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Resumo: Este artigo é um ensaio teórico que apresenta a trajetória biobibliográfica do mestre e
doutor em linguística Izidoro Blikstein e propõe reflexões a respeito de sua contribuição em
algumas áreas acadêmicas e profissionais, especificamente relacionadas ao papel da linguagem
na fabricação da realidade, dos discursos político e empresarial, da publicidade, mas sem perder
a referência à expressão escrita e oral numa relação desafiadora com a comunicação nas
organizações. Dentre as contribuições potenciais deste estudo está o de identificar perspectivas
que avançam em direções interligadas, transdisciplinares, e que envolvem a análise linguística
diacrônica, a semiologia discursiva e a retórica, com um interesse profundo pelo conteúdo
discursivo nas empresas e instituições. O legado do pensamento de Blikstein– projetado pelas
suas obras, pesquisas, ensino, carreira e vida – tende a permitir que não só sejam ampliadas suas
ideias com contribuições – empíricas e teóricas - do porvir, mas proporcione um alentado
debate no momento a respeito das transformações vividas pelas realidades organizacionais.
Palavras-chave: Biobibliografia. Sentidos. Discursos. Organizações.Legado
Introdução
É notório que os estudos sobre comunicação organizacional na atualidade têm
apresentado diversas abordagens e problematizações que envolvem autores e reflexões
transdisciplinares. Tanto os ambientes acadêmicos quanto aqueles que envolvem as
mais díspares estruturas organizacionais, têm proporcionado o desenvolvimento de
pensamentos, contradições e até paradigmas, já que boa parte dessas pesquisas busca
oferecer perspectivas inovadoras e sustentáveis para a conquista de objetivos
empresariais e educativos de nova ordem, consequentemente transformadores. Ao
mesmo tempo fomentam leituras, as mais diferenciadas possíveis dentro de um largo
espectro onde convergentemente percebe-se cada vez mais a compreensão e o
entendimento do processo de comunicação como condição sine qua non para o avanço
neste percurso. Diante do contexto, torna-se pertinente a busca por olhares contributivos
de áreas afins à da comunicação que se imbricam e no bojo da complexidade permitem
elucubrações diferenciadas e singulares. É o caso do pensamento do professor titular da
USP, mestre e doutor em linguística, Izidoro Blikstein. Além da trajetória dele envolver
aspectos pertinentes à sua formação de origem e a um caminho calcado em experiência
histórica de recusa e resistência ao totalitarismo, ao fundamentalismo, ao racismo, à
xenofobia, à intolerância e aos preconceitos de maneira abrangente, temos em sua
produção perspectivas que avançam em direções interligadas e que envolvem a análise
linguística diacrônica, a semiologia discursiva e a retórica, com um interesse profundo
Ao concluir suas análises, ele afirma que as organizações podem estar diante de
um dilema de ordem ética: na obsessão de perseguir um efeito de sentido favorável para
seus produtos e sua imagem, Blikstein entende que o discurso empresarial pode
comprometer-se com uma intertextualidade, cujas vozes nem sempre são portadoras de
conteúdos propriamente éticos. Tal envolvimento, diz ele, poderá levar a formulações
contraditórias e incoerentes que beiram, muitas vezes, o absurdo semântico.
O contributo educacional e a perspectiva das tecnologias
Na análise da construção de narrativas institucionais, é necessário ponderar, como
ponto de partida, o papel das diferentes linguagens no cotidiano. Santaella (1983),
assinala a importância de se buscar outras linguagens, escapando do recorrente
condicionamento ao uso restrito da língua. No repertório das organizações, as palavras
ocupam posição privilegiada e o uso bem como o desuso delas passam por frequentes
mudanças. Não é necessário fazer uma lista de palavras e expressões proibidas.
Imprescindível é considerar, para além da origem e das novas cargas de significado, os
contextos de uso. Cabe aos profissionais da área de comunicação e os demais porta-
vozes das organizações terem bom senso. O essencial é primar pela clareza das
mensagens e pela criação/fortalecimento de vínculos/relações que elas possibilitam. Boa
parte das mudanças dos modelos de pensamento na contemporaneidade podem nos
fazer pensar que se refletem no emprego de palavras e na elaboração de discursos de
vários tipos, e tem sido influenciada pelos novos modos de fazer comunicação – como
acontece no uso de redes sociais digitais, por exemplo. Izidoro Blikstein, considera
essas mudanças como parte de um avanço que, segundo ele, pode ser associado a uma
famosa passagem do filme 2001, uma Odisséia no Espaço, do cineasta N.R. Stanley
Kubrick.
