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N.

º 25 Uma publicação


JANEIRO  – MARÇO DE 2016 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SEGURANÇA

6,00 €

BEM-VINDOS À NOVA GRANDE ENTREVISTA REGULAMENTAÇÃO DE


SEDE DA APSEI RICARDO COSTA SCIE: DE ONDE VIMOS,
Conheça as novas instalações O atual presidente da direção PARA ONDE VAMOS.
da APSEI em Sacavém e da APSEI faz o balanço dos 10 Evolução da legislação de
as soluções de segurança anos a Associação e revela os segurança contra incêndio em
instaladas. projetos futuros. Portugal.

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Proteção passiva
contra incêndio
UM ELEMENTO IMPRESCINDÍVEL
NA SEGURANÇA EM EDIFÍCIOS
CONHEÇA AS CARACTERÍSTICAS E
VULNERABILIDADES DESTES SISTEMAS

Segurança
na execução
de trabalhos
a quente
2
— VULNERABILIDADES NA INSTALAÇÃO
DE SISTEMAS DE PROTEÇÃO PASSIVA
CONTRA INCÊNDIOS EM EDIFÍCIOS
TEXTO
Sílvio Saldanha
Diretor de Marketing da Tria

INTRODUÇÃO Por tudo isto e porque nos tempos Uma história verdadeira na qual até as
A abordagem ao tema da Proteção recentes me tenho deparado com um personagens são reais e, por vezes, conhecidas
Passiva contra Incêndio (PPCI) agrada-me crescendo de situações verdadeiramente de muitos de nós. Ainda assim, quero deixar
de sobremaneira, porquanto, tenho assustadoras, aceitei o desafio de escrever as devidas ressalvas para aqueles que fazem
acompanhado a evolução deste setor em este artigo e de nele chamar a atenção para bem, porque também os há.
Portugal e na Europa nos últimos vinte e dois alguns casos concretos que, ou são de bradar Passo a descrever alguns exemplos de
anos e, sinceramente, acho que no nosso país aos céus ou são casos que não lembram ao práticas que se confundem com PPCI, mas
ainda há muito que refletir sobre esta matéria diabo. Num caso ou noutro, sugiro a leitura, que na verdade, nada têm que ver com ela.
e muita mudança a fazer, justamente, para mas não se assuste!
que a PPCI se torne uma realidade inilidível. Antes de passar a descrever os casos que, AS VULNERABILIDADES NA
Neste artigo vou sistematizar algumas de entre tantos, considero mais prementes, INSTALAÇÃO
das ideias que levei, enquanto orador, ao 27º gostaria de fazer uma breve resenha
Fórum APSEI que decorreu em Coimbra, histórica, a minha leitura, destes vinte e dois a) Registo de entidades ao abrigo da
no ITECONS, em 2 de junho de 2015, sobre anos que conheço bem de perto. De facto, ao Portaria n.º 773/2009
“Proteção Passiva: A Segurança que não se vê”. fim de tantos anos a promover e a divulgar o Como sabemos, a Portaria n.º 773/2009,
Devo, antes de mais, reconhecer a nobreza que é a PPCI - trabalho realizado por muitos de 21 de julho define o procedimento de
e a genuinidade do título daquele Fórum, cuja players e pela própria APSEI, era suposto a registo (obrigatório) na ANPC das entidades
intenção era fazer a apologia da PPCI, mesmo PPCI ser hoje uma realidade consolidada. que exerçam a atividade de comercialização,
que em algumas circunstâncias, nos edifícios Depois do já longínquo período em que instalação e manutenção de produtos e
concluídos e em funcionamento, ela não se quase ninguém sabia o que era a PPCI, fomos equipamentos de SCIE, previsto no artigo 23.º
veja, como geralmente se vê a Proteção Ativa paulatinamente passando a um período de do Decreto-lei n.º 220/2008. Resumidamente,
