Você está na página 1de 322

ii

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

Ana Elisa Jacob

Um caso de transposição didática dos gêneros textuais: a


Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo e os
Cadernos do Aluno do Ensino Médio

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA


LINGUAGEM

São Paulo
2013

ii
iii

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP

Ana Elisa Jacob

Um caso de transposição didática dos gêneros textuais: a


Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo e os
Cadernos do Aluno do Ensino Médio

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA


LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
sob a orientação da Profª Drª Maria Cecília
Pérez de Souza-e-Silva.

São Paulo
2013

iii
iv

Dissertação defendida e aprovada em ____/_______/__________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
PROFª. DRª. MARIA CECÍLIA PÉREZ DE SOUZA-E-SILVA

__________________________________________________
PROFª. DRª. ELIANE LOUSADA

__________________________________________________
PROFª DRª LUZIA BUENO

__________________________________________________
PROFª DRª MARA SOPHIA ZANOTTO - Suplente

iv
v

FICHA CATALOGRÁFICA

JACOB, Ana E. (2013). Um caso de transposição didática dos gêneros textuais: a


Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo e os Cadernos do Aluno do
Ensino Médio. São Paulo.

310 f.

Dissertação (Mestrado): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Área de Concentração: Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – LAEL.

Orientadora: Professora Doutora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva.


AGRADECIMENTOS
Palavras-chave: Gêneros Textuais, Transposição Didática, Dimensões Ensináveis e
Capacidades de Linguagem.

v
6

AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos a todos que compreenderam , incentivaram,
vibraram, apoiaram, persistiram e acreditaram em minha jornada. Sem vocês,
seria impossível.

Aos meus pais e irmãs, meus pilares de sustentação e meus amores


incondicionais.

Ao Fernando, amado, noivo, amigo, companheiro e incentivador.

À minha querida e amada Anna Rachel Machado, pela confiança e


ensinamentos de uma vida.

À Luzia Bueno pelo incentivo e o apoio de sempre.

Ao Grupo LAEL/PUCSP: Vera, Dalve, César, Arli, Marcinha, Chris, Kátia,


Carlinha e Deivis pelos conhecimentos compartilhados, pelo companheirismo,
pelos desabafos, pelas celebrações e superações.

Às queridas Carlinha e Kátia, pela amizade, carinho, atenção, risadas,


verdades e orientações valiosíssimas.

À Professora Mara Sophia, por nos oferecer a mão, pelo carinho e


dedicação.

À Professora Cecilinha, pela acolhida.

À Eliane e Ermelinda, pelo apoio e atenção.

Ao Egon Rangel, pelos esclarecimentos e dicas do caminho a seguir.

A todos os professores do LAEL, pelos ensinamentos.

À Maria Lúcia, pela assistência e prontidão em nos atender e pelos helps


de última hora.

À equipe Seven Idiomas Vinhedo, Junior, Fabiana, Malica, Rose,


professores e funcionários, pela amizade, pelo incentivo, pelas concessões e
compreensão de um sonho.

Aos amigos que, mesmo indiretamente, me ajudaram a concluir mais


uma etapa da minha vida. Em especial, Milene, Talita e Ivana, que
compreenderam minha ausência e festejaram nossos raros encontros.

Ao CNPq pelo incentivo à pesquisa.

vi
7

À minha querida orientadora, que nos deixou a intensidade e paixão de viver ...

“Vi a vida vivida.


Vi deixarem o tempo fluir.
Vi o circo, brinquei com o palhaço,
fiz malabarismos,
fui trapezista e acrobata
domadora e domada.

[...]

Agradecida e agraciada,
quando o circo se armar
serei o riso-criança
que nunca se há de apagar.

em mim.”

Anna Rachel Machado

vii
8

RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo avaliar a proposta de transposição didática
dos gêneros textuais pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP),
a partir do ano de 2008, ao implementar a Nova Proposta Curricular. Mais
especificamente, analisar nos textos de orientação curricular e nos materiais didáticos
elaborados por essa instituição como os gêneros foram transpostos, desde sua
conceituação até o tratamento didático. Consideramos que essa pesquisa está
inserida dentro de duas grandes problemáticas que estão intimamente ligadas: o
ensino de gêneros textuais no Brasil, cujo consenso conceitual tanto do campo
científico quanto didático não está claro, dificultando a compreensão e sua apropriação
pelos envolvidos no processo educacional; e as influências político-econômicas na
seleção dos objetos de ensino e das metodologias adotadas que, ao longo da história
nacional, encararam a educação como um verdadeiro instrumento mercadológico, e
tomam as ferramentas de ensino-aprendizado (materiais didáticos) como suficientes
para a melhoria da qualidade do ensino ofertado. Buscamos, portanto, através dos
aportes teóricos sobre a Transposição Didática (transformações que os
conhecimentos e as práticas sociais sofrem para se tornar ensináveis), desenvolvidos,
primeiramente, por Chevallard (1991), compreendermos as possíveis transformações
que o conhecimento pode sofrer ao ser comunicado através dos textos, acreditando
dessa forma não em uma visão aplicacionista dos conhecimentos, mas dialética em
que o contexto e intertexto influenciam e o moldam. Após compreendermos tais
movimentos transposicionais (ou transformacionais) recorremos aos estudos didáticos
genebrinos, Interacionistas Sociodiscursivos (ISD), que propõem uma transposição
didática coerente com as necessidades da comunidade local, as capacidades já
desenvolvidas pelos alunos e aquelas que a escola determina como importantes de
serem desenvolvidas. Esses estudos além de nos fornecer bases psicológicas e
discursivas que explicam como os processos materiais e simbólicos proporcionam o
desenvolvimento na e pela linguagem, também nos dá o amparo para a análise do
material didático através da própria metodologia de análise de textos ISD
(BRONCKART, 1999) e das concepções elaboradas sobre os Modelos Didáticos (DE
PIETRO, 1996/1997) (SCHNEUWLY & DOLZ, 1997) e Sequências Didáticas (DOLZ,
NOVERRAZ & SCHNEUWLY, 2001), os quais são amplamente divulgados e adotados
em propostas didáticas tanto no Brasil quanto no exterior. O Procedimento
Metodológico utilizado para alcançarmos nossos objetivos, consistiu, primeiramente,
em analisarmos o contexto que foi elaborada a Nova Proposta Curricular, em seguida,
os planos enunciativo e semântico da Proposta Curricular da SEESP, para sabermos
quais são as concepções de linguagem e de aprendizagem adotadas, e os objetivos e
encaminhamentos didáticos determinados para o tratamento do objeto de ensino.
Logo depois, analisamos as dimensões ensináveis dos gêneros textuais trabalhadas
nas atividades didáticas, classificando-as de acordo com as três capacidades de
linguagem (ação, discursiva e linguístico-discursiva), para assim compreendermos
como se deu o tratamento didático e, consequentemente, as transformações típicas do
processo de transposição didática. Os resultados que obtivemos com esses
procedimentos foi que o conceito de gênero textual não foi discutido no texto da Nova
Proposta Curricular, dificultando, dessa forma, a compreensão de seus principais
destinatários, os professores, do próprio objeto de ensino. Quanto ao ensino de
gêneros proposto, não contemplou o objetivo e os encaminhamentos didáticos
estipulados a princípio, além de não trabalharem progressivamente as dimensões
ensináveis ao longo das séries do Ensino Médio, apresentando problemas no
processo de transposição didática.

Palavras Chaves: Gêneros Textuais, Transposição Didática, Dimensões Ensináveis e


Capacidades de Linguagem.
viii
9

ABSTRACT

This research aims to evaluate the proposed didactic transposition of text


genres by the Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP), from the
year 2008 to implement the New Curriculum Proposal. More specifically, analyzing the
texts of curriculum guidance and educational materials produced by that institution as
the genders were transposed from its conceptualization to the didactic treatment. We
believe that this research is embedded within two major issues that are closely linked:
the teaching of textual genres in Brazil, which conceptual consensus of the scientific
field as both didactic unclear, difficult to understand and their appropriation by those
involved in the educational process, and the political and economic influences in the
selection of objects and teaching methodologies adopted that, throughout the national
education history faced as a true marketing tool, and take the teaching and learning
tools (teaching materials) as sufficient to improve quality of the education offered. We
seek, therefore, through the theoretical contributions on the Didactic Transposition
(transformations that knowledge and social practices suffer to become teachable),
developed primarily by Chevallard (1991), we understand the possible transformations
that knowledge can be by being communicated to suffer through texts , so not believing
in a vision applicationist of knowledge, but in the dialectic context and intertext
influence and shape it. After understanding such transpositional (or transformational)
movements resorted to studies textbooks Genevans, interactionist Sociodiscursivos
(ISD), who propose a didactic transposition consistent with the needs of the local
community, the capabilities already developed by students and those that the school
determines how important they are developed. These studies provide a basis in
addition to psychological and discursive processes that explain how to provide material
and symbolic development in and through language, also gives us the support for the
analysis of teaching materials through its own analysis methodology texts ISD
(Bronckart, 1999 ) and the concepts elaborated on Models of Teaching (DE PIETRO,
1996/1997) (Schneuwly & Dolz, 1997) - descriptive and operational object that gives us
conditions to apprehend the complex phenomenon of learning a genre - Sequences
and Teaching (Dolz, NOVERRAZ & Schneuwly, 2001) - systematic teaching of a
knowledge that enables the teacher and the student to take ownership of their size
teachable - which are widely disseminated and adopted didactic proposals both in
Brazil and abroad. The Methodological Procedure used to achieve our goals, consisted
primarily in reviewing plans and declarative semantics of the Curriculum Proposal
SEESP, to know what the conceptions of language and learning adopted are, and
certain educational goals and referrals for treatment of object of teaching. Then we
analyze the dimensions of teachable text genres worked in didactic activities,
classifying them according to the three language skills (action, discursive and linguistic-
discursive), thus to understand how the didactic was and hence the transformations
typical of the process of didactic transposition. The results obtained with this procedure
was that the concept of genre was not discussed in the text of the New Curriculum
Proposal, hindering thus the understanding of its main targets, teachers, teaching the
object itself. Regarding the teaching of genres proposed, did not contemplate the
purpose and referrals textbooks prescribed at first, and not the teachable dimensions
work progressively along the series of High School, presenting problems in the process
of didactic transposition.

Key Words: Textual Genres, Didactic Transposition, Dimensions Teachable and


Language Capabilities.

ix
10

SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................... 1

II – O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS NO BRASIL ............................................................................................... 11


2.1 Contexto Sócio-Histórico do ensino dos gêneros textuais......................................................................................... 11
2.2 O Ensino de Gêneros Textuais nos livros didáticos de Língua Portuguesa 16
2.2.1 Percurso histórico do LD no Brasil...................................................................................................................... 16
2.2.2 Estudos sobre o ensino de gêneros nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa no Brasil – a transposição dos
conhecimentos................................................................................................................................................................... 24

III – O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO......................................................................................................... 32


3.1 A formação do quadro teórico-metodológico ISD: suas influências......................................................................... 32
3.2 O ISD e suas bases filosóficas e psicológicas......................................................................................................... 35
3.3 Concepções de Linguagem...................................................................................................................................... 43
3.4 A emergência da linguagem nas atividades sociais e a importância do social para essa emergência..................... 48
3.5 A linguagem como propiciadora e determinante para o desenvolvimento humano.................................................. 51
3.6 O programa de trabalho do ISD: por uma concepção descendente ......................................................................... 54
3.7 Procedimentos de análise dos textos....................................................................................................................... 56
3.7.1 O contexto de produção textual.......................................................................................................................... 57
3.7.2 Nível Organizacional.......................................................................................................................................... 60
3.7.3 Nível Enunciativo............................................................................................................................................... 74
3.7.4 Nível Semântico................................................................................................................................................. 75

IV – TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA................................................................................................................................ 77
4.1 Os Estudos sobre Transposição Didática................................................................................................................ 77
4.2 Uma possível reformulação da compreensão da problemática sobre Transposição .............................................. 83
4.2.1 As transformações dos conhecimentos para fins didáticos e os problemas da TD........................................... 87
4.2.1.1 Transposição Didática Externa (TDE)........................................................................................................... 88
4.2.1.2 Transposição Didática Interna (TDI)............................................................................................................. 93

V – PROPOSTA DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA PARA O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS............................. 97


5.1 A necessidade do ensino dos gêneros textuais........................................................................................................ 97
5.1.1 Os gêneros textuais como Instrumento Psicológico do professor e do aluno...................................................... 100
5.2 Modelo Didático: como transpor a noção de gênero para o ensino.......................................................................... 102
5.2.1 Diferentes concepções de aprendizagem e a perspectiva interacionista-social................................................. 105
5.2.2 Progressão Curricular......................................................................................................................................... 112
5.2.3 A construção de modelo didático....................................................................................................................... 118
5.3 Sequências Didáticas............................................................................................................................................... 121
5.4 Os trabalhos desenvolvidos nessa perspectiva....................................................................................................... 126

x
11

VI – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................................................................................. 129


6.1 Coleta e seleção dos dados: a escolha do material didático e do intertexto ............................................................. 130
6.2 Procedimentos de análise................................................................................................................................. 131
6.2.1 Análise dos Contextos Sócio-Histórico mais amplo e particular .................................................................... 131
6.2.2 Análise Enunciativo-Semântica da Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa............ 132
6.3 Análise do Plano Global dos Cadernos do Aluno....................................................................................................... 134
6.4 Análise das dimensões ensináveis do gênero textual poema e a proposta de Progressão Curricular nos Cadernos
do Aluno................................................................................................................................................................ 135

VII - RESULTADOS DA ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................................ 138


7.1 Análise do Contexto de Produção............................................................................................................................... 138
7.1.1 O contexto sócio-histórico mais amplo............................................................................................................. 138
7.1.2 O contexto sócio-histórico particular: o caso de São Paulo................................................................................ 143
7.1.3 A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de Língua Portuguesa............................................ 148
7.1.3.1 O objetivo e objeto de ensino e o encaminhamento didático.......................................................................... 148
7.1.3.2 As concepções de linguagem e aprendizagem presentes na Proposta Curricular da SEESP........................... 154
162
7.2 Plano Global dos Cadernos do Aluno do Ensino Médio de Língua Portuguesa........................................................
7.2.1 Os macroorganizadores textuais e o cotexto dos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio 163
7.2.2 As Situações de Aprendizagem e os tipos de atividades propostas para o trabalho dos gêneros textuais.......... 166
7.3 As dimensões ensináveis dos gêneros textuais nos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio... 173
7.3.1 As dimensões actanciais desenvolvidas nas atividades didáticas dos Cadernos do Aluno.................................... 175
7.3.2 As dimensões discursivas desenvolvidas nas atividades didáticas dos Cadernos do Aluno............................... 179
7.3.3 As dimensões linguístico-discursivas desenvolvidas nas atividades didáticas dos Cadernos do Aluno............... 182
7.4 A Progressão Curricular dos conteúdos nos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio............... 187

VIII - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................... 194

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................................. 203

ANEXOS I - Páginas analisadas do documento: “Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa –
Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino Médio”................................................................................................................... 208

ANEXOS II – Atividades Didáticas do Gênero Poema....................................................................................................... 225

xi
12

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Implementações do Governo Federal............................................................................................. 13


Quadro 2: Os mundos discursivos e as relações com o conteúdo temático e o espaço-tempo de produção 63
Quadro 3: Tipos de Discurso e implicações.................................................................................................... 64
Quadro 4: Corpus de Análise do Contexto de Produção................................................................................ 131
Quadro 5: Corpus de Análise da Proposta Curricular dos Gêneros Textuais da SEESP................................ 131
Quadro 6: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 1ª série ....................... 135
Quadro 7: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 2ª série ....................... 136
Quadro 8: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 3ª série ........................ 136
Quadro 9: Proposta Didática para o trabalho com os textos/gêneros textuais no Currículo da SEESP.......... 153
Quadro 10: Concepções de Linguagem na Proposta Curricular de São Paulo............................................... 161
Quadro 11: Concepções de Aprendizagem na Proposta Curricular da SEESP............................................. 161
Quadro 12: Gêneros Textuais Trabalhados no Ensino Médio....................................................................... 174
Quadro 13: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 1ª série........................................ 175
Quadro 14: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 2ª série...................................... 176
Quadro 15: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 3ª série....................................... 177
Quadro 16: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 1ª série..................................... 179
Quadro 17: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 2ª série..................................... 180
Quadro 18: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 3ª série...................................... 180
Quadro 19: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 1ª série .................. 182
Quadro 20: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 2ª série................... 183
Quadro 21: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 3ª série................... 184
Quadro 22: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 1ª série............................................ 187
Quadro 23: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 2ª série............................................ 187
Quadro 24: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 3ª série............................................ 187
Quadro 25: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 1ª série.......................................... 190
Quadro 26: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 2ª série.......................................... 190
Quadro 27: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 3ª série.......................................... 190
Quadro 28: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 1ª série......................... 193
Quadro 29: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 2ª série......................... 193
Quadro 30: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 3ª série......................... 193

LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 1: Tripolaridade da Atividade Humana......................................................................................... 37


Esquema 2: Instrumento Psicológico por Rabardel (1999).......................................................................... 39
Esquema 3: Os Instrumentos Psicológicos na ação humana...................................................................... 40
Esquema 4: Proposta de Transposição Didática de Verret (1975)................................................................ 74
Esquema 5: Níveis da Transposição Didática ALTER (LAEL)...................................................................... 85
Esquema 6: Transposição Didática Externa.............................................................................................. 91
Esquema 7: Modelo Didático dos Gêneros Textuais.................................................................................. 120
Esquema 8: Sequência Didática............................................................................................................... 122

xii
13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Capa da Proposta Curricular da SEESP........................................................................................... 145


Figura 2: Jornais do Aluno da 1ª e 2ª séries do Ensino Médio........................................................................ 146
Figura 3: Cadernos do Professor..................................................................................................................... 146
Figura 4: Cadernos do Aluno............................................................................................................................ 147
Figura 5: Capa do Caderno do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio............................................... 163
Figura 6: Contracapa do Caderno do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio..................................... 164
Figura 7: Carta ao Aluno da SEESP................................................................................................................. 165
Figura 8: Atividade de Sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos..................................................... 167
Figura 9: Atividade de levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos quanto ao gênero textual........ 167
Figura 10: Exemplar do Gênero Textual Discurso de Formatura.................................................................... 168
Figura 11: Exemplares de outros gêneros textuais para o trabalho com o conteúdo temático....................... 169
Figura 12: Atividade Didática relacionada ao contexto de produção............................................................... 170
Figura 13: Atividade Didática Relacionada à organização textual................................................................... 171
Figura 14: Atividade Didática Gramatical........................................................................................................ 171
Figura 15: Orientações para a produção textual............................................................................................. 172
Figura 16: Orientações para a produção textual - II........................................................................................ 172
Figura 17: Atividade de Discussão das Representações do Conteúdo Temático........................................... 188
Figura 18: Atividade de Discussão do Contexto Sócio-Histórico................................................................... 188
Figura 19: Atividade de Discussão da Crítica Social...................................................................................... 189
Figura 20: Atividade do Caderno do Aluno da 1ª série de Discussão do Contexto de Produção e Recepção 189
Figura 21: Atividade do Caderno do Aluno da 2ª série de Discussão do Contexto de Produção e Recepção 189
Figura 22: Atividade de Identificação do Conteúdo Temático........................................................................ 190
Figura 23: Atividade de Identificação da Estrutura Organizadora do Conteúdo Temático............................. 191
Figura 24: Atividade de Identificação da Estrutura de Rimas......................................................................... 192

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 1ª série do EM............................................................... 175


Gráfico 2: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 2ª série do EM............................................................... 176
Gráfico 3: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 3ª série do EM............................................................... 177
Gráfico 4: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 1ª série do EM........................................... 179
Gráfico 5: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 2ª série do EM.......................................... 180
Gráfico 6: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 3ª série do EM........................................... 181
Gráfico 7: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 1ª série do EM.......................... 182
Gráfico 8: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 2ª série do EM........................... 183
Gráfico 9: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 3ª série do EM........................... 184

xiii
1

I – INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo mais amplo avaliar a proposta de


ensino da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (de agora em
diante SEESP) para o currículo de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Mais
especificamente, avaliar a proposta de transposição didática dos gêneros
textuais desde sua conceituação nos textos de orientação curricular elaborados
por essa instituição, até o tratamento didático nos materiais didáticos.
Consideramos que a análise que propomos nesta pesquisa se insere
dentro de duas grandes problemáticas, que não se encontram em dois polos
distintos, mas em duas bases que se imbricam e interferem uma na outra. A
primeira problemática seria o ensino de gêneros textuais e a segunda as
intervenções governamentais que definem os rumos da construção dos
currículos que propõem esse ensino.
Quanto à primeira problemática, nos deparamos com orientações
educacionais que determinam o que ensinar: os gêneros textuais. No entanto,
não existe um consenso, nos documentos oficiais, sobre a definição de tal
conceito, assim como também podemos constatar no campo científico.
Segundo Machado&Bronckart (2009) e Machado&Cristóvão (2009) , o convívio
de diferentes abordagens discursivas e linguísticas e a compartimentalização
dos conhecimentos, ou seja, a adoção e adaptação de partes das propostas
teórico-metodológicas, favorecem uma abordagem equivocada dos gêneros
textuais e ainda a dificuldade em se identificar os objetivos perseguidos nas
situações de emergência em que os aportes pedagógicos foram construídos.
No caso específico das propostas didáticas encontradas nos materiais
didáticos – principais ferramentas do trabalho do professor e do aprendizado do
aluno – assim como constataram diversos estudos, dentre eles os
desenvolvidos por Marcuschi (2001), Grillo&Cardoso (2008) e Bueno (2011),
por mais que haja a determinação do objeto a ser ensinado, não encontramos
orientações para um trabalho com as principais dimensões ensináveis dos
gêneros, o que resulta em práticas que revelam um tratamento didático não
compatível com o conceito de gêneros textuais, os quais consideramos como
2

objetos sócio-historicamente construídos e essenciais para a comunicação


humana. Deixa-se, portanto, de lado a importância em apreender os diferentes
significados construídos nos textos em correspondência com seu contexto
sócio-histórico de emergência.
Quanto à Proposta Curricular, que propomos analisar, faz parte de uma
rede de intervenções governamentais que vem sendo implementada na
educação brasileira, mais intensamente, desde a década de 1980. Assim como
nos esclarece Silva (1996) e Castro (2009), o discurso utilizado para tais ações
é o da melhoria da qualidade da educação, sendo essa uma das medidas
exigidas pelas agências monetárias internacionais para a concessão de
empréstimos financeiros aos países em desenvolvimento, como o Brasil e,
também, como condição para sua ascensão ao posto de país desenvolvido. As
intervenções consistem, mais comumente, na elaboração de novos
documentos da educação, ou seja, textos que estabelecem normas e leis para
o ensino-aprendizado como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), Propostas
Curriculares, Materiais Didáticos; na elaboração de Exames que avaliam o
nível de proficiência dos alunos ENADE, ENEM, SARESP, e outros textos que
prescrevem as ações dos envolvidos no processo educacional.
Sendo assim, vemos a necessidade, em nossas análises, de demonstrar
o que, de fato, está sendo proposto para o ensino de gêneros textuais em sala
de aula pelo governo do estado de São Paulo e, se realmente, nos materiais
didáticos elaborados por seus representantes, são propostas atividades
didáticas que dão condições aos professores e alunos de chegarem ao ensino-
aprendizado eficaz e que realmente provoquem o desenvolvimento de um
cidadão capaz de interagir e agir na sociedade na e pela linguagem.
Acreditamos, portanto, que a elaboração de uma nova base curricular e
de novos materiais desenvolvidos pela SEESP, nomeados como Caderno do
Aluno do Ensino Médio de Língua Portuguesa, está vinculada a uma série de
mudanças e exigências econômicas e sociais que influenciaram o panorama da
educação brasileira e que possibilitaram a distribuição e uso obrigatório em
toda rede de ensino de São Paulo.
3

Devido a isso, discorreremos, nesta introdução, brevemente sobre o


contexto histórico das reformas educacionais brasileiras a partir da década de
1980, em seguida, partiremos para a explicação da situação de emergência da
Nova Proposta Curricular e, por último, para a apresentação mais detalhada
das justificativas, dos objetivos gerais e específicos e das perguntas de nossa
pesquisa.
As reformulações nos documentos oficiais, nas propostas de ensino e
nas leis que regem a educação brasileira atual iniciaram na agitada década de
1980. Nesse momento, o regime militar perdia forças cedendo espaço para a
democracia e, consequentemente, para a nova lógica mercadológica do
neoliberalismo, que exigia uma população mais produtiva e mais adaptativa às
novas demandas. Para atender a esse novo movimento político-econômico, a
educação voltou-se para a preparação da mão-de-obra qualificada com o apoio
de agências internacionais, tornando-se, dessa forma, um verdadeiro
instrumento para o desenvolvimento econômico. Inevitavelmente, as propostas
que regiam até então todo o sistema educacional nacional não se adequavam
mais às novas aspirações desenvolvimentistas, sendo assim, foram
necessárias as revisões e reformas nas Diretrizes, nos Parâmetros e nas Leis
de Diretrizes de Base da educação que foram elaboradas e implantadas na
década de 1990. (VALLE, 2009); (MACHADO & GUIMARÃES, 2009).
Atualmente, os discursos que sustentam as reformas dizem privilegiar a
implantação de sistemas de avaliações em larga escala, como forma de avaliar
os sistemas educacionais, sugerir medidas para as dificuldades de
aprendizagem encontradas e propor uma política pública educacional
adequada, coerente e eficaz para a melhoria dos sistemas de ensino. No
Brasil, os conhecemos como ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que
avalia os conhecimentos dos alunos no término do Ensino Médio; Prova Brasil
que avalia o desempenho dos alunos do quinto ao nono ano do ensino
fundamental e SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar), que
avalia as escolas paulistas periodicamente, por exemplo.

A necessidade da implantação de sistemas de avaliação decorre,


segundo os envolvidos, de visões, perspectiva e interesses diferentes quanto
4

ao papel do sistema educativo como, por exemplo: a crença na melhoria das


economias nacionais associada ao fator educação; na influência nos
conteúdos, nas avaliações e competências desenvolvidas na escola a favor
das necessidades do mercado de trabalho e de sua produtividade e na redução
dos custos dos governos na educação. Essa nova tendência quase sempre é
incorporada a novas formas de administração e gestão, que defendem a
responsabilização social e profissional pelos resultados da educação e,
também, a implantação de propostas curriculares que desenvolvem
intervenções no cotidiano escolar em especial, na sala de aula (CASTRO,
2009). Semelhantes perspectivas e interesses teve a Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo (SEESP) quando elaborou e implantou a Nova
Proposta Curricular em 2008, gerando uma reforma educacional no nível
estadual.

Tal proposta curricular surgiu como forma de reforçar e manter as ações


que garantissem a consolidação do Plano de Metas traçado para a melhoria da
educação paulista, pois, diante dos resultados insatisfatórios obtidos nas
avaliações SAEB (Sistema de Avaliação Básica da Educação), hoje Prova
Brasil, ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e outras no ano de 2007 – os
quais demostraram a má qualidade da educação nas escolas públicas
estaduais – a SEESP decidiu promover a mudança dos rumos da educação
paulista renovando o sistema de avaliação SARESP, em conformidade com a
métrica de avaliação utilizada no SAEB/Prova Brasil, e adequando as
propostas de ensino e as intervenções em sala de aula em conformidade com
essa avaliação e com as demais no nível nacional.

A Nova Proposta Curricular de São Paulo, hoje Currículo Oficial, visa,


portanto, estabelecer um currículo comum a todas as escolas. Para que ela
pudesse se efetivar, apostou-se na elaboração dos guias didáticos de suporte
aos professores, isto é, os Cadernos do Professor, os materiais didáticos para
os alunos, os Cadernos do Aluno e, também, o Caderno do Gestor, para os
coordenadores e diretores pedagógicos. Ao final do ano, como forma de medir
o nível de desempenho dos alunos, é aplicada a prova SARESP (Sistema de
Avaliação de Rendimento Escolar criado em 1996), que visa a medir o índice
5

de desenvolvimento da educação paulista e verificar quais as dificuldades que


ainda persistem no processo de aprendizado dos alunos, para que, assim
como afirmam, o governo possa intervir e propor melhorias1.
As escolas paulistas, para o cumprimento da Nova Proposta, ainda
adotam o sistema de meritocracia, ou seja, os profissionais que alcançarem um
bom resultado dos alunos nessa avaliação garantem o bônus de gratificação
salarial; caso contrário, não terão esse benefício.
Com isso, a SEESP, ao implantar o novo currículo, determinou os
conteúdos a serem trabalhados nas escolas públicas, as metodologias a serem
aplicadas, os materiais didáticos a serem utilizados e os sistemas de avaliação.
A iniciativa de elaborar um novo currículo para toda a rede surgiu no ano
de 2008. De acordo com Maria Helena Guimarães de Castro, Secretária da
Educação nesse momento, na carta direcionada aos professores nos primeiros
exemplares distribuídos do Caderno do Professor, a autonomia dada pela LDB
às escolas para a elaboração dos projetos pedagógicos mostrou-se ineficiente,
levando assim, a necessidade de criar uma ação integrada e articulada para
organizar o sistema educacional de São Paulo.
Desse modo, compreendemos que a Nova Proposta Curricular é a
grande investida do estado de São Paulo para os novos rumos da educação.
Parece, portanto, que ao propor um novo currículo para a rede, a
SEESP considerou os materiais didáticos e os sistemas de avaliação como
responsáveis e suficientes para a aprendizagem dos alunos e para o
desenvolvimento das habilidades e competências necessárias. Dessa forma,
bastaria que o professor aplicasse os princípios sugeridos pelas
recomendações da SEESP e pelas atividades propostas nos materiais
didáticos para que os objetivos fossem alcançados. A uma constatação
semelhante Machado & Bronckart (2005) chegaram após analisarem os
documentos oficiais que regem a educação. Do Brasil, foram analisados os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio e da Suíça o documento
“Les objectifs d’apprentissage de l’école primaire genevoise”, afirmando que o
que fundamenta as reformas educacionais, em geral, é o pressuposto de que

1
Linha do tempo das ações do governo do estado de São Paulo para a aplicação da Nova Proposta Curricular:
http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Default.aspx?alias=www.rededosaber.sp.gov.br/portais/spfe2009
6

basta mudar os conteúdos e os artefatos utilizados para alcançarmos uma


melhoria no ensino.
Sendo assim, levando em consideração a importância dada à produção
de novas recomendações curriculares e a utilização de materiais didáticos para
a proposta de melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas estaduais
de São Paulo e, também, que estes são utilizados por uma parcela significativa
das escolas de educação básica do estado (Ciclo I e II do Ensino Fundamental
e Ensino Médio), indagamo-nos se eles apresentam características que
favorecem tanto o trabalho do professor quanto a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos. Mais ainda: que características são essas?
Diante disso, vários pesquisadores já se voltaram para questões
relacionadas a essa, em várias perspectivas. Leite (2009), por exemplo, ao
analisar o texto da Nova Proposta e os textos produzidos por professores
avaliando o material, constatou que os docentes encontraram dificuldades em
compreender a Nova Proposta. Já Tavares (2009) analisou os materiais da
disciplina de química e verificou que o processo de elaboração dos materiais
fere a autonomia docente e dificulta o trabalho do professor, pois estabelece
até mesmo o tempo em que determinado conteúdo deve ser ensinado. Sousa
& Maia (2009), por sua vez, analisando os materiais de Artes, verificaram que
os conteúdos selecionados dificultam a prática docente, pois demandam
especialistas, enquanto que a maioria dos profissionais que atuam na rede
estadual é formada por outros métodos e conteúdos. Ciamp (2009), ao analisar
os materiais de história, constatou a incoerência teórico-metodológica e prática,
pois o que tomam como bases teórico-metodológicas não aplicam no
desenvolvimento das atividades.
Também em meu trabalho de conclusão de curso (JACOB, 2008), ao
analisar o Jornal do Aluno do Ensino Médio de Língua Portuguesa, primeiro
material didático desenvolvido pela Proposta Curricular de São Paulo, com o
objetivo de verificar as atividades didáticas para o ensino de gêneros textuais
no ano de 2008, pude detectar que:
a) Um mesmo material foi elaborado para duas séries diferentes, não se
preocupando com a progressão de conteúdos, assim como atividades
iguais foram destinadas às três séries;
7

b) A maioria das atividades propostas para o ensino dos gêneros textuais,


objeto de ensino de Língua Portuguesa, não privilegiava o estudo do
contexto de produção. As atividades privilegiaram o estudo das
estruturas textuais desconsiderando a realidade sociointeracional em
que os textos foram produzidos;
c) As atividades que propunham ao aluno produzir um texto não davam
instruções suficientes para isso. No material da 1ª série, por exemplo,
foram requisitadas três produções: uma crítica e duas narrativas. No
entanto, em nenhum dos dois casos foi explicado como construí-las ou
trabalhadas posteriormente: apenas foi orientado que os alunos
utilizassem os conhecimentos que tinham sobre narrativa e sobre
discurso direto e indireto.

Consideramos, portanto, que há a necessidade de aprofundar essas


questões, pois acreditamos que outros pontos que dificultam o trabalho do
professor e a aprendizagem do aluno podem ser encontrados, tal como
mostraremos na discussão sobre a importância dos artefatos/instrumentos na
sala de aula. Além disso, julgamos que estaremos colaborando não só para
uma discussão sobre esses materiais, para que eles possam ser cada vez mais
aprimorados, mas também para uma discussão mais ampla sobre o processo
difícil de transposição didática dos conhecimentos científicos para os
conhecimentos a serem ensinados, como também no processo de construção
de propostas e materiais didáticos.
Para centralizar a discussão, a análise das Propostas e dos materiais
didáticos está focada no ensino dos gêneros textuais, por serem eles
determinados como objeto de ensino de Língua Portuguesa pela própria
Proposta Curricular e, também, de acordo com nosso suporte teórico central, o
Interacionismo Sociodiscursivo, por acreditarmos que eles, quando apropriados
pelos alunos, podem ser instrumentos psicológicos essenciais para as diversas
situações de comunicação, interação e desenvolvimento humano.
Diante de tais necessidades – de analisar o texto da Nova Proposta e
materiais didáticos da SEESP, já que estudos feitos com os materiais de outras
disciplinas mostraram deficiência nas propostas de ensino e, também, na
8

importância de se ensinar gêneros textuais por serem eles instrumentos do agir


e desenvolvimento humanos – colocamos as seguintes questões:

a) Quais são os objetivos e encaminhamentos didáticos determinados


para o ensino de gêneros textuais na Nova Proposta?
b) Que concepções teóricas de linguagem e aprendizagem a sustenta?
c) Quais dimensões ensináveis são trabalhadas nas atividades didáticas
dos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio?
d) Como podemos avaliar a transposição didática dos gêneros textuais
com base nos resultados obtidos?

Para respondê-las e, também, para podermos interpretar os resultados


de análise dos dados obtidos por elas, faz-se necessário um levantamento e
discussão teórica no que tange: a uma abordagem teórico-metodológica que
sustente uma proposta de transposição didática dos gêneros textuais coerente
com a realidade de ensino e das capacidades do aluno; ao que
compreendemos por transposição didática; e ao que consideramos como
proposta viável para a transposição didática de gêneros textuais.
Dessa forma, para apresentarmos nossas discussões teóricas e os
resultados de análise, primeiramente, discutiremos sobre a importância de se
ensinar gêneros textuais, uma vez que foram eleitos e determinados pelos
textos prescritivos da educação como objetos de ensino. Para isso, partiremos
do momento decisivo da publicação dos PCNs, que impulsionou a realização
de diversas pesquisas para compreensão desse conceito e desenvolvimento
de propostas didáticas. Discorreremos, ainda, sobre a importância dos
materiais didáticos para o ensino-aprendizagem dos gêneros textuais, já que
eles são as principais ferramentas presentes nas interações em sala de aula e,
também, na consolidação e difusão das intervenções governamentais. E
discutiremos, finalizando o capítulo, sobre como as pesquisas atuais têm
avaliado o ensino dos gêneros nos materiais didáticos e a que conclusões
chegaram sobre esse ensino.

Em seguida, discorreremos sobre os pressupostos teórico-


metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), ao qual nos filiamos,
que nos auxiliará na compreensão do porquê das escolhas didáticas da
9

proposta de transposição, nos fornecendo bases psicológicas e discursivas que


explicam os processos materiais e simbólicos pelos quais se dá o
desenvolvimento humano na e pela linguagem.
Tendo em vista as transformações que o objeto de ensino de Língua
Portuguesa, os gêneros textuais, sofre ao ser transposto para os materiais
didáticos, às vezes, transformações equivocadas e incoerentes com o contexto
de ensino-aprendizado e, também, com as teorias de linguagem e aprendizado
que dizem pertencer, apresentaremos, no quarto capítulo, a teorização sobre
Transposição Didática (TD). Ou seja, buscaremos nesse momento
compreender como esse conceito explica os movimentos “transformacionais”
dos conhecimentos até tornarem-se ensináveis, para assim podermos buscar
justificativas para o estado atual das propostas didáticas dos gêneros textuais
(as possíveis dificuldades) e, também, defender uma transposição didática
coerente com os objetivos de formar um aluno consciente do uso da linguagem
nas diferentes situações de interação social.
No quinto capítulo, apresentaremos a proposta de transposição didática
de gêneros textuais desenvolvida pelo Grupo de Didática de Genebra, a qual
consideramos ser de grande importância para os estudos até então
desenvolvidos, tanto no que diz respeito à elaboração quanto à avaliação de
materiais didáticos. Tal importância se dá pelas propostas respeitarem as
condições de ensino-aprendizado, já que partem das capacidades dos alunos
iniciais e daquelas estipuladas para serem desenvolvidas, colocando assim
desafios que proporcionam os “saltos” para a aprendizagem; dão condições
para que as instruções didáticas sejam revistas de acordo com as
necessidades situacionais; e veem nas aprendizagens e nas interações com os
adultos, portadores dos pré-construídos, o importante papel para o
desenvolvimento humano.
No sexto capítulo, apresentaremos os Procedimentos Metodológicos de
análise dos materiais didáticos com os objetivos já apresentados.
No sétimo capítulo, apresentaremos os resultados de análise dos dados.
E, finalizando, apresentaremos as conclusões, tendo em vista as
discussões teóricas, metodológicas e analíticas quanto à intervenção do
10

governo do Estado de São Paulo para o ensino de gêneros textuais no Ensino


Médio.
11

II – O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS NO BRASIL

Como o objetivo desta pesquisa é avaliar uma proposta de transposição


didática dos gêneros textuais, consideramos necessário levantarmos as
representações construídas sobre o contexto de emergência deles como objeto
de ensino, para compreendermos os motivos que os levaram a ganhar esse
estatuto, os fundamentos teórico-metodológicos utilizados para a transposição,
os meios utilizados para difusão de seu ensino-aprendizado e como foram
trabalhados por esses.

Dessa forma, organizamos este capítulo pensando nesses pontos de


compreensão. Primeiramente, apresentaremos o contexto sócio histórico dos
gêneros textuais no cenário nacional e, em seguida, como que o trabalho com
eles se deu nos livros didáticos ao longo da história da educação brasileira.

2.1 Contexto sócio-histórico do ensino de gêneros textuais no Brasil

O percurso histórico do ensino de Gêneros Textuais, agora apresentado,


inicia com o cenário nacional da década de 1980. Com as estruturas do
Regime Militar ruindo, mobilizações populares ganhando força e,
consequentemente, transformações da sociedade brasileira em busca da tão
almejada democracia político-econômica, criou-se um clima propício para o
surgimento de reformas públicas, dentre elas as reformas educacionais.

Segundo Valle (2009), exalava nessa época a vontade de renovação,


mudança, transformação de um país marcado pelo autoritarismo e censura
militar que perduraram por vinte anos consecutivos. Não foi diferente com os
interesses voltados para as questões escolares. Intelectuais de esquerda, que
se preocupavam com essas questões, influenciados pelos conceitos
socialistas, difundiam a visão da educação como prática social e política
transformadora. Podemos exemplificar essa preocupação com o acontecimento
da Conferência Brasileira de Educação, realizada em Goiânia, em 1986. Nessa
ocasião, educadores brasileiros uniram-se para formular as diretrizes da
educação na conhecida Carta de Goiânia. Tal documento era um projeto da
LDB produzido pelos próprios educadores, onde propunham a reorganização
12

do sistema educacional, o fortalecimento da escola pública, a gestão


democrática das instituições de ensino e o plano de carreira dos professores.
No entanto, por mais que o projeto fosse coerente com as necessidades da
educação, em especial a pública, foi vetado e, assim, promulgada a lei redigida
por Darcy Ribeiro, em 1996.

Na área da Linguística Aplicada (LA), por sua vez, os estudos


estruturalistas e gerativistas foram cedendo espaço para outras vertentes, já
que esses propunham uma visão limitada da linguagem, uma vez que a
estudavam isolada dos fatores sociais que a determinam e a constitui. Na
academia, os estudos da Teoria da Enunciação, da Semântica Argumentativa,
da Análise do Discurso Francesa, da Teoria Sistêmico-Funcional e da
Linguística Textual estavam em plena ascensão. O engajamento dos
pesquisadores de LA era intenso, principalmente, no que dizia respeito ao rumo
da escola pública, ao ensino de língua materna, à renovação do ensino tanto
de gramática como da produção e leitura de textos.
(MACHADO&GUIMARÃES, 2009).

As aspirações da década de 1980, quanto às eleições diretas,


concretizaram-se na década de 1990 com um Presidente da República eleito,
Fernando Collor de Melo. Com ele veio o discurso da modernização econômica
do país, em uma lógica neoliberal, e o acordo assinado em Jontiem/Tailânida
do Programa Mundial de Educação para Todos, que, para implementá-lo no
Brasil, necessitou contratar técnicos do Banco Mundial e da OIT. No entanto,
com seu “impeachment” em 1992, não conseguiu concretizar seus planos em
seu mandato, sendo esses implantados na gestão de Itamar Franco
prolongando-se até os dias atuais.

Dessa aceitação de agências estrangeiras interferindo nos rumos da


educação, surgiu a reforma educacional brasileira dos anos 1990. Segundo
Machado & Guimarães (2009), houve um engajamento expressivo de
intelectuais na legitimação desse novo paradigma político, o que resultou na
redução da ciência como mero papel instrumental e não reflexivo e crítico.
Ainda de acordo com as autoras, foi nessa investida que foram elaborados e
13

publicados os PCNs, documentos que impactaram fortemente os diferentes


níveis de ensino, pois concretizou a visão da educação como fator de
desenvolvimento econômico e desenvolvedora da mão de obra qualificada para
o trabalho.

Se não concomitantemente, mas contemporâneo à construção do texto


dos PCN, no campo editorial, obras de Vygotsky foram amplamente
divulgadas, o que fez crescer as influências dos pensamentos desse psicólogo
tanto nos estudos das Ciências da Educação quanto na Linguística Aplicada.
Assim também aconteceu com as obras de Bakhtin, quando publicada aqui no
Brasil a Estética da Criação Verbal em 1992 e diversos textos traduzidos de
autores da Análise do Discurso francesa.

Temos, portanto, até a primeira metade da década de 1990, um contexto


de transformações paradigmáticas tanto nos campos político, econômico,
cultural, quanto na Academia, no nosso caso, com a emergência de novas
tendências dos estudos sobre a linguagem. E, no campo educacional, temos,
principalmente no ensino de línguas, a convivência não unificada e coerente de
diferentes abordagens teóricas.

Passando para a segunda metade da década de 1990, no governo do


Presidente Fernando Henrique Cardoso, o discurso de reforma ficou ainda
mais forte com a implementação de inúmeras medidas e de documentos que
direcionavam a atividade educacional para os objetivos das agências
internacionais, conjuntamente, aos do poder que estava em vigor. Abaixo
segue um quadro que ilustra, cronologicamente, tais inovações no cenário
educacional:
Quadro 1: Implementações do Governo Federal

Ano Implementação pelo Governo Federal


1995 Instauração do Exame Nacional de Cursos Superiores
Promulgação da Lei de Diretrizes de Base da Educação
1996
Reestruturação do Plano Nacional do Livro Didático
1997 Publicação dos Parâmetros Curriculares Nacional dos 1º e 2º ciclos
1998 Publicação dos Parâmetros Curriculares Nacional dos 3º e 4º ciclos
1999 Instauração do Exame Nacional do Ensino Médio
1999 Publicação dos Parâmetros Curriculares Nacional do Ensino Médio
14

Como podemos ver, ano a ano, foram sendo implantadas significativas


mudanças no cenário educacional brasileiro. E isso só foi possível com a
participação assídua dos técnicos do Banco Mundial. Não iremos nos estender
nessa explicação, mas consideramos importante esclarecer que tais mudanças
foram condições impostas por essa agência aos países que dependiam dos
empréstimos financeiros, como o Brasil, por exemplo. Silva (1996) esclarece,
em seu estudo sobre os impactos das condições impostas pelo Banco Mundial
nas políticas públicas dos países da América Latina, que os projetos
financiados por ele trouxeram, em média, 114 condicionalidades para sua
transformação, dentre elas, da educação. A alavanca que impulsionou a
reforma da educação brasileira no início da década de 1990, que perdura até
os dias de hoje, foram, basicamente, de caráter político-econômico.

Tais mudanças no cenário político-econômico que influenciaram nas


reformulações das políticas públicas educacionais, inevitavelmente, também
motivaram a escolha de um novo objeto de ensino de Língua Portuguesa. A
nova sociedade democrática brasileira exigia conhecimentos que capacitassem
os alunos a se comunicarem e interagirem em diferentes práticas sociais. Isso
não seria possível se o ensino continuasse a se pautar apenas nos
conhecimentos estruturais da língua, sem relações com seu contexto de
produção e sem levar em consideração os diferentes significados produzidos
no uso da linguagem e pela linguagem. Dessa forma, os gêneros textuais
foram determinados como objeto de ensino de Língua Portuguesa, nos textos
prescritivos elaborados e publicados na época (PCN, DCN, LDB, etc).

Analisando os PCN, com o objetivo de encontrar quais bases teóricas


e didáticas foram utilizadas para propor o ensino de gêneros textuais, Machado
(2007) constatou que as influências do grupo genebrino foram notórias. Nos
PCN do primeiro ao quarto ciclo do Ensino Fundamental e no Ensino Médio,
por exemplo, foi encontrada, nas referências bibliográficas, menção aos
estudos desenvolvidos por Jean-Paul Bronckart “Le fonctionnement des
discours”; um artigo de Bernard Schneuwly com o ano de 1993; três artigos
com autoria de Joaquim Dolz com co-autorias de Schneuwly, Pasquier e Camp;
por Machado datado em 1995, que ainda era uma tese em desenvolvimento; e
15

três artigos de Roxane Rojo. Tais referências apresentaram incoerências


quanto ao ano de publicação e autoria, já que os trabalhos ou não tinham sido
publicados naquele momento, ou eram documentos de trabalho cedidos pelos
autores, ou ainda tinham a participação de mais pesquisadores.

Os trabalhos genebrinos foram, portanto, uma das bases utilizadas para


a teorização dos gêneros textuais nos PCN. No entanto, os trabalhos
mencionados referiam-se aos estudos ainda em formação do grupo, o que, de
certa forma, comprometeu a compreensão deles no campo científico brasileiro
e, também, dentro dos sistemas didáticos. Ao conceitualizar o que seriam
gêneros textuais nos PCN, os elaboradores propuseram uma interpretação
particular bakhtiniana, porém construída pelos estudos psicológicos de
Schneuwly (1994) e de Dolz.

De acordo com Machado & Gumarães (2009), sabemos que os


pesquisadores genebrinos propuseram uma interpretação de gêneros textuais
em seus trabalhos, retomando as teorizações bakhtinianas, mas, por
trabalharem diretamente com Bronckart, para propor um trabalho efetivo com
tais objetos de ensino nas salas de aula de língua francesa, o interpretaram à
luz dos estudos deste. No entanto, como é típico do processo de transposição
didática, houve por parte dos elaboradores o apagamento das vozes daqueles
que, de fato, retomaram as propostas bakhtinianas reformulando-as e
adequando-as aos interesses didáticos.

Esse foi o contexto sócio-histórico da emergência do ensino de gêneros


textuais no Brasil. A difusão, por sua vez, se deu através dos livros didáticos,
sendo esta uma das investidas do Governo Federal para assegurar que as
novas prescrições propostas fossem realizadas em sala de aula. No entanto,
mesmo que com tempo foram sendo propostas políticas de avaliação e de
critérios mínimos de qualidade para a elaboração de livros didáticos (de agora
em diante LD), muitas lacunas na compreensão da proposta deste objeto de
ensino foram apontadas por diversos pesquisadores: falta de compreensão dos
professores, alunos e, também, dos elaboradores do LD. Será, portanto, sobre
esse tipo de difusão que nos ocuparemos na seção seguinte.
16

2.2 O Ensino de Gêneros Textuais nos livros didáticos de Língua


Portuguesa
Os LD atuais além de serem os fixadores das orientações oficiais,
através dos quais os objetos de ensino são “moldados” e, assim, definirem o
currículo, assumem também grande importância nas ações didáticas, na sala
de aula. É, portanto, devido a esses papéis atribuídos ao LD – que determinam
o que, como e quando ensinar determinado objeto, ou seja, que o manipula
para tornar ensinável e que guia as ações do professor e aluno – que se faz
necessária sua a análise contínua. Consideramos como necessária, dessa
forma, uma vigilância, por assim dizer, do que e como é proposto o ensino de
determinados conhecimentos de tempos em tempos, para que possam ser
garantidas condições satisfatórias de qualidade e que, de fato, sejam
ferramentas que colaborem para o desenvolvimento tanto do professor quanto
do aluno e, consequentemente, para a formação de um cidadão consciente e
capaz de interagir nas diversas práticas sociais na e pela linguagem.

Para conhecermos como que os livros didáticos (os materiais didáticos


em geral) ganharam estatuto de tão grande importância nas práticas didáticas
e para a consolidação das reformas educacionais, discorreremos a seguir,
sobre a história deles no Brasil. Logo depois, discorreremos sobre as
pesquisas que se voltam para a análise desse objeto, de modo a depreender
quais as principais características identificadas pelos pesquisadores nos livros
didáticos de Língua Portuguesa, em especial as relacionadas ao trabalho com
os gêneros textuais.

2.2.1 Percurso histórico do LD no Brasil

A apresentação do percurso histórico dos materiais didáticos no Brasil,


que propomos, visa elucidar como suas elaborações e propostas de ensino
estiveram sempre ligadas ao contexto político-econômico de cada época. A
adoção deles em um ensino formal ou não esteve em todos os casos
relacionada com os objetivos de afirmação de determinado poder vigente. Ora
buscava civilizar uma nação, ora exaltar o espírito nacional para a expulsão do
poder português, ora desenvolver uma nação de mão de obra qualificada, ora
17

uma elite com acesso ao Ensino Superior; ora suprir a deficiência na formação
do professor e assim por diante.

No entanto, mesmo considerando os materiais didáticos como uma


ferramenta de controle social, pouco a pouco, eles passaram a fazer parte do
cotidiano escolar, assumindo um papel importantíssimo na organização do
trabalho do professor e na aprendizagem do aluno.

Seguiremos então, com uma exposição cronológica das mudanças


político-econômicas mais marcantes do cenário nacional, estabelecendo as
relações com o tipo de ensino vigente (formal ou não) que, consequentemente,
implica na compreensão dos conhecimentos selecionados a serem ensinados e
os meios pelos quais o são: os materiais didáticos. Para esse levantamento
histórico, recorremos aos estudos desenvolvidos por Razzini (2000) que
analisou o currículo do Colégio D. Pedro II, instituição que durante muito tempo
serviu de modelo para o estabelecimento do currículo nacional, cujo interesse
era a história do livro didático de língua e literatura a partir do estudo da
trajetória da Antologia Nacional. Também faremos referência a Bunzen (2009)
que trouxe a reflexão sobre o uso dos livros didáticos na sala de aula e a
dinâmica discursiva desse uso, fazendo um amplo levantamento histórico da
utilização dos Livros Didáticos na história brasileira.

Começamos a história da educação formal brasileira com a Escola


Jesuíta (1554 – 1759). Nesse período, segundo Bunzen (2009), os interesses
político-econômicos baseavam-se nos ideais colonizadores e mercantilistas.
Era preciso, portanto, que os habitantes, da nova terra descoberta, aderissem
aos interesses da colônia e viabilizassem a extração de mercadorias e sua
exportação. O papel da Igreja era imprescindível para a conversão dos
indígenas e adequação aos moldes dos exploradores. Para isso, a escola tinha
como objetivo tornar as crianças indígenas e mamelucos agradáveis aos olhos
de Deus, ensinar a doutrina Católica, a ler, escrever e contar. A comunicação
oral era um dos principais meios utilizados na comercialização, sendo assim, o
ensino da língua consistia na recitação de obras consideradas canônicas como
reforço para a oralidade. O material didático para esse fim eram os textos
18

literários considerados como modelos de linguagem a ser seguidos, mas


apenas os Jesuítas, então professores, tinham posse deles.

Em seguida, conforme discorre Bunzen (2009), temos a Escola


Contemporânea à Reforma Pombalina, no início do século XVIII, momento em
que a Língua Portuguesa foi considerada como Língua Oficial, devendo ser ela
a privilegiada na escola. Os jesuítas foram expulsos e a Igreja passou a ser
submissa ao Estado. A língua latina, até então ensinada, passou a ser proibida
e todos os exemplares didáticos de sua gramática receberam ordens de serem
queimados. As escolas formais foram fechadas e entrou em vigor as aulas
régias, ou seja, as aulas aconteciam em casa e eram pagas, o que impediu seu
acesso à população pobre estando ao alcance apenas dos filhos das elites.
Como o espírito nacionalista era o que vigorava na época e a afirmação de um
idioma oficial era uma ferramenta para a difusão desse ideal, foi divulgado um
documento que constava a listagem completa das obras que poderiam ser
utilizadas nas aulas régias, um modo de certificação que a língua latina não
fosse ensinada. Tais obras eram destinadas apenas ao professor. Apenas no
final do século XIX que passaram a ser elaborados os materiais didáticos para
os alunos. O objetivo desse tipo de ensino era, portanto, o acesso ao ensino
superior e a formação de falantes e escritores da Língua Portuguesa.

A escola dos anos 1800-1821 foi contemporânea à chegada da família


real ao Brasil, o que acarretou a vinda de mais falantes da Língua Portuguesa,
das indústrias de Imprensa e, consequentemente, houve um aumento da
publicação de exemplares escritos e da circulação de jornais, periódicos
literários, sermões, folhetos, obras literárias e livros didáticos e coleções de
história para o ensino da leitura. Como na mesma época os objetivos políticos
conspiravam a favor da Independência do país do poder Português, o ideal
nacionalista persistia, permanecendo o objetivo do estado em favorecer o
acesso da elite a Universidade e na formação de um povo leitor e escritor da
Língua Nacional, como nos esclarece Bunzen (2009). Sendo assim, as aulas
régias continuavam.
19

No ano de 1834, a escola secundária passou a ser de responsabilidade


do estado de acordo com a ementa constitucional e, relativamente, aberta a
população. Relativamente, pois para o acesso ao ensino secundário os alunos
precisavam ter cursado o ensino elementar que, até então, acontecia via aulas
régias. Sendo assim a elite continuou a ser a classe privilegiada na ocupação
das vagas nas escolas secundárias. Os materiais didáticos utilizados,
gramáticas, dicionários e antologias, eram voltados para o ensino da língua
vernácula, o português. O objetivo era a uniformização e padronização das
formas de escrever, pois o aprendizado da língua passou a ser determinante
para a formação dos setores burocráticos e intelectuais do Estado.

Com a Proclamação da República, no final do século XIX, aconteceu a


institucionalização escolar e o abandono das aulas régias. Nesse momento,
ocorreu a expansão da indústria gráfica no Brasil que transformou o material
didático no produto de maior consumo da cultura escolar. Eles passaram a ser
comprados pelo Estado para os alunos menos abastados sendo que, para a
adoção e compra, era imprescindível que eles estivessem de acordo com as
prescrições governamentais.

