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DAVID SERVAN-SCHREIBER

ANTICANCRO
UMA NOVA MANEIRA DE VIVER

Nova edição, revista

Anticancer – A New Way of Life

Traduzido do inglês por


Paula Caetano
ÍNDICE

Advertência 13
Introdução à nova edição 17
Introdução 25

CAPÍTULO 1: UMA HISTÓRIA 31

CAPÍTULO 2: ESCAPAR ÀS ESTATÍSTICAS 41

CAPÍTULO 3: PERIGO E OPORTUNIDADE 53


Tornar-se “paciente” 55
Morrer? Impossível... 57
De olhos abertos 58
Mudar de rumo 60
Vulnerabilidade 62
Salvar a própria vida até ao fim 63

CAPÍTULO 4: OS PONTOS FRACOS DO CANCRO 67


Primeira Parte – As sentinelas do organismo:
células imunitárias poderosas 71
A acção destruidora das células S180 71
O rato resistente ao cancro 72
O mecanismo misterioso 74
Agentes anticancerígenos muito especiais 76
Cancro mantido sob controlo 77
“A Natureza não tem lido os nossos livros” 79
Segunda Parte – “Cancro: uma ferida que não sara” 83
As duas faces da inflamação 83
Feridas que não saram 84
O círculo vicioso no coração do cancro 86

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Medir a inflamação 89
O cavaleiro negro do cancro 90
Stress: deitar achas para a fogueira 91
Terceira Parte – Cortar as linhas de abastecimento do cancro 93
Como a vitória de Zhukov em Estalinegrado 93
A intuição de um cirurgião da Marinha 94
A travessia do deserto 96
Uma agulha no palheiro 98
Uma descoberta excepcional 100
As defesas naturais que bloqueiam a angiogénese 101

CAPÍTULO 5: DAR A NOTÍCIA 103

CAPÍTULO 6: AMBIENTE ANTICANCRO 109


Primeira Parte – Uma epidemia de cancro 111
A doença dos ricos 114
Um ponto de viragem no século XX 117
Segunda Parte – Voltar à alimentação de outrora 119
O cancro alimenta-se de açúcar 120
A cadeia alimentar em perigo 127
Comida de plástico para vacas e frangos 129
Margarina – muito mais perigosa do que a manteiga 131
Alimentos processados: o aparecimento das gorduras trans 132
Uma simples solução gastronómica 135
Alimentos desintoxicantes 137
Terceira Parte – Não se pode ser saudável num planeta doente 141
E os alimentos biológicos? 151
Quando terão os epidemiologistas a certeza... 153
Obstáculos à mudança 154
Cuidado com os telemóveis 157
Três princípios de desintoxicação 159
O que recair sobre a Terra recairá sobre os filhos da Terra 160

CAPÍTULO 7 – LIÇÕES DE UMA RECAÍDA 167

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ÍNDICE

CAPÍTULO 8 – ALIMENTOS ANTICANCRO 175


Primeira Parte – A nova medicina nutricional 177
O Princípio Tibetano 177
Cinquenta investigadores e “alicamentos” 178
Ter um cancro sem estar doente 181
A semente e a terra 183
Alimentos que agem como medicamentos 186
O chá verde bloqueia a invasão dos tecidos e a angiogénese 186
Será que o azeite é o chá verde da dieta mediterrânica? 188
A soja bloqueia as hormonas perigosas 189
O açafrão-da-índia é um poderoso anti-inflamatório 191
Cogumelos que estimulam o sistema imunitário 195
Bagas: amoras silvestres, framboesas, morangos, mirtilos 196
Ameixas, pêssegos e nectarinas: chegou a hora dos frutos com caroço 198
Especiarias e ervas aromáticas actuam nos mesmos mecanismos
que os medicamentos 199
A sinergia dos alimentos 200
Um cocktail de vegetais que combate o cancro 205
Alimentos: mais importantes do que as substãncias contaminadoras 207
E o vinho? 207
Segunda Parte – Porque é que o aconselhamento nutricional
ainda não faz parte do tratamento converncional do cancro? 211
“Se fosse verdade, nós saberíamos” 212
“Pára de nos chatear com a tua dieta!” 214
“Os especialistas não concordam entre si” 215
“As pessoas não querem mudar” 217
Apêndice ao capítulo 8 – Alimentos anticancro num regime diário 219
Um novo conceito de prato 219
Lista de alimentos recomendados 220

CAPÍTULO 9 – A MENTE ANTICANCRO 235


Primeira Parte – A ligação entre a mente e o corpo 237
A ligação mente-corpo 237
Emoções reprimidas 239
Uma personalidade propensa ao cancro? 242

