579-580).

Também emblemático julgamento proferido pela Câmara dos Lords na Inglaterra em


1983. No caso “Mandla and another versus Dowell Lee and another”, debateu -se a
existência de discriminação racial pelo fato de uma escola haver proibido um jovem
“sikh” de usar o tradicional turbante de sua religião. A defesa alegou que os “sikhs”
constituíam essencialmente um grupo religioso e não uma etnia para fins de
aplicação da lei inglesa. Decidiu a Corte britância que o ato era discriminatório para
os fins do “Race Relations Act”, uma vez que os “sikhs” são um grupo racial em
face de suas origens étnicas. (Min. Maurício Corrêa, fl. 580).

Desta forma, como se depreende dos trechos a seguir, outros Ministros valeram-se da
prática do Bricolage para reforçar seus argumentos:

Cabe referir, neste ponto, recente julgamento emanado da Suprema Corte dos
Estados Unidos da América, proferido em 07/04/2003, no exame do caso Virginia v.
Black et al., quando esta Alta Corte concluiu que não é incompatível com a Primeira
Emenda (que protege a liberdade de expressão naquele país) a lei penal que pune,
como delito, o ato de queimar uma cruz” (“cross burning”) com a intenção de
intimidar (...)

Em tal julgamento, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América – cuja


jurisprudência em torno da Primeira Emenda orienta-se no sentido de reconhecer,
quase incondicionalmente, a prevalência da liberdade de expressão (adotando, por
isso mesmo, o critério da “preferred position”) – proclamou, não obstante, que essa
proteção constitucional não é absoluta, sendo lícito ao Estado punir certas
manifestações do pensamento cuja exteriorização traduza comportamentos que
veiculem propósitos criminosos. (Min. Celso de Mello, fls. 933-934).

Ao contrário, em decisão proferida em 24 de junho deste ano, a Corte decidiu pela


prevalência do art. 17 da Convenção Européia. Tratava-se da condenação do filósofo
e escritor Roger Garaudy, pela contestação de crimes contra a humanidade, em obra
revisionista publicada na França, intitulada “Les mythes fondateurs de la politique

151
Segundo Silva, este elemento traduz-se em um pressuposto básico da comparação jurídico-constitucional[0],
cf. item 0.
58

israélienne”. A Corte Européia de Direitos Humanos (ECHR) negou provimento ao


recurso apresentado pelo impetrante, Roger Garaudy, que havia sido condenado nas
instâncias inferiores (a quo). Garaudy interpôs o recurso à ECHR alegando violação
do artigo 10 da Convenção, sobre a liberdade de expressão. A Corte considerou que
a justificação de uma política pró-nazista não poderia ser beneficiada pela proteção
do art. 10 da Convenção e que o artigo 17 da mesma convenção – proibição do abuso
de direito – deveria prevalecer, em casos de negação ou revisão de fatos históricos
claramente reconhecidos, como é o caso do holocausto. (Min. Gilmar Mendes, fl.
965).

Ainda sobre decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional espanhol, ressalta


Pablo Salvador Coderch, a propósito da Sentença 214/1999 [proferida pelo Tribunal
Espanhol]: (...) Nem a liberdade ideológica (art. 16 CE), nem a liberdade de
expressão (art. 20.1 CE) compreendem o direito a efetuar manifestações, expressões
ou campanhas de caráter racista ou xenófobo, uma vez que, de acordo com o
disposto no art. 20.4, não existem direitos ilimitados e ele é contrário não só ao
direito à honra da pessoa ou pessoas afetadas, mas também a outros bens
constitucionais como o da dignidade humana (art. 10 CE) (...)(Min. Gilmar Mendes,
fl. 970).

Que a liberdade de expressão há de ter limites lembra-nos constantemente a própria


jurisprudência americana, fortemente refratária à idéia de restrição a esse direito. É
de Oliver Holmes (Schenck v. United States – 249 U.S. 47 (1919) a expressão
segundo a qual não haveria nenhuma boa razão para tutelar a expressão do insensato
que grita “fogo!” em um teatro abarrotado de público.” (Pablo Salvador Coderch, El
derecho de la Libertad, Madrid, 1993, p. 12, nota de rodapé, n.3). (Min. Gilmar
Mendes, fl. 962).

