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RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho possui por escopo perceber The present study has the scope of perceiving
as concepções sociais, políticas, culturais e pe- the social, political, cultural and pedagogi-
dagógicas que nortearam as mudanças pelas cal conceptions that have guided the changes
quais passou a formação do oficial combatente through which the combating officer has gone
e as implicações decorrentes de tais processos, as well as the implications of such processes.
tendo como referências as diferentes sedes em Its reference basis are the different sites where
que ocorreu a formação do oficial combatente the training course for the combating officer of
do Exército Brasileiro. A partir de uma pesquisa the Brazilian Army took place. After an explora-
exploratória e de bibliografia pertinente, torna- tory research, the arising problems and the so-
ram-se evidentes, os problemas advindos e as lutions implanted to overcome the dichotomy
soluções implantadas para superar a dicotomia related to the officer training became evident.
no que se refere à formação do oficial. Assim, Therefore, the several reforms in the military
as inúmeras reformas no ensino militar realiza- education carried out by military leaders over
das pelos chefes militares, ao longo dos anos, the years had the objective of breaking such
tinham como objetivo romper com tal divisão e segregation and promote harmony between the
promover uma harmonia entre uma formação scientific academic training and the technical
acadêmico-científica e técnico-profissional. professional training.
Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 14, no 27, p. 131-144 – 2018. 131
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colônia era uma das preocupações primor- currículo proposto pelo Conde de Linhares,
diais da nova administração. Dentre as vá- dando à Academia uma composição próxi-
rias ações realizadas, a criação da Academia ma dos estabelecimentos de ensino euro-
Real Militar era fundamental para o ministro peus, com seus colegiados e seus mestres.
do Príncipe Regente, pois, segundo Motta O idealizador da Academia a via como um
(1998, p. 17), “era o fecho das providências “centro de altos estudos que dispensava as
a serem tomadas no sentido de reformar o pequenas regras e os pequenos hábitos da
Exército e dar-lhe disciplina e instrução”. rotina militar”.
A ideia da criação, na colônia, de um es- Estas diferenças de concepção, no que
tabelecimento superior de ensino com cur- diz respeito à instrução na Academia Mili-
sos completos de “ciências matemáticas e tar, seriam os fundamentos dos grandes
de observação” e de “ciências militares” não debates e das inúmeras reformas pelos
deixou de apresentar resistências. Oposi- quais passaria o ensino militar e, particular-
ções ao projeto derivavam de duas verten- mente, a formação do oficial do Exército ao
tes: uma educacional e outra política. longo desses dois séculos de existência. O
As necessidades impostas pelos novos conflito deu-se entre disciplinas científicas
tempos ao reino português superaram as e as disciplinas militares, entre a “teoria” e
desconfianças e as dificuldades e, em 4 de “prática”, entre uma escola para “doutores”
dezembro de 1810, o Príncipe Regente D. e uma escola para “soldados”. Contudo, ini-
João assinou decreto que aprovou o Estatu- cialmente, foi a visão que o seu idealizador
to da Academia Real Militar. Em 23 de abril estabeleceu o principal fator de apoio para
de 1811, iniciou o seu funcionamento em manter a Academia em funcionamento,
sede provisória na antiga Casa do Trem. No apesar das inúmeras dificuldades que iria
ano seguinte, assumiu sua sede definitiva passar nos seu primeiros anos. O planeja-
no Largo de São Francisco, onde permane- mento era ambicioso; a sua execução, no
ceria até 1874. (PERES: 2005, p. 9). entanto, defrontar-se-ia com a realidade
A Academia nasceu com dupla destina- sociocultural brasileira e com a cultura do
ção: escola militar e escola de engenharia. Antigo Regime português.
