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Reflexões sobre a

Contabilidade Mental

José Carlos Marion*

Além das pessoas jurídicas, as pessoas físicas precisam também tomar


decisões, buscando não só maximizar suas riquezas, como também seu
bem-estar. Porém, muito mais que as empresas, o ser humano deixa
de ser racional, inserindo em suas decisões variáveis comportamentais,
psicológicas, sociológicas e emocionais. A contabilidade, apesar de
ser uma ciência social, tem considerado muito pouco, até então, o
comportamento do homem na avaliação do ativo e nas premissas que
formam os seus pilares teóricos. A variável utilidade para maximizar o
bem-estar do ser humano não tem sido foco nos estudos das Ciências
Contábeis. Por outro lado, não temos visto tratados contábeis que
contestam os processos decisórios, muitas vezes equivocados, que
incorporam a psicologia, sociologia; emoções que ultrapassam os limites
da racionalidade.Todavia, é discutido se a construção de um modelo
de informação voltado para a mente do homem, que muitas vezes não
passa de “regras de bolso”, é atribuição da chamada Ciências Contábeis,
ou das Finanças, ou da Economia Financeira, ou da Psicologia Econômica,
ou de outra área de conhecimento. Ou, ainda, se o ato de processar
dados, avaliar dados, tomar decisões, na esfera das emoções humanas,
deveria ser tratado no conjunto de diversas áreas de conhecimento.

*Professor titular do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP e professor associado do mestrado em Con-
tabilidade na PUC-SP; coordenador do curso de Ciências Contábeis da Universidade IMES; mestrado e doutorado em
Contabilidade na FEA/USP; pós-doutorado na Kansas University, Kansas, EUA.

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1. Introdução Em parte, profissionais da socio- Muito recentemente, tem-se vis-


logia, da matemática financeira, da to nas publicações, como o caso
Quando se trata de decidir o destino estatística etc. têm contribuído para de Thaler (1999) sobre educação
de seus recursos, ou captação dos construir o modelo ideal do homo financeira, uma teoria chamada
mesmos, a pessoa física nem sempre economicus. Porém, uma pergunta se “Contabilidade Mental”, pela qual se
toma decisões racionais. Esta área faz necessária: como tem a contabi- pressupõe que as pessoas deveriam
financeira das pessoas é tão relevante lidade, como uma ciência decisorial, organizar sua mente, seu raciocínio
nos dias atuais que várias categorias voltada para o papel de bem informar em modelos decisoriais, visando to-
de profissionais tentam contribuir para (para bem se decidir), contribuído mar decisões econômico-financeiras
melhorar a satisfação da difícil missão para este processo? à semelhança de uma empresa
de lidar com dinheiro. Estudiosos como Zsuster (2005)
Há psicólogos que analisam os fa- afirmam que a contabilidade é um
tores que contribuem para se tomar patrimônio da humanidade e sua
certas decisões e a reação das pessoas atuação é fundamental para o de-
diante dos resultados. Encontram-se senvolvimento e sobrevivência da
hoje consultores na área da psico- sociedade. Assim, imaginamos como
economia que ajudam as pessoas a seria o mundo sem a contabilidade,
entender as razões de certas decisões sem informações oportunas e
na área financeira, principalmente com qualidade que propicie
quanto a erros recorrentes. Esta área a racionalidade nas toma-
é tão fundamental, que se criou, das de decisões?
inclusive no Brasil, a Associação Inter-
nacional para Pesquisa em Psicologia
Econômica. Nos EUA, encontram-se,
por exemplo, centros de pesquisa
nesta área, como o laboratório de
neuroeconomia do Instituto de Tec-
nologia da Califórnia (CalTeck).
Os economistas, mais voltados para
os modelos matemáticos, buscam fór-
mulas para maximizar o bem-estar das
pessoas através de decisões racionais e
análise de erros no sentido de correção
de rumo. Daí vem a expressão homo
economicus, que contempla a
racionalidade nas decisões
para se obterem maiores
benefícios.
Os administradores
evoluíram considera-
velmente no campo
das finanças. Ao cuidar
das finanças pessoais, estes
profissionais têm estudado o que
se denomina “finanças comporta-
mentais”, considerando as decisões
complicadas que o ser humano toma
freqüentemente diante de raciocí-
nios nem sempre racionais.

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bem-sucedida por ter um excelente


