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História do Direito – Prof Dalva Tonato

PROVA 1

INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO DIREITO ( John Gilissen) – INTRODUÇÃO, CAPÍTULOS I e II

1) INTRODUÇÃO:

História para explicar as instituições existentes e o porquê de existirem. Nem sempre cada Estado
teve seu próprio sistema jurídico, antes de 1789:

a. Pensamento político e jurídico nos últimos séculos do Antigo Regime: Escola do Direito
Natural domina o pensamento jurídico dos séculos XVII e XVIII. Passa a se formar a ideia de
soberania nacional, levando à preponderância da lei como fonte de direito. Ao mesmo
tempo, liberdades públicas são afirmadas em importantes declarações (exemplo, na França,
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão).
b. Legislação dos últimos séculos do Antigo Regime: lei definida de acordo com a vontade do
soberano (absolutismo).
c. Costume medieval: costume como principal fonte do direito na Europa ocidental do século
X-XIII. Direito costumeiro passa a ser escrito a partir dos séculos XIII e XIV. Costume como
fonte muito conservadora do Direito.
d. Direito canônico: direito da Igreja católica e da comunidade de crentes. Grande influência
sobre o direito laico da Europa ocidental: universalismo cristão na Idade Média, único direito
escrito entre fim do século IX e XIII e presença de tribunais eclesiásticos em domínio de
áreas do direito privado. Diminui sua influência a partir do século XVI.
e. Direito germânico: direito tribal arcaico e pouco desenvolvido. Direito romano e germânico
unem-se durante a época carolíngia, em um quadro político e social novo (o do sistema
jurídico feudal).
f. Direito romano: romanos como os grandes juristas da antiguidade. Depois de um eclipse de
alguns séculos (séculos IX-XI), o direito romano reaparece no ocidente, graças ao estudo dos
juristas durante o surgimento das universidades (séculos XII e XIII). Influência do direito
romano: até finais do século XVIII, direito romano e canônico são os únicos ensinados nas
universidades, é um “direito letrado”; direito romanos seria um direito subsidiário, servindo
para preencher as lacunas do direito de cada região.
g. Direitos da antiguidade: os próprios gregos eram tipos como herdeiros de civilizações mais
antigas, que se desenvolveram no Egito e na Ásia Menor.
No Império egípcio, direito atinge um alto grau de desenvolvimento na época do Antigo
Império (séculos XXVIII a XXV a.C.). Na Ásia Menor, os direitos “cuneiformes” conhecem
também um grande desenvolvimento, sendo os primeiros a formular por escrito regras
judiciais, formando os primeiros códigos da história. O direito dos hebreus, por sua vez, seria
um direito altamente ligado à religião.

Grandes sistemas jurídicos:

a. Direitos romanistas: baseado nas leis.


b. Common law: elaborado por juízes, jurisprudência.
c. Direitos dos países socialistas de tendência comunista: União Soviética, marxismo-lenismo,
sistema revolucionário de direito que altera os fundamentos da sociedade pela coletividade
dos meios de produção. Influência do sistema romanista.
d. Direito muçulmano: quase inexistente a distinção entre direito e religião, “direito religiosos”,
conjunto de regras de vida vindas do Alcorão. A partir do século X, direito muçulmano
permanece estático, congelando, não conseguindo se adaptar aos problemas da vida
econômica moderna.
e. Direito hindu: sobretudo na Índia e em algumas partes do Sudeste asiático. Existência de
castas e regras de comportamento baseadas em princípios religiosos, retirados dos “srutis”
(textos sagrados muito antigos), contendo, especialmente, os Vedas.
f. Direito chinês: na China tradicional, direito tinha um papel secundário na vida social. O
essencial era o “li” (regras de convivência e de decência), que impunha a ordem natural das
coisas. A partir do século III a.C., legistas defendem a lei, a “fa”, que é quase só lei penal
(prevendo muitas penas pesadas). Vinte séculos da história do direito chinês nada mais são
do que a preponderância alternativa do “li” e do “fa”.
g. Direitos africanos: direitos dos povos da África Negra e de Madagascar costumam ser
sistemas jurídicos mais arcaicos do que os direitos religiosos da África e do Islã. Direitos
africanos são direitos não-escritos, sendo a base a coesão do grupo. Uma vez que foram
colonizados pelos muçulmanos e europeus, sofrem influência desses dois sistemas jurídicos.

As fontes do direito:

a. Fontes históricas do direito: todos os elementos que contribuíram, ao longo dos séculos,
para a formação do direito positivo atualmente em vigor em um determinado país.
b. Fontes reais do direito: fatores que contribuem para a formação do direito, variam segundo
a concepção religiosa ou filosófica dos homens.
c. Fontes formais do direito: formas de “fazer o direito” em um grupo sociopolítico em uma
determinada época, são também modos ou formas pelas quais as normas do direito positivo
se exprimem (exemplos: lei, costume, jurisprudência, doutrina, ...). O costume domina os
sistemas jurídicos menos desenvolvidos, a lei vigora nos sistemas jurídicos mais
desenvolvidos.

2) CAPÍTULO I: Os Direitos dos Povos sem Escrita

1. O problema das origens do direito

A pré-história do direito e a história do direito é distinguida pelo conhecimento ou não da escrita. O


aparecimento da escrita data diferente dependendo da civilização. Na atualidade, é quase
impossível encontrar um direito primitivo no estado puro.

2. Atualidade do estudo dos direitos dos povos sem escrita / Colonizações e descolonizações

Ainda atualmente, milhares de homens vivem sobre um sistema jurídico sem escrita. Certas etnias
parecem ter conhecido, no passado, sistemas jurídicos mais desenvolvidos do que aqueles que elas
conhecem atualmente.

Importante observar que não existe um direito africano, um direito negro ou até mesmo um direito
indígena, mas sim um número muito elevado de direitos africanos etc, uns mais desenvolvidos que
outros. Entretanto, quase todos esses direitos já sofreram contatos com direitos mais desenvolvidos.
Especialmente nas populações indígenas, a maior parte dos colonizadores deixou subsistir os
sistemas jurídicos das populações indígenas, e, por isso, em países coloniais acabaram existindo dois
sistemas jurídicos (um pluralismo jurídico).

3. Caracteres gerais dos direitos dos povos sem escrita

Esses direitos são numerosos, cada comunidade tem seu próprio costume pois vive isolada, sendo,
assim, relativamente diversificados. Nas sociedades arcaicas, direito ainda está fortemente ligado à
religião (temor constante dos poderes sobrenaturais, distinção entre regra religiosa e regra jurídica
é, muitas vezes, difícil).

Não são encontradas instituições, “direitos em nascimento”: fraca a distinção entre o que é jurídico
e o que não é. Usam meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras de
comportamento. Identifica-se a existência de um “pré-direito”, no qual os grupos conformar-se-iam
com a tradição, fazendo o que é estabelecido por medo de reprovação social.