Formar militares, mas também engenhei- Um estudo sobre os generais da ativa
ros cuja missão era erigir obras de grande do império, da década de 1840, demonstrou
importância para a segurança e desenvol- que, dos 46 oficiais-generais do período,
vimento do império português e, particular- apenas nove haviam cursado a Academia
mente, o Brasil. Esta dualidade de funções Militar. (SOUZA: 2002, 161). Dentre os ex-
pesaria sobre a sua estrutura e regime e so- -alunos, estava Luis Alves de Lima e Silva, o
brecarregaria o currículo, dando margem a futuro Duque de Caxias, que cursou a Aca-
diversos debates ao longo de sua história. demia Real Militar entre os anos de 1818 a
Segundo alguns autores, tais como Mot- 1821. Esta presença de egressos da Acade-
ta (1998), o ponto fraco do primeiro estatuto mia dentro do Exército, inicialmente tímida,
estava na organização do comando e no re- passou nos anos seguintes, a aumentar.
gime escolar. A primeira reforma significativa aconte-
A direção da Academia era de competên- ceu em 1833, que do ponto de vista curri-
cia de uma junta militar, composta por cinco cular não apresentou alterações. Por con-
membros. Para o autor, seria complicada a seguinte, alterou expressivamente a rotina
organização de um comando nesses mol- administrativa da Academia. Os objetivos
des, que não se adequava ao estilo militar. dessa reforma eram evidentes: o regulamen-
Quanto ao regime escolar, o problema era to visava militarizar a formação dos oficiais
a ausência de internato e poucas regras dis- do Exército. Para a sua direção, foi extinto
ciplinares. A Academia nasceu com aspecto qualquer tipo de colegiado, que passou a
pouco militarizado: sem uniforme, sem for- ser exercido por um oficial egresso dos cor-
matura e sem a vida prática da caserna. pos científicos (Engenharia e Artilharia). Do
Portanto, tanto a direção da Academia regulamento, constava ainda a obrigatorie-
quanto o seu regime seguiam os padrões do dade aos alunos militares, do uso de unifor-
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mes e da participação em formaturas, bem Esse fato trouxe para a Escola Militar e
como a obrigação dos exercícios práticos, para dentro do Exército o que já estava arrai-
que eram realizados em diversos pontos da gado na vida brasileira, pois um “título” abria
cidade do Rio de Janeiro, ao final do ano le- caminhos na sociedade da segunda metade
tivo, onde os alunos executavam ou observa- do século XIX. Ao garantir prestígio social e
vam no terreno o que aprenderam na teoria. político, deixou de ser uma busca de conheci-
Inspirado no sistema de ensino utilizado mentos para ser um símbolo de pedantismo
na França, um novo regulamento é editado e ascensão social. Mesmo tendo aspectos
em 1839. O sistema francês era dotado de positivos, pois aumentou consideravelmente
duas escolas: uma Politécnica, para os estu- o número de alunos. Esta foi mais uma atitu-
dos científicos, e uma Escola de Aplicações, de contrária aos interessados em um ensino
para a consolidação dos conhecimentos voltado para a formação militar.
técnico-profissionais. Porém, a comissão Dessa forma, a formação do oficial, nes-
que planejou o novo regulamento concluiu ses primeiros 40 anos de ensino militar seria
que, para o Brasil, a existência de duas es- constituída de dois campos, sem nenhuma
colas era inviável. Seguindo ainda a inspi- vinculação entre si. De um lado, o ensino for-
ração francesa, a Academia passou a ser mal, ministrado na Academia em forma de
denominada de Escola Militar. No que se aulas, com preleção e livros sobre as ciên-
refere ao currículo, adaptou-se em uma úni- cias matemáticas e a teoria da guerra sobre
ca escola as atividades científico-acadêmi- batalhas e processos de combates vividos
cas e as técnico-profissionais. na Europa. Do outro, a formação fazia-se
No entanto, as reformas de inspiração com a participação nas guerras, nos comba-
francesa não duraram, pois dois regulamen- tes dos diversos conflitos que ocorriam de
tos editados em 1842 e 1845, respectivamen- norte a sul do império. A consequência des-
te, trouxeram novamente a desarmonia en- ses fatos foi o aparecimento de dois tipos de
tre o ensino profissional e o científico. Esses oficiais no Exército: o oficial acadêmico, co-
novos estatutos privilegiavam o ensino teó- nhecedor de teorias, egresso da Academia
rico e científico e elevavam para sete anos Militar, mas sem vivência profissional na ca-
o Curso de Engenharia e para cinco anos o serna; e o oficial tarimbeiro (termo derivado
Curso de Artilharia. Para os Cursos de Infan- da cama de campanha), formado na prática
taria e Cavalaria, foi adicionado um ano, que dos quartéis, egresso dos campos de bata-
passou a ser de três anos. Foram separados lha, mas com pouca instrução escolar.
