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relações culturais
Patricia Marchi de Menezes
PG37367@alunos.uminho.pt
Instituto de Ciências Sociais – Universidade do Minho
Introdução
A migração é um fenômeno que sempre existiu na prática humana sendo um dos maiores condutores
de expressivas mudanças na sociedade. Nas últimas décadas o contorno migratório tem se
transformado de uma maneira muito veloz, e se intensificado pelo mundo todo, sinaliza-se como
causas principais o processo de globalização, as crises e dessimetrias dos blocos econômicos*. Hoje
praticamente inexistem países que apenas exportam ou só recebem pessoas, a interrelação
migratória é uma constante, tornando complexo o momento e, ao mesmo tempo, mais interessantes
e ricas as relações sociais, econômicas e sobretudo, culturais.
Neste contexto envolvendo globalização, migrações e miscigenações culturais surgem também novos
termos como interculturalidade, transculturalidade, multiculturalidade, multiculturalismo.
* Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007- Diário da República nº 85/2007, 1º Suplemento, Série I de 2007-05-03
**(Ver Ass.de União, Apoio e Integração aos imigrantes da comunidade luso-brasileira em Portugal http://www.uai.pt/)
O Interculturalismo pode ser considerado um movimento de busca de
equilíbrio entre a assimilação e a segmentação, através do encontro de uma
cultura comum, em que exista respeito aos direitos e diversidade de cada
indivíduo. (Santos e Fernandes, 2015:9)
Não é o objetivo deste trabalho tratar estas teorias, porém, pelas leituras vislumbramos hipóteses ora
mais otimistas, ora menos, mas que acordam sobre as dificuldades das relações culturais - em que
em muitos casos geram assimilações, discriminações e até aniquilamento de culturas consideradas
minoritárias.
Relatório publicado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas em
2013* revela que a maior parte dos Governos concorda com a importância da integração dos
migrantes nas sociedades de forma a acrescer as oportunidades que incidem com o cenário
migratório. Todavia, estas chefias entendem que uma migração bem-sucedida é uma empreitada
difícil, sobretudo para quem recebe os estrangeiros.
Portugal apresenta uma alteração no perfil migratório na década de 90, de um país com
*(Ver Ass. de União, Apoio e Integração aos imigrantes da comunidade luso-brasileira em Portugal http://www.uai.pt/)
características profundamente emigratórias passou a receber muitos imigrantes*.
Explanaremos sobre o significado de ONG, ou, os significados que emergem do termo e o papel de
relevância do terceiro setor na sociedade. ONG é a sigla para Organização Não-Governamental,
expressão empregada pela primeira vez em 1950, pela ONU (Organização das Nações Unidas) para
fazer referência às organizações civis que não tinham vínculo com o governo.
Sobre o que denomina “resíduos do termo”, Sobottka faz referência a autores como Landim (1988)
que afirma que para a organização se encaixar nesta categoria deve estar voltada a atender as
necessidades populares, ter ações financiadas por agências de cooperação, contar com tarefas
voluntárias e ter vínculo com processos de reestruturação social; para Scherer-Warren (1999) devem
ser ajuntamentos coletivos com certa institucionalidade e alguns voluntários; ter como desígnio
fortalecer a sociedade através de pequenas ou maiores transformações; Neubert (1997) acrescenta
ter visão de mundo, participação voluntária, (não voluntariado), estar orientada ao bem-comum e
possuir certo grau de organização - recusa do rol de ONGs, as organizações de autoajuda (Sobottka:
85-86). Acerca do resíduo da denominação, Sobottka diz que em princípio exclui apenas as
governamentais e as lucrativas, deixando por incluir um sem-número de outras.
OLIVEIRA (2005:14) aponta à importância que as instituições sem fins lucrativos atuantes junto aos
problemas sociais apresentam na construção da cidadania, seguindo uma dinâmica própria,
vinculadas às razões e origens de suas constituições. Segundo ele, as organizações do terceiro setor
não apresentam procedimentos homogêneos e não obedecem a mesma ótica de inserção e relações
com o mercado e o Estado.
