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Apresentação
No texto abaixo, os diversos pares de diálogos, apenas somados uns aos outros,
poderiam parecer desconexos, não-coesos, porque misturam temáticas completamente
distintas, ou porque constituem uma sucessão de perguntas variadas com respostas
prontas:
( ) TROCADILHOS
Mas o tópico geral, declarado no título “trocadilhos”, une a todos eles e prepara o
leitor para o que se pode esperar do conteúdo: jogos de palavras, não-informativos, com
o propósito de divertir. Esse pressuposto é indispensável à coesão entre os trocadilhos,
de modo a ligar coerentemente os conteúdos díspares num conjunto com o mesmo
objetivo lúdico. A disposição das frases no cotexto, o conhecimento que se tem do
gênero trocadilho, a veiculação pela internet para inúmeras pessoas a um só tempo, os
recursos estilísticos de descontruir e reconstruir vocábulos, ressignificando-os, todos
esses fatores, aliados à prática social de divulgar textos humorísticos pelo meio digital,
estabelecem a textualidade e favorecem a construção da coerência pelos participantes da
comunicação.
É, pois, dentro de uma enunciação mais ampla, incluindo a dimensão discursiva,
que situamos nosso ponto de vista sobre a referenciação: dentro de um conceito mais
estendido de enunciação, que, como dizem Charaudeau e Maingueneau (2004), pertence
a um nível global, pensado em termos de cena de enunciação, de situação de
comunicação, de gênero de discurso” (p. 195).
Retornando às origens: quem já estudou o fenômeno da referência?
“Denotação de uma unidade léxica é constituída pela extensão do conceito que expressa o seu
significado. Por exemplo, sendo o signo cadeira uma associação do conceito ‘móvel de quatro pés, com
assento e encosto’ e da imagem acústica [kadeyra], a denotação será: a,b, c... n são cadeiras.” (DUBOIS
et al., 1993)
de tipos diferentes. Um nome próprio, por exemplo, se refere a um
indivíduo. Um nome comum, por sua vez, parece se referir a uma classe
de indivíduos: o nome comum cavalo se refere à classe dos cavalos
[grifos nossos].
2
Uma tese também não-relativista é defendida pela tradição; muda, todavia, a noção do que são os
universais. Como bem diferencia Araújo (2004, p.23): “Os universais são, na tradição do platonismo,
entidade com realidade ontológica independente da mente que os pensa, representam a verdadeira
realidade. Já a tradição aristotélica é seguida pelos conceptualistas (...). Os universais são abstrações
mentais, conceitos abstratos acerca das coisas individuais e concretas. Para os nominalistas, os universais
não ‘existem’, são nomes que sequer precisam de entidades abstratas para contê-los.(...) Para Occam
(1300-1349), os universais estão na mente não enquanto substâncias, e sim enquanto formas. O
nominalismo lançou profundas raízes na história do pensamento ocidental. A moderna filosofia da
linguagem tem em Quine um dos principais defensores do nominalismo, para quem os conceitos referem
não pela relação com as coisas, mas devido a certas relações que as classes estabelecem”.
imperfeito ou fictício, pois essas coisas pertenceriam ao mundo do sensível, das
aparências, tão fortemente defendidas pelos sofistas.
Qual o papel da linguagem (e dos significados) dentro das idéias de Platão? De
acordo com Martins (2004), para Platão também a linguagem exige que se pense a
verdade (o real) como tendo existência própria, independente. “O que parece se impor
nessa forma platônica de pensar a linguagem é, em suma, que se compreenda o sentido
de um enunciado como a parcela da realidade, o estado de coisas, que ele, por si mesmo
e de forma objetiva, se destina a descrever” (MARTINS, 2004, p.458). A função da
linguagem seria descrever e representar o real, informar sobre as entidades, mas não as
coisas aparentes e instáveis e sim, a essência das coisas, num plano virtual das idéias.
Assim, as palavras de uma língua - não importa qual língua seja - devem representar
“entidades extralingüísticas universais, autônomas e transcendentes” (MARTINS, 2004,
p. 461) .
Contrapondo-se a essa orientação realista da significação, os sofistas diriam que
os sentidos da linguagem deveriam incluir a subjetividade de quem os diz, seus
propósitos enunciativos, suas experiências de vida dentro de uma determinada cultura e
de uma dada circunstância histórica.
A visão realista (e essencialista) de Platão se prolongou, em alguns aspectos, no
ponto de vista de Aristóteles, sobretudo quanto ao princípio de que as formas
(essências) do sentido na linguagem são universais, exteriores aos indivíduos e
autônomas em relação a eles, e quanto à idéia de que a linguagem representa
objetivamente diferentes realidades subjetivas.