Contra Incêndios aí instalada. maior conhecimento, em que o conceito foi este diploma estabelece que as empresas
Não obstante o reconhecimento daquele introduzido nas escolas de Engenharia e devem estar registadas na ANPC e que para
desiderato, resolvi abordar a temática por um até de Arquitetura, passou a fazer parte dos isso cumpram um determinado conjunto
prisma que acabou por surpreender alguns, projetos, viu um sério desenvolvimento no de requisitos. Condição que, supostamente,
outros nem por isso, daqueles técnicos que seio do Comité Europeu de Normalização oferecerá ao mercado a garantia de que
assistiam a tão importante Fórum. (CEN), dando lugar a normas europeias (EN) aquela empresa passou por um “crivo” e que,
Sou da opinião de que a PPCI se deve e, finalmente, desde 2008/2009 passou a ter consequentemente, estará habilitada para o
ver, deve ver-se quando se projeta, quando um lugar de destaque e requisitos próprios no exercício das funções que vai desempenhar
se instala, quando se fiscaliza, quando se quadro legal português aplicável ao setor. (ver figura 1).
inspeciona, quando se vistoria e quando se Contudo, agora que o conceito parecia Não me compete aqui pronunciar-me
faz manutenção, só assim ela poderá dar generalizado e acessível a todos, eis que afinal sobre a bondade e suficiência desses
prova da sua existência quando for chamada “não se vê”. Na verdade, não se vê porque na requisitos, mas, deixar claro que à luz
a responder perante um incêndio. Mas, nos maioria dos casos não existe, não está lá, não daquele diploma, as entidades só estão
últimos anos a PPCI não se tem visto muito foi instalado, mesmo que em alguns casos habilitadas a exercer a atividade na área ou
e ainda que alguns pensem que é por ela tenhamos a ilusão de que foi instalado. nas áreas em que estão registadas. Significa
ser, em parte, de natureza oculta, a verdade Cheguei mesmo a pensar se o título deste isto que uma empresa registada para uma
é que ela não se vê, porque não se pode ver artigo – “Vulnerabilidades na instalação de determinada área de atividade, não poderá
onde não está, mesmo que em alguns casos Sistemas para PPCI em Edifícios” – face a exercer atividade noutra área, se nela não
tenhamos a ilusão de que foi instalada. tanta tropelia, não seria um eufemismo e se estiver registada. Isto é a “verdade de La
Considerei e considero, por isso, que títulos como “A Arte da Guerra na PPCI” ou “A Palice", pese embora, na prática se assemelhe
“Proteção Passiva: A Segurança que não se vê” Arte do terrorismo na PPCI”, não seriam mais muito mais com a “Lei de Murphy”. Porquê?
é um título que, ao invés do seu desiderato adequados para descrever os tempos atuais. Porque para além de continuarmos a
inicial, nos remete para uma realidade Acabei por manter o título inicial, mas o depararmo-nos com empresas não registadas
absurda que poderá ter como consequência que vos vou contar é realmente uma história na ANPC, há empresas registadas, por
uma tragédia, caso não se tome rapidamente de práticas terroristas, uma história real exemplo, para o exercício de comércio,
consciência de tal realidade e caso não se faça sem ficção nem invenção, exatamente uma instalação e manutenção de “Sinalização de
nada para inverter a errática trajetória a que história daquelas que vivemos no dia-a-dia no segurança” e “Extintores” que se propõem
se assiste. mercado da PPCI. a realizar trabalhos na área da PPCI, por