sistema de informação.
Seria isto possível? Imagens feitas
com as novas técnicas de ressonância
magnética revelam, conforme Souza
> Será que um processo
(2007), que, em assuntos ligados a
dinheiro, o cérebro do consumidor de educação financeira
funciona de forma bem diferente do de longo prazo, desde
que se pensava: a emoção concorre a infância, baseado em
em igualdade de condições com a ra-
zão e, freqüentemente, a sobrepuja.
consistência e repetição,
Esta pesquisa mostra que, para não permitirá a racionalidade,
atrapalhar a expectativa da satisfa- nos alunos, em termos
ção, o córtex pré-frontal médio do
cérebro, onde se processam os cál-
de decisão econômico-
culos racionais, fica temporariamente financeira?
desativado. Assim, muitas vezes, o
impulso emocional prevalece.
O que leva o impulso a vencer a
razão? Visando inverter esta realidade,
surgem pesquisas e cursos modernos
voltados para a educação financeira. vida com o “eu SA”, melhorando sua finanças pessoais, à administração do
Por exemplo, o Money Camp se tornou capacidade de agir no presente para fluxo de caixa, são realidades que nos
o pioneiro de alfabetização financeira ter qualidade de vida no futuro. afetam nos dias atuais.
para crianças. Criado nos EUA há cinco Esta possibilidade de engano fi-
anos por Elisabeth Donati, inspirado 2. Por que o cérebro necessita nanceiro, segundo Souza (2007),
no best-seller Pai rico, pai pobre (edi- de gerenciamento concluída em uma pesquisa realizada
tora Sextante), do guru das finanças sobre processos cerebrais associados
pessoais Robert Kiyosaki, este curso Estudos científicos demonstram que às decisões, envolve dinheiro e, muitas
está sendo franqueado para muitos as emoções têm um papel importante vezes, traz transtornos às famílias,
países, inclusive o Brasil. num cérebro consumidor, gastador, provocando conflitos, desunião, se-
Será que um processo de educa- perdulário, sem nenhum comprome- paração e outros males. Este estudo
ção financeira de longo prazo, desde timento com critérios racionais que realizado por economistas e psicólogos
a infância, baseado em consistência orientam os gastos, as compras e as das universidades de Carnegie Mellon
e repetição, permitirá a raciona- decisões financeiras. e Stanford e do Instituto de Tecnologia
lidade, nos alunos, em termos de Como já vimos, a região do cérebro de Massachusetts, dos Estados Unidos,
decisão econômico-financeira? Os córtex pré-frontal médio é que pro- trouxe uma luz para se buscar paz
membros do IACSEE (Internacional cessa os cálculos racionais na área da financeira nos lares.
Association for Citizenship, Social decisão, por exemplo, se vai ou não A lógica de buscar equilíbrio finan-
and Economics Education) acreditam fazer uma compra. Ele compara os be- ceiro ou de usar o dinheiro futura-
que atingir o homo economicus, nefícios que o produto a ser adquirido mente para uma melhor aquisição ou
que tomada de decisões racionais, vai proporcionar com os benefícios fu- investimento é totalmente desmonta-
é plenamente possível, desde que turos que o dinheiro a ser gasto traria da, por muitos dos pesquisados, pela
educados para esta missão. se aplicado para um outro fim. satisfação imediata de fazer uma com-
Uma coisa é certa: em função da Gastar mal, além das contas, sem pra principalmente pelo uso de cartão
extensão do ciclo de vida (expectância critério, sem racionalidade são atitudes de crédito ou cheque pré-datado. O
de vida que pode chegar em pouco que podem acontecer com qualquer pior é que, muitas vezes, as pessoas,
tempo a cem anos), é fundamental um. Decisões meramente impulsivas influenciadas pelas fortes emoções,
que cada ser humano gerencie sua que trazem prejuízos em relação às acham que estão sendo guiadas pela