Enfim, em 1931, com o Golpe de Estado, promulgou-se o Projeto


Nacional para a classe trabalhadora beneficiando, de certa forma, o acesso da
população à escola. Nesse momento, aconteceu a divisão do ensino
secundário em fundamental (5 anos) e complementar (2 anos), sendo que,
para acesso ao complementar, o aluno precisava ser aprovado no Exame de
Admissão. De acordo com Razzini (2000), e segundo os critérios do estado,
para que a uniformização desse ensino atendesse as necessidades da classe
trabalhadora, seria fundamental a equiparação do que era ensinado ao
praticado no Colégio D. Pedro II assim como os critérios avaliativos dos
materiais didáticos.

Em 1937, com o Estado Novo criou-se a Comissão Nacional do Livro


Didático (CNLD) com o intuito de centralizar o controle dos livros didático do
ensino primário e secundário por uma comissão do estado. Pouco tempo
depois, em 1942, com a reforma de Capanema, o ensino seriado foi dividido
20

em ginásio (4 anos) e colegial (3 anos) legitimando a prática de circulação de


três impressos escolares: livro de leitura; gramática e dicionário portátil. O
ensino de língua materna passa então a ser promovido, segundo Bunzen
(2009) de modo a intensificar o trabalho em literatura para a valorização do
patrimônio nacional em contraposição às ameaças estrangeiras.

Por mais que mudanças na forma de avaliar os livros didáticos


acontecessem, não se via um interesse pedagógico nessa proposta, mas
apenas no controle do que era veiculado de acordo com os interesses político-
ideológicos do Estado Novo. O fortalecimento dos livros didáticos se deu nesse
período, pois eles representavam os meios pelos quais os programas oficiais
com o ideário estado-novista se difundiam e consolidavam, já que, até mesmo
a escolha feita pelo professor, do material a ser adotado, deveria basear-se na
seleção feita pelo Ministério da Educação.

Chegados os anos 1950, a demanda escolar aumentou o que exigiu um


maior recrutamento de professores e, consequentemente, mais centros de
formação docentes. No entanto, como medidas precisavam ser tomadas em
um curto espaço de tempo, os livros didáticos passaram a ser a principal
ferramenta de formação do professor. A preocupação na formulação dos livros
didáticos, como afirma Bunzen (2009), passou a ser, portanto, duas: formar o
professor e dar conta do aprendizado de um maior índice de alunos.

Sendo assim, tanto os conteúdos quanto os procedimentos didáticos


começam a receber maior atenção, mais prescrições de como deveriam ser. As
aulas deveriam ter interpretação de textos de leitura, exercícios de linguagem
oral, questões gramaticais, vocabulário e redação e, também, o conteúdo
programático a serem desenvolvidos em cada série.

Nesse momento surgiram os livros didáticos e o formato das aulas de


Português que conhecemos nos dias de hoje. Em um mesmo volume
encontrava-se a seleção de textos literários ou indicados para uma leitura
recomendável, juntamente com os exercícios gramaticais. A organização se
realizava com textos de leitura (com glossário, exercícios de vocabulário,
interpretação e exposição oral), conhecimentos gramaticais (exercícios de
21

gramática) e composição. O objetivo de ensino do Programa de Português de


1951, tendo seu ensino elaborado nessa metodologia, era, portanto, a
habilitação do aluno para falar e escrever corretamente e a missão do
professor era despertar no aluno o amor pela língua pátria e o gosto literário.

Com o aumento contínuo da demanda, nos anos 1960, aconteceu a


descentralização da educação na mão do estado devido à publicação da Lei
das Diretrizes de Base (LDB de 1961) que prescrevia a autonomia dos estados
na definição de sua política nacional. A construção do currículo foi aberta aos
estados, aos professores e aos autores e editores dos livros didáticos. As
prescrições para o ensino de Português tornaram-se muito menos rígidas,
recomendava-se a Amplitude e Desenvolvimento do Programa de Português
em uma publicação do Conselho Federal da Educação que,
consequentemente, professores e autores de livros deveriam se adequar.

Com essa abertura e liberação dos critérios de elaboração dos livros


didáticos, a configuração do livro destinado ao aluno destoava, razoavelmente,
da do professor. A linguagem utilizada e até mesmo a seleção textual (textos
que circulam no cotidiano) no livro do aluno demonstrava uma interlocução
maior com ele, já no do professor, ela também estava presente, no entanto, o
tom de imposição de uma prescrição passava a ser mais forte.

Esse novo formato do livro didático, conforme Bunzen (2009) destaca,


representa um modelo que perdura até os dias atuais, pois revela que o papel
do professor era apenas de intermediário entre a proposta do livro e seus
alunos, não permitindo espaço para que o mesmo levasse os aprendizes à
uma reflexão sobre a linguagem.

Na década de 1970, mais precisamente em 1971, promulgou-se a Lei


4024, Leis das Diretrizes de Base da Educação Nacional, o que acarretou uma
série de modificações curriculares.

Com o modelo econômico sustentado pelo Regime Militar desde 1964,


novas medidas foram tomadas tais como a ampliação do ensino secundário
obrigatório de oito anos; o deslocamento do foco do ensino humanístico,voltado
para o acesso ao ensino superior para um ensino voltado a formação de mão
22

de obra especializada; suspensão dos exames de admissão, pois inviabilizava


a progressão escolar; definição das disciplinas escolares, mas não das
instruções metodológicas que ficava a cargo das escolas que deveriam
preparar os alunos de acordo com as necessidades locais.

Quanto ao ensino de Língua Portuguesa, visto que as instituições de


ensino deveriam se valer de diferentes meios de comunicação como difusão
cultural e para a formação moral e cívica em massa, era proposto privilegiar
nos livros didáticos a diversificação de textos e das esferas discursivas que
eles provinham. Dessa forma, o aluno deveria emitir e receber mensagens
verbais e não verbais, minimizando o enfoque no saber sobre a língua.

A transição dos anos 1970 para os anos 1980 foi um tanto quanto
caótica para a educação em geral, visto as mudanças no cenário político-
econômico nacional. O ensino de língua materna foi marcado, nesse momento,
por uma grande crítica da sociedade e da Academia, pois o nível de
proficiência dos alunos, quanto ao uso da linguagem, era alarmante. Os alunos
do ensino fundamental não sabiam ler e escrever como deveriam e os alunos
do ensino médio não se expressavam corretamente, traduzindo, portanto, uma
crise no ensino da língua materna.

Mesmo com as grandes críticas sobre os livros didáticos, as quais os


consideraram como inadequados e divulgadores de um ensino tradicional que
deveria ser deixado de lado, foi garantida por lei a flexibilidade de produção aos
elaboradores. Ou seja, eles passaram a determinar o conteúdo que deveria ser
dado, suas finalidades, a metodologia e o cotidiano escolar.

Em 1985 foi criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)


realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
cujos objetivos eram a aquisição e distribuição gratuita de livros didáticos para
alunos de escolas públicas do ensino fundamental em todo o território nacional.
No entanto, por mais que o governo gastasse milhões com esses objetivos, a
qualidade dos manuais ainda não era a preocupação dessa instituição,
passando a ser apenas na metade da década de 1990 quando houve uma
mobilização por parte do estado, da comunidade docente e acadêmica para a
23

criação de critérios de avaliação que garantissem uma proposta de ensino de


qualidade nas escolas. Logicamente, essa iniciativa estava em conformidade
com as adequações do Brasil aos moldes econômicos dos países
desenvolvidos que prezam pela qualidade da educação e do ensino ofertado.

Em 1995, foram divulgados os critérios eliminatórios os quais definiam


que os livros não podiam expressar nenhum tipo de preconceito, não podiam
induzir ao erro ou conter erros graves relativos ao conteúdo da área. (BUENO,
2011). Com o passar dos anos, frente às necessidades surgidas, os critérios e
classificações foram repensados e reformulados. Em 1999, com a publicação
dos novos PCNs e DCNs, mais uma vez o PNLD passou por adaptações e
estipulou como critérios eliminatórios dos livros didáticos de todas as
disciplinas, os quais prevalecem até hoje:

a) A correção dos conceitos e informações básicas: considerando as


conquistas científicas da área, o livro didático deve manipular
corretamente os conteúdos e informações fundamentais das disciplinas
para a qual se destina;
b) A correção e pertinência metodológica: o livro didático deve ter uma
concepção clara a respeito de ensino e aprendizagem, visando ao
desenvolvimento de várias competências cognitivas como compreensão,
a memorização, a análise e o planejamento, e deve também ser
coerente com esta concepção no decorrer do trabalho;
c) A contribuição para a construção da cidadania: o LD não deve veicular
preconceitos ou fazer doutrinação religiosa. (BUENO, 2011: 51)

E como critérios classificatórios:

a) Os aspectos visuais: o livro didático deve apresentar texto e ilustrações


de forma organizada para garantir maior legitimidade e compreensão do
conteúdo das páginas;
b) O livro do professor ou orientação ao professor: deve ser apresentado
um livro do professor no qual exponha os seus pressupostos teóricos e
faça orientações ao professor inclusive sobre o processo de avaliação
do aprendizado. (BUENO, 2011: 51)
24

Quanto aos livros de Língua Portuguesa, foram acrescentados outros


critérios classificatórios. O primeiro diz respeito aos textos pertencentes aos
diferentes gêneros textuais, pois determinam que devem ser apresentados da
forma mais variada, serem originais, autênticos e integrais. E o segundo trata
do trabalho com os textos nas atividades de leitura, produção e conhecimentos
linguísticos. Determina-se para as atividades de leitura dos diferentes gêneros,
que elas devem privilegiar a reconstrução do sentido pelo aluno, contemplando
a exploração das propriedades discursivas e textuais, não devendo, portanto,
restringir-se apenas a localização de informações. Quanto às atividades de
produção, essas devem estar vinculadas às situações efetivas de produção,
desenvolvendo as características dos gêneros e não centrar-se apenas a
exploração temática. E as atividades de conhecimentos linguísticos,
relacionadas às atividades de leitura e produção, devem explorar a estrutura, o
funcionamento e os mecanismos que caracterizam os textos dos gêneros
textuais (BUENO, 2011).

Frente às apresentações do contexto de cada época quanto aos seus


objetivos político-econômicos e da interferência direta na educação, ou melhor,
na seleção dos conhecimentos a serem ensinados e do modo como esse
ensino foi sendo proposto, conclui-se que a escola não está isenta das
influências externas, ao contrário, é o meio pelo qual se afirmam e difundem
ideologias. Sendo que as ferramentas mais utilizadas para esse fim são as
orientações dirigidas aos responsáveis pela educação, mais especificamente,
as encontradas nos materiais didáticos. Ou seja, as intervenções do estado
recaem diretamente no formato de ensino que é proposto.

2.2.2 Estudos sobre o ensino de gêneros nos Livros Didáticos de Língua


Portuguesa no Brasil – a transposição dos conhecimentos
Apresentado o percurso histórico dos livros didáticos no Brasil,
discorreremos agora sobre alguns estudos desenvolvidos, mais
especificamente, aqueles que os avaliam e sugerem o ensino de gêneros
textuais nessa ferramenta didática.

De acordo com o levantamento bibliográfico que fizemos, verificamos


que os autores partem de três pontos comuns para introduzir seus estudos: a
25

determinação pelos PCN de um novo objeto de ensino – os gêneros textuais;


os avanços dos estudos das ciências da educação e da linguagem; e a
renovação dos critérios de avaliação dos programas governamentais
(Programa Nacional do Livro Didático – PNLD).

Quanto aos PCN, vimos que sua publicação, no início da década de


1990, foi um marco para as mudanças no ensino de Língua Portuguesa na
Educação Básica. Com esse acontecimento, tivemos um aumento das
pesquisas acerca dos gêneros textuais no Brasil, tanto no que se refere à
conceitualização quanto às propostas de ensino, uma vez que tal decisão
governamental propunha mudanças das práticas didáticas do ensino da língua
materna e, também, na formação do professor.

Em relação aos avanços da ciência da linguagem, sua compreensão


ultrapassou o que era até então encarado como uma competência inata do ser
humano ou como um sistema estanque e enrijecido, passando, dessa forma, a
ser vista como o elemento fundamental para a comunicação, interação e
desenvolvimento humano, devendo ser ela compreendida e ensinada em
relação ao seu contexto sócio-histórico-cultural. Quanto à ciência da educação,
os estudos desenvolveram-se no sentido de buscar explicações para a
construção do conhecimento humano, ou seja, de compreender como
fenômenos sociais passam a fazer parte da estrutura cognitiva na e pela
linguagem, de modo a desenvolver o pensamento consciente. Foram esses
acontecimentos pragmáticos das instâncias governamentais e científicas, como
frisa Rangel (2001), que fizeram com que o ensino da língua materna tornasse
o centro das atenções e, consequentemente, com isso emergiram as
preocupações com a elaboração de critérios de avaliação dos materiais
didáticos, ferramenta que consolidaria as mudanças, condizentes com as
novas exigências.

Rojo & Batista (2008), objetivando compreender o estado da arte das


pesquisas relacionadas à análise dos livros didáticos de Português, tendo em
vista as mudanças no cenário do ensino da língua materna, analisaram os
trabalhos (exceto os de nível de graduação) publicados na Plataforma Lattes
26

entre os anos de 1990 - 2003, onde constataram que a maior quantidade


referia-se aos anos 2000 - 2003 que, coincidentemente, foram contemporâneos
às mudanças nas políticas públicas de elaboração e avaliação dos livros
didáticos (PNLD).

As informações obtidas com esse estudo consistiram nas seguintes


constatações: 1) 96% das publicações referiam-se as pesquisas desenvolvidas
no Brasil e o restante espalhado nos países da América Latina. 2) Desse total
brasileiro, 38% foram realizadas na região sudeste do país. 3) Quanto ao
formato dos estudos, 44% correspondem a comunicações em congressos e
demais eventos. 4) A área de conhecimento que mais se enquadra tais
trabalhos é a da ciências da linguagem, seguido da área da educação. 5) Em
relação aos temas mais discutidos, são definidos como: aqueles que visam
construir critérios e processos de avaliação, envolvendo critérios da análise
discursiva e linguística; e aqueles que voltam para a análise do contexto de
produção dos livros didáticos.

Assim como frisa Rojo & Bastista (2008), mesmo com o aumento das
pesquisas que têm como objeto de análise os livros didáticos, estas ainda não
expressam uma representatividade dentre os estudos nas áreas das ciências
da linguagem e educação. Segundo elas, ainda é frágil a institucionalização
desse tipo de pesquisa que pode ser justificado pelo baixo interesse dos
próprios orientadores e, também, pela pouca importância dada em congressos
e demais eventos, por exemplo. As pesquisas desenvolvidas são, em sua
maioria, dissertações que não têm continuidade em teses. Dessa forma,
mesmo sendo reconhecida a necessidade de uma “vigilância” das propostas
didáticas para o ensino de Língua Portuguesa – dos gêneros textuais – de
acordo com as autoras, ainda são poucos os esforços para que de fato isso
ocorra de forma expressiva dentre as pesquisas nas diferentes áreas de
conhecimento.

No entanto, mesmo com o apontamento feito por Rojo & Bastista (2008),
podemos encontrar estudos preocupados com o ensino de Língua Materna nos
livros didáticos, que verificam como esse ensino é proposto e como o objeto de
27

ensino é moldado para se tornar ensinável. Ou seja, se preocupam em saber


quais as transformações que um objeto de conhecimento sofre para poder ser
ensinado e quais propostas podem ser consideradas coerentes de modo a
privilegiar a apropriação tanto pelos alunos quanto pelos professores.
Apresentaremos alguns deles para conhecermos quais os resultados e
reflexões a que chegaram.

Para essa apresentação, dividiremos os estudos de acordo com as


diferentes reflexões dos autores em relação ao ensino dos gêneros nos livros
didáticos de Língua Portuguesa. Primeiramente, discorreremos sobre as
constatações dos estudos sobre o tratamento das dimensões que constituem
os gêneros textuais, ou seja, das representações sobre o contexto e sobre as
dimensões linguística e linguístico-discursiva. Em seguida, traremos as
discussões sobre as concepções de gêneros e linguagem que foram possíveis
ser apreendidas com as atividades propostas.

Sobre o contexto de produção, as pesquisas demonstraram que o


tratamento dado ainda é muito superficial e insuficiente, por mais que seu
ensino seja condição dada como essencial pelas orientações que regem a
educação e, também, pelas concepções teóricas sobre os gêneros textuais.

De acordo com Marcuschi, B & Cavalante (2008), ao analisarem livros


didáticos do Ensino Fundamental quanto ao ensino da produção textual,
verificaram que tanto o contexto de produção quanto o de recepção não foram
explorados, o que dificulta que o aluno compreenda os objetivos da escrita, que
perceba os possíveis leitores, que identifique os conteúdos que deverão ser
estruturados e organizados, ou seja, que compreenda os elementos essenciais
para uma produção textual.

Assim também Bueno (2011) constata ao analisar como os gêneros da


esfera jornalística são trabalhados em livros didáticos. Segundo ela, os
exercícios propostos para o trabalho com o contexto, na maioria das vezes,
restringem-se à decodificação do conteúdo temático. Grillo & Cardoso (2008)
chegaram a conclusões semelhantes ao analisarem como o conceito dos
gêneros discursivos, em uma perspectiva bakhtiniana, foi transposto em livros
28

didáticos. Segundo elas, as condições de produção e recepção não ganharam


grande destaque nas atividades didáticas, pois apareceram poucas vezes em
formato de discussão; no caso dos gêneros mais trabalhados, aqueles
pertencentes à esfera jornalística, foram privilegiados os elementos do contexto
sócio-histórico-cultural, mas não o contexto sócio-econômico-político.

Para Marcuschi, B & Cavalante (2008), há necessidade de propor uma


sistematização para o ensino do contexto de produção e sócio-histórico mais
amplo, para que assim o aluno, de fato, possa se apropriar do gênero e
produzi-lo.

Já de acordo com os apontamentos de Bueno (2011), podemos verificar


uma necessidade do repensar sobre os critérios de avaliação dos livros
didáticos (PNLD), uma vez que a concepção de linguagem declarada pelos
elaboradores não condiz com o que é efetivado pelas atividades didáticas, ou
seja, pelas propostas de decodificação dos temas, pois fica claro que a
concepção de linguagem praticada é aquela vista como transparente e
unívoca.

Já Grillo & Cardoso (2008) constatam que, devido ao tratamento


secundário dado ao contexto nas atividades didáticas, o conceito de gêneros
discursivos não é transposto devidamente, uma vez que, para isso, há a
necessidade de priorizar o ensino das representações sobre o contexto sócio-
histórico-discursivo que determinam a construção dos gêneros.

Em relação ao trabalho com as dimensões discursiva e linguístico-


discursiva dos gêneros textuais, assim como as atividades sobre o contexto,
aparecem nas pesquisas como superficiais. No caso do ensino dos gêneros
orais, assim como analisado por Barros-Mendes & Padilha (2008), tais
dimensões não foram desenvolvidas. Nas atividades propostas para a
produção textual, de acordo com Marcuschi, B & Cavalcante (2008), as
atividades que propunham tais dimensões centraram-se na apresentação das
estruturas que organizam o texto, os conhecidos tipos textuais, mas não numa
proposta de análise da estrutura e organização dos gêneros estudados. Trata-
se assim apenas uma simples apresentação, como forma de propor um modelo
29

a ser seguido. Já no estudo desenvolvido por Bueno (2011) as atividades


consideravam o texto em suas partes isoladas e não como um todo coerente, o
que remete às antigas práticas didáticas que consideram a língua como um
sistema isento das influências externas.

Vemos, portanto, de acordo com os estudos levantados, a


superficialidade no ensino dos gêneros textuais. Pouco ou nada vemos de
aprofundamento e sistematização de suas dimensões constitutivas. Dessa
forma, são os gêneros textuais objetos de ensino nos Livros Didáticos
analisados? Qual concepção e compreensão sobre linguagem está sendo
utilizada e colocada em prática pelos elaboradores?

Grillo & Cardoso (2008), ao se deterem mais na compreensão de como


os livros didáticos propunham a transposição do conceito de gêneros
discursivos, verificaram que há erros de conceitualização nos manuais. Elas
puderam encontrar confusão na distinção entre as denominações gêneros
discursivos e tipos de textos, o que demonstra o não domínio dos
elaboradores.

Já Bueno (2011), através da análise das próprias atividades didáticas,


ou seja, não pelo que é verbalizado naquilo do que será ensinado, mas pelo
que é de fato proposto, constatou que a apresentação do que tomam como
gêneros textuais já indica a concepção dos elaboradores do que eles veem a
ser. Segundo a autora, os exemplares dos gêneros textuais passam por uma
retextualização, em outras palavras, seu formato de emergência é alterado
(layout, plano global, texto, etc) e, consequentemente, várias informações
contextuais e cotextuais são perdidas, deixando de serem gêneros sociais para
tornarem-se gêneros escolares, ou melhor, com objetivos escolares.

Marcuschi (2001), com a análise e avaliação de vinte manuais de todas


as séries tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio, verificou o
silenciamento por parte dos elaboradores quanto à concepção de linguagem
adotada. Nos manuais dos professores, lugar onde se supõe que encontramos
os conceitos que guiam as propostas didáticas, não foram encontradas
descrições ou explicações que ajudassem os docentes a planejar as aulas
30

conforme as atividades disponibilizadas no livros didáticos, ou seja, não foi


verbalizado o que se concebia de linguagem, o porquê da adoção da
concepção e o como trabalhar com isso. Visto a dificuldade em chegar a
possíveis constatações pelo que é declarado, verbalizado textualmente,
Marcuschi (2001) partiu para a análise dos próprios exercícios para descobrir
pelo que está implícito.

Constatou-se com a análise dos exercícios de compreensão, que a


concepção da linguagem implícita, na maioria das vezes, é de decodificação,
não priorizando a reflexão crítica, o que demonstra a interpretação de um texto
monossêmico. Com isso, Marcuschi (2001) concluiu que há falta de critérios
operacionais para propor atividades de compreensão, o que pode decorrer da
falta de preparo dos elaboradores uma vez que a preocupação maior é estar de
acordo com as exigências do PNLD, mesmo que superficialmente.

Temos, portanto, nos Livros Didáticos atuais, de acordo com os estudos


levantados, um ensino de gêneros textuais superficial, ou seja, que privilegia a
decodificação das informações em detrimento dos estudos mais aprofundados
das características que os constituem. Sendo assim, nos questionamos quanto
à legitimidade desse ensino em tais materiais. Mesmo que determinado como
objeto de ensino, ele, de fato, assume tal posto? Os elaboradores propõem
meios que viabilizem tal ensino? Quais transformações são realizadas para
tornar os objetos sociais e científicos – gêneros – em objetos de ensino?

Semelhantes questões são colocadas por Rangel (2001). Tendo em


vista o novo cenário da educação, com as mudanças pragmáticas, o autor
questiona o porquê de não mudar as práticas de ensino e o modo de conceber
a linguagem. Segundo ele, há necessidade de reconhecer os elementos sócio-
históricos que constituem os indivíduos da ação e, também, os modos pelos
quais o conhecimento é processado pelo cognitivo. O ensino de Língua
Materna deve valorizar, segundo ele, formas específicas de agir e não
proporcionar o estudo apenas dos conhecimentos sobre a língua, mas a
linguagem em uso.
31

Ao apontar como meio viável a valorização das formas de agir, coloca-se


em evidência a importância do conhecimento procedimental, ou seja, com as
novas compreensões trazidas pelas abordagens discursivas e de construção
do conhecimento, não é mais suficiente transmitir algo, mas os modos pelos
quais ele pode ser aprendido, os caminhos que o aluno pode percorrer até se
apropriar dos conhecimentos.

De acordo com Rangel (2001), ao colocar os textos pertencentes aos


diferentes gêneros como objetos de ensino, passou a ser exigido que o aluno
domine os processos pelos quais os sentidos são construídos pela
materialidade linguística em relação às condições de produções. O que
envolve nessa perspectiva textual, portanto, é o domínio dos elementos da
língua para o domínio do funcionamento dos textos, ou seja, dos
procedimentos de construção e reconstrução da trama linguística para viabilizar
os efeitos de sentidos pretendidos.

Ao contrário das antigas práticas, ou das atuais, como pudemos ver com
os estudos discutidos anteriormente, não se busca mais dar os conceitos
gramaticais, mas, com as práticas, levar o aluno a intuir tais conceitos através
do uso. No entanto, como afirma Rangel (2001) tal intuição deve ser
desenvolvida através de uma metalinguagem explicitada e sistematizada.

Nesta seção, demos destaque aos resultados a que pesquisadores


chegaram com a análise de diversos livros didáticos de Língua Portuguesa, os
quais consideramos como insuficientes para o aprendizado dos gêneros
textuais, uma vez que não privilegiam o ensino de suas dimensões actanciais,
discursivas e linguístico-discursivas.

No próximo capítulo, apresentaremos o quadro teórico-metodológico do


Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que dá bases sólidas para uma proposta
didática que leva em conta as dimensões ensináveis dos gêneros textuais e as
condições da situação de ensino-aprendizagem, a fim de formar um cidadão
capaz de agir na sociedade e sobre si mesmo na e pela linguagem.
32

III – O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

Ao objetivar avaliar uma proposta de transposição didática dos gêneros


textuais, consequentemente, colocamos como necessária a compreensão de
formas possíveis de fazê-la, ou seja, buscamos bases teórico-metodológicas
que levassem em conta o estatuto dos gêneros textuais como produtos das
ações sociais e que, quando apropriados, podem ser verdadeiros instrumentos
para o desenvolvimento humano; as condições de ensino-aprendizado; e as
capacidades que os alunos já desenvolveram e aquelas que eles devem
desenvolver, de acordo com o objetivo de ensino.
Para isso, optamos por nos pautar nos pressupostos teórico-
metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) que, além de ser uma
ciência que compreende o humano em sua totalidade, ou seja, em suas
dimensões psíquicas e sociais, sendo, dessa forma, uma ciência do humano,
dá bases sólidas para uma proposta de transposição didática.
Apresentaremos, dessa forma, o ISD desde sua formação, consolidação
e difusão até seus conceitos e teses centrais. Para isso discorreremos: 1)
sobre as influências que levaram a formação do quadro de estudo ISD; 2)
sobre as bases filosóficas e psicológicas as quais partem todos os estudos
identificados como pertencentes a essa teoria; 3) discorremos sobre o papel
decisivo que o social exerce sobre as atividades e desenvolvimentos humanos
e o papel da linguagem nesse processo; 4) a análise descendente das
condutas humanas e 5) os procedimentos de análise de textos.

3.1 A formação do quadro teórico-metodológico ISD: suas influências

Os estudos ISD iniciaram em meados de 1980, em Genebra, quando


Jean Paul Bronckart, com a colaboração de Daniel Bain, Bernard Schneuwly,
Joaquim Dolz, Itziar Plazaola e de muitos outros professores-pesquisadores,
formaram a Unidade de Didática das Línguas (MACHADO, 2004).
O projeto do ISD emergiu de uma preocupação com o problema das
condições de adaptação dos modelos teóricos à realidade das salas de aula e
do trabalho do professor (problema que depois foi chamado de transposição
didática). A preocupação era, nesse primeiro momento, criar e testar
33

sequências didáticas e elaborar um modelo teórico capaz de esclarecer e


sustentar essa abordagem prática do ensino. Em um segundo momento, os
projetos do ISD voltaram-se para 1) o aperfeiçoamento do modelo teórico
inicial, 2) ressituar as condições e características das atividades de linguagem
no quadro do problema do desenvolvimento humano; 3) retomar os conceitos
filosóficos vygotskyanos; reexaminar o papel da apropriação dos signos para a
emergência da consciência humana, com fundamento na obra de Saussure; e
4) estudar os efeitos produzidos pelo domínio dos gêneros de textos e dos
tipos de discurso no desenvolvimento humano (BRONCKART, 2009: 14).
Com o desenvolvimento das pesquisas interessadas nos problemas
educacionais, o ISD abriu o leque para os estudos das questões sobre o
trabalho. Bronckart (2002) afirma que essa abertura aconteceu devido a quatro
fatores: a) por considerarem que os textos são correspondentes empíricos de
uma atividade ou de uma ação linguageira, levantou-se questões sobre as
condições de definição das ações humanas; b) já que a teoria é construída
sobre base marxista e espinosiana, para a discussão do agir, seria essencial
levar em consideração a historicidade, ou da manifestação mais determinante
da nossa sociedade: o trabalho; c) visto que a intervenção por parte dos
pesquisadores devia-se às reformas dos programas de ensino e,
consequentemente, precisavam avaliá-los e também os métodos adotados, os
pesquisadores precisaram se voltar para a sala de aula para ver como isso
ocorria, o que levou à constatação de diversos problemas e dificuldades do
trabalho docente; d) e, como último fator apontado, com a necessidade
institucional de se unirem ao departamento do ensino de adultos, ocorreu o
encontro com outros pesquisadores do domínio da ergonomia e da análise do
trabalho, o que levou à formação do Grupo LAF (Langage, Action, Formation).

No Brasil, o ISD foi amplamente aceito e divulgado a partir da década de


1990, quando pesquisadoras brasileiras do Programa de Pós Graduação de
Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL) da PUCSP, Profª Drª
Roxane H. Rojo e Profª Drª Maria Cecília C. Magalhães, depararam-se com os
pressupostos do ISD na I Conference for Social-Cultural Research, em Madri,
na Conferência do Prof Bronckart Action Theory and Analysis and action in
34

education. A aceitação por parte das pesquisadoras ocorreu, devido à


necessidade de uma resolução dos problemas teóricos e práticos postos aos
pesquisadores de Linguística Aplicada no Brasil, ou seja, via-se a possibilidade
e coerência da integração dos aportes vigotskianos à linguística de texto e
discurso para as pesquisas científicas e intervenções didáticas. Em 1994,
firmou-se o acordo interinstitucional entre os pesquisadores da Universidade de
Genebra e os do LAEL – PUCSP e, em 1995, foi defendida a primeira tese de
doutorado que adotava os pressupostos teóricos e metodológicos do ISD da
Profª Drª Anna Rachel Machado. (MACHADO, 2009)

A década de 1990, no Brasil, foi uma época marcada por expressivas


reformas educacionais como a formulação dos PCNs e da LDB, por exemplo.
Para a formulação desses documentos, em especial dos PCNS, buscava-se
um referencial teórico capaz de dar conta das questões do ensino-aprendizado
de língua materna e dos pressupostos da psicologia e da linguística de texto ou
discurso, em especial a de Bakthin. Dessa forma, por retomar e proporcionar
um diálogo entre essas abordagens, o ISD foi aderido às propostas de ensino
dos PCNS do 1º e 2º ciclos do ensino fundamental por atender às ambições
dos prescritores e, consequentemente, foi mplamente difundido para todo o
território nacional.

A adesão e difusão do ISD no Brasil aconteceram, portanto, a


princípio, como um meio capaz de resolver os problemas de prática de ensino,
o que provocou uma aceitação ou rejeição muito reducionista da teoria, já que
sua compreensão se deu apenas nesse aspecto. Machado (2009) afirma que,
apesar dessas incoerências prescritivas governamentais, que levaram a uma
interpretação errônea dos objetivos dos estudos ISD, diversas pesquisas têm
sido feitas no Brasil e fora dele com perspectivas mais amplas e coerentes com
as propostas originais.

Um acontecimento que ajudou na afirmação, continuidade e expansão


dos estudos ISD no Brasil foi a constituição do Grupo ALTER/CNPq no XIV
INPLA em 2004, que congregou pesquisadores decididos a se engajarem em
um trabalho conjunto, na busca do desenvolvimento e da difusão de ideias do
35

ISD. As pesquisas do grupo, segundo Machado (2009), se voltam para ordem


didática, como as pesquisas que visam à formação e desenvolvimento de
crianças, jovens e adultos; como os problemas de transposição didática
referentes aos gêneros de texto, a elaboração e avaliação de material didático,
assim como de avaliações de experiências educacionais; formação de
professores e, o que ultimamente tem ganhado força, pesquisas sobre o agir
implicado no trabalho docente.

3.2 O ISD e suas bases filosóficas e psicológicas

A fim de compreendermos as propostas teóricas e metodológicas do ISD


e apresentarmos os conceitos basilares dessa teoria, acreditamos ser de
grande importância o levantamento de suas bases filosóficas e psicológicas.

O ISD se inscreve e aceita todos os princípios interacionistas sociais e


rejeita a visão dualista que instaura as dicotomias físico x psíquico e material x
ideacional para a explicação do desenvolvimento e funcionamento do
pensamento humano. Bronckart (2009) adere ao interacionismo social
proposto por Vygotsky ao postular uma teoria do humano.

Vygotsky se opunha ao dualismo ao considerar que os estudos


psicológicos de sua época tentavam explicar o objeto da psicologia ou pelo
funcionamento físico ou somente pelo funcionamento psíquico. Ele acreditava
que esse objeto deveria ser encarado em sua totalidade, sendo assim, buscou
interpretá-lo de modo unificado.

A proposta interacionista social de Vygotsky retomada pelo ISD busca,


portanto, “demostrar como o social se transforma em ideacional e como,
subsequentemente, o ideacional interage com o corporal (BRONCKART, 2009:
33). Para essa compreensão, ao longo de sua vida, Vygotsky retomou e
reformulou alguns conceitos como os de: sociabilidade, interação social,
instrumento psicológico, cultura, história e funções mentais superiores (IVIC,
2010).

O conceito de sociabilidade é explicado por Vygotsky (1932) pela


predisposição genética social, ou seja, nascemos em um mundo já construído
36

sócio-historicamente, somos seres sociais e esse social nos constitui. Quanto à


interação social, Vygotsky (1932) explica que, ao nascermos interagimos com a
realidade e com os outros através das mediações com os adultos, portadores
das mensagens culturais, e isso só é possível através da convenção e
internalização dos sistemas semióticos que, a princípio, exercem função de
comunicação e depois funções internas.

Essa interação acontece em um processo dialético ininterrupto


transformador e contínuo. A interação entre o humano e o social é sempre
mediada, seja por instrumentos externos, seja por instrumentos semióticos. De
acordo com a abordagem interacionista-social, se interagimos, nos
transformamos, não desaparecemos com os outros conhecimentos que já
adquirimos, mas os transformamos quando nos apropriamos dos novos
conhecimentos e depois de internalizado/apropriado devolvemos para o social
com as novas representações. Sendo assim, em um movimento dialético nos
transformamos e transformamos a substância única, afetamos e somos
afetados.

O conceito de instrumento está em correspondência e dependência com


o conceito de interação social, pois ao interagirmos existem instrumentos que
se encontram entre o indivíduo que age e o objeto sobre o qual ou a situação
na qual ele age. O instrumento é um objeto socialmente elaborado. Além de
mediar, o instrumento dá uma forma à atividade, materializa-a, sendo assim,
mesmo que as atividades já tenham acontecido elas continuam a existir, pois
os instrumentos as representam e, logo, as significam. (SCHNEUWLY, 2010).
Para uma maior compreensão do que se postulou como instrumentos
psicológicos, sendo essa necessária para discorrermos sobre outros conceitos
nessa pesquisa, nos dedicaremos a seguir nessa interpretação.

Para a explicação vygotskyana de instrumento psicológico (de agora em


diante IP), utilizaremos a interpretação de Friedrich (2012) que trouxe algumas
questões da rica obra de Vygotsky que não foram muito discutidas ao longo da
história, dentre elas a de instrumento presente nos estudos contemporâneos ao
ano de 1930. Iniciando a compreensão sobre essa questão, a autora frisa que,
37

primeiramente, devemos depreender a atividade humana como tripolar, pois


toda a ação do homem é mediada por objetos construídos socialmente. Dessa
forma, Vygostky introduz o conceito de mediação.

Esquema 1: Tripolaridade da Atividade Humana

Indivíduo Humano Instrumento Situação

Os objetos que mediam a ação humana são de duas naturezas: os


instrumentos técnicos, também conhecidos como ferramentas, e os IP. Eles se
distinguem, segundo Friedrich (2012) pela direcionalidade da ação, ou seja, o
primeiro se direciona para as transformações dos objetos e situações externas
ao humano e o segundo às estruturas psíquicas humanas. Considerar ambos
como responsáveis por exercer as mesmas funções é, portanto, um verdadeiro
equívoco.

Dessa forma, o IP se diferencia fundamentalmente da ferramenta


técnica, pois o primeiro se endereça ao psiquismo e ao comportamento, já o
segundo constitui o elemento intermediário entre a atividade humana e o objeto
externo. Ele destina-se, portanto, a obter mudanças no próprio objeto. As
ferramentas, nesse sentido, estariam entre o sujeito e os objetos, já o IP entre
o sujeito e ele mesmo.

A intervenção do IP em nosso psiquismo ou em nosso comportamento


acontece de forma artificial, pois ele não é um fenômeno de natureza biológica
do homem, não é inato a ele, mas construído e disponível socialmente e
apropriados de acordo com as necessidades humanas. O termo “artificial”
contrapõe, portanto, a determinação inata do psiquismo, ou seja, os
instrumentos construídos socialmente não nascem conosco, mas são
introduzidos em nossas práticas e comportamentos nas e pelas interações.

Com o que o homem dispõe biologicamente, ou seja, seus


“instrumentos” naturais é possível apenas exercer funções psíquicas inferiores,
ou seja, espontâneas, pouco elaboradas. No entanto, ao apropriar-se dos IP, o
acesso às funções psíquicas superiores torna-se possível, pois o instrumento
transforma essa ação voluntária. A noção de IP tem a significação de
38

artificialidade, pois é como se o acesso aos processos superiores fosse


possível pela intervenção artificial. Como se o sujeito pudesse agir sobre seu
psiquismo. É, portanto, a adaptação artificial que atua no processo psíquico, o
que caracteriza a função do IP, ou seja, o controle do comportamento psíquico.

Os IP são utilizados, primeiramente, como objetos de regulação social –


interpsíquicos – e depois se transformam em meio de influência sobre si
mesmo – intrapsíquicos. Sendo assim, ao apropriar-se das funções
interpsíquicas, o indivíduo também interioriza as relações sociais que ocorrem
entre as pessoas nas instituições sociais. Portanto, as interações entre duas ou
mais pessoas se unem em uma única pessoa. Esse movimento do
interpsíquico para o intrapsíquico pode ser exemplificado com a apropriação
dos gêneros textuais e de suas características constitutivas. Esses estão
disponíveis na sociedade, no entanto, em determinada situação, com precisas
necessidades de comunicação e interação, o indivíduo se apropria de um
gênero para atingir seu objetivo. Ao se apropriar, ele tornou o que era até então
da sociedade em seu objeto de regulação do pensamento e de suas ações
sociais.

Friedrich (2012) conclui sobre o estatuto dos IP, afirmando que eles
devem ser analisados como oriundos de e portadores, neles mesmos, das
relações sociais bem específicas que se reconstituem no interior do sujeito.
Dessa forma, as leis do pensamento não são mais, após a apropriação dos IP,
naturais, mas sociais.

Além da compreensão do conceito IP de Vygotsky (1930), que


retomamos através das considerações de Friedrich (2012), Schneuwly (2010)
adere à proposta de Rabardel (1999). Consideramos ser ela mais voltada para
a explicação de como o IP, que direciona para as funções psíquicas e
comportamentais, é de fato apropriado e torna objeto do sujeito e da
sociedade.

Assim como Friedrich (2012) nos colocou, Rabardel (1999) também


insiste na necessidade de compreendermos a diferença entre ferramenta
(termo retomado pelo autor como artefato) e IP. Ao persistirmos nessa
39

confusão de conceitualização, segundo ele, estamos continuando a pensar


ingenuamente.

A reinterpretação de Rabardel (1999) da teoria vygostkyana quanto ao


IP consiste em pensarmos que ele é uma entidade composta pela forma do
objeto (do que foi construído socialmente) e do sujeito, no sentido filosófico do
termo. Ou seja, o IP é definido pelo autor como uma entidade
fundamentalmente mista, uma junção do artefato material ou simbólico com a
organização construída pelo próprio indivíduo, que é chamada de “esquemas
de utilização”, as quais correspondem às dimensões representativas e
operacionais. Abaixo vemos a ilustração da bipolaridade do IP proposta por
Rabardel (1999):

Esquema 2: Instrumento Psicológico por Rabardel (1999)

INSTRUMENTO PSICOLÓGICO

Esquema(s) de Artefato
utilização Material ou
simbólico

O IP não deve ser compreendido como uma parte do mundo externo do


sujeito, que está disponível para ser associado à ação, ou seja, não é aplicável.
Eles são apropriados em um ato instrumental através dos esquemas de
utilização que constituem as entidades psicológicas. Os dois constituintes do IP
são associados um ao outro, no entanto, assim como explica Rabardel (1999)
estão em uma situação de independência relativa, ou seja, um mesmo
esquema de utilização pode ser aplicado a uma multiplicidade de artefatos
aparentemente de uma mesma classe, de classes vizinhas ou diferentes.
Exemplos disso são os diferentes gêneros textuais – carta argumentativa,
artigo de opinião, etc – , que podem ser construídos por uma organização e
sequencialidade muito semelhantes , a argumentação.
40

A independência relativa dos constituintes do IP também está


relacionada às circunstâncias singulares da situação e das condições que o
sujeito se confronta. Vejamos como isso é ilustrado por Schneuwly (2010)

Esquema 3: Os Instrumentos Psicológicos na ação humana

Esquema(s) de Artefato
utilização Material ou
simbólico

Sujeitos Situação

O agir com e pelo IP deve ser compreendido em uma totalidade


dinâmica que se desenvolve especialmente relacionada às situações de ação,
nas quais o instrumento é apropriado pelo sujeito. Dessa forma, o artefato não
é o instrumento ou componente dele, mas é instituído como IP pelo sujeito que
lhe dá tal estatuto de meio para atingir os objetivos de sua ação. Quando
inscritos em uma atividade, quando apropriados, os artefatos provocam
reorganizações, modificam a estrutura e o funcionamento das funções
psíquicas, determinam sua propriedades pelo ato instrumental.

De acordo com Rabardel (1999), não é exagerado dizer que, partindo de


uma fórmula vygotskyana, todo ato instrumental contém uma fórmula
específica, um conjunto de relações que o sujeito mantém com a realidade, a
qual lhe permite agir com ele mesmo e com o outro. O instrumento, entidade
mista que tem a forma do sujeito e do objeto é, assim, uma entidade social e
individual.

O estatuto das interações, por sua vez, e, consequentemente, o


desenvolvimento humano de acordo com Braga (2010) acontecem na história,
ou seja, acontecem diacronicamente e sincronicamente, algo situado em um
41

prolongamento de tempo ou em determinado tempo. Portanto, compreendemos


as interações e o desenvolvimento dentro de um prolongamento de tempo, ou
seja, historicamente.

Em relação ao conceito de Cultura, Vygotsky (1929 e 1931), refere-se à


produção humana que tem duas fontes simultâneas: a vida social e a atividade
social do homem. A Cultura é o conjunto das obras humanas, e entre elas e a
natureza existe uma linha divisória que passa pelo homem que é obra da
natureza e agente de sua transformação.

Quanto às funções mentais superiores, ou seja, estágios avançados do


desenvolvimento humano, temos nelas o aparecimento da linguagem privada,
da linguagem interior e do pensamento verbal. O acesso às funções mentais
superiores acontece, nessa perspectiva, quando o indivíduo apropria-se de
instrumentos culturais que desenvolvem nele técnicas interiores para a
formação de conceitos: experimentais, espontâneos e científicos.

Esse acesso, iria desde o desenvolvimento da criança conquistado por


meios não complexos, como a educação informal dos pais e outros adultos, por
exemplo, para um desenvolvimento da criança trabalhando em colaboração e
assistência de um adulto, como é o caso da escola.

Essa passagem, das funções mentais inferiores para as funções mentais


superiores acontece, de acordo com Vygotsky (1930), pela mediação
linguageira. Ou seja, os indivíduos agem sobre a natureza, sobre o outro e
sobre si mesmo pela/com a linguagem. Sendo assim, a tese do ISD de que a
linguagem é essencial para o desenvolvimento humano é explicada nessa
importante mediação com um instrumento desenvolvido sócio-historico-
culturalmente, que constitui o homem.

Dessa forma, compreende-se o porquê de ser um Interacionismo


Sociodiscursivo, pois agimos, nos desenvolvemos, e desenvolvemos o outro e
tudo o que nos cerca pela e na linguagem.

A percepção da linguagem como fator de desenvolvimento e gênese da


consciência humana vai ao encontro dos postulados de Volochínov (2006). O
42

filósofo defendia que o centro organizador do consciente se encontra no


exterior e que é a linguagem, portanto, que organiza o consciente e a atividade
mental, modelando-os e determinando-os.

Segundo Volochinov (2006), a expressão linguageira é determinada


pelas condições reais do enunciado. O enunciado é o produto das interações
entre os indivíduos; tem o estatuto dialógico, pois sempre está dirigido a
alguém, a um auditório social; é nesta interação que o enunciado ganha a
forma e o estilo ocasional.

Os signos que compõem os enunciados também são produtos da


interação, ou seja, não são dados, mas construídos. A realização/
materialização dos signos é determinada pela relação social e ela só acontece,
ou seja, torna-se material, quando passa pelo social. Sendo assim, os
enunciados que se realizam pelos signos não nos pertencem, não são
construções individuais, mas construções sociais.

A consciência, por sua vez, fora da realização material é ficção


(VOLOCHINOV, 2006). Dessa forma, ela não se situa acima do ser e não
determina a sua constituição. É, pois, uma força constituinte do ser. Nessa
concepção, quando a consciência embrionária passa pela objetivação social,
torna-se força real e assim passa a ser fato social e não um ato individual
interior.

Conclui-se, portanto, que a materialização é a passagem pelo social e


nessa passagem a palavra não é mais individual, mas social. E quando
materializada, a expressão toma o sentido reverso, ou seja, quando a
materialidade é apropriada pelo sujeito ela estrutura a vida interior, a
consciência.

Apoiados em tais fontes filosóficas e psicológicas, os estudos e


pesquisas Interacionistas Sociodiscursivos se desenvolvem. A seguir,
apresentaremos a tese principal do ISD de que a linguagem é fundamental
para o desenvolvimento humano e que ela não é uma característica individual,
mas construída socialmente.
43

3.3 Concepções de Linguagem

Sabemos que os conhecimentos são construídos ao longo da história,


reformulados e transformados de acordo com as necessidades político-
econômicas, da ciência e da sociedade. Não diferente, assim também
aconteceu com os conhecimentos desenvolvidos sobre a linguagem. De acordo
com os interesses de cada época, formulações foram realizadas com objetivos
e razões epistemológicas (para garantir a validade e universalidade dos
conhecimentos) e políticas (para garantir a univocidade das leis)
(BRONCKART, 2008: 69).

Apresentaremos, a seguir, as concepções de linguagem que guiaram e


ainda guiam as propostas de ensino de Língua Portuguesa no Brasil,
considerando que, muitas vezes, elas convivem em um mesmo espaço de
ensino-aprendizado. Discorreremos, primeiramente, sobre as três principais
abordagens assim como as tomaram vários estudiosos e pesquisadores,
dentre eles Geraldi (1984), Travaglia (1996), Castilho (1998), Koch (2003) e
Bronckart (2008). São elas a representacionalista, a de instrumento de
comunicação e a interativa. Em seguida, apresentaremos a concepção de
linguagem defendida pelo ISD.

A primeira concepção de linguagem é conhecida como


representacionalista defendida, primeiramente, por Platão e pelos gramáticos
de Port-Royal que a definiam na perspectiva da lógica-gramatical.

Platão foi o nome mais conhecido como defensor da concepção da


linguagem como representação do pensamento. Para ele, a linguagem tinha o
estatuto de garantir a verdade e a confiabilidade dos conhecimentos que ela
exprime e que, através dos estudos de Sócrates, afirmava que os nomes
tinham a capacidade de refletir a essência das entidades que designam.
Aristóteles, reformulando a noção de essencialidade proposta por Platão,
afirmava que não eram os nomes que garantiam esse reflexo do mundo, mas
as estruturas proposicionais. As estruturas linguísticas seriam, nesse caso, um
reflexo da estrutura lógica dos acontecimentos do mundo, o que implicava na
44

interpretação de uma estrutura sintática universal para todas as línguas, a de


prestígio.

No entanto, reconhecida a variedade de línguas já levantada naquela época


e na arbitrariedade em considerar apenas uma delas como ideal, uma ação
reorganizadora, assim como interpreta Bronckart (2009), foi realizada no
âmbito da Grammaire Générale et Raisonnée, de Arnaud e Lancelot
(1660/1973). Tal ação consistiu em analisar as relações entre mundo,
pensamento e linguagem dissociando o pensamento da linguagem. Nessa
reorganização, distinguiram-se quatro níveis:

a) O mundo exterior e suas estruturas;

b) O pensamento humano;

c) As estruturas sintáticas canônicas que seriam comuns a todas as


línguas;

d) As estruturas que escapariam a forma canônica pertencentes às línguas


naturais.

Com a distinção desses níveis, sustentava-se a tese de que as estruturas


universais eram o reflexo direto da lógica do pensamento humano e o que
escapava a ela era reflexo das práticas dos povos, ou seja, não merecia tanta
atenção.

Os movimentos transformacionais do pensamento de Platão até os


gramáticos de Port-Royal, levaram a defesa da tese de que a linguagem é
determinada por uma estrutura sintática universal, aplicável a todas as línguas
e, também, a ela é atribuído um fundamento que se situa em outro lugar que
não nela mesma. Ou seja, ela está em outro lugar que não nas práticas sociais,
ou nas estruturas lógicas do mundo, ou ainda nas estruturas do pensamento
humano. Foi considerada como um mecanismo secundário, como
representação das estruturas que as determina. A concepção da linguagem
como representação do pensamento, com influência dos aportes da lógica-
gramatical, consiste, portanto, na hipótese de que o pensamento ocupa o lugar
45

primário, autônomo, sendo a linguagem um elemento secundário na sua


organização e desenvolvimento. (BRONCKART,2009)

Nessa abordagem, há a compreensão de que o sujeito da enunciação é


responsável e fonte dos sentidos, esperando sempre que sua interpretação
seja captada integralmente pelo seu interlocutor, já que há uma estrutura
universal, compreensível a todos, que representa integralmente seu
pensamento. Interpretar, desse modo, é descobrir a intenção do falante,
compreender é um evento mental que se realiza quando o ouvinte “capta”,
“extrai” o pensamento que o falante quer comunicar. O texto, por sua vez, é um
produto lógico do pensamento que não estabelece relação com seus
destinatários, nem com as circunstâncias que constituem a situação social que
a enunciação acontece. (KOCH, 2003)

De acordo com Perfeito (2006), essa concepção guiou o ensino de Língua


Portuguesa, mais fortemente, até os anos de 1960, no entanto, ainda hoje, é
encontrada em propostas de ensino. Geralmente, aparecem fundamentando o
ensino da variante privilegiada, da norma padrão, do falar e escrever bem. E,
também, no trabalho de compreensão de textos aparece em exercícios de
decodificação, ou seja, como se a interpretação dos sentidos apreendidos
fosse única, uma vez que é considerado que o pensamento do autor é
transmitido integralmente nos textos.

A segunda concepção de linguagem consiste na compreensão dela como


instrumento de comunicação. Nessa abordagem, é concebida em seu
estatuto a-histórico, sendo ela um conjunto de códigos capaz de transmitir uma
mensagem de um emissor para um receptor, isolada do uso. Uma influência
visível das primeiras interpretações da obra de Saussure.

Nessa perspectiva, a língua é concebida como um código, conjunto de


signos e regras, capaz de transmitir mensagens e informações de um emissor
para um receptor. O texto é visto como o produto de codificação de um
emissor, que será decodificado por um leitor/ouvinte. Esse processo torna-se
possível apenas com o uso dos conhecimentos linguísticos pelos pares da
comunicação, sem ter a necessidade de construir representações sobre a
46

situação de produção (SAUSSURE, 1969). E o sujeito, por sua vez, ao


contrário do que pressupunha a concepção de linguagem como representação
do pensamento, não é detentor e produtor de sentidos, mas é o porta-voz
daquilo que já foi dito e acordado anteriormente, é por onde o discurso passa.
(KOCH, 2003)
Seguidores de Saussure retomaram sua teoria considerando que a
organização interna da língua era uma estrutura. Nessa retomada, houve a
reinterpretação pelos estudos da teoria da comunicação/ informação de modo
que a dicotomia saussureana langue/parole foi compreendida em termos de
código-mensagem em uma simplificação excessiva da comunicação linguística
à função informativa.
A função informativa da linguagem, nos estudos estruturalistas, é revista por
Jackobson (1973) que reconhece três funções básicas de linguagem: de
acordo com a incidência no emissor “função expressiva/emotiva”; no receptor
“função apelativa/conativa”; ou no referente/contexto “função
referencial/informativa”. Jackobson (1973) ainda postulou sobre os fatores
constitutivos do ato de comunicação verbal: a mensagem, o canal e o código; e
de acordo com eles classificou as funções em relação ao fator que se destaca
no ato da comunicação.
No Brasil, essa concepção de linguagem foi defendida para a
fundamentação do modelo de ensino nas Leis das Diretrizes de Base 5692, de
1971. A língua é vista, portanto, nesse documento como código e o ensino
ainda tende à gramática, mesmo com a leitura e produção textual começando a
ganhar importância junto com a teoria da comunicação. Já a aprendizagem é
defendida como a internalização inconsciente de hábitos, através da repetição
e reforços, herança da teoria comportamentalista (behaviorismo).
Quanto à adoção da linguagem como instrumento de comunicação no
ensino de Língua Portuguesa também não significou o abandono do ensino
privilegiado da gramática, pois, de acordo com Perfeito (2006), que analisou os
conteúdos e concepções defendidas em livros didáticos que dizem adotar essa
visão, por ela ser tomada como uma forma de comunicação deve ser estudada
em seus fatos linguísticos através de exercícios estruturais morfossintáticos,
em busca da internalização inconsciente de hábitos linguísticos, próprios da
47

norma culta. Segundo a autora, apostilas e livros didáticos que difundem tal
abordagem apresentam exercícios mecânicos, tais como: atividades de seguir
modelo, de múltipla escolha e/ou completar lacunas.
A concepção de linguagem como interação é a forma de entendê-la em
seu trabalho coletivo e em sua natureza sócio-histórica. É na interação pela
linguagem que cada indivíduo torna-se ator de sua ação, em busca de precisos
objetivos que são “processados” pelos pares em um papel também ativo, uma
visão da linguagem em sua dimensão dialógica, no sentido mais amplo do
termo. De acordo com Travaglia (1996), a compreensão da linguagem como
interação recebeu contribuições de várias áreas de estudos mais recentes que
a analisam em seu uso: a Teoria da Enunciação de Benveniste, a Pragmática,
a Semântica Argumentativa, a Análise da Conversação, a Análise do Discurso,
a Linguística Textual, a Sociolinguística, e a Enunciação Dialógica de Bakhtin.
Segundo Koch (2003), a compreensão do sujeito por essa abordagem não
é só aquele que transmite informações ou exterioriza pensamentos, mas que
age, é ator de suas ações e interage com os pares da comunicação. Ele
reproduz a ação social na medida em que participa ativamente da situação da
definição da situação, ao mesmo tempo em que contribui para a atualização
das imagens e representações sociais. Em comparação aos sujeitos
defendidos pelas visões de linguagem representacionalista e de instrumento de
comunicação, o sujeito interativo não pode ser considerado nem como
totalmente livre dos fatores externos, nem determinado totalmente por eles,
mas constituído e construtor do social em uma relação dialética.
Quanto ao texto, nessa concepção, é o próprio lugar de interação, pois
encena a relação com o outro, já que os discursos não provêm de um sujeito
único, fonte dos sentidos. A compreensão por sua vez, é uma atividade
interativa de produção de sentidos, sendo isso possível tomando como base os
elementos linguísticos, a mobilização de um vasto conjunto de saberes e a sua
reconstrução no interior da comunicação. O sentido é, portanto, construído na
interação e não pré-existente a ela. (KOCH, 2003)
Tal abordagem foi defendida pelos PCNs de 1998 que ainda guia o ensino
de Língua Portuguesa. A partir dessa adoção, o ensino foi orientado para a
priorização do objeto de ensino ser os textos em seus diferentes gêneros
48

textuais, já que é através deles que a interação humana se dá na e pela


linguagem.
Mais próxima à concepção de interação, na perspectiva ISD, a linguagem
não é somente um meio de expressão de processos que seriam estritamente
psicológicos, mas é o instrumento fundador e organizador deles. É um
processo ativo e criativo que não é apenas um produto dos objetos de sentido,
mas que também se reproduz a si mesma permanentemente. E, a partir dessa
concepção, são defendidas duas teses principais: a primeira que a linguagem é
constitutiva das unidades representativas do pensamento humano e, a
segunda, se a atividade de linguagem é atividade social, o pensamento ao qual
ela dá lugar é também semiótico e social. (BRONCKART, 2008: 71)

Tomando como base esse princípio ativo e criativo da linguagem, defende-


se que sua essência se mostra no diálogo, no dirigir-se a alguém, na dimensão
comunicativo-social, uma atividade, portanto, significante. Significante, pois não
produz apenas signos materiais para significados já dados, mas também cria
conteúdos e expressões. E é, portanto, nesse processo construtivo com e pela
linguagem que ocorre o desenvolvimento humano e a das atividades humanas.