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— TEMA DE CAPA

desempenho em matéria de reação ao fogo no

Tipo de registo feito pelas empresas que respeita a certos produtos de construção,
afirmando-se naquele documento que o
junto da ANPC. desempenho em matéria de reação ao fogo
de numerosos produtos e/ou materiais,
no âmbito da classificação enunciada
Comércio Não
a) Portas e envidraçados resistentes na Decisão de 2000/147/CE, encontra-se
ao fogo e ao fumo, e seus Instalação Não
acessórios bem estabelecido e é suficientemente
Manutenção Não
conhecido das autoridade competentes dos
Comércio Não
b) Sistemas de compartimentação e Estados-Membros, de modo a dispensar
Instalação Não
revestimentos contra incêndio ensaios prévios no que se refere a esta
Manutenção Não
característica específica de desempenho.
c) Sistemas automáticos e Comércio Não
Mas, ao adotarmos estas soluções devemos
dispositivos autónomos de deteção Instalação Não
de incêndio e gases ter em conta que a gramagem de papel
Manutenção Não
que reveste o gesso cartonado, bem como
Comércio Não
d) Sistemas e dispositivos de controlo a espessura e o modelo construtivo que
Instalação Não
de fumo usamos na aplicação do mesmo, afetam o seu
Manutenção Não
desempenho em matéria de reação ao fogo e,
Comércio Não
consequentemente, se a aplicação que vamos
e) Extintores Instalação Não
fazer nada tem que ver com as referidas
Manutenção Não
naquela decisão, então deve recorrer-se a
Comércio Não
soluções com desempenho de reação ao fogo
f) Sistemas de extinção por água Instalação Não
comprovados através de ensaios.
Manutenção Não
Ora, a frequente afirmação desta ou
Comércio Não
g) Sistemas de extinção automática daquela classe de reação ao fogo, baseada
por agentes distintos da água e Instalação Não
água nebulizada apenas no suposto comportamento do gesso
Manutenção Não
face a um incêndio, é, muitas vezes, uma
Comércio Sim
afirmação empírica e, enquanto tal, não
h) Sinalização de segurança Instalação Sim
pode ser garante do desempenho requerido
Manutenção Sim
legalmente para o edifício.
CERTIFICADO ISO 9001 Não Embora estejamos ainda a falar de reação
CERTIFICADO NP 4413 Não ao fogo, convém deixar claro que em matéria
de resistência ao fogo, o recurso a painéis de
gesso deve obedecer a modelos construtivos
Fig. 1 – Exemplo do
tipo de informação que ensaiados e classificados de acordo com as
deverá ser inscrito no normas europeias de ensaio e de classificação
registo de empresas correspondentes. Isto significa que um ensaio
junto da ANPC.
de reação ao fogo não é condição suficiente
para utilizar esse painel na construção de
uma divisória resistente ao fogo, na proteção
de uma estrutura metálica ou em qualquer
exemplo, “Sistemas de compartimentação e com base num conjunto de ensaios outra aplicação que não esteja devidamente
revestimentos contra incêndio”, sem nunca normalizados. testada de modo a comprovar essa aplicação.
terem feito tal trabalho, sem perceberem Convém, a este propósito, salvaguardar
rigorosamente nada de tal área de atividade, algumas questões que são relevantes quando c) Intumescente vs. ignífugo
sem perceberem qual o objetivo da solução se escolhem certas soluções. Afirmar, por Por sua vez, a questão relativa aos vernizes
que estão a aplicar, sem perceberem exemplo, que os painéis de gesso cartonado, e tintas intumescentes versus vernizes e
minimamente os fatores que determinam, “sendo rosa” são vocacionados para a PPCI, tintas ignífugas está, por desconhecimento
por exemplo, a espessura dos revestimentos pode ser apenas meia verdade. ou por qualquer outra razão, frequentemente
ou as consequências de uma aplicação De facto, devemos verificar qual o tipo de na origem de tomadas de decisão que em
incorreta ou em ambientes adversos. aplicação que vamos fazer com esses painéis. nada garantem a segurança de pessoas e
Ora, deste comportamento resultam Se estivermos no campo da reação ao fogo, bens, porquanto, não protegem os suportes
abundantemente más instalações e, por devemos ter em conta a classe de reação ao onde são aplicadas nem mesmo a carteira de
consequência, inexistência de PPCI, mesmo fogo requerida legalmente para o local onde quem paga tais devaneios.
que fique a ilusão da sua presença. estamos a fazer a aplicação. Refira-se que estamos a analisar a
A classe de reação ao fogo da maioria aplicação destas soluções com o intuito de
b) Reação ao fogo dos materiais de construção é afirmada melhorarmos o desempenho de reação ao
Sobre esta matéria, importa fazer uma com base em ensaios levados a cabo em fogo de certos materiais de construção. Um
breve explicação do conceito. De acordo laboratórios acreditados para esse fim e bom exemplo desses materiais é a madeira,
com o Artigo 3.º do Anexo I da Portaria n.º conforme as normas europeias de ensaio e de sobretudo quando é usada sob a forma de
1532/2008, a «reação ao fogo» é a resposta classificação. revestimento de paredes e tetos, em locais
de um produto ao contribuir pela sua Não obstante, materiais como o gesso são que recebem público, em vias de evacuação
própria decomposição para o início e o referidos na Decisão da Comissão de 17 de ou noutros locais para os quais haja requisitos
desenvolvimento de um incêndio, avaliada janeiro de 2003 que estabelece as classes de de reação ao fogo a cumprir. Sendo a madeira