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razão. As próprias estratégias do mer- do meio, acompanhando as mudanças Ainda que a Contabilidade, como
cado vendedor têm apelos fortes para sociais, a evolução do homem. Não instrumento decisorial, a princípio,
estas induções. é, ao contrário do que muita gente tenha surgido das necessidades das
Decisões financeiras por impulso, o pensa, uma ciência quantitativa, pessoas, ela vai atingir seu ápice em
forte apelo do mercado, a pressa so- embora utilize em larga escala os ambientes econômicos complexos
mada à redução de tempo do homem métodos quantitativos, tendo como com o crescimento das organizações
moderno, entre outras variáveis, fazem principais instrumentos a matemática e a alavancagem no mundo dos negó-
com que, cada vez mais, tenhamos ne- e a estatística. cios a partir da Revolução Industrial.
cessidade de gerenciar criteriosamente A Ciência Contábil, assim como as Assim, o foco da Contabilidade,
nossas decisões dentro de padrões demais ciências, segundo Iudícibus num determinado momento da histó-
racionais de utilidades, projeções, (2005), deve ser capaz de estabelecer ria, deixa de ser pessoas físicas e passa
cálculos, comparações de benefícios, relações entre causas e efeitos, além de a ser as empresas, as organizações.
resultados futuros, administração de dar ao campo de conhecimento e ao Neste ambiente ela torna-se eficiente
caixa e investimentos ... que estamos universo dos eventos nele contido um e indispensável, no seu modelo consa-
tratando de Contabilidade Mental. amplo guarda-chuva conceitual. grado, ao registrar os fatos ocorridos
Estaria a Contabilidade como ciên- Dentro desta vestimenta científica, nas organizações, constituindo um
cia, como uma área de conhecimento, obtida praticamente no século XV, a banco de dados que produz infor-
contribuindo para uma das maiores Contabilidade chega à era do conhe- mações úteis e imprescindíveis no
preocupações da sociedade moderna? processo decisório.
A Contabilidade poderia contribuir, Mais recentemente, a Contabilidade
por exemplo, para as decisões das assumiu o desafio de estruturar mo-
pessoas físicas, propondo mo- delos de mensuração aplicáveis
delos racionais em paralelo às a eventos futuros, utilizando-
variáveis emocionais? se de estimativas, modelos
matemáticos e estatísticos,
3. Contabilidade como comportamentos, tendên-
ciência cia de cenários econômicos,
riscos e outras variáveis.
A Contabilidade, como Com estes ingredientes, a
campo de conhecimento, é Contabilidade participa de
uma das ciências mais anti- todas as etapas do processo
gas (fala-se em mais de 6 mil decisorial: planejamento,
anos a.C.). Ela surgiu dentro execução e controle.
de um cenário bastante prático, O que se quer dizer com
considerando a necessidade que as isto é que a Contabilidade, como
pessoas tinham em tomar decisões na ciência, tem cumprido sua missão nos
área econômica. Aliás, a importância complexos econômicos, com foco
da Contabilidade, como já vimos, está nas organizações, empresas, pessoas
relacionada ao desenvolvimento e à cimento e informação num contexto jurídicas, países etc. Porém, deixa um
própria sobrevivência da sociedade. de grande avanço tecnológico e de vazio quando se trata de indivíduos,
O homem, ambicioso por natureza, valorização extrema do capital intelec- pessoas físicas e, conseqüentemente,
empreendedor, gestor de bens e recur- tual, sendo o mais importante campo famílias.
sos, sempre envolvido com os eventos de conhecimento na área decisorial. Só que estas complexidades dos
econômicos, jamais abriu mão desta Nesta condição ela se beneficia e em- cenários econômicos têm, nos nossos
área de conhecimento. Aqui se destaca presta conhecimentos não só da área dias, alcançado também a gestão
o caráter extremamente utilitarista da quantitativa, como também da área pessoal, a gestão de filhos, a gestão
Contabilidade. tecnológica, econômico-financeira, de família. Em outras palavras, a
Tratamos a Contabilidade como psicológica, jurídica, administrativa, pessoa física, hoje, como já dissemos,
ciência social, já que ela é um produto sociológica etc. precisa tomar decisões relevantes

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para atender a suas necessidades permitem organizar e avaliar as suas turista está com muita sede. Está pre-
estratégicas e operacionais. decisões econômico-financeiras. sente não apenas a utilidade do bem
Esta necessidade leva ao desabrochar Um exemplo citado por Lourenço é adquirido (que faz esperar que os
da Contabilidade Mental, com ênfase o da decisão da compra de uma cerve- indivíduos estejam dispostos a pagar
principalmente na pessoa física, que ja bem mais cara, numa praia, onde o o mesmo preço de um supermercado
não está coberta pelo guarda-chuva por uma cerveja), mas também o con-
conceitual da Teoria da Contabilidade. ceito de utilidade da transação, que
Aliás, várias áreas de conhecimento permite que os indivíduos distingam
parecem querer assumir o paterna- o preço de referência ou esperado
lismo deste conceito emergente do preço pago.
que é a Contabilidade Mental, Ele afirma ainda que esta
voltado para finança com- operação de contabilidade
portamental. mental, em que são utiliza-
Na verdade, a Conta- dos preços de referência, é
bilidade Mental, como que torna as promoções
será visto, envolve mode- mais eficazes quando
los mentais, percepções, na etiqueta do preço é
situações específicas, indicado o preço anterior
emoções, experiências (mais alto) do que quando
anteriores e outras variáveis é apenas indicado o preço
(que muitas vezes fogem à após o desconto. E nos faz
racionalidade decisorial) que comprar só para “aproveitar”
necessariamente demandam a (utilidade da) promoção.
conhecimentos de outras áreas. Outro exemplo desta teoria dado
por este mesmo autor (que mostra
4. A teoria da Contabilidade Mental alguns malabarismos que usamos ao
executar a contabilidade mental) é
Frases como “não confie apenas a nossa necessidade de amortização
em contabilidade mental, mas re-
lacione, coloque no papel todos os
gastos pendentes para não estourar
seu orçamento” são freqüentemente
encontradas em artigos e palestras > o conceito atual de
relativas à educação financeira.
Contabilidade Mental não
Todavia, o conceito atual de Conta-
bilidade Mental não tem nada a ver tem nada a ver com a idéia
com a idéia de um raciocínio rápido, de um raciocínio rápido,
irresponsável, sem nexo; muito pelo irresponsável, sem nexo; muito
contrário, a teoria da Contabilidade
Mental aborda como as pessoas
pelo contrário, a teoria da
registram, resumem, analisam e Contabilidade Mental aborda
relatam as transações econômico- como as pessoas registram,
financeiras do seu dia-a-dia.
Segundo Lourenço (2006), a teoria
resumem, analisam e relatam
da Contabilidade Mental propõe es- as transações econômico-
sencialmente que os indivíduos execu- financeiras do seu dia-a-dia.
tem mentalmente operações de con-
tabilidade organizadas à semelhança
do que fazem as empresas e que lhes