Mas, enquanto que, para Platão, as entidades (podemos dizer: os objetos
denotados) eram abstrações universais e eternas, para Aristóteles eram as próprias
coisas da realidade, as quais afetavam o espírito de modo semelhante (universal) para
todas as pessoas. A linguagem era constituída de símbolos que representavam essas
afecções da alma ante o real. A linguagem correspondia, assim, à capacidade racional
do homem. Comparando os dois filósofos, Martins comenta:
( ) From: E F [mailto:elir@ims.uerj.br]
Sent: Tuesday, May 18, 2004 1:13 PM
To: A. S. CVL@yahoogroups.com
Subject: Re: [CVL] Ainda o racismo
A,
Estamos todos sem a resposta, pois a resposta está em construção. O "sistema"
(entendido aqui como "o governo") criou as cotas (e criará sempre) sem uma discussão
maior, pois está "cumprindo" seu papel em querer manter o status quo, ou baixar o nível
desse status quo para maior conveniência. Poder é poder. A minha proposta é
exatamente esta: se o discurso sobre as cotas começou mal, então vamos endireitá-lo.
Assim, a resposta virá, mesmo que não seja a que gostaríamos que fosse. A circulação
da discussão tem certamente um poder transformador. (COSTA, 2007, p.161).
O amor
"O amor não é algo que o faz sair do chão e o transporta para lugares que você nunca
viu. O nome disso é avião. O amor é outra coisa." (..)
"O amor não é uma coisa que te faz perder a respiração e a fala. O nome disso é
bronquite asmática. O amor é outra coisa."
"O amor não é uma coisa que chega de repente e o transforma em refém. Isso se
chama seqüestrador. O amor é outra coisa."
(...) "O amor não é uma coisa que desapareceu e que, se encontrado, poderia mudar o
que está diante de você. Isso se chama controle remoto da TV. O amor é outra coisa."
(piadas divulgadas pela internet).
Conclusão:
Significado e referente não são a mesma coisa.
Sentença e enunciado também não são a mesma coisa.
O significado e a função sintática de um termo comporiam a sentença; o emprego
real da expressão constituiria o enunciado. Olhar para os significados dos vocábulos,
para as funções morfológicas, morfossintáticas e sintáticas, para a organização
estrutural da oração, por exemplo, era ocupar-se do estudo da sentença. Examinar todas
essas relações formais e funcionais considerando o uso era preocupar-se com o
enunciado, contemplando, assim, aspectos pragmáticos.
Foi com o filósofo Donnellan, porém, que se chegou a uma distinção que havia
sido negligenciada pelas propostas anteriores e que influenciaria todo o pensamento da
Teoria dos Atos de Fala, permanecendo como um pressuposto para vários estudos
lingüísticos ainda hoje: a diferença entre função atributiva e função referencial.
Tratando, especificamente, de descrições definidas, Donnellan alertou para o perigo de
se confundirem dois empregos – para ele, excludentes – dessas expressões definidas: o
uso atributivo e o uso referencial. Haveria uso referencial quando a descrição definida
nos permitisse selecionar (identificar) algo ou alguém. Era exatamente o que Strawson
tratava como referência. Já o uso atributivo não teria por função identificar um objeto,
mas predicar sobre ele, dar-lhe um atributo.
Chierchia (2003, p. 243-4) explica a oposição entre uso atributivo e uso referencial
simulando uma situação em que um homem chamado Léo se encontra numa festa,
tomando uma bebida parecida com martíni. Imagine-se, diz o autor, que Hugo,
acenando com a cabeça na direção de Léo, diz a Lea: “O homem que está bebendo
martíni é louco”. Na verdade, o homem (Léo) num cantinho da festa nem estava
bebendo martíni, mas água, e Lea sabia disso, porém entendeu, assim mesmo, que Hugo
se referia a Léo. Este seria um uso referencial da descrição definida “o homem que está
bebendo martini”, pois foi empregada para levar o ouvinte a identificar o referente Léo
nessa situação.
O uso atributivo se contrapõe a este porque não é utilizado para orientar o
interlocutor a reconhecer uma determinada entidade, mas para apresentar algum atributo
desse referente. Para ilustrar o contraste entre as duas situações, Chierchia imagina uma
outra circunstância em que um dos participantes presentes a uma festa descobriu que
alguém, movido por um sentimento de vingança, trocara todos os martínis por veneno,
com exceção do próprio copo dele. Se enunciarmos a mesma frase “O homem que está
bebendo martíni é louco”, a descrição definida já terá sido utilizada com outro
propósito, que não o de dar pistas para a identificação do referente. Aqui, o objetivo é
expressar que o único homem que estiver bebendo martíni (quem quer que ele seja) só
pode ser louco, para estar querendo envenenar todo mundo; a intenção, portanto, é
atribuir predicados a esse referente já instituído.