Apresentadas as concepções de linguagem que foram superadas e que


ainda convivem no cenário do ensino de Língua Portuguesa no Brasil e,
também, a do ISD, faz-se necessária a compreensão de sua emergência nas
atividades sociais humanas e, também, como ela contribui para o
desenvolvimento do pensamento consciente humano. As duas seções a seguir,
tratarão de elucidar tais compreensões.

3.4 A emergência da linguagem nas atividades sociais e a importância do


social para essa emergência
A definição de atividade como organização coletiva funcional de
comportamento dos organismos vivos tomada pelo ISD, segundo Bronckart
(2007), foi inspirada em Leontiev. Para essa concepção é através das
atividades que tais organismos constroem representações internas (ou de
conhecimentos) sobre o ambiente em que vivem. A distinção observada no
conjunto das diferentes espécies animais é observada pelos grandes tipos de
atividades organizadas coletivamente, considerando, principalmente, as
49

atividades de sobrevivência (nutrição, reprodução, fuga, perigo, etc). Nessas


atividades, os integrantes estão em estado de cooperação respeitando a
organização hierárquica de cada espécie e/ou os usos regulados de um
determinado grupo. Por serem, portanto, as espécies animais coletivamente
organizadas, a atividade resultante dessa organização é social em um primeiro
sentido do termo (BRONCKART, 2007: 31).

A espécie humana, por sua vez, se distingue das diversas outras


espécies e se caracteriza pela extrema diversidade e complexidade de suas
formas de organização e de suas formas de atividade. Tal distinção deve-se à
emergência de um modo de comunicação particular, a linguagem, que dá às
organizações e atividades humanas o estatuto de ser social, segundo
Bronckart (2007), aqui no sentido restrito do termo.

Outras espécies animais constroem representações e agem com seus


congêneres através de uma comunicação acional, ou seja, relacionam-se sem
negociação, sem contestação, sem diálogo, sem o engajamento em uma
conversação. A comunicação deles, portanto, é idiossincrática. Já a
cooperação dos indivíduos humanos é mediada pela interação verbal. A
linguagem confere à espécie humana a possibilidade de negociação de
representações entre os indivíduos, de um agir comunicativo.

Por necessidades de sobrevivência, os membros dos grupos humanos


tiveram que colaborar concretamente com outros mamíferos superiores. No
entanto, como tais membros eram dotados biologicamente de capacidades
comportamentais superiores às outras espécies, como a liberação das mãos,
por exemplo, eles construíam ferramentas que ampliavam suas capacidades
comportamentais. A utilização dessas ferramentas acontecia de acordo com o
contexto de atividade e a parte da atividade que cabia aos indivíduos que a
utilizavam. Sendo assim, nessas atividades coletivas humanas, havia a
necessidade de negociações e designação dos objetos e de outros membros
para que a apropriação das ferramentas e a organização social acontecessem.
Foi, portanto, nesse processo de negociação e designação que emergiu a
linguagem propriamente dita, onde os membros estabilizavam formas comuns
50

sobre representações sonoras e representações de qualquer coisa do meio, ou


seja, os signos no sentido mais restrito do termo saussureano. (BRONCKART,
2007: 33).

Os signos, por sua vez, originaram-se da negociação entre os membros


da espécie humana, reestruturaram as representações idiossincráticas e as
tornaram representações parcialmente comuns, compartilháveis e
comunicáveis dentro de uma língua natural. Segundo Bronckart (2007),
baseando em Habermans (1987), o agir comunicativo emergiu não pela ação e
representação individual de cada membro, mas constituindo-se socialmente.
Podemos dizer então, que a estabilidade relativa dos signos tem uma
dimensão transindividual, pois veicula as representações coletivas do meio.

“... a linguagem humana se apresenta, inicialmente, como uma


produção interativa associada às atividades sociais, sendo ela o
instrumento pelo qual os interactantes, intencionalmente, emitem
pretensões às validades relativas às propriedades do meio e que
essa atividade se desenvolve. A linguagem é, portanto,
primeiramente, uma característica da atividade social humana,
cuja função maior é de ordem comunicativa ou pragmática. É só
sob o efeito da confrontação do valor ilocutório das produções
dos interactantes que se estabilizam progressivamente os
signos...” (BRONCKART, 2007: 34)

Quando semiotizadas as representações do meio, ou seja, quando elas


deixam de ser idiossincráticas e se transformam em formas compartilhadas (ou
convencionais), passando a serem produtos de uma colocação em interface de
representações individuais e coletivas, tornam-se relativamente autônomas do
contexto imediato de produção. Elas passam a existir desvinculadas do
contexto que as fez emergir; nasce, portanto, uma atividade propriamente de
linguagem que se organiza em textos e emergem sob uma forma relativamente
estável, os gêneros textuais.

Mesmo com essa autonomia do contexto imediato, os signos


organizados em textos, assim como esses, continuam dependentes do uso e
das interações humanas. Sendo assim, não são estáveis, a não ser
momentaneamente, em um determinado estado sincrônico. Eles se
transformam assim como as atividades sociais de que procedem e em que
circulam.
51

Não podemos, portanto, falar de linguagem, de sua emergência, de seu


uso, de sua semiotização, de seu caráter instrumental e desenvolvedor das
capacidades e consciência humanas, se não considerarmos a importância e
constituvidade do social. Dessa forma, a análise do contexto social para o ISD
é de importância primária. Mas, também é de grande importância para esses
estudos compreender como as funções acionais de designação das coisas e
dos outros, possíveis pelas representações semiotizadas pelo coletivo/social,
passam a ser funções comportamentais e próprias do indivíduo, ou seja,
quando elas passam a ser instrumentos para o agir sobre si mesmo e sobre os
outros. Dessa forma, a seguir discorreremos sobre o que ISD propõe para essa
compreensão.

3.5 A linguagem como propiciadora e determinante para o


desenvolvimento humano
Discorremos na seção anterior sobre o estatuto da atividade social
mediada pelo agir comunicativo, ou seja, nos ocupamos das dimensões
sociológicas e históricas das condutas humanas, pois elas devem ser sempre
as primeiras a serem analisadas. Partiremos, nesse momento, para o estatuto
psicológico da linguagem a fim de compreendermos como o indivíduo torna-se
realmente ator de suas ações e acede ao pensamento consciente.

Para essa abordagem, partimos da questão colocada por Bronckart


(2007: 49) “Por meio de quais processos esse funcionamento psíquico prático
se transforma, no homem, em pensamento consciente?”.

Como forma de propor uma resposta a essa questão, em todos os seus


trabalhos, Bronckart parte do pressuposto de que a criança não acede aos
signos por si mesma, ela é exposta ao meio social. Ou seja, o meio social
intervém no desenvolvimento propondo relações de correspondência entre os
objetos e/ou comportamentos e os segmentos de produção sonora. As práticas
designativas pela criança acontecem com e no convívio social.

Nessa perspectiva de desenvolvimento pela linguagem, a criança entra


na prática dos signos (entra, pois ela nasce em mundo de pré-construídos) e se
apropria do valor comunicativo da ação sobre os outros e, também, do valor
52

representado de designação de objetos. Ao apropriar-se dos signos, a função


acional das representações dos outros passa a ser seus próprios
comportamentos e suas próprias representações. Sabendo, portanto, que pela
linguagem ela é capaz de agir sobre o outro, a criança compreende que
através dela, ela pode agir sobre si mesma, sobre seus comportamentos e,
então, começa a pensar. Portanto, o pensamento é de ordem social e
semiótica. (BRONCKART, 2007: 55)

Perguntamos então: Já que a apropriação do valor comunicativo dos


signos constitui a condição decisiva para o pensamento consciente, como se
dá o pensamento psíquico antes desse processo? Como resposta, Bronckart
(2007) retoma a concepção saussureana de que o pensamento é apenas uma
massa amorfa e indistinta antes da apropriação da substância fônica, que se
caracteriza como uma matéria plástica que se divide em partes distintas para
fornecer os significados de que o pensamento necessita. Desse ponto de vista,
a língua não é um meio fônico para expressão das ideias, mas é intermediária
entre o som e o pensamento. Nesse sentido, podemos dizer que a linguagem é
um instrumento psicológico que organiza esse sistema amorfo e indistinto.

Apesar das terminologias utilizadas por Saussure, Bronckart (2007)


reformula seu pensamento e propõe a seguinte compreensão: antes da
emergência da linguagem, existe um funcionamento psíquico prático que se
baseia em representações idiossincráticas e se constitui em uma massa
contínua e não organizada. Com a apropriação dos significantes, as porções de
formas representativas são reorganizadas em significados e são erigidas em
reais unidades representativas, delimitadas e relativamente estáveis. Acontece,
portanto, a discretização do funcionamento psíquico, sendo essa a condição
última para a emergência do pensamento consciente. É, portanto, quando as
formas representativas são organizadas em unidades discretas, com a
apropriação dos signos, que se desenvolve o movimento auto-reflexivo
característico do pensamento consciente. (BRONCKART, 2007: 57)

Uma vez apropriado, o signo continua a depender do social na medida


em que sua significação será permanentemente realizada pelas negociações
53

e/ou pela aprendizagem nas práticas de linguagem. Dessa forma, o ISD


acredita que o acesso ao pensamento consciente se dá pela intervenção social
e não naturalmente, por isso seu grande interesse em compreender os
processos em que se dá a aprendizagem, em especial, na escola.

Como as práticas de linguagem, por sua vez, são as que levam às


permanentes negociações e significações e ao contínuo desenvolvimento
humano, o ISD propõe o estudo dos mecanismos de interação que continuam a
se desenvolver durante toda a vida entre atividade de linguagem e organização
psíquica. Os gêneros textuais são esses mecanismos. A prática de linguagem
de crianças e adultos consiste na prática de diferentes gêneros de texto em uso
nas diferentes formações sociais nas quais os indivíduos se inserem.

De acordo com Dolz & Schneuwly (2010), os gêneros podem ser


considerados como instrumentos que fundam e possibilitam a comunicação e a
aprendizagem e que permitem a realização da ação em uma determinada
situação particular. Ainda de acordo com os autores a ação de falar realiza-se
com a ajuda de um gênero, “que é um instrumento para agir linguisticamente”.

Ao se apropriar de determinado gênero textual e fazer uso em


determinada situação, o indivíduo progride em seu conhecimento, os adapta
em uma situação de interação de acordo com as restrições linguísticas que
lhes são próprias e, também, gerencia as indexações sociais de que cada
gênero é portador. Dessa forma, o indivíduo se inscreve na rede de relações
cristalizadas nos modelos preexistentes e aprende a se situar em relação a
eles. No processo de apropriação dos gêneros, além do indivíduo construir,
para uma determinada situação, variantes derivadas de sua estilística pessoal
ou social, ele restitui o arquitexto sendo capaz de provocar modificações mais
ou menos importantes nas características anteriores dos gêneros
(BRONCKART, 2009: 154). Em outras palavras a apropriação dos gêneros
textuais não provoca no indivíduo uma transformação definitiva, mas contínua,
dependendo da situação em que o uso é feito, dos objetivos, dos sujeitos
envolvidos, dos conteúdos veiculados, etc. E, em cada situação de uso, o
gênero é modificado e “devolvido” para a sociedade constituído pelas
54

propriedades do indivíduo. A apropriação desse instrumento acontece,


portanto, de forma dialética em que o sujeito é transformado pela e na
linguagem e transforma o social do mesmo modo.

Compreendendo, portanto, a preocupação dos estudos ISD em


conhecer os mecanismos que levam a um desenvolvimento humano contínuo
pelas práticas de linguagem, a seguir, apresentaremos seu programa de
trabalho.

3.6 O programa de trabalho do ISD: por uma concepção descendente

O ISD, como já dito, adere a todos os princípios fundadores do


interacionismo social, em especial ao proposto por Vygostky, e rejeita a divisão
atual das Ciências Humanas/Sociais, já que aderindo às propostas filosóficas
e epistemológicas já apresentadas, o humano e o social são constitutivos de
uma mesma e única matéria. Não deve, portanto, ser considerado como uma
ciência puramente linguística, mas uma ciência do humano.

Sua tese principal, partilhada com os estudos de Saussure e Vygostky, é


de que a linguagem é absolutamente central para essa ciência e para o
desenvolvimento do pensamento consciente humano. De acordo com ela, o
ISD visa demonstrar que os signos linguageiros, construídos sócio-
historicamente, fundam a constituição do pensamento humano e que as
práticas linguageiras situadas são os instrumentos principais do
desenvolvimento. Desse ponto de vista, a construção das capacidades
cognitivas humanas acontece em correspondência com o social.

Baseado em tais fundamentos, o programa de pesquisa do ISD se


organiza em um método de análise descendente, que envolve três etapas:

a) A análise dos principais componentes dos pré-construídos específicos


do ambiente humano: atividades coletivas, formações sociais, textos,
mundos formais de conhecimento;

b) O estudo dos processos de mediação sociossemióticos, em que se


efetua a apropriação tanto pela criança quanto pelo adulto: informal,
formal e transação social;
55

c) Análise dos efeitos dos processos de mediação e de apropriação na


constituição da pessoa dotada de pensamento consciente e,
posteriormente, no seu desenvolvimento ao longo da vida: 1) as
condições de emergência do pensamento consciente (interiorização dos
signos linguageiros); 2) análise do desenvolvimento do pensamento, dos
conhecimentos e das capacidades de agir; 3) Análise dos mecanismos
por meio dos quais cada pessoa contribui para a transformação contínua
dos pré-construídos. (BRONCKART, 2008:111-116)

A análise descendente proposta pelo ISD, segundo Bronckart (2008),


encontra justificativas nos argumentos epistemológicos e teóricos adotados e,
também, em uma dimensão tática, já que em várias concepções defendem a
primazia do papel secundário do social, do semiótico e das obras culturais. Ao
adotar uma abordagem descendente, o ISD ressalta a influência primeira e
fundamental dos pré-construídos histórico-culturais para a análise das
condutas humanas. Ao contrário do que podem supor, a primazia do social
defendida pelo ISD não instaura um determinismo unilateral do sócio histórico
sobre o individual, mas sim uma relação contínua dialética entre os três níveis
de análise.

A proposta do ISD para análise de textos, já que esses são considerados


por essa corrente como correspondentes empírico/linguísticos das atividades
de linguagem de um grupo (BRONCKART, 2009:138), também se faz por esse
viés da análise descendente, ou seja, entende-se que a escolha do gênero
textual e dos mecanismos textuais realiza-se em correspondência e
dependência com as situações de produção. Ainda nessa perspectiva, os
mecanismos de produção e de interpretação de textos contribuem para a
formação permanente das pessoas e, também, dos fatos sociais. Na próxima
seção, apresentaremos os procedimentos de análise de textos ISD que nos
esclarecerão os meios descendentes para a interpretação da ação humana nos
e pelos textos.
56

3.7 Procedimentos de análise dos textos

Agora serão expostas as categorias de análise de textos, que


utilizaremos para a análise do nosso corpus. Lembrando que o termo
“categorias” utilizado nesta pesquisa não remete às partes isoladas de um
procedimento, mas em partes que se afetam, que são dependentes umas das
outras, que dialogam e se determinam, ou seja, partes de um todo único. Mas,
para que possamos abordá-las de forma compreensível a todos, as
apresentaremos separadamente buscando estabelecer relações entre elas
sempre quando possível.

Antes de expormos as categorias de análise, é válido elucidar o que o


ISD define como texto, já que outras concepções o concebe apenas como a
materialidade linguística isenta e independente de seu contexto de produção e
como detentor de interpretação única e verdadeira. Para o ISD, os textos são
definidos como os correspondentes empíricos/linguísticos das atividades de
linguagem, os quais são determinados pela ação que o gerou. Nessa
perspectiva, acredita-se que se um texto mobiliza unidades linguísticas ele não
é, em si mesmo, unidade linguística, mas sim unidade comunicativa, pois tanto
suas condições de abertura quanto de fechamento não dependem do
linguístico e sim da realização do agir de linguagem que o gerou.
(BRONCKART, 2009: 142).

Da mesma forma que as ações de que procedem os textos são várias,


eles também o são, já que neles são operacionalizados mecanismos diversos,
heterogêneos e, às vezes, facultativos. A variabilidade de escolhas de tais
mecanismos depende das condições de funcionamento das formações sociais
em que são produzidos, já que essas elaboram formas relativamente estáveis
de textos, ou seja, gêneros textuais. (BRONCKART, 2007).

Sabendo da adequação à situação de produção que se realiza na


produção de um texto e que esse “obedece” às formas relativamente estáveis
convencionadas pela formação social para ser compreensível e coerente aos
seus interactantes, Bronckart (2007: 73) afirma que todo exemplar de texto
observável é considerado como pertencente a um determinado gênero.
57

O ISD, portanto, adere a uma perspectiva metodológica externa ou


contextual que considera as relações de interdependência entre características
das situações de produção, características do texto e o efeito que os textos
exercem sobre os interactantes. (BRONCKAT, 2007: 71)

3.7.1 O contexto de produção textual

Ao produzirmos textos em determinadas situações dispomos de


representações particulares de nosso contexto social que influenciam e
determinam nossa produção e nossas escolhas dos mecanismos que o
estruturam internamente. Tais representações designam, segundo Bronckart
(2007), às propriedades dos mundos formais (físico, social e subjetivo) e as
propriedades que interiorizamos deles.

O contexto de produção é, portanto, definido por Bronckart (2007) como


o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma
como um texto é organizado. Segundo o autor, dentre os múltiplos aspectos de
uma situação de ação existente, é importante ressaltar os fatores que exercem
uma influência necessária, os quais são reagrupados pelo teórico em dois
conjuntos: o primeiro refere-se ao mundo físico e o segundo ao mundo social e
subjetivo. Para o primeiro grupo, podemos afirmar que o texto resulta de um
comportamento verbal concreto que surge da ação de um sujeito, a qual é
coordenada dentro de um espaço e tempo. O contexto físico, portanto, se
realiza através de quatro parâmetros precisos:

 O lugar de produção: o lugar físico em que o texto é produzido, por


exemplo, em uma sala de aula, em um consultório médico;

 O momento de produção: a extensão do tempo durante a qual o texto é


produzido;

 O emissor (ou produtor ou locutor): a pessoa (ou a máquina) que produz


fisicamente o texto, podendo essa produção ser efetuada na modalidade
oral e escrita;
58

 O receptor: a (ou as) pessoa (s) que pode (m) perceber (ou receber)
concretamente o texto. (Bronckart, 2007: 93)

No segundo conjunto, temos a produção do texto inserida no quadro de


interação comunicativa que implica o mundo social (normas, valores, regras,
etc) e o mundo subjetivo (imagem que o agente dá de si ao agir). Esse
contexto sociosubjetivo decompõe-se em três parâmetros principais:
 O lugar social: no quadro de qual formação social, de qual instituição, de
qual forma mais geral, em que modo de interação o texto é produzido:
escola família mídia, exército, interação comercial, interação informal,
etc;
 A posição social do emissor (que lhe dá seu estatuto de enunciador)
qual é o papel social que o emissor desempenha na interação em curso:
papel do professor, de pai, de cliente, de superior hierárquico, de amigo,
etc;

 A posição social do receptor (coenunciador);

 O objetivo (ou os objetivos) da interação: qual é, do ponto de vista do


enunciador, o efeito (ou os efeitos) que o texto pode produzir no
destinatário. (Bronckart, 2007:94)

Considerando que os parâmetros do contexto sociosubjetivo de


produção foram utilizados em várias pesquisas que tomaram como base
teórica o ISD, viu-se a necessidade de detalhá-los para uma maior
compreensão do agir humano nos e pelos textos. No caso das pesquisas do
Grupo ALTER/CNPq, segundo Machado (2009), a necessidade incidiu:
 Na verificação, no processo de produção, dos diferentes papéis que o
emissor pode assumir ao mesmo tempo, não confundindo, no entanto,
com seu papel social.
 Na constatação de que em grande parte das situações de produção,
estão envolvidos mais de um destinatário, quer presentes ou ausentes,
sendo o direcionamento do conteúdo mais ou menos direto.
59

 Na observação de que o produtor pode ter representações de mais de


um objetivo a ser alcançado.

Assim como os parâmetros do contexto sociosubjetivo foram revistos,


devido às necessidades apresentadas nas pesquisas do Grupo ALTER, foram
acrescidos a análise do contexto de produção quatro aspectos: o contexto
sócio-histórico mais amplo em que o texto é produzido, em que circula e é
usado; o suporte em que o texto é veiculado; o contexto linguageiro
imediato, isto é, os textos que acompanham , em um mesmo suporte, o texto a
ser analisado; e o intertexto, isto é, os textos com os quais o texto mantém
relações facilmente identificáveis antes mesmo das análises. (MACHADO,
2009, 46-47)

O primeiro aspecto, contexto sócio histórico mais amplo, teve sua


necessidade ressaltada nas análises de textos das instâncias governamentais
que prescrevem o trabalho do professor (BRONCKART & MACHADO, 2005a).
No caso desta pesquisa, por exemplo, é imprescindível reconhecer que as
novas investidas da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, ao
propor uma nova proposta curricular, estão atreladas a um contexto sócio
histórico mais amplo em que as reformas educacionais são necessárias para o
desenvolvimento econômico do país.

A necessidade da análise do contexto linguageiro imediato e do suporte


em que é veiculado o texto ficou explícita na tese de Barbosa (2009), quando
analisou crônicas e contos divulgados na mídia impressa em dois suportes
diferentes revelando que devido a essa diferença de suportes que veiculava
textos distintos, o mesmo gênero textual foi construído de diferentes formas,
por diferentes escolhas linguísticas, causando diferentes efeitos de sentido,
pois a diferença sugeria a diversidade de públicos e objetivos.

E, por último, a necessidade da análise do intertexto comprovada em


várias pesquisas, incluindo a de Bueno (2007) em que ao analisar textos de
alunos em formação, constatou que as características formais e semânticas
60

dos projetos deveram-se às instruções dadas e aos textos discutidos nas aulas
no curso.

Apresentados os aspectos/fatores contextuais que influenciam as


produções e escolhas textuais, apresentaremos a seguir os três tipos de
análises consideradas todas elas pertencentes à análise textual/discursiva,
dividida de acordo com o nível de textualidade enfocado: o nível
organizacional, o nível enunciativo e o nível semântico, de acordo com
Machado & Bronckart (2009).

3.7.2 Nível Organizacional

É nesse nível de análise que podemos identificar como o conteúdo


temático foi construído e, a partir dessa identificação, mesmo que parcialmente,
compreender a pretensão do enunciador com seu ato linguageiro como, por
exemplo, privilegiar determinada temática ou colocá-la em segundo plano, ou
até mesmo reconhecer os actantes privilegiados.

Para essa análise, buscamos depreender o Plano Global. Para isso, os


estudos ISD se servem de diferentes índices liguísticos (os
macroorganizadores textuais, por exemplo), peritextuais (intertítulos, mudanças
de partes ou de capítulos), cotextuais (presença de parágrafo introdutório
apresentando as divisões do texto), assim como dos conhecimentos prévios
quanto ao gênero que o texto pertence (MACHADO & BRONCKART, 2009:
54). Podemos dizer que a análise desse Plano é o conjunto de representações
que podemos obter do texto com uma análise não aprofundada, mas
determinante, que guiará nosso olhar para os próximos passos da análise.

Reconhecida essa organização mais geral do texto analisado, partimos


para a análise da articulação temática, ou seja, veremos quais os temas mais
privilegiados, aqueles que foram secundarizados ou até mesmo aqueles que
foram apenas mencionados. Como exemplo, podemos ver em uma proposta
curricular a importância dada às prescrições das novas ações do professor, ou
seja, as determinações das ações consideradas como aceitáveis para esse
profissional e os esclarecimentos do próprio objeto de ensino. Com essa
61

articulação temática, podemos perceber que, para o órgão governamental, é


mais importante que o professor siga suas instruções e, assim, o sucesso da
qualidade de ensino esteja garantida do que deixar clara a importância que o
objeto de ensino tem para o desenvolvimento de seu aluno e dele próprio.

Após sabermos como o enunciador/autor/produtor organizou seu texto e


privilegiou ou não determinadas temáticas, seguimos com a análise das
relações que ele estabeleceu entre o conteúdo temático e o momento de
produção, em outras palavras:

- se ele está implicado ou não com os fatos contados ou expostos;

- se os fatos acontecem no momento em ele enuncia (conjunto), ou em outro


tempo (disjunto);

- se os fatos contados ou expostos pertencem/fazem parte a um mundo


ordinário (verossímil) ou virtual (abstrato).

A identificação de tais relações entre enunciador, tempo-espaço e


mundos é possível pelo reconhecimento dos tipos de discursos
predominantes. O interesse do ISD, ao tratar dos tipos de discurso, é
compreender/descrever as operações que o sujeito efetua para produzir um
texto e dos possíveis modos que pode reconstruí-los. E, assim, verificar qual o
papel dos tipos de discurso no desenvolvimento do pensamento consciente.

Ao produzirmos um texto estabelecemos associações que se estruturam


em dois tipos de relações: as primeiras explicitam a relação existente entre o
conteúdo temático de um texto e as coordenadas gerais do mundo ordinário
(mundos representado pelos agentes humanos) que desenvolvem a ação de
linguagem a qual o texto se origina.

Já as segundas dizem respeito, mais especificamente, ao


relacionamento entre as diferentes instâncias de agentividade (personagens,
grupos, instituições, etc.) e sua inscrição espaço-temporal, tais como são
mobilizados em um texto; e também os parâmetros físicos de ação de
linguagem em curso (agente-produtor, interlocutor eventual e espaço-tempo de
62

produção). É, portanto, a partir da concepção dessas segundas relações, que


Bronckart (2007) discorre sobre as considerações de mundos da ordem do
narrar e expor.
No mundo da ordem do narrar, as representações mobilizadas quanto
ao conteúdo fazem referência a fatos passados e atestados (da ordem da
História), a fatos futuros e a fatos plausíveis ou puramente imaginários, ou seja,
segundo o que se defende, sua organização se realiza através de uma origem
espaço-temporal. Os fatos organizados a partir dessa ancoragem são então
narrados.
No mundo da ordem do expor, as representações mobilizadas não se
ancoram em nenhuma origem específica, organizam-se em referência mais ou
menos direta às coordenadas gerais do mundo da ação de linguagem em
curso. Desse modo, os fatos são apresentados como sendo acessíveis no
mundo ordinário dos protagonistas da interação da linguagem, portanto eles
não são narrados, mas mostrados, ou expostos. Foi proposto, portanto, para
tais definições de mundos: os mundos da ordem do NARRAR e mundos da
ordem do EXPOR.
Para os textos da ordem do narrar, o mundo discursivo é situado em um
“outro lugar” que, entretanto, deve permanecer verossímil, pois estará sujeito a
avaliações e interpretações de seres humanos que o lerão. Tais textos, no
entanto, estarão sujeitos a desvios da realidade – às regras em vigor no mundo
ordinário, para isso, podemos distingui-los em um narrar realista, que aborda
um conteúdo que está sujeito a uma avaliação e interpretação de acordo com o
essencial dos critérios de validade do mundo ordinário, e um narrar ficcional,
cujo conteúdo pode apenas ser parcialmente sujeito a uma avaliação.
Quanto aos textos situados na ordem do expor, verificamos que seus
conteúdos temáticos dos mundos discursivos conjuntos poderão ser, a
princípio, interpretados à luz dos critérios de validade do mundo ordinário.

“Isso parece ser confirmado pelo fato de que a ficção que


funciona nos mundos da ordem do NARRAR será
considerada como uma característica normal do gênero
adotado, enquanto a ficção nos mundos da ordem do EXPOR
será geralmente objeto de uma avaliação baseada
exclusivamente nos critérios de elaboração e de validação
dos conhecimentos no mundo ordinário, podendo os
63

elementos ficcionais expostos serem considerados, conforme


o caso, como falsos, delirantes, ou ainda, como hipóteses
heurísticas mais ou menos criativas e mais ou menos
credíveis.” (Bronckart, 2007: 154)

Com base nas considerações realizadas até o momento dos mundos


discursivos, podemos considerar a distinção/definição de cada um deles quanto
à relação que eles estabelecem entre o conteúdo temático e o espaço-tempo
de produção. Vejamos:

Quadro 2: Os mundos discursivos e as relações com o conteúdo temático e o


espaço-tempo de produção

MUNDO DO NARRAR MUNDO DO EXPOR


FATOS NARRADOS FATOS EXPOSTOS
CONTEÚDOS
CONTEÚDOS SUJEITOS A DESVIOS INTERPRETADOS À LUZ
DA REALIDADE: NARRAR REALISTA DOS CRITÉRIOS DA
E NARRAR FICCIONAL VERDADE DO MUNDO
ORDINÁRIO
CONTEÚDOS SE ANCORAM EM UM
CONTEÚDOS NÃO SE
ESPAÇO-TEMPO DEFINIDO:
ANCORAM EM UM
PASSADOS, FUTURO OU
ESPAÇO-TEMPO DEFINIDO
PURAMENTE IMAGINÁVEIS

Além das escolhas acima citadas, o produtor de um texto pode explicitar


sua relação com os parâmetros materiais da ação de linguagem,
estabelecendo uma relação de implicação de agentividade. Ou pode não
explicitar, estabelecendo uma relação de independência/indiferença com
relação aos parâmetros da ação de linguagem em curso, sendo, portanto, uma
relação autônoma. Podemos perceber tais escolhas quando, no primeiro caso,
o produtor faz referências dêiticas aos parâmetros os incluindo no conteúdo
temático. Tal percepção se dá quando temos acesso às condições de produção
textual. No segundo caso, na relação autônoma com os parâmetros, a
interpretação do texto não requer um conhecimento das dimensões temporais
e espaciais em que foi produzido.
De acordo com Bronckart (2007), podemos fazer uma segunda distinção
geral dos mundos discursivos pela relação de implicação e autonomia com os
64

parâmetros da ação de linguagem. E, tal distinção, dá origem à formação de


quatro mundos:

a) Mundo do Narrar Implicado


b) Mundo do Narrar Autônomo
c) Mundo do Expor Implicado
d) Mundo do Expor Autônomo

Tais mundos são identificados a partir das formas linguísticas que os


semiotizam, os quais são seus dependentes. Os Tipos de discurso são:
“... as formas lingüísticas identificáveis nos textos que traduzem
a criação de mundos discursivos específicos, sendo esses
tipos articulados entre si por mecanismos enunciativos que
conferem ao todo textual sua coerência sequencial e
configuracional.” (Bronckart, 2007:149)

Os tipos discursivos ainda podem ser definidos como o “discurso tal


como ele é efetivamente semiotizado no quadro de uma língua natural, com
suas propriedades morfossintáticas e semânticas particulares” (Bronckart,
2007: 156). Eles são de quatro tipos: discurso interativo, discurso teórico, relato
narrativo e narração; compreensíveis nas relações de conjunção/disjunção
espaço-temporal e implicação/autonomia com os parâmetros de ação de
linguagem. Para tal compreensão, Bronckart (2007) propõe o seguinte quadro:

Quadro 3: Tipos de Discurso e implicações

COORDENADAS GERAIS DOS MUNDOS


Conjunção Disjunção
EXPOR NARRAR
RELAÇÃO Implicação Discurso Interativo Relato Interativo
AO ATO DE
PRODUÇÃO Autonomia Discurso Teórico Narração

O reconhecimento dos tipos discursivos se dá por um subconjunto de


tempos verbais, determinados pronomes e determinados organizadores, assim
como nos esclarecem Machado & Bronckart (2009). Dessa forma, é possível
65

fazer com que os tipos de discursos possam ser identificáveis em sua


concretude linguística e, assim, “... fazer passar do nível do tipo abstrato, ou
tipos psicológicos, para o nível dos tipos concretos ou tipos linguísticos.”
(BRONCKART, 2007: 165). Abaixo seguem as descrições dos quatro tipos de
discursos compreendidos dentro do quadro do ISD:

 Discurso Interativo: há marcas que exprimem a implicação do


enunciador e possíveis coenunciadores no enunciado. Os verbos estão
no presente, o que mostra a conjunção com o tempo da ação do mundo
em curso. Exemplo: Pessoal, como vocês avaliam a aula de hoje?

 Discurso Teórico: não há implicação do enunciador, não há marcas


identificáveis que demonstram a interlocução. No entanto, as marcas
verbais demostram uma conjunção com o mundo em curso, afinal é
esse mundo que validará a veracidade do que é enunciado. Exemplo:
“Flower (1983) aponta que enquanto protocolos de relatos-verbais são
incompletos, porque muitos processos psicológicos importantes são
totalmente inconscientes, a coleta de dados de relato verbal é ainda
útil...”

 Discurso Relato-Interativo: Há implicação do enunciador e dos


coenunciadores, no entanto, uma disjunção com o tempo enunciado,
pois os fatos relatados já aconteceram. Exemplo: “Ontem fomos ao
shopping procurar um presente para o sobrinho que nasceu.”

 Narração: Não há marcas que demostram a interlocução, agentividade,


e os fatos narrados não pertencem ao momento da enunciação são,
portanto, disjuntos. Exemplo: “Camilo teve medo, e, para desviar as
suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe
as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de
rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as
visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um
pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do
marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.” (ASSIS, Machado
de. A Cartomante). Aqui vemos que é narrada a história de outros
personagens que não o enunciador, ou pelo menos, não há marcas que
nos levem a inferir que ele está presente; e o tempo em que os fatos
aconteceram é outro, pertencentes ao passado.

Além dos tipos de discurso, Bronckart (2007) teorizou, para a


compreensão das diferentes formas de planificação do conteúdo temático,
sobre as sequências textuais, retomando e reformulando as considerações
feitas por Adam (cf 1990, 1991ª, 1991b, 1992). Para este autor, as sequências
são unidades estruturais autônomas, que integram e organizam
66

macroproposições, as quais combinam diversas proposições sendo, desse


modo, a organização linear do texto o produto da combinação e da articulação
dos diferentes tipos de sequências. A partir dessa visão, é a diversidade das
sequências e de suas modalidades de articulação que justifica a
heterogeneidade composicional dos textos. A crítica lançada por Bronckart
(2007) a essa proposta é que as descrições feitas por Adam são de caráter
“técnico”, concebidas como modelos cognitivos preexistentes às sequências
efetivas que os geram.
A proposta ISD para a reformulação do conceito das sequências textuais
consiste em reconhecer a importância e utilidade em definir protótipos, no
entanto, devendo vê-los, primeiramente, como construtos teóricos elaborados
após o exame das sequências empiricamente observáveis nos textos. Dessa
forma, busca-se compreendê-las não como procedentes de uma competência
textual inata, mas sim de uma experiência com o intertexto em suas dimensões
práticas e históricas, sendo elas suscetíveis às mudanças permanentes.
Outra consideração realizada para as sequências textuais, e demais
formas de planificação que veremos a seguir (script e esquematização), é o
caráter dialógico que elas assumem em função da situação de interação que
está em jogo e das representações que o enunciador tem do seu coenunciador.
Ou seja, a escolha das diferentes formas de organização textual do conteúdo
que está na memória do enunciador, se dá de acordo com as representações
construídas por ele sobre seu papel social assumido, o papel social do seu par
na interação, dos objetivos e efeitos de sentido pretendidos, da posição de
ambos frente ao objeto de discurso, etc.
A seguir, veremos como Bronckart (2007) propõe a discussão e
compreensão das sequências textuais e de outras formas de planificação que
ele pode identificar com suas análises.
A definição pelo ISD para as sequências textuais consiste na
compreensão delas como organizadores sequenciais ou lineares do conteúdo
temático. Essa dimensão se dá quando o agente produtor do texto, ao expor
sua representação ou conhecimento de um dado tema verbalmente, necessita
de objetos que organizem essa exposição, os quais se inserem em estruturas
sintáticas básicas (relações predicativas e/ou sintagmas), que são, por sua vez,
67

organizadas no eixo sucessivo. Adam propõe cinco tipos de sequências: a


narrativa, a descritiva, a argumentativa, a explicativa e a dialogal. Bronckart
(2007) acrescenta a esse conjunto de planificação a sequência injuntiva, o
script e a esquematização.

 As Sequências Narrativas mobilizam personagens implicados em


acontecimentos organizados no eixo sucessivo e podemos considerá-las
como tal quando sua organização é sustentada por um processo de
intriga. Tal processo organiza e seleciona os acontecimentos de modo a
formar um todo, uma história ou ação completa com início, meio e fim.
As sequências narrativas comportam-se através de cinco fases, cuja
ordem de sucessão é obrigatória, são elas: situação inicial, complicação,
ações, resolução e situação final. A essas cinco são acrescidas mais
duas, as quais dependem do posicionamento do narrador em relação à
história narrada: a fase de avaliação que propõe um comentário relativo
ao desenrolar da história e a fase moral em que se explicita a
significação global atribuída à história. O estatuto dialógico dessas
sequências, segundo Bronckart (2007), está na construção da tensão
em torno de uma intriga com o objetivo de o enunciador estabelecer a
manutenção da atenção do seu coenunciador.
 O Script é uma outra forma de planificação do conteúdo temático da
ordem do narrar, teorizada por Bronckart (2007). Segundo o autor, o
script organiza as ações ou acontecimentos da história linearmente sem
registrar um momento de tensão e, também, não apresenta uma forma
convencional distribuída em fases, como a sequência narrativa. É
considerado como o grau zero de planificação dos segmentos da ordem
do narrar.
 A Sequência Descritiva apresenta a particularidade de ser composta
por fases que não se organizam em ordem linear obrigatória, porém se
encaixam em uma ordem hierárquica ou vertical. Essa sequência se
comporta em três fases principais: ancoragem – em que o tema é
assinalado por uma forma tema-título; aspectualização – em que os
68

aspectos do tema são enumerados, decompondo-o em partes, as quais


são atribuídas propriedades; e por fim, relacionamento – em que os
elementos descritos são assimilados a outros, por meio de ações
comparativas ou metafóricas. As sequências descritivas procedem das
decisões do enunciador e do efeito de sentido de levar seu coenunciador
a ver mais detalhes do objeto do discurso, de modo a não influenciar na
progressão do conteúdo temático. O objetivo que sustenta essa
sequência, segundo Bronckart (2007), é indireto, pois está quase
sempre articulada a outras sequências. São elas, assim, sequências
secundárias ou relacionadas às outras sequências. Nas sequências
narrativas, por exemplo, são utilizadas para fazer o leitor se situar em
um espaço-tempo determinado e, dessa forma, levá-lo a compreender
melhor. Elas ainda podem se situar nas sequências e tipos de discurso
da ordem do expor. No discurso teórico, por exemplo, elas decompõem
as partes do tema-título discutido formando os subtemas, apresentando
características linguísticas desse tipo discursivo (emprego do tempo
presente, presença de diversos organizadores lógicos, etc) e
descrevendo as noções espaciais.
 A Sequência Injuntiva foi teorizada por Bronckart (2007) quando o
mesmo não concordou com o postulado de Adam (1992), quando este
defendeu como “descrição de ações” as receitas de cozinha, as
instruções de uso, os regulamentos, etc, ou seja, gêneros com aspectos
injuntivos, programáticos e instrucionais. Diferentemente das sequências
descritivas, assim como nos explica Bronckart (2007), as sequências
injuntivas têm um objetivo próprio ou autônomo: o enunciador visa a
fazer agir o destinatário de um certo modo ou em uma determinada
direção, utilizando, para isso, formas verbais no imperativo e no
infinitivo, ausência de estruturação espacial ou hierárquica, etc. Essa
descoberta nos ajuda a compreender, como propõe o autor, que a
organização das descrições é menos condicionada pelos objetos
descritos do que pelos procedimentos especificamente linguísticos da
sequencialização (pag. 237).
69

 A Sequência Argumentativa apresenta a existência de uma tese


admitida ou contestável, supostamente, a respeito de um tema. Sobre o
pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos os
quais são objetos de um processo de inferência, que orienta para uma
conclusão ou nova tese. No quadro do processo de inferência, esse
movimento argumentativo pode ser apoiado por algumas justificações ou
suportes, mas também pode ser moderado ou freado por restrições.
(Bronckart, 2007: 226). A conclusão dependerá, portanto, da força de
tais suportes e restrições. Para que o processo de inferência seja
concretizado, são necessários diferentes tipos de suportes e de
restrições. Para tanto, o protótipo da sequência argumentativa
apresenta-se como sucessão de quatro fases: premissa, argumentos,
contra-argumentos e conclusão.
 A Sequência Explicativa origina-se da constatação de um fenômeno
incontestável que se apresenta como incompleto, ou requerendo um
desenvolvimento destinado a responder questões que coloca ou as
contradições aparentes que poderia suscitar. Para isso, é necessária a
presença de um agente autorizado e legítimo, que explicita as causas
e/ou razões da formação inicial. Ao fim deste desenvolvimento, a
constatação inicial encontra-se reformulada e geralmente enriquecida.
Quanto à sua textualização, a sequência explicativa apresenta-se de
maneira bastante simples, cujo protótipo comporta quatro fases:
constatação inicial, resolução, conclusão-avaliação. Pode ocorrer, no
entanto, de o enunciador considerar o objeto de discurso como
problemático (de difícil compreensão) e, também, contestável, nesse
caso produz-se uma combinação da sequência argumentativa e da
explicativa.
 A Esquematização é apresentada quando a posição do enunciador
frente ao objeto de discurso, ao contrário das sequências
argumentativas e explicativas, não é a de contrariedade ou de
necessidade de torná-lo claro e conhecido por determinada comunidade.
Na esquematização, o objeto é apresentado em um segmento de texto
70

chamado, às vezes, de simplesmente informativo ou puramente


expositivo.
 Por último, a Sequência Dialogal apresenta seus segmentos nos
turnos de fala. Contrapondo às outras sequências textuais, devido à sua
ocorrência em turnos de fala, ela não tem determinado um tipo de
organização, pois sua realização dependerá de trocas linguísticas entre
os participantes da interação, ou seja, os parâmetros que as definem
são traduções diretas das decisões tomadas pelos coenunciadores.

Vemos, portanto, através da reavaliação feita por Bronckart (2007), que a


planificação de qualquer texto é, ou pode ser feita, desde sua forma mínima,
pelos scripts e pelas esquematizações, ou através dos seis tipos de
sequências. Sendo que estas registram a existência de um caráter dialógico
das operações: no caso das narrativas, criar uma tensão; das descritivas, fazer
ver; das injuntivas, fazer agir; das explicativas, resolver problemas; das
argumentativas, convencer; e das dialogais, regular a interação.
Os mecanismos de textualização, por sua vez, também estão
relacionados à organização do conteúdo temático no que tange à sua
progressão, sendo eles apreensíveis no nível da infraestrutura textual. Esses
mecanismos exploram as cadeias de unidades linguísticas, organizam os
elementos constitutivos desse conteúdo em diversos percursos entrecruzados,
explicitam ou marcam as relações de continuidade, de ruptura ou de contraste
e contribuem, desse modo, para o estabelecimento de coerência temática do
texto.

Eles distribuem-se no conjunto do texto ou em suas partes mais ou


menos importantes, quando assume tal caráter – definido no nível global do
texto – verifica-se que as marcas linguísticas, que os concretizam, variam em
função dos tipos de discursos existentes no texto. As marcas de textualização
podem ser observáveis nas frases ou nas junções das frases e, também,
exercem um papel na organização das unidades sintáticas locais.
Consideramos como mecanismos de textualização: a conexão, a coesão,
nominal e coesão verbal.
71

Os mecanismos de conexão podem ser analisados de duas maneiras: a


partir da estrutura textual global e das estruturas frasais singulares. No primeiro
caso, esses mecanismos assumem uma função de segmentação: delimitam as
partes constitutivas do texto e assinalam os diferentes tipos de discursos
dessas partes. No segundo caso, os mecanismos são denominados pelas
funções específicas de demarcação ou balizamento, pois se articulam entre as
fases de uma sequência ou de uma outra forma de planificação. Nesse mesmo
caso, atribui-se a função de empacotamento quando as conexões encontram-
se na integração das frases sintáticas à estrutura que constitui a fase de uma
sequência ou de uma outra forma de planificação.
As marcas de conexão pertencem, portanto, às categorias gramaticais
(partes do discurso) diferentes (advérbio, preposição, substantivos, conjunções
coordenativas, subordinativas, etc.), elas se organizam em sintagmas, também
diferentes (sintagma nominal, sintagma preposicional); e assumem,
eventualmente, funções específicas no quadro da micro- ou da macrossintaxe.
O termo organizadores textuais, utilizado para designar a tais conexões, advém
da função de tais marcas serem reagrupadas com base no critério da função
de conexão que assumem no nível textual.
Já os mecanismos de coesão nominal exercem a função de relações de
dependência existentes entre argumentos que compartilham uma ou várias
propriedades referenciais. As marcações de tais relações é efetuada através de
sintagmas nominais ou pronomes “organizados em séries (ou constituindo
cadeias anafóricas), cada uma delas sendo inserida em estruturas oracionais e
aí assumindo localmente, uma função sintática determinada (sujeito, atributo,
complemento, etc.)” (Bronckart, 2003: 268)
Duas funções de coesão nominal podem ser distinguidas: introdução e
retomada. A primeira refere-se à inserção de uma unidade de significação
nova, na qual origina a cadeia anafórica. A segunda fase consiste em
reformular essa unidade-fonte no decorrer do texto.
Quanto ao pressuposto de referencialidade, dentro de uma cadeia
anafórica, pode ganhar estatutos distintos, como por exemplo, quando o
elemento de significação relacionado pode compartilhar apenas uma ou outra
propriedade referencial, às vezes vaga, ou ainda pode haver entre eles apenas
72

relações mais ou menos lógicas, de associação, de inclusão, de contigüidade,


etc. Para esta constatação, Bronckart (2007) sugere o seguinte exemplo: O
cedro é uma árvore magnífica; seu tronco pode se elevar até 50 metros, seus
galhos se desenvolvem.
Quanto à coesão verbal, os mecanismos dessa ordem explicitam as
relações de continuidade, descontinuidade e oposição existente entre os
elementos do sintagma verbal. As marcas linguísticas identificáveis da coesão
verbal são aquelas correspondentes aos tempos verbais, sendo estes
identificados, por Bronckart (2007), em três classes gerais de significados:
temporalidade, aspectualidade e modalidade. No entanto, apenas as duas
primeiras são consideradas como componente do nível organizacional dos
textos, sendo a última pertencente ao que o autor classificou como
mecanismos de enunciação, portanto, ao nível enunciativo.
Quanto à aspectualidade, Bronckart (2007) afirma que o conjunto dos
constituintes do sintagma verbal pode marcar uma ou várias propriedades
internas do processo (sua duração, sua frequência, seu grau de realização,
etc.). Para a análise de tal categoria, o autor limita-se a duas funções
principais: a expressão dos tipos de processo e a expressão dos graus de
realização do processo. Os tipos de processos são o tipo de reagrupamento
em um número restrito de classes (caso se refiram a um estado, a uma ação, a
uma relação, etc). Com base nessa classificação dos processos podemos
então proceder à identificação dos verbos que o traduzem em uma
determinada língua e chegar, assim, a uma classificação, secundária, dos tipos
de verbos. Define-se, então, quatro tipos de verbos:

 Verbos de estado, que remetem a processos estáveis, excluindo


qualquer forma de mudança;

 Verbos de atividade, que remetem a processos dinâmicos, durativos


(que implicam uma certa duração) e não resultativos (que não implicam
resultado);

 Verbos de Realização, que remetem a processos dinâmicos, durativos


e resultativos;

 Verbos de Acabamento, que remetem a processos dinâmicos, não


durativos e resultativos.
73

Tal categoria aspectual mostra-se inerente ao próprio processo e ao verbo.


Já a segunda categoria, relaciona-se ao modo como um processo é tomado em
uma determinada fase de sua realização, sendo importante sua marcação pela
escolha de um tempo específico do verbo. Os graus de realização dizem
respeito apenas aos processos dinâmicos (traduzidos pelos verbos de
atividade, de realização ou de acabamento). Os processos podem ser:
inconcluso, isto é, tomado no curso do seu desenvolvimento; concluso tomado
no fim do seu desenvolvimento; e quando o processo é tomado na totalidade
de seu desenvolvimento e de seu acabamento é classificado como processo de
realização total.
Para a noção de temporalidade, Bronckart (2007) discorda das abordagens-
padrão, as quais têm os valores da temporalidade expressos no verbo (ou
tempos verbais presente, passado composto, passado simples, imperfeito, etc);
pois, segundo ele, tal teoria é fisicalista no sentido de que os termos utilizados
por ela “presente e passado” são definidos como momentos objetiváveis: de
um lado o momento da atividade externa de produção textual e, de outro, o
momento da realização efetiva dos processos codificados pelos verbos.
Tal consideração é tida como incorreta pelo autor, pois, caso fosse efetivo
esse uso, haveria apenas relação de simultaneidade quando o momento de um
processo coincidisse estritamente com o momento de tomada de fala. O que
sustenta tal tese é a comprovação que temos do tempo presente empregado,
muitas vezes, para fazer referência a momentos anteriores ou posteriores ao
momento de produção.
Assim, Bronckart (2003) propõe que utilizemos três parâmetros para a
análise das relações temporais: momento de produção, momento do processo
e momento psicológico de referência, sendo este último teorizado por
Reichenbach (1947) que o explica como a representação que eu tomo a partir
do ato de duração da construção, opondo-se, dessa forma, a uma concepção
fisicalista.
74

3.7.3 Nível Enunciativo


Esse nível de análise corresponde ao que Machado & Bronckart (2009)
discorreram sobre “... os mecanismos de responsabilização enunciativa em
geral...” (p. 58). Tais mecanismos são definidos como: as marcas de pessoas,
os dêiticos, as marcas de inserção de vozes e as modalizações.
A análise das marcas de pessoas é extremamente útil, pois permite
demonstrar a manutenção ou transformação dos valores na produção textual,
ou seja, “como o texto representa o enunciador no agir representado”
(MACHADO & BRONCKART, 2009: 59). O uso dos pronomes pessoais, por
exemplo, pode colocar em cena tanto o estatuto individual quanto coletivo,
como nos casos: eu fiz a lição de casa e nós fizemos a lição de casa. Ou ainda
uma pessoa generalizada como, por exemplo, “Vocês receberão o material
didático.” quando não sabemos quem exatamente são esses vocês.
Os índices de inserção de vozes, por sua vez, representam as entidades
que assumem a responsabilidade do que é enunciado, ou seja, a
responsabilidade do dizer. Exemplo: Eu declaro aberta a sessão. Do mesmo
modo que tais recursos marcam a responsabilização, podem também apagá-la
ou distanciá-la. Exemplo: A sessão foi aberta/ Os materiais didáticos foram
elaborados por especialistas. Em um mesmo enunciado, outras vozes podem
aparecer, marcando, portanto, o caráter polifônico do discurso
(MAINGUENEAU, 1997: 76), podendo elas ser reagrupadas em três categorias
gerais: vozes de personagem, vozes de instâncias sociais e voz do autor
empírico do texto. (BRONCKART, 2007: 326).
Podemos dizer que os índices de inserção de vozes variam e dependem
de como o conteúdo temático será organizado textualmente. Ou seja, se o
autor assumirá sua autoria, ou se responsabilizará, ou delegará
responsabilidade à outra pessoa, ou apagará a possibilidade de
responsabilização, etc. Dependerá, portanto, dos efeitos de sentido que o autor
do texto pretende causar em seu interlocutor. E isso será possível, se ele
reconhecer o contexto de produção que ele está inserido.
Chegando às modalizações, essas, através de qualquer voz enunciativa,
comentarão e avaliarão elementos do conteúdo temático independente do nível
da arquitetura textual. As modalizações contribuem textualmente, portanto,
75

“para o estabelecimento de sua coerência pragmática ou interpretativa e


orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático.”
(BRONCKART, 2007: 330)
São identificadas quatro funções de modalizações: as lógicas que
apresentam os elementos do conteúdo do ponto de vista das condições de
verdade, como fatos atestados, possíveis, prováveis, eventuais, necessárias,
etc como, por exemplo, “Para convencer alguém é necessário conhecer
profundamente o assunto”. As deônticas que apresentam os elementos do
conteúdo como sendo do domínio do direito, da obrigação social ou
conformidade com as normas de uso “Devemos evitar o consumo de bebida
alcoólica.”. As apreciativas que apresentam características de julgamento do
ponto de vista da entidade avaliadora, apresentando-as como benefício,
infelicidade, estranhamento, etc, como, por exemplo, em “Infelizmente, não
pude comparecer a reunião”. E as pragmáticas que explicitam alguns
aspectos de responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo
temático, geralmente os de um agente, atribuindo-lhes intenções, razões ou
capacidade de ação “É o que ensina a repórter de TV...” (Revista Vida
Executiva, 2007). (BRONCKART, 2007: 332)

3.7.4 Nível Semântico

Através da análise dos níveis textuais apresentados, é possível


identificar elementos semânticos ou categorias do agir. E, assim como exposto
na introdução dos três níveis – organizacional, enunciativo e semântico –
verificamos a possibilidade de um tratamento não separado desses para a
compreensão do agir humano, mas dialético em que os níveis se afetam e se
determinam. Vejamos como isso acontece, assim como descreveu Machado &
Bronckart (2009).
Ao analisarmos o plano global de um texto, podemos identificar os
principais actantes postos em cena e os segmentos centrais temáticos. Na
identificação das sequências textuais predominantes e locais (narrativa,
descritiva, dialogal, argumentativa, explicativa, injuntiva), podemos apreender
como o actante-enunciador considera seu objeto temático, ou seja, se é
76

controverso, de difícil apreensão, se não teve explicações suficientes, etc. Ou


ainda, pelas sequências, identificar as representações que existem sobre os
interlocutores, se precisam ser convencidos de algo, se precisam compreender
determinados conteúdo, como acontece, por exemplo, com as sequências
argumentativas e explicativas, respectivamente.
Com a análise das séries coesivas (nominal e verbal), temos como
identificar os actantes postos em cena e, com a análise das seleções lexicais,
como eles são representados no decorrer da progressão temática.
Com a identificação dos marcadores de pessoas podemos verificar se
o estatuto designado a um determinado agir é individual ou coletivo e como a
instância enunciativa se identifica ou não com o grupo de actantes. Por meio da
análise dos mecanismos de inserção de vozes, assim como já descrevemos
no nível enunciativo, podemos identificar a quem é atribuída a responsabilidade
de um determinado agir linguageiro, se as vozes estão colocadas implícita ou
explicitamente e as relações existentes entre as diversas vozes e a voz
enunciativa, ou seja, o debate social que existe nessa polifonia.
Já com a análise das modalizações, verificamos o modo como o
conteúdo temático é representado, em uma relação totalmente dependente
com o tipo de interação que está estabelecida entre os interactantes. E, por
último, com a análise dos adjetivos compreendermos as reações das
instâncias enunciativas com o objeto temático e com o agir humano.
Apresentados os pressupostos teórico-metodológicos do ISD, que nos
dão bases para a formulação de possíveis encaminhamentos para uma
proposta didática dos gêneros textuais, a seguir, traremos as discussões sobre
o conceito de transposição didática, que nos ajudará na compreensão das
influências que promovem as transformações dos conhecimentos até tornarem
ensináveis e aprendidos.
77

IV – TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Vimos no capítulo dois que, mesmo sendo declarado nos textos de


orientações educacionais que o objeto de ensino de Língua Portuguesa são os
gêneros textuais, as propostas didáticas que os transpõem nas ferramentas de
ensino-aprendizado – os materiais didáticos em geral – não contemplam todas
as suas dimensões ensináveis necessárias para um aprendizado efetivo. Isso
se dá, pois os conhecimentos sofrem transformações ao se transferirem do
campo científico para o educacional, ou seja, para se tornar ensináveis passam
por adaptações que os modelam. Já no terceiro capítulo, conhecemos uma
abordagem teórico-metodológica que consideramos ser viável para o ensino
dos gêneros textuais, já que os considera em seu estatuto de produto das
práticas sociais, em seu caráter dialógico e sendo o principal instrumento de
comunicação, interação e desenvolvimento humanos. A seguir,
apresentaremos o conceito de Transposição Didática (TD), ou seja, o processo
transformacional dos conhecimentos em correspondência com suas escolhas
teórico-metodológicas, com o objetivo de ensino, com o objeto de ensino
selecionado e com as reais características das situações de ensino-
aprendizado.