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(custo irrecuperável) de perdas no A chamada Contabilidade Mental nhecido dele tem uma estratégia sagaz
tempo, quando estas, como o próprio está ligada à teoria comportamental, para se conformar com os pequenos
nome indica, não deveriam exercer em que pode haver desvio de preferên- infortúnios. No início do ano, o profes-
mais nenhuma influência nas nossas cias de pessoa para pessoa. Uma das sor planeja uma doação generosa para
decisões. É o que acontece quando variáveis que afetam as decisões é o sua instituição de caridade favorita.
decidimos guardar um par de sapatos enfoque que cada pessoa dá ao risco. Todos os contratempos ocorridos du-
acabados de comprar e que afinal não Dentro da idéia de Contabilidade rante o ano – um ingresso extraviado,
servem e nos magoam, tanto mais Mental, pressupõe que as pes- a reposição de um objeto perdido, um
tempo quanto mais se pagou por pedido indesejado por um parente em
eles, até ao dia em que consideramos dificuldades – são, então, debitados da
amortizados o seu custo. Neste caso, conta de caridade. O sistema torna as
se fecha a conta mental correspon- perdas indolores, pois a institui-
dente ao um saldo negativo (sem ção de caridade é que paga. A
desfrutar do benefício), porém, instituição acaba recebendo o
a dor psicológica é menor que sobrar na conta”. Assim,
em função do tempo que Thaler nomeou o amigo o
passou. “primeiro Contador Mental
Thaler (1999), possivel- autorizado (reconhecido)
mente aquele que mais do mundo”.
catalogou exemplos nes- A idéia de se ter uma
ta área, é um economista conta mental para cada
americano que, ao longo de situação faz com que
sua carreira, foi incorporando muitas vezes se consu-
psicologia ao mundo dos núme- ma forçosamente um
ros, entrando na economia com- bem ou serviço com-
portamental, uma linha que aplica prado individualmente
conceitos da psicologia à tentativa de para satisfazer o bi-
racionalização da economia. Em seus nômio custo versus
trabalhos, tem usado o termo mental soas criam em benefício. Gonçal-
accounting (ou Contabilidade Mental) suas mentes ves (2004) diz que
como “o processo inteiro de codifi- contas virtuais “segundo a teoria
cação, categorização e avaliação de que provocam da Contabilidade
eventos (valor, abertura e fechamento decisões, às vezes, Mental, quando um
de contas mentais)”. isoladas, podendo gerar ineficiên- produto ou serviço é comprado e,
Na verdade, as pessoas usam pro- cia em relação ao conjunto. Um por algum motivo, deixa de ser con-
cessos diferentes para formular seus dos exemplos dos autores desta sumido, o comprador deve fechar a
problemas envolvendo aspectos mone- área é que um pai que abre uma conta mental correspondente com
tários. Elas usam Contabilidade Mental poupança para o filho pode, num saldo negativo. Isto é, ele deve aban-
distinta para cada situação, porém, determinado momento, estar con- donar o dinheiro gasto na compra
sempre visando a maior bem-estar. traindo um empréstimo para saldar sem desfrutar o benefício. Isso leva
Nossa mente é poderosa para fazer um compromisso cujos juros sejam a uma sensação de perda, à qual
manobras que fogem das racionali- bem maiores que o rendimento está associada a uma dor psicológi-
dades ideais para ditar rumos de me- da poupança. De maneira geral, a ca. Quando a transação é realizada
lhores decisões. Operações financeiras Contabilidade Mental caracteriza-se por meio de pacotes de preços, o
podem estar respaldadas na nossa por separar os componentes de um consumidor pode abrir mão de uma
mente por emoções fortes que, em- quadro total. unidade do produto ou serviço sem
bora destituídas da harmonia ou racio- Thaler (1999) conta um divertido ter de reconhecer completamente a
nalidade desejada, tragam satisfação e exemplo da vida real de Contabilidade perda, pois uma unidade dentro do
sejam muito bem justificadas. Mental. “Um professor de finanças co- pacote não está diretamente associa-

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da a um valor monetário, reduzindo