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um material facilmente inflamável torna-se proteção, torna-se dispendiosa, e o ato em si a classificação e as normas associados,
indispensável protegê-la quando utilizada mesmo é negligente, podendo consubstanciar são completamente distintos. Não é por
naquelas circunstâncias. Ou seja, deveremos crime. A comparação do preço das duas isso razoável que se aplique um verniz
transformar/melhorar o seu comportamento soluções é incomparável e não acrescenta intumescente num elemento de construção,
ao fogo de modo a cumprirmos a classe de qualquer ganho, antes pelo contrário. por exemplo numa porta, e se afirme que
reação ao fogo requerida para o local. Isto Vejamos, se a fiscalização de obra ou as com essa operação se torna a porta resistente
significa que a solução a utilizar deverá autoridades competentes se aperceberem ao fogo. A classe de resistência ao fogo
proteger a madeira e assegurar que a sua de uma ocorrência desta natureza, as das portas, como de outros elementos de
classe de reação ao fogo é a requerida. consequências serão: o custo da remoção da construção, é uma afirmação que só pode ser
Ora, esse desiderato só é alcançado de duas solução errada; a preparação do suporte para suportada em ensaios de resistência ao fogo
formas, ou com os impregnantes ignífugos, a solução adequada; a aplicação da solução realizados em conformidade com as normas
também denominados de fire retardant, ou adequada; o consequente atraso nos prazos adequadas de ensaio e de classificação,
com os revestimentos de superfície. É no de obra; o atraso na abertura do espaço ou levados a cabo em laboratórios acreditados
âmbito dos tratamentos de superfície que edifício; o atraso no início de atividade da para esse fim. A aplicação de um verniz ou
entram os vernizes ou tintas intumescentes, entidade exploradora; desresponsabilização tinta intumescente sobre portas comuns
que conferem à madeira propriedades que das companhias de seguros; as de madeira, quando muito, melhora o
lhe permite, durante a sua combustão, contraordenações e coimas previstas no desempenho de reação ao fogo da madeira
não contribuir de forma acentuada para o Decreto-Lei n.º 220/2008 na redação da sua que compõe essa porta.
desenvolvimento do incêndio, diminuindo a primeira alteração publicada no Decreto- Há circunstâncias em que a necessidade
carga térmica no compartimento, diminuindo Lei n.º 224/2015 de 9 de outubro, e outras de preservar o património arquitetónico
a produção de fumos, reduzindo a amplitude edificado levanta desafios importantes.
das chamas e, em alguns casos, não libertando Nesses casos deverá haver um envolvimento
gotículas incandescentes. Sob a ação do abrangente de todos os intervenientes no
calor, os vernizes e tintas intumescentes processo e poderão ser implementadas
desenvolvem uma camada carbonizada que medidas tendentes a melhorar o desempenho
faz a proteção da madeira, transformando dos materiais e até dos elementos de
as suas propriedades e assegurando classes construção. Quaisquer medidas que não
de reação ao fogo que vão ao encontro dos respondam genuinamente ao requisito
requisitos legais (ver figura 2). legal de segurança, quando aprovadas e
Ao invés, o verniz ignífugo não confere implementadas, deverão ficar registadas
essa característica à madeira, é ele em si para que em sede de outras ações, como a
mesmo, que possui uma classe de reação implementação de Medidas de Autoproteção
ao fogo determinada, obtida em ensaio ou outras, possam ser tomadas em
Fig. 2 – Exemplo verniz consideração. O que não deverá ser possível
normalizado para esse fim. Contudo, ele não
intumescente depois do
protege a madeira e, em caso de incêndio, contacto com o fogo.
é afirmar que ações como revestir uma porta
rapidamente esta inicia a combustão, dado com vernizes ou tintas intumescentes ou
que não está protegida. Os vernizes ignífugos mesmo dota-la de fitas intumescentes, lhe
são excelentes para aplicar sobre substratos confere qualquer classe de resistência ao
cuja classe de reação ao fogo já seja A1 ou A2, consequências decorrentes do apuramento fogo. Isso é uma afirmação incorreta e pode
mas que por alguma razão precisem de ser das responsabilidades arbitradas no sistema ter efeitos desastrosos, com consequências
revestidos. Um exemplo comum deste caso é jurídico vigente em Portugal. como as que já referi anteriormente.
o do betão, quando localizado em locais como Se o cenário ocorrer sem que ninguém
vias de evacuação ou outros com exigência se aperceba, há duas possibilidades: se e) Proteção contra a ação do fogo em
de reação ao fogo e, para não libertar pó, nunca houver um incêndio, não acontecerá estruturas metálicas
precisa de um revestimento, então pode nada; mas se um incêndio ocorrer, É do conhecimento generalizado que
e deve ser revestido com um verniz desta pode levar a perdas humanas, perdas quando sujeitas ao aumento da temperatura
natureza, já que não precisa de modificar as patrimoniais; consequências ambientais; e resultante de um incêndio, as estruturas
características de reação ao fogo do substrato. a responsabilização dos intervenientes no metálicas perdem a sua capacidade portante,
Será dispensável afirmar que a aplicação contexto do quadro legal em vigor já referido. dando lugar ao desmoronamento dos
de um verniz ignífugo sobre madeira ou edifícios. O momento de colapso ocorre,
outro suporte inflamável é um erro crasso d) Aplicação inadequada das soluções justamente, quando a estrutura alcança
e só pode revelar dois factos: um profundo intumescentes a temperatura crítica. Há estudos que
desconhecimento dos players, o que em É também pertinente refletir um pouco demonstram que numa estrutura metálica,
alguns casos resulta também da aplicação por sobre o campo de aplicação dos vernizes essa temperatura se alcança em poucos
indivíduos indiferenciados e sem qualquer intumescentes. Como vimos anteriormente, minutos1. É, pois, necessário protegê-la de
discernimento do que estão a fazer; um estas soluções estão vocacionadas para modo a assegurar que o momento de colapso
crime deliberado, muitas vezes suportado solucionar requisitos relacionados com a não ocorra antes de determinado período de
na ansiedade de obter custos baixos, o que é reação ao fogo dos materiais de construção. tempo (30, 60, 90 ou 120 minutos, conforme
uma ilusão. Por isso, não deverão ser utilizados para requisito legal para o edifício).
De facto, a solução ignífuga é mais cumprir requisitos de resistência ao fogo. Acresce que a temperatura crítica
económica, mas quando aplicada sobre Tais requisitos aplicam-se aos elementos de do aço depende de numerosos fatores:
suportes aos quais não acrescenta qualquer construção e, por conseguinte, os ensaios, características do aço; taxa de esforço;