4. Fontes de direito

Em todos os povos sem escrita, fonte jurídica é, quase que exclusivamente, o costume (pelo medo
da opinião pública). Presença, também, de leis, as quais são não escritas, e sim enunciadas nos
grupos sociais e repetidas em intervalos mais ou menos regulares para assegurar o seu
conhecimento e respeito. Precedente judiciário acaba sendo usado pelos que julgam (chefes ou
anciões). Faz-se uso, além de todas as fontes já citadas, dos provérbios e adágios, que seriam uma
forma de expressão do costume.

6. Sociedades matrilineares e sociedades patrilineares

Sociedades matrilineares: família centrada sobre a linhagem mãe-filha-neta. Entretanto, é raro que a
própria mãe exerça qualquer autoridade (poucos exemplos de matriarcado).

Sociedades patrilineares: família centrada sobre a linhagem pai-filho-neto. O chefe da família é o pai,
e temos, como exemplo o direito romano (pater famílias): pai exerce autoridade, tendo um poder
muito extenso. Sistema patrilinear e patrilocal (habitação do pai é o centro do sistema familiar)
aparece nas civilizações grego e romana.

Existe um número infinito de combinação entre os dois sistemas, e a família/ linhagem vive junta
normalmente.

7. O clã

Independentemente da composição da família, tende-se a chegar à formação de grupos


relativamente extensos, os clãs. Essa unidade social é muitas vezes reforçada pelo fator religioso. O
desenvolvimento e a sobrevivência do clã dependem da coesão de seus membros, que são ligados
por si por uma solidariedade tanto ativa quanto passiva (indivíduo não tem liberdade, existe
enquanto membro do próprio clã). Já nos clãs aparece um grande número de instituições de direito
privado.

8. A etnia

Etnia é uma comunidade que tem um nome comum, uma memória comum, uma consciência de
grupo, expressão de uma certa comunidade cultural. A etnia pode identificar-se tanto com uma
federação de clãs quanto com um Estado. A justiça interclânica diminui a solidariedade ativa e
passiva das linhagens e dos clãs, é substituída pelas vinganças privadas (prejudiciais à etnia). Essa
justiça confia nas forças sobrenaturais, tendo um caráter arbitral.

9. Modo de detenção dos bens

A propriedade é uma forma de pertença sob o aspecto da participação mística das coisas no ser
humano. Essa pertença não diz respeito ao indivíduo, mas sim à linhagem. As necessidades
econômicas obrigam que um ser deixe suas coisas para os herdeiros (ao invés de ter seus pertences
enterrados junto dele), sendo essa a primeira forma de sucessão de bens. Comida passa a ser usada
como moeda de troca, é um bem que é cedo alienado.
Existência do comércio mudo (cada grupo deposita suas coisas no chão e escolhe dentre os bens do
outro, retirando-se sem falar nada) e do potlatch (dádiva pública ostentatória, ostentação do poder
sem obrigar ao combate).

Na sequência da sedentarização, a colheita dá lugar à agricultura, os clãs sedentários formam uma


aldeia e a comunidade aldeã substitui a comunidade clânica. Surge a distinção entre terras comuns
que pertencem à comunidade e parcelas cultivadas pelas famílias.

10. Classes sociais: ricos e pobres, livres e não livres

A apropriação do solo leva à desigualdade sociais e econômicas, aparecimento de classes sociais e


hierarquização da sociedade. Surge um novo tipo de servidão, nascida da não execução de um
contrato de empréstimo, “escravatura econômica”.

11. Aparecimento de cidades e de direitos urbanos

Cidades surgem de necessidades econômicas em resultado do desenvolvimento da economia de


troca (três grandes centros geográficos: delta do Nilo, bacia do Tigre e Eufrates e bacia do Indo).
Comerciantes surgem como nova classe social. Nas cidades, desaparece a velha solidariedade étnica
e clânica. Surgimento da fiscalidade, escrita e do calendário.

3) CAPÍTULO II: Direitos da Antiguidade

Análise de cinco sistemas jurídicos específicos:

a. Egito:
Evolução geral: primeira civilização da história da humanidade a desenvolver um sistema
jurídico chamado “individualista”. Existência do “Maât”, um modelo de direito não escrito
que serviria como uma solução conciliadora. Existe uma alternância entre períodos
individualistas e períodos feudais na evolução do direito das instituições egípcias.
Direito do Antigo Império: períodos do direito individualista são aqueles nos quais o
indivíduo está isolado em face do poder, sem grupos ou hierarquias intermediárias. Lei como
maior fonte do direito, todos os habitantes seriam iguais perante o direito (marido e mulher
como iguais). Direito penal não era severo, todos os bens eram alienáveis (móveis ou
imóveis).
Evolução para regime senhorial: a partir do fim da V dinastia, evolução rápida para regime
senhorial. Regressão do Antigo Império: homem considerado superior, preferência do filho à
filha. Declínio geral.
Segundo e terceiro períodos de evolução do direito egípcio: com a XII dinastia, renasce a
centralização do poder e do direito individualista. Existe um “vai e vêm de sistemas
jurídicos”, hora mais progressistas, hora mais repressivos. Com a ocupação persa (e, mais
tarde, a romana, deixa de subsistir parcialmente o direito privado individualista e de poder
real centralizador e forte, o qual exercerá uma influência considerável sobre o
desenvolvimento dos direitos helenísticos e romanos).
b. Direitos cuneiformes: povos do Próximo Oriente da antiguidade que desenvolveram seu
processo de escrita em forma de cunha ou de prego. Composto por um conjunto de
sistemas jurídicos.
Evolução geral: momento alto da evolução do direito cuneiforme seria a época de
Hammurabi.
Os grandes códigos de direito cuneiforme: códigos seriam um julgamento de direito,
compostos por ensinamentos indicando o caminho dos juízes (diferente de leis ou códigos),
dizem respeito a um caso concreto e dá a solução jurídica. Esses códigos constituem os
primeiros esforços da humanidade para formular regras de direito: Código de Hammurabi
(rei da Babilônia) seria o mais importante. As leis seriam de origem divina, inspirado por
Deus; direito babilônico como um regulamento de paz.
O direito da época de Hammurabi: alto desenvolvimento da economia de troca e das
relações comerciais, direito da época de Hammurabi cria técnica dos contratos (entretanto,
sobrevivência de costumes anteriores, como a severidade do direito penal). Com a morte de
Hammurabi, na época das invasões, a sociedade mesopotâmica desagrega-se.
c. Direito hebraico:
Introdução histórica: hebreus são semitas que viviam em tribos nômades. Com a
sedentarização, estabelecido um poder único sob todas as tribos do domínio do rei. A
revolta dos judeus contra os romanos leva à sua dispersão (diáspora), mas, apesar da perda
de unidade política, continuam conservando uma grande unidade espiritual.
Caracteres: é um direito religioso, dado por Deus ao seu povo (sendo assim, é imutável, só
Deus pode modificar).
Fontes do direito: fontes estão contidas nas escrituras; Bíblia. Criação da lei oral como forma
de adaptar a Bíblia ao judaísmo, Michma como obra de um rabino sobre os pensamentos
dos rabinos (própria Michma é estudada e interpretada e sua interpretação serve como
fonte jurídica).
d. Direito grego: primeiros a elaborar uma ciência política.
Evolução dos sistemas políticos gregos: não houve nunca unidade política e jurídica na
Grécia Antiga (existência de uma multidão de direitos gregos). Entre os séculos VIII e VI,
estabelece-se um regime democrático (mais conhecido é o de Atenas).
Leis de Drácon: põem fim à solidariedade familiar.
Leis de Sólon: instauram a igualdade civil, suprimem a propriedade coletiva dos clãs e a
servidão por dívidas, limitam poder paternal, estabelecem testamento e adoção.
Estabelecimento de uma democracia moderada.
Direito era limitado aos cidadãos livres.
Fontes históricas dos direitos gregos: direito derivava de uma noção mais ou menos vaga de
justiça que estaria difusa na consciência coletiva.
Contributo da Grécia para a ciência política: para os pensadores gregos, fonte do direito
seria a lei (lei humana e laica! Nada de divino). Platão e Aristóteles.
O direito privado: direito privado grego de Atenas muito individualista. Poder paternal é
limitado enquanto que em Roma permanece muito extenso; na Grécia, transferência de
propriedade só se realizava por meio de contrato; convenções se formam apenas pela
vontade das partes, sem formalismos (diferentemente de Roma, onde existe um formalismo
sem o qual o contrato não é válido).
e. Direito romano: direito privado romano atinge nível muito elevado e exerce forte influência
sobre o direito da Europa medieval e moderna.
Introdução histórica:
Na Realeza, os chefes de família, os patres, reúnem-se aí e formam o que mais tarde se
chama o Senado. A realeza não é hereditária.
A República é composta por dois cônsules. Pluralidade de assembleias e magistraturas. Na
res publica (coisa pública) designa a organização política e jurídica na qual o cidadão
subordina seu próprio interesse ao da comunidade. A cidadania romana é concedida não só
a pessoas, individualmente, mas também aos grupos.
No Alto Império, Octávio consegue centralizar todos os poderes nas suas mãos. A assembleia
e as magistraturas caem em decadência, apenas o Senado sobrevive. O édito de Caracala
concede cidadania romana a todos os cidadãos que se encontravam nos limites do Império.
No Baixo Império, o poder do imperador é absoluto, divinizado, legislando só. Pelo édito de
Milão, Constantino reconhece oficialmente a religião cristã. Funda-se uma nova capital,
Constantinopla, e o Império é dividido em dois: Ocidente (cai no século V) e Oriente (cai no
século XV).
O antigo direito romano: conflitos sociais que acabam por igualar os plebeus política,
religiosa e socialmente. Direito romano essencialmente consuetudinário, primeiramente
formado pelos costumes de cada clã. Direito e religião ainda não são diferenciados, não
existindo diferença entre direito sagrado e direito secular. A escrita era pouca, e só, durante
a República, que a lei começa a entrar em concorrência com o costume como fonte de
direito. Apenas os magistrados superiores podiam propor um texto de lei para ser afixado
durante um certo tempo. Só com a lex Hortensia que os plebiscitos viram obrigatórios para
toda a população e não só para a plebe. A Lei das XII Tábuas é considerada um dos
fundamentos da ius civile, é uma redução a escrito dos costumes, na qual a solidariedade
familiar é abolida e a igualdade jurídica é reconhecida teoricamente (comparável, na Grécia,
às leis de Drácon).
O direito clássico: a submissão absoluta ao imperador restringe a liberdade dos cidadãos. Os
textos do direito romano da época clássica são muito numerosos, romanos foram os
primeiros a sentir a necessidade de reduzir a escrito as regras jurídicas. As fontes do direito
romano clássico continuam sendo a lei e o costume (lei com um papel cada vez mais
importante). Costume foi suplantado não só pela lei, mas também pelas duas fontes
tipicamente romanas: o édito de preto e os escritos dos jurisconsultos.
Éditos: disposições de ordem geral, aplicáveis a todos o império.
Decretos: precedentes aos quais os juízes inferiores deviam obediência em razão da
autoridade que emanavam.
Rescritos: respostas dadas pelo Imperador ou pelo seu conselho a um funcionário, um
magistrado ou mesmo um particular que tinha pedido uma consulta sobre um ponto de
direito (têm valor de regras de direito aplicáveis a casos análogos).
Instruções: dirigidas pelo Imperador aos governadores das províncias.
Os magistrados encarregados da jurisdição podiam, quando da sua entrada em função,
proclamar a forma pela qual contavam exercer essas funções (com o tempo, essas
proclamações tornaram-se escritas), tais proclamações repetiam-se de uma magistratura à
outra e acabaram tornando-se regras permanentes do direito.
A jurisprudência, no sentido romano, era o conhecimento das regras jurídicas e a sua
atuação pelo uso prático (romanos viam jurisprudência como doutrina).
O direito do Baixo Império: período de decadência política e intelectual. Cristianismo
transforma diversos princípios do direito privado. Instituições novas, predecessoras do
feudalismo, começam a aparecer. Constantinopla como centro do império. Legislação,
advinda dos imperadores, vira a principal fonte do direito.
f. Direito bizantino:
No Império Bizantino, o corpus juris civilis continua sendo a base do direito. O direito
bizantino também exerce influência romanizante sobre as mais antigas redações do direito
russo, búlgaro e romeno.

O DIREITO NA HISTÓRIA (Lima Lopes) - CAPÍTULOS I a V

1) CAPÍTULO I: Sobre a história do Direito: seus métodos e tarefas


A ideia geral é que a história de um povo pode ser usada para amenizar os problemas em tempo de
crise. Sendo assim, cumpre um papel restaurador e reacionário, podendo legitimar o status quo. Na
atualidade, seu estudo é voltado para a própria "vida material". Desse modo, o "fazer histórico"
também faz uso da vida cotidiana, enquanto que o estranhamento e a mistura de diversos aspectos
se mantêm vivos para o historiador; possibilitando uma visão crítica para a percepção de um
passado diferente e a possibilidade de um futuro também diferente.

Outra ideia interessante é a transformação de instituições com o passar do tempo. A própria família,
anteriormente considerada uma unidade de produção, hoje em dia é vista como unidade de
consumo – e, mesmo assim, continua com a mesma denominação. Entretanto, mesmo para a
construção da história - e, principalmente para o estudo do Direito -, é fundamental que se levante
suspeitas:

a. Suspeita de poder: seu estudo sempre vai se voltar para um exercício de poder, para o
exercício da autoridade formalizada pelo direito.
b. Suspeita de romantismo: até pouco tempo, a história do direito era feita de forma a
romantizar sua trajetória.
c. Suspeita de continuidades: ideal de que a vida está em constante mudança, de que é
diferente do que outrora fora e será diferente do que momentaneamente é.
d. Suspeita da ideia de progresso e evolução: sendo ambos conceitos relativos, é necessário
basear-se em critérios ant5es de julgar um ou outro. "O Direito também é uma invenção
humana e uma invenção cultural muito particular [...] Somos um pouco dominados pela ideia
do progresso: ou somos os progressistas, ou somos o ponto culminante de uma história de
progressos".