a atenção do consumidor aos custos
irrecuperáveis”.
Assim, pela Contabilidade Mental,
os serviços comprados em pacotes
(por exemplo, turismo) podem re- > A Contabilidade Mental
duzir o nível de arrependimento, de tem também como objetivo
percepção de desperdício e outros
avaliar as características
sentimentos de perdas, quando uma
das partes não for consumida ao nível comportamentais que
esperado. Nesta hipótese, a intenção afetam a tomada de decisão.
de recompra pode ser maior no caso Uma das variáveis não
de pacote, tornando-se um fator psi-
cológico no aspecto mercadológico.
racionais que interferem nas
Prelec e Lowenstein (2000) afir- tomadas de decisões é que
mam que a força da relação entre denominamos de aversão
pagamento e benefício da Contabi-
lidade Mental desempenha impor-
míope a perdas.
tante papel no comportamento dos
consumidores, ou seja, é possível re-
duzir a pressão psicológica que estes
enfrentam diante do risco de fechar
uma conta mental com prejuízo. Por consideravelmente novas decisões. vez da rosca. Ela leva respostas confli-
exemplo, pagando-se adiantado se- Por exemplo, um mal negócio na tantes à mesma pergunta”.
mestralmente uma academia, a chan- compra de ações de uma empresa Conforme Bernstein, acima citado,
ce de ele freqüentar regularmente é específica pode afetar as decisões Kahneman e Tversky (1979) “sugerem
maior (para não perder dinheiro). de investimentos futuros. Há uma que se imagine estar a caminho para
A Contabilidade Mental tem tam- tendência do investidor em dividir assistir a uma peça teatral para a qual
bém como objetivo avaliar as ca- seus ativos em classes distintas, se comprou um ingresso de $ 40. Ao
racterísticas comportamentais que atribuindo importância distintas. chegar no teatro, você descobre que
afetam a tomada de decisão. Uma Neste caso, as aplicações em fundos perdeu o ingresso. Você gastaria $ 40
das variáveis não racionais que in- podem reduzir o sentimento mental com outro?”.
terferem nas tomadas de decisões é no fechamento das contas. Agora, suponha, em vez disso,
que denominamos de aversão míope que você pretende comprar o in-
a perdas. Constata-se que há uma 5. Contabilidade Mental gresso ao chegar no teatro. Ao se
maior sensibilidade a perdas que a e a irracionalidade aproximar da bilheteria, você desco-
ganhos. Por exemplo, numa rodada bre que tem no bolso $ 40 a menos
de baralho em que se ganha R$ 200 Bernstein (1997) trata o assunto do que pensou que tivesse ao sair de
numa primeira partida e a mesma pes- Contabilidade Mental no tema riscos. casa. Mesmo assim, você compraria
soa perde R$ 80 na segunda, parece Escolhas incoerentes (não necessaria- um ingresso?
que a perda atinge as emoções mais mente incorretas) assumem a forma Neste exemplo, em ambos os casos
aguçadamente (embora ainda esteja denominada de Contabilidade Mental, haveria uma perda de $ 40, e se gas-
havendo um lucro de R$ 120). “um processo em que separamos os taria um total de $ 80 se decidisse
Um dos aspectos fundamentais componentes do quadro total. Com assistir à peça. Se a pessoa desistisse,
considerados na Contabilidade Men- isso deixamos de reconhecer que uma haveria uma perda de apenas de $
tal é a teoria do arrependimento, decisão que afeta cada componente 40. Kahneman e Tversky descobriram
que lida com a reação das pessoas exercerá um efeito sobre a configura- que a maioria das pessoas relutaria
que constatam que tomaram uma ção do todo. A Contabilidade Mental em gastar $ 40 para substituir um
decisão errada. Esta teoria afeta compara-se a focalizar o buraco em ingresso perdido, mas estaria per-

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feitamente disposto a gastar outros uma perda maior é menos dolorosa A própria Academia Real Sueca de
$ 40 no ingresso, ainda que tivesse do que uma perda isolada: perder ou- Ciências (2002) afirma que, “se olhar-
perdido os $ 40 originais. tros $ 100 após já ter perdido $ 100 é mos o ser humano como um sistema
Esta é uma situação comum na menos doloroso do que perder $ 100 que codifica e interpreta a informação
humanidade: escolhas incoerentes. em ocasiões totalmente separadas. disponível de uma maneira conscien-
Segundo a Teoria da Perspectiva, as Tendo em mente esse conceito, ao se te, mas em que outros fatores, menos
respostas incoerentes a essas opções mudar para uma casa nova, Kahne- conscientes, também influenciam
resultam de duas contas mentais man e sua esposa compraram toda decisões, em um processo interativo.
separadas, uma para a ida ao teatro a mobília uma semana após terem Tais elementos incluem percepção,
e outra para outros empregos dos $ comprado a casa. Se tivessem con- modelos mentais para interpretar situ-
40 – os almoços do próximo mês, di- siderado a mobília como uma conta ações específicas, emoções, atitudes
gamos. A conta do teatro foi contabi- separada, poderiam ter hesitado e memórias de decisões anteriores e
lizada em $ 40 (como perda), quando diante do custo e comprado menos suas conseqüências”.
o ingresso foi comprado, esgotando peças do que precisavam”. A Contabilidade Mental pressupõe,
aquela conta. Os $ 40 perdidos fo- Em pesquisa realizada sobre com- antes de tudo, uma decisão que nos dá
ram contabilizados do dinheiro dos portamento humano baseado em conforto. Pode ser uma escolha incoe-
almoços do próximo mês (e outros entrevistas e experimentos, Daniel rente que nos leva a um bem-estar.
gastos), sem nenhuma relação com a Kahneman, prêmio Nobel de Econo- Isto pode ocorrer principalmente
conta do teatro e, de qualquer modo, mia (juntamente com Vernon L. Smith quando analisamos os atributos par-
distante no futuro. em 2002), questiona a racionalidade cialmente, ou seja, separamos os com-
Bernstein (1997) ainda conta que econômica em algumas situações de ponentes do todo, isolamos dados. Não
“em uma entrevista a um repórter de decisão. Quem deve tomar decisão consideramos todos os componentes
uma revista, o próprio Kahne- man no mundo real parece não avaliar do conjunto, do banco de dados. Ou,
confessou ter sucumbido corretamente as variáveis disponíveis, ainda, se analisamos a configuração do
à contabilidade mental. implicando tomadas de decisões todo, preferimos uma decisão levando
Em sua pesquisa com nem sempre racionais (KAHNEMAN em conta parte do todo, pois o lado
Tversky, ele descobri- e TVERSKY, 1974). emocional, a aversão a risco, situações
ra que uma perda anteriores de insucesso e outras variáveis
que não passa de pesam nesta hora.
um acréscimo a Há pessoas que têm aversão à
perda, preferindo garantir um pouco
a arriscar ganhar muito e depois se
arrepender. Ao assumir uma posição
conservadora ou emocional, a toma-
da de decisão pode não ser
racional, daí se denominar de
Contabilidade Mental.
Aspectos emocionais ou a
falta de entendimento pleno
de todas as informações
podem impedir a tomada
de decisão racional. Às
vezes, a dificuldade em
identificar generaliza-
ções válidas leva-nos a
optar por atalhos que
não permitem a decisão
ideal, caracterizando-se a
Contabilidade Mental.