Para compreendermos tal processo transformacional, em um primeiro


momento, apresentaremos os estudos que deram origem ao conceito TD e
que, ainda hoje, continuam em desenvolvimento. Em seguida, apresentaremos
a compreensão do processo de TD pelos estudos ISD, aos quais nos filiamos,
sendo eles desenvolvidos em busca de propostas coerentes e adequadas a
realidade dos indivíduos inseridos na situação de ensino-aprendizagem.

4.1 Os Estudos sobre Transposição Didática

O primeiro estudo sobre transposição dos conhecimentos em diferentes


campos, dentre eles o escolar, que pode ser considerado o mais substantivo, é
um capítulo do livro Estudos do Tempo desenvolvido pelo sociólogo Verret
(1975). Ao tratar das questões sobre a divisão do trabalho, afirmou que elas se
refletiam em diferentes práticas, as quais geravam conhecimentos específicos
entre si. Tais práticas diferenciavam-se por serem algumas inventoras de
78

conhecimento e de seu desenvolvimento, ou seja, implementadoras da ação, e


outras responsáveis pela transferência dos conhecimentos – exposições
científicas e educativas, por exemplo. No entanto, por mais que tais práticas
tivessem uma referência comum de determinado conhecimento, elas se
organizavam de formas diferentes. Sendo assim, compreendemos que, do
ponto de vista do autor, o objeto de conhecimento tem um elemento de
identidade comum, mas tem especificidades de organização diferentes nas
práticas específicas de exploração.

Os estudos de Verret apontam, portanto, para a descoberta de uma


hipótese: a implementação de mudanças na organização de um conhecimento
nas diferentes práticas sociais. Nesse caso, determinado conhecimento, em
uma exposição de ensino, tem as mesmas informações de uma exposição
científica, por exemplo, no entanto, organizam-se diferentemente. Tratando-se
das práticas de exposição educativa, particularmente, Verret afirma existir três
tipos de restrições. A primeira estaria relacionada aos aspectos do contexto de
origem do conhecimento, ou seja, sua relação com as práticas de invenção e o
modo como foi definido nos textos de divulgação científica. A segunda restrição
relacionaria com a situação dos beneficiários da ação de ensino-aprendizagem,
onde deveria privilegiar a repetição e rotinização para a interiorização do
conhecimento. E, a terceira, dizia respeito ao que ele chamou de “burocracia
escolar de transmissão”, ou seja, as formas de organização da progressão
utilizadas pelo professor em determinada instituição.

Vemos que a contribuição de Verret (1975) mais expressiva para os


estudos sobre TD é a compreensão das mudanças das formas de organização
nas práticas de exposição, desenvolvimento e divulgação do conhecimento. No
entanto, assim como destaca Bronckart (2004), tal abordagem é caracterizada
pela transmissão de informações , como se apenas as formas de transmissão
se alterassem e não o próprio conhecimento. Os conhecimentos, por sua vez,
nessa compreensão, seriam transmitidos em sua totalidade material e
simbólica, sem transformações significantes. Podemos ilustrar a proposta de
Verret da seguinte maneira:
79

Esquema 4: Proposta de Transposição Didática de Verret (1975)

Invenção do Conhecimento

Exposição Científica

Exposição Educativa

Implementação na ação dos


aprendizes

Dessa forma, o conhecimento seria inventado em determinada prática


social; transposto e organizado pelas práticas de exposição científica, para sua
divulgação a um campo maior de conhecedores; transposto e organizado
novamente nas exposições educativas, no caso, em situações de ensino-
aprendizagem; e, finalmente, implementado nas ações de seus aprendizes.
Como se o conhecimento fosse herdado em diferentes práticas, mas
perpetuando-se em sua integridade original. Sendo assim, a transposição
estaria no sentido de transmissão e não transformação dos conhecimentos.

Os estudos de Verret não tinham como objetivo enfatizar as questões


educacionais, ou seja, os modos pelos quais os conhecimentos eram
transpostos nessas práticas. No entanto, alimentou os trabalhos dos
defensores da educação matemática nova, representados, em sua emergência
por Yves Chevallard, em sua publicação de 1991 de La transposición didáctica:
del saber sabio al saber enseñad, momento em que analisou as
transformações desde o saber sábio até a introdução nos programas de
geometria, ou seja, “...as modificações de seu estatuto teórico pelos círculos de
pensamento intermediários entre a pesquisa e o ensino.” (MARANDINO, 2004:
96) e as transformações que ocorriam no ambiente ensinável, na escola. A
80

ideia do pesquisador era, portanto, defender que “Um saber não é retirado
impunemente do campo em que foi concebido...” (HALTÉ, 2008: 117)

Chevallard (1997:16) definiu o que estava chamando de TD e elencou as


características principais desse processo, em três etapas:

1) Todo projeto social de ensino e aprendizagem se constitui


dialeticamente com a identificação e designação de conteúdos de
saber com conteúdos de ensinar. No caso da formulação e
implementação do Currículo Oficial da SEESP de Língua Portuguesa,
por exemplo, podemos considerar como um projeto social de ensino,
que é constituído pelos saberes sobre os gêneros textuais
desenvolvidos no campo científico ao mesmo tempo em que esses
são “adaptados” para tornarem-se conteúdos a ensinar.

2) Os conteúdos do saber designados como aqueles a ensinar,


geralmente, preexistem ao movimento que o designa como tal. No
entanto, algumas vezes, são verdadeiras criações didáticas,
suscitadas pelas necessidades do ensino. Os estudos sobre gêneros
textuais preexistem às prescrições da SEESP, ou seja, já foram e
são amplamente estudados e divulgados pela comunidade científica.
No entanto, como podemos verificar em Machado & Bronckart (2005)
quando os gêneros textuais passaram a ser designados pelos PCN
de Língua Portuguesa como objeto de ensino oficial nacional, não
tinham sido ainda exaustivamente estudados como possível objeto
de ensino e, até mesmo, objeto do saber. Nesse momento, portanto,
foram verdadeiras criações didáticas, pois os estudos sobre eles
foram impulsionados pela necessidade do seu ensino.

3) O conteúdo do saber designado a ser ensinado, sofre a partir de


então um conjunto de transformações adaptativas que vão fazê-los
aptos a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. Esse trabalho de
transformação é denominado como transposição didática. É,
portanto, tais transformações adaptativas que esperamos encontrar
nos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio,
81

objeto de nossa análise. Para torná-los objetos de ensino, supomos


que encontraremos transformações que os adaptem às condições de
ensino-aprendizagem como, por exemplo: detecção de capacidades
já desenvolvidas pelo aluno, novos desafios que levem a novas
aprendizagens, lugar do aprendizado, tempo do aprendizado,
condições físicas da sala de aula, ferramentas disponibilizadas pela
escola para execução de projetos, etc.

Podemos ver até o momento, que Chevallard preocupou-se, ao definir o


que seria TD, com o reconhecimento das transformações tanto das diferentes
práticas sociais quanto do próprio conhecimento até tornar-se objeto de ensino.
Tal compreensão implica levarmos em conta o importante papel assumido e os
objetivos das instituições que desenvolvem, divulgam, prescrevem e ensinam
os conhecimentos, já que para Chevallard, a teoria da TD propõe uma análise
científica do processo didático, em que busca revelar o que não se vê e o que
entra em jogo nos mecanismos longos e complexos que vai do saber ao
ensino. Uma proposta, portanto, de investigação dos movimentos e
transformações didáticas desde a origem do conhecimento fonte, das
produções científicas e de seus especialistas, até sua finalidade – relações
existentes entre os sistemas didáticos e o ambiente social.

Chevallard (1997) acrescentou, também, à teoria da TD, as questões


sócio-políticas que exercem efeito sobre os sistemas de educação e sistemas
de ensino. Essas seriam as razões para as transformações periódicas dos
conhecimentos a serem ensinados, as quais colocam as condições e restrições
do ensino de determinado conteúdo. De acordo com essa perspectiva,
teríamos, primeiramente, na dinâmica da TD, um campo da noosfera social que
trabalhariam nos “bastidores” da educação e, em seguida, um direcionamento
para as práticas que promovem o ensino-aprendizado.

O processo de TD estaria, do ponto de vista de Chevallard (1997), em


uma dinâmica onde os conhecimentos gerados no Sistema Educacional
partiriam até chegarem aos conhecimentos ensinados, linearmente. Ainda de
acordo come ele, os conhecimentos determinados como a serem ensinados
82

necessitariam estar próximos o suficiente dos conhecimentos/saberes


científicos, pois estes legitimam a educação escolar e, quando isso não
acontece, o conhecimento se tornaria obsoleto tendo em conta a evolução do
campo científico ficando assim mais próximo do senso comum. Tal
distanciamento desencadearia, por assim dizer, uma crise e,
consequentemente, as reformas, pois novos conhecimentos acadêmicos
passariam a ser requisitados e emprestados, passando a serem sujeitos de um
novo processo de transposição. Uma visão, portanto, clara de que as decisões
de transposição de determinado objeto de ensino deve partir do campo
científico para a escola.

As restrições apresentadas nos processos transposicionais, ainda de


acordo com Chevallard (1997) apresentam-se nos “textos do saber”. Ao
transpor determinado objeto do conhecimento para torná-los objetos a ensinar,
os agentes da noosfera, que elaboram os documentos oficiais, os delimitam,
reorganizam de acordo com o objetivo imposto para a aprendizagem. Mais uma
das contribuições desse pesquisador foi, portanto, verificar o papel importante
que os textos exercem na transposição dos objetos do conhecimento para
tornarem objetos de ensino. É, portanto, pelos e nos textos que fica explícito o
raciocínio utilizado pelos elaboradores dos documentos, os objetivos, as
compreensões deles sobre o próprio objeto e, também, suas restrições, as
quais, Chevallard considerou como produtos da falta de consciência de quem
os produzem.

Para essa última afirmação, Schneuwly (2009) contesta, defendendo


que não é a falta de consciência dos produtores dos “textos do saber” que gera
as restrições, ou seja, as incoerências teóricas, metodológicas ou didáticas,
mas a simplificação no tratamento e execução da transposição dos conteúdos,
por, em boa parte dos casos, acreditarem que o desenvolvimento do aluno
acontece em conformidade com a faixa etária. Uma crítica, portanto às
abordagens cognitivistas do desenvolvimento que homogeniza os alunos de
acordo com sua idade, sem levar em consideração as capacidades
efetivamente desenvolvidas. A compreensão de Schneuwly (2009) sobre esse
aspecto da TD, ou seja, a simplificação intencional dos saberes para ganharem
83

o estatuto de objeto de ensino, nos ajuda a esclarecer que não é a falta de


conhecimento dos elaboradores que geram as restrições, mas as possíveis
compreensões deles sobre o objeto de conhecimento e sobre o processo que
se dá a aprendizagem. A partir desse ponto de vista, podemos considerar que
o processo de TD também acontece de acordo com determinados objetivos e
compreensões dos envolvidos na elaboração das orientações curriculares.

Outros estudos sobre TD surgiram com o tempo, ou em contestação, ou


em concordância, ou como prolongamentos das descobertas sobre as
transformações dos conhecimentos propostas por Chevallard. A análise desse
processo o levou a descobrir que “... do objeto de saber ao objeto de ensino, a
distância é, com muita frequência, imensa” (CHEVALLARD,1997: 18). A
proposta da TD nos auxilia, dessa forma, a construirmos um olhar não tão
simplista desse processo e propõe uma análise crítica em que as instituições,
as intenções, os objetivos, dentre outros fatores possam ser visíveis e revelar
que o ensino-aprendizado envolve muito além do que somente professor e
aluno. A escola e todo o sistema de ensino são, portanto, constitutivos da teoria
da TD.

4.2 Uma possível reformulação da compreensão da problemática sobre


Transposição Didática

Apesar dos estudos desenvolvidos sobre TD, como vimos, possibilitarem


um olhar até então não lançado para as transformações dos conhecimentos e
das práticas sociais no processo de ensino-aprendizado, vê-se a necessidade
ainda em repensar e complementar tais propostas. Primeiramente, sobre o
repensar da visão aplicacionista de Chevallard quando esse considera que
devem surgir do campo científico os conhecimentos a serem ensinados. Nessa
compreensão proposta por Chevallard dos movimentos transposicionais,
haveria uma aplicação sincrônica dos conteúdos de referência gerados no
campo científico para o campo educacional. A TD ocorreria, dessa forma,
quando os conteúdos propostas a serem ensinados na escola estivessem
distantes dos conhecimentos produzidos na Academia e, ao mesmo tempo,
próximos às formulações do senso comum. A distância dos conhecimentos
produzidos nessas diferentes práticas sociais (campo científico e campo
84

escolar) seria, portanto, o verdadeiro motor gerador de uma nova TD, de


acordo com a visão de Chevallard.

Como esperado, com a evolução dos estudos voltados para o campo


educacional, a fim de compreender as transformações dos conhecimentos,
algumas reações surgiram contestando tal visão aplicacionista. Uma delas foi
que os conhecimentos transpostos para as práticas escolares, podem variar,
ou seja, não ser necessariamente oriundos do campo científico, mas de outros
campos como, por exemplo, das práticas sociais de trabalho que visam à
transposição das conhecidas capacidades práticas, destacando, portanto uma
variedade de fontes potenciais de empréstimos (BRONCKART, 2004). Outra
reação a essa visão foi que, no próprio processo de construção dos “objetos de
conhecimento”, no campo científico, houve o condicionamento desses pelos
tipos de práticas discursivas, ou seja, no momento da invenção do discurso
para a divulgação e difusão dos saberes já acontecem movimentos
transposicionais. Assim como alguns pesquisadores apresentaram
observações para o esquema de TD de Chevallard, seus sucessores
propuseram um projeto de diversificação dos conteúdos didatizados, uma vez
que ele se centrou na teorização dos conhecimentos a serem ensinados.
Distinguiram, portanto, os conteúdos de ensino, tal como se apresentam nos
vários textos educativos, dos conteúdos efetivamente ensinados, dos
conteúdos aprendidos pelos alunos, dos conteúdos a serem aprendidos, e dos
conteúdos a serem avaliados dentro e fora do sistema didático.

Assim como tais reações ao aplicacionismo dos conhecimentos para o


campo educacional, os didaticistas da escola de Genebra também o contestam
e propõem outro olhar para a questão da transposição dos saberes para as
práticas didáticas. Para essa abordagem, a análise dos movimentos
transposicionais deve ser realizada a partir da compreensão das influências
dos sistemas didáticos na constituição dos objetos, objetivos e funcionamento
didáticos. Dessa forma, a análise dos projetos educacionais que estipulam o
que deve ou não ser ensinado, os modos como deve ser ensinado, quem deve
ensinar, o que deve ser aprendido, etc deve estar estreitamente relacionada à
85

compreensão das influências e interesses político, econômicos, filosóficos que


permeiam os diferentes níveis de sistemas com fins educacionais.

Tal perspectiva de análise dos movimentos transposicionais é justificada


pela compreensão de que todo e qualquer agir humano deve estar em relação
e dependência com seu contexto sócio-histórico. A análise das formações
sociais – sistemas didáticos – permite tornar claro o papel delas na constituição
da construção e transformação dos conhecimentos a fim de torná-los
ensináveis e, como esperado, aprendidos. Ou seja, analisá-las de modo a
depreender em que suas bases teóricas, filosóficas, psicológicas, didáticas e
ideológicas influenciam e determinam os objetos de ensino.

Para compreendermos do que tratam tais sistemas didáticos pelos quais


buscamos entender os movimentos transposicionais, abaixo trouxemos o
esquema que apresenta a dinâmica dos mesmos, baseando-nos na proposta
de compreensão da atividade de trabalho de Clot (1999), na reformulação
deste pelo grupo ALTER (LAEL) por Machado & Bronckart (2009) e,
reformulado novamente para a compreensão da transposição didática por
Machado (2009):

Esquema 5: Níveis da Transposição Didática ALTER (LAEL)

Contexto Sócio-Histórico Particular

Sistema Educacional

Sistema de Ensino

Sistema Didático Professor


Artefatos Materiais
e/ou simbólicos

Instrumento
Objetivo: Criar um meio que
possibilite a aprendizagem e o
Outrem: alunos, pais,
desenvolvimento de determinadas
coordenadores, etc
capacidades de linguagem
86

Seguindo a ordem da ilustração, em primeira instância, temos um


contexto sócio-histórico particular, no qual toda e qualquer atividade
educacional se inscreve e se constitui. No caso de nossa pesquisa, por
exemplo, a atividade educacional que analisamos está inscrita em um contexto
das reformas curriculares que permeiam desde a década de oitenta, devido à
hegemonia de uma política neoliberal que tem a educação como um aspecto a
ser cuidado para se obter o crescimento econômico. Mais estritamente, no
caso do estado de São Paulo, como as investidas do governo federal não
foram suficientes para a obtenção de resultados satisfatórios de proficiência
dos alunos nos Exames Nacionais, o que o deixou em posição desfavorável no
ranking dos outros estados, a SEESP interveio com a elaboração de materiais-
didáticos de apoio ao professor e aluno para um maior controle do que de fato
deve ser ensinado e aprendido nas escolas.

O Sistema Educacional consiste no conjunto de instruções oficiais e de


textos que expressam as expectativas da sociedade em relação às questões
educacionais, buscando propor um plano de ação para que, de fato, os alunos
se tornem membros efetivos da sociedade. No caso brasileiro, temos o MEC e
as respectivas Secretarias de Estado da Educação que elaboram textos
prescritivos como: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs), Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB),
Propostas Curriculares, Materiais Didáticos, etc.

Os Sistemas de Ensino, por sua vez, são as instituições escolares que


comportam diversidades de idade, de nível cognitivo, socioeconômico de
alunos e professores, de discursos, de programas, de conteúdos e métodos de
ensino e que, consequentemente, dão forma à intervenção didática. E, por
último, os Sistemas Didáticos constituídos pelo professor, pelo aluno, pelos
objetos de conhecimento e pelas relações entre esses três elementos.

Consideramos que a disposição dos sistemas didáticos, como


apresentamos, constitui os níveis de transposição didática pelos quais os
conhecimentos passam e se transformam até tornarem ensináveis e
87

aprendidos. As transformações que ocorrem nesses níveis, como propõem


Machado & Cristóvão (2009) são as seguintes: 1) dos conhecimentos
científicos para os conhecimentos a serem ensinados; 2) dos conhecimentos a
serem ensinados para os conhecimentos efetivamente ensinados; 3) e dos
conhecimentos efetivamente ensinados para os efetivamente aprendidos. A
primeira transformação aconteceria nos dois primeiro níveis da transposição,
quando o objeto de ensino é textualizado pelas instituições nas orientações das
ações, dos trabalhadores que estão na escola e dos alunos (PCN, DCN, LDB,
Propostas Curriculares, Materiais Didáticos, Planejamento Pedagógico, Diário
de Classe, etc). A segunda e terceira transformação aconteceria no nível
didático. No entanto, assim como explica Schneuwly (2009) tais mudanças de
estado dos conhecimentos, não são simples, mas representam uma
transformação profunda do objeto em função das restrições didáticas,
constatação que discorreremos mais adiante.

Ainda analisando a ilustração vemos duas setas que transpassam os


níveis que compõem a atividade educacional. Estas representam a relação e
trocas entre eles, não sendo, portanto, isolados um do outro, mas ao contrário,
estão em estado de dependência e afecção sendo que as medidas tomadas
por representantes de determinado nível interferem na ação dos demais
podendo modificá-las e transformá-las. Desse ponto de vista, aquele que se
propõe analisar a transposição de determinado objeto de ensino deve levar em
conta a relação e influências dos sistemas didáticos.

4.2.1 As transformações dos conhecimentos para fins didáticos e os


problemas da TD
Relembrando que o objetivo desta pesquisa é analisar a transposição
didática do conceito de gêneros textuais pela SEESP, consideramos
necessária a compreensão das transformações que os conhecimentos sofrem
até tornarem ensináveis, ou seja, objetos de ensino e, também, dos problemas
que podem surgir nesse processo transformacional.

Para isso, discorreremos sobre os conceitos de transposição didática


externa e transposição didática interna, os quais foram propostos
primeiramente por Chevallard (1985) e retomados por diversos pesquisadores
88

dentre eles Schneuwly (2009) que propõe uma discussão mais coerente ao
nosso objetivo de pesquisa, uma vez que considera os movimentos
transposicionais sob uma perspectiva interacionista-social da construção dos
conhecimentos.

4.2.1.1 Transposição Didática Externa (TDE)

Sabemos que o caminho que o conhecimento percorre até se tornar


ensinável não deve ser compreendido em uma perspectiva aplicacionista, a
qual considera a transposição como transmissão. Ou seja, como se as
alterações acontecessem nos contextos e nas formas de organização desses
contextos, mas não nos próprios conhecimentos, uma vez que, nessa
perspectiva, eles deveriam permanecer o máximo possível semelhante ao
conhecimento de referência para, assim, serem legitimados como verdadeiros
objetos de ensino.

Ao contrário, os conhecimentos assim como as formas e os contextos


que os organizam sofrem transformações profundas devido às influências de
diferentes ações de indivíduos nos sistemas didáticos. A começar pelas
mudanças de estatuto dos conhecimentos:

1) Conhecimentos Científicos;

2) Conhecimentos a serem ensinados;

3) Conhecimentos efetivamente ensinados;

4) Conhecimentos efetivamente aprendidos

A TDE refere-se aos dois primeiros tipos acima elencados, ou seja, as


transformações que os conhecimentos científicos sofrem até tornarem-se
conhecimentos a serem ensinados. Sendo assim, nos ocuparemos nesta seção
de compreender essa transformação e, concomitantemente, os problemas
apresentados no processo de TDE do conceito de gêneros nos PCN, conforme
estudos desenvolvidos por Machado & Bronckart (2009) e Machado &
Cristõvão (2009).
89

Podemos compreender o primeiro tipo de transformação de estatuto


quando determinado conhecimento científico é comunicado a certo público.
Nesse processo comunicacional, o pesquisador suprime o que podemos
chamar de infância da pesquisa, ou seja, as motivações, as ideologias, os
acertos, os erros, até se chegar ao conhecimento. Podemos, portanto,
perceber pelo discurso de comunicação científica o efeito de
despersonalização, ou seja, como se não fosse um sujeito (ou vários sujeitos)
que o tivessem pensado e construído e, também, a descontextualização do
conhecimento, com uma não referência ao contexto.

O resultado dessa transposição “comunicacional” primeira do


conhecimento científico permite torná-lo acessível a uma comunidade mais
ampla daquela em que o originou. No entanto, o apagamento da subjetividade
e das referenciações ao contexto que fez o conhecimento emergir, pode fazer
com que surja o efeito da verdade absoluta e incontestável nos indivíduos não
especialistas, ou não conhecedores do campo, já que não dispõem de
instrumentos que possibilitam a recuperação do que está implícito no processo
de comunicação.

Após esse primeiro movimento transposicional, ou primeira


transformação de estatuto do conhecimento, ocorre o controle social da
designação do objeto de ensino. Primeiramente, há a necessidade da
seleção de um conhecimento para ser designado como objeto de ensino, ação
que resulta, geralmente, de uma insatisfação do estado das coisas. Tal
insatisfação pode ser resultado de uma inadequação do antigo objeto com os
interesses da sociedade ou com o campo científico, ou ainda, com um fracasso
da escola diante de determinados objetivos.

No caso brasileiro, a adoção de um novo objeto de ensino, os gêneros


textuais nos PCN, foi justificada pela inadequação do ensino praticado
anteriormente à demanda social e científica. O ensino de línguas, segundo
eles, não podia ser mais praticado visando apenas à gramática, à análise e à
produção no nível frasal. Era necessário levar o aluno à produção de textos
pertencentes aos diferentes gêneros, pois seria através deles que ele poderia
90

ser capaz de agir e interagir em diferentes situações comunicacionais. Por


outro lado, o que não foi verbalizado em tais textos, foi a exigência do Banco
Mundial quanto às prescrições de ensino serem compatíveis às suas
determinações para que, assim, pudesse ser concedido o empréstimo ao
Brasil. Dessa forma, a designação do objeto de ensino de Língua Portuguesa
não partiu apenas das demandas sociais e científicas, mas também político-
econômica.

Ainda nesse nível transformacional, dos conhecimentos a serem


ensinados, temos o processo pelo qual eles são declarados ou explicitados na
forma escrita, o que Schneuwly (2009) chamou de “escrituralização do saber”,
momento em que deveriam ser definidos os contornos essenciais para torná-
los ensináveis. No caso da elaboração dos PCN, na escrituralização do
conceito de gêneros textuais, foram detectadas incoerências quanto às
diferentes e divergentes abordagens sobre a linguagem, sobre a construção de
conhecimento e, também, sobre os próprios gêneros textuais.

No estudo desenvolvido por Machado & Bronckart (2005), retomado por


Machado e Cristóvão (2009), detectou-se um não consenso entre especialistas
que produziram os PCN na apresentação de tais conceitos, originando um dos
problemas enfrentados para a consolidação do ensino de gêneros textuais no
país, já que desde a época da publicação desse documento até hoje tais
noções não são consensuais na comunidade científica.

Quanto ao não consenso do conceito de gêneros textuais, em especial,


os pesquisadores constataram um problema de autonomização, ou seja, eles
foram separados da teoria global que os fizeram emergir e ganharam diferentes
significações nos textos dos PCN. Outro problema analisado foi a
dogmatização, ou seja, o que ainda estava no estatuto de hipótese e de
proposta de estudo tornou-se certeza, uma verdade absoluta. E como último
problema apresentado na pesquisa, houve também a compartimentalização
dos conteúdos/noções selecionados chegando a uma incoerência global na
proposta oficial do ensino do país, já que diferentes teorias – até mesmo as em
desenvolvimento – foram tomadas não em sua compreensão macro, mas em
91

um aspecto restrito. Tais problemas, segundo os pesquisadores, aconteceram,


pois, não existe um consenso tanto da noção de gêneros como na noção de
linguagem, assim como também não temos na equipe de produção dos PCNs
especialistas pertencentes a abordagens teórica-metodológica compatíveis.

Vemos, portanto, que os conhecimentos transpostos nos níveis da TDE


são produtos de um processo de tensões de diferentes tipos tanto no campo da
atividade científica quanto no campo da atividade educacional. Abaixo
propomos um esquema para auxiliar em nossa compreensão da TDE:

Esquema 6: Transposição Didática Externa

Contexto sócio-histórico

Despersonalização

Descontextualização Para designá-lo como objeto de ensino:

- Interesses sociais
Conhecimento
- Legitimidade científica
Científico
- Necessidade político-econômica

Autonomização

Dogmatização

Compartimentalização

Objeto de
Ensino
92

Na TDE, a transformação do conhecimento científico para conhecimento


a ser ensinado, por sua vez, é possível através das formas dos discursos que
os transpõem em diferentes textos (instruções, planos de estudos, manuais de
ensino, etc). Assim como nos explica Bronckart (2005), é no contexto das
atividades humanas que os conhecimentos circulam, são reproduzidos,
contestados e transformados. No entanto, os conhecimentos apenas podem
ser acessíveis quando semiotizados e transpostos em textos tanto orais quanto
escritos, distribuídos em diferentes gêneros, ou seja, nas formas específicas da
comunicação, desenvolvidas pelas formações sociais. Sendo assim, além da
importância exercida pelos sistemas didáticos e suas relações para a
transposição dos conhecimentos, também os textos assumem um papel de
grande importância. É através dos textos prescritivos (PCN, DCN, LDB,
Propostas Curriculares, materiais didáticos, etc), por exemplo, que chega ao
conhecimento de diferentes sujeitos envolvidos na atividade educacional a
determinação do objeto de ensino, do como ensiná-lo, dos objetivos de ensino,
etc. É, portanto, pelos e nos textos (orais ou escritos) que podemos apreender
e analisar o processo de transposição didática de determinado conhecimento.

Diversas pesquisas para verificar a transposição de determinados


objetos de ensino são desenvolvidas pelo viés da análise de textos orais e
escritos. Os livros didáticos, materiais didáticos em geral, são os que ganham
maior atenção, já que são os textos que mais circulam dentro da sala de aula e
influenciam diretamente na ação tanto do professor quanto do aluno; além de
serem eles os fixadores das orientações dos textos oficiais, que moldam a
interpretação do objeto de ensino.

A importância dada a esse artefato é tanta que, no Brasil, temos uma


política pública direcionada especialmente para a avaliação dos livros didáticos.
O conhecido Programa Nacional do Livro Didático, PNLD, estipula os critérios
para a transposição do objeto de ensino de acordo com as perspectivas
teórico-metodológicas oriundas dos interesses tanto do campo científico quanto
do campo social, incluindo aí o político-econômico. Ao mesmo tempo em que o
PNLD, com uma equipe de especialistas conceituados, ajuda na seleção e
aprovação de livros que levem em conta as condições necessárias para a
93

construção de conhecimentos, tanto do professor quanto do aluno, é também


uma forma de controle governamental do modo como o objeto de ensino é
transposto dentro da sala de aula. Percebemos, portanto, mais uma vez, que é
através dos textos que a TD é realizada, sendo eles, um meio possível para a
análise e apreensão do processo.

4.2.1.2 Transposição Didática Interna (TDI)

A TDI corresponde aos dois últimos estatutos descritos no início desta


seção: os conhecimentos efetivamente ensinados e os conhecimentos
efetivamente aprendidos. Assim como podemos prever, as transformações dos
conhecimentos para serem assim reconhecidos acontecem na relação e
interação entre os sujeitos envolvidos na situação didática: o professor e os
alunos.

Para compreendermos a TDI, ou seja, as transformações dos


conhecimentos e do objeto de ensino na situação didática, devemos levar em
conta, primeiramente, assim como nos propõe Schneuwly (2009):

- O espaço físico e as relações que se estabelecem em função do ensino-


aprendizado. Ou seja, o espaço e os objetos determinam o que é possível ou
não fazer;

- O tempo escolar pelo qual as atividades são programadas, já que o professor,


com vista no tempo de que dispõe, (das aulas, da semana, do bimestre,
semestre, etc) programa suas aulas e elabora as atividades em uma
progressão ao longo do tempo;

- A relação entre as pessoas envolvidas, visto que elas estão dentro de uma
situação institucional, seguindo suas regras. O professor, profissional
assalariado, que trabalha para a transformação das capacidades de agir dos
alunos, que está no papel de representante dos saberes (já que os domina
antes dos alunos), que os manipula a fim de torná-los ensináveis. O aluno que
se propõe, ou lhe é proposto, um trabalho produtivo, em um espaço-tempo
definido, precisamente, para o aprendizado;
94

- as características institucionais externas que determinam os conteúdos, as


formas e as formas para ensiná-los.

A TDI seria, portanto, o processo de disciplinarização pelo qual os


conteúdos são organizados sistematicamente para serem ensinados, o que
implica a imbricação dos aspectos mencionados e os diferentes agires em suas
dimensões pessoais: intelectual, manual estilístico, físico. Ao contrário do que
antes se supunha, nos estudos iniciais sobre TD, a eficácia do ensino não está
na adequação dos conteúdos/conhecimentos a sua referência científica, mas
ao contexto sócio-histórico de aprendizagem, segundo Schneuwly (2009). Um
bom exemplo disso é o ensino dos próprios gêneros escolares tradicionais, já
que a adaptação que sofreram para tornarem-se conhecimentos a serem
ensinados, ensinados e aprendidos não ocorreu no sentido de torná-los
reproduções autênticas dos gêneros literários, mas sim formas produzidas na
escola.

De acordo com o autor, a adequação da transposição dos


conhecimentos ao contexto de aprendizagem, demanda a criação feita pelo
professor de situações que permitam os alunos apropriarem-se dos
conhecimentos, ou melhor, de suas dimensões ensináveis, sendo que a ação
dos alunos no processo de apropriação guiará as “manobras” do docente para
a seleção, recortes, complementação, etc, dos conteúdos. O professor não é,
portanto, apenas o facilitador das aprendizagens, mas o construtor de
situações que permitam a aprendizagem dos alunos, com base nas
capacidades já desenvolvidas por eles, dos conhecimentos já aprendidos e dos
desafios que precisam vivenciar para que novas aprendizagens aconteçam.

Essa necessidade de construção de situações que favoreçam o


aprendizado, assim como nos apresenta Halté (2008), demanda o
reconhecimento de que os atos didáticos são constituídos artificialmente e,
também, que os saberes científicos não são os únicos a serem transpostos em
um ensino intencional, mas também as práticas sociais que os constituem, pois
tais saberes não são encontrados sozinhos e isolados do mundo, mas situados
em um espaço-tempo e em práticas sociais.
95

As práticas sociais, por sua vez, assim como os saberes científicos são
transpostas para ganharem o estatuto de objetos didáticos e, também, são
transformadas nesse processo. Por não poderem aparecer como tal no campo
escolar, são construídos modelos das práticas, sendo esses assimiláveis e
passíveis de mecanismos de transposição (HALTÉ, 2008). Um exemplo dessa
impossibilidade de reprodução autêntica das práticas sociais no ambiente
escolar é a transposição de um modelo de laboratório químico dentro de uma
escola. Esse pode dispor de uma bancada, de tubos de ensaio, de jalecos, de
materiais químicos, elementos típicos de um laboratório, mas não será o
mesmo que uma grande indústria química possui. A reprodução dos espaços,
dos profissionais, das significações de ações desses profissionais, não poderão
ser transpostas, pois são características daquela prática social em particular,
ou seja, as práticas sociais não podem ser reproduzidas em suas totalidades
materiais e simbólicas.

A modelização das práticas sociais e dos saberes científicos para serem


objetos de ensino e, também, objetos de aprendizado, acontece, portanto, de
acordo coma teoria da TD, de modo artificial. Artificial, pois ao contrário de
outros lugares sociais, a escola, além de propiciar aos alunos situações
naturais de construção de conhecimento, como acontece na família, no grupo
de amigos, etc, ou seja, propiciar aprendizagens incidentes, propicia, também,
um ensino intencional e essa é a especificidade radical da escola, a sua
artificialidade constitutiva. (HALTÉ, 2008)

No entanto, falarmos em artificialmente constitutiva não é o mesmo que


falar em artificialidade dos atos didáticos em situação didática. Esse
posicionamento não permite falarmos que o escrito de um aluno ou quaisquer
outras atividades em sala de aula, por exemplo, não valem em nada para a
vida dele por ser artificialmente constitutivo, mas nos permite falar que se trata
de um escrito que está em obediência a outras regras e tendo outros objetivos,
não sendo, portanto, uma atividade artificial, mas imbuída de significações que
serão transpostas para sua vida extra-escolar.
96

Os conhecimentos efetivamente ensinados e aprendidos na


compreensão da TDI são, dessa forma, os produtos das interações dos
indivíduos na situação didática. Interação das totalidades de vivências sócio-
histórica-culturais do professor e do aluno, uma vez que consideramos, em
uma perspectiva interacionista-social, que as aprendizagens acontecem
apoiadas nos conhecimentos aprendidos anteriormente, sendo eles
determinantes para as aprendizagens futuras.

Discutidos os conceitos que explicam o processo de Transposição


Didática e uma possível reformulação da teoria inicial, apresentaremos a seguir
uma proposta didática dos gêneros textuais que leva em consideração as
novas interpretações genebrinas das complexas transformações que os
conhecimentos sofrem até tornarem ensináveis e, também, as condições de
ensino-aprendizado e as capacidades dos alunos.
97

V – PROPOSTA DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA PARA O ENSINO DE


GÊNEROS TEXTUAIS

Apresentaremos a seguir a proposta de transposição didática dos


gêneros textuais dentro de uma perspectiva Interacionista Sociodiscursiva. Tal
proposta visa à apropriação dos gêneros textuais pelos envolvidos na situação
ensino-aprendizado para assim, de fato, tornarem-se instrumentos psicológicos
capazes de promover o desenvolvimento humano na e pela linguagem. Para
isso, primeiramente, discorreremos sobre nossa compreensão dos gêneros
textuais – objeto de ensino de Língua Portuguesa. Em seguida, discutiremos
sobre a necessidade da elaboração do Modelo Didático para o ensino dos
gêneros textuais, sendo ele uma proposta de transposição didática. Logo
depois sobre a proposta de um ensino sistemático pelas Sequências Didáticas.
E, por último, uma retomada dos trabalhos que utilizam essa proposta didática
para o ensino de gêneros textuais, em especial, dos que vem sendo
elaborados pelo grupo ALTER/CNPq.

5.1 A necessidade do ensino de gêneros textuais

Nas comunidades linguísticas agimos linguageiramente nos


confrontando permanentemente com um universo de textos pré-existentes, os
quais se organizam em gêneros que estão em permanente transformação e
são em número ilimitados. Inseridos em tais comunidades, desde nosso
nascimento, estamos constantemente expostos a tais gêneros o que nos leva a
construir intuições sobre as regras e propriedades específicas deles, mesmo
que inconscientemente. Essa construção é necessária para que possamos
circular e agir nas diferentes atividades humanas. (BRONCKART, 2003).

Para a discussão sobre o estatuto e a importância dos gêneros textuais


nas práticas sociais, a equipe genebrina retoma a teoria de Bakhtin (1979). No
entanto, o objetivo desse empréstimo é a reflexão e a compreensão dele no
processo de ensino-aprendizado, ou seja, a importância desse conhecimento
nas práticas didáticas, os meios viáveis para colocá-lo no estatuto de objeto de
ensino e a colaboração dele no aprendizado e no desenvolvimento do aluno.
Sendo assim, primeiramente, apresentaremos o que Bakhtin postulou na
98

teorização dos gêneros discursivos e, em seguida, a reformulação didática


genebrina.
Segundo Bakhtin (2003), nossa comunicação se dá através dos gêneros
discursivos, de formas relativamente estáveis de enunciados e, para que
possamos nos comunicar nas atividades sociais, são fundamentais. Eles têm
suas estabilidades que definem o que é dizível e, inversamente, o que deve ser
dito define a escolha de um gênero; têm certa estrutura definida por sua
função; e têm um plano comunicacional. A escolha de um gênero se dá em
função de certo número de parâmetros: finalidade, destinatários, conteúdo.

De acordo com o autor, os gêneros são de difícil definição formal, pois


os traços gerais que os caracterizam são demasiadamente abstratos e vazios.
Para isso, Bakhtin (2003) sugeriu duas modalidades por meio das quais
podemos considerar e identificar os variados gêneros discursivos existentes, de
modo a não minimizarmos sua heterogeneidade. Os gêneros discursivos são
diferenciados pelo teórico como gêneros discursivos primários (simples) e
gêneros discursivos secundários (complexos), os quais, segundo ele, não se
enquadram em uma definição funcional, mas sim ideológica. Os gêneros
discursivos secundários são aqueles considerados mais complexos (romances,
dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes textos publicitários,
etc), pois surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado; tais gêneros predominam na
forma escrita e têm suas formações enraizadas nos gêneros discursivos
primários. Esses, ao contrário do que pressupõe os secundários, são de
caráter imediato e pouco elaborado, tendo mais ocorrência no discurso oral.
Bakhtin (2003) conclui dessa forma que a língua passa a integrar a vida
através de enunciados concretos (gêneros discursivos), os quais a realizam; e
é através de enunciados que a vida entra na língua e torna-se o núcleo
problemático de importância excepcional. Segundo Bakhtin (1979), o caráter
mediatista do enunciado difere das palavras ou orações, pois estabelece
relações com o locutor e os parceiros da comunicação verbal. Embasado
nessa afirmação, ele considera a importância do enunciador juntamente com o
coenunciador na interação verbal, pois, segundo ele, para a composição dos
99

gêneros discursivos é determinante a função do destinatário. “É sob uma


menor ou maior influência do destinatário e da sua presumida resposta que o
locutor seleciona todos os recursos linguísticos de que necessita” (Bakhtin,
1979:326).
Apesar da variação terminológica gêneros do discurso/gêneros textuais,
o ISD retoma o que Bakhtin propôs para a definição do conceito. Quanto à
variação terminológica, Bronckart (1999) esclarece o porquê da adoção do
termo “texto”. Partindo também do pressuposto da heterogeneidade funcional
dos gêneros textuais dificultando a identificação e os estudos sobre eles, o
autor defende que é por meio das unidades e regras linguísticas que é possível
perceber a relativa estabilidade. Relativa, pois em um mesmo gênero textual,
podemos identificar diferentes formações linguísticas ou nenhuma daquelas
que foi designada como típica. Sendo assim, é na semelhança linguística,
textual, que os gêneros podem ser identificados, semelhança essa vinculada
ao contexto de produção.

Ao retomar a proposta bakhtiniana para a explicação dos gêneros


textuais, Schneuwly (2010) observou certa imediatez entre a escolha e a
utilização do gênero, como se elas estivessem sempre lá, não tendo o caráter
dinâmico, já que Bakhtin não se preocupou com as questões didáticas dos
gêneros textuais.

Dessa forma, Schneuwly (2010) tomou como objeto de suas pesquisas


didáticas os gêneros textuais, preocupando-se em compreender o processo
pelo qual os indivíduos constroem meios de utilização para se tornarem
“proficientes” em sua própria língua e terem acesso às diferentes atividades
humanas. Segundo Machado & Cristóvão (2009), a iniciativa do estudioso pode
ser considerada como uma das concepções mais vigorosas para a questão do
ensino-aprendizagem de gêneros. Para isso, retoma o importante conceito de
instrumento psicológico proposto, primeiramente, por Vygotsky (1930) e
atualmente retomado e interpretado por diferentes autores.

Com essa preocupação e buscando compreendê-la, ao propor um


projeto didático para o ensino de gêneros, Schneuwly (2010) parte,
100

primeiramente, dos pressupostos marxistas quanto à constituição da atividade


humana. Nessa visão, o sujeito age sobre o objeto e/ou situações apropriando-
se de instrumentos materiais sócio-historicamente elaborados. Ao apropriar-se
do instrumento, como os gêneros textuais, por exemplo, o indivíduo desenvolve
em si uma totalidade de capacidades. Será, portanto, sobre o papel dos
gêneros textuais como instrumentos psicológicos que discutiremos a seguir.

5.1.1 Os gêneros textuais como Instrumento Psicológico do professor e


do aluno
Apresentamos, no segundo capítulo, o estatuto dos instrumentos
psicológicos proposto por Vygostky (1930). A seguir retomaremos tal
concepção rediscutida por Rabardel (1999) e Friedrich (2012) para
compreendermos como os gêneros textuais assumem essa função no trabalho
do professor e no aprendizado do aluno.

Compreendendo que toda ação humana é mediada por instrumentos, ou


seja, que as relações com objetos, situações ou outra pessoa nunca é direto,
mas mediado por objetos materiais ou simbólicos construídos sócio-
historicamente, assim também é compreendida a ação do professor e do aluno
no processo de ensino-aprendizagem.

Detendo-nos à atividade do professor na sala de aula – compreendendo


que a atividade docente ultrapassa os limites desse espaço – sabemos que
para atingir seu objetivo, ou seja, criar um ambiente propício para a
aprendizagem de determinados conhecimentos pelos alunos e o
desenvolvimento de capacidades relacionadas a eles; o docente necessita de
instrumentos que o auxiliam na execução das atividades para que possa
realizá-las. Exemplos desses instrumentos são as orientações educacionais
(PCN, LDB, Propostas Curriculares, Materiais Didáticos, etc) que ganham esse
estatuto quando apropriadas pelo professor, ou seja, quando ele as adapta ao
seu contexto particular de ensino, reconcebendo-as, redefinindo-as e tornando-
as instrumentos do seu agir.

Os gêneros textuais também ganham esse estatuto para o docente


quando conhecidas sua funcionalidade, suas características e sua relevância
101

para o aprendizado de determinados conhecimentos e capacidades de


linguagem pelo aluno. Ou seja, eles tornam instrumentos quando
compreendidos pelos professores, adequados à situação de ensino, às
capacidades já desenvolvidas pelos alunos e demostram ser meios viáveis
para o acesso aquelas ainda não desenvolvidas.

No entanto, dentro da concepção vygotskyana, o estatuto de IP só é


conquistado quando ele passa a ser necessário para a ação do indivíduo,
quando é direcionado para a transformação de si mesmo ou do outro, e está
condizente às situações e condições de ação. Isso, de certa forma, não
aconteceu de imediato na adoção dos gêneros textuais como objetos de ensino
de Língua Portuguesa e, podemos dizer, que ainda não acontece na maioria
dos casos. Assim como afirmam Machado & Lousada (2010), a maneira como
os gêneros textuais foram introduzidos e utilizados nos contextos educacionais
brasileiros, passaram a ser um artefato imposto aos trabalhadores, o que
dificultou a apropriação tanto pelos alunos quanto pelos professores, pois as
explicações e orientações para o trabalho com eles não foram claras e
suficientes.

Em relação ao aluno, por sua vez, os gêneros textuais são instituídos


como IP quando aprendidos e apropriados por eles, mediatizando a ação de
linguagem, permitindo a compreensão e produção de textos e potencializando
suas ações em diferentes situações sociais. E isso só é possível dentro das
práticas escolares, pois diferentemente das situações familiares ou entre
amigos, situações mais espontâneas, que possibilitam a apropriação do
indivíduo de enunciados menos elaborados, menos formais; na escola o aluno
tem acesso aos gêneros textuais mais formais provenientes de situações
sociais do mesmo caráter. Sendo assim, para o aprendizado dos gêneros
textuais mais formais, é necessário um aprendizado mais sistemático, “...
sendo esse ensino uma responsabilidade da escola, que teria a função de
proporcionar o contato, o estudo e o domínio de diferentes gêneros usados na
sociedade”. (MACHADO & CRISTÓVÃO, 2009: 129)
102

Entretanto, assim como propôs Bronckart (2003 apud Machado, 2009)


para essa sistematização do ensino de gêneros é necessário levar em conta a
diversidade teórica que o retoma como objeto de estudo, a variabilidade com
que se materializam em textos – as possíveis definições particulares e a
classificação e identificação das características centrais. Dessa forma, com
essa preocupação, o autor propõe que, primeiramente, devemos ter um
conhecimento sobre o gênero textual que pretendemos ensinar, para isso o
levantamento de textos que são classificados como tal e de estudos sobre ele é
essencial. A seguir, discorreremos sobre a proposta de sistematização do
ensino de gêneros textuais em uma perspectiva ISD, iniciando pela
apresentação do que chamamos como Modelo Didático.

5.2 Modelo Didático: como transpor a noção de gênero para o ensino

Defendemos o ensino de gêneros textuais por virem a serem


instrumentos de comunicação, interação, atuação e transformação para o
desenvolvimento humano. No entanto, perguntamos: como ensiná-los? Como
torná-los verdadeiros instrumentos de ensino? Como torná-los verdadeiros
instrumentos de aprendizado? Como torná-los verdadeiros instrumentos de
desenvolvimento? Para essas questões, fundamentados nos pressupostos
teórico-metodológicos do ISD acreditamos que os meios mais viáveis são a
elaboração de Modelos Didáticos e Sequências Didáticas. Iniciaremos
explicando o porquê da importância dos Modelos Didáticos nesta seção e, na
próxima, a importância do ensino de Gêneros Textuais através das Sequências
Didáticas.

Retomando a teoria da TD, quando um objeto do saber científico passa


a ser objeto do saber de ensino ele sofre uma série de transformações. O
mesmo acontece com os gêneros textuais quando passam para o ambiente
escolar, pois se leva em conta as capacidades de linguagem que visamos
construir nos alunos, aquelas que eles já desenvolveram, os objetivos de
ensino e as condições de ensino. Dessa forma, considerando todos esses
aspectos que determinam o ensino de gêneros textuais, ao introduzi-los na
escola, sofrem um desdobramento e passam a ser, ao mesmo tempo,
103

instrumento de comunicação e aprendizagem (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010:


150).

Esse desdobramento, ou se podemos dizer, essa duplicação de funções


do gênero textual no ambiente escolar, já que além de assumir o papel de
instrumento de comunicação adquire o estatuto de instrumento de
aprendizagem, deve suscitar a consciência do papel central dos gêneros como
objetos e instrumentos de trabalho para o desenvolvimento da linguagem. Isso
implica não em um trabalho imediato, mas lento, longo e complexo de
avaliação do que é adquirido e, também, da percepção de novas pistas de
trabalho. (SCHNEUWLY&DOLZ, 2010: 68)

O que torna essa visão possível do ensino de gêneros, é a clarificação


de que toda a introdução dele na escola decorre de uma decisão didática que
visa precisos objetivos de aprendizagem: a) o domínio do gênero para melhor
conhecê-lo, apreciá-lo, compreendê-lo e produzi-lo na escola ou fora dela e,
também, b) o desenvolvimento de capacidades que ultrapassam o gênero
apreendido e transfere-se para outros gêneros. Com essa proposta de ensino,
é possível reconhecer que o gênero didatizado por funcionar em outro lugar
social e, por se tornar instrumento de ensino, passa por transformações que o
tornam gêneros para aprender, sendo que para continuarem a ter sentido para
o aprendiz, necessita estar o mais próximo possível de situações de
comunicação. (SCHNEUWLY & DOLZ, 2010)

Para compreender tais objetivos de aprendizagem, deve-se partir


sempre do fato de que “o gênero trabalhado na escola é sempre um gênero de
referência, construído numa dinâmica de ensino-aprendizagem, para funcionar
numa instituição cujo objetivo primeiro é precisamente este.” (SCHENEUWLY e
DOLZ, 2010: 69). Sendo assim, para tornar possível a construção dessa
dinâmica, descrevê-la, a fim de auxiliar em diversos contextos de ensino-
aprendizagem de gêneros e, também, obter um meio viável para a TD é
proposta a elaboração de modelos didáticos.

Os modelos didáticos de gêneros tratam de explicitar o conhecimento


implícito dos gêneros textuais referindo aos saberes formulados no domínio
104

das pesquisas científicas e dos profissionais especialistas. E, levando em


consideração que existem outras concepções do que seria um modelo didático,
Schneuwly e Dolz (2010:70) propõem compreendê-lo através de três princípios
no trabalho didático:

 Princípio da legitimidade (referência aos saberes teóricos ou elaborados


por especialistas)

 Princípio de pertinência (referência às capacidades dos alunos, às


finalidades e aos objetivos da escola, aos processos de ensino
aprendizagem)

 Princípio da solidarização (tornar coerente os saberes em função dos


objetivos visados)

No entanto, assim como nos esclarecem os autores, esses princípios


estão em um movimento interativo, sendo que a aplicação de nenhum deles é
independente da dos outros e “... é, precisamente, a imbricação profunda dos
três que constitui uma das dimensões da formação do objeto escolar, definido
por sua modelização didática.” (SCHNEUWLY & DOLZ, 2010: 70). Podendo-se
dessa forma, resumidamente, caracterizar tais princípios como uma síntese do
objetivo prático visando à orientação e intervenção do professor, evidenciando
as dimensões ensináveis, nas quais as sequências didáticas podem ser
concebidas. É, portanto, um objeto que descreve e operacionaliza o fenômeno
complexo da aprendizagem dos gêneros.

A construção de um modelo didático permitiria, portanto, de acordo com


Machado & Cristóvão (2009), visualizar as dimensões constitutivas do gênero e
da seleção daqueles que podem ser ensinadas de acordo com o nível as
necessidades do ensino.

Para compreendermos a proposta de transposição didática de gêneros


textuais através dos Modelos Didáticos e, também, das Sequências Didáticas,
na perspectiva ISD é necessário discorrermos, primeiramente, sobre nossa
compreensão de aprendizagem e, consequentemente, sobre a Progressão
Curricular. São esses, dois conceitos que nos esclarecerão a importância das
105

aprendizagens para o desenvolvimento humano e, também, a necessidade de


sua sistematização, ou seja, a descrição e operacionalização das partes
constituintes dos gêneros textuais para seu aprendizado.

5.2.1 Diferentes concepções sobre aprendizagem e a perspectiva


interacionista-social
Para a elaboração de qualquer proposta didática, independente do
conhecimento a ser ensinado, é necessário termos clara a concepção de
aprendizagem que a sustenta. Dessa forma, buscando esboçar um panorama
das concepções que sustentam as mais variadas propostas didáticas,
apresentaremos a perspectiva a que nos filiamos – o interacionismo social – e,
também, as demais que convivem no meio educacional.

São conhecidos pela Psicologia Científica quatro grandes paradigmas


que teorizam sobre as condições aprendizagem humana: o behaviorismo, o
cognitivismo, o construtivismo e o interacionismo social. A emergência desses
não se deu estritamente, ou somente, relacionada à área em questão, mas
retomando tendências temporais, históricas, geográficas, filosóficas,
epistemológicas, sociopolíticas e didáticas. E, também, não foram esquecidos
ou superados, mas convivem em um mesmo tempo histórico de acordo com os
objetivos de ensino, políticos, econômicos, etc, ou seja, são retomados de
acordo com os interesses postos para a escola.

Trataremos, a seguir, sobre cada um desses paradigmas.

O behaviorismo tem como doutrina filosófica o empirismo que postula o


conhecimento como sendo determinado pela experiência e é, portanto,
adquirido. Nessa perspectiva, com a influência de Locke (1632-1701) acredita-
se que antes da experiência, a mente é como uma folha em branco, uma tábula
rasa, um receptáculo vazio e que não há nenhuma ideia inata. Também recebe
contribuições de Hume (1711-1766) que afirma que nossas ideias são cópias
das nossas impressões, ou seja, dos dados empíricos. Retomando tais
pressupostos, a psicologia behaviorista ou comportamentalista privilegia o que
é observável, o comportamento, e ignora a consciência, os sentimentos e os
106

estados mentais. A mente, portanto, é o dispositivo que detecta padrões


habituais nos estímulos que vêm do mundo e de suas relações.

De acordo com Bronckart (2009), a consideração acerca dos


conhecimentos por essa linha herda as concepções aristotélicas. Eles são
tomados como fixos, completos e definitivos sendo que toda prática de ensino
precisa remeter a tais conhecimentos. A aprendizagem, portanto, tem como
objetivo mudar os comportamentos, de acordo com os considerados como
verdadeiros e certos. Assim como afirma o autor, na concepção behaviorista,
os processos que geram o conhecimento começam quando somos expostos a
novos estímulos; continua quando aprendemos a discriminar os novos
estímulos (aprendizagem perceptiva); aprendemos a correlacionar ou associar
novos estímulos (aprendizagem cognitiva), reconhecendo um novo padrão; e
aprendemos a reconhecer o novo padrão em outros contextos e a generalizar
nossa resposta de um modo considerado como apropriado.

