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INTRODUÇÃO
* Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor das Faculdades de Campinas (FACAMP). Membro do Grupo de Estudos
Althusserianos do Centro de Estudos Marxistas da Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP). Autor de Crítica da igualdade jurídica – contribuição ao pensamento jurídico marxista
(Quartier Latin, 2009) e Sujeito de direito e capitalismo (Outras Expressões/Dobra, 2014).
** Doutor em Filosofia e livre-docente pela Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP). Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Membro do Grupo de
Estudos Althusserianos do Centro de Estudos Marxistas da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Autor de Marxismo e direito – um estudo sobre Pachukanis (Boitempo, 2000) e A
questão do direito em Marx (Outras Expressões/Dobra, 2014).
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1 Kant, Crítica da razão prática, s.d., p. 42. Noutra obra, Kant formula o mesmo imperativo
como: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne
lei universal.” Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, 2008, p. 62. “Age segundo uma
máxima que contenha simultaneamente em si a sua própria validade universal para todo ser racio-
nal.” Id., ibid., p. 85-86.
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O ius realiter personale tem como espaço aquilo que Kant nomeia
“sociedade doméstica” e se aplica à relação do marido para com a espo-
sa, dos pais para com os filhos e do “chefe da família” para com os “cria-
dos domésticos”. Em qualquer desses casos, uma pessoa (marido, pai,
chefe de família) tem o direito de usar como pessoa e possuir “como se
fosse uma coisa” uma outra pessoa (esposa, filho, criado doméstico). O
marido-pai-chefe de família não tem a prerrogativa de exigir da esposa-
filho-criado doméstico algo que degrade a sua condição de pessoa (isto
é, não se trata simplesmente de uma propriedade), mas, ao mesmo
tempo, possui a esposa-filho-criado doméstico “como se fosse uma
coisa” (integram o meum iuris). Essa posse tem como principal conse-
quência a possibilidade de reivindicação, isto é, de reconduzir, em caso
de “extravio” (isto é, de fuga), se preciso à força, a pessoa possuída
“como se fosse uma coisa” ao espaço da sociedade doméstica.11
A relação que mais interessa à análise ora proposta é aquela entre
chefe de família e criado doméstico. Kant reproduz aqui, sem dúvida,
algo da antiga concepção patriarcal da família como unidade produti-
va e sua preocupação quanto à evasão revela, nas entrelinhas, que esse
tipo de organização produtiva encontra-se, a seu tempo, em dissolu-
ção.12 Mas o criado doméstico do ius realiter personale já não é um
escravo ou um servo – Kant reconhece (ao menos formalmente) a sua
humanidade e busca um meio (ainda que precário) de salvaguardar a
sua liberdade jurídica. A questão a que Kant procura responder é, a
rigor, a de como tornar juridicamente operacional o uso de um homem
livre.13 Essa questão guarda plena correspondência com a ascensão da
11 No que diz respeito especificamente aos filhos, Kant chega a afirmar que “quando se fala
do direito dos progenitores em relação aos filhos como elemento do seu acervo doméstico, aque-
les podem não só invocar o dever dos filhos de regressar quando fugirem, como também têm o
direito de se apoderar deles como coisas (como animais transviados) e de os encarcerar”. Kant,
Metafísica dos costumes, 2005, p. 127. Essa possibilidade de recondução forçada à sociedade
doméstica se aplica de forma idêntica à esposa e aos criados domésticos.
12 Cf. Edelman, La transition dans la “Doctrine du droit” de Kant, 1973.
13 Edelman, La transition dans la “Doctrine du droit” de Kant, 1973, p. 50.
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16 Nesse sentido, cf. Losurdo, Hegel e la libertà dei moderni, 1992; Ritter, Persona y propie-
dad – un comentario de los §§ 34-81 de los “Principios de la filosofía del derecho” de Hegel, 1989.
17 Hegel, Filosofia do direito, 2010, p. 83.
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20 Hegel, Filosofia do direito, 2010, p. 87. É preciso notar, contudo, que a possibilidade de
apropriação do corpo e da capacidade de trabalho é dada tão somente ao próprio indivíduo, por-
que é apenas do ponto de vista de sua vontade livre interior que o corpo pode ser tomado como
algo exterior. Para todos os demais indivíduos, a vontade livre e o corpo de um indivíduo não
podem ser separados. Cf. § 48 da Filosofia do direito.