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6. Alguns exemplos de
racionalidade em confronto com
o emocional
> Como deveríamos nos sentir em
Ouço muito de pessoas que dizem aplicar sempre no “pior” tipo
que seus pais (ou avós) trabalhavam de investimento em termos de
com a idéia que o primeiro investimen-
to a ser feito deveria ser numa casa
rentabilidade? Porém, o lado
própria, mesmo que seja financiada emocional nos leva a pensar
em longo prazo. “Melhor é pagar fi- num risco reduzido de perder o
nanciamentos longos para aquilo que
capital investido. Aversão à perda
vai ser seu, do que pagar aluguel”,
dizem estas pessoas. e aversão ao arrependimento
Além de o imóvel residencial, pelo são duas variáveis que podem
menos a princípio, ser visto como um
fazer parte do conflito interno da
ativo duplamente ruim (não gera fluxo
de caixa – renda, mas gera passivo pessoa na decisão.
constantemente para o orçamento
pessoal), nenhum autor ou expertise
de finanças que eu conheço, diz que em último lugar. Normalmente, este é deixar passivos de herança, os quais
pagar aluguel é pior que financiar. investimento garante a manutenção muitas vezes precisarão vender parte
Também nunca vi uma bibliografia do capital investido, sem perspectiva destes bens para garantir o fluxo de
com base científica citar que comprar de agregar lucros ao investidor. Como caixa para manutenção dos bens her-
um imóvel residencial nesta base é um deveríamos nos sentir em aplicar dados. O lado emocional, entretanto,
bom negócio. O lado emocional, po- sempre no “pior” tipo de investimento indica que estes lazeres beneficiarão
rém, diz que ter um abrigo definitivo é em termos de rentabilidade? Porém, toda a família e herdeiros. Por outro
a melhor coisa do mundo: “quem casa, o lado emocional nos leva a pensar lado, as pessoas buscam reduzir a
quer casa”, ainda que possa ser um num risco reduzido de perder o capital dissonância cognitiva (corresponde
mau negócio em termos financeiros. investido. Aversão à perda e aversão ao ao conflito mental que os indivíduos
Neste caso, chamamos de efeito ma- arrependimento são duas variáveis que experimentam quando são apresenta-
nada, onde somos levados a crer que, podem fazer parte do conflito interno das evidências que seu raciocínio está
se um grupo grande de pessoas tem da pessoa na decisão. errado ou autojustificação), evitando
esta atitude, ele está correto, ou seja, Aplicações em casa de praia, sítio, informações sobre suas decisões ou
a maioria não pode estar errada. áreas de lazer, piscinas, quase sempre, debater racionalmente a decisão.
Por outro lado, nossos pais têm não podem ser chamados de investi- Muitos incautos abominam o car-
dado bons conselhos quanto a como mentos. Eles geram tantas despesas tão de crédito, considerando os juros
poupar, lutar contra a tendência que a maioria prefere sequer registrar exorbitantes nos financiamentos das
emocional de consumo. O equívoco, estes gastos. Se, principalmente, a obrigações não liquidadas. Ora, desde
todavia, observado aqui, é que a maio- classe média, canalizasse estas aplica- que cuidadosamente administrado, o
ria prefere aplicar em caderneta de ções para os chamados ativos bons, “dinheiro de plástico” pode ser um
poupança (talvez associando o termo além de capitalizar e engordar seus bom negócio: você tem um relatório
“poupar” com caderneta de poupan- lucros, com parte dos rendimentos, mensal (um fluxo de caixa parcial) “de
ça). Para alguns é um dos investimen- poderia planejar lazeres e viagens graça” todas as vezes que você recebe
tos mais seguros, com liquidez e de diversificados, agregando maior a fatura (permitindo melhoria no seu
fácil manuseio. O que a maioria dos prazer. Digo classe média, pois os controle financeiro); tem data certa de
investidores neste tipo de investimento ricos podem se “dar ao luxo” de des- liquidar seus compromissos uma vez
não tem atentado é que no ranking perdiçar parte dos seus rendimentos por mês, permitindo fazer planejamen-
de rentabilidade, há muitos anos, com “caprichos onerosos”. O pior é to para investimentos com prazo fixo;
caderneta de poupança tem estado que deixar estes bens para herdeiros pode acumular pontos ou milhas para