o ensino científico do profissional, que de- A oportunidade das duas “escolas”
veriam ser ministrados em anos distintos e combaterem ombro a ombro e pôr à prova
não simultâneos como era anteriormente a sua eficiência logo surgiu, pois a década
previsto. A disciplina foi negligenciada e os de 1850 iniciou com um conflito de grandes
exercícios militares foram abolidos. proporções na região platina. Tropas brasi-
O ensino que predominou, durante a leiras, sob o comando de Caxias, combate-
década de 1840, foi o de cunho técnico- ram na Banda Oriental (Uruguai) e nas Pro-
-científico ou acadêmico em detrimento do víncias Unidas do Rio da Prata (Argentina),
profissional-militar. Em muitos aspectos, foi a guerra contra os ditadores Uribe e Ro-
principalmente os relacionados ao conteú- sas (1851-1852). Das experiências colhidas
do, a Escola Militar voltou a ser como fora nos campos de batalha, dois testemunhos
concebida em 1810. O fosso entre o ensino refletem a complexidade do ensino militar.
teórico das ciências e o prático da guerra foi O ministro da Guerra, preocupado com os
ampliado em 1844, com a introdução do ba- problemas enfrentados pela formação do
charelado. Criou-se o grau de bacharel para oficial, frente ao horizonte que se descorti-
quem concluísse o curso de sete anos e o nava na região do Prata, escreveu no ano de
de doutor em ciências matemáticas para os 1851, em seu relatório, que a “Escola Mili-
alunos que atingissem todos os requisitos tar possuía todos os elementos para fazer
previstos. Nasceu então, o híbrido bacharel- sábios, porém poucos para formar oficiais”.
-militar ou doutor-militar. Um militar alemão, que participava da guer-
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ra contra as províncias Unidas do Prata, o conceito de que a carreira das armas exige
relatou que “no Exército Brasileiro impera- estudos sistematizados e dependentes da
vam o despreparo técnico e a ausência de realização de cursos regulares.
conhecimentos profissionais, com exceção Outra parte da solução, de importân-
do pequeno grupo de oficiais formados na cia fundamental na reforma estrutural do
Academia”. (MOTTA, 1998, p. 101). ensino militar, aconteceu com o desdobra-
O ministro da Guerra, em sua fala, de- mento da Escola Militar em duas. Em 1855,
monstrou preocupação com o currículo da instalou-se, na Fortaleza de São João, na
Escola Militar, que não oferecia condições cidade do Rio de Janeiro, a Escola de Apli-
ideais para a formação do profissional das cação. O Exército cumpriu o que havia sido
armas. No entanto, por meio do olhar apura- idealizado no regulamento de 1839, no qual,
do de um europeu, acostumado a conflitos seguindo o modelo francês, a formação do
de grande envergadura, foi possível perce- oficial dava-se em duas escolas, uma volta-
ber que os oficiais “acadêmicos” possuíam da para o ensino científico, e outra para a
características necessárias para o comando formação profissional.
da guerra moderna, pois a batalha é apenas Os alunos eram matriculados no Largo de
o final de toda organização, que começa São Francisco e após seguiam para a Praia
com a mobilização, deslocamento e concen- Vermelha. Os destinados para a infantaria e
tração das tropas, que envolve problemas de cavalaria frequentariam o 1o ano da Escola
planejamento, administração e logística, em Militar e o 1o ano da Escola de Aplicações, já
que só a coragem não é suficiente. os de artilharia e engenharia cursavam am-
Dessa forma, os problemas da formação bas as escolas, durante os anos que eram
do oficial precisavam de soluções imedia- previstos para sua formação; em uma, as-
tas. De um lado, seria necessário modifi- similando os conhecimentos teóricos e em
car o ensino na Escola Militar, propiciando outra, aplicando-os nos exercícios práticos.