1 Ver artigo “Reflexões sobre Proteção Passiva contra Incêndio em Estruturas Metálicas” publicado na PROTEGER #05 em outubro de 2009

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condições de ligação; tipo de perfil; espessura preconizada para 700ºC se verificar, casos a sua defesa é suportada em pareceres
condições de carga. O domínio deste concluiremos que haverá aqui muito dinheiro de entidades cujos relatórios são confundíveis
conhecimento é demasiado importante mal gasto e muita proteção por assegurar. com relatórios de laboratórios acreditados e
para ser negligenciado. Mas a verdade Não vou voltar a referir-me às questões com relatórios de ensaio ou de classificação
é que o tem sido nos últimos tempos. da responsabilidade, ou falta dela, e às que na verdade não são. Uma leitura atenta
Os sistemas de proteção das estruturas consequências da barbárie e de atos desses documentos dá para perceber que
metálicas, designadamente os revestimentos criminosos cometidos. Contudo, importa eles denunciam o que os seus portadores
intumescentes, são obtidos a partir de referir que também nesta área, aparecem afirmam. Nenhum cliente e nenhuma
tintas intumescente e, talvez por isso, se frequentemente aplicadores não inscritos entidade aceitaria tais soluções se lesse
assemelhem visualmente a uma pintura na ANPC, ou que se vão inscrever a correr, realmente aqueles documentos. Esta solução
tradicional (ver exemplo na figura 3). Porém, sabe-se lá com que currículos, para fazer é tanto mais fraudulenta quando, em alguns
são sistemas com alguma complexidade e a uma ou outra obra que lhes é adjudicada casos, o produto instalado não corresponde
sua eficácia só é conseguida se aplicados por exclusivamente pelo preço – habitualmente nem ao que é documentado.
operadores que saibam objetivamente o que um preço que contempla tudo menos
estão a fazer, que saibam que se trata de um a proteção da estrutura (chamam-lhe — Argamassas Fibrosas
sistema que deverá incluir, ou ser compatível “pintura”). É pintura que se propõem fazer e As argamassas fibrosas são uma solução
com determinados primários e acabamentos, é pintura que fazem, pese embora o requisito cuja aplicação se generalizou na proteção de
que terá uma espessura que depende do fator inicial fosse “proteção”. condutas de desenfumagem e de ventilação.
forma e esta do número de faces expostas ao Em matéria de revestimento, quando aplicada
fogo, que deverá ser adequado para fazer face f) Proteção de condutas de com a espessura adequada e respeitando
Desenfumagem e de Ventilação todos os demais procedimentos que
— Mantas “faz de conta” asseguram a conformidade com os ensaios
Em matéria de proteção de condutas de de resistência ao fogo a que foi sujeita, esta
desenfumagem e de ventilação, há também solução é a que mais se adequa, pois é a
alguns perigos que é preciso travar e evitar que melhor cumpre com as exigências das
a sua continuidade. Desde logo, quando atuais normas de ensaio e classificação.
se recorre à proteção com mantas, são Contudo, o problema surge, justamente, na
inúmeras as vezes em que no lugar de mantas mal-intencionada aplicação de soluções que,
adequadas para proteção de condutas de mais uma vez, têm aspeto visual semelhante
desenfumagem e de ventilação, se recorre a aos originais e, não se espante, até têm
produtos de aspeto visual semelhante, mas ensaios que atestam a sua aptidão, porém,
que estão longe de cumprir os requisitos essa aptidão não é para proteger condutas de
de resistência ao fogo associados a estas desenfumagem e de ventilação.
Fig. 3 – Exemplo de No caso em concreto, existe uma argamassa