Afunilando para o tema da História do Direito, este pode ser visto tanto como um ordenamento,
tanto como uma cultura, quanto como um conjunto de instituições . "Historiar a cultura jurídica é
historiar o modelo literário, os gêneros, as inovações na exposição da matéria", sendo assim, a partir
de exemplos históricos, muitas vezes práticas jurídicas são importadas, constituindo uma panorama
heterogênea para a formação das normas e da forma de fazer justiça em um país - como acontece
no Brasil. Dessa forma, ao estudar o Direito aplicado à Constituição Brasileira, a História se faz
presente como forma de compreender a origem de tão diversas tradições.

2) CAPÍTULO II: O mundo antigo, Grécia e Roma

"[...] com efeito, a cidade foi, antes de tudo, um armazém, uma estufa e um acumulador. Foi por
dominar essas funções que a cidade serviu à sua função última, a função transformadora."

1 O Direito nos Impérios orientais

Infelizmente, muita coisa da época da constituição do direito foi perdida, restando alguns
manuscritos e monumentos. É importante, entretanto, caracterizar os antigos impérios como
"multisocietárias" - a exemplo do Egito e da Babilônia -, as quais apresentavam uma grande
polarização entre seus fundamentos: cidade e campo, agricultura e pastoreio.

Da oposição cidade/ campo, o sítio urbano emerge como o "centro de controle que detém a escrita
(memória escrita)", sendo a escrita, na época - não muito diferente do que ocorre hoje - mantida
como monopólio de alguns poucos cidadãos. Já na relação fora do município, a superioridade militar
determinava sua posição. Uma vez que as disputas entre iguais é decidida pela justiça da aldeia e a
justiça real se responsabiliza pelas disputas entre as comunidades, o rei acaba se tornando a própria
justiça.
2 Grécia - a ruptura de uma ilustração no mundo antigo

A principal herança da tradição ateniense – uma vez que essa é mais reconhecida que a espartana –
reside na laicização do direito e a ideia de que as leis podem ser revogadas pelos mesmos homens
que as fizeram.

A história grega pode ser dividida em três grandes períodos: arcaico, clássico e helenístico -
enquanto o oriente era sendo "helenizado", a Grécia ia se "orientalizando". Analisando a sociedade
grega, não só fica evidente a morte prematura da população - em razão das más condições de saúde
e da guerra -, como também o uso dos escravos é percebido como algo curioso: eles era, usados,
principalmente na agricultura, desempenhando atividades secundárias nas outras atividades
econômicas – a agricultura, como exemplo, era exercida, majoritariamente, por homens livres. Esses
mesmos escravos provinham de prisões em tempo de guerra ou de antigos piratas; tendo, a classe,
realizado poucas rebeliões. "A escravidão não era natural (inelutável), mas um fato da vida, um
acaso."

Curiosamente, na Grécia, não existia uma classe de juristas, nem um treinamento jurídico, essa
posição era ocupada pelas escolas de retórica - que bastavam para suprir as necessidades da
população. A crença era de que o direito era aprendido por meio da vivência. Assim como a prática
criou o direito grego, a própria sociedade, dividida em classes e que mantinha afastados os
estrangeiros, teve que dar espaço à solidariedade cívica, instaurando regras universais que
possibilitassem a geração de uma polis democrática, que superasse a família enquanto centro da
vida social e política. "Num mundo construído pelo império helenístico e depois pelo império
romano, num mediterrâneo totalmente helenizado, os estoicos vão pregar uma cidadania universal,
um pertencimento ao gênero humano."

2.1 As formas de resolução de controvérsias

Em casos de crimes públicos, eram convocados grandes tribunais com números estrondosos de
membros. Já a Assembleia era o órgão que elegia o conselho de supervisão, sendo que seus
participantes seriam os de maior renda da população. O exercício de governo, por sua vez, era de
posse do Conselho.

Sendo as leis muito confusas e por haver muitas facções dentro do direito grego, os tribunais
acabavam sendo usados com fins políticos. Além disso, era indigno ser pago para defender alguém,
o que acarretava no aparecimento de discursos anônimos - entretanto, com o tempo, os logógrafos
se tornaram comuns, escrevendo em troca de dinheiro. Passando para o veredito, existia uma
dicotomia de sentenças: sim ou não, culpado ou inocente. Os juízes eram leigos e membro de uma
Assembleia, e a única forma de recorrer uma sentença era por meio dos heliastas.

Aristóteles, analisando os meios de se provar algo diante do tribunal, chegou à conclusão de que
existiam provas naturais ou artificiais: "Naturais eram a prova de existência da lei, testemunhas,
contratos, juramentos [...] as provas naturais eram evidências empíricas. As artificiais são fornecidas
por nossa invenção e descoberta, procedem de nosso raciocínio [...] A eloquência fornece estas
provas."

Além da figura do advogado ainda não existir, não fazia parte da sociedade a promotoria de
acusação, pois todo e qualquer cidadão, mesmo sem ser a vítima, era encorajado a denunciar um
crime – e a denúncia consistiria em encaminhar o começo do processo, realizando uma petição. O
processo acabou se tornando algo banal, sendo a democracia o meio que possibilitava a liberdade
para se processar. Mesmo com toda essa liberdade, era muito complicado o trâmite jurídico para se
obter uma condenação, e o medo de impunidade era maior ainda. Dessa forma, as penas eram
desproporcionais, a exemplo de multas, castigos, feridas, mutilações, morte e exílio - o próprio
ostracismo ocorria de acordo com a vontade dos cidadãos, que votavam nos membros que seriam
expulsos, até que, com o passar do tempo, o exílio deixou de ser tão insuportável e foi caindo em
desuso.

2.2 A lei positiva - o centro do debate filosófico

A lei deixa de ser assunto dos deuses e sofre uma laicização. A civilização grega, sendo costeira,
passa a indagar mais sobre o que há de comum entre as diferentes sociedades, enquanto
expandindo-se para alcançar maiores níveis de controle social e colônias para comércio.

A escritura das leis na Grécia advinha de processos revolucionários, garantindo a outorgação de leis
fundamentais, "constituições". Com as Leis e Constituições de Drácon, a justiça familiar, outrora
fonte de sangrentos conflitos, é abolida. Já as Leis de Sólon acabam com a servidão por dívidas. Há,
também, as reformas de Clístenes, que ampliam o princípio representativo.

Outra grande inspiração para o sistema jurídico exemplar da Grécia foi a filosofia, a partir da retórica
e da dialética pode-se debater sobre justiça. "Sócrates discute a justiça com a vida: é melhor sofre a
injustiça a praticá-la?"

3 Roma

Lembrada por suas habilidades na guerra, o Direito também teve preponderância enquanto
organização romana – sendo construído por meio de antecedentes. A história de Roma foi dividida
em três períodos:

a. Período arcaico: desde a fundação da cidade em 753 a.C. até a adoção do processo formular
e a atividade dos pretores; corresponde o processo segundo as ações da lei (legis actiones).
b. Período clássico: abrangendo a República tardia e indo até o Principado; corresponde o
processo formular (per fomulas), introduzido a Lex Aebutia e confirmado pela Lex Iulia.
c. Período tardio: já existia a jurisprudência e foi denominado pela cognitio extra ordinem.