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Os sentimentos de impotência alimentam o cancro 244


A calma extrema de Ian Gawler 246
Prova da ligação entre o corpo e a mente 247
O que é o sentimento de impotência 250
A psicologia do sentimento de impotência 252
Células imunitárias e a vontade de viver 254
Segunda Parte – Restabelecer a ligação à força da vida 259
Centrarmo-nos em nós, no presente 260
Joel e a “mente de macaco” 261
A respiração: uma porta de acesso à biologia 263
O mantra e o terço 264
Meditação em laboratório 265
Joel acalma pela primeira vez 271
Todas as meditações convergem 275
Terceira Parte – Curar feridas do passado 277
O abandono de Mary 277
A sensação de impotência é traumatizante 279
O sorriso de Michael 282
Curar a sensação de impotência 283
Lilian vence o seu medo 284

CAPÍTULO 10 – NEUTRALIZAR O MEDO 291


O comboio para Omaha 293
O medo de sofrer – o medo do vazio 294
O medo de ficar sozinho 298
O medo de ser um fardo 301
O medo de abandonar os filhos 302
O medo das histórias por terminar 303
Estar vivo 305

CAPÍTULO 11 – O CORPO ANTICANCRO 307


Tocar como uma mãe tocaria o filho 309
O corpo em movimento 311
Uma energia marcial 314
Um estimulante do moral 317

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ÍNDICE

A chave para o sucesso 318


A energia da vida 321

CAPÍTULO 12 – APRENDER A MUDAR 325


A transformação do Dr. Fair 327
Alterar as personalidades? 330

CAPÍTULO 13 – CONCLUSÃO 335


A importância do nosso “terreno” 337
Os efeitos de um maior grau de consciência 340
A sinergia das forças naturais 341
“Se fosse assim tão simples...” 342
Falsas esperanças? 345
Desfrutar da luz 346

Agradecimentos 349
Notas bibliográficas 355

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Capítulo 1
UMA HISTÓRIA
Estava em Pittsburgh há sete anos, e longe do meu país há mais de
dez. Fazia o internato em Psiquiatria, enquanto prosseguia o trabalho
de investigação para o doutoramento em Neurofisiologia. Eu e o meu
amigo Jonathan Cohen dirigíamos um laboratório de imagiologia fun-
cional cerebral fundado pelo National Institute of Health. O nosso
objectivo consistia em perceber os mecanismos do pensamento rela-
cionando-os com o funcionamento do cérebro. Nunca imaginei o que
iria descobrir nesta investigação: a minha própria doença.
Eu e Jonathan éramos muito amigos. Éramos ambos médicos e está-
vamos a especializar-nos em Psiquiatria. Tínhamo-nos inscrito no
programa de doutoramento em Pittsburgh. Ele vinha do mundo cos-
mopolita de São Francisco e eu vinha de Paris, tendo passado por
Montreal. De repente, demos connosco em Pittsburgh, no coração de
uma América profunda e desconhecida para ambos. Tínhamos publi-
cado recentemente um artigo na prestigiada Psychological Review, sobre
a função do córtex pré-frontal, uma região pouco explorada do cérebro,
que ajuda a estabelecer a ligação entre a consciência do passado e a
do futuro. Simulando em computador o funcionamento do cérebro,
propusemos uma nova teoria em Psicologia. O artigo, que causou
alguma celeuma, permitiu-nos, ainda que fôssemos apenas estudan-
tes, obter apoios do Governo e montar o laboratório de investigação.
Para Jonathan, as simulações por computador já não bastavam para
continuarmos as investigações nesta área. Tínhamos de testar as nos-
sas teorias com base na observação directa do funcionamento cerebral,
recorrendo a tecnologias de ponta como a imagiologia por ressonância
magnética (IRM). Na altura esta técnica dava ainda os primeiros pas-
sos. Só os centros de investigação ultramodernos possuíam scanners
de alta precisão. Os scanners hospitalares eram muito mais comuns,
mas também bastante menos precisos. Não era possível medir a acti-