Pensemos em mais este exemplo: A política protecionista do atual governo é
prejudicial à população. Com a descrição definida “a política protecionista do atual
governo”, não se tem a intenção de exigir que o leitor identifique o referente aí expresso
(pois já se supõe que ele seja conhecido, dado, porque o referente de “a política do
governo atual” já faz parte do conhecimento compartilhado entre os membros de nossa
comunidade). Assim, o objetivo de nomear a expressão dessa maneira não é de levar o
leitor a reconhecer, em meio a outros, esse referente, que já se supõe conhecido, mas,
sim, tachá-lo de “protecionista”, para atribuir-lhe o predicado “prejudicial à população”.
Por isso se enquadraria entre os casos que Donnellan teria provavelmente classificado
como um uso atributivo.
Se se dissesse, por outro lado, O atual governo do Brasil tem uma política
demagógica, o propósito seria, com a descrição definida “o atual governo do Brasil”,
conduzir o interlocutor a identificar, dentre os referentes possíveis, o governo do Brasil,
não de outro país, e no momento atual, não em outra época. Neste caso, haveria um uso
referencial da expressão.
Como bem explica Araújo (2004), a idéia de que a referência só pode ser realizada
em enunciados, bem como a distinção entre uso referencial e atributivo, passaram a ser
sustentadas, depois, dentro da Teoria dos Atos de Fala, que instaurou definitivamente os
estudos da Pragmática na Lingüística.
De todo esse percurso que vimos fazendo, é importante guardar que a noção de
referente de que trata a Lingüística do Texto hoje, como um objeto criado no e pelo
discurso, não é a mesma de que se falava na filosofia da linguagem, como uma entidade
correspondente às coisas do mundo. Mostraremos, a seguir, como a separação entre uso
referencial e atributivo chegou à Lingüística de um jeito diferente: com uma associação
a fatores estruturais.
A diferença entre uso atributivo e uso referencial entrou nos estudos lingüísticos
quase sempre relacionada a estruturas gramaticais. A função atributiva, opondo-se à
função referencial, costuma estar atrelada, em descrições de direção funcionalista, à
estrutura argumental dos predicados, quer dizer, à relação entre um verbo ou nome
predicador e os elementos nominais exigidos ou não por eles.
Observemos no trecho de um conto, abaixo, como os termos grifados podem
apresentar um uso atributivo:
Construir um referente não requer, para nós, que ele seja explicitado por uma
expressão referencial; assim como colaborar para o acréscimo de predicativos a um
objeto de discurso não exige que, para isso, se tenha necessariamente um predicado, ou
uma função sintática que cumpra uma função atributiva predeterminada. Não falaremos,
pois, de usos considerados como referenciais ou como atributivos tendo em vista a
descrição estrutural do enunciado em que se inserem. É bastante freqüente – e
esperável, diríamos – encontrarmos sobrepostas as duas operações: de referência e de
acréscimo de atributos, condição essencial para que se processe a progressão referencial
(e temática), que dá unidade de coerência a um texto. Eis por que, em muitos casos,
Schwarz (2000) fala de “tematização remática”, sempre que constata essa duplicidade
de funções.
Algumas evidências interessantes desses usos se verificam em certos empregos de
expressões indefinidas, como bem demonstrou Cunha Lima (2004). Koch (2002a),
retomando Schwarz (2000), analisa algumas situações de uso da expressão indefinida,
em que referência e atributo se amalgamam numa tematização remática, e conclui essa
duplicidade provavelmente se explica pelo fato de as expressões referenciais nominais,
em geral, exercem, simultaneamente, duas funções cognitivo-discursivas, pois reativam
referentes já presentes na memória discursiva e introduzem novas predicações a respeito
deles (KOCH, 2002b, p.3).
A autora comenta o seguinte exemplo de Schwarz, em que a expressão anafórica
exerce muito mais a função de focalizar um atributo do que de identificar um referente
dentro da cadeia coesiva do texto:
( ) A velha senhora desaba sobre a cadeira da cozinha. E quando sua amiga
chega, não encontra a avozinha, mas um montinho de infelicidade, uma coisinha
danificada e confusa. (adaptado de Schwarz, 2000, p.59).
De acordo com Koch, Ilari questiona se, para que expressões como “um grave
problema” sejam classificadas como anafóricas, bastaria argumentar, por exemplo, que
o indefinido um poderia ser permutado pelo demonstrativo esse – esse grave problema -
, sem que isso acarretasse alterações ao processo; ou que a expressão poderia ser
retomada no cotexto subseqüente por o problema, esse problema etc., formando, assim,
uma cadeia coesiva, que asseguraria a natureza referencial. Em outros termos, “um
grave problema” teria uso referencial anafórico porque poderia ser substituído e
retomado depois por “o problema, esse problema”.