"Quando o macaco atira o osso para o espaço e ele se transforma
numa nave especial, em um satélite. É a metáfora e eu diria até a
metonímia, melhor dizendo, da progressão geométrica da
transformação dos meios tecnológicos. Ela é o símbolo que carrega a
conotação da contínua transformação do ser humano."
(ENTREVISTA, 2009, concedida a um dos autores)
Blikstein enfatiza que a elite acadêmica, intelectual, precisa ter um olhar atento
aos novos recursos de comunicação e a esse dilema. Ele comunga com o pensamento de
Marshall Mcluhan, que realmente o veículo é a mensagem. Para ilustrar, por meio de
uma situação hipotética, ele afirma que a iniciativa de exibir um filme com tecnologia
VHS não seria bem recebida por parte do público, podendo haver até mesmo uma
recusa. O público quer ver as cenas em uma mídia ainda mais avançada, como o DVD
ou o Blu-ray.
Além disso, na visão do autor, essa primazia dos significantes visuais, não
denota necessariamente uma melhoria da comunicação em si ou do conteúdo da
comunicação: "Pelo contrário, caracterizada pela instantaneidade, uma espantosa
aceleração na construção das mensagens que resultam muitas vezes em conteúdo de má
qualidade."(Blikstein, 2009) Ele chama atenção para casos da comunicação corporativa
em que colegas de trabalho dão preferência à redação de e-mails. Redação essa que,
muitas vezes, é feita com desleixo: é confusa, sem coesão, sem coerência temática.
Como resultado, um deles acaba recorrendo à conversa face a face ou por telefone
perguntar o que o outro quis dizer exatamente e chegar a um entendimento. "É preciso
pensar na lógica do conteúdo da mensagem, no que é relevante transmitir e no modo de
fazer isso, bem como na resposta que se espera do interlocutor", afirma. Blikstein
avalia que, embora uma organização possua extraordinárias ferramentas de
comunicação em suas mãos (entre elas estão incluídas as redes sociais online), gerou-se
também uma crise pela inobservância do conteúdo da mensagem – tanto por parte de
seu autor quanto do destinatário, que frequentemente não sabe o que fazer diante dela.
A melhor maneira de superar essa crise, segundo Blikstein, é educar as pessoas
para a comunicação – um tipo primordial de conhecimento e de habilidade, na
concepção do pesquisador. Ele adverte que se trata de uma tarefa árdua e contínua:
assim como o movimento do mar, as ondas de disparates e de ilogicidades vão e voltam.
"É uma característica da condição humana, a acomodação do modo de pensar em
estereótipos, em padrões já paradigmáticos. Mas é preciso gerar sempre uma resistência
à acomodação." Tal resistência fomentada pelo conhecimento e habilidade em
comunicação começa, nas palavras do autor, indubitavelmente na consciência semiótica.
"É a consciência de signos, símbolos, sinais, indícios e índices à nossa volta" que,
conforme defende Blikstein, deve ser propiciada pelo comunicador nos âmbitos
corporativo, acadêmico e na sociedade em que vive, de modo geral.
Sobretudo na era digital, cheiros, gestos, imagens, sons e outras tantas
linguagens se aglutinam e perpassam umas às outras. Mas, para que constituam
discursos veementes, dos comunicadores exigem-se versatilidade e sólida formação.