Os procedimentos educacionais/didáticos utilizados que seguem essa


perspectiva, já que têm como objetivo maior modificar o comportamento dos
indivíduos, podem ser reconhecidos por apresentarem a conhecida tríade
estímulo – resposta - reforço da máquina de ensinar proposta por Skinner,
baseada em experiências com animais. As avaliações, fundamentadas na
tríade skinneriana, supervalorizam o acerto; as instruções são diretas seguidas
pelas práticas de repetição e pela transferência da lógica dos conhecimentos; e
a progressão das aprendizagens propostas pode ser considerada como linear,
pois parte do simples para o complexo. De modo geral, o esquema que orienta
as propostas didáticas e as avaliações dentro da perspectiva behaviorista,
podem ser identificadas pela seguinte ordem:

1) Apresentação do estímulo;
2) O aluno reage;
3) A resposta é comparada com a certa;
4) A resposta correta é recompensada;
5) Nova informação
107

Muitas críticas foram direcionadas a teoria e métodos behavioristas e dentre


elas, duas se destacaram, conforme nos esclarece Bronckart (2009). A primeira
discorda com a proposta de considerar os conhecimentos científicos (aqueles
que devem ser transpostos para a escola e, consequentemente, ensinados)
como fixos, completos e definitivos, pois ao tomarem dessa forma, não se leva
em conta as condições histórico-econômico-sociais que emergiram e, também,
a diversidade do conteúdo e do seu estatuto. A segunda é a crítica ao excesso
das atenções aos comportamentos e a não importância dada aos mecanismos
cognitivos específicos de que dispomos desde o nascimento.

Não satisfeitos com as explicações dadas para as condições de


aprendizagem pelo behaviorismo, os cognitivistas direcionavam a ele críticas
quanto aos métodos mecanicistas e diretivos que desconsiderava o potencial
desenvolvimentista inato do indivíduo. Para a proposta de uma nova
compreensão, retomaram o paradigma filosófico cartesiano de Descartes que
propunha a existência de um sujeito autônomo, que já é capacitado de
pensamento e consciência, contribuindo, dessa forma, para a própria
reconstrução dos conhecimentos (BRONCKART, 2009). Propõe-se, nessa
ótica tomar o que é humano e o que é social, o que é psíquico e o que é físico,
separadamente.

Nessa perspectiva, a criança é vista como portadora de todas as


capacidades suscetíveis de se transformarem em um funcionamento cognitivo
e socioafetivo adulto. Dessa forma, as intervenções educacionais e as
aprendizagens não teriam um papel decisivo no desenvolvimento do
pensamento consciente, mas apenas seriam incentivos para a revelação do
intrinsecamente já existente, ou seja, as crianças trariam em si os recursos
necessários para participar do movimento da aprednizagem (BRONCKART,
2009).

Tomando como base a compreensão de que está na criança (aluno) o


potencial desenvolvimentista, no final do século XIX surgiram pedagogos
preocupados com a infância, os quais ficaram conhecidos por pertencerem à
conhecida Educação Nova. Para eles, a infância não é uma fase da vida que
108

deve ser corrigida ou receber intervenções que visem modificá-la


artificialmente, ao contrário, ela deve ser respeitada, pois é nela que está a
explicação das capacidades que serão atestáveis nos adultos. Opondo-se ao
que consideramos como artificiais, as propostas de formação defendidas pelos
novos pedagogos, reformulando as bases cognitivistas, era de fundo
naturalista, ou seja, as propostas didáticas deveriam estimular as competências
inatas através de atividades espontânea, criativas e significativas. O professor
nessa pedagogia é visto, portanto, como um guia orientador das ações dos
alunos; passando a criticar o ensino frontal, aquele em que o professor é
detentor do conhecimento e, também, o esquema metodológico: regras ou
exemplos – exercícios – aplicações práticas. Essa nova pedagogia, de base
cognitivista, contrária ao determinismo social para a formação do indivíduo
(behaviorismo), era, portanto, crente nas competências inatas humanas e
defensoras dos esquemas didáticos naturalistas, e tinha como esquema de
trabalho o indutivo e o construtivo: práticas – observação das práticas –
inferência guiada – codificação.

Apoiado no movimento da Educação Nova, no que dizia respeito às


estruturas inatas do indivíduo que continham o potencial desenvolvimentista, e
no papel secundário das aprendizagens e das intervenções dos adultos para o
desenvolvimento psíquico, Jean Piaget fundou um novo paradigma científico: o
construtivismo genético. Assim como afirma Bronckart (2009), três grandes
contribuições capazes de serem aplicadas à educação/formação foram
elaboradas por ele: a) a teoria dos estágios de desenvolvimento; b) os
processos dinâmicos para a explicação da evolução cognitiva; c) e os
esquemas do desenvolvimento e do funcionamento psicológico. A primeira
contribuição consiste nas descrições dos estados sucessivos do funcionamento
mental/cognitivo dos jovens, as quais são fundadas, de um lado, sobre os
raciocínios práticos verbais efetivos de centenas de indivíduos observados e,
de outro, das descrições formalizadas dos termos do aparelho lógico
matemático que Piaget adotava. Já na segunda, Piaget exclui a importância
das intervenções formadoras do meio social para a evolução cognitiva,
tomando como decisivos os processos interativos à disposição do sujeito, cujo
109

fundamento é o biológico. O desenvolvimento cognitivo, nesse sentido,


aconteceria através de um jogo de assimilações e de acomodações no
processo maior de equilibração e, a emergência do pensamento operatório
formal, se daria pelos efeitos dos mecanismos de abstração empírica (das
propriedades dos objetos tratados) e da abstração reflexiva (das propriedades
das atividades de construção do conhecimento). Para o construtivismo
piagetiano, portanto, são os processos internos os únicos fatores essenciais
para o desenvolvimento. As aprendizagens, por sua vez, são secundárias, ou
seja, aprende-se porque se desenvolve. Com essa constatação da segunda
contribuição de Piaget, chegamos à terceira, pois o esquema do
desenvolvimento e funcionamento geral postulado nada mais é do que a
determinação dos processos e estruturas da cognição no desenvolvimento; é a
partir deles que o sujeito (re-)constrói a linguagem, organiza a vida afetiva e
suas ações concretas no mundo social.

No Brasil, o construtivismo piagetiano foi amplamente adotado


influenciando, explicitamente, as prescrições para a educação nacional. A
ampla divulgação da vertente construtivista se deu pela determinação do
ensino como desenvolvedor, nas mais variadas disciplinas, das competências e
habilidades. Muito resumidamente, o ensino pelas competências declarou-se
contra o professor ser o foco das situações didáticas e o detentor do
conhecimento. Nessa nova visão, os conteúdos, as informações, as
aprendizagens em geral não eram suficientes e determinantes para a formação
do indivíduo, mas sim o ensino procedimental ou o saber fazer. Passou a ser
primordial fazer com que as competências inatas do indivíduo emergissem
através das facilitações proporcionadas pelo professor e, também, que novas
competências referentes às relações e aos objetos fossem desenvolvidas.

No texto que fundamenta teórica e metodologicamente o Exame


Nacional do Ensino Médio (ENEM) – e, também, o material didático que
analisaremos – é anunciado e defendido o ensino e avaliações pelas
competências e habilidades tomando como base as interpretações de Piaget
(1976) e Perrenoud (1999). Com tais bases teóricas, é proposta a
compreensão de competências de três formas: a competência como condição
110

prévia, herdada ou adquirida do sujeito, sendo utilizado como exemplo nesse


caso a linguagem como condição prévia do ser humano; a competência como
condição do objeto, independente do sujeito que o utiliza; e competência
relacional, interacional. Para compreensão da relação desses três possíveis
entendimentos, é proposto o seguinte exemplo:

“No caso de uma conferência, a qualidade do texto


(competência do objeto) não é condição suficiente para que ela
atinja os objetivos do conferencista, é necessário fazer uma
boa leitura (competência do sujeito), considerando as reações
da platéia, o ritmo, as pausas, etc. (competência relacional).”
(INEP/MEC, 2005:19)

Em suma, as competências são definidas por seus defensores como a


capacidade de agir eficazmente em diferentes situações, apoiadas em
conhecimentos, mas não se limitando a eles (PERRENOUD, 1999).
A noção de competências pela sua vasta adoção não só no Brasil, mas
em outros lugares que viram a necessidade de repensar suas políticas públicas
educacionais e propostas de ensino, gerou diversas discussões tanto
favoráveis quanto contrárias a ela. As favoráveis vêem na abordagem
construtivista das competências o mérito de reconhecer que apenas os saberes
formalizados não são suficientes para pressupor ações eficazes, vê, portanto,
que a dimensão dinâmica das aprendizagens dá a possibilidade da pessoa se
desenvolver e evoluir (MAUÉS, WONDJE & GAUTHIER, 2001). No entanto, as
abordagens utilizadas pelo MEC na elaboração dos textos prescritivos da
educação brasileira não evidenciaram o aspecto ativo da aprendizagem, mas
sim o fator desempenho que propos um esquema redutor que limita o ensino à
mobilização de competências dos alunos em situações complexas e, também,
o papel do professor como um simples acompanhador do desenvolvimento. A
abordagem das competências nos textos do MEC comporta, muitas vezes,
conceitos complexos e paradoxais o que dificulta a compreensão tanto dos
envolvidos no processo ensino-aprendizagem quanto da sociedade civil.
A tais constatações chegaram Maués, Wondje & Gauthier (2001), ao
analisarem as reformas curriculares em Quebec e no Brasil pela ótica das
competências. Segudo eles, ao contrário do aconteceu em Quebec, no Brasil
essa perpectiva prescrita foi interpretada, devido às condições cotextuais e
111

contextuais dadas, negativamente, já que os objetivos maiores explícitos não


visavam a uma sociedade mais democrática nos conhecimentos aprendidos e
nos acessos às diferentes práticas sociais, mas sim ao respeito à lógica do
mercado de trabalho, ou melhor, do setor econômico produtivo que demandava
recursos humanos mais flexíveis e mais preparados para situações que
necessitavam de diferentes competências e habilidades.
Para a discussão sobre o estatuto e a importância dos gêneros textuais
nas práticas sociais, a equipe genebrina retoma a teoria de Bakhtin (1979). No
entanto, o objetivo desse empréstimo é a reflexão e a compreensão dele no
processo de ensino-aprendizado, ou seja, a importância desse conhecimento
nas práticas didáticas, os meios viáveis para coloca-lo no estatuto de objeto de
ensino e a colaboração dele no aprendizado e no desenvolvimento do aluno.
Sendo assim, primeiramente, apresentaremos o que Bakhtin postulou na
teorização dos gêneros discursivos e, em seguida, a reformulação didática da
equipe genebrina.
Se opondo às abordagens unilaterais para a explicação das
aprendizagens, ou seja, ao behaviorismo que defende a aquisição dos
conhecimentos somente pelos estímulos externos, pelo social, e às
abordagens cognitivista e construtivista que vêem nas estruturais psíquicas
inatas o grande potencial desenvolvedor humano, Vygotsky postula o
interacionismo-social. Essa perspectiva compreende o processo de
aprendizagem, a ascensão ao pensamento consciente através do envolvimento
de todas as dimensões humanas : física, psíquica e social.
Para o interacionismo-social, os conhecimentos são elaborados,
primeiramente, nas atividades coletivas concretas que organizam e
mediatizam as interações de cada indivíduo com o mundo do conhecer. Os
conhecimentos aí envolvidos são de ordem prática, pois as significações se
dão na funcionalidade, já que elas são mensuradas nas suas contribuições na
realização das atividades. Tais conhecimentos práticos são semiotizados em
signos e estruturas verbais que se realizam no âmbito dos textos pertencentes
a diferentes gêneros textuais. Tanto os textos quanto as estruturas verbais
oriundas das atividades coletivas são de ordem social, portadoras dos valores
históricos e socioculturais em uma determinada língua. A construção do
112

conhecimento se dá pela apropriação do indivíduo das diferentes práticas e


objetos sócio-historicamente construídos. Será esse processo que modificará,
organizará, tranformará e desenvolverá as estruturas cognitivas e,
consequentemente, ao interagir com o meio, o indivíduo também poderá
modificá-lo. (BRONCKART, 2009)
Tal processo dialético de apropriação dos objetos sócio-historicamente
construídos pelas gerações humanas é determinante para o desenvolvimento,
pois não vê o que é físico e psíquico, o que é humano e social separadamente,
mas como partes de um todo que estão em constante situação de afecção. A
seguir, continuaremos com essa abordagem interacionista social de
aprendizagem, apresentando outro conceito essencial para a proposta de
transposição didática apresentada nesta pesquisa : a progressão curricular,
momento em que discutiremos o papel importante das aprendizagens para o
desenvolvimento humano e para o planejamento das ações didáticas.

5.2.2 Progressão Curricular

Em situações didáticas, geralmente, temos um currículo que orienta a


ação do professor e a do aluno. Nele encontramos os conteúdos disciplinares,
que devem estar em correspondência com as capacidades dos aprendizes, os
objetivos de aprendizagem e os objetos que podem ser utilizados para alcançar
os objetivos. Pensar em um currículo, portanto, é pensar em suas funções, tais
como descrever e explicitar o projeto educativo; fornecer um instrumento que
oriente as práticas docentes; levar em consideração as condições onde as
práticas se realizam e a qualidade do que se pode ensinar.

Colocar em prática o currículo demanda pensarmos em sua progressão,


ou seja, na organização temporal do ensino para que se chegue a uma ótima
aprendizagem. No entanto, a seleção do que ensinar e como ensinar é um
problema que se coloca nas sequências concretas do ensino, quando o
professor toma a decisão do que fazer para que seus alunos se desenvolvam,
de decompor as tarefas a serem ensinadas, as etapas a serem seguidas e o
caminho pelo qual elas se dão.
113

Essa organização temporal é possível se pensarmos na relação que se


estabelece na construção de um currículo entre a aprendizagem - os
mecanismos pelos quais os fatores externos modificam e transformam o
comportamento - e desenvolvimento. No entanto, para isso, é necessário
deixar explícitas quais as concepções psicológicas que justificam, esclarecem e
fundamentam essa relação.

Dentre as concepções criticadas por Vygotsky (1935, apud Dolz e


Schneuwly, 2010), por não verem a aprendizagem como condição prévia e
necessária para as transformações que levam ao desenvolvimento, estão o
objetivismo reducionista que a vê como associação e acúmulo de respostas
sem levar em conta o caráter ativo do indivíduo; e as concepções endógenas
em que a aprendizagem não é uma condição fundamental para o
desenvolvimento, pois ele acontece pelas competências inerentes ao indivíduo.
Ambas partem de uma visão solipsista, ou seja, não veem o sujeito como polo
ativo. Dessa forma, pensar em progressão por esses vieses não seria possível,
pois os fatores externos, ou seja, as aprendizagens propostas em um currículo,
não afetariam em nada a transformação do aprendiz para seu
desenvolvimento.

A proposta de Dolz e Scheneuwly (2010) está, como sabemos,


alicerçada em bases interacionistas sociais, mais especificamente
vygotskyanas. Dessa forma, também se opõem às concepções solipsistas,
defendendo, portanto, que a aprendizagem pressupõe uma natureza social
imprescindível para a ascensão à vida intelectual. E para o desenvolvimento na
idade escolar, o aluno deve ser exposto ao ensino e aprendizagem
intencionais, pois tanto estas quanto as aprendizagens incidentais são
construções sociais.

Frente a esse posicionamento conceitual sobre o desenvolvimento pela


aprendizagem intencional e constitutivamente social, discute-se a tendência
vigente em muitos países, incluindo o Brasil, de elaborarem currículos vendo a
criança como o coração da ação pedagógica que, para os autores, é uma nova
forma de solipsismo, pois para essa abordagem é a dinâmica interna
114

inconsciente dos aprendizes que estrutura os comportamentos e não a ação


deles conjunta com o social. Esse posicionamento é o declarado nos guias
didáticos do professor elaborados pela SEESP – Caderno do Professor, onde
se declara que o aprendizado deve ter como foco o aluno e não mais o
professor.

Construir um currículo com essa base de ação pedagógica faz perder de


vista os elementos de ensino que são catalisadores para o desenvolvimento,
assim como os objetivos e objetos para a progressão curricular. Pois, já que
para essa visão, o desenvolvimento é uma dinâmica natural, que ocorrerá de
qualquer forma, a seleção de objetos e situações de ensino seriam situações
naturais complexas que inviabilizariam a progressão, colocando em um plano
acessório as intervenções ditas artificiais como as docentes e o ensino de
objetos transpostos como os gêneros textuais, por exemplo.

Dolz e Schneuwly (2010), que não compartilham com a ideia do


desenvolvimento humano como dependente essencialmente da dinâmica
interna e inconsciente do indivíduo, insistem nas relações de ensino-
aprendizagem e na construção de diferentes instrumentos que podem
transformar os comportamentos. Uma posição nomeada pelos autores como
“interacionismo instrumental”, advindo de uma teoria social do ensino-
aprendizagem que leva em consideração o lugar social de que o aluno convive,
o lugar social onde as práticas educacionais acontecem, os conhecimentos
adquiridos e os conhecimentos a serem adquiridos, as intervenções docentes
como responsáveis por organizar as situações didáticas e a ajudar o aluno a
assimilar as novidades. A progressão curricular nesse caso é considerada
como “elaboração “artificial” de instrumentos, destinada a melhor controlar os
diversos componentes que integram os processos de ensino-aprendizagem”
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010: 41). Compreendemos artificial como uma
oposição à determinação da aprendizagem e, consequentemente, do
desenvolvimento somente pelo que é inato, natural, interno do indivíduo.
115

Para a elaboração do currículo, visando à progressão, nessa


perspectiva, e para uma concepção global da progressão é necessário, de
acordo com os autores:

a) Fornecer uma visão global dos objetos e objetivos de ensinos a serem


perseguidos, de modo a abordá-los em suas complexidades, ou seja, nas
significações partilhadas sobre eles em determinada sociedade, mas também
decompô-los para o ensino de modo a levar a aprendizagem das partes que os
compõem;

b) Propor expectativas para o ensino não de acordo com a singularidade de


cada aprendiz, mas em conformidade com as expectativas mínimas da
sociedade. A progressão, nesse ponto, leva em consideração a
heterogeneidade dos alunos em uma situação de aprendizagem;

c) Antecipar os obstáculos que o professor pode encontrar ao longo dos ciclos,


para isso deve fornecer ao profissional orientações de trabalho como
referenciais e hipóteses que podem ser adaptados;

d) Elaborar atividades e situações de aprendizagem em que haja a valorização


da construção conjunta e colaborativa, entre os participantes, do conhecimento;

e) Fornecer instrumentos e estratégias de intervenção para que o professor


possa transformar as capacidades iniciais dos alunos (sejam elas adquiridas
em situações espontâneas ou institucionais).

No entanto, tais “requisitos” para a construção de uma progressão


curricular global, fornecem uma visão geral dos conteúdos que se supõem que
sejam problemas para os aprendizes, já que se espera que eles ultrapassem
os limites já alcançados por eles mesmos. É necessário, portanto, que se
proponha formas ideais externas com as quais os alunos devem se confrontar
e, também, a operacionalização do ensino para que haja o desenvolvimento
dos conhecimentos aprendidos espontaneamente (ou em séries e ciclos
anteriores) para os conhecimentos mais aprofundados da expressão oral e
escrita.
116

Tal operacionalização, no ensino de gêneros textuais, é possível quando


levamos em conta determinadas capacidades requeridas do aluno para a
produção de um gênero. Ou seja, para organizarmos atividades de ensino que
regem o aprendizado dos gêneros textuais, é necessária uma análise das
bases que modelam tais instrumentos. Dolz e Schneuwly (2010), para essa
afirmação, discorrem do construto teórico denominado como o estudo das
capacidades de linguagem. Essas são definidas pelos teóricos como
mecanismos requeridos do aprendiz para a produção de um gênero numa
determinada situação de interação. Portanto, trabalhar com os gêneros
textuais, demanda a aprendizagem de capacidades de linguagem, pois, ao
trabalhar com textos, os alunos necessitam compreender ou desenvolvê-las
para poder interagir e agir com o texto. Desse modo, o aluno estará apto a
mobilizar essas capacidades em toda e qualquer produção escrita ou oral,
sendo elas de três tipos: de ação, discursiva e linguístico-discursiva.

Na capacidade de ação, o indivíduo adapta sua produção de linguagem


ao contexto de produção, ou seja, a sua produção ao ambiente físico em que
se encontra, ao estatuto social dos participantes e ao lugar social onde se
passa a interação. Dessa forma, as representações da situação de
comunicação têm relação direta com o gênero, já que o gênero deve estar
adaptado a um destinatário, conteúdo e objetivo específicos.
Para tal capacidade, podemos fazer um comparativo com o que
Bronckart (1999) teorizou como situações de ação de linguagem ou nível da
ação da linguagem.
Nas capacidades discursivas, o agente escolhe a infraestrutura geral de
um texto, ou seja, os tipos de discurso, sequências textuais, planificações, bem
como a escolha e elaboração de conteúdos e os mecanismos textuais.
Aprimora-se, portanto, a capacidade de organização do texto produzido.
Na capacidade linguístico-discursiva, o agente realiza operações que
implicam na produção textual, sendo estas operações de quatro tipos: as
operações de textualização, que regem a conexão, e a coesão nominal e
verbal; os mecanismos enunciativos de gerenciamento de vozes e modalização
e também a escolha de itens lexicais conforme o gênero textual produzido.
117

Dolz e Schneuwly (2010) afirmam que para tal capacidade é necessário


dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas.
Para os autores, a descrição de tais capacidades torna-se necessária
para constituir uma referência que ajuda na compreensão das transformações
que são observadas ao longo da aprendizagem do aluno em suas produções
textuais; existindo, portanto, por parte das capacidades de linguagem, o caráter
de contribuição quanto à fixação dos contornos de intervenção dos
professores.
A observação das capacidades de linguagem, para a realização de uma
sequência didática, dedica-se a colocar limites em um possível espaço de
trabalho adotado nestas intervenções. Assim, ficam explícitos, através do
comportamento do aluno, quais os produtos de aprendizagem social anteriores,
os quais auxiliarão para as novas aprendizagens sociais.
Tais capacidades relacionam-se diretamente com os níveis de análise
textual, proposto por muitos estudos. Seguindo o pressuposto de tais teóricos,
Abreu-Tardelli (2007) propôs, ao tratar do texto e de diversos gêneros, que se
deve levar em conta a percepção dos três níveis de análise textual:
a) contexto de produção, que se relaciona ao espaço físico e social, um
momento, um enunciador, um destinatário e o objetivo da interação.
b) organização textual esperada para este texto, que busca levar o aluno
a identificar e utilizar nos textos marcadores de pessoa (eu, tu), de tempo
(ontem, hoje) ou de espaço (aqui, à direita). E, também, identificar os diferentes
tipos de sequências (narrativa; descritiva; descritiva de ações ou injuntiva;
explicativa; argumentativa; dialogal).
c) aspectos linguísticos discursivos devem-se chamar a atenção para
itens como a coesão textual, a coerência textual, as vozes, as modalizações,
que podem ser mais facilmente compreendidos através de noções como
gramática, vocabulário, pronúncia, etc.
Será, portanto, com base nos princípios de progressão curricular, aqui
apresentados; na necessidade do desenvolvimento de capacidades de
linguagem, e em outros elementos como os conhecimentos já desenvolvidos
cientificamente sobre o gênero que se pretende ensinar, que o modelo didático
118

deve ser construído, ou seja, o objeto descritivo que operacionaliza o fenômeno


complexo da aprendizagem dos gêneros textuais.

5.2.3 A construção de modelo didático


Antes de iniciarmos a apresentação dos “passos” para a construção de
um modelo didático, alguns esclarecimentos são necessários. A constatação
desses foi possível partindo dos princípios teórico-metodológicos que os
sustentam e, também, de experiências de intervenção com o modelo didático
na formação de professores, análise de materiais didáticos e elaboração de
materiais didáticos.

A proposta desse tipo de ensino de gêneros textuais está alicerçada


teoricamente pelos pressupostos do ISD, mais precisamente na proposta de
Bronckart (1997), no que diz respeito aos níveis de análise textual e discursiva.
No entanto, Machado (2009) nos esclarece que, assim como propõe esse
quadro teórico-metodológico, tais níveis não podem ser enquadrados nos
limites de uma análise textual estrutural. Ou seja, eles devem ser vistos de um
ponto de vista dialógico, em correspondência direta com o agir do produtor, das
restrições relacionadas à interação em que emergiram. Além disso, a autora
ainda discorre que no decorrer da análise, outros elementos importantes para a
construção do gênero podem surgir e essas devem, certamente, ser
consideradas. E, finalmente, que apesar desses níveis estarem em uma
perspectiva do ISD, outras teorias da linguagem compatíveis podem ser
incorporadas à análise.

A construção de um modelo didático de um gênero textual pode ser


descrita, portanto, em duas grandes etapas. A primeira diz respeito ao
processo de seleção do gênero textual a ser ensinado em conformidade com
os objetivos de ensino, com a necessidade dos alunos e com os tipos de
estudos já desenvolvidos sobre ele. A segunda refere-se ao processo de
análise do gênero selecionado para apreensão das dimensões ensináveis.

Na primeira etapa, primeiramente, temos a escolha de determinado gênero


textual de acordo com os objetivos de ensino e aprendizagem, ou seja, o que
119

se pretende ensinar com esse gênero e quais capacidades de linguagem


pretende-se desenvolver com esse ensino. Depois de escolhido o gênero a ser
trabalhado, faz-se o levantamento dos estudos sobre os mesmos,
desenvolvidos por especialistas sobre ele. Em seguida, levantam-se as teorias
da linguagem que fundamentam tais pesquisas e, finalizando a etapa, é
escolhida a teoria de aprendizagem assumida pelos pesquisadores.

Na segunda etapa, faz-se a análise de um conjunto de textos que se


considera como pertencente a um gênero como base: a) nas características
das situações de produção; b) nos conteúdos típicos do gênero; c) nas
diferentes formas de mobilizar esses conteúdos; d) na construção
composicional características do gênero, ou seja, o plano mais global do
gênero; e) no estilo particular, ou seja, as configurações específicas das
unidades de linguagem que constitui os traços de posição enunciativa do
enunciador; f) nas sequências textuais e tipos discursivos predominantes; g)
nas características dos mecanismos de coesão e conexão; h) nas
características dos períodos; e i) nas características lexicais.

Com essa análise textual e discursiva será possível visualizar quais as


dimensões ensináveis de acordo com as capacidades já desenvolvidas pelo
aluno e aquelas que se pretende que ele desenvolva. A partir dessa seleção
das dimensões ensináveis do gênero textual é que serão propostas as
sequências didáticas.

Para ilustração do processo de construção de um Modelo Didático, de


acordo com o que elencamos acima, Machado (2009) nos propõe o seguinte
esquema:
120

Esquema 7: Modelo Didático dos Gêneros Textuais


Ciências - Teoria de Desenvolvimento - Teoria(s) sobre o gênero Observação e Análise das Depoimentos de
do assumida; proposto já desenvolvida (s) práticas sociais com o experts no gênero
Discurso - Didática de Língua gênero e de textos
assumida socialmente reconhecidos
como pertencentes ao
gênero proposto.

MODELO DIDÁTICO DO GÊNERO

Levantamento inicial das capacidades dos alunos já


desenvolvidas sobre o gênero proposto

SD 1 SD 2 SD3 SD4 SD5 SDN…

Os quadros dispostos acima referem às etapas de seleção do gênero a


ser ensinado e a análise de exemplares dos textos considerados como
pertencentes ao gênero selecionado, ou seja, a todo o processo que dá origem
ao modelo didático de ensino de gêneros textuais. Consideramos tais etapas
como o processo de transposição didática externa, ou seja, das transformações
de um conhecimento científico para o conhecimento a ser ensinado.

Já a parte inferior do esquema diz respeito a um nível da transposição


didática interna. Ou seja, o conhecimento a ser ensinado construído em um
modelo didático, será efetivamente ensinado através de diferentes sequências
didáticas (SD) elaboradas de acordo com as capacidades já desenvolvidas
pelos alunos e aquelas que se pretende desenvolver, sendo isso possível na
relação de interação entre aluno e professor.

E, enfim, as setas que se encontram ao lado, indicando dois sentidos,


sugerem que o Modelo Didático, uma vez construído, não se torna fixo e
121

enrijecido, mas maleável e ajustável às situações de ensino em que precisam


ser utilizados. É um movimento contínuo e ininterrupto em que a prática faz
com que as escolhas do professor/elaborador sejam constantemente revistas
e, muitas vezes, reformuladas.

Enfim, assim concluem os pesquisadores que defendem uma


transposição didática dos gêneros textuais adequada, ou seja, uma forma
viável e pertinente de tornar um saber científico em objeto de ensino, pela
construção do Modelo Didático

“... afirmamos que, para a construção de um modelo didático


do gênero, deve-se conhecer o estado da arte dos estudos
sobre os gêneros; as capacidades e as dificuldades dos alunos
ao trabalharem com textos pertencentes aos gêneros
selecionados, as experiências de ensino-aprendizagem desse
gênero, assim como as prescrições presentes nos documentos
oficiais sobre o trabalho docente.” (MACHADO, 2009: 138)

5.3 Sequências Didáticas

Na seção anterior, vimos que para uma transposição adequada dos


gêneros textuais, instrumentos existentes nas práticas sociais e de linguagem,
é necessária a construção de modelos didáticos. Agora discorreremos sobre o
ponto mais específico da transposição didática para o ensino de produção de
textos orais e escritos: a Sequência Didática. Para isso, primeiramente,
definiremos o que é Sequência Didática com base na proposta dos
elaboradores desse conceito, em uma perspectiva ISD. Em seguida,
explicitaremos sua estrutura de base e a explicação de cada parte dessa
estrutura.

A noção de Sequências Didáticas de Gêneros Textuais (SD) que


utilizamos é a proposta por Schneuwly (1991) e por Dolz e Schneuwly (1999).
De acordo com esses autores, as SD servem para dar acesso aos alunos às
práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis, já que o trabalho
escolar está direcionado para o ensino de gêneros que o aluno não domina ou
o faz de maneira inadequada. A SD tem por finalidade, portanto, ajudar o aluno
a dominar melhor um gênero de texto, permitindo a ele escrever ou falar
122

adequadamente numa dada situação de comunicação. (DOLZ, NOVERRAZ &


SCHNEUWLY, 2010: 83)

A estrutura de base da SD é representada pelo seguinte esquema:

Esquema 8: Sequência Didática

Apresentação PRODUÇÃO Módulo Módulo Módulo PRODUÇÃO


da Situação INICIAL 1 2 3 FINAL

(DOLZ, NOVERRAZ & SCHNEWLY, 2004; P.98)

A Apresentação da Situação é o momento em que deve ser descrita


para os alunos, de maneira detalhada, a tarefa de expressão oral ou escrita
que eles deverão realizar, sendo essa inserida em um projeto de comunicação
que se realizará na produção final. Esse momento é, portanto, aquele em que
os alunos e professor criarão representações da situação de comunicação e da
atividade de linguagem a ser executada. De acordo com Dolz, Noverraz &
Schneuwly (2010), é um momento crucial e, também, difícil, no qual serão
trabalhadas duas principais dimensões: apresentação de um problema de
comunicação bem definido e preparação dos conteúdos dos textos que serão
produzidos.

Os autores afirmam que, para a primeira dimensão, o projeto de


comunicação deve ser apresentado aos alunos de forma bastante explícita
para que possam compreender o melhor possível a situação de comunicação
na qual agirão. Para isso, deverá ser definido qual o gênero textual a ser
abordado e, se possível, apresentação de um exemplar desse gênero para que
possam construir representações prévias. Deve deixar claros os destinatários
possíveis do texto; a forma que assumirá a produção e quem participará da
produção. Com base nos pressupostos de Bronckart (2007), vemos a
necessidade em levantar também, além dessas características contextuais,
todas as características dos contextos físico e sócio subjetivo.
123

A segunda dimensão é a do conteúdo e, para isso, propõe-se que os


alunos percebam, imediatamente, a importância desses conteúdos e saibam
como e com quais vão trabalhar. O professor, nesse caso, deve dispor de uma
série de fontes, mesmo que de outras disciplinas, com informações do
conteúdo visado e disponibilizá-los aos alunos ou propor-lhes que pesquisem.
Os alunos precisam saber que dentro de um tema podem emergir outros sub-
temas, contra-argumentos, argumentos favoráveis, abordagens e posições
parecidas com a deles ou favoráveis às deles, por exemplo.

A apresentação da situação, fase inicial da SD, deve permitir, portanto, a


compreensão da situação de comunicação que a produção oral ou escrita do
aluno está inserida e, também, propor um projeto muito claro para que as
atividades de aprendizagem possam ser verdadeiramente significativas e
pertinentes. (Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2010: 85)

Após estarem bem claros os elementos que constituem a situação de


comunicação e apresentado detalhadamente o projeto de comunicação, pede-
se que o aluno realize a Primeira Produção do gênero trabalhado. Essa
produção revelará tanto para o professor quanto para o aluno as
representações que tem da atividade, as capacidades já desenvolvidas, suas
potencialidades e, assim, fornecer o ponto preciso em que o professor deve
intervir para propor instrumentos necessários para o desenvolvimento de uma
escrita ou oralidade do aluno.

A primeira produção não será, necessariamente, uma produção


completa, espera-se que a produção final seja. Ela tem um papel central como
reguladora da SD, tanto para o aluno quanto para o professor, pois será por
meio dela que os objetivos da SD serão delineados e, também, que será
instaurado o primeiro lugar de aprendizagem da sequência, pois, ao fazer,
toma-se a consciência do que está em jogo e das dificuldades relativas ao
objeto de aprendizagem.

Os módulos, por sua vez, são constituídos por várias atividades e


exercícios que são elaborados de acordo: com as capacidades que os alunos
precisam aprimorar, com o percebido na primeira produção e, também, com a
124

abordagem detalhada dos diversos elementos característicos do gênero


trabalhado. Eles devem servir, portanto, aos alunos como instrumentos
necessários para o domínio do gênero e, também, devem ser trabalhados de
maneira sistemática e aprofundada. A opção por partir de uma produção inicial,
para o tratamento por módulos e depois para uma produção final, revela o
movimento geral da SD que vai do complexo para o simples levando,
novamente, ao complexo.

Para a produção de atividades e exercícios dos módulos, de acordo com


os estudiosos, é necessário reconhecermos que é um trabalho de
decomposição que o todo sofre e é nesse processo que se tornam claras para
o aluno as partes que o compõem e aquelas que eles ainda não dominam.
Para esse trabalho pela decomposição, ou seja, pelos módulos, deve-se levar
em conta: as dificuldades com a expressão oral e escrita; como construir os
módulos e como capitalizar o que é adquirido nos módulos. Será sobre esses
aspectos do trabalho pelos módulos que discorreremos a seguir, de acordo
com o que propõem Dolz, Naverraz e Schneuwly (2010).

Devemos levar em conta que a produção escrita e oral não é um


processo simples, mas complexo com vários níveis que, de acordo com os
estudiosos que nos baseamos para discorrer nessa seção, funcionam
simultaneamente na mente de um indivíduo. Tais níveis, em uma perspectiva
da psicologia da linguagem, são quatro: 1) Representação da situação de
comunicação, ou seja, o aluno, para produção de um gênero textual, deve ter a
imagem exata do destinatário do seu texto, da finalidade visada, da sua própria
posição como enunciador, como ser individual e do gênero visado; 2)
Elaboração dos conteúdos; 3) Planejamento do Texto, nível em que o aluno
deve reconhecer a estrutura mais ou menos convencional do gênero; 4)
Realização do Texto, nível em que o aluno seleciona o vocabulário, os tempos
verbais, os organizadores textuais, etc mais adequados à situação de
produção.

Quanto à construção, ou seja, em que e como nortear o trabalho, Dolz,


Noverraz & Schneuwly (2010) colocam a necessidade em trabalhar com uma
125

variedade de atividades e exercícios, pois ela fornece aos alunos maiores


possibilidades de acesso, por diferentes vias, aos instrumentos e às noções
para poder, assim, alcançar o sucesso. Os autores classificam três grandes
categorias de atividades e exercícios que podem ser seguidos: 1) As atividades
de observação e de análise de textos; 2) As tarefas simplificadas de produção
de texto, ou seja, o aluno se ater em um aspecto da elaboração do texto; e 3) A
elaboração de uma linguagem comum.

E, enfim, para capitalizar o que é adquirido nos módulos, os


conhecimentos efetivamente aprendidos e ensinados, é proposto que durante
as atividades seja feita uma lista que resuma tudo o que foi aprendido nos
módulos. Essa lista pode ser construída ao longo do trabalho ou em um
momento de síntese que levará à produção final, pelos alunos ou por uma
proposta do professor. Há, portanto, a necessidade em se capitalizar os
conhecimentos adquiridos na SD, como se fosse uma lista de constatação, ou
lembrete, ou glossário, para ser um regulador das aprendizagens para os
alunos e para a avaliação contínua do professor.

Assim como as propostas acima, outras podem ser construídas ou


retomadas pelo professor com base em situações de ensino-aprendizagem
anteriores, que levem o aluno à apropriação do gênero. Isso demonstra que um
ensino sequencial e sistemático como a SD, não é engessado e rígido, mas
moldado pelas necessidades locais, individuais e grupais.

Enfim, chegamos à Produção Final. Nesse momento, o aluno retoma


sua produção inicial, pondo em prática os conhecimentos adquiridos com as
atividades e exercícios propostos pelo professor. Ao produzir, o aluno tem a
chance de se conscientizar dos conhecimentos aprendidos separadamente nos
módulos e ver como eles se relacionam dentro de seu texto, tornando explícito
a ele os objetivos que foram perseguidos, efetivamente alcançados e a serem
melhorados. Ou seja, a produção final, para o aluno, servirá como um
regulador e controlador do seu próprio comportamento de produtor de textos
em sua releitura e reescrita e, também, como avaliador de seus progressos
realizados em seu trabalho.
126

Para o professor, a produção final do aluno permite fazer uma avaliação


do tipo somativa. A lista de constatações de aprendizagens nos módulos,
proposta por ele ou pelos alunos, torna o processo de avaliação não dedutivo,
mas condizente com os reais progressos do aluno. Para o aluno também é um
modo de perceber seu progresso e a coerência do todo do processo em que
participou, ficando claros os critérios utilizados pelo professor. No entanto, por
mais que a avaliação somativa seja de caráter objetivo para professor e aluno,
ou seja, estabeleça critérios claros e significativos para ambos, ela tem ainda
sua parte de subjetividade. Pois nem todo o aprendizado do aluno é exposto no
texto, mas pode ser observado em seu comportamento na sala, em seu
engajamento no projeto e no que pode ser inferível no texto oral ou escrito do
aluno. Sendo assim, os Dolz, Noverraz e Schneuwly (2010) defendem que
deve assumir o caráter aproximativo e inerente a qualquer aplicação de escalas
ou de grades.

Podemos concluir, portanto, que a Sequência Didática é um postulado


de que comunicar-se oralmente ou por escrito pode e deve ser ensinado
sistematicamente. Sistematicamente no sentido de que o ensino de gêneros
textuais deve estar vinculado a um projeto comunicativo intencional, um projeto
de apropriação de determinada prática de linguagem, que forneça ao aluno
instrumentos que facilitem a apropriação. Assim como defende seus
elaboradores, a SD busca confrontar o aprendiz com as práticas de linguagem
sócio-historicamente construídas, para que eles possam ser capazes de
reconstruí-las e delas se apropriar, e isso sendo possível somente por envolver
no processo de ensino-aprendizado: as especificidades das práticas de
linguagens; as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de
ensino propostas pela SD.

5.4 Os trabalhos desenvolvidos nessa perspectiva

A primeira pesquisa a utilizar os pressupostos ISD no Brasil foi a tese de


doutorado de Machado (1995). O objetivo dessa pesquisa não foi propor o
modelo didático de um determinado gênero ou uma sequência didática, mas ao
fazer o levantamento das características do gênero “diário de leituras”, abriu
127

um caminho para que outras pesquisas mais direcionadas a proposta de


modelos didáticos fossem desenvolvidas. Outro fato que incentivou que outras
pesquisas nessa vertente surgissem, foi a publicação dos PCN de Língua
Portuguesa que tomou como objeto de ensino os Gêneros textuais.

A partir daí, as pesquisas sobre o ensino-aprendizado de gêneros se


multiplicaram, em especial as que utilizavam os pressupostos ISD. De acordo
com Machado & Cristóvão (2009), essas podem ser agrupadas em três
grandes tipos:

1) Aquelas que mostraram a necessidade da construção de modelos


didáticos de gêneros:

a) Para a construção de SD para o ensino de produção textual na


disciplina de Língua Portuguesa (dentre outros, Machado, Lousada;
Abreu Tardelli 2004a; 2004b; 2005a, 2007) e de SD para leitura de
Língua Estrangeira (Cristóvão 2005b; Cristóvão et al. 2009)

b) Para avaliação de SD para o ensino de produção textual em Língua


Portuguesa (Machado, 2001) e para o ensino de leitura em Língua
Estrangeira (Cristóvão 2002ª; Freitas 2003); (Bueno, 2002)

c) Para a avaliação de experiências didáticas e do desenvolvimento de


capacidades de linguagem durante o processo de letramento inicial
(Souza 2003)

d) Para a análise das capacidades de linguagens já desenvolvidas


pelos alunos na produção textual (Machado 2003)

e) Para formação inicial e continuada dos professores (dentre outros,


Machado; Magalhães 2002; Cristóvão 2002b e 2005a)

2) Pesquisas que buscaram elaborar modelos didáticos de um determinado


gênero e de sequências didáticas para o desenvolvimento das
capacidades de linguagem:
128

a) Pesquisas que desenvolveram uma descrição global do gênero


estudado (dentre outros, Coelho 2003; Cristóvão 2002c; Pompilho
2002);

b) Pesquisas que analisaram aspectos mais típicos de determinados


gêneros como realizou Muniz-Oliveira 2005;

c) Pesquisas que analisaram diferentes tipos de textos utilizados nas


escolas, em diferentes disciplinas;

3) E, como último tipo de estudos, aqueles que tiveram como objetivo a


explicitação do quadro teórico ISD, que guiam as construções de
modelos didáticos para o ensino de línguas, como os de Machado
(2005) e Silva (2009)

Dentre esses estudos, nossa pesquisa se aproxima mais aos primeiros,


pois tem como objetivo avaliar uma determinada proposta didática. No entanto,
ela não se deterá apenas a um determinado material didático, mas analisará
como os conhecimentos são textualizados desde as orientações contidas nos
documentos oficiais que prescrevem a educação até a realização delas nas
atividades didáticas dos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino
Médio, ou seja, buscará compreender as transformações de determinado
objeto do conhecimento até se tornar ensinável. A seguir, no capítulo destinado
aos procedimentos metodológicos, apresentaremos como que a avaliação foi
realizada para alcançarmos os resultados de análise.
129

VI – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Apresentaremos neste capítulo os procedimentos metodológicos


utilizados para coleta, seleção e análise dos dados utilizados com a finalidade
de atender ao objetivo proposto nesta pesquisa: avaliar a proposta de
transposição didática dos gêneros textuais para o Ensino Médio, realizada pela
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP), a partir do ano de
2008.

Iniciaremos com a exposição do processo de escolha e seleção dos


dados de análise. Em seguida, partiremos para a explicação dos passos e
critérios utilizados para a análise do contexto sócio-histórico mais amplo e do
contexto sócio-histórico particular, que envolvem e determinam as reformas
das políticas públicas brasileiras e as decisões dentro dos sistemas didáticos.
Depois, partiremos para a análise do documento Proposta Curricular do Estado
de São Paulo de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino
Médio a fim de identificarmos alguns conceitos e orientações importantes para
a compreensão da proposta de ensino de gêneros textuais: objetivo de ensino,
objeto de ensino, encaminhamento didático desejado, linguagem e
aprendizagem.

Levantadas tais informações, partiremos para a análise dos materiais


didáticos Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio, a fim de
avaliarmos as relações estabelecidas entre as orientações curriculares dadas
no documento da Nova Proposta Curricular e o ensino efetivamente proposto
pelas atividades didáticas chegando, dessa forma, às considerações sobre a
transposição didática realizada dos gêneros textuais. Para isso, primeiramente,
analisaremos o Plano Global de todos os doze Cadernos do Aluno, ou seja, a
forma como foram organizados, as atividades didáticas mais comuns e os
gêneros textuais trabalhados nas três séries. E, por último, para uma avaliação
mais aprofundada do tratamento didático dos gêneros textuais,
apresentaremos os passos e critérios utilizados para a análise das atividades
didáticas, a fim de apreendermos quais dimensões ensináveis foram
contempladas e ensinadas visando à progressão curricular.
130

6.1 Coleta e seleção dos dados: a escolha do material didático e do


intertexto

Para nossas análises, primeiramente, selecionamos os Cadernos do


Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio, que totalizam doze exemplares,
sendo que, para cada série desse nível de ensino, são destinados quatro
exemplares.
Essa escolha ocorreu devido à necessidade colocada por nós em
continuarmos avaliando os materiais didáticos do Ensino Médio já que, em
2008, ao analisarmos os Jornais do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino
Médio, material que os antecedeu, constatamos que não foram contempladas
as dimensões ensináveis necessárias para a apropriação dos gêneros textuais
trabalhados. Sendo assim consideramos essencial um acompanhamento
rigoroso das propostas que envolvem os materiais desenvolvidos
posteriormente.
No entanto, como o objetivo desta pesquisa é o de avaliar o processo de
transposição didática dos gêneros textuais nas novas propostas da SEESP, foi
necessário lançarmos mão de outros documentos que dialogam e determinam
a elaboração dos Cadernos do Aluno e, também, o objeto de ensino em si,
como, por exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM) e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua
Portuguesa para o Ensino Médio, relacionando-os sempre ao contexto sócio-
histórico mais amplo e particular.
Além de avaliarmos as novas propostas de ensino de gêneros textuais,
vimos que também era necessário aprofundar nossas análises para
verificarmos algumas questões mais específicas quanto ao tratamento didático
desse objeto de ensino, as quais são: como se deu a progressão curricular dos
conteúdos nas três séries do Ensino Médio? Os objetivos de ensino
determinados pelo texto base da Nova Proposta Curricular foram alcançados
com as atividades propostas? O trabalho com os gêneros textuais contemplou
as definições teóricas declaradas no texto da Nova Proposta Curricular sobre
esse conceito?
131

Dessa forma, selecionamos para essa análise as 26 atividades didáticas


que trabalham com o gênero poema, já que ele é trabalhado nos Cadernos do
Aluno das três séries, o que possibilitaria respondermos às questões de
aprofundamento.
O corpus dessa pesquisa é, portanto, constituído pelos seguintes textos:

Quadro 4: Corpus de Análise do Contexto de Produção

Para a análise dos contextos sócio-histórico mais amplo e particular

 Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM);


 Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM);
 Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa – Ensino
Fundamental – ciclo II e Ensino Médio.

Quadro 5: Corpus de Análise da Proposta Curricular dos Gêneros Textuais da


SEESP

Para a análise da Proposta Didática dos Gêneros Textuais da


Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP)

 Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua Portuguesa – Ensino


Fundamental – ciclo II e Ensino Médio;
 Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio (referentes aos: 1º,
2º, 3º e 4º bimestres das três séries do Ensino Médio).

6.2 Procedimentos de análise

6.2.1 Análise dos Contextos Sócio-Histórico mais amplo e particular

Dentro de uma perspectiva ISD, acreditamos que toda ação humana


deve ser interpretada em correspondência com seu contexto sócio-histórico de
emergência, pois é ele que determina e constitui as organizações sociais e as
decisões tomadas dentro delas. Sem dúvidas, isso também acontece com os
Sistemas Didáticos, que são influenciados, determinados e constituídos pelas
decisões tomadas fora de suas dependências.
Partindo, portanto, da necessidade de voltarmos para as questões
contextuais e da importância que os Sistemas Didáticos exercem no processo
132

de transposição dos conhecimentos até tornarem-se ensináveis, faremos a


análise dos contextos sócio-histórico mais amplo e particular que emergiu a
Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo e as ações realizadas pela
SEESP para sua implementação.
Para a análise do contexto sócio-histórico mais amplo, utilizamos os
estudos de Coraggio (2000), SALLES, F. & FIDÉLIS, S.(2006), SILVA, C.
(org).1996, VALLE (2009), e MACHADO & BRONCKART (2005), os quais
relacionam o panorama da educação brasileira com as influências históricas e
político-econômicas. Além de discutirmos as representações desses autores
sobre o contexto sócio-histórico, exemplificaremos algumas das influências
descritas por eles com os conteúdos abordados em dois documentos oficiais
do Ensino Médio: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM) e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM).
Já para a análise do contexto sócio-histórico particular do estado de São
Paulo, utilizamos os estudos de Castro (2009) e Barros, Tavares & Massei
(2009) que, segundo o que declaram, participaram das investidas da SEESP
para a elaboração da Nova Proposta Curricular. Além deles, utilizamos as
informações encontradas no site da SEESP
(http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/spfe2009/HOME/tabid/1208/Default.aspx)
para sabermos como e quando foram implantadas as medidas da reforma
curricular e, também, outros estudos que discutem os motivos que levaram a
ela.

6.2.2 Análise Enunciativo-Semântica da Proposta Curricular do Estado de


São Paulo de Língua Portuguesa

Feito o levantamento das representações sobre o contexto sócio-


histórico mais amplo e particular da Nova Proposta Curricular do Estado de
São Paulo, seguiremos com a análise do próprio texto norteador dessa ação
governamental: Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua
Portuguesa – Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino Médio.
A análise consistirá na apreensão e compreensão dos conceitos e
orientações para o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Mais
133

especificamente, sobre os conceitos de linguagem e aprendizagem, sobre o


que determinam como objetivo de ensino, objeto de ensino e o
encaminhamento didático almejado pela SEESP.
Esta etapa da análise vai ao encontro de duas considerações feitas
pelos teóricos genebrinos ISD, quanto à possibilidade de tornar visíveis os
movimentos transposicionais dos conhecimentos. O primeiro deles consiste na
afirmação de que é através dos textos e dos discursos que os conhecimentos
são moldados até tornarem-se ensináveis. O segundo é que, para a formulação
de um currículo, é necessário deixar claros quais os objetivos visados, o objeto
de ensino privilegiado e as concepções teórico-metodológicas utilizadas para o
encaminhamento didático em uma determinada disciplina (BRONCKART,
2004) (SCHNEUWLY, 2009) (DOLZ&SCHNEUWLY, 2010).
Partindo desses princípios norteadores, as análises foram realizadas
seguindo os seguintes passos e critérios:

I – Para a compreensão dos objetivos de ensino, do objeto de ensino e do


encaminhamento didático:

1º Feita a leitura integral do documento Proposta Curricular do Estado de São


Paulo de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino Médio;

2º Seleção das seguintes páginas:

 Páginas 8 - 20: correspondem aos capítulos Apresentação e Princípios


para um currículo comprometido com seu tempo. A seleção se deu, pois
são apresentados os motivos que levaram a elaboração da proposta
curricular e, também, os princípios didáticos utilizados e seguidos para
sua elaboração;

 Páginas 37 - 40: correspondentes ao capítulo A Área de Linguagens,


Códigos e suas Tecnologias, que explica a compreensão da importância
do ensino da linguagem nas disciplinas de Língua Portuguesa, Língua
Estrangeira Moderna, Artes e Educação Física;

 Páginas 41 - 44 que introduzem o capítulo Proposta Curricular de São


Paulo para a disciplina de Língua Portuguesa, onde encontramos os
objetivos e objeto de ensino privilegiados;

 Páginas 59 - 60 que discorrem sobre as orientações para o ensino desta


disciplina no Ensino Médio.
134

3º Seleção dos enunciados que continham modalizações deônticas, lógicas e


pragmáticas.

Para compreendermos o que se propunha para o ensino de gêneros


textuais, buscamos os enunciados que sugeriam, propunham e determinavam
o objetivo de ensino, o objeto de ensino e o encaminhamento didático para o
ensino dos gêneros textuais. Percebemos nesse processo que não havia uma
definição explícita do que e como isso deveria ser feito, mas através do uso de
determinadas expressões modalizadoras (deônticas, que davam a noção de
normas a serem seguidas; lógicas, que davam o tom de necessidade de
realizar algo, de algo recomendado; e pragmáticas, que sugeriam as ações
necessárias para alcançar os objetivos e privilegiar o objeto de ensino
prescrito), foi possível chegarmos a possíveis constatações.

II – Para a análise das concepções de linguagem e aprendizagem presentes


na proposta curricular:

1º Seguidos os três primeiros passos da análise anterior;

2º Identificação, em todas as páginas elencadas, dos enunciados que


continham as expressões “linguagem”, “linguagens” e “aprendizagem”;

3º Seleção dos enunciados cuja função sintática do sujeito era ocupada por tais
expressões, buscando compreender o que se enuncia sobre tais conceitos e,
assim, chegarmos às concepções de linguagem e aprendizagem defendidas
pelos elaboradores da proposta curricular da SEESP para o ensino de gêneros
textuais.

6.3 Análise do Plano Global dos Cadernos do Aluno

Após as análises do texto oficial da Proposta Curricular da SEESP,


partimos para a análise dos materiais didáticos. Inicialmente, foi analisado o
Plano Global de todos os Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino
Médio, com a finalidade de compreendermos a proposta em sua globalidade,
ou seja, o que de fato foi prescrito para esse nível de ensino.
Tal análise condiz com o nível organizacional dos textos. Através dela,
buscamos depreender como o material didático foi organizado, quais são suas
135

partes principais, como elas se relacionam, etc. Para nortear esta parte da
análise dos dados, nos baseamos nas seguintes perguntas:

1) Como os materiais estão organizados? Por temas, lições, etc


2) Quantas e quais unidades?
3) Como se organiza internamente?
4) Que tipos de atividades didáticas são desenvolvidas no tratamento dos
gêneros textuais?
5) Quais gêneros textuais são propostos para o Ensino Médio?
6) Quais as dimensões ensináveis trabalhadas neste nível de ensino?