Roma conhece três distintas formas de governo: a realeza ou monarquia, em que o rei era revelado
pelos deuses e não hereditária – mesmo que os familiares do rei recebessem benefícios -; a
República; e o Império, dividido em duas grandes etapas. Em qualquer forma de governo, foi
mantido um sistema aristocrático, sendo que os que estivessem na base da pirâmide social
buscavam apoio/ proteção dos ricos e poderosos. Já a cidadania foi sendo estendida, de grupo a
grupo, lentamente.

Havia três formas de resolver as controvérsias, a primeira era as ações da lei, em que o centro do
saber jurídico se encontrava na figura do pontífice; a segunda viria do tempo do processo formular,
com a produção do direito por pretores e juristas; por último, se encontraria o período da cognição
extraordinária, com imperadores e juristas como protagonistas.

3.1 Do período arcaico à idade clássica

Poder político misto, com elementos representativos e oligárquicos. O Senado era o conselho de
anciões, e as Assembleias tinham uma função legislativa. As magistraturas eram cargos eletivos e
tinham um controle recíproco de poder.

Os magistrados emitiam editos; os pretores participavam do poder geral de mando – “administrando


a justiça”, eles buscavam saídas pacíficas para a resolução de conflitos. Em uma sociedade
estamental, os homens eram divididos pela ordem a que pertenciam. Os pontífices também
desempenhavam um papel importante, ao terem o monopólio da interpretação das fórmulas legais.

Durante o período republicano os plebeus alcançam uma importante vitória ao redigir-se as Leis das
XII Tábuas, que garantiam que toda a lei deveria ser escrita. Assim, a lei “[...] já é laicizada, não
totalmente religiosa e imóvel como o direito oriental antigo. ”; entretanto, esse direito romano se
aplicaria apenas aos cidadãos romanos e seus descendentes, sendo que a cidade tradicional é tida
como objeto jurídico de proteção. Em alguns casos, a própria promessa se tornaria uma obrigação
jurídica para um cidadão romano.

Existia um certo formalismo no direito romano, no qual regras de conduta eram avaliadas pelo
pontífice de forma a comprovar a existência ou não de determinados acordos. Essa formalidade
serve como escapatória do direito ligado somente ao religioso, laicizando-o.

3.2 O processo formular e o período clássico

Importante lembrar que os romanos ainda veem a família como unidade produtiva, acima da cidade.
Assim, o direito surge também como forma de evitar vinganças privadas.

A Lex Abutia e a Lex Iulia criaram o processo formular, estabelecendo a jurisprudência. O processo
formular se caracterizaria em uma divisão de duas fases:

a. IN IURE: ocorre perante o magistrado (pretor), que deve organizar a controvérsia a


ponto de transformar o conflito real em conflito judicial; devendo administrar a
justiça, e não julgá-la. Sua primeira fase é com a comunicação da pretensão ao
adversário.
b. APUD IUDICEM / IUDICIUM: a controvérsia se desenrola em frente a um juiz.

O acesso à justiça é limitado e visto como sinal de status, pois, mesmo que os cidadãos fossem
incentivados e denunciar qualquer crime, era um processo caro e trabalhoso – uma vez que o
queixoso deveria levar o réu ao tribunal, negociar com o pretor qual era, de fato, a lei infringida e se
compromissar diante de testemunhas que manteria o processo em andamento até chegar ao juiz. O
estrangeiro, por sua parte, só era protegido se houvesse um tratado de amizade entre sua cidade e
Roma.

A palavra por si só criava um vínculo, sendo a boa-fé um princípio normativo e interpretativo.


Existiam obrigações verbais, literais, reais e consensuais.

O edito do pretor durava a sua magistratura. Era uma proclamação verbal de tribuna, sua redução
verbal sendo simples memória. Pela Lex Cornelia, as partes poderiam invocar o edito como se fosse
lei diante do pretor. Com a Lex Iulia, aboliu-se a legis actiones, generalizando para o direito privado o
processo formular.

3.3 Cognitio extra ordinem

Na terceira grande fase do direito romano, a divisão de tarefas entre pretor e juiz desaparece, e os
juristas passam a ser mais valorizados. A influência do príncipe – se torna, aos poucos, juiz supremo -
passa a mudar a ordem dos processos.

3.4 Os autores do direito romano: pretores e juristas

A partir de IV a.C., a jurisprudência laiciza-se em função das leis escritas e do acesso dos plebeus ao
colégio de pontífices – o que não significa a democratização das leis. Os juristas formam uma
categoria aristocrática, como função pública, sua atividade sendo vista como uma honra, uma
dignidade. Suas tarefas variavam: consultoria em temas particulares de negócios e contratos,
preparação de documentos ou conselho aos pretores. Não evocavam a jurisprudência, tinham como
fonte a lei, a razão e a equidade das fórmulas como tentativa de interpretar precedentes judiciais. “A
lei mesma era invocada quando não era óbvia de um ponto de vista prudencial. ” Com o tempo, o
jurista independente perdeu seu lugar. Em 426, surge a “lei das citações”, indicando quais os juristas
que poderiam ser citados e sua perspectiva hierarquia.

3.5 Fontes

As fontes normativas de Roma, com o tempo, mudaram. “Assim, as leis, derivando talvez do lego
(ler), eram as normas votadas nas assembleias gerais e propostas pelos magistrados superiores. ” Ao
serem votadas pelo conselho dos plebeus, eram chamadas de plebiscito (Lex Hortensia dá
obrigatoriedade geral aos plebiscitos). Já o senatus consultus representava moralmente a autoridade
dos patriarcas, e não tinha a mesma autoridade da lei. Progressivamente, as assembleias deixam de
ser o centro para dar lugar ao Senado. Os atos do imperador são chamados constituições, são editos
– também podendo ser expedidos por magistrados em geral - quando abrangem todo o Império –
assim como o Edito de Milão, que muda o status do cristianismo. Decreta ocorre quando alguma
decisão, julgamento ou sentença constitui um precedente que deve ser observado em casos
semelhantes, enquanto a rescripta provinham da consulta de magistrados em casos difíceis.

3.6 Juristas e filosofia

Entre os juristas competentes de Roma, a maioria é helenizada em função da abertura do Império


para o Oriente. O debate grego e a filosofia grega influenciam o pensamento jurídico romano.

3.7 O direito privado romano – casa e família

A família, enquanto unidade produtiva, despeja grande importância ao direito privado. A sociedade
era extremamente patriarcal e a figura jurídica, inexistente: suas funções eram cumpridas pela
instituição familiar. Regras são estabelecidas para a união matrimonial de romanos com estrangeiros
ou de membros de diferentes classes, uma vez que o próprio casamento é visto como um vínculo
econômico / produtivo – e não uma forma de realização pessoal.