condutas. São, muitas vezes, produtos
pintura intumescente
numa estrutura metálica. vocacionados para isolamento térmico, com fibrosa ref.ª 3000, que é um produto ensaiado e
péssimo comportamento face às elevadas classificado em conformidade com as normas
temperaturas de um incêndio. adequadas de ensaio e de classificação, no
Recorde-se que os sistemas de proteção contexto do sistema de normalização europeu.
a uma determinada temperatura crítica e não para condutas devem ser testados de acordo É, inequivocamente, um produto vocacionado
a outra. com as normas europeias específicas para esta para proteção ao fogo de condutas em chapa
Torna-se por isso importante conhecer as utilização. Devem, em conformidade com essas de aço para desenfumagem e para ventilação,
condições em que determinado produto ou normas, ser testados nas posições vertical e conferindo-lhes a classificação de resistências
sistema foi ensaiado. Uma solução testada horizontal, com incêndio pelo interior e com ao fogo EI 120. Quer isto dizer que durante 120
para uma temperatura crítica de 700ºC não incêndio pelo exterior. São ensaios rigorosos minutos, para além de se garantir a estabilidade
será eficaz quando aplicada numa estrutura nos quais os produtos são postos à prova no do conjunto, no lado contrário ao da exposição
cuja temperatura crítica seja de 500ºC. É de regime de temperatura normalizado ISO 834 e ao fogo não haverá emissão de gases
referir que, mais uma vez ilusoriamente, a devem assegurar que no lado oposto ao fogo não inflamáveis, não haverá passagem de chamas
solução para 700ºC é mais barata, contudo, se se alcançam temperaturas iguais ou superiores e gases quentes e assegura-se uma resistência
de facto a temperatura crítica estabelecida no a 140ºC. Ora, produtos cujo desempenho não térmica suficiente para impedir que na face
projeto é de 500ºC, aplicar uma solução para esteja comprovado nestas circunstâncias não exposta ao fogo se alcancem temperaturas
700ºC é, em termos legais, igual a zero. De não poderão ser utilizados e, na maioria dos superiores às estabelecidas pela norma (140ºC
referir que o Eurocódigo 3 parte 1-2, no anexo casos, as mantas cerâmicas vocacionadas para - média, 180ºC - máxima cima da temperatura
nacional (pág. 86), estabelece as temperaturas isolamento térmico não são adequadas para inicial do ensaio).
criticas a usar em caso de não existir cálculo esta aplicação. Outro produto é a argamassa fibrosa
dessa temperatura pelo projetista. Podemos Existem no mercado duas ou três ref.ª 1000, um produto ensaiado em
verificar nesse documento que a temperatura referências com alguns ensaios para fogo, conformidade com as normas de ensaio
crítica se situa entre os 500ºC e os 540ºC contudo, em aplicações muito restritas, com francesas para proteção ao fogo de lajes
e que nas situações de elementos em que indicação limitada em matéria de dimensão em betão e que assegura que no interface
possam ocorrer fenómenos de instabilidade, das condutas, com ensaios apenas numa das betão/argamassa fibrosa ref.ª 1000 não se
deverá ser sempre considerada a temperatura faces e, frequentemente, ensaiadas apenas em alcançam temperaturas, de acordo com
crítica de 500ºC. ventilação. o ensaio, superiores 380ºC (variável em
O não cumprimento destes requisitos é em Existem vários perigos na adoção destes função da espessura e da localização na laje).
si mesmo um crime, mas, se juntarmos a esta produtos: os ensaios raramente cobrem as Acontece que a densidade da argamassa
ocorrência o facto de em muitos casos nem a condições de utilização em obra; em alguns fibrosa ref.ª 1000 é um pouco menor do que