6.4 Análise das dimensões ensináveis do gênero textual poema e a


proposta de Progressão Curricular nos Cadernos do Aluno

Com o intuito de aprofundarmos nossa compreensão sobre o tratamento


didático dos gêneros textuais nos Cadernos dos Alunos, a progressão
curricular realizada, a relação com os objetivos prescritos, ou seja, a coerência
com as orientações dadas inicialmente no texto da Proposta Curricular,
selecionamos o gênero textual mais trabalhados nas três séries do Ensino
Médio para fazermos a análise e classificação das atividades didáticas: o
poema.
Para isso, primeiramente, identificamos as sequências didáticas,
nomeadas como Situações de Aprendizagem, que desenvolveram o trabalho
com o poema nos materiais de todas as séries. São elas:
Quadro 6: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 1ª
série
1ª SÉRIE
CADERNO DO ALUNO - VOLUME I
Situação de Aprendizagem 1- Comunicação: palavras no mural
Situação de Aprendizagem 2 – Lusofonia – Sim, nós falamos português!
Situação de Aprendizagem 4 - A história da Língua Portuguesa
Situação de Aprendizagem 5 – A palavra me faz eu
CADERNO DO ALUNO - VOLUME II
Situação de Aprendizagem 1 – Exposição de fotojornalismo “O sabor da Língua Portuguesa”
Situação de Aprendizagem 3 – Quando as palavras resolvem fazer arte
Situação de Aprendizagem 4 – Um, dois, três... ação!
CADERNO DO ALUNO - VOLUME III
Situação de Aprendizagem 2: Literatura e o voo das palavras
Situação de Aprendizagem 3 – Instalação Poética
CADERNO DO ALUNO - VOLUME IV
Situação de Aprendizagem 1 – O estilo nosso de cada época
Situação de Aprendizagem 2 – O estilo que critica o mundo
Situação de Aprendizagem 3 – O Cordel com a corda toda
136

Quadro 7: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 2ª


série
2ª SÉRIE
CADERNO DO ALUNO - VOLUME I
Situação de Aprendizagem 3 – Para Gostar de Ler Literatura
Situação de Aprendizagem 4 – O Homem disse “Haja a palavra”
Situação de Aprendizagem 5 – A palavra e o tempo
CADERNO DO ALUNO - VOLUME II
Situação de Aprendizagem 1 – O passado se faz presente
Situação de Aprendizagem 2 – Tempus Fugit! Conte-me um conto fantástico
Situação de Aprendizagem 3 – O presente do passado hoje
Situação de Aprendizagem 4 – O presente faz poesia
CADERNO DO ALUNO - VOLUME III
Situação de Aprendizagem 1 – Diálogos no texto poético
Situação de Aprendizagem 3 – O que será que será
CADERNO DO ALUNO - VOLUME IV
Situação de Aprendizagem 4 – A linguagem construindo-nos

Quadro 8: Situações de Aprendizagem do gênero poema no Caderno do Aluno da 3ª


série
3ª SÉRIE
CADERNO DO ALUNO - VOLUME I
Situação de Aprendizagem 3 – A linguagem da modernidade
CADERNO DO ALUNO - VOLUME II
Situação de Aprendizagem 2 – Elaborando um projeto de dissertação
CADERNO DO ALUNO - VOLUME III
Situação Aprendizagem 2 – Ouvir estrelas ... será?
CADERNO DO ALUNO - VOLUME IV
Situação de Aprendizagem 1 – Planejando a felicidade

Em seguida, identificamos quais as dimensões ensináveis trabalhadas


do poema, ou seja, as dimensões pelas quais nos pautamos para nos
comunicarmos e agirmos com e através da linguagem nas diferentes atividades
sociais. Essas correspondem aos conhecimentos mobilizados por nós quando
produzimos, lemos ou ouvimos determinado gênero textual. Tais
conhecimentos são compatíveis com o que trouxemos quanto ao procedimento
de análise textual ISD (BRONCKART, 2007), reformulado pelo grupo
ALTER/CNPq. A saber:

1) Os conhecimentos e representações do contexto de produção:


- Representações do Contexto Sócio-Histórico mais amplo;
- Representações do Intertexto;
- Representações sobre o contexto sociosubjetivo: o lugar social em que
o texto iria circular, a posição social do emissor (es) (enunciador(es)) e
do(s) receptor(es) (coenunciador (es));
137

- As representações do (s) objetivo (s) do (s) enunciador (es) ou efeito


pretendido sobre o(s) coenunciador(es);

2) Infra-Estrutura organizacional;

3) Os conhecimentos mobilizados referentes aos mecanismos de


textualização;

4) Os conhecimentos mobilizados referentes aos mecanismos


enunciativos.

Para melhor definirmos tais critérios de avaliação e, assim, podermos


classificar os tipos de atividades elaboradoras, as reagrupamos de acordo com
as três capacidades de linguagem:

1) As atividades didáticas que visam desenvolver a capacidade de


ação oferecem meios para o aluno reconhecer um determinado gênero textual
através da identificação do contexto de produção em que o texto foi produzido,
ou seja, quem produziu, para quem, com que objetivo, onde o texto foi
produzido, quando e do que trata.
2) Já aquelas que visam o desenvolvimento da capacidade discursiva
abordam questões referentes ao modo de organização geral do texto, ou seja,
de que forma o conteúdo daquele texto está organizado.
3) E, por fim, aquelas que buscam desenvolver a capacidade
linguístico-discursiva referem-se à escolha dos itens lexicais, os mecanismos
de textualização (elementos de conexão e segmentação, de conexão verbal e
nominal) e os mecanismos enunciativos (distribuição de vozes e expressões de
modalizações).
Explicados os procedimentos metodológicos, a seguir, apresentaremos
os resultados de análise que pudemos obter com eles.
138

VII – RESULTADOS DA ANÁLISE DOS DADOS

7.1 Análise do Contexto de Produção

Apresentaremos nesta seção a análise das representações construídas


sobre o contexto de produção que determinou a elaboração da Nova Proposta
Curricular do Estado de São Paulo e, consequentemente, dos Cadernos do
Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Para isso, primeiramente,
traremos as discussões sobre o contexto sócio histórico mais amplo nacional
que foi determinante para a elaboração das novas Políticas Públicas
Educacionais Brasileiras, as quais elegeram os materiais didáticos como as
principais ferramentas de um ensino-aprendizado de qualidade. Em seguida, o
contexto educacional do estado de São Paulo, a partir do ano de 2007, que foi
decisivo para a elaboração de uma Proposta Curricular comum a todas as
escolas públicas estaduais. Concomitantemente a essas duas análises – de um
contexto sócio histórico mais amplo e um contexto sócio histórico mais restrito
ao caso de São Paulo – será apresentado o intertexto, ou seja, os textos que
circulam nesse espaço-tempo os quais consolidaram e difundiram os ideais
político-econômicos-educacionais.

7.1.1 O contexto sócio-histórico mais amplo

Partindo de um contexto sócio-histórico mais amplo, do início da década de


1990, temos um cenário educacional marcado por importantes mudanças nas
políticas públicas e nas intervenções governamentais para a elaboração das
propostas de ensino. Esse fenômeno deve ser compreendido não apenas pelo
viés da educação e das necessidades da sociedade civil, mas das relações
estreitas e determinantes com os objetivos econômicos e políticos.

Temos nesse momento, como pano de fundo, o processo de globalização


da economia e da política pela ideologia do neoliberalismo. A dinâmica aí
envolvida consiste na competição econômica entre os agentes produtores, o
que força suas empresas a melhorarem suas margens de eficácia e,
consequentemente, obriga suas estruturas técnicas de produção a se
transformarem constantemente. Para que essa máquina neoliberal, se assim
139

podemos dizer, funcionasse, colocou a necessidade de um contínuo processo


de desenvolvimento das forças produtivas e é exatamente nesse ponto que o
Estado com suas políticas, especialmente as formuladas para a educação,
entra. Para que o país recebesse esse desenvolvimento econômico, foi
necessário que ele fornecesse um terreno favorável para acolhê-lo e, também,
elaborasse e aprovasse políticas públicas e leis flexíveis e permissivas para as
atuações desenvolvimentistas.

O Brasil, assim como todos os outros países em desenvolvimento, nesse


momento, ao acolher os investidores neoliberais em seu território necessitou de
recursos financeiros para “preparar o terreno” da acolhida. No entanto, como
não dispunha deles, assinou um acordo com as agências financiadoras
internacionais (em especial o Banco Mundial – BM) que viabilizaram recursos
da cooperação internacional para o campo da educação. Esse acordo, por sua
vez, impôs medidas para a efetivação do empréstimo, dentre elas a estipulação
dos objetivos da educação e das temáticas a serem privilegiadas no ensino das
diferentes disciplinas. Tais medidas foram materializadas nos conhecidos
PCNs, DCNs, LDB, Livros Didáticos, etc, que regem nossa educação desde
então.

Junto à assistência financeira disponibilizada pelo BM, a educação, assim


como outros setores sociais, recebeu assistência de técnicos dessa instituição.
Tal serviço disponibilizado pelo BM consiste em uma “rede gerencial” dentro
dos setores administrativos dos países verificando de perto a execução dos
projetos.

A intervenção do BM na educação impactou desde o nível salarial dos


professores até o como e com o que ensinar. Na compreensão dessa agência,
o aumento salarial desses profissionais, bem como a diminuição do número de
alunos por professor, não traduzem na melhoria da qualidade do ensino. De
acordo com Silva (1996), os documentos que determinam as ações do BM
argumentam que, segundo as pesquisas desenvolvidas pelos técnicos, a
qualidade das instalações escolares ou do material didático tem um
impacto cerca de dez vezes maior na qualidade do ensino. Sendo assim,
140

desde que as escolas tenham uma boa infraestrutura e materiais didáticos


como ferramentas do aprendizado, uma média satisfatória de ter em sala de
aula de 40 a 50 alunos, consequentemente, a qualidade do ensino estará
garantida.

Ao contrário do que pressupomos, a educação não é encarada pelo BM


como um direito ao acesso a troca de conhecimentos, culturas e valores, mas
como prestação (pública ou privada) de um serviço. Com esse ponto de vista, a
educação deve ser avaliada com base no desempenho dos professores em
fornecer o mais eficiente serviço aos seus “clientes”, que são os pais. São
esses clientes que deverão avaliar a escola pela utilidade mercadológica do
produto que o aluno demonstra ter adquirido.
Diante desses determinantes contextuais, as políticas públicas reelaboradas
e revistas no início da década de 1990, que nos regem até os dias de hoje,
podem ser compreendidas, segundo Coraggio (2000), como instrumentos das
políticas econômicas. Seria, portanto, a introdução dos valores e critérios do
mercado nas funções públicas. O papel primeiro de uma agência financiadora –
disponibilizar meios financeiros – tomou o lugar que era então do Estado, ou
seja, mediador das políticas públicas sociais estabelecidas entre a economia e
a sociedade. Esse papel instrumental da educação para os interesses
econômicos pode ser visto, explicitamente, nos textos prescritivos da
educação. Vejamos alguns exemplos.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), que têm
como objetivo indicar uma direção possível para a educação nacional, uma
linha reguladora, que deve ser revista pela sociedade de tempos em tempos,
encontramos o seguinte enunciado:

“O momento que vive a educação brasileira nunca foi tão


propício para pensar a situação de nossa juventude numa
perspectiva mais ampla do que a de um destino dual. A nação
anseia por superar privilégios, entre eles os educacionais, a
economia demanda recursos humanos mais qualificados. Esta
é uma oportunidade histórica para mobilizar recursos,
inventividade e compromisso na criação de formas de
organização institucional, curricular e pedagógica que superem
o status de privilégio que o ensino médio ainda tem no Brasil...”
(pag. 9 – 10)
141

O grande motivo de se repensar a institucionalização do Ensino Médio é,


de acordo com o exposto, a demanda econômica por recursos humanos mais
qualificados, ou seja, está explícito o caráter instrumental da educação.
Outra abordagem sobre o ensino voltado para a preparação para o
mercado, que consta na DCNEM é:
“A concepção da preparação para o trabalho, que fundamenta
o artigo 35, aponta para a superação da dualidade do ensino
médio: essa preparação será básica, ou seja, aquela que
deve ser base para a formação de todos e para todos os
tipos de trabalho. Por ser básica, terá como referência as
mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a
importância da capacidade de continuar aprendendo; não se
destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho
ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação
para o exercício de profissões específicas ou para a ocupação
de postos de trabalho determinados.” (pag. 11)

Nesse momento, com a finalidade de expor o caráter legal das


prescrições contidas nas DCNEM, é retomado o artigo 35 da LDB nº 9.394/96
que coloca como papel do Ensino Médio a preparação básica para todos os
tipos de trabalho, devendo ser essa formação flexível às demandas do
mercado.
Assim como explicitado nas DCNEM, os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) também colocam como norte das
propostas curriculares a compreensão da educação como instrumento para o
desenvolvimento econômico do Brasil:

“Considerando-se tal contexto, buscou-se construir novas


alternativas de organização curricular para o Ensino Médio
comprometidas, de um lado, com o novo significado do
trabalho no contexto da globalização e, de outro, com o sujeito
ativo, a pessoa humana que se apropriará desses
conhecimentos para se aprimorar, como tal, no mundo do
trabalho e na prática social. Há, portanto, necessidade de se
romper com modelos tradicionais, para que se alcancem os
objetivos propostos para o Ensino Médio.” (pag. 13)

Vemos, dessa forma, já que o objetivo maior do Ensino Médio é a


preparação da mão de obra qualificada, que a organização curricular não
poderia ser diferente, ou seja, deve privilegiar as temáticas referentes às
142

mudanças no cenário econômico. Para que isso seja alcançado, é necessário,


portanto, que as antigas práticas pedagógicas, que não estão em conformidade
com as novas aspirações neoliberais e globalizadas, sejam deixadas de lado.
Pudemos constatar com esses poucos trechos selecionados dos textos que
ditam as normas e propostas para o Ensino Médio brasileiro, que eles recebem
e reproduzem o discurso neoliberal e globalizado da preparação de mão de
obra qualificada, mostrando uma aceitação da educação como instrumento
econômico. E, para que isso seja possível, como vimos, o novo discurso deve
ser aceito, uma vez que o que foi feito até o momento não se adequa aos
moldes contemporâneos.

O neoliberalismo foi adotado por muitos países como uma forma de


descentralizar muitos serviços que estariam na mão do Estado pelos anos de
controle ditatorial, a conhecida onda das privatizações. Igualmente, aconteceu
com a educação, visto ser ela o instrumento do crescimento da economia.
Tomada, portanto, na ótica neoliberal, toda crise econômica seria justificada
pelo mal gerenciamento da educação que não qualificou mão de obra para o
mercado produtivo. Em outras palavras, a crise econômica seria justificada pelo
crescimento desordenado do sistema escolar.
Encarando a educação como um setor econômico, as lógicas deste foram
implantadas. Dessa forma, aderiu-se à ideia de um “mercado educacional”, no
qual deveria ser instituído um sistema de premiação, sendo cada participante
responsável pelas próprias lutas e conquistas individuais e pelos seus próprios
resultados, o que fragilizou e muito a formação e fortalecimento da classe
trabalhadora docente.
Do mesmo modo, o estado de São Paulo encarou a educação atribuindo a
ela os critérios e lógicas de funcionamento mercadológico. No entanto,
passados alguns anos da agitada década de 1990, mesmo com o apoio de
equipes de especialistas do BM, foram alcançados nos últimos anos resultados
insatisfatórios de proficiência dos alunos, sendo necessárias novas medidas de
incentivo à qualidade do ensino das escolas públicas estaduais. Será sobre
elas, emergidas mais decisivamente no ano de 2007, que discorreremos a
seguir.
143

7.1.2 O contexto sócio-histórico particular: o caso de São Paulo

Com as reformas e novas propostas de ensino implantadas no início da


década de 1990, foi necessário desenvolver sistemas de avaliação que
medissem ano a ano o nível de proficiência dos alunos e, consequentemente, a
qualidade de ensino ofertada pelas escolas e seus professores, como se fosse
uma “prestação de contas” dadas à sociedade.

Um exemplo desses sistemas é o Ideb (Índice de Desenvolvimento da


Educação Básica) criado no ano de 2007. Ao contrário dos sistemas que o
antecederam, objetivou não só avaliar os indicadores de fluxo escolar
(promoção, repetência e evasão), como também o desempenho e progresso
dos alunos das redes de ensino e escolas brasileiras. Para a formulação do
Ideb, houve a combinação de dois fatores: da pontuação média dos estudantes
em exames de proficiências nacionais (Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) e Prova Brasil) nos anos finais da educação básica (4ª e 8ª
séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio) e, também, da taxa
média de aprovação em cada uma dessas etapas. Os resultados são
divulgados pelo MEC a cada dois anos.

Os resultados obtidos no Ideb pelas escolas paulistas mostraram-se,


desde 2007, superiores ao da média nacional. Nesse momento, as escolas
paulistas ocuparam o primeiro lugar entre as 4ª e 8ª séries e o segundo lugar
entre as 3ª séries do Ensino Médio. No entanto, esse índice foi possível, pois
contou com a participação das escolas das redes de ensino municipais, as
quais, em relação à qualidade de ensino, demostraram ser superiores às
estaduais. Essa superioridade também pôde ser percebida comparando os
resultados das escolas paulistas do Ensino Fundamental (EF) ao Ensino Médio
(EM), pois o primeiro demostrou um índice mais elevado do que o segundo, o
que pode ser justificado pelas redes municipais serem responsáveis pela oferta
maior do EF e as redes estaduais do EM. Sendo assim, pelos índices do Ideb
2007, podemos constatar um déficit na educação estadual paulista quanto à
qualidade do ensino ofertado.
144

Mediante tais resultados, a Secretaria de Estado da Educação de São


Paulo (SEESP), percebendo o declínio das escolas sob sua responsabilidade
frente aos demais estados brasileiros, adotou medidas de via rápida para sua
recuperação. O primeiro passo, já em 2007, foi repensar a metodologia do seu
próprio sistema de avaliação criado em 1996 – Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar de São Paulo (SARESP) – uma vez que ele ainda
contemplava, ou dava mais importância, às informações do fluxo escolar. O
objetivo do novo SARESP, verbalizado pelos envolvidos na elaboração,
segundo Castro (2009), foi que com ele seria possível propor políticas públicas
mais adequadas para as necessidades dos alunos e escolas “deficitários” e,
também, propor a mesma escala de proficiência adotada no Saeb, ou seja,
uma equiparação aos exames nacionais, buscando uma uniformidade dos
critérios de avaliação para se chegar a uma comparação possível com as
demais escolas brasileiras.

O segundo passo da SEESP foi elaborar uma nova Proposta Curricular,


que propusesse conteúdos específicos por disciplina e por série, objetivando
a construção de um currículo comum a todas as escolas, dando a chance
para todos os alunos terem acesso às mesmas situações de aprendizagem e,
assim, serem competentes para alcançar ótimos resultados nas avaliações
nacionais e estaduais. No entanto, um único documento prescritivo, ou seja,
um texto base, não seria suficiente, na ótica da SEESP, para colocar as
ações em prática e assegurar que a comunidade escolar apropriaria das
novas propostas. Dessa forma, junto com a Nova Proposta Curricular,
publicada no início de 2008, foram elaborados materiais didáticos para alunos
e professores que, segundo os elaboradores, contemplam os conteúdos,
competências e habilidades necessários para uma aprendizagem eficaz.

E, o terceiro passo dado para a melhoria da qualidade da educação


consistiu, de acordo com as informações que constam no próprio site da
SEESP (http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/spfe2009/HOME/tabid/1208/Default.aspx),
na premiação por mérito das escolas e profissionais que alcançassem bons
resultados no SARESP e nas demais avaliações nacionais. Em outras
palavras, para garantir o engajamento dos profissionais de educação do que
145

estava sendo prescrito, foi implantada uma remuneração adicional para


aqueles que merecessem, ou seja, as escolas e professores que levassem os
alunos a uma aprendizagem satisfatória ou ótima ganhariam uma bonificação
não definitiva no salário. Essa iniciativa governamental, unindo-se às demais,
deixa transparecer as influências neoliberais na educação: o investimento
maciço na infraestrutura e na elaboração de materiais didáticos e a
valorização do sucesso profissional individual, já que apenas as escolas bem
sucedidas nos exames recebem o incentivo governamental.

As implementações da SEESP para a melhoria da qualidade da


educação de São Paulo se deu ano a ano até oficializar-se como o Currículo
Oficial de toda a rede estadual de ensino. Vejamos como isso aconteceu de
acordo com as informações retiradas do próprio site da SEESP:

No ano de 2007, a partir dos resultados das avaliações SAEB e ENEM,


foram criadas dez metas para a educação paulista a serem alcançadas até o
ano de 2010. E, também, elaboração do documento Proposta Curricular do
Estado de São Paulo que definia o currículo comum a toda a rede.

Figura 1: Capa da Proposta Curricular da SEESP

No início do ano letivo de 2008, contemplando os primeiros 42 dias de


aulas, foram elaborados os Jornais do Aluno para todas as séries da educação
básica, cujo objetivo era revisar os conteúdos pontuais das disciplinas.
146

Figura 2: Jornais do Aluno da 1ª e 2ª séries do Ensino Médio

Após o trabalho com os materiais de revisão, foram elaborados os


Cadernos do Professor com os conteúdos que deveriam ser trabalhados em
cada bimestre e com as prescrições de como realizar esse trabalho.

Figura 3: Cadernos do Professor

Em 2009, foram elaborados os Cadernos do Aluno de todas as séries e


disciplinas. De acordo com os elaboradores, esses materiais continham as
sequências didáticas com o objetivo de desenvolver as habilidades do
currículo, os quais foram entregues a todos os alunos da rede estadual de
ensino.
147

Figura 4: Cadernos do Aluno

Ainda em 2009, foi aplicado o SARESP já com as novas bases


metodológicas. De acordo com a SEESP, o que já era esperado, os alunos
apresentaram ótimos desempenho e proficiência.

Com os bons resultados alcançados no SARESP 2009, em 2010, devido


à implantação da Proposta Curricular do estado de São Paulo, o currículo
oficial da rede foi consolidado.

Apresentado o contexto sócio-histórico da educação de São Paulo, a


partir do ano de 2007, que foi determinante para a formulação do Currículo
Oficial e, também, dos materiais didáticos considerados como essenciais para
a melhoria da qualidade do ensino das escolas estaduais, partiremos para a
apresentação do que, de fato, a SEESP propõe para o ensino de Língua
Portuguesa no texto do documento referência para a didatização dos
conhecimentos: Proposta Curricular do Estado de Estado de São Paulo.
148

7.1.3 A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de


Língua Portuguesa

Seguindo as propostas genebrinas, para uma transposição didática


adequada deve-se levar em conta a situação de ensino-aprendizado, as
capacidades dos alunos já desenvolvidas e aquelas que a escola visa
desenvolver e as concepções teórico-metodológicas coerentes com o objetivo
e objetos de ensino. Dessa forma, partindo de tais bases, apresentaremos
nesta seção os resultados que obtivemos com a análise da Proposta Curricular
da SEESP para a disciplina de Língua Portuguesa do Ensino Médio, visando
depreender os critérios básicos para a adequação e coerência com as
necessidades do ensino-aprendizado.

Primeiramente, apresentaremos o que se coloca como objetivo de


ensino, objeto de ensino e encaminhamento didático (metodologia) que devem
ser privilegiados. Em seguida, partiremos para as concepções de linguagem e
aprendizagem que os elaboradores se pautaram para sustentar a proposta
curricular.

7.1.3.1 O objetivo e objeto de ensino e o encaminhamento didático

De acordo com o levantamento e análise feitos dos usos das


modalizações, com a finalidade de determinar o que e como deveria ou não ser
ensinado, chegamos aos resultados que apresentaremos nesta seção.

Quanto ao objetivo colocado para a disciplina de Língua Portuguesa no


Ensino Médio, o identificamos em dois enunciados. O primeiro está situado
logo na abertura da seção “Proposta Curricular de São Paulo para a disciplina
de Língua Portuguesa” que se destina à exposição dos objetivos pretendidos
para a disciplina nos níveis de ensino Fundamental II e Médio:

Enunciado 1: “Desejamos formar nossos alunos para o mundo do conhecimento por meio da
linguagem.” (pag.41)

Vemos que a modalização lógica utilizada para introduzir o objetivo é


“desejamos”. Ao utilizá-lo, a SEESP realiza a ação de expor, aos seus
interlocutores, suas aspirações para o currículo de Língua Portuguesa. Aspira-
149

se, portanto, capacitar o aluno, através da linguagem, para o acesso ao mundo


do conhecimento.

Já o objetivo exposto no segundo enunciado é introduzido pela


modalização pragmática “procura-se”, que produz o sentido de
responsabilidade enunciativa da SEESP pelo ato de desenvolver, nas
propostas curriculares para o ensino de Língua Portuguesa do Ensino Médio, o
olhar dialético entre o intrinsecamente linguístico e as dimensões subjetivas e
sociais:

Enunciado 2: “Os campos de conteúdos tratam o fenômeno linguístico nas dimensões


discursiva, semântica e gramatical. Dessa forma, procura- se desenvolver o olhar dialético
entre o intrinsecamente linguístico e as dimensões subjetivas e sociais.” (pag. 59)

Os campos de conteúdos a que se refere são definidos da seguinte maneira


no próprio cotexto do documento da Proposta Curricular:

 Linguagem & sociedade: Análise principalmente externa da língua e da


literatura em sua dimensão social como instituições;

 Leitura &Expressão Escrita: Estudo das características dos gêneros


textuais desde um lugar de receptor e/ou produtor na materialidade
escrita da linguagem verbal. Os gêneros textuais são concebidos como
acontecimentos sociais em que interagem características específicas do
gênero com elementos sociais e subjetivos;

 Funcionamento da Língua: Análise principalmente interna da língua e


da literatura como realidades (intersemióticas);

 Produção e compreensão oral: Aspectos relacionados à produção e


escuta do texto oral. (pag. 59)

Estabelecendo relação entre os objetivos expostos nos dois enunciados,


a fim de compreendermos o que guia a proposta de transposição didática dos
gêneros textuais, podemos considerar que, segundo a SEESP, busca-se o
acesso ao mundo do conhecimento pela linguagem através do estabelecimento
da interação dialética do que é intrinsecamente linguístico e as dimensões
subjetivas e sociais.
150

Com esse objetivo, é determinado o meio que o aluno utilizará para


poder alcançá-lo, ou seja, o objeto de ensino privilegiado pelos elaboradores:
os textos. Chegamos a tal constatação ao identificarmos o seguinte enunciado:

Enunciado 3: “Assim, o centro da aula de língua portuguesa é o texto...” (pag. 43).

Percebemos que nenhuma modalização foi utilizada para introduzir o


sintagma “o texto”, produzindo o efeito de sentido de assertividade, já que não
aconselha-se, não orienta-se, não propõe-se, mas coloca-se uma verdade
absoluta, ou seja, que o ensino de Língua Portuguesa deve se dar por e
através dos textos. Dessa forma, percebemos que, mesmo com a ausência de
um modalizador, a ação prescritiva é realizada: a de determinar um objeto de
ensino.

Sendo assim, para que o objetivo de ensino e o objeto de ensino de fato


sejam respeitados em seus estatutos, são propostos determinados
encaminhamentos didáticos. Ao contrário da forma como foi enunciado o objeto
de ensino, declarando-o como uma verdade entre os indivíduos implicados na
produção e recepção do texto, as propostas de tratamento didático são
introduzidas por diferentes modalizações, o que produz efeitos de sentido
diversos para aquilo que é enunciado, ora como uma proposta, ora como uma
determinação, ora sugerindo a ação e implicação nela de diferentes indivíduos.

Foram sete enunciados no total que apresentaram as aspirações da


SEESP para o tratamento didático do texto, nos diversos gêneros textuais.
Vejamos quais são eles:

Enunciado 4: “No ensino das disciplinas da área, deve-se levar em conta, em primeiro lugar,
que os alunos se apropriam mais facilmente do conhecimento quando ele é contextualizado, ou
seja, quando faz sentido dentro de um encadeamento de informações, conceitos e atividades.
Dados, informações, idéias e teorias não podem ser apresentados de maneira estanque,
separados de suas condições de produção, do tipo de sociedade em que são gerados e
recebidos, de sua relação com outros conhecimentos.” (pag. 39)

Esse enunciado se encontra na seção destinada à elucidação da


importância da linguagem nas disciplinas pertencentes à área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias. De acordo com o uso das modalizações
deônticas destacadas, podemos compreender que a SEESP determina o modo
como o ensino deve ser: relacionando os conhecimentos ao seu contexto de
151

produção não podendo, dessa forma, serem tratados sem levar em conta as
relações que estabelecem com ele.

Já no Enunciado 5, os encaminhamentos para o tratamento didático do


objeto de ensino de Língua Portuguesa são introduzidos por uma modalização
lógica:

Enunciado 5: “A disciplina de Língua Portuguesa pode centrar-se: 1. no conjunto de regras


que nos leva a produzir frases e dali chegarmos aos enunciados concretos; 2. nos enunciados
que circulam efetivamente no cotidiano e que seguem regras específicas as quais permitem a
comunicação.” (pag 42)

O uso da expressão “pode” deixa transparecer um sentido de


probabilidade, pois não nos dá a impressão de uma ação normativa, mas de
uma ação que propõe uma possibilidade de ensino: de partir do conjunto das
regras a nível frasal para os enunciados concretos e/ou dos enunciados que
circulam efetivamente no cotidiano os quais, também, seguem regras.

Enunciado 6: “Não se trata de pensarmos em uma lista de características que compõem um


modelo segundo o qual devemos produzir o nosso texto, mas de compreender como esse texto
funciona em sociedade e de que forma ele deve ser produzido e utilizado a fim de atingir o
objetivo desejado.” (pag 43)

O enunciado 6 destina-se, mais especificamente, às instruções de como


deve ser o ensino dos textos. A modalização pragmática logo no início “trata de
pensarmos”, precedida pelo advérbio de negação “não”, atribui a
responsabilidade de ação não só aos elaboradores da proposta, mas, também,
aos envolvidos no ensino dos textos, de não pensarem apenas nas
características de um modelo ideal para produzir um texto. E, pelo uso da
modalização deôntica “deve”, explicita-se a determinação da SEESP de que os
textos devem ser compreendidos em seu funcionamento na sociedade, visando
atingir objetivos desejados.

Enunciado 7: “Para o trabalho com gêneros textuais torna-se necessário compreender tanto
as características estruturais de determinado texto (ou seja, como ele é feito) como as
condições sociais de produção e recepção, para refletir sobre sua adequação e funcionalidade.
(pag. 43)

Utilizando o conceito de gêneros textuais, no enunciado 7 é proposto


como deve ser o trabalho didático com ele. A modalização utilizada para
introduzir as aspirações da SEESP é a lógica, que atesta uma ação necessária
por parte daqueles que estão envolvidos no ensino: a de compreender tanto as
152

características estruturais quanto as condições sociais de produção e recepção


e, assim, refletir sobre sua adequação e funcionalidade.

Enunciado 8: “É necessário saber lidar com os textos nas diversas situações de interação
social.” (pag 43)

No enunciado 8, novamente, temos a modalização lógica “é necessário”,


que coloca, como almejado pela SEESP, que os envolvidos no ensino de
textos saibam lidar com as situações de interação social.

Enunciado 9: “Os critérios para articular os conteúdos e as competências do estudo da língua


no Ensino Médio devem ampliar, necessariamente, os estudos desenvolvidos no Ensino
Fundamental II, observando uma progressão que possa diversificar, ao longo da escolaridade,
abordagens, contextos, situações etc.” (pag 44)

E, como último enunciado que dá o encaminhamento didático para os


textos/gêneros textuais, presente no texto da Nova Proposta Curricular, temos
o enunciado 8 que, mais uma vez, traz a modalização deôntica “devem”, a
qual é utilizada expressando o sentido de determinação de uma “ordem” da
SEESP: deve haver progressão dos conteúdos e competências trabalhados na
passagem do Ensino Fundamental II para o Ensino Médio.

Com esses resultados, pudemos perceber o que a Proposta Curricular


da SEESP para a disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Médio, determina
para o ensino dos textos pertencentes aos diferentes gêneros textuais,
organizando nossos resultados no quadro abaixo:
153

Quadro 9: Proposta Didática para o trabalho com os textos/gêneros textuais no Currículo


da SEESP

Proposta Didática para o trabalho com os Textos no Currículo da SEESP


Objetivo

Busca-se levar o aluno ao acesso ao mundo do conhecimento pela linguagem,


sendo isso possível através da relação dialética do que é intrinsecamente
linguístico e as dimensões subjetivas e sociais.
Objeto de
Ensino

Os Textos pertencentes aos diferentes gêneros textuais

Relacionar os conhecimentos ensinados com o seu contexto de produção;


Como deve ser o trabalho com os

Podendo partir das regras frasais para os enunciados concretos e, também, dos
enunciados que circulam, efetivamente, no cotidiano;
textos

Os textos devem ser compreendidos em seus funcionamentos na sociedade,


visando atingir os objetivos desejados;

Compreender os textos em suas características estruturais (como ele é feito) até


as condições de produção e recepção e, assim, refletir sobre sua adequação;

Necessário haver progressão dos conteúdos entre os diferentes níveis de ensino


(Fund. II e EM) e, também, em um mesmo nível de ensino.

Partindo do objetivo, consideramos que a linguagem é concebida como


um instrumento de acesso ao mundo do conhecimento, sendo essa ação
possível pela relação dialética entre o que é intrinsecamente linguístico e as
dimensões subjetivas e sociais.

Quanto ao objeto de ensino, ele não é definido ou explicado, apenas


determinado em seu estatuto e, em seguida, dadas as propostas para o seu
ensino. O encaminhamento didático apresentado para atingir tal objetivo e
contemplar o objeto de ensino incide, basicamente, em duas dimensões a
sócio-subjetiva (contexto de produção, funcionamento na sociedade, objetivos
desejados, condições de produção e recepção) e a discursiva (características
estruturais).

Com tais constatações, podemos considerar que a transposição


efetuada do conceito dos gêneros textuais não visou uma definição para a
elucidação daqueles que manusearão a Proposta Curricular e a sua utilização
como instrumento de trabalho. Está implícito nessa ação o caráter de consenso
154

prévio do que seja esse objeto, já que explicações são dispensáveis. Não há,
portanto, como identificado por Machado & Bronckart (2005) nos PCNs, um
não consenso do que vem a ser os gêneros textuais
(MACHADO&BRONCKART, 2005), mas a ideia do oposto.

Vemos, portanto, que com o tempo, com mais de uma década


difundindo os gêneros textuais como objetos de ensino de Língua Portuguesa,
foi dispensada sua compreensão pelo documento, supondo que já são sabidos
e conscientes suas diversas conceitualizações, as situações de emergência no
campo científico, seu papel nas práticas sociais e no desenvolvimento humano.

No entanto, esse apagamento nas noções necessárias para a


compreensão do objeto de ensino torna-se questionável quando não são
mencionadas a dimensão linguístico-discursiva e as outras características
discursivas necessárias para a apropriação e aprendizado dos gêneros
textuais, já que é prescrito seu ensino apenas pela dimensão actancial e pela
estrutura organizacional predominante. Uma simplificação ou má compreensão,
portanto, do que eles mesmos declaram como “intrinsecamente linguístico” e
do próprio conceito dos gêneros textuais.

Feitas tais considerações, partiremos para o que o documento da Nova


Proposta Curricular declara sobre o que adotam como concepção de
linguagem e de aprendizagem, para assim compreendermos as escolhas
didáticas.

7.1.3.2 As concepções de linguagem e aprendizagem presentes na


Proposta Curricular da SEESP

Ao propormos analisar um currículo de Língua Portuguesa, colocamos


como necessário apreendermos o que se postula sobre linguagem e
aprendizagem, pois acreditamos serem essas concepções que guiam a
elaboração das atividades didáticas para a apropriação dos alunos e
professores do conhecimento determinado a ser ensinado, neste caso, os
gêneros textuais.
155

Para isso, iniciaremos apresentando os resultados que pudemos obter


com a análise dos enunciados que tinham a função sintática de sujeito ocupada
pelas expressões “linguagem” ou “linguagens” e, logo depois, com a expressão
“aprendizagem”.

No documento Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua


Portuguesa – Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino Médio, nas 22 páginas
analisadas, as quais correspondiam desde as apresentações dos motivos que
levaram a SEESP a formular o novo currículo até o encaminhamento didático,
foram identificados doze enunciados com as expressões “linguagem” e
“linguagens” com o papel sintático de sujeito. Desse número, identificamos que
se declara compreender a linguagem partindo de três concepções: a de
representação tanto das estruturas internas quanto externas do humano, de
meio de comunicação e de instrumento de ação e desenvolvimento humanos.

Os enunciados que definiram a linguagem como representação tanto


das estruturas internas quanto externas do humano são:

Enunciado 10: “As linguagens são sistemas simbólicos, com os quais recortamos e
representamos o que está em nosso exterior, em nosso interior e na relação entre esses
âmbitos...” (pag 16)

Enunciado 11: “Nas crianças a linguagem em suas diversas expressões, é apenas um


recurso simbólico, ou seja, permite representar ou comunicar conteúdos cujas formas, elas
mesmas, não podem ser estruturadas como linguagem.” (pag 17)

Enunciado 12: “... a linguagem é a capacidade humana de articular significados coletivos em


sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as
necessidades e experiências da vida em sociedade.” (pag 37)

No enunciado 10, as linguagens são definidas como sistemas simbólicos


que representam tudo o que nos cerca “o que está em nosso exterior”, o que
está em nós “em nosso interior” e as relações que se estabelecem com essas
duas instâncias distintas “a relação entre esses âmbitos”.

Já no enunciado 11, a linguagem é reduzida apenas a um recurso


simbólico que representa os conteúdos. Esse papel atribuído a ela, segundo o
que se declara, é encontrado em determinada faixa etária: na infância.
156

E, no enunciado 12, é através dos sistemas arbitrários, compartilhados e


vivenciados por uma sociedade, que a linguagem ganha seu estatuto de
representação. Nesses três enunciados vemos, portanto, que a concepção de
linguagem defendida é a representacionalista, ou seja, o meio pelo qual apenas
expressamos nosso pensamento, o canal de externalização do que está sendo
processado sem o seu auxílio. A linguagem é considerada, nesses enunciados
como secundária no processo de comunicação dos saberes.

Já os enunciados que definem a linguagem como meio de comunicação


são:

Enunciado 11: “Nas crianças a linguagem em suas diversas expressões, é apenas um


recurso simbólico, ou seja, permite representar ou comunicar conteúdos cujas formas, elas
mesmas, não podem ser estruturadas como linguagem.” (pag 17)

Enunciado 14: “...As linguagens são sistemas simbólicos, [...] é com eles também que nos
comunicamos com os nossos iguais e expressamos nossa articulação com o mundo.” (pag 16)

Enunciado 15: “...o domínio das linguagens representa um primordial elemento para a
conquista da autonomia, sendo a chave para o acesso a informações e permitindo a
comunicação de idéias, a expressão de sentimentos e o diálogo, necessários à negociação dos
significados e à aprendizagem continuada.” (pag 18)

No enunciado 11, constatamos a compreensão da linguagem na infância


tanto como representação, como já discutimos, como o meio de comunicação
de conteúdos. Essa função da linguagem é a também defendida nos
enunciados 14 e 15, sendo no primeiro o meio pelo qual nos comunicamos com
os nossos iguais e o segundo como o meio pelo qual se dá o acesso às
informações, que permite comunicarmos nossas ideias e sentimentos.

Nos enunciados que tomam a linguagem como meio de comunicação é


dada maior importância ao enunciador, como se as características de seus
pares, suas funções sociais, suas possíveis intenções não fossem levadas em
consideração no ato de comunicar-se. A linguagem, portanto, em seu papel
estruturalista e a-histórico.

E, como última concepção que pudemos depreender do documento da


Proposta Curricular da SEESP, está a linguagem como instrumento de
desenvolvimento e a compreensão das ações humanas.
157

Enunciado 16: “ A prioridade das linguagens no currículo da educação básica tem como
fundamento a centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do adolescente.”
(pag 17)

Enunciado 17: “E é na adolescência, como vimos, que a linguagem adquire essa qualidade
de instrumento para compreender e agir sobre o mundo real.” (Pag 16)

Enunciado 18: “A linguagem não é apenas uma forma de representação, como expressam,
por seus limites, as crianças. Mais do que isso, ela é uma forma de compreensão e ação sobre
o mundo.” (pag 17)

Enunciado 19: “...graças à linguagem, agora constituída como forma de pensar e agir...” (pag
17)

Enunciado 20: “... a centralidade da linguagem nos processos de desenvolvimento possibilita


ao adolescente aprender, pouco a pouco, a considerar suas escolhas em uma escala de
valores.” (pag 17)

Enunciado 21: “... as linguagens são meios para o conhecimento.” (pag 37)

Enunciado 22: “O ser humano é um ser de linguagens, as quais são tanto meios de produção
da cultura quanto parte fundamental da cultura humana.” (pag 38)

Nos enunciados 16 e 20, a linguagem é vista como instrumento


específico do desenvolvimento humano. No enunciado 16, é explicada a
importância, nas disciplinas pertencentes à área de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias, de se compreender que a linguagem ocupa papel central no
desenvolvimento da criança e do adolescente. Já no enunciado 20, é
explicado que esse estatuto possibilita ao adolescente aprender e a fazer suas
próprias escolhas.

Nos demais enunciados, vemos a linguagem como instrumento de


compreensão, ação, construtora do pensamento, produtora e constitutiva da
cultura humana. Nos enunciados 17 e 18, ela é vista como o instrumento de
ação e compreensão sobre o mundo, quando a infância é superada e chega,
enfim, a adolescência. No enunciado 19, é também vista como meio da ação,
mas acrescido o caráter de formadora do pensamento. No enunciado 21, a
linguagem é definida como o meio de construção dos conhecimentos. E, no
enunciado 22, a linguagem é tomada como produtora e constitutiva da cultura
humana.

De acordo com as considerações feitas sobre o que se postula para a


compreensão da linguagem na Proposta Curricular da SEESP, vemos,
portanto, a convivência de três abordagens distintas. A linguagem como
158

representação do pensamento e dos fatos externos através dos sistemas


simbólicos compartilhados na sociedade, sendo essa a única função
identificada na infância e, depois, ampliada com outras novas funções na
adolescência. A linguagem como o meio de comunicação nas interações
humanas pelos sistemas simbólicos. E, como concepção predominante nos
enunciados (7 de 12 enunciados), a linguagem como instrumento da ação e
desenvolvimento humanos em suas dimensões psíquicas e sociais.

Vemos, dessa forma, que não há o consenso da concepção de


linguagem que guia e dá base para as propostas didáticas dos gêneros textuais
na Proposta Curricular da SEESP. Um problema, assim como apontaram
Machado & Bronckart (2005), apresentado já nos PCNs, que continua
dificultando a consolidação do ensino dos gêneros textuais. Há o problema de
transposição didática nomeado como autonomização dos conceitos de
linguagem, já que são abordadas diferentes visões sem levar em conta o
contexto de produção, os objetivos e as bases filosóficas e psicológicas que as
fizeram emergir. E, também, o problema de compartimentalização, uma vez
que foram levados em conta apenas alguns aspectos restritos de cada teoria
de linguagem e não sua compreensão macro, gerando uma incompreensão
global da proposta curricular.

Acreditamos, portanto, que, ao tomar como base três compreensões de


linguagem, coloca-se um obstáculo para a ação do professor e, também, para
aqueles que elaboram os Cadernos. Aos elaboradores, pois o que é
determinado para ser privilegiado na construção das atividades são orientações
díspares e não consensuais, resultando em propostas confusas quanto ao seu
posicionamento e decisões didáticas. Ao professor, pois partindo das
orientações curriculares iniciais até o que é efetivamente proposto para ser
ensinado nos materiais didáticos dos alunos, ou seja, tomando como base para
sua ação as prescrições que determinam seu trabalho, encontrará diferentes
propostas de compreensão dos elementos que envolvem o objeto de ensino,
sendo elas, portanto, não um instrumento que viabiliza o agir, mas que o
dificulta.
159

Realizadas as considerações a cerca das concepções de linguagem na


Proposta Curricular da SEESP, passamos aos resultados do que se
compreende e propõe para a aprendizagem.

Ao contrário da representatividade observada dos enunciados que


contém as expressões linguagem/linguagens no papel sintático de sujeito,
apresentando as possíveis e aceitáveis definições, não identificamos o mesmo
aparecimento com aqueles que trazem a expressão “aprendizagem”, ou até
mesmo seu similar “aprendizado”.

Nas 22 páginas analisadas, identificamos 17 enunciados que


apresentam tal expressão, sendo que apenas um deles a toma na função de
sujeito da oração e, também, objetiva defini-la e explicá-la:

Enunciado 23: “A aprendizagem é o centro da atividade escolar.” (pag. 18)

Consideramos ser insuficiente chegarmos a considerações apenas com


esse enunciado, sendo assim, partimos para a análise do cotexto, ou seja, dos
conteúdos presentes no próprio texto da Proposta Curricular da SEESP, que
nos ajudariam a explicar tal afirmação.

Segundo os elaboradores, a aprendizagem como centro da atividade


escolar é justificada pela mudança do panorama da educação que busca
privilegiar a democratização do ensino e, para isso, baseados na LDB, deve-se
estipular o que o aluno deve aprender e não o que se pretende ensinar. Dessa
forma, as ações dos responsáveis pela aprendizagem, os professores, devem
contribuir para o abandono da postura frontal de ensino, ou seja, da visão de
que ele é o detentor do conhecimento e aderir às visões de que ele também
deve aprender, de ser o profissional da aprendizagem e de que o aluno está no
centro da ação pedagógica.

“Por extensão, o professor caracteriza-se como um profissional


da aprendizagem e não tanto do ensino. Isto é, ele apresenta e
explica conteúdos, organiza situações para a aprendizagem de
conceitos, métodos, formas de agir e pensar, em suma,
promove conhecimentos que possam ser mobilizados em
competências e habilidades, as quais, por sua vez,
instrumentalizam os alunos para enfrentar os problemas do
mundo real.” (pag. 18)
160

De acordo com essa declaração da SEESP, o professor se torna um


profissional da aprendizagem quando organiza uma situação favorável de
apreensão de conhecimentos que deverão ser mobilizados pelos alunos em
competências e habilidades, as quais são os instrumentos do aluno para
enfrentar o mundo real. A aprendizagem, portanto, se daria pela apropriação do
aluno das competências e habilidades.

A importância dada, no texto da Proposta Curricular, à apropriação


desses instrumentos é notória. Por isso, buscando ainda compreender a
concepção dos elaboradores sobre a aprendizagem e reconhecendo que as
competências e habilidades assumem papel importante nesse processo, de
acordo com eles, tratamos de verificar também as definições dadas para elas e
encontramos um enunciado com esse objetivo:

Enunciado 24: “Tais competências e habilidades podem ser consideradas em uma


perspectiva geral, isto é, no que têm de comum com as disciplinas e tarefas escolares, ou
então no que têm de específico. Competências, neste sentido, caracterizam modos de ser,
raciocinar e interagir que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em
contextos de problemas, tarefas ou atividades.” (pag. 14)

A partir do que é definido no enunciado 24, competências e habilidades


são características comuns de todas as disciplinas. As competências, por sua
vez, são os conhecimentos sobre as formas de ação e interação nos diferentes
tipos de atividades, um conhecimento, portanto, procedimental.

No entanto, de acordo com os elaboradores, esse tipo de conhecimento,


oriundo das diferentes disciplinas, precisa estar relacionado às competências e
habilidades que os alunos já dispõem:

Enunciado 25: “Um currículo referido a competências supõe que se aceite o desafio de
promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e
habilidades do aluno. É com essas competências e habilidades que ele contará para fazer sua
leitura crítica do mundo, para compreendê-lo e propor explicações, para defender suas idéias e
compartilhar novas e melhores formas de ser, na complexidade em que hoje isso é requerido.
É com elas que, em síntese, ele poderá enfrentar problemas e agir de modo coerente em favor
das múltiplas possibilidades de solução ou gestão.” (pag. 14)

Podemos, portanto, considerar, diante de tais enunciados, que a


concepção de aprendizagem adotada no documento da Proposta Curricular da
161

SEESP é aquela que vê o polo de aprendizagem como central, e que ela se dá


pela apropriação das competências e habilidades específicas e comuns às
disciplinas em relação às que os alunos já dispõem.

Diante das discussões feitas sobre a concepção de linguagem de


aprendizagem para o currículo de Língua Portuguesa, pudemos chegar às
seguintes constatações:

Quadro 10: Concepções de Linguagem na Proposta Curricular da SEESP

Concepções de Linguagem defendidas

 Linguagem como representação do


pensamento e das situações externas em
sistemas simbólicos;
 Linguagem como meio de comunicação;
 Linguagem como instrumento da ação e
desenvolvimento humanos em suas
dimensões psíquicas e sociais.

Quadro 11: Concepção de Aprendizagem na Proposta Curricular da SEESP

Concepção de Aprendizagem defendida


 Aprendizagem como polo central da ação
pedagógica, que se dá pelo desenvolvimento
e apropriação das diferentes competências e
habilidades específicas e comuns às
diferentes disciplinas, em relação àquelas que
o aluno já dispõe.

Finalizando esta seção, cujo objetivo foi o de compreender qual a


proposta didática para o ensino dos textos pertencentes aos diferentes gêneros
textuais e, também, as concepções teórico-metodológicas que a sustenta,
iniciaremos a análise dos materiais didáticos, Cadernos do Aluno de Língua
Portuguesa do Ensino Médio. Primeiramente, apresentaremos as discussões a
cerca do Plano Global dos materiais, a fim de compreendermos como eles se
organizam e os gêneros textuais trabalhados nas três séries desse nível de
ensino. Depois, partiremos para a análise das atividades didáticas a fim de
avaliarmos se foram estabelecidas relações com as orientações curriculares
162

iniciais e, assim, chegarmos às considerações sobre a transposição didática


dos gêneros textuais.

7.2 Plano Global dos Cadernos do Aluno do Ensino Médio de Língua


Portuguesa

Com a finalidade de conhecermos como os Cadernos do Aluno de


Língua Portuguesa do Ensino Médio estão organizados, ou seja, como suas
partes estão dispostas e sequenciadas, partiremos agora para os resultados
que pudemos obter com a análise do Plano Global do Texto. A identificação
desse Plano, de suas partes constitutivas e suas articulações, não foi vista
como uma simples abordagem estrutural do texto, mas como um auxílio para a
clarificação da função interacional dessa estrutura, que não é aleatória, mas
como obediente a objetivos específicos, de acordo com as representações que
o “autor” (elaboradores) tem de seus destinatários (alunos e professores).

Com essa análise, além de ser possível identificar as partes constitutivas


dos Cadernos do Aluno (seções, subseções, títulos, subtítulos, o cotexo em
geral) conseguimos depreender quais os gêneros textuais mais trabalhados e
os tipos de atividades comuns nos materiais do Ensino Médio, dessa forma,
sendo possível formularmos as primeiras suposições sobre o movimento
transformacional dos gêneros textuais para ocupar o estatuto de objeto de
ensino de Língua Portuguesa.

A apresentação dos resultados de análise do Plano Global será realizada


da seguinte forma:

a) Descrição das partes que compõem e dividem o Caderno do Aluno de


Língua Portuguesa do Ensino Médio;

b) Descrição dos tipos de atividades comuns às diferentes Situações de


Aprendizagem (Sequências Didáticas) para o ensino de gêneros
textuais no Ensino Médio;

c) Identificação dos gêneros textuais mais trabalhados.


163

7.2.1 Os macroorganizadores textuais e o cotexto dos Cadernos do Aluno


de Língua Portuguesa do Ensino Médio

O Caderno do Aluno foi veiculado, enquanto suporte, no formato impresso.


Cada um deles corresponde a um bimestre, totalizando quatro brochuras por
série. Temos, portanto, o total de doze Cadernos do Aluno de Língua
Portuguesa destinados ao Ensino Médio.

Abaixo segue uma imagem do Caderno do Aluno para conhecermos:

Figura 5: Capa do Caderno do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio

Na capa, temos a informação do destinatário do material Caderno do


Aluno, a que área e disciplina o material é destinado Linguagens, códigos e
suas tecnologias: Língua Portuguesa e Literatura, o nível do ensino Médio,
a série desse ensino (2ª série, no caso) o período letivo segundo bimestre
(descrito como volume 2).
Na contracapa, temos uma Ficha Técnica do material, ou seja, a relação
dos nomes das pessoas envolvidas no processo de elaboração dos Cadernos
do Aluno de todas as áreas e da Proposta Curricular em geral. Vemos na
imagem a seguir como foram dispostas tais informações:
164

Figura 6: Contracapa do Caderno do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio

É na contracapa que o tom oficial do material fica explícito. As


informações verbais e não verbais reforçam a “origem” institucional. O brasão
do governo do estado de São Paulo é a marca mais expressiva para essa
constatação, seguido do nome do Governador, Secretários, Coordenadores,
Diretoria, Presidência, Equipes de Execução, Gestão, Coordenação Técnica,
Autores, etc. Tais características verbais e não verbais são típicas dos
documentos oficiais, como os PCNs, DCNs, Propostas Curriculares, etc.
Outras marcas que representam esse o caráter oficial aparecem na carta
dedicada ao aluno que receberá o material:
165

Figura 7: Carta ao Aluno da SEESP

Podemos constatar, através da análise das marcas de pessoa “caro (a)


aluno (a)”, “você”, e “seus”, “sua” presentes em todo o texto que é pretendido
estabelecer uma interlocução com os alunos, como uma tentativa de
proximidade para, em seguida, serem apresentados os objetivos colocados
para a seleção dos conteúdos que serão trabalhados no decorrer do bimestre.
Finalizando a carta, é disposta a informação de quem a produziu, típico do
gênero textual que, neste caso, é a Equipe Técnica de Língua Portuguesa da
SEESP. Em cada Caderno do Aluno, de cada bimestre e de cada série, são
elaboradas diferentes cartas apresentando os objetivos e conteúdos
específicos.
166

Após a apresentação da carta, iniciam as Situações de Aprendizagem.


Essas são as partes que dividem o Caderno do Aluno e sistematizam as
atividades para o trabalho com os gêneros textuais. Podemos considerá-las
como as unidades organizadoras do material didático. A quantidade das
Situações de Aprendizagem por Caderno do Aluno varia de quatro a seis.
Ao analisá-las, visando depreender quais as características dos gêneros
textuais eram trabalhadas, foi possível identificar alguns tipos de atividades que
são comuns e se repetem na maioria dos exemplares. Dessa forma, para
conhecermos como elas foram propostas e, também, quais são essas
atividades, seguiremos com as considerações da próxima seção.

7.2.2 As Situações de Aprendizagem e os tipos de atividades propostas


para o trabalho com os gêneros textuais

Com a análise da organização dos Cadernos do Aluno, observamos que


as Situações de Aprendizagem apresentam atividades semelhantes nos três
níveis de ensino. Por mais que os conteúdos e gêneros trabalhados são
diferentes, as propostas são bem próximas. A seguir, elencaremos os tipos de
atividades com as imagens daquelas propostas no Caderno do Aluno da 3ª
série do Ensino Médio, Volume 4 (4º bimestre), Situação de Aprendizagem 2:

1) Atividades de Sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos.


Dispostas, geralmente, no início da Situação de Aprendizagem como
forma de verificar quais os conhecimentos prévios do aluno quanto ao
assunto a ser tratado, a situação de produção ou a temáticas próximas.
167

Figura 8: Atividade de Sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos

Na Situação de Aprendizagem figurada acima, busca-se trabalhar com


os conhecimentos prévios dos alunos referentes à situação de produção, aos
possíveis conteúdos temáticos típicos de um discurso de formatura.

2) Atividades de levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos


quanto ao gênero textual que será trabalhado. Tais atividades
consistem na discussão, geralmente, oral do que os alunos já conhecem
sobre o gênero, em quais meios são veiculados e qual a sua função
social.

Figura 9: Atividade de levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos quanto


ao gênero textual
168

No caso acima, temos a discussão oral dos conhecimentos prévios do aluno


sobre o discurso de formatura. As perguntas propostas pelo material
consistem: na reflexão do uso de vocativos, que são mecanismos linguísticos
típicos desse gênero textual; no processo de produção e no que se espera das
informações que devem ser veiculadas.

3) Apresentação do exemplar do gênero textual em questão.


Geralmente apresentado através do texto integral ou através de recortes
nomeados como “trechos”. No entanto, os exemplares são reproduzidos
no material didático em um formato diferente da situação em que
emergiu.

Figura 10: Exemplar do Gênero Textual Discurso de Formatura

O exemplar do gênero discurso de formatura não é exposto


integralmente, mas apenas uma parte como podemos constatar com a
sinalização “[...]”. Na referência, um dos autores do texto é “LANDEIRA, J. L.”,
membro da equipe de elaboração dos Cadernos do Aluno do Ensino Médio. O
aparecimento de exemplares com essa autoria é comum nos demais
Cadernos, sendo alguns exemplares elaborados exclusivamente para o
material, como declarado pelos próprios elaboradores.
169

4) Apresentação de exemplares de outros gêneros textuais ou trechos


para o trabalho com o conteúdo temático:

Figura 11: Exemplares de outros gêneros textuais para o trabalho com o


conteúdo temático

Em tais atividades, apresentam-se trechos dos discursos religiosos do


Padre Antônio Vieira. No enunciado introdutório da questão “2”, afirma-se que
são trechos de discurso “daquele que é considerado o maior orador da
literatura de língua Portuguesa”, o que nos leva a entender que será
apresentado um modelo de escrita. Em seguida, é feita a análise do texto
quanto ao uso da expressão “auditório” com o intuito de levar o aluno a refletir
sobre os possíveis leitores/ouvintes do texto.
170

5) Atividades relacionadas ao contexto de produção. Discussões sobre


a biografia do autor do texto, ou do estilo da escrita da época, ou ainda,
da situação de comunicação:

Figura 12: Atividade Didática relacionada ao contexto de produção

Vemos nesse momento a explicação das diferenças de discurso de


formatura, da seleção do léxico especificamente, em relação ao momento
histórico em que é pronunciado. São dadas também informações culturais da
época do autor que o influenciou no estilo de produção de seu discurso.