SOBOTTKA e OLIVEIRA comprovam assim a amplitude do termo e do campo de atuação das ONGs no
meio social. Portanto, para abrangermos o nosso objeto de estudo, devemos ter em conta estes
apontamentos: cada associação possui uma realidade única. Semelhanças são plausíveis ou
compelidas a existirem: as ONGs devem funcionar legalmente, com registro em cartório e demais
burocracias legais; os trabalhos são desenvolvidos por voluntários ou alguns funcionários
contratados; são mantidas por pessoas físicas, empresas privadas, fundações ou, por financiamentos
governamentais. Através das políticas de Responsabilidade Social o segundo setor, ou o primeiro –
Governo participam do processo, pois apesar do terceiro setor não possuir caráter lucrativo, é
imprescindível ter uma movimentação financeira mais ou menos significativa, dependendo da
extensão das responsabilidades assumidas.
Citamos uma reflexão de Traumann, em Oliveira (2005:14), sobre a perspectiva do impacto no âmbito
social, da representação das ONGs no Terceiro Setor:
Existem fatores básicos propiciadores de maiores vulnerabilidades para o imigrante, dentre eles:
situação financeira precária; desinformações, sobretudo acerca do funcionamento dos setores
burocráticos e sociais; incompatibilidades culturais; desqualificação profissional.
Compreendendo que as iniciativas do governo possam ser as melhores, existem muitos fatores a
dificultar tais intentos. Atendimentos em órgãos governamentais como nos postos do SEF (Serviços
de Estrangeiros e Fronteiras) não têm sido tão eficiente, prova são os inúmeros relatos de que nem
sempre os serviços acontecem como deveriam. Agendar uma entrevista neste órgão requer
insistentes e incansáveis tentativas ao telefone, sendo que a marcação atualmente está para três a
quatro meses após o contato. Dados de site de reclamações on-line*: de novembro de 2017 a
setembro de 2018 foram contabilizadas 454 queixas contra o SEF, com resolução de 67 casos no
mesmo período.
Segundo Pires estas associações defendem que o imigrante deve agir politicamente para ter um
acesso igual aos recursos existentes na sociedade de acolhimento. Porém, não é cabível a estas
organizações resolver os problemas para o imigrante, mas orientá-lo a encontrar caminhos e, com
autonomia e iniciativa política buscar seus direitos e resolver as barreiras por si só. Quando as
associações se defrontam com novas problemáticas, há uma ampla probabilidade de encontrarem
novas perspectivas para uma reestruturação social; a organização destes grupos no desenvolvimento
de instituições alternativas promove mudanças sociais que resultam de uma ação política capaz de
aquiescer os direitos existentes como também promulgar novos direitos (Pires, 2002:2). Segundo ela
existem diferentes estruturações neste sentido:
A imigração ganhou força e alento na iniciativa de cidadãos para cidadãos, John Rex (apud Moren-
Alegret, 2002) assinala quatro funções essenciais das associações: ajudar a vencer o isolamento
social, afirmar os valores e as crenças do grupo, proporcionar um apoio assistencial e agir em defesa
do grupo, na resolução de conflitos com a sociedade receptora. Segundo Moren-Alegret (2002) as
associações trabalham em três grandes áreas: socioeconômica, cultural e política-legal; para ele, a
evolução de uma associação, sua representatividade e impacto está diretamente relacionado à
participação nestas áreas.
Associação Mundificar
Casa do Brasil
Relatório do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)** indica que em 2017 pelo segundo ano
** Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo – 2007 (SEF – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras). https://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa2017.pdf
sucessivo, Portugal apresentou um acréscimo da população estrangeira moradora, aumento de 6,0%
em relação a 2016, totalizando 421.711 cidadãos estrangeiros com autorização de residência.
Constatou-se o aumento no pedido de novos títulos de residência, o que confirma a retomada da
atratividade do país como destino de imigração (acréscimo de 30,9%, totalizando 61.413 novos
residentes). Dentro deste quadro a comunidade brasileira ocupa a primeira posição, com o maior
número de pessoas imigrantes no país.