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— TEMA DE CAPA

a da argamassa fibrosa ref.ª 3000 embora o sistema de selagem realizado em obra inflamáveis. Esta operação, bem como as
possuam uma aparência semelhante uma verifica a classe de resistência ao fogo que descritas anteriormente, pode revelar má-fé
vez que ambos resultam de uma mistura de lhe foi atribuída, é necessário que ele seja ou desconhecimento, num caso ou noutro,
lã mineral com cimento. Mas, a argamassa instalado em conformidade com os modelos incorrem em ilicitudes puníveis por lei.
fibrosa ref.ª 1000 é apenas para a proteção ensaiados. Isso significa também que não se
contra o fogo de suportes de betão. Esta podem trocar os componentes do sistema CONCLUSÃO
argamassa tem um desempenho face ao fogo durante a instalação. Desde logo, pela questão Os casos apresentados, desafortunadamente,
inferior à argamassa fibrosa ref.ª 3000 e em da conformidade, mas também porque são apenas alguns entre tantos outros que
nenhum caso pode ser aplicada a condutas de a compatibilidade entre produtos não é não cabem neste artigo. Procurei trazer
aço para desenfumagem ou ventilação. conhecida, quer na fase de instalação, quer na aqui aqueles que entendo serem os mais
Existe ainda outra referência, a argamassa fase de um eventual incêndio. angustiantes e que comportam maior risco para
fibrosa térmica que é uma lã mineral Esta questão é importante em virtude de a segurança dos edifícios e, consequentemente,
projetada para isolamento térmico, acústico e muitos instaladores, pressionados pela venda para a segurança das pessoas.
proteção contra incêndio em betão. Não tem por valores incomportáveis para a boa execução, A proteção passiva contra incêndios em
qualquer aplicação em condutas. recorrerem a subterfúgios para baixar os custos. edifícios é um ativo para a proteção contra
Estes três produtos têm características Há quem faça as selagens com gesso amassado, incêndios em edifícios, é um ativo valioso
físicas e apeto visual muito semelhantes com lã de rocha de qualquer espessura e para a economia, seja pelo seu contributo
(ver figura 4) contudo o seu preço é bastante densidade, com espuma de poliuretano direto, seja pela prevenção de perdas e
distinto. A argamassa fibrosa ref.ª 3000 inflamável, e há quem, literalmente, pinte as contributo para o restabelecimento imediato
é substancialmente mais cara quando placas de lã de rocha com tinta branca de base da atividade económica após um desastre.