3) CAPÍTULO III: A Alta Idade Média

1 As invasões

O período das invasões e dos assentamentos dos bárbaros foram um período de crise econômica,
social e política. Com o Império Romano em ruínas, romanos passam a viver com os bárbaros
(inclusive, por terem mais liberdade política). Mesmo diferentes, os costumes dos povos bárbaros
assemelham muito entre si, são sedentários em fuga e sofrem de fome e de guerras. Para esses
povos, a influência do direito romano era apenas relativa, uma vez que a civilização romana e o
direito romano são encarados como superiores.

A inclusão dos dois povos é lenta (no começo, os casamentos inter-raciais eram proibidos). Com o
advento dos reinos bárbaros, há uma pessoalidade das leis (pena de acordo com a etnia do indivíduo
e não de acordo com o território em que o indivíduo se encontra); a Igreja, com sua pretensão à
universalidade, tenderá a buscar o princípio de territorialidade.

2 Regressão

Com a inserção dos povos bárbaros, ocorre uma regressão no gosto, demográfica, material e ao
paganismo. Os controles sociais se afrouxam e a rede de comunicação e a moeda desaparecem.
3 O direito nos reinos bárbaros

Neste mundo dividido, duas ordens de direito se estabelecem: o direito dos bárbaros e o direito
romano vulgarizado.

3.1 O direito costumeiro dos bárbaros

O direito dos bárbaros costuma resultar da consolidação dos costumes. A lei também existe como
uma consolidação dos costumes (a exemplo da Lei Sálica, que se estabelece como uma coleção de
casos especiais).

A violência era reprimida com castigos e, sobretudo multas e indenizações (diferentemente da lei
romana), sendo que a multa era prevista para ser paga para à vítima ou sua família e variava de
acordo com o ferimento e com o status social. É possível observar o desaparecimento do Estado e da
vida civil, uma vez que as penas são castigos e torturas aos contraventores (quase como uma forma
de vingança privada).

3.2 O direito romano dos bárbaros (lex romana barbarorum)

Além da legislação, os reinos bárbaros também tentaram conservar alguma coisa do direito romano.
Estando presente as populações romanas nos territórios bárbaros, era importante a edição de um
“direito romano barbarizado ou vulgar”, garantindo legitimidade política e aceitação aos povos
germânicos.

A regressão material já mencionada impõe a autarquização da vida das pequenas comunidades, de


modo que o costume se torna cada vez mais importante.

A civilização romana sobreviveu, mediante os bárbaros, ao longo de toda a Idade Média e para além
dela.

4 Os Concílios e a Igreja

A importância da Igreja nos séculos V a XI se dá por alguns fatores: vazio político, ou incompletude
política, da civilização medieval e as instituições eclesiásticas que passam a existir. Pela Igreja latina
sobrevivem elementos da romanidade e por ela são inseridos mecanismos de controle social
(inclusive, Igreja ameaçada pela regressão pagã).

Os Concílios surgem como uma maneira de discutir matérias de interesse público e regular diversas
questões. Os Concílios indicam o caráter não centralizado da Igreja ocidental neste tempo; o papa
não interfere sempre diretamente.

5 O direito medieval feudal

No Ocidente medieval, diferentemente do que ocorre no Oriente, a separação das esferas de poder
eclesiástico e secular tenta lentamente tomar forma. A disputa entre papa e imperador acaba
impossibilitando qualquer poder secular ou eclesiástico de impor-se hegemonicamente ou de modo
incontestável aos outros.

A sociedade medieval é uma sociedade de ordens e estamentos, a ordem social é dividida em


oratores (clero), bellatores (nobres, que fazem a guerra) e laboratores. Existia dois sistemas de
relações feudais: feudal, relativa à vassalagem e à tenência de terras, e outra senhorial, relativa às
relações entre servo e senhor. O sistema feudal disciplina as relações entre senhores, e o sistema
senhorial entre senhores e não senhores.
No primeiro feudalismo, os reinos eram etnias sobre um rei. A vassalagem era um rito solene em
que o vassalo se entregava ao senhor: era tão sagrado quanto o casamento e ambos os lados eram
vistos em pé de igualdade, em que um tinha obrigações para/ com o outro. No segundo feudalismo,
desenvolve-se a hereditariedade do feudo e sua alienabilidade. Existe um sistema de justiça feudal e
outro senhorial e as regras gerais e aplicáveis nos casos futuros são decididas em conselhos e cortes
(governar é, sobretudo, administrar a justiça). O conde, nas cortes senhoriais, figura como um
árbitro, e não como um juiz. Com o surgimento de novos poderes sociais, as cortes senhoriais
perdem sua influência. Disputas entre senhores resolvem-se ou por processos ou por guerra. O
direito feudal, com o tempo, passa também a ser compilado por escrito.

6 A propriedade rural

A propriedade é compreendida como direito de jurisdição (poder de julgar as disputas) e direito de


propriedade (poder de explorar a terra). O direito subordinava-se a uma dinâmica que se encontrava
na apropriação da propriedade.

Existiam ligações perpétuas de fidelidade entre vassalos e senhores e ligações pro-vita entre peão e
senhor. Mesmo as obrigações impostas aos peões (banalidades) foram se monetarizando e
transformando-se no pagamento de taxas e tributos.

Quando se começa a aceitar a alienabilidade da posse começa a acabar o feudalismo e a servidão.

7 O direito inglês e sua origem feudal

Na Inglaterra, impõe-se um “feudalismo centralizante”, no qual o rei é senhor de todos os senhores


e tem o direito de resolver as questões de detenção da terra, passando a interferir nas disputas
locais; o rei conserva um domínio direto sobre todo o reino. Diante de tanto poder, os nobres
sentem-se ameaçados e tentam diminuir tal interferência por meio da Magna Carta. Mais tarde, a
jurisdição real volta a se ampliar quando o rei passa a ouvir casos sem precedentes, mas que
requeriam soluções de justiça.

Quando no continente o direito erudito se expande e depois influencia a organização da justiça, a


Inglaterra já tem uma tradição de direito real determinada não pela universalidade mas pela forma
do juízo e pelos precedentes. Isso dificultara a romanização de seu direito.

4) CAPÍTULO IV: O Direito Canônico e a Formação do Direito Ocidental Moderno

1 Introdução

É do direito canônico que parte a reorganização completa da vida jurídica europeia, e as cortes,
tribunais e jurisdições leigas, civis, seculares, principescas, serão mais cedo ou mais tarde
influenciadas pelo direito canônico. Os canonistas são os responsáveis por criar critérios de
racionalização e formalização do direito, é deles que sai a primeira classe de juristas profissionais
assegurada na burocracia eclesiástica. Dentro do direito penal canônico, penas podem ser perda de
função, confinamento num mosteiro, prisão e prática de obras de caridade. Observa-se as disputas
pelo poder entre Igreja e Império.