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viajar de graça emprestado. Sacrificam o conforto remuneração. Não seria financei-


(se comprar e a satisfação de sua família para ramente melhor terceirizar aquela
em média evitar o fardo psicológico de ter atividade (ou ela nos dá tanto
mensalmente dívida. Nem sempre esta atitude prazer que compensa a perda?).
R$ 3.400, em representa inteligência financeira. Por exemplo, há pessoa que adora
um ano será Há financiamentos interessantes. Há cuidar do jardim de sua casa, não
conquistada uma compras a prazo com muitas vanta- trabalhando (deixando de ganhar)
viagem de ida e volta para um local gens que permitem usar recursos em ou não passeando aos sábados (com
na América do Sul ou em dois anos aplicações interessantes ou antecipar sua família), preferindo plantar
para a América do Norte). Alguns benefícios sem riscos para o flores. Ou ainda há casos em
cartões dão descontos para o seu lazer, orçamento. Assim, praticar que as pessoas se sentem
outros permitem o uso de salas vips orçamento (e algumas pro- pressionadas a não gas-
nos aeroportos, outros pagamentos jeções) faz parte daquilo que tar mais naquilo que lhe
de passagens aéreas ou outros bens chamamos de Contabilidade custou muito. Assim, não
e serviços em até dez vezes sem juros Mental. Desordem financeira é se lembram do desembolso
e assim sucessivamente. É importante o principal fator de risco para as ou evitam ter mais dores pelos
escolher uma data conveniente para finanças pessoal e não os créditos e gastos. Semelhantemente também
liquidação do débito e sempre liquidar financiamentos. Há pessoas que não há pessoas que consomem forçosa-
toda a fatura (nunca financiar) na data fazem anotações sequer no seu talão mente uma aquisição cara para não
do vencimento. de cheque, quanto mais o seu fluxo reconhecer uma perda que traria
Todavia, o lado emocional mostra- de caixa e orçamento financeiro. A sofrimento ou perda de sono.
nos que pessoas fracassaram ao aversão ao arrependimento prevale- Uma variável interessante para se
administrar o cartão de crédito. ce neste caso. aplicar a Contabilidade Mental é o
Aqui entra muitas vezes a aversão Em se tratando de custo de opor- binômio “custo versus benefício”. Isto
ao medo. tunidade, quando dispensamos é, toda decisão, informação, atitude
Há aqueles que odeiam finan- tempo para fazer alguma ati- têm um custo. Espera-se que o
ciamento, gostam de comprar vidade, podemos simul- retorno, o resultado, indique
tudo à vista. Des- taneamente deixar de
prezam crédito ganhar se estivésse-
de q ua lq ue r mos desenvolvendo
tipo ou to- um trabalho que
mar dinheiro nos proporciona

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seria bom fazer uma planilha sim-