ao oficial concludente uma formação mais Assim, a Lei de Promoções e seu Regu-
técnico-profissional. Do outro, proporcionar lamento de 1851 e a criação da Escola de
condições para que os tarimbeiros adquiris- Aplicação foram soluções modernizadoras
sem uma formação mais qualificada. encetadas no seio do Exército. Os chefes
Assim, na década de 1850, surgiram al- militares de então conseguiram a profissio-
gumas soluções para enfrentar os proble- nalização do ensino que “a velha Academia
mas da formação militar do oficialato. de 1811” não conseguira, procurando har-
A questão começa a ser resolvida a partir monizar o ensino científico das ciências ma-
de 1850, com a Lei de Promoção e seu regu- temáticas com a prática da profissão militar.
lamento. Essas normas determinavam que Entretanto, a Escola Central permaneceu
só ascenderiam ao posto de capitão os ofi- funcionando durante a Guerra da Tríplice
ciais que possuíssem o curso completo dos Aliança (1865-1870), enquanto a Escola de
estudos de sua respectiva arma, ainda que Aplicação cerrou suas portas. Assim, sem os
fossem habilitados na vida arregimentada, alunos militares, a Escola Central foi se des-
ou seja, que, além do curso, tivessem tam- ligando do Exército. A modernização da vida
bém capacidade profissional em relação à brasileira exigiu a formação de engenheiros
vida castrense. civis e desobrigavam a velha sede do Largo
A Academia seria então a porta única de São Francisco das contingências da dis-
para o ingresso no oficialato, sendo o fim ciplina e das imposições do regime militar.
do oficial tarimbeiro. Porém, tal atitude so- No ano de 1874, após 63 anos de traba-
fre reações, pois a necessidade de oficiais lho, a sede do Largo do São Francisco foi
e os serviços que os tarimbeiros prestaram transferida para o Ministério do Império,
ao longo dos anos, nos distantes rincões do com o nome de Escola Politécnica, tendo
Brasil não poderiam ser desprezados e, es- por incumbência a formação dos engenhei-
pecialmente, porque ia de encontro à tradi- ros civis. A Escola Militar da Praia Vermelha
ção que havia formado gerações de oficiais. passou a ser a única responsável, pela for-
De qualquer forma, com esta atitude, cria-se mação de oficiais combatentes.
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sociais condignos e fez importantes refor- geiros nas escolas de formação. As primei-
mas no prédio da Escola, melhorando o ras mudanças no ensino da Escola Militar
ambiente de convívio do cadete. Criou o De- ocorreram com a difusão e a utilização dos
partamento de Educação Física e o Departa- manuais norte-americanos, por meio de
mento Hípico, reforçando a necessidade de, traduções emergenciais. Assim, muitas ino-
ao lado da conduta moral; uma higidez física vações de metodologia, surgiram depois da
para o futuro oficial. Mas, o maior legado do Segunda Guerra Mundial e, em sua maioria,
Marechal José Pessôa seria a transferência foram implantadas nas escolas militares.
da Escola Militar para a Cidade de Resende. No ano de 1951, por meio de um decre-
Retirar a formação do oficial da Cidade do to, a Escola Militar de Resende passaria a
Rio de Janeiro, onde o Cadete se encontra- se chamar Academia Militar das Agulhas
va exposto às influências políticas e sociais, Negras (AMAN). Completa-se assim, a obra
era um objetivo há muito ambicionado. do Marechal José Pessôa, que distinguia no
O ano 1944 representou o último de fun- nome da Academia também um importante
cionamento da Escola Militar no Realengo, e signo a auxiliar na formação integral do ofi-
o primeiro ano da Escola Militar de Resende. cial, pois o perfil estilizado do maciço das
No ano anterior, a Escola teve 1.036 cadetes, Agulhas Negras já se encontrava no brasão
um número recorde de alunos frequentando do Corpo de Cadetes, desde o ano de 1931.