O acerto da não interpretação do crime da prática de racismo a partir do conceito


‘raças’, à maneira do que preconiza o HC 82424 -2 imperado em favor de Siegfried
Ellwanger, confirma-se por dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de
outros países, que comportam aproximação com o HC 82424-2 ora submetido ao
julgamento do S.T.F.. Tanto o caso Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido
pela Suprema Corte dos EUA em 1987, quanto o caso Mandla and another v Dowell
Lee and another, decidido pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e
aplicam a legislação dos seus respectivos países em matéria de discriminação racial.
O caso decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo em
relação aos judeus. O caso decidido pela Hause of Lordes diz respeito à pratica de
racismo em relação aos Sikhs. Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram,
não obstante as alegações dos réus semelhantes às do impetrante que, apesar dos
judeus e dos sikhs não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cabendo
assim, respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da
legislação inglesa de 1976, que tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que
julgaram em matéria de discriminação racial, atribui-se ao termo ‘raça’ sua dimensão
histórico-cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias (cf. Parte V e
conclusão nº 5). (Min. Nelson Jobim, fls. 743-744).

3.4.1.4 Considerações gerais

Esta classificação apresentada por Mark Tushnet visa a retratar a forma com que os
ministros aproximam-se dos elementos do direito comparado.
Infere-se, da análise do acórdão em questão, que não há um posicionamento claro por
parte dos ministros, a priori, em relação a esta prática, visto que, somente o Min. Celso de
59

Mello revela uma determinada postura frente à utilização do elemento não-nacional no curso
da interpretação constitucional, quando aduz que:
(...) em matéria de direitos humanos, a interpretação jurídica deve considerar,
necessariamente, as regras e cláusulas do direito interno e do direito internacional.
(Min. Celso de Mello, fl. 634).

As referências aos elementos estrangeiros são realizadas de maneira indireta, através


de doutrina ou de texto de outros autores, não configurando fruto da pesquisa direta dos
togados, bem como, não constituem o argumento central destes, e sim, retratam uma coletânea
de argumentos sem que haja uma preocupação metódica mais precisa.
Infere-se, portanto, dos trechos acima transcritos, que a prática do bricolage é aquela
que retrata mais claramente o comportamento dos ministros na Corte no que concerne à
aproximação ao direito constitucional comparado.

3.4.2 A tipologia de Sujit Choudry: o direito constitucional comparado como técnica de


fornecimento de razões

A abordagem proposta por Choudry busca evidenciar as justificativas empreendidas


pelos magistrados para reforçar o uso do direito comparado. É curioso notar que, nesta
classificação, quase não há espaços para os rechaços ao direito comparado, salvo na
abordagem dialógica.

3.4.2.1 Universalista

Neste diapasão, os argumentos utilizados para justificar o emprego do Direito


Constitucional Comparado, pela maioria dos Ministros (Min. Maurício Corrêa, Min. Celso de
Mello, Min. Gilmar Mendes, Min. Nelson Jobim), correspondem, sobretudo, à interpretação
universalista. Pois, infere-se dos trechos abaixo transcritos que os ministros citam decisões
estrangeiras, que classificam o racismo como prática discriminatória contra “minorias não
étnicas”, para evidenciar o posicionamento de que existe um consenso universal no que tange
a este tema. Assim, o caráter universal de normas dos direitos humanos é discutido para exigir
uma aplicação universal destes direitos.
Nesse sentido, o Min. Nelson Jobim traz a baila as seguintes decisões:
60

Dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de outros países, que
comportam aproximação com o HC 82424-2 ora submetido ao julgamento do STF.
Tanto o caso da Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido pela Suprema Corte
dos EUA em 1987 quanto o caso Mandla and another v Dowell Lee and another,
decidido pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e aplicam a
legislação dos seus respectivos países em matéria de discriminação racial. O caso
decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo em relação a
judeus. O caso decidido pela house of lords diz respeito à prática do racismo em
relação aos sikhs. Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram não obstante as
alegações dos réus semelhantes às do impetrante que, apesar dos judeus e dos Sikhs
não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cab endo assim,
respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da legislação
inglesa de 1976, que tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que julgaram
em matéria de discriminação racial, atribui-se ao termo ‘raça’ sua dimensão hist órico
cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias. (Min. Nelson Jobim, fl. 744).