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DAVID SERVAN-SCHREIBER

vidade do córtex pré-frontal – a matéria da nossa investigação – num


scanner hospitalar. Na realidade, ao contrário do córtex visual cujas
variações são muito fáceis de medir, é muito difícil observar o córtex pré-
-frontal em actividade. Para o observar em actividade em imagens de
IRM, foi necessário inventar uma série de tarefas para o “incitar” a
mostrar-se. Nessa época, Doug, um jovem físico que estava a especia-
lizar-se em técnicas de IRM, lembrou-se de utilizar um novo proces-
so de gravação de imagens que talvez permitisse ultrapassar este
obstáculo. O nosso hospital dispôs-se a emprestar-nos um scanner
entre as oito e as onze da noite, depois do horário das consultas, para
que pudéssemos testar as nossas ideias.
Doug, o físico, trabalhava na parte mecânica, enquanto eu e o Jona-
than inventávamos tarefas mentais para estimular ao máximo esta
região do cérebro. Após vários fracassos, conseguimos visualizar nos
nossos monitores o célebre córtex pré-frontal em actividade. Foi um
momento único, o ponto alto de uma fase de investigação intensa, e
ainda mais empolgante por estarmos entre amigos.
Tenho de admitir que éramos um pouco arrogantes. Estávamos os
três no início da casa dos trinta, acabáramos de concluir o doutora-
mento e já tínhamos um laboratório. Com a nossa nova teoria, que
interessou a toda a gente, eu e o Jonathan éramos estrelas em ascen-
são na psiquiatria americana. Domináramos a mais moderna tecno-
logia que ninguém usava ainda. As simulações em computador das
redes neurais e a imagiologia funcional cerebral por IRM eram ainda
muito pouco conhecidas pelos psiquiatras universitários. Nesse ano,
eu e o Jonathan tínhamos sido convidados pelo Professor Widlöcher,
o figurão da psicologia francesa da época, a ir a Paris dar um seminá-
rio no Hospital La Pitié-Salpêtrière, onde Freud estudara com Charcot.
Durante dois dias, diante de uma audiência de psiquiatras e neuro-
cientistas franceses, explicámos como as simulações em computador
das redes neurais podiam ajudar-nos a compreender mecanismos
psicológicos e patológicos. Aos 30 anos, era motivo suficiente para
ficarmos orgulhosos.
Eu vivia a vida ao máximo – um tipo de vida que agora me parece
algo estranho. Bastante confiante no êxito e na ciência pura e dura,

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UMA HISTÓRIA

não estava grandemente interessado em ter contactos com pacientes.


Como andava muito ocupado com o meu internato de Psiquiatria e
com o laboratório de investigação, tentava reduzir ao mínimo a activi-
dade clínica. Lembro-me de um estágio que me pediram que fizesse.
À semelhança da maioria dos internos, não fiquei especialmente entu-
siasmado. O estágio consistia em passar seis meses no hospital geral
a observar os problemas psicológicos de doentes hospitalizados devido
a problemas fisiológicos – haviam sido submetidos a um by-pass
coronário, a um transplante de fígado, ou tinham um cancro, lúpus,
esclerose múltipla… Não me apetecia nada fazer um estágio que iria
impedir-me de gerir o meu laboratório. Por outro lado, aquelas pes-
soas com problemas médicos não me interessavam muito. Eu queria
desenvolver trabalho de investigação sobre o cérebro, escrever artigos,
falar em conferências e contribuir para a evolução dos conhecimentos.
No ano anterior, fizera voluntariado no Iraque, com os Médicos sem
Fronteiras. Testemunhei coisas horríveis e, dia após dia, dediquei-me
a tentar aliviar o sofrimento de muita gente. Mas a experiência não
me incentivou a manter-me neste caminho quando regressei ao meu
hospital em Pittsburgh. Era como se fossem dois mundos completa-
mente diferentes. Acima de tudo, eu era jovem e ambicioso.
A grande importância do trabalho na minha vida contribuiu certa-
mente para o doloroso divórcio do qual eu estava a emergir nessa
época. Entre outras causas de desentendimento, a minha mulher não
suportava o facto de eu querer continuar a viver em Pittsburgh por
causa da minha carreira. Ela queria regressar a França ou, pelo menos,
que nos mudássemos para uma cidade como Nova Iorque, onde a
vida seria mais animada. Mas, para mim, Pittsburgh era o caminho
mais rápido, e não queria deixar o meu laboratório nem os meus
colegas. Acabámos diante de um juiz e, durante um ano, vivi sozinho
entre um quarto e um escritório na minha minúscula casa.
E um dia em que o hospital estava praticamente deserto – entre o
Natal e o Ano Novo, a semana mais sossegada do ano – vi uma jovem
na cafetaria, a ler Baudelaire. É raríssimo, nos Estados Unidos, ver-se
alguém a ler um poeta francês do século XIX à hora do almoço. Sentei-
-me à mesa dela. Era uma russa, com as maçãs do rosto salientes,