Fig. 4 – Aspeto da Fig. 5 – Exemplo visível Fig. 6 – Exemplo de uma


argamassa fibrosa de inexistência de selagem que foi violada.
térmica. revestimento numa
conduta.

comparada com as restantes referências. aquosa, em vez das resinas intumescentes Mas o estado de degradação a que chegou
Este facto faz com que muitas condutas em ou ablativas, conforme o sistema. É também o setor, deve levar a uma profunda reflexão
Portugal não sejam protegidas face ao fogo, frequente não revestirem nem aplicarem o sobre esta matéria, que envolvendo todas as
ainda que sejam revestidas com argamassa produto na face oculta da selagem. Diria que se partes interessadas.
fibrosa. Haverá mais algum comentário a “tapam muitos buracos” e não se fazem selagens Lanço aqui alguns tópicos para essa
fazer sobre esta matéria? Infelizmente ainda corta-fogo de ductos técnicos. reflexão:
há. São frequentes os casos em que para além Também nesta matéria, é frequente A ANPC tem técnicos altamente
de a solução não ser apropriada, a espessura encontrar indivíduos a fazer este trabalho qualificados. Mas, terá os meios necessários
do revestimento nem sempre é a mais sem nunca terem ouvido falar da ANPC, pelo para o controlo preventivo de ações
adequada e, por vezes, na parte superior das que nem sabem que devem estar registados fraudulentas?
condutas, quando estas ficam junto ao teto, naquela entidade. Será competência da ANPC fazer esse
o revestimento é quase inexistente, como se Como também é frequente não se fazerem controlo?
mostra na figura 5. as selagens corta-fogo acima dos tetos falsos Se não é da ANPC, de quem será?
quando estes são de carácter definitivo. Será que a segurança contra incêndio
g) Selagens Corta-fogo Outra questão importante prende-se com dos edifícios deve ser feita numa perspetiva
As selagens corta-fogo são outra matéria a manutenção dos sistemas de selagem corta- puramente economicista do momento?
com motivos para preocupação para quem fogo. Sempre que eles sejam violados, para Eu acho que o controlo de custos é
está com seriedade no setor da PPCI. passar novas instalações ou por outra razão, a fundamental, mas sejamos razoáveis,
Convém referir que os sistemas de selagem deve ser reposta de imediato com os devemos estar conscientes de que o barato
selagem corta-fogo têm normas próprias de mesmos materiais da selagem original e esse por vezes sai caro. Por vezes as soluções
ensaio e de classificação, que são sujeitos a trabalho deverá ser realizado por técnicos são baratas, simplesmente porque não são
ensaios rigorosos, submetidos a regimes de registados na ANPC. a solução. Assim, ainda que pareça um
temperaturas elevadas, como o da curva de As reparações ou reposições nunca deverão paradoxo, um maior custo pode ser mais
temperatura-tempo ISO 834. ser realizadas com materiais diferentes dos dinheiro no bolso. Quando é que sabe isso?
Após aqueles ensaios os sistemas são originais e muito menos com espumas. A Quando um azar bater à sua porta!
classificados segundo o desempenho figura 6 mostra exatamente uma selagem Já agora, veja se vê a proteção passiva
que demonstraram. Para assegurar que que foi violada e reposta com espumas contra incêndios no seu edifício. V

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