“O comunicador tem de ter um vasto repertório, cultural, de
conhecimentos gerais e conhecimentos de ordem sociológica,
antropológica, filosófica, ética, estética, linguística e semiótica;
porque a comunicação é um ato complexo que envolve todas essas
dimensões do ser humano.” (ENTREVISTA, 2009, concedida a um
dos autores)
Que signos e símbolos são esses? São discursos, objetos, marcas de produtos,
tipos de moradia etc. Recortes de realidade que dizem respeito a poder aquisitivo,
estado psicológico, formação, bagagem cultural, profissão, estilo de vida, lazer e assim
por diante. Tal relevância endossa a segunda parte do slogan. "É fundamental, portanto,
valorizarmos esse espaço construído pelos signos, pois é por meio dele que podemos
reagir socialmente e persuadir os outros de nossa competência, por exemplo”,
acrescenta Blikstein. De acordo com o pesquisador, decifrar signos e encontrar no
avesso dos discursos a verdadeira significação deles cumpre, ainda, a função estratégica
de filtrar discursos vazios que têm proliferado juntamente com os novos mecanismos
interativos via internet. Retomando a previsão de Andy Warhol em 1960, de que no
futuro toda pessoa teria seus quinze minutos de fama, Blikstein aponta para a corrida em
busca de evidência a que se assiste atualmente:
“Quando um indivíduo aparecia por 15 minutos na televisão,
considerava-se que ele havia atingido sua glória. Ele se sentia como
um deus das máquinas e dizia a si mesmo: ‘De repente eu, que não era
ninguém, estou presente na mídia e todo mundo me vê’. Hoje, as
pessoas querem estar se mostrando o tempo inteiro, seja em 140
caracteres ou de outras maneiras nas redes sociais.”(ENTREVISTA
concedida a um dos autores em 2009)
Embora a visibilidade na mídia tradicional ou nas redes sociais online, não dure
mais do que o próprio tempo da instantaneidade, segue ocorrendo um deslumbramento,
uma epifania preocupante pelo fato de se supervalorizar significantes em detrimento dos
significados. Tendo isso em vista, Blikstein defende que estar presente nas redes sociais
online, construindo vínculos por meio delas, é indispensável para a sobrevivência
profissional do comunicador. Mas, além disso, esse profissional deve dar primazia ao
conteúdo das mensagens. Para ser realmente um líder na área de comunicação, faz-se
necessário que ele esteja a par do que é veiculado na internet e busque conhecimento e
inspiração em manifestações artísticas e filosóficas. “As artes conseguem transmitir de
maneira econômica – metafórica e metonímica – aquilo que o discurso cotidiano às
vezes não consegue.” Deve ser assim caso a organização assim o queira porque, como
lembra Blikstein, muitas escolhem a comodidade de se refugiar no discurso desastrado,
sem lógica, sem o pé na realidade; mas que frequentemente acaba encantando o
imaginário das pessoas.
Considerações Finais
Pelo exposto, podemos considerar que vivendo a experiência histórica que
viveu, Blikstein é extremamente sensível ao poder da linguagem. Com efeito, ao refletir
sobre os modernos meios de comunicação, percebeu que eles ampliam
consideravelmente o efeito da palavra. Daí sua preocupação com o papel da linguagem
na fabricação da realidade, com o discurso político e empresarial, com a publicidade,
mas também com a expressão escrita e oral. Em seus estudos da comunicação oral,
como destacam Pessoa de Barros e Fiorin (2008), ele não se interessa apenas pelas
operações que os latinos chamavam inventio, dispositio e elocutio, mas também pela
actio, que os gregos denominavam hypócrisis. É por isso que ele escreve sobre a voz, os
gestos, etc. Ao citar Bakhtin, Pessoa de Barros e Fiorin, nos ajudam a entender que a
atividade de docência e pesquisa de Blikstein está profundamente marcada pelo
ambiente em que se constitui sua consciência. Aquela que se constrói na comunicação
social, ou seja, na História. Por isso, os conteúdos que a formam são semióticos. O
sujeito vai constituindo-se discursivamente, na medida em que apreende as vozes
sociais que dão a conhecer a realidade em que vive, bem como suas inter-relações
dialógicas. Dessa forma, o sujeito é constitutivamente dialógico: em seu interior, as
vozes estão em relação de concordância ou de discordância. No processo social de
constituição da consciência, os discursos não são apreendidos da mesma maneira.
Assim, podemos considerar que a possibilidade de inovação e adaptação das
organizações deve envolver a dimensão humana da comunicação organizacional de
maneira mais ampla que pode tornar-se, além de um diferencial estratégico, uma
vantagem competitiva. Pensar a comunicação sob a ótica do pensamento de Blikstein
possibilita novas construções discursivas capazes de dar conta da realidade
organizacional e seus vários fenômenos (como a identidade e a produção de
conhecimento), A polifonia deve ser valorizada, a fim de comunicar de modo explícito a
missão, as metas, a filosofia de gestão, os produtos e as mudanças da organização, o que
na prática, ocorre para gerar efeitos positivos e obter a adesão do destinatário.
Consequentemente, o enunciador acaba por construir um discurso dialógico, em que se
desenvolve uma relação polêmica entre o texto e o intertexto, o dito e o não dito, a voz
explícita e a voz implícita. Mas Blikstein também alerta: Uma quase obsessão pelo
efeito positivo e, conseqüentemente, pela imagem sempre favorável da organização,
nem sempre é possível. Para favorecer o pensamento crítico, é preciso lançar um novo
olhar sobre a construção de mensagens e os resultados que essas desencadeiam – como
a persuasão, por exemplo. “Tenho colecionado contrassensos e absurdos no discurso
corporativo e no discurso político”, enfatiza Izidoro Blikstein
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