os cursos. O regulamento em vigor datava Na década de 1950, o ensino na AMAN
de 1942. A estrutura do currículo, em linhas sofreu algumas modificações. Por conta do
gerais, acompanhava o que vinha sendo fei- desenvolvimento tecnológico ocorrido após
to desde 1924 e tinha por finalidade instruir a Segunda Guerra Mundial, o ensino técni-
os oficiais nas técnicas de comando das co-científico e de formação de engenheiros
frações e informar-lhes sobre as principais voltou novamente a ter destaque no âmbito
questões de ordem política, econômica, so- da Academia. No ano de 1953, foi criado o
cial, histórico-geográfica e técnica, referen- curso Inicial de Formação de Oficiais Técni-
tes à preparação e à execução da guerra. cos, com a finalidade de preparar os futuros
Indicava, ainda, uma didática da instrução alunos da Escola Técnica do Exército, onde
profissional basicamente objetiva e, como o seriam formados os engenheiros militares.
processo mais adequado, o Exercício Tático, Nos anos que se seguiram, foram propostos
baseado no terreno e representado em carta os cursos de Técnica Industrial, Geodésia e
topográfica. Esse regulamento incorporou Topografia. Tais inovações conduziriam a pro-
parte das experiências dos oficiais brasilei- fundas e radicais transformações na estrutu-
ros que estagiavam no Exército dos Estados ra da Academia e nas atividades de ensino.
Unidos a partir do início da Segunda Guerra Os chefes militares, atentos aos prejuí-
Mundial, passando a enfatizar a utilização zos para a prática castrense e à formação
dos meios auxiliares de instrução. Os cursos profissional, caso fosse ampliado o número
foram estruturados em um segmento funda- de cursos, minimizaram as alterações. Hou-
mental, a ser realizado em um ano, e outro ve apenas a criação do curso Básico, do cur-
profissional, com a duração de dois anos. so de Comunicações e do curso de Material
No ano de 1945, um novo regulamento, o Bélico, que iniciaram as suas atividades no
primeiro da nova escola, institui o Curso de ano de 1959.
Intendência, como um reflexo direto da ex- Na década de 1960, os conflitos políticos-
periência da Segunda Guerra Mundial, pois -ideológicos ficam mais nítidos no Brasil.
as operações de grande envergadura, tanto Grupos guerrilheiros, de inspiração marxis-
no tempo quanto no espaço, desdobraram ta-leninista, criaram focos de guerrilha na
uma cadeia logística até a frente de comba- cidade e no campo. Essas condições impli-
te, introduzindo o oficial intendente no cam- cariam a elaboração de uma estratégia dou-
po tático. No entanto, só após o retorno da trinária para lutar contra esse novo inimigo.
Força Expedicionária Brasileira teria início, Os currículos da AMAN na década de
de forma concreta, a influência norte-ame- 1960 e 1970 sofreram modificações por in-
ricana, pois não houve instrutores estran- fluência da conjuntura política e militar em
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que vivia o Brasil. Na reforma de 1964, a década de 1980, na Academia foram reali-
duração do Curso Básico passou para dois zadas pequenas alterações curriculares,
anos, elevando assim a formação total para visando à atualização do ensino frente às
quatro anos. Foram inseridas no currículo novas necessidades do Exército.
as disciplinas de Informação e de Guerra Nos anos de 1980, valorizou-se o ensino
Revolucionária e estudadas as operações de idiomas, visando um maior intercâmbio
de defesa territorial e de segurança inter- com outros países e suas Forças Armadas.
na. Nesse processo, também foi criado na Em 1987, foi criado o Curso Avançado, com
Academia, em 1968, o Departamento de Ins- a duração de um ano, e cursado pelo cadete
trução Especial (DIEsp) com a responsabili- no segundo ano de sua formação. A implan-
dade de ministrar a disciplina de Instrução tação do novo curso ocorreu em 1989 e, a
Especial, cuja finalidade foi adestrar o cade- partir de então, o Curso Básico permaneceu
te na guerra contrarrevolucionária. com duração de um ano, e os cursos das
O novo currículo estabeleceu a divisão Armas, Serviço e Quadro voltaram ser reali-
das disciplinas em dois campos: o profis- zados em dois anos.