ples colocando-se numa linha o
item comprado, o valor da compra,
dar uma nota (de zero a dez) pela
satisfação da compra e descrever os
> Uma variável interessante para benefícios do produto. O ideal seria
se aplicar a Contabilidade deixar pelo menos mais três colunas
Mental é o binômio “custo para se fazer uma avaliação em pe-
ríodos futuros (um mês, três meses,
versus benefício”. Isto é, toda seis meses) dando-se nova nota
decisão, informação, atitude considerando os benefícios descritos
têm um custo. Espera-se que o no momento da compra. Se as notas
forem mais baixas (decrescentes) que
retorno, o resultado, indique um a compra, poder-se-ia criar um “cas-
montante econômico-financeiro tigo”, por exemplo, fazer um jejum
maior que o aplicado. de compras por dez dias para cada
redução de um ponto na avaliação.
Porém, o lado emocional está ligado
à excitação das compras, comparar
com outras pessoas que tem me-
nos, ambição etc. O lado emocional
um montante econômico-financeiro emprego (período para estagiar), os nestas compras compulsivas muitas
maior que o aplicado. Uma situação descontos legais do salário, os gas- vezes está ligado à ilusão monetária
interessante é em relação à carreira tos diretos decorrentes do trabalho de promoções com grandes descon-
profissional dos nossos jovens, ou seja, (transporte, roupas etc.), esta pessoa tos, número de prestação elevado
as opções por cursos. Normalmente, deverá trabalhar quase dez anos só com valor baixo etc.
os pais gostam de profissão que dão para “reembolsar” os investimentos Na verdade, muitas de nossas ati-
status. Os filhos preferem escolher, realizados no período de formação tudes requerem inteligência financei-
ainda um pouco imaturos para uma universitária. É uma péssima relação ra: utilização de cálculos financeiros
decisão tão complexa, uma profissão custo versus benefícios, quando com- antes de comprar a prazo; “pechin-
atraente. Todavia, um fator muito parado com curso superiores onde é chas” nas compras à vista com boa
importante é quanto se vai investir possível o próprio estudante custear a argumentação (por exemplo preço
em todo o curso (mensalidade, livros, mensalidade com seu próprio trabalho mais baixo em outros locais quando
locomoção, alimento etc.) e comparar (é claro que este raciocínio pode não se faz uma boa pesquisa de merca-
com a empregabilidade e o salário ter valor para uma família muito rica do); viagens com finalidades duplas,
médio nos primeiros anos do exercício ou por uma vocação inquestionável). como lazer e negócios (compra de
profissional. Por exemplo, uma filha Muitas vezes, nestas decisões, entram móveis em Gramado; roupa nos
de um amigo escolheu um curso na as variáveis otimismo e autoconfiança, EUA; enxoval de crianças em Serra
área de saúde cuja universidade, cara, em que a maioria das pessoas tem vi- Negra; roupa de noiva e outras em
está localizada em outra cidade, a 50 sões irreais acerca de suas habilidades locais específicos na cidade de São
km de sua residência. O custo men- e expectativas. Paulo etc.). Nestes casos, o lado
sal (mensalidade, livros, transporte, O binômio custo versus benefício emocional deverá estar (ou ser trei-
hospedagem, alimentação...) é de R$ é muito bom também para os con- nado) submisso à razão.
2.000 durante cinco anos, sem chance sumidores compulsivos. Há pessoas
de se ter rendimento durante o curso. que têm comportamentos ilógicos, 7. Conclusão
O salário médio desta profissão nos consumindo muito tempo visitando
primeiros cinco anos é de R$ 1.500 lojas, comprando aleatoriamente Que área profissional deveria en-
mensais. Considerando a espera mé- (decisões impulsivas), até mesmo campar a chamada Contabilidade
dia de um ano para se obter o primeiro coisa desnecessária. Por exemplo, Mental? Seria a Contabilidade, ou

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Reflexões sobre a Contabilidade Mental

a Psicologia, ou a Economia, ou a mercado e que pode ser explicado áreas de saber abordadas (Con-
Administração, ou a Matemática, ou dentro de uma estrutura matemá- tabilidade, Economia, Psicologia,
outra disciplina? tica complexa estudada pela teoria Administração, Exatas, Sociologia),
Quando ligamos a expressão dos jogos, constata-se que tanto a uma delas deverá ganhar destaque
contabilidade ao verbo contar, Economia, como a Psicologia e as como o guarda-chuva teórico. Es-
podemos observar diversos sig- Ciências Quantitativas (Matemática peramos que seja a Contabilidade,
nificados: a) fazer conta, calcular e Estatística) estão fortemente en- que tanto tem contribuído para as
(relativo a números envolvendo as volvidas nesta área. organizações empresariais. Para
quatro operações); b) narrar, relatar; Quando se trata de tomar decisão tanto, teremos que olhar para as or-
c) ter esperança, esperar, confiar; principalmente no mundo das pesso- ganizações familiares, tornando-nos
d) computar, fazer entrar como as físicas, muitas variáveis, além das mais acessíveis ao cidadão comum.
parcela de uma conta etc. Dentro contábeis, se juntam como: eventos De qualquer maneira, a heurística
desta visão, a Contabilidade Mental incertos de acordo com as leis de (o processo por meio do qual as
estaria coberta pelo guarda-chuva probabilidade, teoria da maximiza- pessoas descobrem a verdade, quase
da Contabilidade. Seria exeqüível ção da utilidade esperada, finanças sempre, utilizando-se o método da
a constituição de uma teoria nor- comportamentais, teoria da previsi- tentativa e erro), com “regras de
mativa de escolha na decisão que bilidade (prospect theory, que tem o bolso” para tomar decisões, deve
poderia acomodar o comportamen- objetivo de oferecer explicações para ser abandonada por construções
to humano? Manobras emocionais observações empíricas) etc. de modelos que maximizem o bem-
são passíveis de registros, cálculos, Diversas áreas de pesquisa se estar do indivíduo.
relatos e análises? fundem na busca de modelos da A regra da representatividade
Por outro lado, quando os pes- racionalidade do homo economi- observada por Kahneman e Tversky
quisadores Vernon L. Smith e Daniel cus, ajudando-o nas suas escolhas e (12), a qual mostra que nosso de-
Kahneman foram premiados com o tentando absorver o fator emocional sempenho se baseia na estatística
Nobel de Economia por seus tra- adequado à situação de incerteza e intuitiva, adotando de forma siste-
balhos numa área limítrofe entre a de crise em que estamos vivendo. mática um conjunto de regras in-
psicologia e a ciência econômica, Todavia, espera-se um refinamen- formais que possuem lógica própria,
tentando mostrar e provar que há to conceitual, princípios, pressupos- certamente poderá ser sobrepujada
um elemento irracional que age na tos para alicerçar a Contabilidade pela lógica racional, evitando erros
tomada de decisões dos agentes de Mental. Certamente, entre estas de julgamento.

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