Corroborando este entendimento o Min. Maurício Corrêa, após citar inúmeros atos
normativos internacionais, conclui:
Como se vê, o anti-semitismo como sinônimo de exteriorização do racismo tem
respaldo no Direito Internacional Público. (Min. Maurício Corrêa, fl. 576).

Conclui-se que os atos normativos internacionais fornecem subsídios relevantes para


a compreensão da correta exegese a ser dada ao crime de racismo que fere de morte
os postulados gerais dos direitos humanos. (Min. Maurício Corrêa, fl. 578).

Como visto, nos tratados internacionais o racismo alcança de forma taxativa a


discriminação contra os judeus, até porque posem ser havidas como marcas do
racismo na história moderna o nazismo anti-semita, assim como a escravidão e o
apartheid sul-africano. (Min. Maurício Corrêa, fl. 581).

Não é diferente a conclusão a que chegam os outros Ministros:

Cabe referir, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13 exclui do âmbito da proteção da
liberdade de manifestação do pensamento “toda apologia ao ódio nacional, racial ou
religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à
violência” (art. 13, § 5º). (Min. Celso de Mello, fl. 930).

Não é por outra razão que, tal como ressaltado nos votos dos Ministros Maurício
Corrêa e Celso de Mello, diversos instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil
não deixam dúvida sobre o claro compromisso no combate ao racismo em todas as
suas manifestações inclusive o anti-semitismo.

A propósito, vale aqui mencionar decisões proferidas pela Suprema Corte dos
Estados Unidos da América e pela Câmara dos Lordes na Inglaterra, transcritas no
parecer do Professor Celso Lafer, já referidas nos votos dos Ministros Maurício
Corrêa a Celso de Mello. (Min. Gilmar Mendes, fl. 646).

O direito internacional Público é um elemento adicional a confirmar que o crime


cometido por Siegfried Ellwanger é o da prática de racismo. (Min. Nelson Jobim, fls.
746).
61

Com efeito, a Convenção Internacional para a eliminação de todas as formas de


discriminação racial de 1965152 qualifica, no seu art. 1º, como discriminação racial, qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem
nacional e estipula, no seu art. 4º, como delito, a difusão de idéias baseadas na superioridade
ou ódios raciais ou qualquer incitamento à discriminação racial, tal como definido no art. 1º.
Isto posto, verificou-se que para além da referência ao direito internacional, os
ministros engajaram-se em um autêntico diálogo constitucional com outras cortes.

3.4.2.2 Genealógica

A justificativa genealógica foca nas raízes históricas similares das constituições para
justificar o uso do Direito Constitucional Comparado. Embora tenham sido feitas inúmeras
referências às legislações e Constituições estrangeiras, não se vislumbrou um estudo e/ou
argumento acerca de suas raízes históricas similares:
Em 1695, na Inglaterra, deixou-se de ratificar texto – Licensing Act - que dispunha
sobre a censura prévia. Na Declaração de Direitos de Virgínia – em 1776 -,
proclamou-se que “a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade
e não pode ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos” – artigo 12. A
Constituição Americana de 1787, via Emenda nº 1, previu que “o Congresso não
legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos
cultos; ou cerceando a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o direito do povo de
se reunir pacificamente, e dirigir ao Governo petições para a reparação de seus
agravos”. Na França, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem, mais uma
vez reiterou-se que “a livre manifestação do pensamen to e das opiniões é um dos
direitos mais preciosos: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever e imprimir
livremente, à exceção do abuso dessa liberdade, pelo qual deverá responder nos
casos determinados em lei” – artigo 11. O pós-guerra – 1948 – fez surgir a
Organização das Nações Unidas, vindo-nos a Declaração Universal dos Direitos
Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras”. Em 1950, em Roma, no Convênio Europeu para a proteção dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais, ressaltaram-se aspectos a serem
considerados, tais como a liberdade de expressão, o recebimento e a comunicação de
informações e o afastamento da ingerência de autoridades públicas. (Min. Marco
Aurélio, fl. 866/867).