2 A reforma gregoriana e a querela das investiduras

Gregório VII foi responsável por uma transformação radical dentro da Igreja, que acabou por unifica-
la. O então papa se dispõe a liberar a Igreja do poder secular, organizando um poder político que
seja mais eficaz do que o de seus adversários. Acaba desenvolvendo o pensamento racional e formal
do processo jurídico canônico.
É emitido, por Gregório, o Dictatus Papae, no qual são estabelecidas 27 proposições revolucionárias,
centralizando a figura do papa. Fica clara a intenção da Igreja de ser um poder autônomo, paralelo
ao Estado. O Dictatus Papae divide o Império, já que a reforma gregoriana lidava diretamente com a
estrutura do poder político feudal, instituindo que o rei estava dentro da Igreja, não acima dela (e,
dentro da Igreja, a autoridade era do papa). Gregório estimula o estudo do direito para dar-lhe um
fundamento de autoridade, além de acreditar na superioridade da lei sobre os costumes.

O Império na Idade Média era uma entidade militar/ espiritual e não geográfica, sendo que muitas
vezes ainda vigorava o princípio da pessoalidade das leis e, sobretudo, a força dos costumes locais.
Assim, a Igreja consegue força para legislar, a exemplo da Paz de Deus e da Trégua de Deus.

Ocorrendo a disputa entre jurisdições e entre o espiritual e o temporal, não se afirmou nenhuma
teocracia no Ocidente. A Reforma Gregoriana teve, de fato, um aspecto revolucionário, causando
uma grande e violenta convulsão social. A finalidade de Gregório foi o estabelecimento de um poder
disciplinar em suas mãos, um controle central de uma população dispersa, o estabelecimento de
uma identidade corporativa do clero com um certo corpo de leis disciplinares, o que veio a dar-lhe
verdadeira consciência de classe.

3 Episódio inglês e português

Episódio inglês: com a Constituição de Clarendon, rei (Henrique II) tenta aumentar jurisdição sobre
os clérigos; entretanto, ao ter um arcebispo assassinado, renunciou às pretensões da constituição.
Mais tarde, seu filho, João Sem Terra assume e discorda do papa, que acaba excomungando-o e
fechando todas as igrejas inglesas. Assim, João submete-se ao papa e, ao assinar a Magna Carta,
garante a liberdade da Igreja dentro da Inglaterra.

Episódio português: rei acaba ganhando a disputa. Com o declínio do papado, passa a ser necessária
a autorização do rei para a introdução da lei canônica (inclusive no Brasil colonial).

4 A formação do Corpus Iuris Canonici

Papa era o único que podia explicar as antigas normas (realizar a interpretação autêntica). Toda
decisão deveria ser uma distribuição de justiça (dar o devido a cada um), a atividade legislativa não
se separava totalmente da atividade judicial ou administrativa.

O intérprete cristão precisava vencer a distância temporal que o separava dos fundadores, e a
distância contextual que separava redator e leitor do texto. A tradição clerical de trabalho com os
textos acabava refundando o direito como disciplina intelectual. O Decreto de Graciano aparece
como um texto de estudo básico para o direito canônico.

Além da importância do crescimento da legislação papal, os concílios também produziam decisões (e


o Latrão IV é especialmente importante).

É feita uma compilação de todo a matéria canônica importante desde Graciano, dando origem a
Decretais de Gregório IX. O texto se torna oficial e é enviado às escolas de direito. Assim, nas
universidades, acaba-se estudando dois corpos de leis: direito civil (romano, imperial, cesáreo, ...) e
direito canônico (eclesiástico).

5 O sentido e a importância política da burocracia nascente

A disputa de poder entre Império e Igreja conduziu à limitação do objeto de poder.

Dentro da Igreja, existia o conciliarismo, corrente que insistia na prevalência de concílios sobre
decisões do papa e de sua cúria romana e tentava, assim, introduzir uma instituição assemblear ao
lado do princípio monárquico. Para além disso, os canonistas elaboravam vários princípios de caráter
jurídico-político que se aplicavam a todos os corpos eclesiásticos. A Igreja passa a se tornar uma
hierarquia e uma corporação.

Com a ascensão do direito canônico, surge uma nova classe: os cânones, que têm a chance de fazer
carreira por meio de uma ascensão profissional. Com seu saber especializado, passam a limitar o
saber do papa por meio de muitas e sutis interpretações. Os canonistas também são os responsáveis
por tirar do direito natural (que vinha crescendo dentro da tradição canônica, como uma razão legal,
um princípio de coerência interna) consequências políticas.

6 As regras de competência e jurisdição

O processo canônico é um processo conduzido por profissionais do direito, reconhecendo um


sistema de recursos que permitia a uniformização, a concentração e a centralização do poder,
adquirindo uma perspectiva investigativa mais do que acusatória ou adversária e impondo a escrita
sobre a oralidade. O direito secular se faz diferente do direito canônico quanto à separação das
jurisdições e à formalização do processo. A Igreja tinha jurisdição sobre o clero, pobre, órfãos, ... (ex
ratione personarum, em razão das pessoas envolvidas) e sobre questões que envolvessem os
sacramentos (ex ratione materiae); além de existir uma jurisdição prorrogada, em que particulares
poderiam se submeter, espontaneamente, a tribunais eclesiásticos.

7 A formalização e a racionalização do processo

O processo canônico cumpre o papel disciplinador que a legislação jamais conseguiria cumprir ao
impor uma prática crescentemente autônoma de resolução de controvérsias, marcada pelo novo
espirito racionalizador e formalizador que já contaminava a filosofia escolástica. O processo
canônico introduziu o escrito e possibilita maior clareza as fases processuais, trazendo a figura do
advogado (jurisperito). Além disso, tenta-se abolir as provas irracionais, buscando uma investigação
que convença o juiz. Oferecendo um novo modelo de julgamento, muitos são atraídos ao processo
canônico, levando os tribunais seculares a seguirem tais procedimentos para não perder
credibilidade.

A racionalização foi acompanhada de uma perda: a da oralidade e da imediatidade da investigação,


que só voltarão ao processo com as reformas do século XIX.

8 O processo inquisitorial

Tem origem canônica, embora não exclusivamente. A inquisição medieval torna-se famosa por duas
características: transformou-se num tribunal de exceção, e dirigiu-se a uma espécie específica de
delito. A inquisição rompeu com os princípios da autonomia local e corporativa.

9 Contribuição da canonística para a teoria da pessoa jurídica

No direito romano, não havia pessoa jurídica (em Roma, o papel mais próximo desempenhado disso
é pela família). É com o direito canônico que os problemas de patrimônios comum, representação,
responsabilidade tornam-se novos.

Tais questões se colocavam porque a Igreja era algo diferente do patrimônio do imperador e os laços
que passaram a unir os cristãos, divididos em clérigos e leigos, eram diferentes das vassalagens que
uniam os senhores feudais.

5) CAPÍTULO V: Metodologia do ensino jurídico e sua história: Idade Média - a Escolástica

1 A universidade medieval e a recuperação da cultura clássica


O início do ensino jurídico na tradição ocidental pode ser localizado na Baixa Idade Média. A serviço
do ensino do direito foram feitos manuais introdutórios. A escola de direito propriamente dita
começa em Bolonha e faz ali a união entre o direito justinianeu e a ferramenta intelectual da
filosofia grega. Em Bolonha, Irnério ensina direito tendo como base a compilação de Justiniano. Ao
lado da descoberta de alguns textos clássicos, ou de sua versão completa, ressurgem os textos do
direito romano salvos pela consolidação bizantina de Justiniano.