6) Atividades que definem a estrutura organizadora do gênero textual


trabalhado. Em todas as atividades, a apreensão ou identificação pelos
alunos das estruturas predominantes do gênero textual estudado não
era sugerida, mas dada sua definição. Cabe ao aluno, portanto, apenas
171

identificar quais partes do texto lido referiam àquelas definidas pelo


material;

Figura 13: Atividade Didática Relacionada à organização textual

Na atividade acima, a estrutura do discurso de formatura é definida a partir


da exposição anterior de um exemplar específico. As partes que o compõe,
segundo o que é proposto, são: agradecimentos, comentários e conclusão.

7) Às atividades de questões gramaticais:

Figura 14: Atividade Didática Gramatical

É proposto, nas atividades acima, o trabalho com o uso da vírgula a


partir da análise de uma frase construída pelos elaboradores do material,
relacionada à situação de produção do discurso de formatura. No entanto, ela
172

não pertence ao exemplar do gênero apresentado, mas foi elaborada e


proposta unicamente para a realização da atividade gramatical.

8) À orientação para a produção do gênero.

Figura 15: Orientações para a produção textual

Figura 16: Orientações para a produção textual - II

A proposta de produção do gênero textual discurso de formatura inicia


com a atividade de número 2, que consiste em o aluno construir um final para o
exemplar já existente, o que não seria, neste caso, um texto de autoria plena
do aluno. Em seguida, são colocados os critérios que serão utilizados para a
173

avaliação do discurso construído pelo aluno, os quais não correspondem às


formas de boa apresentação, postura e entonação de voz.
Finalizando a apresentação dos resultados de análise do Plano Global,
partindo da identificação dos tipos de atividades, podemos tecer as primeiras
considerações sobre o tratamento didático dos gêneros textuais pelos
Cadernos do Aluno. Primeiramente, verificamos que os exemplares dos
gêneros trabalhados apresentam um layout diferente da situação que o fez
emergir ou, até mesmo, são criados para o próprio material didático. Com esse
tratamento didático, não são levadas em consideração as características
contextuais essenciais para a compreensão da situação de comunicação que
está em jogo (como foi publicado, em que data, com qual objetivo, quem são os
pares da comunicação, etc).
Quanto ao próprio trabalho com os gêneros textuais é realizado,
basicamente, pelo levantamento dos conhecimentos prévios do aluno sobre o
gênero, pelas representações das situações de produção, pela exposição de
algumas informações do contexto sócio-histórico, pela discussão do conteúdo
temático, e pela descrição e identificação da estrutura organizadora. No
entanto, vemos que atividades de aprofundamento das características
discursivas e linguístico-discursivas são pouco ou quase nada trabalhadas,
propondo a análise gramatical de forma superficial e desvinculada ao gênero
proposto.
A seguir, apresentaremos o levantamento que fizemos dos gêneros
textuais trabalhados nos Cadernos do Aluno das três séries do Ensino Médio e,
também, as dimensões ensináveis privilegiadas, a fim de verificarmos se os
objetivos e encaminhamento didático verbalizados no texto da Proposta
Curricular foram, de fato, considerados.

7.3 As dimensões ensináveis dos gêneros textuais nos Cadernos do


Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio

Apresentaremos a seguir os resultados obtidos com a análise das


atividades didáticas de todos os Cadernos do Aluno do Ensino Médio que
visavam o ensino dos gêneros textuais, com o objetivo de identificar as
dimensões ensináveis trabalhadas, classificando-as de acordo com as três
174

capacidades de linguagem (ação, discursiva e linguístico-discursiva) e, com


eles, verificar se os objetivos e propostas de encaminhamento didático foram,
de fato, privilegiados.
Levando em conta as atividades propostas nos Cadernos do Aluno, foi
possível levantarmos quais gêneros textuais foram trabalhados nas três séries
do Ensino Médio e, assim, construirmos o quadro abaixo:

Quadro 12: Gêneros Textuais Trabalhados no Ensino Médio

Gêneros Textuais Trabalhados no EM


1ª série 2ª série 3ª série
Conto Antologia Poética Antologia
Convite de Casamento Anúncio Publicitário Anúncio de Emprego
Crônica Artigo de Opinião Bilhete
E-mail Blog Discurso de Formatura
Entrevista Carta Pessoal Dissertação Escolar
Fábula Conto E-mail
Folheto de Divulgação Conto Fantástico Entrevista de Emprego
Letra de Música Crônica Letra de Música
Notícia Entrevista Poema
Poema Letra de Música Resenha
Resumo Poema Romance
Resenha Romance Tirinha
Texto de Peça Teatral Resumo
Reportagem
Texto de Peça Teatral

Com esse levantamento, percebemos que o material forneceu uma


variedade de gêneros textuais de diferentes esferas discursivas,
proporcionando ao aluno o contato com diferentes práticas de linguagem. Para
conhecermos como o trabalho com eles foi realizado, e quais as características
dos gêneros foram ensinadas, analisamos as atividades pelo viés das
dimensões ensináveis, e as organizamos de acordo com a capacidade de
linguagem possível de ser desenvolvida.
175

7.3.1 As dimensões actanciais desenvolvidas nas atividades didáticas dos


Cadernos do Aluno

Na 1ª série, foram desenvolvidas as seguintes dimensões ensináveis


dos gêneros textuais:

Quadro 13: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 1ª


série

1 Discussão das representações do conteúdo temático


2 Discussão do conteúdo temático trabalhado em outros textos
3 Discussão dos conhecimentos prévios do aluno sobre o gênero textual
4 Discussão do Contexto Sócio-Histórico de Produção
5 Discussão do contexto de produção e recepção
6 Discussão do suporte de veiculação

Quanto à ocorrência de tais dimensões nas Situações de Aprendizagem


está representada no gráfico abaixo:

Gráfico 1: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 1ª série do EM

Com o gráfico, podemos constatar que nas atividades didáticas que


trabalharam as dimensões actanciais na 1ª série, aquelas que propuseram a
discussão do contexto de produção e recepção tiveram maior incidência, em
35%. Em seguida, temos as discussões das representações do conteúdo
176

temático, 31%. E, em 17%, seguem as discussões sobre as concepções


prévias dos alunos sobre o gênero textual proposto.
Em relação aos Cadernos do Aluno da 2ª série, as dimensões actanciais
trabalhadas foram:

Quadro 14: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 2ª série


1 Discussão das representações do conteúdo temático
2 Discussão do conteúdo temático trabalhado em outros textos
3 Discussão do contexto de produção e recepção
4 Discussão sobre a crítica social presente
5 Discussão do objetivo de escrita
6 Discussão do suporte de veiculação

Quanto à frequência delas nas Situações de Aprendizagem pode ser


representada pelo gráfico:

Gráfico 2: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 2ª série do EM

Assim como vimos na 1ª série, a dimensão mais trabalhada é a da


discussão do contexto de produção e recepção (32%). Seguida da discussão
das representações do conteúdo temático (30%) e da discussão do contexto
sócio-histórico (19%) dos gêneros textuais.
E, em relação às dimensões ensináveis propostas nas atividades
didáticas da 3ª série são:
177

Quadro 15: Dimensões Ensináveis Actanciais nos Cadernos do Aluno da 3ª série

1 Discussão das representações do conteúdo temático


2 Discussão do conteúdo temático trabalhado em outros textos
3 Discussão dos conhecimentos prévios do aluno sobre o gênero textual
4 Discussão do contexto de produção e recepção
5 Discussão do Contexto Sócio-Histórico
6 Discussão do objetivo de escrita

Quanto à frequência delas nas Situações de Aprendizagem:

Gráfico 3: Dimensões Actanciais Desenvolvidas na 3ª série do EM

Na terceira série, a dimensão privilegiada é a do conteúdo temático


(37%), seguida dos conhecimentos prévios sobre o gênero textual (25%), da
intertextualidade dos conteúdos (13%) e do contexto de produção e recepção
(13%).
Com esses resultados, em relação às características actanciais,
percebemos uma preocupação maior dos elaboradores nos materiais das 1ª e
2ª séries com a discussão do contexto de produção de recepção. Já na 3ª série
com as representações do conteúdo temático tanto nos exemplares dos
gêneros trabalhados quanto em outros que também o faziam.
O desenvolvimento das atividades sobre o contexto de produção e
recepção é constatado, no entanto, em boa parte das atividades didáticas, não
178

há o aprofundamento das questões sociosubjetivas dos produtores e


receptores. São realizadas discussões superficiais, propondo que o aluno, no
processo de produção textual, ocupe o papel do produtor, sem dar importância
a sua função social e a de seu parceiro na comunicação. O desenvolvimento
do contexto de produção e recepção também se dá pelas informações
disponibilizadas pelo material da biografia do autor. Propõe-se, dessa forma, o
trabalho com o contexto de produção e recepção pelo viés de que as
informações devem ser passadas de forma clara para seu leitor/ouvinte, sem
levar em conta as características sociosubjetivas da interação, o lugar social
que a interação acontece e os efeitos de sentido que se pretende construir.
Outras dimensões são representadas por uma porcentagem inferior a
essas. A proposta de discussão do contexto sócio-histórico, por exemplo, está
presente nas Situações de Aprendizagem das três séries, no entanto, tem
representatividade maior na 2ª série, quando os elaboradores relacionam o
conteúdo e estilo dos exemplares dos textos à sua época e à crítica social
presente. Acreditamos que o trabalho com tal dimensão deveria ter sido
realizado em todas as situações de ensino dos gêneros textuais, uma vez que
a seleção e escolhas linguísticas e discursivas estão intimamente ligadas a ele,
sendo constituídas e determinadas por ele.
Quanto ao trabalho com o objetivo de escrita é encontrado apenas na 2ª
e 3ª série, em uma porcentagem muito pequena nas atividades dos Cadernos
do Aluno, o que acreditamos ser comprometedor para as propostas das
dimensões discursivas e linguístico-discursiva, já que é a partir do objetivo de
comunicação/interação que são selecionados os mecanismos necessários para
alcançá-los.
Na próxima seção, apresentaremos as dimensões discursivas
trabalhadas nas três séries.
179

7.3.2 As dimensões discursivas desenvolvidas nas atividades didáticas


dos Cadernos do Aluno

Foram desenvolvidas as seguintes dimensões ensináveis na 1ª série:

Quadro 16: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 1ª


série

1 Identificação do conteúdo temático


2 Identificação da Estrutura Organizadora do Conteúdo Temático
3 Descrição da estrutura e reflexão dos objetivos de cada parte em relação ao uso
4 Identificação da construção de rimas

Apresentaram-se, quanto à frequência nas Situações de Aprendizagem,


da seguinte forma representada pelo gráfico abaixo:

Gráfico 4: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 1ª série do EM

Na 1ª série, as dimensões ensináveis mais desenvolvidas pelas


atividades didáticas foram a identificação da estrutura organizadora do
conteúdo temático (56%) e sua identificação (28%).
Quanto ao trabalho na 2ª série, realizou-se através das seguintes
dimensões:
180

Quadro 17: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 2ª série

1 Identificação do Conteúdo Temático


2 Identificação da Estrutura Organizadora do Conteúdo Temático
3 Descrição da estrutura e reflexão dos objetivos de cada parte em relação ao uso
4 Identificação das marcas textuais típicas da abertura do texto;

Em relação à frequência nas Situações de Aprendizagem, encontramos


as mesmas proporções da 1ª série, ou seja, a predominância da identificação
da estrutura organizadora do conteúdo temático (56%) e do próprio conteúdo
(33%):

Gráfico 5: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 2ª série do EM

Nos Cadernos do Aluno da 3ª série, as dimensões ensináveis


discursivas trabalhadas consistem apenas naquelas que predominaram nas
séries anteriores:

Quadro 18: Dimensões Ensináveis Discursivas nos Cadernos do Aluno da 3ª série

1 Identificação do Conteúdo Temático


2 Identificação da Estrutura Organizadora do Conteúdo Temático
181

A frequência das atividades que trabalharam a identificação da Estrutura


Organizadora nas Situações de Aprendizagem apresenta-se em 70% das
atividades da 3ª série, como podemos ver no gráfico abaixo:

Gráfico 6: Dimensões Ensináveis Discursivas Desenvolvidas na 3ª série do EM

Como constatado nas análises das atividades didáticas que trabalharam


as características discursivas dos gêneros textuais, as dimensões mais
trabalhadas foram a identificação do conteúdo temático e a da estrutura
organizadora. As atividades que as desenvolveram propunham a descrição das
principais características da estrutura dos gêneros e, em seguida, a
identificação delas nos exemplares expostos. Assim também acontece com a
identificação dos conteúdos em as atividades de identificação (decodificação)
temática.
O aprofundamento dos motivos que levaram a seleção das
características organizadoras, ou seja, as discussões sobre sua escolha e
disposição em relação ao contexto de produção e às intenções do enunciador
para atingir determinados efeitos de sentido não são realizadas. Vê-se,
portanto, um trabalho da superfície do plano discursivo, apenas para sua
decodificação.
Por último, apresentaremos os resultados das dimensões linguístico-
discursivas trabalhadas.
182

7.3.3 As dimensões linguístico-discursivas desenvolvidas nas atividades


didáticas dos Cadernos do Aluno

Nos Cadernos do Aluno da 1ª série, foram trabalhadas as seguintes


dimensões ensináveis:

Quadro 19: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 1ª


série

1 Discussão da seleção lexical e construção dos efeitos de sentido


2 Identificação dos mecanismos da construção da ambiguidade
3 Identificação dos sons e efeitos de sentido
4 Identificação dos pronomes, estudo das vozes e da coesão nominal
5 Identificação dos adjetivos e efeitos de sentido
6 Identificação da pontuação
7 Identificação do uso de hífen
8 Identificação da repetição

A frequência delas nas Situações de Aprendizagem aconteceu da


seguinte maneira:

Gráfico 7: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 1ª série do


EM

A dimensão mais desenvolvida foi a identificação da seleção lexical do


exemplar do gênero textual trabalhado e dos possíveis efeitos de sentidos que
podem ser construídos com ela (50%). Ou seja, a identificação de expressões
que constam nos exemplares e que o material seleciona para a análise, sem
183

serem, necessariamente, típicas do gênero textual trabalhado. Em seguida,


com ocorrências pontuais nas Situações de Aprendizagem, vemos o trabalho
com as dimensões linguísticas e seus usos: pronomes, coesão, adjetivos,
pontuação, hífen, etc.
Na 2ª série, são desenvolvidas nas atividades didáticas as seguintes
dimensões:

Quadro 20: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 2ª série

1 Identificação da seleção lexical e construção dos efeitos de sentido


2 Identificação da seleção lexical e construção da musicalidade
3 Identificação dos conectivos e efeitos de sentido
4 Identificação das vírgulas e efeitos de sentido
5 Identificação dos neologismos e efeitos de sentido
6 Identificação das preposições e efeitos de sentido
7 Identificação dos travessões e sua função dentro do texto
8 Identificação dos adjetivos e efeitos de sentido

Quanto à ocorrência delas nas diferentes Situações de Aprendizagem


vemos no gráfico abaixo:

Gráfico 8: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 2ª série do


EM

Podemos constatar a partir dos dados numéricos que a dimensão mais


trabalhada continua sendo a identificação lexical e a construção de sentido,
representada em 32% das Situações de Aprendizagem. Em seguida, temos a
184

incidência, em 16% das atividades, do trabalho com os conectivos e os efeitos


de sentido. As demais atividades propõe o trabalho com as características
linguísticas e seus usos: a construção da musicalidade, a vírgula, preposição,
neologismos, travessão, adjetivos e os diferentes efeitos de sentido que o uso
de tais mecanismos pode construir.
E, enfim, as dimensões linguístico-discursivas trabalhadas na 3ª série
foram identificadas como:

Quadro 21: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas nos Cadernos do Aluno da 3ª série

1 Identificação da seleção lexical e construção dos efeitos de sentido


2 Identificação dos mecanismos de coerência verbal e nominal
3 Identificação dos vocativos
4 Identificação dos diminutivos e efeitos de sentido
5 Identificação os mecanismos de construção da ambiguidade e efeito de sentido
6 Identificação do uso dos adjetivos e efeitos de sentido
7 Identificação dos advérbios e efeitos de sentido
8 Identificação das reticências e efeitos de sentido
9 Identificação dos períodos longos e curtos
10 Identificação dos gerúndios e efeitos de sentido
11 Identificação dos pronomes e efeitos de sentido
12 Identificação das vírgulas e efeitos de sentido

Gráfico 9: Dimensões Ensináveis Linguístico-Discursivas Desenvolvidas na 3ª série do


EM
185

Assim como nas séries anteriores, a identificação da seleção lexical e da


construção dos efeitos de sentido é predominante nas atividades didáticas, pois
se apresenta em 28% das Situações de Aprendizagem. É seguida da
identificação dos mecanismos linguísticos: coerência verbal e nominal,
vocativos, diminutivos, ambiguidade, adjetivo, advérbio, reticência, períodos,
gerúndio, pronomes e vírgulas e, consequentemente, dos diferentes efeitos de
sentidos que o uso deles promove.
Podemos considerar, dessa forma, que através do trabalho das
dimensões linguístico-discursivas, não foi constatado o aprofundamento ou
progressão nas diferentes séries. Houve um trabalho de identificação e
discussão dos usos específicos nos exemplares trabalhados, a função delas
naquela prática específica, mas não como sendo características que poderiam
ser típicas dos gêneros textuais em questão ou, até mesmo, transferíveis a
outras práticas. Supomos que é um trabalho, cujo intuito principal é o de
trabalhar as questões gramaticais determinadas para o nível de ensino. E,
ainda, os exercícios que contemplavam tais dimensões, geralmente,
propunham reflexões e uso desvinculados do trabalho dos gêneros.
Retomando o objetivo colocado para o ensino de Língua Portuguesa, e o
encaminhamento didático proposto para o ensino dos gêneros textuais na
Proposta Curricular, formulamos algumas considerações sobre as
transformações que os conhecimentos sofreram para se tornarem ensináveis
em um material didático.
Quanto ao objetivo: levar o aluno ao acesso ao mundo do
conhecimento pela linguagem, sendo isso possível através da relação dialética
do que é intrinsecamente linguístico e as dimensões subjetivas e sociais;
verificamos um problema nas atividades didáticas, uma vez que, pouco foram
trabalhadas e exploradas as dimensões ensináveis do contexto sócio-histórico
e sociosubjetivo em que as manifestações linguísticas se deram. Esse trabalho
dificultou o estabelecimento da relação entre o intrinsecamente linguístico e as
dimensões sociais e sociosubjetivas proposta a princípio e, também, não
contemplou o próprio conceito de gênero textual que, segunda as teorias que o
definem, é um produto sócio-histórico e sociosubjetivo das interações
186

humanas, portanto, analisa-las é primordial para se trabalhar com tal objeto de


ensino.
Quanto ao que se considerou ser intrinsecamente linguístico, foram
propostas atividades de identificação das características linguísticas nos
exemplares dos gêneros, no entanto, raras são as reflexões de sua função
dentro do texto e em relação ao contexto sócio-histórico de produção.
Em relação ao encaminhamento didático proposto inicialmente, como já
discutimos, verificamos que a proposta de relacionar os conhecimentos ao seu
contexto de produção, foi parcialmente levada em conta, já que as
características actanciais não foram amplamente exploradas. Quanto à
proposta de os textos serem compreendidos em seus funcionamentos na
sociedade, visando atingir aos objetivos desejados, foi privilegiada em apenas
5% das Situações de Aprendizagem dos Cadernos do Aluno da 2ª série e em
6% da 3ª série, ou seja, as atividades que propunham levar o aluno a identificar
os objetivos propostos pelos autores dos exemplares foram minoria nas três
séries do Ensino Médio.
Já o trabalho de compreender os textos em suas características
estruturais (como ele é feito) até as condições de produção e recepção e,
assim, refletir sobre sua adequação, vimos que também houve uma
incompletude no tratamento didático, pois verificamos que nas atividades
didáticas foram trabalhadas apenas a definição prévia e identificação nos
exemplares das estruturas organizadoras e não sua dependência com o
contexto e sua adequação a ele.
E, finalizando nossas discussões sobre os resultados de análise da
Proposta Curricular e dos Cadernos do Aluno, discutiremos na última seção
sobre como foi realizada a progressão dos conteúdos entre os diferentes níveis
de ensino (Fund. II e EM) e, também, em um mesmo nível de ensino assim
como prescrito inicialmente para o encaminhamento didático dos gêneros
textuais.
187

7.4 A Progressão Curricular dos conteúdos nos Cadernos do Aluno de


Língua Portuguesa do Ensino Médio

A análise realizada para a verificação da Progressão Curricular proposta


pela SEESP nos materiais didáticos, deu-se pela identificação das dimensões
ensináveis do gênero textual poema, que foi o mais trabalhado nas Situações
de Aprendizagem dos Cadernos do Aluno do Ensino Médio. Dessa forma,
pudemos avaliar o aprofundamento das características constitutivas e
determinantes do gênero nas diferentes séries, realizado pelo material didático
para uma real apropriação de um instrumento que permite o aluno agir
linguageiramente nas diversas práticas sociais.
Iniciamos com a apresentação das dimensões actanciais desenvolvidas
nas três séries e das discursivas e linguístico-discursivas, sucessivamente.
Foram desenvolvidas as seguintes dimensões actanciais do gênero
poema nas três séries do Ensino Médio:

Quadro 22: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 1ª série

Discussão das representações do conteúdo temático;


Discussão do Contexto Sócio-Histórico;
Discussão do Contexto de Produção e Recepção;
Discussão da Crítica Social Presente

Quadro 23: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 2ª série

Discussão das representações do conteúdo temático;


Discussão do Contexto Sócio-Histórico;
Discussão do Contexto de Produção e Recepção;
Discussão da Crítica Social Presente

Quadro 24: Dimensões actanciais do gênero poema desenvolvidas na 3ª série

Discussão das representações do conteúdo temático;


Discussão do Contexto Sócio-Histórico;
Discussão do Contexto de Produção;
Discussão da Crítica Social Presente
188

Vemos nos quadros que houve, nas três séries, o trabalho com três
dimensões ensináveis. A Discussão das Representações do Conteúdo
Temático, tanto pelo levantamento daquelas que o aluno já tem desenvolvidas,
quanto àquelas que o material propõe para discussão. Um exemplo desse
trabalho segue na imagem abaixo de uma atividade do Caderno do Aluno da 1ª
série, Volume I, página 33:

Figura 17: Atividade de Discussão das Representações do Conteúdo Temático

Discussão do Contexto Sócio-Histórico, realizada, geralmente, por


explicações do material didático ou requisição de pesquisa da biografia do
autor ou do contexto literário, como podemos ver na imagem abaixo:

Figura 18: Atividade de Discussão do Contexto Sócio-Histórico

E Discussão da Crítica Social, também pelo viés das críticas


direcionadas pela escola literária que o texto pertence relacionando com
questões sociais atuais. Vejamos, na imagem abaixo, uma atividade do
Caderno do Aluno da 3ª série, Volume II, página 27, que trabalha com essa
dimensão.
189

Figura 19: Atividade de Discussão da Crítica Social

Na primeira e segunda série, tivemos o desenvolvimento de atividades


de Discussão do Contexto de Produção e Recepção, momento em que foi
retomada a informação de quem escreveu e a reflexão rápida de como o texto
se aproxima do leitor:

Figura 20: Atividade do Caderno do Aluno da 1ª série de Discussão do Contexto de


Produção e Recepção

Figura 21: Atividade do Caderno do Aluno da 2ª série de Discussão do Contexto de


Produção e Recepção

E, na terceira série, a Discussão do Contexto de Produção, sem levar


em conta quem recebe o texto.
Como pudemos observar, o trabalho com as dimensões actanciais nos
Cadernos do Aluno do Ensino Médio não foi realizado de forma progressiva,
visando o aprofundamento dos conhecimentos para uma melhor apropriação
190

pelo aluno. As mesmas características do contexto foram desenvolvidas nas


três séries.
Em relação às dimensões discursivas desenvolvidas, chegamos aos
seguintes resultados organizados nos quadros abaixo:

Quadro 25: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 1ª série

Identificação da estrutura organizacional do conteúdo temático;


Identificação do Conteúdo Temático;
Identificação da organização na estrutura de rimas;

Quadro 26: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 2ª série

Identificação da estrutura organizadora do conteúdo temático


Identificação do Conteúdo Temático
Identificação da organização na estrutura de rimas

Quadro 27: Dimensões discursivas do gênero poema desenvolvidas na 3ª série

Identificação do Conteúdo Temático

Podemos verificar que também não houve a progressão e


aprofundamento das dimensões discursivas nas séries do Ensino Médio.
Foram trabalhadas as mesmas características nas primeira e segunda séries e
apenas a Identificação do Conteúdo Temático na 3ª série.
As atividades de identificação do conteúdo temático foram utilizadas
para o conhecimento do assunto tratado nos textos e, na maioria das vezes,
antecedia os demais trabalhos com o gênero. Eram atividades de
decodificação do tema, como podemos ver no exemplo abaixo retirado do
Caderno do Aluno da 2ª série, Volume II, página 29:
Figura 22: Atividade de Identificação do Conteúdo Temático
191

Tivemos o trabalho com a Identificação da estrutura organizadora do


conteúdo temático, geralmente pela constatação de quantas estrofes e versos
tinham o poema, tipo atividade que predominou nos Cadernos do Aluno do
Ensino Médio, e, também, pela discussão da divisão das estrofes quanto ao
desenvolvimento do tema. Vejamos um exemplo retirado do Caderno do Aluno
da 2ª série, Volume I, página 54:

Figura 23: Atividade de Identificação da Estrutura Organizadora do Conteúdo Temático

Com relação à Identificação da organização da estrutura de rimas, foram


propostas atividades desde a classificação e separação das sílabas em
conformidade com os sons, até a reflexão da organização de acordo com os
efeitos de sentido causados. Segue abaixo um exemplo retirado do Caderno do
Aluno da 1ª série, Volume II, página 27:
192

Figura 24: Atividade de Identificação da Estrutura de Rimas


193

E, enfim, as dimensões linguístico-discursivas trabalhadas:

Quadro 28: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 1ª série

Escolha Lexical e significação;


Seleção Lexical e efeitos de sentido;
Ambiguidade;
Uso e efeitos de sentido dos adjetivos e verbos;
Uso e efeitos de sentido dos tempos verbais;
Seleção de sons e efeitos de sentido produzidos;
Análise dos pronomes para o reconhecimento das vozes;
Mecanismos de coesão nominal

Quadro 29: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 2ª série

Escolha Lexical e significação


Seleção Lexical e efeitos de sentido
Uso e efeitos de sentido das preposições

Quadro 30: Dimensões linguístico-discursivas do gênero poema desenvolvidas na 3ª série

Seleção Lexical e efeitos de sentido

Pela análise das dimensões linguístico-discursivas, fica claro que o


trabalho com o gênero poema foi mais aprofundado na primeira série, não
havendo progressão ou aprofundamento das características desse nível no
decorrer do Ensino Médio.
Avaliamos dessa forma, a partir do ensino proposto do poema, gênero
com maior incidência nas Situações de Aprendizagem, que o material não
visou à progressão e aprofundamento dos conhecimentos das dimensões
constitutivas e determinantes. As mesmas características actanciais foram
desenvolvidas em todo o Ensino Médio. As discursivas tiveram um trabalho de
digressão, assim como a linguístico-discursiva, considerando que mais
características do gênero foram trabalhadas na 1ª série sofrendo uma redução
nas 2ª e 3ª séries.
Finalizada a apresentação dos Resultados de Análise, partimos para as
considerações e reflexões finais.
194

VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, propomos algumas reflexões sobre os resultados que


obtivemos com nossas análises, relacionando-os com as discussões teórico-
metodológicas que apresentamos.

O objetivo da pesquisa foi analisar e avaliar a transposição didática dos


gêneros textuais realizada pela Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, ao elaborar a Nova Proposta Curricular, hoje Currículo Oficial, e os
materiais didáticos voltados para as três séries do Ensino Médio.

Para que isso fosse possível, apresentamos algumas discussões


teóricas que nos ajudaram a alcançar nosso objetivo. Primeiramente,
propusemos uma reflexão do contexto em que os gêneros textuais emergiram
como objetos de ensino da disciplina de Língua Portuguesa, dos meios pelos
quais são moldados para ocupar tal estatuto, do modo como são trabalhados
nos livros didáticos e como diferentes pesquisadores avaliam atualmente este
trabalho. ((RANGEL, 2001); (ROJO E BATISTA, 2008); (MARCUSCHI, B &
CAVALCANTE 2008); (BUENO, 2011); (GRILLO & CARDOSO, 2008)
(BARROS-MENDES & PADLHA, 2008) ; (MARCUSCHI, 2001))

A partir dessas reflexões, compreendemos que os gêneros textuais


tornaram-se objetos de ensino devido às demandas, sociais, políticas,
econômicas, científicas e educacionais que impulsionaram diferentes reformas
nas políticas públicas nacionais, incluindo, a educação. Os meios pelos quais
as novas aspirações se difundiram foram os livros e materiais didáticos em
geral, já que eles sempre estiveram presentes nas práticas didáticas guiando o
ensino e viabilizando o aprendizado. Em relação às avaliações dessas
ferramentas, pudemos constatar que as propostas didáticas que promovem o
ensino dos gêneros textuais se realizam em um nível superficial, não
proporcionando o aprofundamento das características constitutivas para uma
real apropriação pelo aluno e professor, ou seja, não dando condições de os
gêneros tornarem-se verdadeiros instrumentos que possibilitam o agir humano
nas diferentes práticas sociais.
195

Em seguida, apresentamos o quadro teórico-metodológico do


Interacionismo Sociodiscursivo que esta pesquisa se fia. Nesse momento,
foram discutidas desde as situações de emergência até as teses centrais dessa
ciência do humano que fundamentam e justificam as propostas didáticas dos
gêneros textuais, considerando-os como um produto das interações humanas,
sócio-historicamente situadas, e obedecendo a determinados parâmetros
sociosubjetivos.

Como o nosso objetivo era o de avaliar a transposição didática dos


gêneros textuais, tratamos de explicar esse conceito trazendo a sua história de
emergência, as reformulações feitas ao longo do tempo e as contribuições ISD
para sua compreensão. Nesse capítulo, descobrimos que a transposição
didática são as transformações que determinado conhecimento sofre até se
tornar ensinável, estando ele exposto a inúmeras e profundas mudanças.
Vimos também que esse processo não é a mera aplicação dos conhecimentos,
mas a adaptação às diferentes situações de ensino-aprendizado, que requerem
sempre que sejam revistos em conformidade com as necessidades sociais,
educacionais, políticas, etc. No entanto, os movimentos transposicionais nem
sempre se realizam de modo a preservar os objetivos com que fizeram emergir
os saberes, sua proposta macro, seus fundamentos filosóficos, resultado de
uma manipulação ideológica, gerando assim os problemas de transposição
didática.

A equipe genebrina propõe compreender esse fenômeno partindo da


tese de que as transformações se dão em dependência aos Sistemas Didáticos
e ao Contexto Particular da Educação, sendo possível depreendê-las através
da análise de sua escrituralização, ou seja, dos textos. Para esse
entendimento, Schneuwly (2009), reformulando os estudos de Chevallard,
propõe a discussão dos conceitos de Transposição Didática Externa e Interna.
A TDE consiste nas transformações realizadas desde a comunicação dos
saberes à comunidade científica até tornarem objetos a serem ensinados. Já a
TDI são as transformações e adaptações que se realizam ao ensiná-los, ao
serem aprendidos e ao avalia-los.
196

Como uma proposta de transposição viável e condizente com as reais


situações de ensino-aprendizado, trouxemos as propostas ISD de Modelo
Didático e Sequências Didáticas, que levam em consideração as capacidades
iniciais dos alunos, o objetivo de ensino, os conhecimentos teóricos e práticos
do objeto de ensino, as capacidades que visam desenvolver e as condições
didáticas.

Com tais discussões teórico-metodológicas, foi possível analisarmos


nosso corpus que consistiu nos textos de orientação curricular para o Ensino
Médio (PCN, DCN e Proposta Curricular da SEESP) e nos materiais didáticos
nomeados como Cadernos do Aluno de Língua Portuguesa do Ensino Médio,
no que tange as propostas didáticas e ensino dos gêneros textuais.

Para a análise da transposição didática dos gêneros, partimos,


primeiramente, da compreensão de eles são os meios pelos quais nos
comunicamos, interagimos e desenvolvemos na e pela linguagem e que, ao
serem transpostos para as práticas educacionais, sofrem modificações e
ganham uma nova função, a de serem o instrumento de aprendizagem. Para
isso, necessitam estar o mais próximo possível da situação de comunicação.

Tais transformações são possíveis quando reconhecemos a


artificialidade constitutiva dos objetos de ensino. Ou seja, eles não podem ser
transpostos em sua totalidade material e simbólica, pois são retomados para
fins didáticos. Ao se deslocar para a escola, os conhecimentos passam a
obedecer a outros objetivos, devendo transformar-se em uma atividade
significante, podendo ser transposta para a vida extra-escolar.

Avaliamos, dessa forma, a transposição dos gêneros textuais pela


SEESP, tomando como base os três princípios do trabalho didático como bem
colocaram Schneuwly & Dolz (2010), os quais são: princípio de legitimidade
(referência aos saberes teórico elaborados por especialistas); princípio de
pertinência (referência às capacidades dos alunos, às finalidades e aos
objetivos da escola, aos processos de ensino aprendizagem); e princípio da
solidarização (tornar coerente os saberes em função dos objetivos visados). E,
também, pelo viés do ensino das capacidades dos gêneros transferíveis a
197

outras práticas de linguagem que potencializam o poder de agir dos indivíduos


nas diferentes situações sociais.

Apresentaremos as reflexões dos resultados de análise, seguindo a


ordem com que foram apresentados no capítulo correspondente.

Com a análise do contexto sócio histórico mais amplo e restrito ao caso


de São Paulo, vimos que os primeiros movimentos transposicionais didáticos
dos gêneros textuais deram-se no início da década de 1990, quando foram
tomados, oficialmente, como objetos de ensino nos documentos que passaram
a reger a educação (PCN). Nesse momento, como constataram Machado &
Bronckart (2005), muitos problemas em sua conceituação foram identificado
por não ser ela consensual tanto no campo científico quanto didático.

Depois de mais de uma década, a SEESP viu a necessidade de retomar


tal conceito em sua Nova Proposta Curricular, com o objetivo de propor novos
meios e orientações para a melhoria da qualidade do ensino se Língua
Portuguesa ofertado, já que os índices de proficiência nas escolas eram
alarmantes.

No entanto, no texto da Nova Proposta Curricular, a definição do que


são os gêneros textuais e a importância de seu aprendizado não é feita.
Apenas é orientado como deve ser o trabalho com eles. Ao contrário do que foi
descoberto com a análise dos PCN por Machado & Bronckart (2005), não
temos um não consenso do conceito, mas a ideia de que é consensual e
sabido por todos.

Essa escolha dos elaborados, em suprimir a definição do objeto de


ensino, dificulta o trabalho do professor já que ele é o principal destinatário das
orientações curriculares. O fato de não encontrar os esclarecimentos
necessários sobre o conhecimento que necessita ensinar, impede a
apropriação pelo docente de sua própria ferramenta de trabalho, já que não
são conhecidas suas funcionalidades, suas características e sua relevância
para o aprendizado de determinadas capacidade no aluno. A
instrumentalização, nesse caso, é inviabilizada, uma vez que não há meios de
198

compreensão do objeto de ensino oferecidos ao professor, que é considerado


pela própria SEESP como responsável pelo aprendizado do aluno.

Quanto ao trabalho proposto, os encaminhamentos didáticos dados, é


realizado de forma simplificada, pois são consideradas como ensináveis
apenas as características actancial e estrutural dos gêneros textuais,
comprometendo, mais uma vez, o entendimento do objeto de ensino e
estabelecendo a incoerência com o objetivo de ensino declarado. Tal fato pode
nos levar a compreensão de um não domínio pelos elaboradores do que vem a
serem os gêneros textuais e as características necessárias para seu
funcionamento nas práticas sociais. Mais uma vez, um obstáculo para o
professor já que, além de não ter definido o que ensinar, também não tem
explícitas as reais características constitutivas do objeto.

Em relação à concepção de linguagem defendida, que, supostamente,


guiaria a elaboração das atividades de compreensão, leitura, produção, etc,
não se tem um consenso ou um posicionamento claro, já que encontramos três
diferentes abordagens: a representacionalista, de meio de comunicação e de
instrumento de ação e desenvolvimento humanos. Tal problema foi identificado
nos PCN e nomeado de duas formas de autonomização, ou seja, quando o
conhecimento é retomado sem estabelecer relação com as situações de sua
emergência e, também, como compartimentalização, uma vez que não é
levada em conta a proposta macro de concepção, mas partes de diferentes
teorias divergentes convivendo em um mesmo espaço, gerando uma
incoerência do currículo.

Quanto à explicação do que vem a ser a aprendizagem, consideramos


como insuficiente, sendo necessário buscar no cotexto possíveis suposições do
que os elaboradores adotam para tal conceito e que guiariam os
encaminhamentos didáticos.

De modo geral, do que pudemos analisar no texto da Nova Proposta


Curricular da SEESP, consideramos as orientações insuficientes para o efetivo
trabalho com os gêneros textuais. Não são dadas explicações básicas para sua
definição, das bases teóricas que o conceitualizam, sua funcionalidade nas
199

práticas sociais e educacionais. Assim também acontece com as concepções


que guiam seu ensino aprendizado, ora parte-se de diferentes abordagens para
a explicação de um mesmo conceito, ora não se assume qual abordagem é
adotada. O professor, dessa forma, precisa lançar mão de seus
conhecimentos, ou até mesmo buscá-los para compreender as propostas de
melhoria da qualidade de ensino visada pela SEESP.

Dessa forma, apenas com a análise do Currículo, verificamos que os


movimentos transposicionais dos elaborados não ficaram claros ao determinar
o que, como e o objetivo de se ensinar.

Partindo para a análise das dimensões ensináveis desenvolvidas nos


Cadernos do Aluno, vimos que as características actanciais mais
desenvolvidas no Ensino Médio foram o contexto simplificado de produção e
recepção, pois a existência do locutor e interlocutor foi discutida, mas não de
um ponto de vista ativo, já que buscava desenvolver apenas a importância da
mensagem ser inteligível a ambos na comunicação. Demostrando, dessa
forma, a visão da linguagem como instrumento de comunicação, a-histórica.
Também foram desenvolvidas com expressividade, na terceira série, as
discussões das representações construídas sobre o conteúdo temático, tanto
daquelas já desenvolvidas pelo aluno quanto aquelas propostas pelo material,
através da análise de sua veiculação em outros textos.

No entanto, outras dimensões actanciais foram pouco trabalhadas e,


muitas vezes, deixadas de lado nas Situações de Aprendizagem como, por
exemplo, o contexto sócio-histórico e sociosubjetivo de produção que, para o
ensino dos gêneros textuais são indispensáveis, uma vez que eles são
produtos das interações situadas sócio-historicamente e respeitando a
determinadas ordens sociosubjetivas. Ao tomá-los como características
secundárias para o tratamento didático, os elaboradores desconsideraram a
importância dos parâmetros que fazem desses conhecimentos gêneros textuais
de fato.

Quanto às dimensões discursivas, também são tratadas de modo


simplificado, sem aprofundamento, com atividades de identificação e
200

codificação sem a reflexão dos efeitos de sentidos que os usos podem


construir. São propostas definições e espera-se que os alunos, apenas com
elas, sejam capazes de produzir um texto pertencente ao gênero trabalhado.

Identificamos também, que o trabalho com as dimensões linguístico-


discursivas não foi aprofundado, uma vez que as características trabalhadas
condizem, supostamente, com os conhecimentos gramaticais a serem
ensinados na série específica. Ou seja, o trabalho linguístico-discursivo
proposto é realizado pela identificação e análise de elementos não
necessariamente típicos dos gêneros em questão e, também, não são vistos
como transferíveis a outras práticas linguageiras. São, portanto, questões
gramaticais trabalhadas dentro do exemplar apresentado, mas desvinculadas
do propósito do ensino do gênero ou das capacidades linguísticas que eles são
portadores.

Finalizando as discussões sobre os resultados alcançados, não


constatamos o ensino progressivo dos conhecimentos. Ou seja, não foi
proposto, ao longo das séries do Ensino Médio, um trabalho com as dimensões
ensináveis dos gêneros textuais que buscasse a progressão e
aprofundamento, a superação de novos limites já alcançados pelo aluno e a
aprendizagem de novos conhecimentos importantes para seu desenvolvimento.
Não houve, portanto, o requisito básico de um currículo, a operacionalização do
ensino visando à evolução dos conhecimentos aprendidos espontaneamente
para os conhecimentos aprofundados da expressão oral e escrita.

Diante de tais constatações sobre o desenvolvimento das dimensões


ensináveis, verificamos que ao aluno também não são dadas condições de
apropriação dos gêneros textuais e das capacidades de linguagem que os
constituem. Não são disponibilizados, nas ferramentas de aprendizado, os
meios possíveis que possibilitam o conhecimento. Inviabiliza-se a reflexão da
importância que eles têm para seu agir, já que o instrumento é apropriado
quando é possível ver a necessidade para si, quando está voltado para as
transformações internas do aluno.
201

Os gêneros textuais são instituídos como Instrumentos Psicológicos,


quando são aprendidos e apropriados pelos alunos, mediatizando a ação de
linguagem, permitindo a compreensão e produção de textos e potencializando
suas ações em diferentes situações sociais.

Com as reflexões sobre o tratamento didático que os gêneros textuais


tiveram, desde sua formulação curricular até os materiais didáticos, pudemos
identificar e compreender os contornos que os tornaram ensináveis, já que
nossa análise consistiu nas discussões das transformações do nível externo de
transposição.

Foram detectados os problemas curriculares quanto: à clarificação do


que vem a ser o objeto de ensino; aos encaminhamentos didáticos que não
condizem com o objetivo de ensino e com as dimensões ensináveis
necessárias para a apropriação; ao convívio de concepções de linguagem
divergentes, resultando em uma proposta incoerente; e a não importância dada
à explicação do que é a aprendizagem. Em relação ao ensino dos gêneros nos
materiais didáticos, verificamos que as dimensões ensináveis não foram
desenvolvidas de forma progressiva e aprofundada ao longo das três séries do
Ensino Médio, não oferecendo novos desafios para os saltos do
desenvolvimento pelas aprendizagens.

Esses problemas podem ser considerados como uma simplificação do


conceito dos gêneros textuais e seu ensino, ou, até mesmo, como a falta de
compreensão por parte de quem escrituraliza os currículo e materiais didáticos.
Aí a necessidade, como nos esclarece Schneuwly (2009), de a equipe de
elaboradores seja interdisciplinar e de especialistas que, de fato, conheçam o
objeto de ensino e os meios pelos quais eles entram na prática da vida social.
Há a necessidade, nas bases das orientações curriculares de se ter
conhecedores dos gêneros textuais a serem ensinados, de objetivos
consistentes e coerentes com a situação de ensino-aprendizado, de propostas,
realmente, significantes para a vida escolar e extra-escolar de alunos e
professores.
202

Essa inconsistência apresentada nas ferramentas de ensino-


aprendizagem dificulta também o nível interno de transposição, pois, diante de
propostas mal elaboradas, as manobras do professor em sala de aula podem
também passar a ser equivocadas, uma vez que não há informações
suficientes nas orientações que guiam seu trabalho. E, aos alunos,
consequentemente, um aprendizado superficial e confuso do que são os
conhecimentos que possibilitariam seu desenvolvimento.

Propomos, portanto, como nossas reflexões finais, o repensar das


práticas didáticas que guiam o ensino-aprendizado dos gêneros textuais. É
necessária uma análise mais aprofundada das bases que os modelam, do uso
de teorias que, de fato, auxiliam compreendê-los em sua complexidade social,
linguística e discursiva, de ferramentas que auxiliem na descrição e
operacionalização do fenômeno complexo da aprendizagem dos gêneros.
203

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECKER, Fernando. Inteligência e Aprendizagem. In: Revista Educação: História da


Pedagogia Jean Piaget. Vol 1. Nº 1. p. 22-35. Revista Educação. Editora Segmento.

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação


verbal. Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira (Trad.). São Paulo : Martins Fontes,
(Coleção Ensino Superior). 1979/1992

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 1992. São Paulo: Martins Fontes,
1953. O problema dos gêneros do discurso, 277-326.

BARROS-MENDES, A. & PADILHA, S. Metodologia de análise de livros didáticos de


língua portuguesa: desafios e possibilidades. In: Livros Didáticos de Língua
Portuguesa: letramento e cidadania. Costa Val, M. & Marcuschi, B (Orgs). Ceale.
Belo Horizonte. 2008

BARROS, M. C. TAVARES, P & MASSEI. O desenvolvimento da educação no estado


de São Paulo: sistema de avaliação do rendimento escolar, plano de desenvolvimento
da educação e bonificação variável por desempenho. In: Revista São Paulo Perspec.
V. 3. p. 42-56. São Paulo, 2009

BATISTA, A. & ROJO, R. Livros Escolares no Brasil: a produção científica. In: Livros
Didáticos de Língua Portuguesa: letramento e cidadania. Costa Val, M. &
Marcuschi, B (Orgs). Ceale. Belo Horizonte. 2008

BATISTA, A. A avaliação dos livros didáticos: para entender o programa nacional do


livro didático (PNLD). In: Livro Didático de Língua Portuguesa, letramento e
cultura escrita. ROJO, R. & BATISTA, A (Orgs). Mercado de Letras. Campinas. 2008

BRAGA, Elizabeth dos Santos. A Constituição social do desenvolvimento. In: História


da Pedagogia n2 Lev Vigotsky. São Paulo. Editora Segmento. 2010

BRASIL, MEC. (1996). Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional, n° 9394/96,
de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL, SEF. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Fundamental e


Médio: MEC/SEE

BRASIL, INEP. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): Fundamentação Teórico-


Metodológica. Brasilia. 2005

BRONCKART, Jean-Paul Atividade de Linguagem, textos e discursos: por um


interacionismo sócio-discursivo. Anna Rachel Machado, Pericles Cunha (Trad.).
São Paulo : Educ. 2007

BRONCKART, J. P. La transposition didactique dans les interventions formations. In:


Ruptures et continuités en éducation : aspects théoriques et pratiques.
Ouagadougou : Presses universitaires. 2004
204

BRONCKART, J.P. O Agir nos discursos: das concepções teóricas às


concepções dos trabalhadores. Machado & Matêncio (Trad). Mercado de Letras.
Campinas. 2008

BRONCKART. J.P. Atividade de Linguagem: discurso e desenvolvimento


humano. Machado & Matencio (Trad). Mercado de Letras. Campinas. 2009

BUNZEN JR, C. Dinâmicas Discursivas na aula de português os usos do livro


didático e projetos didáticos autorais. 225f. Tese (doutorado). Unicamp

BUENO, Luzia. Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos. Mercado de Letras.


Campinas, 2011

CASTILHO, Ataliba. A língua falada no ensino de português. São Paulo:


Contexo,1998.

CASTRO, Maria Helena Guimarães de. A consolidação da Política de Avaliação da


Educação Básica no Brasil. In: Meta: Avaliação. Rio de Janeiro, V. 1, n. 3, p. 271-296.
2009

CHAUI, Marilena. Espinosa: Uma Filosofia de Liberdade. São Paulo. Editora Moderna.
2001

CHEVALLARD, Yves. La transposición Didáctica: Del saber sábio Al saber


enseñado. Aique, 1998

CHOPPIN, L. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. In:
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 549-566, set./dez. 2004

CIAMPI, H. (org). O currículo bandeirante: a proposta curricular de história no


estado de São Paulo, 2008. In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V.29. n.
58. Pag 361-382. 2009

CORAGGIO, José Luís. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto
ou problemas de concepção. In:.O banco mundial e as políticas educacionais. p.
75-123. TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (Orgs.) Cortez.
São Paulo. 2000.

DOLZ, J & SCHNEUWLY, B. Gêneros e Progressão em Expressão Oral e Escrita –


Elementos para Reflexões sobre uma experiência suíça (Francófona). In: Gêneros
Orais e Escritos na Escola. Campinas. Mercado de letras, 2010

DOLZ, J. NOVERRAZ, M. & SCHNEUWLY, B. & Seqüências Didáticas para o oral e a


escrita: apresentação de um procedimento. In: Gêneros Orais e Escritos na Escola.
Campinas. Mercado de letras, 2010

DOLZ, J. SCHNEUWLY, B. & HALLER, S. O oral como texto: como construir um


objeto de ensino. In: Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas. Mercado de
letras, 2010

FILHO, N. NUNEZ, D. & RIBEIRO, F. Comparando as escolas paulistas com melhor e


pior desempenho no Saresp e na Prova Brasil. In: Revista São Paulo Perspec. V. 3.
p. 115-134. São Paulo, 2009
205

FINI, Maria Inês. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Língua


Portuguesa. São Paulo. SEE, 2008

FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento:


uma leitura filosófica e epistemológica. Trad: MACHADO, A.R. & LOUSADA, E.
Mercado de Letras. São Paulo. 2012

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste,


1984.
GRILLO, S & CARDOSO, F. As condições de produção/recepção dos gêneros
discursivos em atividades de leitura de livros didáticos de língua portuguesa do ensino
fundamental. In: Livro Didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura
escrita. ROJO, R. & BATISTA, A (Orgs). Mercado de Letras. Campinas. 2008

HALTÉ, Jean-François. O espaço didático e a trasnposição. In: Revista Fórum


Linguístico, 5 (2): 117-139. Florianópolis. 2008

IVIC, Ivan. Lev Semionovich Vygostky. Brasil. Ministério da Educação. 2010

JACOB, Ana Elisa. (2008). São Paulo faz escola: o jornalzinho do governo e o
desenvolvimento das capacidades de linguagem. Itatiba. 96f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação): Universidade São Francisco

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. 6a ed. São Paulo: Cultrix,


1973.

KOCH, I. Desvendando os segredos do texto. 2ª ed. São Paulo. Cortez Editora.


2003

LEITE, Márcia Donizete. (2009). As diferentes facetas do trabalho do professor:


dos Órgãos Governamentais à palavra do Trabalho. São Paulo. 212f. Dissertação
(Mestrado): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

MACEDO, Lino. Desafios da Escola Atual. In: Revista Educação: História da


Pedagogia Jean Piaget. Vol 1. Nº 1. p. 22-35. Revista Educação. Editora Segmento.

MACHADO, A.R. Transposição Didática – Da teoria à elaboração da sequência


didática. Campinas. 1999

MACHADO, A. R. Entrevista com Jean-Paul Bronckart. In: Revista Delta. 2004. 311-
328

MACHADO, A. R. & BRONCKART, J.P. De que modo os textos Oficiais prescrevem o


trabalho do professor? Analise Comparativa de Documentos Brasileiros e
Genebrianos. In: Revista DELTA. PUC-SP. Vol. 21. Nº 2. 2005

MACHADO, A.R. Linguagem e Educação: Ensino e Aprendizagem de Gêneros


Textuais. Abreu-Tardelli & Cristóvão (Orgs). Mercado de Letras. Campinas. 2009

MACHADO, A.R & CRISTÓVÃO, V. A construção de modelos didáticos de gêneros:


aportes e questionamentos para o ensino de gênros. In: Linguagem e Educação:
Ensino e Aprendizagem de Gêneros Textuais. Abreu-Tardelli & Cristóvão (Orgs).
Mercado de Letras. Campinas. 2009
206

MACHADO, A. R. & GUIMARÃES, A. M. O Interacionismo Sociodiscursivo no Brasil.


In: Linguagem e Educação: o Ensino e Aprendizagem de Gêneros Textuais.
TARDELLI, L.. & CRISTÓVÃO, V. Mercado de Letras. São Paulo. 2009.

MACHADO, A.R. & BRONCKART, J.P. (Re-)Configurações do trabalho do professor


construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In:
Linguagem e Educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva.
Abreu-Tardelli & Cristóvão (Orgs). Mercado de Letras. Campinas. 2009

MACHADO, A.R. & LOUSADA, E. A apropriação de gêneros textuais pelo professor:


em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. In: Revista
Linguagem em (Dis)curso. V.10, n.3, p 619-633. Palhoça/SC. 2010

MAINGUENEAU, D. Análise de Texto e Comunicação. Trad: SOUZA-E-SILVA, C. &


ROCHA, D. 6ª ed. Editora Contexto. 2011

MARCUSCHI, L. A. Compreensão de Texto: Algumas reflexões. In: O livro didático


de português: múltiplos olhares. DIONÍSIO, A & BEZERRA, M. (Orgs). Editora
Lucerna. Rio de Janeiro. 2001

MARCUSCHI, B & CAVALCANTE, M. Atividades de escrita em livros didáticos de


língua portuguesa: perspectivas convergentes e divergentes. In: Livros Didáticos de
Língua Portuguesa: letramento e cidadania. Costa Val, M. & Marcuschi, B (Orgs).
Ceale. Belo Horizonte. 2008

MAUES, O. WONDJE, C. & GAUTHIER, C. Duas perspectivas diferentes em


relação à abordagem por competências no ensino: os casos do Brasil e do
Quebec. 2001

OLIVEIRA, de Kohl Martha. Lev Vygotsky

PERFEITO, A. M. Concepções de Linguagem e Análise Linguística:


diagnóstico para propostas de intervenção. 2006

PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Tradução de Bruno


Charles Magne. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.

PINO, Angel. Vygotsky teve papel fundamental na introdução da cultura na


constituição da psique levando a uma mudança nos paradigmas da psicologia. In:
Coleção Memória da Pedagogia, n2 Liev Seminovich Vygotsky. São Paulo. Editora
Segmento Duetto. 2005

RABARDEL, P. Le Langage comme instrument? Élements pour une théorie


instrumentale élargie. In: Avec Vygotski. 1999

RANGEL, Egon. Livro Didático de Língua Portuguesa: o retorno ao recalcado. In: O


livro didático de português: múltiplos olhares. DIONÍSIO, A & BEZERRA, M.
(Orgs). Editora Lucerna. Rio de Janeiro. 2001

RAZZINI, M.P.G. A antologia e a ascensão do português no currículo da escola


secundária brasileira. 2000

SALLES, F. & FIDÉLIS, S. Estado, mercado e escola, na década de 90, no Brasil. In:
Revista HISTEDBR On-line. nº21. p. 171-179. Campinas. 2006
207

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. Trad. de A. Chelini; J.P.


Paes e I.Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1969.

SILVA, C. (org). Banco Mundial em foco: um ensaio sobre sua atuação na educação
brasileira e na América Latina. In: A concepção do Banco Mundial sobre a
educação. SILVA, C. (org) Ação Educativa. 1996

SOUZA, L & MAIA, M. Cadernos de Arte e a proposta curricular no estado de São


Paulo. TAGLIANI, D. O processo de escolha do livro didático de língua portuguesa. In:
Linguagem em (Dis)curso. Santa Catarina. V.9. n. 2, p. 303-320, maio/agosto. 2009

SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas.


Mercado de Letras, 2010.

SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de Discurso: Considerações Psicológicas e


Ontogenéticas. In: Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas. Mercado de
letras, 2010.

SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Os gêneros Escolares – das práticas de Linguagem aos


Objetos de Ensino. In: Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas. Mercado de
letras, 2010.