O Min. Marco Aurélio discute acerca da história das Constituições brasileiras


igualmente sem enfatizar as raízes históricas semelhantes das Constituições entre os países em
cotejo:
Nas Constituições brasileiras, nem sempre se tratou especificamente da proibição da
discriminação em decorrência de critérios raciais. A Constituição de 1824, no artigo

152
O Brasil participou de sua elaboração normativa e a Convenção, que está em vigor no plano internacional, foi
recepcionada pelo Direito brasileiro.
62

179, XII, pregava: ”A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e
recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. Na Carta de 1891, o
artigo 72, § 2º, estabelecia: “Todos são iguais perante a lei. A República não admite
privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, extingue as ordens
honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como títulos
nobiliárquicos e de conselho”. (Min. Marco Aurélio, fl. 908).

Portanto, não se verificou o argumento genealógico para justificar o emprego do


direito comparado no caso em tela.

3.4.2.3 Dialógica

A interpretação dialógica se dá quando um caso é apresentado (experiência


estrangeira) e os magistrados discutem se ele é aplicável ou não para o caso interno,
fundamento a sua aplicabilidade ou rechaço.
No acórdão em questão não vislumbrou-se, de maneira clara, este “diálogo”, pode -se
encontrar, no máximo, algum resquício desta abordagem, no momento em que os Min. Marco
Aurélio e Min. Moreira Alves apontam inexistência de consenso no direito comparado como
parecem fazer crer os outros ministros, em especial, quando recorrem à colisão de princípios
(cf. Min. Marco Aurélio, fls. 875; 902-906; Min. Moreira Alves, fl. 609-610).

3.4.2.4 Considerações gerais

Esta abordagem proposta por Choudry busca identificar as justificativas utilizadas


pelos magistrados para reforçar o uso do direito comparado.
Mediante o exposto, observa-se que a justificativa utilizada pelos magistrados, no HC
em questão, para explicar o emprego do direito comparado, corresponde, sobretudo, a
justificativa universalista, ou seja, aquela que foca no caráter universal de algumas normas,
principalmente no que concerne aos direitos fundamentais. Portanto, ao passo que se verifica
abundantemente a justificativa universalista por parte dos magistrados quase não se verificam
as justificativas genealógica e dialógica.
63

3.4.3 A proposta de Taavi Annus: recurso ao direito constitucional comparado como


estratégia discursiva

Por fim, a abordagem proposta por Taavi Annus a partir de seu viés pragmático busca
enfatizar dois aspectos distintos: o peso do recurso ao elemento não-nacional na construção da
cadeia de argumentação; e, a natureza (normativa ou factual) da experiência não-nacional
posta em conversação. A primeira classificação, portanto, trata-se de uma abordagem gradual
(maior ou menor impacto na construção dos argumentos do togado); a segunda, por seu turno,
evidencia a natureza dos argumentos utilizados.

3.4.3.1 Uso brando (soft use) e Uso ostensivo (hard use)

Em que pese o recurso ao direito comparado no processo decisório ser expressamente


rejeitado por algumas cortes constitucionais, em momento algum, no caso Ellwanger, os
magistrados questionaram a legitimidade do uso do direito comparado na adjudicação do
direito constitucional interno. As objeções e restrições levantadas por alguns Magistrados não
foram no sentido de colocar em dúvida a legitimidade do diálogo entre cortes constitucionais e
sim no sentido de atentar para os riscos e cuidados que se deve ter ao utilizá-lo.
Se por um lado não há objeções declaradas ao recurso a esta estratégia de
argumentação, somente o Min. Celso Mello (fl. 634) menciona a existência de uma
“obrigação” de interpretar as normas internas levando em consideração as normas de Direito
Internacional; e, vale a pena frisar, somente o faz ao transcrever o parecer de Celso Lafer153:
Cabe ter em consideração, no ponto, que, em matéria de direitos humanos, a
interpretação jurídica há de considerar, necessariamente, as regras e cláusulas do
direito interno e do direito internacional (...) (Min. Celso de Mello, fl. 634).