A causa principal desta alteração, segundo o investigador foi especialmente a entrada de Portugal na
CEE (Comunidade Econômica Europeia) em 1986, o país recebeu milhões de euros, que contribuiu
para uma potencialização da economia portuguesa, principalmente nas obras públicas, comércio,
expansão do consumo, proporcionando uma modernização na infraestrutura nacional, associada a
uma economia de serviços. Estes e outros impactos sociais e econômicos culminam na vinda de
imigrantes em massa, dentre ele, brasileiros, atraídos pelas oportunidades de trabalho que exigem
menores qualificações e maior acessibilidade.
Algumas vantagens os brasileiros têm em relação aos demais imigrantes no território luso, as culturas
portuguesa e brasileira são consideradas irmãs, pelos portugueses terem colonizado o Brasil e assim,
exportado para lá seu estilo de vida e língua. O idioma é um facilitador e, como citado por Carneiro
(em Malheiros,2007), outra característica propriamente cultural brasileira – a comunicação informal,
é fator cativante que oferece um toque diferenciado sobretudo nos atendimentos comerciais.
*Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo – 2007 (SEF – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras). https://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa2017.pdf
Outras vantagens são o Acordo Bilateral de Julho de 2003 e o Estado de Igualdade de Direitos, “onde
os brasileiros são considerados em diversos estudos de opinião efectuados junto da população
portuguesa como o grupo de imigrantes mais próximo desta.” (Malheiros,2007:23). Estes pontos
advindos das semelhanças culturais e afinidades histórias são atrativos para a efetivação da imigração
brasileira em Portugal.
Por se tratar de um fato cultural, econômico e social, a migração não é objeto linear e constante,
vemos os chamados ciclos migratórios. Após os anos 90 a imigração brasileira dá uma arrefecida,
(Malheiros, 2007:18-19), todavia o investigador previa possivelmente uma nova expansão imigratória
brasileira para Portugal; acreditamos a estarmos vivenciando neste momento, principalmente pelo
intrincado cenário político-econômico brasileiro. O autor assegura que seja qual for a evolução do
processo imigratório Brasil – Portugal, aprendemos neste percurso, que mesmo nos momentos de
crise, alguns imigrantes, ainda mantendo relações com seus países, não retornam a eles, eles “vem
pra ficar” (Malheiros, 2007:19)
A UAI – União, Apoio e Integração de Imigrantes luso-brasileiros em Portugal foi criada e presidida
por Alexandra Gomide, com objetivo de promover o acolhimento, a inserção e integração das famílias
luso-brasileiras em Portugal ou, que ainda residam no Brasil, com o intento de se mudarem para
Portugal. Teve sua recente inauguração em 17 de maio de 2018 em Braga e sua finalidade é fomentar
a integração através de atividades de convívio e lazer e de processos de formação e
acompanhamento profissional. Entendendo que há demandas que ultrapassam sua atuação e
capacidade, a associação busca parcerias de diferentes profissionais e entidades, visando encaminhar
e integrar todos que a procuram. A UAI não visa como objetivo a assistência social e nem auxílio no
processo de legalização dos imigrantes, no entanto, as pessoas que se encontram em situação
vulnerável e que procuram a Associação, são acolhidas e encaminhadas aos órgãos e associações
competentes.
A UAI oferece o seu espaço como acolhimento, apoio, ajuda mútua e encaminhamentos. Todos os
serviços são prestados pela direção da associação e por convênios estabelecidos com várias
especialidades, entre elas, advocacia, psicologia, pedagogia, odontologia, entre outras. Cada
profissional disponibiliza horários para atender os associados; comprometidos com a proposta da
ONG. A UAI também promove encontros, eventos, congressos, seminários e ações que possam
favorecer o processo de integração da comunidade luso-brasileira.”*
Dentro deste impacto, a associação que seria a conclusão da tese de doutorado de Ruy, segundo a
fala do diretor de marketing da Associação, acabou por se antecipar e, como informado, em maio a
Associação foi inaugurada, com sede à rua do Caires, 328, loja 23 – Maximinus em Braga, Portugal.