sional e o universitário. Tal divisão ficaria Em 1988, impulsionada pela projeção do
mais percebida em 1967, quando os cursos, Exército para o século XXI, a AMAN sofreu
que eram subseções da Divisão de Ensino, mudança organizacional, e suas instalações
passaram para a subordinação do Corpo de foram ampliadas. Foram construídas novas
Cadetes que teve então a responsabilidade alas para alojamentos, um refeitório idênti-
de gerenciar e executar as disciplinas ine- co ao original já existente, um teatro com
rentes ao ensino profissional. capacidade para 2.850 pessoas, parques de
As reformas posteriores foram supervi- instrução para os cursos Básico e Avançado
sionadas pelo Centro de Estudos do Pessoal e para a Seção de Instrução Especial, uma
(CEP), criado em 1968, que passou a orientar nova biblioteca, um novo Pátio de Formatu-
a elaboração técnica dos currículos e progra- ras, instalações para as atividades adminis-
mas. Surgiram, assim, os Planos de Matérias trativas e de apoio ao ensino e um moderno
(PLAMA) e Planos de Unidades Didáticas Polígono de Tiro, dotado de meios neces-
(PUD). Ao mesmo tempo foi implantada uma sários ao apoio dessa importante atividade
moderna metodologia para a redação de ob- de ensino. A ampliação visava a atender ao
jetivos específicos e gerais de unidades didá- aumento do efetivo de cadetes para os anos
ticas e de disciplinas, alcançando resultados que se seguiram.
satisfatórios no processo ensino-aprendiza- No âmbito curricular, na década de 1990,
gem. Também novos órgãos de gestão do iniciou-se no Exército o processo de moder-
ensino foram criados no Exército, aos quais, nização de ensino. Esse processo foi motiva-
a Academia passou a se subordinar. Foram do pela constatação da acelerada evolução
criados, no início da década de 1970, o De- científica e tecnológica que proporcionou
partamento de Ensino e Pesquisa (atual De- um maior acesso à informação e ampliou os
partamento de Educação e Cultura do Exér- debates entorno do conceito de educação
cito) para coordenar toda a área de ensino e militar. Em 1995, o Departamento de Ensino
a Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento e Pesquisa (atual DECEx) constituiu o Grupo
(atual Diretoria de Educação Superior Militar) de Trabalho para o Estudo da Modernização
que passou a coordenar, diretamente, as ati- do Ensino (GTEME), que enfocou o ensino
vidades de ensino da Escola. como um processo em contínua evolução,
Na década de 1970, a principal modifica- induzindo à adoção sistemática de novos en-
ção curricular da AMAN, ocorreu na duração foques pedagógicos. Com o processo de Mo-
dos cursos das armas, quadros e serviços dernização de Ensino, o militar é ensinado e,
que, de dois anos, passaram para três, sen- como escreveu Ruas Santos (1998, p. 372),
do que a duração do curso básico foi reduzi- a ser comprometido com seu “autoaperfei-
da em um ano. No quarto ano, passaram a çoamento e estimulado a atuar na complexa
ser realizados estágios de complementação realidade que o cerca por meio da pesquisa,
e aplicação de conhecimentos. Ao longo da interação profissional e tecnológica”.
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rada por vários órgãos, que são criados pela são do Exército Brasileiro da atualidade,
necessidade imposta pela complexidade do mantém ainda o papel de protagonista nas
mundo moderno. Assim, são tais órgãos ações educacionais. Também está plena-
que definiram a política educacional, um mente comprometida com o constante de-
exemplo é a modernização do ensino. senvolvimento de métodos e técnicas com
Tal processo teve a finalidade de aproxi- o objetivo de aprimorar a formação inicial
mar a formação do oficial combatente do do líder militar. Assim, um novo período na
meio acadêmico brasileiro, não apenas na formação dos oficiais combatentes do Exér-
metodologia de ensino-aprendizagem, mas cito começa a se estabelecer, consoantes
também consoante a pesquisa e ao desen- com as palavras do Coronel Ruas Santos: “o
volvimento do pensamento científico. Exército Brasileiro deixa para trás a falsa e
Desta forma, a Academia Militar, ao contraproducente dicotomia bacharéis-ta-
iniciar o século XXI, e sendo a herdeira de rimbeiros completamente anacrônica numa
dois séculos de educação militar, apesar sociedade complexa e moderna como a bra-
da complexidade, do tamanho e da dimen- sileira”. (SANTOS: 1998, p. 373).
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