A maioria dos magistrados (Min. Maurício Corrêa, Min. Celso de Mello, Min. Gilmar
Mendes, Min. Nelson Jobim) quando recorreu ao uso das normas de Direito Internacional, no
decorrer de seus votos, entendeu ser este apenas um elemento adicional para solução do
conflito. E foi nesse mesmo sentido que as experiências estrangeiras foram utilizadas,
prevalecendo, portanto, o emprego do direito constitucional comparado como “soft use”, visto

153
Vários trechos do parecer foram reproduzidos pelos Ministros (Min. Maurício Corrêa, fls. 580, 592; Celso de
Mello, fl. 626; Min. Gilmar Mendes, fls. 648, 949; Min. Celso Velloso, fls. 679, 683, 684; Min. Nelson Jobim, fl.
741; Sepúlveda Pertence, fl. 1000).
64

que os magistrados utilizaram-no apenas como uma fonte de inspiração, sem confiar neste
para se chegar a decisão final.

3.4.3.2 Argumento normativo e empírico

Verificou-se, também, que o direito comparado foi, freqüentemente, empregado para a


prática do judicial balancing e normative arguments, visto que foi justamente com intuito de
auxiliar no julgamento entre dois direitos fundamentais (encontrar o contrapeso entre
princípios conflitantes), quais sejam, da liberdade de expressão e o da proteção da dignidade
da pessoa humana, bem como para interpretar o alcance da expressão “racismo” (determinar o
conteúdo dos princípios amplos), que a maioria dos ministros recorreu ao uso direito
comparado.
Conforme sustenta Taavi Annus: “A constituição geralmente utiliza termos difíceis de
serem interpretados: como a proibição da oitava emenda de punir os culpados com penas
“cruéis e incomuns”, ou a diretriz alemã que aponta para a proteção da “dignidade
humana”.” 154 Uma alternativa para auxiliar os togados na interpretação desses termos é o
emprego dos argumentos normativos.
Nos exemplos de decisões de outras cortes trazidas pelo Ministro Nelson Jobim e pelo
Min. Maurício Corrêa, resta evidenciada a inclusão de “minorias” não étnicas na condição de
vítimas do racismo (dimensão histórico-social), restando caracterizado nesse trecho o recurso
aos argumentos normativos (normative arguments), para auxiliar na determinação do alcance
da expressão “racismo”:
O acerto da não interpretação do crime da prática de racismo a partir do conceito
‘raças’, à maneira do que precon iza o HC 82424-2 imperado em favor de Siegfried
Ellwanger, confirma-se por dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de
outros países, que comportam aproximação com o HC 82424-2 ora submetido ao
julgamento do S.T.F.. Tanto o caso Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido
pela Suprema Corte dos EUA em 1987, quanto o caso Mandla and another v Dowell
Lee and another, decidido pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e
aplicam a legislação dos seus respectivos países em matéria de discriminação racial.
O caso decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo em
relação aos judeus. O caso decidido pela Hause of Lordes diz respeito à pratica de
racismo em relação aos Sikhs. Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram,
não obstante as alegações dos réus semelhantes às do impetrante que, apesar dos
judeus e dos sikhs não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cabendo
assim, respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da
legislação inglesa de 1976, que tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que
julgaram em matéria de discriminação racial, atribui-se ao termo ‘raça’ sua dimensão

154
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
65

histórico-cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias (cf. Parte V e


conclusão nº 5). (Min. Nelson Jobim, fls. 743-744).

Mostra-se, assim, que no direito comparado o problema da segregação racial é


enfrentado atribuindo-se ao termo raça uma conotação mais complexa, sempre com o
objetivo de assegurar o efetivo respeito aos postulados universais da igualdade e
dignidade da pessoa humana. (Min. Maurício Corrêa, fl. 580).

A ponderação judicial (judicial balancing), por sua vez, consiste num processo de
medir/pesar valores, e conseqüentemente elaborar julgamentos normativos a partir destes.155
Balancear os diferentes valores constitucionais, embora seja prática freqüentemente criticada,
é algo comum e teoricamente difícil de ser evitada. A maioria das cortes admite
explicitamente esta prática.156
A prática da ponderação judicial (judicial balancing) depreende-se da análise dos
seguintes trechos:
A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim,
de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decidindo-se, com base no caso
concreto e nas circunstâncias da hipótese, qual o direito que deverá ter primazia.
Trata-se do mecanismo de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje
amplamente divulgado no Direito Constitucional Comparado e utilizado pelas Cortes
Constitucionais no mundo – vejam-se os exemplos da Corte Constitucional Espanhla
relatado por Javier Cremades, e da Suprema Corte Americana, o já citado “New
York Times v. Sullivan”. (Min. Marco Aurélio, fls. 886).