21 Nesse sentido: “A coisificação das relações de pessoa a pessoa é a outra face da proprieda-
de. No terreno da sociedade civil, isto não se limita à relação com coisas naturais exteriores.
Implica também que todas as capacidades e habilidades da pessoa se despersonalizem e adotem em
cada etapa a forma de coisa para funcionar socialmente como propriedade. […] Hegel sublinha, é
certo, que há ressalvas em chamá-las imediatamente de ‘coisas’, mas o que aqui ocorre é que aqui-
lo que para o homem é ‘interior’ se ‘aliena’ e adquire uma ‘existência exterior’ com a qual é posto
sob a determinação de coisa (§43).” Ritter, Persona y propiedad – un comentario de los §§ 34-81 de
los “Principios de la filosofía del derecho” de Hegel, 1989, p. 136-137.
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trocada, numa relação com outro proprietário, por outra coisa qual-
quer. Nessa relação, cada um dos sujeitos de direito “deixa de ser, per-
manece e torna-se proprietário”,22 na medida em que cede a sua proprie-
dade apenas sob a condição de adquirir a propriedade do outro. Há, na
verdade, uma única e essencial restrição: a venda da própria capacidade
de trabalho deve ser quantitativamente limitada.
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24 É importante observar que Hegel não estipula um limite preciso para o tempo de aliena-
ção da força de trabalho. Podemos concluir que basta que reste uma fração de tempo suficiente
para que o homem continue capaz de contratar. Durante essa fração, o homem, como sujeito de
direito, pode dispor livremente de todo o restante do seu tempo. O tempo de coisificação pode
ser mesmo a maior parte do tempo do trabalhador assalariado.
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27 Marx identifica nesta passagem dos Grundrisse o papel decisivo dessa equiparação entre
os sujeitos da troca: “De fato, como a mercadoria e o trabalho estão determinados tão somente
como valor de troca, e a relação pela qual as diferentes mercadorias se relacionam entre si [se apre-
senta] como troca desses valores de troca, como sua equiparação, os indivíduos, os sujeitos, entre
os quais esse processo transcorre, são determinados simplesmente como trocadores. Entre eles não
existe absolutamente nenhuma diferença, considerada a determinação formal, e essa determinação
é econômica, a determinação em que se encontram reciprocamente na relação de intercâmbio, o
indicador de sua função social ou de sua função social mútua. Cada um dos sujeitos é um troca-
dor, i.e., cada um tem a mesma relação social com o outro que o outro tem com ele. A sua relação
como trocadores é, por isso, a relação da igualdade”. Marx, Grundrisse, 2011, p. 184.
28 Marx, Grundrisse, 2011, p. 184.
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33 Cf. La Grassa, Valore e formazione sociale, 1975, p. 35-36. E ainda: “O ‘trabalho abstrato’,
portanto, se realiza praticamente, concretamente, na moderna sociedade burguesa, baseada no
maquinismo industrial. A abstração do ‘trabalho em geral’, que – como categoria puramente pen-
sada – não é característica típica de uma sociedade em particular, mas é válida, ao contrário, nessa
sua abstração, para todas as formações sociais, se torna ‘praticamente verdadeira’ apenas na socie-
dade capitalista completamente desenvolvida. O ‘trabalho abstrato’ é, portanto, a ‘abstração do tra-
balho em geral’ concretizada no âmbito do modo de produção especificamente capitalista; e, ao rea-
lizar-se praticamente, o ‘trabalho abstrato’ se torna uma característica peculiar apenas desse modo
de produção”. Id., ibid., p. 31.
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O direito, assim, pode aparecer para Marx como uma forma social
sui generis, a forma da equivalência subjetiva autônoma. A nosso ver,
esse conceito capta as determinações essenciais da análise do direito
que Marx realiza em sua obra de maturidade, especialmente em O capi-
tal, e, considerando a sua análise do processo de subsunção real do traba-
lho ao capital, afirma a especificidade burguesa do direito, permitindo
que se estabeleça uma demarcação nítida entre o fenômeno jurídico e
outras formas sociais – consideradas pela tradição como sendo também
jurídicas – próprias das formações sociais pré-burguesas.
CONCLUSÕES
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BIBLIOGRAFIA
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