2 A recuperação dos textos de direito

No Oriente, a continuidade viva do império foi impondo reformas contínuas ao direito vigente, de
modo que o texto justinianeu foi perdendo importância como direito aplicável.

A recuperação do texto de Justiniano se dá em um universo de homens letrados, majoritariamente


eclesiástico. O Corpus Iuris Civilis, a recompilação justianianeia, é agregada aos textos de autoridade
e de tradição. Os textos vindos do passado valiam muito para os medievais (era uma cultura de
reverência para com a tradição).

Não há, nesse tempo de Europa medieval, um Estado centralizador suficientemente forte para
pretender qualquer monopólio militar ou jurídico, o ambiente normativo é plural.

3 A escolástica como método – autoridade e disputa

3.1 Os textos de direito romano

Os textos foram reunidos no século VI, no Império Romano do Oriente, por uma comissão de 16
peritos: Triboniano a presidia a pedido do imperador Justiniano com a finalidade de salvar a herança
clássica. Até então existia um enorme material jurídico acumulado e contraditório, todos os juristas
gozavam de igual autoridade e eram citados igualmente. Um dos objetivos da compilação era
restaurar a clareza e a confiabilidade do direito clássico.

3.1.1 O contexto dos juristas

A Bolonha do século XI ou XII tinha pouco em comum com a Roma clássica, mas, mesmo assim,
continuava-se usando obras do período romano. As opiniões dos juristas, compiladas por Triboniano
e seu comitê, eram fruto de circunstâncias particulares. Os medievais passaram a tratar o texto de
Justiniano como um todo, sendo responsáveis pela primeira tentativa de sistematizar novamente o
direito ocidental. Diferentemente do direito canônico, o direito romano era estático.

3.2 As universidades

A universidade é uma invenção medieval. Bolonha surge como o principal centro de juristas (tanto
em direito romano quanto em direito canônico). O direito dividia-se em estudo de cânones (direito
canônico) e leis (direito civil, ou imperial, ou cesáreo, ou romano, conforme se chamava em lugares
diferentes). Podia-se obter o título simultaneamente em direito romano e canônico, dependendo da
universidade em que se estivesse estudando.

Na universidade medieval valorizam-se os padrões medievais, o papel do mestre é colocar em


dúvida as explicações fáceis. O caráter transnacional do ensino jurídico (ius commune, direito
comum a todos) que é o direito romano interpretado pelos doutores. A universidade medieval nasce
no contexto do grande renascimento da vida urbana e do corporativismo jurídico.

A universidade não é um conjunto físico de instalações e não tem uma sede quando se inicia. Os
estudantes são, muitas vezes, gente de idade e de posição social respeitável. Com o tempo, o
próprio estado percebe que a faculdade é um negócio lucrativo para a cidade e passa a incentivá-la.
Independentemente do lugar, a universidade tende, com sua estrutura corporativa, a seguir com
autonomia em relação à Igreja e ao rei. Nessa luta pela autonomia, as universidades tiveram o
papado como aliado contra o poder real.

3.3 Programas

O direito romano tinha como objeto de estudos o Digesto, o direito canônico tomava o texto de
Graciano e as Decretais de Gregório IX.

3.3.1 O ensino do direito e os textos do direito romano

A função dos códigos era servir de espécie de guias para os arquivos do imperador nas matérias em
que já havia decisões tomadas. O corpo do Digesto era dividido em três volumes e o texto foi
recuperado por partes.

3.4 Como se fazia o curso

Todos os cursos eram baseados no texto. A glosa, explicação do texto, é quase uma “tradução” para
o leitor.

3.4.1 Dos textos ao sistema

Os escolásticos do século XII transformam toda decisão ou norma em parte de um todo chamado
Direito. O texto vira um pretexto de discussão, e é preciso que a discussão termine com uma opinião
certa e não com relativismos. O mais importante passo metodológico é considerar que o texto é
uma unidade e não pode ter contradições (as contradições devem ser eliminadas). A autoridade de
um texto e ao mesmo tempo pressupõe que o texto é potencialmente lacunoso e contraditório, daí
a dialética de resolução dos opostos; só ao fim do debate chega-se à solutio. O método se fundava
na autoridade do texto, no rigor na demonstração e no rigor no uso das palavras.

4 O paradigma dominante

4.1 O direito natural clássico

O direito medieval subordina-se a um enfoque filosófico-metafísico, de corte aristotélico. As fontes


são plurais e diversas entre si e não permitem uma definição de autoridade. O direito natural é
deliberativo: uma regra de razão prática que implica um processo permanente de escolha de regras
a aplicar. A justiça seria guiada pela prudência. O direito natural escolástico estaria associado ao ius
commune.

4.2 Glosadores, pós-glosadores, comentadores e humanistas

Glosadores: trabalho mais limitado com relação ao texto. Apesar de ser indispensável conhecer todo
o texto, a glosa ainda é um comentário do texto e segue sua ordem, tem um caráter teórico, não
buscando sua aplicação na vida prática. Irnério é visto como o iniciador da tradição dos glosadores,
consolidando uma nova edição do Corpus Iuris Civilis de Justiniano. Acúrsio consolida todas as glosas
anteriores e faz sua síntese, na Glosa Ordinária ou Magna Glosa, que passa a ser uma autoridade
jurídica a mais. A escola dos glosadores determina um estilo de estudo jurídico relativamente
simples, inicial, de grande respeito ao texto romano. Traduziam o texto mais do que comentavam.

Comentadores: grandes conselheiros dos príncipes, das comunas e dos particulares. Conciliam
direitos locais entre si pela via do direito comum, o ius commune, ou seja, o direito romano erudito.
Têm tarefas mais práticas e mais livres, respondendo indagações ou consultas, tratando o tema sem,
necessariamente, seguir a ordem do próprio texto romano. Procuravam a razão das normas.
Humanistas: valorizam a pesquisa histórica e a recuperação do texto romano puro.

Mos italicus: maneira italiana de estudar o direito.

Mos gallicus: maneira francesa (culta e sistemática) de estudar o direito.

5 Os gêneros literários

Os glosadores são assim chamados pela glosa ser o texto dominante na escola. São analistas dos
textos romanos, estabelecendo o texto e sua compreensão.

Os pós-glosadores, ou comentadores, são mais livres. Trabalham conciliando o ius commune (direito
romano erudito) com o jus speciale (comunal, local), desenvolvendo a teoria estatutária (de statuta,
cartas da cidade; estatutos como leis especiais em relação ao direito romano que era geral).

Bártolo se vale de diferentes gêneros literários: Conselhos, pareceres sobre questões concretas que
lhe são colocadas; Questões, colocado um problema/caso com sua possível solução, com
argumentos para ambos os lados, chegando à solutio; Tratado, seguindo o estilo próprio ao dos
comentários.

Diferentemente dos glosadores, os comentadores passam da interpretação das regras individuaus e


singulares do direito romano à investigação de princípios fundamentais.

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