A propósito, a própria Corte Européia de Direitos Humanos, ao julgar o caso


Lehideux e Isorni versus França (55/1997/839/1045), ECHR, 23 st. 98, aplicou o
princípio da proporcionalidade, ao estabelecer um confronto entre o art. 10
(liberdade de expressão) e o art. 17 (proibição de abuso de direito) da Convenção
para proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. (Min. Gilmar
Mendes, fl. 655).

Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um


método geral para a solução conflitantes entre princípios, isto é, um conflito entre
normas que (...) é resolvido (...) pela ponderação do peso relativo de cada uma das
normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentido opostos. (Min.
Gilmar Mendes, fl. 658).

Esta prática também foi utilizada pelo Min. Marco Aurélio, todavia para sustentar que
em muitos outros casos prevaleceu a liberdade de expressão frente à dignidade da pessoa
humana:
Caso LÜTH – Corte Constitucional Alemã – BverfGE 7, 198. Julgado em 15 de
Janeiro de 1958): Esse caso, pioneiro no Direito Constitucional Alemão, foi
resolvido por meio da ponderação de bens (...) O Tribunal de Primeira Instância
condenou Lüth a parar imediatamente com o movimento, decisão revista pela Corte
Constitucional, por entender que a manifestação de pensamento não necessariamente

155
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
156
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
66

implicaria a apologia da conduta adequada e apropriada (boni mores). (Min. Marco


Aurélio, fl. 902).

Caso LIVRO SOBRE A GUERRA (Corte Constitucional Alemã – BverfGE 90, 1-


22. Julgado em 11 de Janeiro de 1994): O Tribunal fixou a inconstitucionalidade da
proibição de livro no qual atribuída aos países aliados a culpa pela ocorrência da
Segunda Guerra Mundial, por estar a obra protegida pela liberdade de opinião, ainda
que se considere o interesse da proteção à juventude. (Min. Marco Aurélio, fl. 903).

Caso TERMINIELLO V. CHICAGO (Suprema Corte Americana, 337 U.S. 1


(1949). Julgado em 16 de maio de 1949): Por proferir discurso agressivo à causa
negra e à judaica, o Padre Terminiello foi preso pela Polícia de Chicago, sob
justificativa de que seus sermões se índole anti-semita e fascista causavam
desordem. O Tribunal sustentou que a função da liberdade de expressão é a de
promover a disputa, e que este objetivo poderia ser mais bem alcançado quando se
criavam insatisfações ou levavam pessoas à raiva. (...) Assim, a Corte reviu a
condenação imposta ao Padre em Primeira Instância. (Min. Marco Aurélio, fl. 905).

Caso R.A.V. v. City IF St. PAUL (Suprema Corte Americana, 505 U.S. 377 (1992).
Julgado em 22 de junho de 1992): A questão levada à Suprema Corte decorreu do
fato de alguns adolescentes terem queimado cruzes no jardim da residência de uma
família negra. O Tribunal entendeu ser inconstitucional lei da cidade de Saint Paul
por meio da qual se tipificava como contravenção a exposição pública ou privada, de
símbolos, objetos, grafites, incluindo cruzes em chamas – símbolo característico da
KU KLUX KLAN, organização do Sul dos Estados Unidos que pregava a
inferioridade dos negros. (...) A decisão baseou-se no fato de que a referida lei
poderia ocasionar restrição demasiada à liberdade de manifestação de pensamento.
(Min. Marco Aurélio, fls. 905-906).