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DAVID SERVAN-SCHREIBER

grandes olhos negros e uma expressão simultaneamente reservada


e extremamente perspicaz. Por vezes parava de falar, deixando-me
desconcertado. Perguntava-lhe o que se passava e ela respondia:
– Estou a testar a sinceridade daquilo que acabaste de dizer. – Isto
fazia-me rir, e eu gostava de ser “testado”. Foi o início do nosso rela-
cionamento. Levou tempo a desenvolver-se. Eu não tinha pressa, ela
também não.
Seis meses depois, fui para a Universidade da Califórnia, em São
Francisco, para passar o Verão a trabalhar num laboratório de psico-
farmacologia. O responsável pelo laboratório estava prestes a refor-
mar-se e gostava que eu o substituísse. Lembro-me de dizer a Anna
que, se conhecesse alguém em São Francisco, isso poderia ser o fim
da nossa relação. E que, se lhe acontecesse o mesmo, eu entenderia.
Acho que ela ficou triste, mas eu queria ser absolutamente sincero.
Quando regressei a Pittsburgh, em Setembro, Anna foi viver comigo
para a minha casa de bonecas. Sentia algo a desenvolver-se entre nós
e estava feliz. Não sabia ao certo o que iria acontecer. De certo modo,
continuava de pé atrás – não esquecera o meu divórcio. Mas a vida
corria-me bem. Em Outubro, tivemos duas semanas mágicas. Era o
Verão índio. Eu estava a trabalhar no argumento de um filme, que me
tinham pedido para escrever no seguimento da minha experiência com
os Médicos sem Fronteiras. Anna escrevia poesia. Começava a ficar
apaixonado. De repente, houve uma reviravolta na minha vida.
Lembro-me dessa gloriosa noite em Pittsburgh; fui até ao centro de
IRM, percorrendo de moto as avenidas ladeadas de árvores carrega-
das de folhas secas cor de fogo. Ia encontrar-me com Joanathan e
Doug para uma das nossas sessões de experiências com estudantes
“cobaias”. A troco de um salário mínimo, introduziam-se no scanner
e pedíamos-lhes que realizassem tarefas mentais. A nossa investiga-
ção entusiasmava-os, bem como a expectativa de receberem uma
imagem digital do seu cérebro no final da sessão, que podiam levar
para casa e introduzir no computador. O primeiro estudante chegou
por volta das oito da noite. O segundo, que iria ser a nossa “cobaia” entre
as nove e as dez, não apareceu. Jonathan e Doug perguntaram-me se
eu estava disposto a substituí-lo. É claro que concordei. De nós três,

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UMA HISTÓRIA

eu era o menos “técnico”. Deitei-me no scanner, um tubo estreito no


qual os meus braços ficavam apertados contra o corpo, uma espécie
de caixão. Muitas pessoas não suportam o reduzidíssimo espaço do
scanner: 10 a 15% são de tal modo claustrofóbicas que é impensável
mandá-las fazer uma ressonância magnética.
Eis-me dentro do scanner. Como sempre, começámos com uma
série de imagens cujo objectivo consiste em identificar a estrutura
cerebral da pessoa. Os cérebros, à semelhança dos rostos, são todos
diferentes. Antes de fazer quaisquer medições, é necessária uma
espécie de cartografia do cérebro em repouso (a que se chama “ima-
gem anatómica”). Depois, esta é comparada com as imagens captadas
enquanto a pessoa realiza as tarefas mentais (a que chamamos “ima-
gens funcionais”). Ao longo do processo, o scanner emite um forte
ruído metálico, como um bastão de metal a bater repetidamente no
chão. Isto corresponde aos movimentos do íman electrónico que se
liga e desliga rapidamente para induzir variações do campo magné-
tico no cérebro. Conforme se trata de imagens anatómicas ou de ima-
gens funcionais, o ritmo do ruído metálico varia. Por aquilo que ouço,
Jonathan e Doug estão a captar imagens anatómicas do meu cérebro.
Dez minutos depois, a fase anatómica está concluída. Fico à espera
de ver, nos pequenos monitores que estão por cima dos meus olhos,
a “tarefa mental” que programámos para estimular a actividade no
córtex pré-frontal – que é a finalidade da experiência. Consiste em
carregar num botão sempre que aparecem letras consecutivas idênti-
cas numa sequência rápida (o córtex pré-frontal é activado para recor-
dar durante alguns segundos as letras que desapareceram do monitor,
de modo a poderem ser comparadas com as que se seguem). Estou à
espera que Jonathan me envie a tarefa e do peculiar som intermitente
do scanner a registar a actividade funcional do cérebro. Mas a pausa
mantém-se. Não percebo o que está a acontecer. Jonathan e Doug estão
atrás de um vidro blindado, na sala de controlo; só conseguimos falar
pelo intercomunicador. Nessa altura, ouço o altifalante:
– Temos um problema, David. Há um problema nas imagens. Temos
de repeti-las.
– Está bem. Eu espero.