*(Ver Ass. de União, Apoio e Integração aos imigrantes da comunidade luso-brasileira em Portugal http://www.uai.pt/)
“A UAI nada mais é que a materialização do Olhar Brasileiro”, afirma Alexandra, que respondia as
inúmeras mensagens do canal e, quando se deu conta, estava recebendo pessoas que vinham a Braga
e queriam contato com ela: “Marcávamos em cafés e quando eu vi estava tomando café o dia
inteiro”. Foi então que seu marido Ruy começou o doutoramento em Marketing Social na Uminho e
utilizou o Olhar Brasileiro como objeto de investigação, já que o canal desde o início obteve a atração
do público português e fomentou esta integração entre brasileiros e portugueses. “Administrar
portugueses e brasileiros” não é fácil, diz Alexandra, mas deixa clara sua intenção desde o princípio
de não formar guetos, grupos fechados. “Quando o Ruy apresentou o projeto na Uminho, o professor
coordenador se apaixonou, resolveu abraçar e levar adiante, e uma das consequências seria criar a
associação, um espaço para que isso se tornasse oficial”. Com o contato de muitas pessoas em mãos
lançou a ideia, montaram a equipe que abraçou o projeto e inauguração foi feita. “Foi tudo muito
fácil, chegou a surpreender, porque foi muito rápido” comenta Alexandra que diz que agora o que faz
é tentar entender o que a pessoa está buscando e a partir disso, direcionar para parceiros ou grupos
afins. Formaram-se equipes por áreas: jurídica, pedagógica, psicológica, imobiliária, empresarial,
musical e com isso foram surgindo grupos de pesquisa, com a intenção de formular projetos para
apresentar para órgãos como: Câmara ou União Europeia. “São formas dessas pessoas atuarem nas
suas áreas como também de se apresentarem para o mercado...” “As parcerias são muito
interessantes: Tem muitos portugueses buscando ajudar como voluntários...” “Os convênios
também, desde que abri a UAI nunca fui atrás, eles me procuram...” Para ter parceria com a UAI
precisa oferecer alguma coisa que seja em benefício dos associados...” “Tem encaminhamentos que
acabei realizando e só fiquei sabendo lá na frente que realmente deu certo, às vezes me procuram
pra agradecer...” “As coisas acontecem muito naturalmente, hoje acho que meu papel aqui é só
chegar, receber e distribuir...” “O Olhar brasileiro, ele é fundamental, o trabalho da UAI aparece pelo
Olhar Brasileiro...” “O Olhar virou um veículo publicitário, agora com o jornal impresso também, são a
vitrine da UAI...” “Olhar Brasileiro é uma coisa, a UAI é outra, mas quem apoia a UAI é o Olhar ...”
“Temos associados que nem chegaram em Portugal ainda...” “O contato com a Câmara foi aos
poucos, uma aproximação sutil...” “Os membros da Câmara procuraram a UAI acredito que pela
seriedade do nosso trabalho, começaram a nos enviar convites para eventos e participamos do
Interculturalidade...” “Não temos ligação política, mas precisamos dos apoios governamentais...”
“Nunca falei de nada sem um português por trás, não me sinto em condições de falar, sempre
coloquei o meu olhar, mas com um português me dando este suporte do que é real...” “Hoje eu vejo
que criamos um espaço de acolhimento, com uma credibilidade muito interessante...” “O capital
humano que temos é fantástico...” “A riqueza da UAI eu acho que são as pessoas, mas quem
procurou a UAI com um interesse que não fosse de construir, não ficou, não se encaixou...” “Hoje o
apoio que eu tenho de associados, voluntários, empresários, parceiros é muito grande...” Fala o que
você está precisando, porque eu vou ter onde buscar, isso é uma conquista enorme...” “a Integração é
o nosso objetivo, por isso em todos eventos e todas as ações buscamos trazer portugueses e
brasileiros, a integração precisa das duas comunidades, a gente não acredita nesta integração com
guetos...” “O diferencial foi aí, a gente se construiu juntos: portugueses e brasileiros, nesta
integração...” Eu tenho retorno dos portugueses neste sentido: Alexandra, eu nunca tinha pensado
desta maneira...” “expressões por exemplo “terrinha”, pra eles era ofensivo, mas com diálogo... hoje
eu vejo que eles mesmo entenderam e conduzem estas situações...” “É gratificante porque temos
apoio...” “Onde a gente vai chegar, não sei, porque a cada semana descobrimos um caminho novo...”