3.4.3.3 Considerações gerais

Dessa forma, resta evidenciado que para auxiliar na solução do presente debate, o
Supremo utilizou-se de referências ao direito comparado tanto para justificar as posições
assumidas no processo de ponderação judicial (judicial balancing), para concluir que a
liberdade de expressão não se assegura absoluta, quanto na argumentação normativa
(normative reasoning), para fornecer critérios de interpretação verificando o conteúdo da
expressão “racismo” em outros países e concluir que esta expressão abarca também práticas
anti-semitas. Por outro lado, a prática da argumentação empírica (empirical reasoning), que
auxilia a elaboração de observações empíricas sobre as conseqüências e impactos de uma
determinação judicial em determinado país, não foi abordada por nenhum dos ministros no
decorrer da decisão.
Quanto ao peso atribuído aos elementos estrangeiros inseridos na decisão podemos
classificá-lo como uso brando (soft use), ou seja, à exceção do Min. Celso de Mello, os
Ministros negam a existência de fundamentos normativos que exijam das cortes
constitucionais o dever de vincularem-se aos precedentes estrangeiros extraídos de outras
realidades normativas.
67

3.5 CONCLUSÕES PARCIAIS

Com relação à utilização de elementos não-nacionais constatou-se, através dos trechos


e argumentos supracitados, que, apesar de não existir uma abordagem sistemática, o recurso
ao uso do Direito Comparado realizado pelos Tribunais é freqüente, porém, em certas
oportunidades, o seu uso é veemente criticado, conforme o que ocorreu no caso Ellwanger,
notavelmente pelos Ministros Moreira Alves e pelo Ministro Marco Aurélio, curiosamente
aqueles que adotaram um posicionamento contrário à tese vencedora. Todavia, cabe ressaltar,
que em momento algum, estes censuraram a legitimidade do emprego do Direito Comparado
para a melhor compreensão do direito constitucional interno.
Assim, resta evidenciado que o referido acórdão concluiu que o anti-semitismo como
sinônimo de exteriorização do racismo encontra respaldo no Direito Internacional público, e
que o diálogo com outras cortes, permitido em função da cláusula de abertura constante da
CRFB/88, foi útil à decisão do HC em questão.
Por fim, quanto ao peso atribuído aos materiais estrangeiros, tendo como base este
acórdão, pode-se afirmar que o STF, ao contrário do posicionamento de outras Cortes
Constitucionais, não se sente vinculado a este tipo de prática, mantendo uma postura bastante
fechada. Na classificação de Taavi Annus, o seu uso pelos ministros do STF pode ser
enquadrado como um uso brando (soft use), visto que, no momento em que os Ministros
recorreram ao uso do Direito Constitucional Comparado já possuíam um posicionamento e,
portanto, direcionaram suas pesquisas para decisões estrangeiras que confirmavam esta
posição.
Nesse sentido, pode-se afirmar que os ministros recorreram ao uso do Direito
Comparado apenas como uma estratégia de argumentação, logo, não se verificou uma
abordagem sistemática, tampouco uma discussão ou interesse por parte dos ministros em
discutir esta problemática. Os Ministros apenas inseriram elementos não-nacionais em seus
votos a fim de reforçar ou rechaçar teses pré-existentes.
68

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia visou destacar o riquíssimo resultado que os estudos do direito


constitucional comparado oferecem, principalmente, nos dias de hoje com o estreitamento das
relações interestatais e os avanços dos meios de comunicação.
Nesse sentido, diversos são os benefícios que o direito constitucional comparado pode
oferecer, tais como: mecanismos de auto-reflexão e de auto-crítica para uma melhor
compreensão do direito pátrio e da própria constituição (inclusive em casos em que esta é
omissa); subsídios para os trabalhos que antecedem o processo de elaboração legislativa;
auxílio no labor interpretativo dos tribunais (em especial no que tange aos direitos
fundamentais), dentre muitos outros.
Deste modo, “o Direito Comparado ao dar ênfase ao diálogo transnac ional possui um
acentuado caráter revolucionário que permite uma visão externa ao ordenamento
constitucional, como fator de crítica e de valoração dos pressupostos adotados e dos resultados
obtidos nos processos nacionais de balancing values in the constitutional adjudication.”
Importante ressaltar que embora o parâmetro de controle de constitucionalidade
reconhecido pelo STF seja restritivo, adotando como violação apenas aquilo que afronta o
texto formal da Constituição Federal e, no máximo alguns princípios implícitos, defende-se
neste trabalho que a cláusula de abertura constante da nossa Constituição (art. 5º, § 2º da
CRFB/88) confere legitimidade para o diálogo entre as cortes internacionais, e, em
conseqüência para o reconhecimento de direitos que não estejam elencados expressamente em
nossa Constituição, que possam ser a ela adscritos, quer seja em face da abertura às normas de
direito internacional dos direitos humanos, quer seja em face do reconhecimento de direito
decorrente do regime dos direitos fundamentais elencados em seu catálogo.
Através da análise do acórdão em questão, constataram-se algumas características no
que tange à referência a elementos não-nacionais pelo STF:

1) A abertura ao diálogo por parte do Supremo Tribunal Federal é freqüente e seu uso
não encontra maior objeção por parte dos magistrados, a medida que a corte limita-
se a utilizá-lo como elemento de argumentação para auto-compreensão do direito
nacional;
2) Diferentemente do que ocorre em outras Cortes (principalmente nos países do
common law), o recurso ao Direito Comparado no Brasil é realizado indiretamente,
69

ou seja, as decisões estrangeiras utilizadas não são fruto da pesquisa direta dos
magistrados, estas são extraídas de doutrinas ou textos de outros autores;
3) Constatou-se, também, que na maioria das vezes já existe um
direcionamento/posicionamento pré-existente por parte dos Magistrados quando
estes recorrem ao uso do Direito Constitucional Comparado; assim, o recurso ao
elemento estrangeiro se insere na estratégia de argumentação dos togados para
reforçar ou rechaçar uma tese.

Assim, o Direito Constitucional Comparado, legitimado que é pelo § 2º do art. 5º da


CRFB/88, afigura-se como uma ferramenta extremamente relevante, que pode ser muito mais
explorada, principalmente para melhor compreender a realidade nacional no que tange à
interpretação dos direitos fundamentais, não podendo, todavia, ser utilizado
indiscriminadamente. Todavia, não obstante reconhecermos a legitimidade da utilização desta
estratégia de argumentação, faz-se mister que sejam tecidas algumas considerações:
1) Ao reconhecer que o recurso ao direito comparado é uma estratégia de
argumentação, não é possível definir um método “adequado” para a utilização de
elementos não-nacionais pelos magistrados;
2) O argumento deve ser compreendido no contexto da argumentação do magistrado e
deve guardar coerência com o próprio ordenamento nacional;
3) O recurso à comparação não conduz a uma única resposta possível, do contrário, a
escolha dos termos a comparar dependerá, em certa medida, do posicionamento
(ou inclinação) do magistrado.

Desta feita, incumbe aos diferentes intérpretes constitucionais empreender-se em um


autêntico diálogo com outras experiências não-nacionais, e assim, fornecer subsídios que
possam ampliar o rol dos direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico brasileiro.
70

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4.1 OBRAS CONSULTADAS

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pela jurisdição constitucional: o caso Ellwanger. In: SILVA, Everton (Org). Produção
científica do CEJURPS. Itajaí: Univali, 2007. no prelo.
72

4.2 DECISÕES REFERIDAS

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<http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF - Argüição de descumprimento de preceito


fundamental n.º 33-PA, j. 07-12-2005, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível
em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI - Agravo de Instrumento n.º 529.694-RS, j. 15-02-


2005, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>
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Disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI-AGR – Agravo Regimental no Agravo de


Instrumento n.º 598635 – SP, j. 18/12/2006, Primeira Turma, rel. Min. Cármen Lúcia; HC –
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Disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI-AGR – Agravo Regimental no Agravo de


Instrumento n.º 629720 – DF, j. 17/04/2007, Segunda Turma, rel. Min. Eros Grau.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. APC - Apelação Crime n.º 695130484 TJRS, rel.
Fernando Mottola, j. 31/10/1996 e STJ, 5 ª T., Ag 149673, j. 14/12/1998, Rel. Min. GILSON
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC – Habeas Corpus n.º 82424 – RS, rel. orig. Min.
Moreira Alves, red. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17.9.2003. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS - Mandado de Segurança n.º 24.268-MG, j. 05-02-


2004, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie. Disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso
em outubro/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – Recurso Extraordinário n.º 464963 – GO, Segunda
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Acesso em outubro/2006.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudências. Disponível em:


<http://www.stf.gov.br> Acesso em outubro/2006.

RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Jurisprudências. Disponível em:


<www.tj.rs.gov.br> Acesso em outubro/2006.

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