SCHNEUWLY, B. L’Objet Enseigné. In: Des objets enseignés en classe de français.


Schneuwly, B & Dolz, J (Orgs). Press Universitaires de Rennes. 2009

TARDELLI, Lilia Abreu. Elaboração de seqüências didáticas: ensino e


aprendizagem de gêneros em língua inglesa. 2007

TAVARES, L. Analisando a autonomia do professor na nova proposta curricular do


estado de São Paulo para o Ensino de Química. In: Ciência em Tela. V.2. n. 1. 2009

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o


ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

VALLE, Bertha de Borjas Reis do. Políticas Públicas em Educação. IESD-Brasil AS.
Curitiba. 2009

VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Edição 12ª . HUCITEC.


2006

VOLOCHINOV, V. N. Estudo das Ideologias e Filosofia da Linguagem. In: Marxismo e


Filosofia da Linguagem. Edição 12ª . HUCITEC. 2006
208

ANEXOS I

Páginas analisadas do documento:


“Proposta Curricular do Estado de São Paulo de Língua
Portuguesa – Ensino Fundamental – ciclo II e Ensino Médio”
209

Páginas 8 a 20

Apresentação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo


A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo está realizando um projeto
que visa propor um currículo para os níveis de ensino Fundamental – Ciclo II e Médio.
Com isso, pretende apoiar o trabalho realizado nas escolas estaduais e contribuir para
a melhoria da qualidade das aprendizagens de seus alunos. Esse processo partirá dos
conhecimentos e das experiências práticas já acumulados, ou seja, da sistematização,
revisão e recuperação de documentos, publicações e diagnósticos já existentes e do
levantamento e análise dos resultados de projetos ou iniciativas realizados.
No intuito de fomentar o desenvolvimento curricular, a Secretaria toma assim
duas iniciativas complementares. A primeira delas é realizar um amplo levantamento
do acervo documental e técnico pedagógico existente. A segunda é iniciar um
processo de consulta a escolas e professores, para identificar, sistematizar e divulgar
boas práticas existentes nas escolas de São Paulo. Articulando conhecimento e
herança pedagógicos com experiências escolares de sucesso, a Secretaria pretende
que esta iniciativa seja, mais do que uma nova declaração de intenções, o início de
uma contínua produção e divulgação de subsídios que incidam diretamente na
organização da escola como um todo e nas aulas. Ao iniciar este processo, a
Secretaria procura também cumprir seu dever de garantir a todos uma base comum de
conhecimentos e competências, para que nossas escolas funcionem de fato como
uma rede. Com esse objetivo, prevê a elaboração dos subsídios indicados a seguir.

 Este documento básico apresenta os princípios orientadores para uma escola


capaz de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos
desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. O
documento aborda algumas das principais características da sociedade do
conhecimento e das pressões que a contemporaneidade exerce sobre os
jovens cidadãos, propondo princípios orientadores para a prática educativa, a
fim de que as escolas possam se tornar aptas a preparar seus alunos para
esse novo tempo. Priorizando a competência de leitura e escrita, esta proposta
define a escola como espaço de cultura e de articulação de competências e
conteúdos disciplinares.
 Integra esta Proposta Curricular um segundo documento, de Orientações para
a Gestão do Currículo na Escola, dirigido especialmente às unidades escolares
e aos dirigentes e gestores que as lideram e apóiam: diretores, assistentes
técnico-pedagógicos, professores coordenadores e supervisores. Esse
segundo documento não trata da gestão curricular em geral, mas tem a
finalidade específica de apoiar o gestor para que seja um líder e animador da
implementação desta Proposta Curricular nas escolas públicas estaduais de
São Paulo.
 Existe uma variedade de outros programas e materiais disponíveis sobre o
tema da gestão, alguns dos quais descritos em anexo, aos quais as equipes
gestoras também poderão recorrer para apoiar seu trabalho. O ponto mais
importante desse segundo documento é garantir que o Projeto Pedagógico,
que organiza o trabalho nas condições singulares de cada escola, seja um
recurso efetivo e dinâmico para assegurar aos alunos a aprendizagem dos
conteúdos e a constituição das competências previstas nesta Proposta
Curricular. O segundo documento, Orientações para a Gestão do Currículo,
propõe que a aprendizagem resulte também da coordenação de ações entre as
disciplinas, do estímulo à vida cultural da escola e do fortalecimento de suas
210

relações com a comunidade. Para isso, reforça e propõe orientações e


estratégias para a educação continuada dos professores.
A Proposta Curricular se completará com um conjunto de documentos dirigidos
especialmente aos professores. São os Cadernos do Professor, organizados por
bimestre e por disciplina. Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para
orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos.
Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série e
acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a
recuperação, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas,
experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos
interdisciplinares.

1. Uma educação à altura dos desafios contemporâneos


A sociedade do século XXI é cada vez mais caracterizada pelo uso intensivo do
conhecimento, seja para trabalhar, conviver ou exercer a cidadania, seja para cuidar
do ambiente em que se vive. Essa sociedade, produto da revolução tecnológica que
se acelerou na segunda metade do século passado e dos processos políticos que
redesenharam as relações mundiais, já está gerando um novo tipo de desigualdade,
ou exclusão, ligada ao uso das tecnologias de comunicação que hoje mediam o
acesso ao conhecimento e aos bens culturais. Na sociedade de hoje, são indesejáveis
tanto a exclusão pela falta de acesso a bens materiais quanto a exclusão pela falta de
acesso ao conhecimento e aos bens culturais.
No Brasil essa tendência caminha paralelamente à democratização do acesso
a níveis educacionais além do ensino obrigatório. Com mais gente estudando, a posse
de um diploma de nível superior deixa de ser um diferencial suficiente, e
características cognitivas e afetivas são cada vez mais valorizadas, como as
capacidades de resolver problemas, trabalhar em grupo, continuar aprendendo e agir
de modo cooperativo, pertinente em situações complexas. Em um mundo no qual o
conhecimento é usado de forma intensiva, o diferencial será marcado pela qualidade
da educação recebida. A qualidade do convívio, assim como dos conhecimentos e das
competências constituídas na vida escolar, será o fator determinante para a
participação do indivíduo em seu próprio grupo social e para que tome parte de
processos de crítica e renovação.
Nesse quadro ganha importância redobrada a qualidade da educação
oferecida nas escolas públicas, pois é para elas que estão acorrendo, em número
cada vez mais expressivo, as camadas mais pobres da sociedade brasileira, que antes
não tinham acesso à escola. A relevância e a pertinência das aprendizagens escolares
nessas instituições são decisivas para que o acesso a elas proporcione uma
oportunidade real de aprendizagem para inserção no mundo de modo produtivo e
solidário.
Outro fenômeno relevante diz respeito à precocidade da adolescência, ao mesmo
tempo em que o ingresso no trabalho se torna cada vez mais tardio. Tais fenômenos
ampliam o tempo e a importância da permanência na escola, tornando-a um lugar
privilegiado para o desenvolvimento do pensamento autônomo, que é condição para
uma cidadania responsável. Ser estudante, nesse mundo que expõe o jovem desde
muito cedo às práticas da vida adulta – e, ao mesmo tempo, posterga a sua inserção
profissional –, é fazer da experiência escolar uma oportunidade para aprender a ser
livre e ao mesmo tempo respeitar as diferenças e as regras de convivência. Hoje, mais
do que nunca, aprender na escola é o “ofício de aluno”, a partir do qual ele vai fazer o
trânsito para a autonomia da vida adulta e profissional.
Para que a democratização do acesso à educação tenha uma função
realmente inclusiva não é suficiente universalizar a escola. É indispensável a
211

universalização da relevância da aprendizagem. Criamos uma civilização que reduz


distâncias, que tem instrumentos capazes de aproximar as pessoas ou de distanciá-
las, que aumenta o acesso à informação e ao conhecimento, mas que também
acentua diferenças culturais, sociais e econômicas. Só uma educação de qualidade
para todos pode evitar que essas diferenças constituam mais um fator de exclusão.
O desenvolvimento pessoal é um processo de aprimoramento das capacidades
de agir, pensar, atuar sobre o mundo e lidar com a influência do mundo sobre cada
um, bem como atribuir significados e ser percebido e significado pelos outros,
apreender a diversidade e ser compreendido por ela, situar-se e pertencer. A
educação precisa estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a
construção da identidade, da autonomia e da liberdade. Não há liberdade sem
possibilidade de escolhas. Elas pressupõem um quadro de referências, um repertório
que só pode ser garantido se houver acesso a um amplo conhecimento, dado por uma
educação geral, articuladora, que transite entre o local e o mundial. Esse tipo de
educação constrói, de forma cooperativa e solidária, uma síntese dos saberes
produzidos pela humanidade, ao longo de sua história e de sua geografia, e dos
saberes locais. Tal síntese é uma das condições para o individúo acessar o
conhecimento necessário ao exercício da cidadania em dimensão mundial.
A autonomia para gerenciar a própria aprendizagem (aprender a aprender) e o
resultado dela em intervenções solidárias (aprender a fazer e a conviver) deve ser a
base da educação das crianças, dos jovens e dos adultos, que têm em suas mãos a
continuidade da produção cultural e das práticas sociais.
Construir identidade, agir com autonomia e em relação com o outro, e
incorporar a diversidade são as bases para a construção de valores de pertencimento
e responsabilidade, essenciais para a inserção cidadã nas dimensões sociais e
produtivas. Preparar indivíduos para manter o equilíbrio da produção cultural, num
tempo em que a duração se caracteriza não pela permanência, mas pela constante
mudança – quando o inusitado, o incerto e o urgente constituem a regra e não a
exceção –, é mais um desafio contemporâneo para a educação escolar.
Outro elemento relevante hoje para pensarmos o conteúdo e o sentido da
escola é a complexidade da ambiência cultural, das dimensões sociais, econômicas e
políticas, a presença maciça de produtos científicos e tecnológicos e a multiplicidade
de linguagens e códigos no cotidiano. Apropriar-se ou não desses conhecimentos
pode ser um instrumento da ampliação das liberdades ou mais um fator de exclusão.
O currículo que dá conteúdo e sentido à escola precisa levar em conta esses
elementos. Por isso, esta Proposta Curricular tem como princípios centrais: a escola
que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo de
aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das
competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho.

2. Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo


I. Uma escola que também aprende
A tecnologia imprime um ritmo sem precedentes no acúmulo de conhecimentos
e gera uma transformação profunda na sua estrutura e nas suas formas de
organização e distribuição. Nesse contexto, a capacidade de aprender terá de ser
trabalhada não apenas nos alunos, mas na própria escola, enquanto instituição
educativa: tanto as instituições como os docentes terão de aprender.
Isso muda radicalmente nossa concepção da escola como instituição que
ensina para posicioná-la como instituição que também aprende a ensinar. As
interações entre os responsáveis pela aprendizagem dos alunos têm caráter de ações
formadoras, mesmo que os envolvidos não se dêem conta disso. Neste sentido, cabe
lembrar a responsabilidade da equipe gestora como formadora de professores e a
212

responsabilidade dos docentes, entre si e com o grupo gestor, na problematização e


na significação dos conhecimentos sobre sua prática.
De acordo com essa concepção, a escola que aprende parte do princípio de
que ninguém conhece tudo e de que o conhecimento coletivo é maior que a soma dos
conhecimentos individuais, além de ser qualitativamente diferente. Esse é o ponto de
partida para o trabalho colaborativo, para a formação de uma “comunidade
aprendente”, nova terminologia para um dos mais antigos ideais educativos. A
vantagem é que hoje a tecnologia facilita a viabilização prática desse ideal.
Ações como a construção coletiva da Proposta Pedagógica, por meio da
reflexão e da prática compartilhadas, e o uso intencional da convivência como situação
de aprendizagem fazem parte da constituição de uma escola à altura dos tempos
atuais. Observar que as regras da boa pedagogia também se aplicam àqueles que
estão aprendendo a ensinar é uma das chaves para o sucesso das lideranças
escolares. Os gestores, como agentes formadores, devem aplicar com os professores
tudo aquilo que recomendam a eles que apliquem com seus alunos.

II. O currículo como espaço de cultura

No cotidiano escolar, a cultura é muitas vezes associada ao que é local,


pitoresco, folclórico, bem como ao divertimento ou lazer, enquanto o conhecimento é
frequentemente associado a um inalcançável saber. Essa dicotomia não cabe em
nossos tempos: a informação está disponível a qualquer instante, em tempo real, ao
toque de um dedo, e o conhecimento constitui-se como uma ferramenta para articular
teoria e prática, o mundial e o local, o abstrato e seu contexto físico.
Currículo é a expressão de tudo o que existe na cultura científica, artística e
humanista, transposto para uma situação de aprendizagem e ensino. Precisamos
entender que as atividades extraclasse não são “extracurriculares” quando se deseja
articular a cultura e o conhecimento. Neste sentido todas as atividades da escola são
curriculares, ou não serão justificáveis no contexto escolar. Se não rompermos essa
dissociação entre cultura e conhecimento não conseguiremos conectar o currículo à
vida – e seguiremos alojando na escola uma miríade de atividades “culturais” que mais
dispersam e confundem do que promovem aprendizagens curriculares relevantes para
os alunos.
O conhecimento tomado como instrumento, mobilizado em competências,
reforça o sentido cultural da aprendizagem. Tomado como valor de conteúdo lúdico,
de caráter ético ou de fruição estética, numa escola com vida cultural ativa, o
conhecimento torna-se um prazer que pode ser aprendido, ao se aprender a aprender.
Nessa escola, o professor não se limita a suprir o aluno de saberes, mas é o parceiro
de fazeres culturais, aquele que promove de muitas formas o desejo de aprender,
sobretudo com o exemplo de seu próprio entusiasmo pela cultura humanista,
científica, artística e literária.
Quando o projeto pedagógico da escola tem entre suas prioridades essa
cidadania cultural, o currículo é a referência para ampliar, localizar e contextualizar os
conhecimentos que a humanidade acumulou ao longo do tempo. Então, o fato de uma
informação ou um conhecimento ser de outro lugar, ou de todos os lugares na grande
rede de informação, não será obstáculo à prática cultural resultante da mobilização
desse conhecimento nas ciências, nas artes e nas humanidades.

III. As competências como referência

Um currículo que promove competências tem o compromisso de articular as


disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos
aprendam ao longo dos anos. Logo, a atuação do professor, os conteúdos, as
metodologias disciplinares e a aprendizagem requerida dos alunos são aspectos
213

indissociáveis: compõem um sistema ou rede cujas partes têm características e


funções específicas que se complementam para formar um todo, sempre maior do que
elas. Maior porque se compromete em formar crianças e jovens para que se tornem
adultos preparados para exercer suas responsabilidades (trabalho, família, autonomia
etc.) e para atuar em uma sociedade que muito precisa deles. Um currículo referido a
competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios
de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades
do aluno. É com essas competências e habi lidades que ele contará para fazer sua
leitura crítica do mundo, para compreendê-lo e propor explicações, para defender suas
idéias e compartilhar novas e melhores formas de ser, na complexidade em que hoje
isso é requerido. É com elas que, em síntese, ele poderá enfrentar problemas e agir
de modo coerente em favor das múltiplas possibilidades de solução ou gestão.
Tais competências e habilidades podem ser consideradas em uma perspectiva
geral, isto é, no que têm de comum com as disciplinas e tarefas escolares, ou então no
que têm de específico. Competências, neste sentido, caracterizam modos de ser,
raciocinar e interagir que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de
decisão em contextos de problemas, tarefas ou atividades. Graças a elas podemos
inferir se a escola como instituição está cumprindo bem o papel que se espera dela no
mundo de hoje.
Os alunos considerados nesta proposta têm, de modo geral, de 11 a 18 anos
de idade. Valorizar o desenvolvimento de competências nesta fase da vida implica em
ponderar, além de aspectos curriculares e docentes, os recursos cognitivos, afetivos e
sociais de que os alunos dispõem. Implica, pois, em analisar como o professor
mobiliza conteúdos, metodologias e saberes próprios de sua disciplina ou área de
conhecimento, visando desenvolver competências em adolescentes, bem como
instigar desdobramentos para a vida adulta.
Paralelamente a essa conduta, é preciso considerar quem são esses alunos.
Ter entre 11 e 18 anos significa estar em uma fase peculiar da vida, localizada entre a
infância e a idade adulta. Neste sentido, o jovem é aquele que deixou de ser criança e
se prepara para tornar-se adulto. Trata-se de um momento complexo e contraditório,
que deve orientar nossa proposta sobre o papel da escola nessa fase de vida.
Nessa etapa curricular, a tríade sobre a qual competências e habilidades são
desenvolvidas pode ser assim caracterizada: a) o adolescente e as características de
suas ações e pensamentos; b) o professor, suas características pessoais e
profissionais e a qualidade de suas mediações; e c) os conteúdos das disciplinas e as
metodologias para seu ensino e aprendizagem.
Houve um tempo em que a educação escolar era referenciada no ensino – o
plano de trabalho da escola indicava o que seria ensinado ao aluno. Essa foi uma das
razões pelas quais o currículo escolar foi confundido com um rol de conteúdos
disciplinares. A Lei de Diretrizes e Bases – LDB (lei 9394/1996) deslocou o foco do
ensino para o da aprendizagem, e não é por acaso que sua filosofia não é mais a da
liberdade de ensino, mas a do direito de aprender.
O conceito de competências também é fundamental na LDB e nas Diretrizes e
Parâmetros Curriculares Nacionais, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação
e pelo Ministério da Educação. O currículo referenciado em competências é uma
concepção que requer que a escola e o plano do professor indiquem o que aluno vai
aprender.
Uma das razões para se optar por uma educação centrada em competências
diz respeito à democratização da escola. No momento em que se conclui o processo
de universalização do Ensino Fundamental e se incorpora toda a heterogeneidade que
caracteriza o povo brasileiro, a escola, para ser democrática, tem de ser igualmente
acessível a todos, diversa no tratamento de cada um e unitária nos resultados.
Dificilmente essa unidade seria obtida com ênfase no ensino, porque é quase
impossível, em um país como o Brasil, estabelecer o que deve ser ensinado a todos,
214

sem exceção. Por isso optou-se por construir a unidade com ênfase no que é
indispensável que todos tenham aprendido ao final do processo, considerando a
diversidade. Todos têm direito de construir, ao longo de sua escolaridade, um conjunto
básico de competências, definido pela lei. Este é o direito básico, mas a escola deverá
ser tão diversa quanto são os pontos de partida das crianças que recebe. Assim, será
possível garantir igualdade de oportunidades, diversidade de tratamento e unidade de
resultados. Quando os pontos de partida são diferentes, é preciso tratar
diferentemente os desiguais para garantir a todos uma base comum.
Pensar o currículo no tempo atual é viver uma transição, na qual, como em
toda transição, traços do velho e do novo se mesclam nas práticas cotidianas. É
comum que o professor, quando formula o seu plano de trabalho, indique o que vai
ensinar e não o que o aluno vai aprender. E é compreensível nesse caso que, ao final
do ano, tendo cumprido seu plano, ele afirme, diante do fracasso do aluno, que fez sua
parte, ensinando, e que foi o aluno que não aprendeu.
A transição da cultura do ensino para a da aprendizagem não é individual.
A escola deve fazê-la coletivamente, tendo à frente seus gestores para capacitar os
professores em seu dia-a-dia, a fim de que todos se apropriem dessa mudança de
foco. Cabe às instâncias condutoras da política educacional nos estados e nos
municípios elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais, Propostas
Curriculares próprias e específicas, prover os recursos humanos, técnicos e didáticos
para que as escolas, em seu projeto pedagógico, estabeleçam os planos de trabalho
que, por sua vez, farão das propostas currículos em ação – como no presente esforço
desta Secretaria.

IV. Prioridade para a competência da leitura e da escrita

A humanidade criou a palavra, que é constitutiva do humano, seu traço


distintivo. O ser humano constitui-se assim um ser de linguagem e disso decorre todo
o restante, tudo o que transformou a humanidade naquilo que é. Ao associar palavras
e sinais, criando a escrita, o homem construiu um instrumental que ampliou
exponencialmente sua capacidade de comunicar- se, incluindo pessoas que estão
longe no tempo e no espaço.
Representar, comunicar e expressar são atividades de construção de
significado relacionadas a vivências que se incorporam ao repertório de saberes de
cada indivíduo. Os sentidos são construídos na relação entre a linguagem e o universo
natural e cultural em que nos situamos. E é na adolescência, como vimos, que a
linguagem adquire essa qualidade de instrumento para compreender e agir sobre o
mundo real.
A ampliação das capacidades de representação, comunicação e expressão
está articulada ao domínio não apenas da língua mas de todas as outras linguagens e,
principalmente, ao repertório cultural de cada indivíduo e de seu grupo social, que a
elas dá sentido. A escola é o espaço em que ocorre a transmissão, entre as gerações,
do ativo cultural da humanidade, seja artístico e literário, histórico e social, seja
científico e tecnológico. Em cada uma dessas áreas, as linguagens são essenciais.
As linguagens são sistemas simbólicos, com os quais recortamos e
representamos o que está em nosso exterior, em nosso interior e na relação entre
esses âmbitos; é com eles também que nos comunicamos com os nossos iguais e
expressamos nossa articulação com o mundo.
Em nossa sociedade, as linguagens e os códigos se multiplicam: os meios de
comunicação estão repletos de gráficos, esquemas, diagramas, infográficos,
fotografias e desenhos. O design diferencia produtos equivalentes quanto ao
desempenho ou à qualidade. A publicidade circunda nossas vidas, exigindo
permanentes tomadas de decisão e fazendo uso de linguagens sedutoras e até
enigmáticas. Códigos sonoros e visuais estabelecem a comunicação nos diferentes
215

espaços. As ciências construíram suas próprias linguagens, plenas de símbolos e


códigos. A produção de bens e serviços foi em grande parte automatizada e cabe a
nós programar as máquinas, utilizando linguagens específicas. As manifestações
artísticas e de entretenimento utilizam, cada vez mais, diversas linguagens
que se articulam.
Para acompanhar tal contexto, a competência de leitura e de escrita
contemplada nesta proposta vai além da linguagem verbal, vernácula – ainda que esta
tenha papel fundamental – e refere-se a sistemas simbólicos como os citados, pois
essas múltiplas linguagens estão presentes no mundo contemporâneo, na vida cultural
e política, bem como nas designações e nos conceitos científicos e tecnológicos
usados atualmente. A constituição dessa competência tem como base o
desenvolvimento do pensamento antecipatório, combinatório e probabilístico que
permite estabelecer hipóteses, algo que caracteriza o período da adolescência.
A prioridade das linguagens no currículo da educação básica tem como
fundamento a centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do
adolescente. Nas crianças a linguagem, em suas diversas expressões, é apenas um
recurso simbólico, ou seja, permite representar ou comunicar conteúdos cujas formas,
elas mesmas, não podem ser estruturadas como linguagem. Nessa fase, tais formas
são as próprias ações e os pensamentos, organizados como esquemas de
procedimentos, representações e compreensões. Ou seja, as crianças realizam e
compreendem ao falar, pensar ou sentir, mas não sabem ainda tratar o próprio agir,
pensar ou sentir como uma forma de linguagem. É só na adolescência que isso se
tornará possível e transformará o ser humano em um ser de linguagem, em sua
expressão mais radical.
A linguagem não é apenas uma forma de representação, como expressam, por
seus limites, as crianças. Mais do que isso, ela é uma forma de compreensão e ação
sobre o mundo. É isso o que os adolescentes, com todos os seus exageros,
manifestam. Graças à linguagem, o pensamento pode se tornar antecipatório em sua
manifestação mais completa: é possível calcular as conseqüências de uma ação sem
precisar realizá-la. Pode-se ainda fazer combinações e analisar hipóteses sem
precisar conferi-las de antemão, na prática, pois algumas de suas conseqüências
podem ser deduzidas apenas pelo âmbito da linguagem. Pode-se estabelecer relações
de relações, isto é, imaginar um objeto e agir sobre ele, decidindo se vale a pena ou
não interagir com ele em outro plano. Em outras palavras, graças à linguagem, agora
constituída como forma de pensar e agir, o adolescente pode raciocinar em um
contexto de proposições ou possibilidades, pode ter um pensamento combinatório,
pode aprender as disciplinas escolares em sua versão mais exigente, pode refletir
sobre os valores e fundamentos das coisas.
Do ponto de vista social e afetivo, a centralidade da linguagem nos processos
de desenvolvimento possibilita ao adolescente aprender, pouco a pouco, a considerar
suas escolhas em uma escala de valores. Viabiliza-lhe aprender a enfrentar as
consequências das próprias ações, a propor e alterar contratos, a respeitar e criticar
normas, a formular seu próprio projeto de vida e a tecer seus sonhos de transformação
do mundo.
É, portanto, em virtude da centralidade da linguagem no desenvolvimento da
criança e do adolescente que esta Proposta Curricular prioriza a competência leitora e
escritora. Só por meio dela será possível concretizar a constituição das demais
competências, tanto as gerais como aquelas associadas a disciplinas ou temas
específicos. Para desenvolvê-la é indispensável que seja objetivo de aprendizagem de
todas as disciplinas do currículo, ao longo de toda a escolaridade básica.
Por esse caráter essencial da competência de leitura e escrita para a
aprendizagem dos conteúdos curriculares de todas as áreas e disciplinas, a
responsabilidade por sua aprendizagem e avaliação cabe a todos os professores, que
devem transformar seu trabalho em oportunidades nas quais os alunos possam
216

aprender e consolidar o uso da Língua Portuguesa e das outras linguagens e códigos


que fazem parte da cultura, bem como das formas de comunicação em cada uma
delas. Tal radicalismo na centralidade da competência leitora e escritora leva a colocá-
la como objetivo de todas as séries e todas as disciplinas. Desta forma, coloca aos
gestores (a quem cabe a educação continuada dos professores na escola) a
necessidade de criar oportunidades para que os docentes também desenvolvam essa
competência – por cuja constituição, nos alunos, são responsáveis.
Por fim, é importante destacar que o domínio das linguagens representa um
primordial elemento para a conquista da autonomia, sendo a chave para o acesso a
informações e permitindo a comunicação de idéias, a expressão de sentimentos e o
diálogo, necessários à negociação dos significados e à aprendizagem continuada.

V. Articulação das competências para aprender

A aprendizagem é o centro da atividade escolar. Por extensão, o professor


caracteriza-se como um profissional da aprendizagem e não tanto do ensino. Isto é,
ele apresenta e explica conteúdos, organiza situações para a aprendizagem de
conceitos, métodos, formas de agir e pensar, em suma, promove conhecimentos que
possam ser mobilizados em competências e habilidades, as quais, por sua vez,
instrumentalizam os alunos para enfrentar os problemas do mundo real. Dessa forma,
a expressão “educar para a vida” pode ganhar seu sentido mais nobre e verdadeiro na
prática do ensino. Se a educação básica é para a vida, a quantidade e a qualidade do
conhecimento têm de ser determinadas por sua relevância para a vida de hoje e do
futuro, além dos limites da escola. Portanto, mais que os conteúdos isolados, as
competências são guias eficazes para educar para a vida. As competências são mais
gerais e constantes, e os conteúdos, mais específicos e variáveis. É exatamente a
possibilidade de variar os conteúdos no tempo e no espaço que legitima a iniciativa
dos diferentes sistemas públicos de ensino para selecionar, organizar e ordenar os
saberes disciplinares que servirão como base para a constituição de competências,
cuja referência são as diretrizes e orientações nacionais, de um lado, e as demandas
do mundo contemporâneo, de outro.
As novas tecnologias da informação produziram uma mudança na produção,
na organização, no acesso e na disseminação do conhecimento. A escola hoje já não
é mais a única detentora da informação e do conhecimento, mas cabe a ela preparar
seu aluno para viver em uma sociedade em que a informação é disseminada em
grande velocidade.
Vale insistir que essa preparação não exige maior quantidade de ensino e sim
melhor qualidade de aprendizagem. É preciso deixar claro que isso não significa que
os conteúdos do ensino não sejam importantes; ao contrário, são tão importantes que
a eles está dedicado este trabalho de elaboração da Proposta Curricular do ensino
oficial do Estado de São Paulo. São tão decisivos que é indispensável aprender a
continuar aprendendo os conteúdos escolares, mesmo fora da escola ou depois dela.
Continuar aprendendo é a mais vital das competências que a educação deste século
precisa desenvolver. Não só os conhecimentos com os quais a escola trabalha podem
mudar, como a vida de cada um trará novas ênfases e necessidades, que precisarão
ser continuamente supridas. Preparar-se para acompanhar esse movimento torna-se o
grande desafio das novas gerações.
Esta Proposta Curricular adota, como competências para aprender, aquelas
que foram formuladas no referencial teórico do Enem – Exame Nacional do Ensino
Médio. Entendidas como desdobramentos da competência leitora e escritora, para
cada uma das cinco competências do Enem transcritas a seguir, apresenta-se a
articulação com a competência de ler e escrever.
217

I. “Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens


matemática, artística e científica.” A constituição da competência de leitura e escrita é
também o domínio das normas e dos códigos que tornam as linguagens instrumentos
eficientes de registro e expressão, que podem ser compartilhados. Ler e escrever,
hoje, são competências fundamentais a qualquer disciplina ou profissão. Ler, entre
outras coisas, é interpretar (atribuir sentido ou significado), e escrever, igualmente, é
assumir uma autoria individual ou coletiva (tornar-se responsável por uma ação e suas
conseqüências).
II. “Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a
compreensão de fenômenos naturais, de processos históricogeográficos, da produção
tecnológica e das manifestações artísticas.” É o desenvolvimento da linguagem que
possibilita o raciocínio hipotético-dedutivo, indispensável à compreensão de
fenômenos. Ler, nesse sentido, é um modo de compreender, isto é, de assimilar
experiências ou conteúdos disciplinares (e modos de sua produção); escrever é
expressar sua construção ou reconstrução com sentido, aluno por aluno.
III. “Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados
de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema”. Ler implica
também – além de empregar o raciocínio hipotético-dedutivo, que possibilita a
compreensão de fenômenos – antecipar, de forma comprometida, a ação para intervir
no fenômeno e resolver os problemas decorrentes dele. Escrever, por sua vez,
significa dominar os muitos formatos que a solução do problema comporta.
IV. “Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos
disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.” A
leitura, aqui, sintetiza a capacidade de escutar, supor, informar-se, relacionar,
comparar etc. A escrita permite dominar os códigos que expressam a defesa ou a
reconstrução de argumentos – com liberdade, mas observando regras e assumindo
responsabilidades.
V. “Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborar propostas de
intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a
diversidade sociocultural.” Ler, aqui, além de implicar em descrever e compreender,
bem como em argumentar a respeito de um fenômeno, requer a antecipação de uma
intervenção sobre ele, com tomada de decisões a partir de uma escala de valores.
Escrever é formular um plano para essa intervenção, levantar hipóteses sobre os
meios mais eficientes para garantir resultados, a partir da escala de valores adotada. É
no contexto da realização de projetos escolares que os alunos aprendem a criticar,
respeitar e propor projetos valiosos para toda a sociedade; por intermédio deles,
aprendem a ler e escrever as coisas do mundo atual, relacionando ações locais com
visão global, por meio de atuação solidária.
218

Páginas 37 a 44

A área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

A área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias compreende um conjunto


de disciplinas: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna (LEM), Arte e
Educação Física, no Ensino Fundamental e no Médio. Para a área, segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN 2006), a linguagem é a capacidade humana
de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são
compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida
em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de
sentido.
Mais do que objetos de conhecimento, as linguagens são meios para o
conhecimento. O homem conhece o mundo através de suas linguagens, de seus
símbolos. À medida que ele se torna mais competente nas diferentes linguagens,
torna-se mais capaz de conhecer a si mesmo, assim como a sua cultura e o mundo
em que vive.
Nesta perspectiva, trabalha-se, em primeiro lugar, com a construção do
conhecimento: conhecimento lingüístico, musical, corporal; conhecimento gestual;
conhecimento das imagens, do espaço e das formas. Assim, propõe-se uma mudança
profunda na maneira como as disciplinas da área devem ser examinadas e ensinadas.
O conhecimento de natureza enciclopédica, sem significação prática, é substituído por
conteúdos e atividades que possibilitam não só a interação do aluno com sua
sociedade e o meio ambiente, mas também o aumento do seu poder como cidadão,
propiciando maior acesso às informações e melhores possibilidades de interpretação
das informações nos contextos sociais em que são apresentadas.
Com tal mudança, a experiência escolar transforma-se em uma vivência que
permite ao aluno compreender as diferentes linguagens e usá-las como meios de
organização da realidade, nelas constituindo significados, em um processo centrado
nas dimensões comunicativas da expressão, da informação e da argumentação.
Esse processo exige que o aluno analise, interprete e utilize os recursos expressivos
da linguagem, relacionando textos com seus contextos, confrontando opiniões e
pontos de vista e respeitando as diferentes manifestações da linguagem utilizada por
diversos grupos sociais, em suas esferas de socialização.
Utilizar-se da linguagem é saber colocar-se como protagonista do processo de
produção/ recepção. É também entender os princípios das tecnologias da
comunicação e da informação, associando-os aos conhecimentos científicos e às
outras linguagens, que lhes dão suporte.
O ser humano é um ser de linguagens, as quais são tanto meios de produção
da cultura quanto parte fundamental da cultura humana. Por cultura entendemos a
urdidura de muitos fios que se interligam constantemente e que respondem às
diferentes formas com que nos relacionamos com as coisas de nosso mundo, com os
outros seres humanos e com os objetos e as práticas materiais de nossa vida. Cultura
é, assim, uma trama tecida por um longo processo acumulativo que reflete
conhecimentos originados da relação dos indivíduos com as diferentes coisas do
mundo.
Somos herdeiros de um longo processo acumulativo que constantemente se
amplia e renova sem anular a sua história, refletindo, dessa forma, o conhecimento e a
experiência adquiridos pelas gerações anteriores. É a manipulação adequada e
criativa desse patrimônio cultural que possibilita as inovações e as invenções humanas
e o contínuo caminhar da sociedade.
Como manifestações culturais, a Literatura e a Arte não devem ser reduzidas a
meras listagens de escolas, autores e suas características. O ensino de Arte não pode
219

equivaler nem ao conhecimento histórico nem à mera aquisição de repertório, e muito


menos a um fazer por fazer, espontaneísta, desvinculado da reflexão e do tratamento
da informação. No ensino das diversas linguagens artísticas, não se pode mais
abandonar quer o eixo da produção (eixo poético), quer o da recepção (eixo estético),
quer o da crítica.
Da mesma maneira, a Educação Física compreende o sujeito mergulhado em
diferentes realidades culturais, nas quais estão indissociados corpo, movimento e
intencionalidade. Ela não se reduz mais ao condicionamento físico e ao esporte,
quando praticados de maneira inconsciente ou mecânica. O aluno do Ensino
Fundamental e do Médio deve não só vivenciar, experimentar, valorizar, apreciar e
aproveitar os benefícios advindos da cultura do movimento, mas também perceber e
compreender os sentidos e significados das suas diversas manifestações na
sociedade contemporânea.
Em relação à disciplina de Língua Estrangeira Moderna (LEM), importa
construir um conhecimento sistêmico sobre a organização textual e sobre como e
quando utilizar a linguagem em situações de comunicação. A consciência lingüística e
a consciência crítica dos usos da língua estrangeira devem possibilitar o acesso a
bens culturais da humanidade.
Assim, não só o estudo da língua materna mas também o das LEM são
excelentes meios para sensibilizar os alunos para os mecanismos de poder
associados a uma língua.
No ensino das disciplinas da área, deve-se levar em conta, em primeiro lugar, que os
alunos se apropriam mais facilmente do conhecimento quando ele é contextualizado,
ou seja, quando faz sentido dentro de um encadeamento de informações, onceitos e
atividades. Dados, informações, idéias e teorias não podem ser apresentados de
maneira estanque, separados de suas condições de produção, do tipo de sociedade
em que são gerados e recebidos, de sua relação com outros conhecimentos.
Do nosso ponto de vista, a contextualização
pode se dar em três níveis:
A contextualização sincrônica, que ocorre num mesmo tempo, analisa o
objeto em relação à época e à sociedade que o gerou. Quais foram as condições e as
razões da sua produção? De que maneira ele foi recebido em sua época? Como se
deu o acesso a ele? Quais as condições sociais, econômicas e culturais da sua
produção e recepção? Como um mesmo objeto foi apropriado por grupos sociais
diferentes?
A contextualização diacrônica, que ocorre através do tempo, considera o
objeto cultural no eixo do tempo. De que maneira aquela obra, aquela idéia, aquela
teoria, se inscreve na História da Cultura, da Arte e das Idéias? Como ela foi
apropriada por outros autores em períodos posteriores? De que maneira ela se
apropriou de objetos culturais de épocas anteriores a ela própria?
A contextualização interativa permite relacionar o texto com o universo
específico do leitor: como esse texto é visto hoje? Que tipo de interesse ele ainda
desperta? Que características desse objeto fazem com que ele ainda seja estudado,
apreciado ou valorizado?
A questão da contextualização remete-nos à reflexão sobre a
intertextualidade e a interdisciplinaridade. De que maneira cada objeto cultural se
relaciona com outros objetos culturais? Como uma mesma idéia, um mesmo
sentimento, uma mesma informação são tratados pelas diferentes linguagens? Aqui
nos interessam, por exemplo, as novas tecnologias de informação, o hipertexto, os
CD-ROMs e as páginas da internet, mas também outras expressões artísticas, como a
pintura, a escultura, a fotografia etc.
A construção do conhecimento humano e o desenvolvimento das artes, da
ciência, da filosofia e da religião foram possíveis graças à linguagem, que permeia a
construção de todas as atividades do homem. Não apenas a representação do mundo,
220

da realidade física e social, mas também a formação da consciência individual e a


regulação dos pensamentos e da ação – próprios ou alheios – ocorrem na e pela
linguagem.

Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina


de Língua Portuguesa

Ensino Fundamental – Ciclo II e Ensino Médio

Concepção da disciplina: duas palavrinhas sobre ensino de


Português
Participar da formação do outro na disciplina de Língua Portuguesa é superar
uma atividade apenas voltada para a informação. Desejamos formar nossos alunos
para o mundo do conhecimento por meio da linguagem. Conhecer é o ato cognitivo de
compreender para transformar a si e ao mundo em que vivemos, construindo relações
entre os diversos significados de uma mesma idéia ou fato. Conhecimento é uma rede
de significados.Quem conhece, conhece algo ou alguém e conhecer algo, portanto, é
participar no processo constante de transformar e atribuir significados e relações ao
objeto do conhecimento, seja o verbo, seja o resumo ou o texto literário, por exemplo.
Até meados do século XVIII, o ensino do português, tanto no Brasil como em
Portugal, limitava-se à alfabetização. Os poucos que prolongavam a sua escolarização
passavam diretamente à aprendizagem da gramática latina e ainda da retórica e da
poética. A Reforma feita pelo Marquês de Pombal, em 1759, torna obrigatório, em
Portugal e no Brasil, o ensino da Língua Portuguesa. Esse ensino passa a seguir a
tradição do ensino do latim, ou seja, passa a ser visto como ensino da gramática do
português. Até o final do século XIX, encontramos ainda o ensino de retórica e da
poética.
Gramática, Retórica e Poética eram, pois, as disciplinas nas quais se fazia o
ensino da língua portuguesa até o fim do Império. A disciplina de Gramática, ainda no
século XIX, passa a ser chamada Português e é criado o cargo correspondente, de
Professor de Português. Mudar de nome, no entanto, não significou mudar o objetivo:
a disciplina Português manteve, até a metade do século XX, a tradição da gramática,
da retórica e da poética. Fatores externos levaram à democratização do ensino: os
filhos dos trabalhadores chegam à sala de aula nas décadas de 50 e 60, mas do ponto
de vista interno, poucas mudanças ocorreram: a língua continuou a ser concebida
como um sistema centrado na gramática vista como um instrumento para atingir fins
retóricos e poéticos. Principalmente a partir dos anos 70, estudos de Lingüística
começam a visitar o ensino de língua materna. Tais estudos, nos diferentes campos
da linguagem, começam a pressionar a escola rumo a mudanças significativas, nem
sempre devidamente compreendidas ou aplicadas.
Vemos surgir a preocupação com o ensino da língua organizado a partir de
duas vias inseparáveis: como objeto e como meio para o conhecimento. Ou seja, na
mesma medida em que deveria se apresentar como matéria a ser analisada,
minuciosamente, proporcionaria ao sujeito a construção e compreensão de
conhecimentos do mundo. E, por isso mesmo, já não poderia ser pensada de modo
fragmentado, como mera decodificação de conteúdos e reprodução de idéias,
desconsiderando as experiências de vida de seus interlocutores, não levando em
conta seus conhecimentos prévios e a legitimidade de seu saber, descontextualizando
o ensino no exercício mecânico e repetitivo, desvirtuando a gramática ao valorizar
regras específicas em detrimento de muitas outras existentes.
221

A partir desse contexto e seguindo conceitos sólidos de ciências que estudam


a linguagem, explicitados nos PCN+ da área de Linguagens e Códigos (2006), nossa
proposta de disciplina de Língua Portuguesa não separa o estudo da linguagem e da
literatura do estudo do homem em sociedade. Sabemos que o ser humano é um
sujeito sociável, que pode participar social e culturalmente no mundo em que vive.
Mas como funciona isso na prática?
A disciplina de Língua Portuguesa pode centrar-se
1. no conjunto de regras que nos leva a produzir frases e dali chegarmos aos
enunciados concretos;
2. nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que seguem regras
específicas as quais permitem a comunicação.
Perceba que não estamos propriamente falando de regras gramaticais. Para deixar
tudo mais claro, considere

Texto 1

Maria, Eu vô chegá tardi in casa ogi pruque o patrãum avisô que vo percisá fasê
hora eistra.

Texto 2

Maria, Provavelmente chegarei tarde à casa hoje porque fui informado de que
precisarei fazer hora extra.

Texto 3

patrão, podré no Maria extra informado à precisarei today porque fui pelo boss chez
moi de que temprano fazer hora chegar.

Observe que mesmo com as dificuldades no uso da norma padrão no texto 1,


identificamos as intenções do texto porque ele segue regras próprias da língua
portuguesa. O problema, do ponto de vista da comunicação, encontra-se no texto 3.
Claro, isso não quer dizer que “dá no mesmo” escrever o texto 1 ou o 2. Os
textos 1 e 2 comunicam, mas ao circularem na sociedade, diante das possibilidades de
interpretação dos outros, provocam reações diferentes, que se relacionam com as
diferentes situações em que em que tais textos circulam: quem os vai ler? Por quê? O
que esses textos revelam de quem o escreveu?
É necessário saber lidar com os textos nas diversas situações de interação
social. É essa habilidade de interagir linguisticamente por meio de textos, nas
situações de produção e recepção em que circulam socialmente, que permite a
construção de sentidos desenvolvendo a competência discursiva e promovendo o
letramento. O nível de letramento é determinado pela variedade de gêneros textuais
que a criança ou adulto reconhecem. Assim, o centro da aula de língua portuguesa é o
texto, mas o que isso significa realmente?
Todos os textos surgem na sociedade pertencendo a diferentes categorias ou
gêneros textuais que relacionam os enunciadores com atividades sociais específicas.
Não se trata de pensarmos em uma lista de características que compõem um modelo
segundo o qual devemos produzir o nosso texto, mas de compreender como esse
texto funciona em sociedade e de que forma ele deve ser produzido e utilizado a fim
de atingir o objetivo desejado.
A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade social, espaço
de interação entre pessoas, num determinado contexto de comunicação, implica a
compreensão da enunciação como eixo central de todo o sistema lingüístico e a
222

importância do letramento, em função das relações que cada sujeito mantém em seu
meio.
Para o trabalho com gêneros textuais torna-se necessário compreender tanto
as características estruturais de determinado texto (ou seja, como ele é feito) como as
condições sociais de produção e recepção, para refletir sobre sua adequação e
funcionalidade. Por exemplo, falar de curriculum vitae, na escola não pode ser
separado do campo da atividade “trabalho”, o que nos leva a pensar tanto em outros
gêneros de discurso associados “entrevista de emprego”, “anúncio de jornal” etc.,
quanto nas questões sociais de desemprego, primeiro emprego e competitividade no
mundo do trabalho.
Centrar o ensino de Língua Portuguesa no texto requer o desenvolvimento de
habilidades que ultrapassam uma visão reducionista dos fenômenos lingüístico e
literário.
Para muitos, falar de literatura é apenas dividir opiniões entre um “eu gosto” e
um “eu não gosto”. E parou aí. É muito comum, o aluno não saber fundamentar o
porquê da sua opinião sobre um determinado texto literário. Também ocorre de o
professor, diante dessa situação, não saber o que fazer. Então o texto ou vira exemplo
da história da literatura com a pergunta “A que escola pertence? Quais as
características?” ou vira exemplo de exercício gramatical ou exercício de localização
de informações, do tipo „qual a cor do cavalo branco do herói?”. Ou, pior, não vira
nada, ficando apenas no „gostou‟ ou „não gostou‟”.
Os textos verbais fazem uso de estruturas gramaticais, é verdade. Muitos
desses textos necessitam da gramática normativa para a sua correta organização na
sociedade. No entanto, a frase é parte menor do texto e como o todo é maior que a
soma das partes, estudar a frase, mesmo que incorporando esse estudo ao texto, não
responde a todas as necessidades daquele que faz uso da língua nas mais diversas
situações. Há estruturas que surgem das relações entre as frases, entre os parágrafos
e, até, entre os textos que a gramática tradicional não dá conta e tais estruturas
merecem abordagem no cotidiano escolar. Além disso, há o aspecto social da língua
que, como organismo vivo e pulsante, se transforma a toda hora e relaciona os textos,
literários ou não, com o momento de produção e de leitura.
Em suma, é importante que a atividade de língua portuguesa evite que o aluno
se sinta um estrangeiro ao utilizar-se de sua própria língua e das literaturas que essa
língua produziu.

Os princípios geradores do ensino de Língua Portuguesa nos


Segmentos
De acordo com os Parâmetros Curriculares, as propostas de ensino de língua
nos segmentos Fundamental II e Médio convergem em seus objetivos. Ambas têm a
pretensão de cuidar para que os estudantes sejam capazes de simbolizar as
experiências (suas e dos outros) a partir da palavra (oral e escrita), refletindo sobre
elas mediante o estudo da língua, instrumento que lhe permite organizar a realidade
na qual se insere, construindo significados, nomeando conhecimentos e experiências,
produzindo sentidos, tornando-se sujeito.
No entanto, há em cada um dos segmentos as especificidades próprias que
auxiliam o trabalho do professor na escolha dos conteúdos e objetivos a serem
desenvolvidos nas aulas de língua. Os critérios para articular os conteúdos e as
competências do estudo da língua no Ensino Médio devem ampliar, necessariamente,
os estudos desenvolvidos no Ensino Fundamental II, observando uma progressão que
possa diversificar, ao longo da escolaridade, abordagens, contextos, situações etc.
Esses critérios serão apresentados, detalhando as especificidades, nas
propostas para cada um dos segmentos.
223

Referências bibliográficas

PCNEM+ Língua Portuguesa. Orientações Educacionais Complementares aos


Parâmetros Curriculares Nacionais – Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias. 2006.
In HTTP //portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf .
Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Língua Portuguesa. Brasília: MEC / SEF, 1998.

Brasil. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos PNLD 2008: Língua


Portuguesa / Ministério da Educação. – Brasília: MEC, 2007. 152 p. – (Anos Finais do
Ensino Fundamental).

Proposta Curricular – Ensino Médio / Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) – Cenp –


SEESP , 1981-1997.
224

Páginas 59 a 60

A Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio

No Ensino Médio, os conteúdos disciplinares foram organizados em quatro


grandes campos de estudo que se entrecruzam e se orientam a partir de importantes
questionamentos sociais. Cada um desses eixos sugere uma questão que será
respondida no decorrer do bimestre. Essa questão central estabelece a abordagem
dos diferentes conteúdos em cada campo de estudo da disciplina. Por isso mesmo,
um mesmo conteúdo pode surgir em mais de um bimestre, de acordo com os limites
estabelecidos pelo eixo organizador.
Esses eixos centram-se no indivíduo que se constitui na linguagem verbal
como ser humano, em sua subjetividade, portanto único em relação aos outros, e ser
social, ou seja, parte constitutiva de um todo histórico, social e culturalmente
construído. Os campos de conteúdos tratam o fenômeno lingüístico nas dimensões
discursiva, semântica e gramatical. Dessa forma, procura- se desenvolver o olhar
dialético entre o intrinsecamente lingüístico e as dimensões subjetivas e sociais.

Ensino Médio – Campos de Estudo – Língua Portuguesa

Linguagem e Sociedade Análise principalmente externa da língua e da literatura em


sua dimensão social como instituições.
Leitura e expressão escrita Estudo das características dos gêneros textuais desde
um lugar de receptor e/ou produtor na materialidade escrita da linguagem verbal. Os
gêneros textuais são concebidos como acontecimentos sociais em que interagem
características específicas do gênero com elementos sociais e subjetivos.
Funcionamento da Língua Análise principalmente interna da língua e da literatura
como realidades (intersemióticas).
Produção e compreensão oral Aspectos relacionados à produção e escuta do texto
oral.

Parece-nos evidente, no entanto, que tais campos de estudo preocupam-se


com aspectos da realidade que surgem nos atos de fala de tal forma associados entre
si que distingui-los é uma tarefa apenas teórica e, por vezes, desnecessária. Dessa
forma, na maior parte das vezes, optamos por inter-relacionar tais campos de estudo
em uma determinada abordagem. Assim, por exemplo, ao falarmos do gênero
“poema” do campo “Gêneros Textuais”, no primeiro bimestre, parece-nos importante
associar outros conteúdos, de outros campos, como a “Lusofonia e a História da
Língua Portuguesa”, do campo “Linguagem e Sociedade” e a “Construção da
Textualidade”, de “Conhecimentos de Linguagem”. Por sua vez, tratarmos da Lusofoni
remete-nos facilmente às relações históricas entre linguagem e gramática e assim por
diante. Em outras palavras, os diferentes campos de estudo devem ser trabalhados,
quase sempre, interligados entre si, conduzindo a aprofundar o eixo organizador do
bimestre.
225

ANEXOS II
Atividades Didáticas do Gênero Poema
226

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 1ª SÉRIE – VOLUME I

Situação de Aprendizagem 1 – página 4


227

Situação de Aprendizagem 1 – Página 5


228

Situação de Aprendizagem 2 – Páginas 16 e 17

Situação de Aprendizagem 4 – Página 31


229

Situação de Aprendizagem 4 – Página 32


230

Situação de Aprendizagem 4 – Página 33


231

Situação de Aprendizagem 5 – Página 37

Situação de Aprendizagem 5 – Página 38


232

Situação de Aprendizagem 5 – Página 39


233

Situação de Aprendizagem 5 – Página 40


234

Situação de Aprendizagem 5 – Página 41


235

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 1ª SÉRIE – VOLUME II

Situação de Aprendizagem 1 – Página 5

Situação de Aprendizagem 1 – Página 6


236

Situação de Aprendizagem 3 – Página 24


237

Situação de Aprendizagem 3 – Página 25


238

Situação de Aprendizagem 3 – Página 26


239

Situação de Aprendizagem 3 – Página 27

Situação de Aprendizagem 3 – Página 34


240

Situação de Aprendizagem 3 – Página 35


241

Situação de Aprendizagem 3 – Página 48


242

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 1ª SÉRIE – VOLUME III

Situação de Aprendizagem 2 – Página 22


243

Situação de Aprendizagem 2 – Página 23


244

Situação de Aprendizagem 3 – Página 28


245

Situação de Aprendizagem 3 – Página 29


246

Situação de Aprendizagem 3- Página 30

Situação de Aprendizagem 3 – Página 31


247

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 1ª SÉRIE – VOLUME IV

Situação de Aprendizagem 1 – Página 10


248

Situação de Aprendizagem 2 – Página 15


249

Situação de Aprendizagem 2 – Página 16


250

Situação de Aprendizagem 2 – Página 17


251

Situação de Aprendizagem 2 – Página 18


252

Situação de Aprendizagem 2 – Página 19


253

Situação de Aprendizagem 3 – Página 24


254

Situação de Aprendizagem 3 – Página 25


255

Situação de Aprendizagem 3 – Página 26


256

Situação de Aprendizagem 3 – Página 27


257

Situação de Aprendizagem 3 – Página 28


258

Situação de Aprendizagem 3 – Página 29


259

Situação de Aprendizagem 3 – Página 30


260

Situação de Aprendizagem 3 – Página 31


261

Situação de Aprendizagem 3 – Página 32


262

Situação de Aprendizagem 3 – Página 33

Situação de Aprendizagem 3 – 34
263

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 2ª SÉRIE – VOLUME I

Situação de Aprendizagem 3 – Página 23

Situação de Aprendizagem 3 – Página 4


264

Situação de Aprendizagem 3 – Página 25


265

Situação de Aprendizagem 4 – Página 41


266

Situação de Aprendizagem 3 – Página 42


267

Situação de Aprendizagem 5 – Página 53


268

Situação de Aprendizagem 5 – Página 54


269

Situação de Aprendizagem 5 – Página 55


270

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 2ª SÉRIE – VOLUME II

Situação de Aprendizagem 1 – Página 7

Situação de Aprendizagem 2 – Página 14


271

Situação de Aprendizagem 2 – Página 16


272

Situação de Aprendizagem 3 – Página 25

Situação de Aprendizagem 3 – Página 26


273

Situação de Aprendizagem 3 – Página 27


274

Situação de Aprendizagem 3 – Página 28


275

Situação de Aprendizagem 3 – Página 29


276

Situações de Aprendizagem 3 e 4 – Página 30


277

Situação de Aprendizagem 4 – Página 31


278

Situação de Aprendizagem 4 – Página 32


279

Situação de Aprendizagem 4 – Página 15


280

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 2ª SÉRIE – VOLUME III

Situação de Aprendizagem 1 – Página 3


281

Situação de Aprendizagem 1 – Página 4


282

Situação de Aprendizagem 1 – Página 5


283

Situação de Aprendizagem 1 – Página 6


284

Situação de Aprendizagem 1 – Página 7


285

Situação de Aprendizagem 3 – Página 22


286

Situação de Aprendizagem 3 – Página 23

Situação de Aprendizagem 3 – Página 24

Situação de aprendizagem 3 – Página 26


287

Situação de Aprendizagem 3 – Página 27


288

Situação de Aprendizagem 3 – Página 28


289

Situação de Aprendizagem 3 – Página 29


290

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 2ª SÉRIE – VOLUME IV

Situação de Aprendizagem 4 – Página 34


291

Situação de Aprendizagem 4 – Página 35


292

Situação de Aprendizagem 4 – Página 36


293

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 3ª SÉRIE – VOLUME I

Situação de Aprendizagem 4 – Página 39


294

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 3ª SÉRIE – VOLUME II

Situação de Aprendizagem 2 – Página 25


295

Situação de Aprendizagem 2 – Página 26


296

Situação de Aprendizagem 2 – Página 27


297

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 3ª SÉRIE – VOLUME III

Situação de Aprendizagem 2 – Página 11

Situação de Aprendizagem 2 – Página 12


298

Situação de Aprendizagem 2 – Página 13


299

Situação de Aprendizagem 2 – Página 14


300

Situação de Aprendizagem 2 – Página 15


301

Situação de Aprendizagem 2 – Página 16


302

Situação de Aprendizagem 2 – Página 17


303

Situação de Aprendizagem 2 – Página 17


304

Situação de Aprendizagem 2 – Página 18


305

Situação de Aprendizagem 2 – Página 19


306

Situação de Aprendizagem 2 – Página 20


307

Situação de Aprendizagem 2 – Página 21


308

Situação de Aprendizagem 2 – Página 22


309

CADERNO DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO


MÉDIO – 3ª SÉRIE – VOLUME IV

Situação de Aprendizagem 1 – Página 10


310

Situação de Aprendizagem 1 – Página 11

Você também pode gostar