Conversamos com alguns voluntários atuantes na UAI, de áreas distintas, para conhecer um pouco de
suas experiências pessoais com a imigração e com a UAI - suas percepções em relação aos imigrantes
que têm procurado a associação.
Advogada há vinte e quatro anos, Suejane Assis Moura Nicacio diz que decidiram vir para Portugal,
ela, o esposo e seus dois filhos em busca de segurança e maior qualidade de vida. Morando no Rio de
Janeiro, onde também lecionava no ensino superior, Suejane conheceu Braga e a Alexandra Gomide
através dos vídeos do Olhar Brasileiro. Após se instalarem em Braga, disposta a dedicar-se
especialmente à família, afirma que passou o primeiro ano escolar empenhada sobretudo na
adaptação dos filhos e, apesar de continuar advogando, num ritmo mais brando. Após a adaptação,
passou a realizar um trabalho voluntário de atendimento na UAI, além de integrar um projeto de
pesquisa na associação, juntamente com a Dra. Helena, também da área jurídica.
Em relação aos atendimentos que realizou até o momento, relata que foram relativos à legalização de
visto: “Percebemos que muitos brasileiros chegam aqui sem o menor preparo, principalmente
financeiro, e tentam a sorte para se estabelecerem através da busca de empregos no período de
validade do visto de turista. Quando o prazo final se aproxima ficam desesperados, se não
conseguiram emprego e por isso procuram ajuda na Associação”. Houve várias reclamações sobre o
atendimento nos postos do SEF, afirma Suejane, que acredita que os aconselhamentos têm oferecido
uma orientação para as que as pessoas se fortaleçam em busquem formas de saírem da ilegalidade e
assim, se sentirem mais dignas e menos discriminadas. A UAI tem se dedicado intensamente ao seu
objetivo de acolher e integrar pessoas.
Ana é psicóloga, com doutorado em Psicologia Social e reside em Braga há pouco mais de três meses.
Conheceu a UAI através de amigos brasileiros e tem participado do grupo de pesquisa com outros
profissionais ligados ao Direito, à Educação e à Terapia Ocupacional, que visa perceber como crianças
e adolescentes imigrantes estão sendo atendidos nas escolas portuguesas. Ana tem intuito de iniciar
atendimentos voluntários na UAI no campo da psicologia e coloca sua experiência pessoal como
imigrante em Portugal, afirmando que há barreiras, sobretudo de ordem burocrática para exercer sua
profissão no território português. Explica que uma mudança implementada pela OPP (Ordem dos
Psicólogos Portugueses) determinou maiores exigências e morosidade para se obter a inscrição e
registro neste órgão, o diploma estrangeiro passa a ser reconhecido após avaliação minuciosa das
grades curriculares do curso, para se certificar a equivalência entre os estudos realizados nas
universidades estrangeiras e portuguesas. Segundo Ana pode até mesmo ocorrer a impossibilidade
de se efetuar a equivalência destes documentos, pois há diferenças entre os percursos nos programas
de graduação, mestrado e doutorado dos dois países. Ana possui experiência clínica, em psicologia
social com comunidades indígenas e quinze anos como educadora universitária, na cadeira de
Psicologia Social e não se conforma de perceber que todo este percurso não é levado em conta em
sua avaliação profissional em Portugal.