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DAVID SERVAN-SCHREIBER

Recomeçamos. Captamos mais dez minutos de imagens anatómi-


cas, e chega o momento de iniciar a tarefa mental. Espero. A voz de
Jonathan diz:
– Ouve, há algo de errado. Vamos entrar.
Entram na sala do scanner e fazem deslizar a mesa onde estou dei-
tado. Ao sair do tubo, vejo que têm uma expressão estranha no rosto.
Jonathan põe-me a mão no braço e diz:
– Não podemos fazer a experiência. Há uma coisa no teu cérebro.
Peço-lhes para me mostrarem no monitor as imagens que captaram
duas vezes por computador.
Eu não era radiologista nem neurologista, mas já tinha visto muitas
imagens de cérebros; era o nosso trabalho diário. Na região direita
do meu córtex pré-frontal, havia uma bola redonda, do tamanho de
uma noz. Pela sua localização não era um tumor benigno operável,
nem um dos mais virulentos – como os meningiomas ou os adeno-
mas da hipófise. Naquele sítio, podia tratar-se de um quisto, ou de
um abcesso infeccioso, provocado por certas doenças como a SIDA.
Mas eu estava de óptima saúde. Fazia imenso exercício físico e até
era capitão da minha equipa de squash. Portanto, não podia ser isso.
Era impossível negar a gravidade daquilo que acabáramos de des-
cobrir. Um tumor cerebral em estado avançado pode matar em seis
semanas, sem tratamento, ou em seis meses, com tratamento. Eu não
sabia em que estado estava o meu, mas conhecia as estatísticas. Sem
sabermos o que dizer, ficámos os três em silêncio. Jonathan enviou
as películas para a secção de radiologia, para que fossem avaliadas
por um especialista no dia seguinte, e despedimo-nos.
Voltei de moto para a minha pequena casa, do outro lado da cidade.
Eram onze da noite; a Lua estava linda e iluminava o céu. Anna esta-
va no quarto, a dormir. Deitei-me e olhei para o tecto. Era muito estra-
nho que a minha vida pudesse acabar assim. Era inconcebível. Havia
um enorme abismo entre o que acabara de descobrir e o que cons-
truíra ao longo de tantos anos… a energia que eu acumulara para
aquilo que prometia ser uma corrida de fundo e que levaria a impor-
tantes realizações. Tinha a sensação de que estava apenas a começar
a contribuir para algo de útil. Fizera muitos sacrifícios pelos meus

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UMA HISTÓRIA

estudos e pela minha carreira e investira muito no futuro. E, de repen-


te, estava perante a possibilidade de não haver futuro algum.
Além disso, estava sozinho. Os meus irmãos tinham estudado duran-
te algum tempo em Pittsburgh, mas tinham partido quando termi-
naram os cursos. Já não tinha mulher. O meu relacionamento com
Anna era muito recente, e ela iria certamente deixar-me, pois quem
quer um companheiro condenado a morrer aos 31 anos? Via-me como
um pedaço de madeira a flutuar rio abaixo, arrastado repentinamente
para a margem, apanhado num charco estagnado. Nunca chegaria
ao mar. Por um golpe do destino, estava encurralado num sítio onde
não tinha laços verdadeiros. Ia morrer. Sozinho. Em Pittsburgh.
Lembro-me de que algo de extraordinário aconteceu enquanto eu
estava ali deitado, a contemplar o fumo do meu cigarrinho indiano.
Não queria dormir. Estava mergulhado nos meus pensamentos quan-
do, de repente, ouvi a minha própria voz a falar dentro da minha
cabeça, suavemente, com autoconfiança, clareza, uma convicção que
não reconheci. Não era eu, mas era a minha voz. Enquanto eu repe-
tia: “Isto não pode estar a acontecer-me; é impossível”, a outra voz
dizia: “Sabes uma coisa, David? É perfeitamente possível, e não é
assim tão grave.”
Aconteceu algo que era, simultaneamente, espantoso e incompreen-
sível. A partir daquele segundo, deixei de estar paralisado. Era óbvio;
sim, era possível. Fazia parte da experiência humana. Muitos outros
tinham passado por isso antes de mim, e eu não era especial. Não havia
nada de errado em ser apenas completamente humano. A minha
mente encontrara sozinha a via do alívio. Mais tarde, quando voltei a
sentir-me assustado, tive de aprender a controlar as minhas emoções.
Mas nessa noite adormeci e, no dia seguinte, consegui ir trabalhar e
tomar as medidas necessárias para começar a enfrentar a doença, e
a minha vida.

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