Carla Rodrigues é pedagoga com mais de dez anos de atuação em diferentes escolas privadas,
ama lecionar e conta que estava realizada profissionalmente no Brasil, lecionava em duas escolas as
quais almejou em sua jornada como professora: instituições conectadas, com ampla abertura
pedagógica e ligadas às novas metodologias. Pela vontade de seu esposo decidiram vir para Portugal,
onde resolveu retomar os estudos - cursa o mestrado em Educação Inclusiva da Uminho. Carla sabia
que teria algumas resistências para exercer seu trabalho em Portugal, em particular por causa das
diferenças idiomáticas, entretanto, em Portugal seu diploma de licenciatura em Pegagogia não é
reconhecido e uma das possibilidades seria retornar à graduação, o que não faz parte de seus planos
nesta altura da vida pessoal e profissional. Carla conheceu a UAI e com ela a Alexandra, tomando
contato com histórias como a sua, o que de certa forma a acalentou: encontrou na UAI uma parceria
e espaço para dar voz as suas indagações, experiências e aspirações pedagógicas. Tem composto
grupos de pesquisa e atendimento buscando auxiliar a integração escolar das crianças brasileiras e,
embora tenha realizado poucos atendimentos, conta um caso marcante. Uma criança brasileira de
oito ou nove anos que frequenta o quarto ano do primeiro ciclo, chegou com sua mãe trazendo um
texto todo rabiscado de caneta vermelha, pois não apresentava a “escrita correta” da língua
portuguesa; a garotinha estava desestimulada, com a autoestima muito baixa e sem vontade de
continuar a frequentar a escola. Um caso isolado, porém, lamentável e inconcebível, um exemplo
concreto de aniquilamento da cultura minoritária, de supressão da expressão do outro e de
imposição cultural.
No primeiro número do jornal impresso do Olhar Brasileiro (novo meio de publicitário que divulga as
ações da UAI), abrindo a coluna de educação Carla questiona sobre as variantes linguísticas, na ideia
de se entender que a língua portuguesa tem características regionais e contextuais, que devem ser
entendidas e aceitas, nas suas riquezas dialéticas que representam as diversidades culturais.
Considerações Finais
Para finalizar este breve estudo cabe dizer que não tivemos nenhuma pretensão de concluir os
assuntos ou generalizar considerações, principalmente acerca dos desempenhos governamentais,
apresentamos recortes de experiências cotidianas em situações reais vivenciadas no contexto
imigratório e nas relações culturais conferidas por este cenário. Em realidade, infindáveis reflexões se
abrem à novas investigações e aprofundamentos, porém concluímos a relevância do tema e as muitas
dificuldades a sua volta.
Melhor que medir forçar é uni-las a procura de novos caminhos, onde todos possam se beneficiar:
Estado, ONGs, população autóctone e imigrantes, numa integração real, em que todas as culturas
envolvidas toquem e sejam tocadas uma pelas outras, ampliando perspectivas e proporcionando
outros olhares para o mundo, afinal “a multiculturalidade é um fato” (Moreira, 2008). Como
brilhantemente mencionado na aula de Sociologia da Cultura pela professora doutora Emília
Rodrigues Araújo, sujeita a nossa interpretação: Afinal o que faz os nativos se sentirem “donos” do
território em que vivem? Alegarem estarem no local há mais tempo? Há sentido nesta apropriação
territorial e cultural? Ficam, além de muitas outras, estas questões...
Referências bibliográficas:
Malheiros, J. M. (2007). Imigração brasileira em Portugal. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração
e Diálogo Intercultural (ACIDI, I. P.).
Oliveira, S.B. de (2005). Ação social e terceiro setor no Brasil. Instituto Fonte. Dissertação de
Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil. Retirado de
http://new.institutofonte.org.br/acao-social-e-terceiro-setor-no-brasil/
Rosas, J. C.(2008). Manual de Filosofia Política. Coimbra: Editora Almedina.
Pires, S. (2004). O terceiro setor imigrante e as Associações dos Imigrantes do Leste Europeu em
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Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, Diário da República n.º 85/2007, 1º Suplemento,
Série I de 2007-05-03. Plano para a Integração dos Imigrantes. Pág.2964-(2) a 2964-(23)