Não pensamos que o cerne da questão de se tratar ou não de um uso referencial
anafórico resida na forma de manifestação do referente, mas o fato de a entidade poder
ser retomada no texto posteriormente nos parece um argumento forte para o caráter
referencial dessa expressão indefinida. Não se trata simplesmente de recorrer à
substituição do artigo indefinido pelo demonstrativo, pois não é a expressão em si, e
suas restrições formais, que vai determinar o aparecimento de um objeto de discurso. O
referente atinente a “uma questão social” já vinha sendo, na verdade, introduzido aos
poucos, e a ele foram sendo acrescidas outras nuances que permitiram ao enunciador
homologá-lo como “um grave problema”.
Koch defende que se verifica, neste caso, uma transformação – chama-se
recategorização – do referente de “uma questão social” em um grave problema, que
expressa o ponto de vista do enunciador sobre o objeto construído. Este pensamento
converge para as observações que temos feito até agora sobre o processo contínuo de
reconstrução da referência. Como bem observa Koch:
A opção pelo indefinido deve, pois, ter uma razão de ser: talvez o
enunciador tenha preferido a expressão indefinida para enfatizar a sua
avaliação de que a forma como a questão social está sendo tratada pelas
autoridades constitui um grave problema que poderá se perpetuar. O
emprego de esse grave problema parece pressupor que os co-
enunciadores já partilhavam a idéia de que o problema existia. (KOCH,
2002b, p.125)
Não importa, portanto, que dadas expressões se encontrem em posições sintáticas
predicativas, pois
Com todas essas ponderações, não queremos, todavia, negar que os referentes,
ou objetos de discurso, sejam mais apropriadamente manifestados por certas formas que
a língua disponibiliza, como os sintagmas nominais (SN) definidos, indefinidos e
demonstrativos, como os pronomes e os nomes próprios, pois, como o admite Charolles:
Os nomes próprios, os SN definidos, demonstrativos, indefinidos e
os pronomes não esgotam o estoque de expressões referenciais que o
francês põe à disposição dos locutores, mas estas formas muito utilizadas,
às quais é necessário notadamente acrescentar os possessivos e os SN sem
determinantes, permitem responder a uma gama ampla de situações e de
intenções comunicativas. Eles oferecem aos sujeitos que as utilizam a
possibilidade de explorar e de acrescentar dimensões do contexto que são
bem mais sutis do que possamos imaginar. Essas dimensões incluem
traços materiais e psíquicos que preexistem à comunicação, como a
presença ou não de referentes no contexto de enunciação, mas também,
em certo sentido sobretudo, os traços imateriais como a atenção que os
interlocutores podem já ter dado ou não ao referente visado, a
representação que eles podem ter deles, as intenções referenciais que
podem se atribuir mutuamente etc. (CHAROLLES, 2002, p. 241-2).
Apenas rejeitamos a idéia de que tais formas, e as funções sintáticas que elas possam
preencher dentro de proposições, sejam obrigatoriamente referenciais ou não-
referenciais, independentemente de seus usos. Os processos referenciais resultam, a
nosso ver, de uma conjunção de vários fatores, que não dependem exclusivamente de
imposições de ordem gramatical. Em consonância com Apothéloz (2001), diremos que
construir um referente envolve um processo cognitivo e social de interação e de
atenção. De interação porque, como mostramos acima, só se pode tratar de referência
dentro de situações efetivas de comunicação, não importa que não sejam interações
face-a-face. De atenção conjunta porque os participantes da comunicação se voltam, por
meios diversos, lingüísticos e não-lingüísticos, gestuais ou não, para cada entidade que
estiverem focalizando durante essa interação.
Este pensamento está em harmonia com as idéias de Ariel (1996), como explica
Costa (2007), para quem as expressões referenciais constituem apenas instruções ao
destinatário de como este deve recuperar da memória parte de uma determinada
informação. Elas indicam quão acessível está esse pedaço de informação no discurso.
Além de exercerem essa função de orientar o co-enunciador, elas ainda contribuem para
a identificação do referente de outro modo: pelo próprio conteúdo informacional que
comportam, geralmente.
Não existe uma associação previamente determinada entre as formas de
expressões referenciais e os “lugares” de onde provém a base de conhecimentos
relevantes para a identificação dos referentes. Conforme explica Ariel, não se deve
supor que os nomes próprios, por exemplo, sejam as formas mais apropriadas para a
recuperação de informações enciclopédicas, ou que os demonstrativos sejam os mais
indicados para a identificação de objetos salientes no ambiente físico, nem que os
pronomes pessoais só remetam a algo presente no contexto lingüístico precedente.
Conclusão:
Não se pode, a priori, estabelecer uma relação fixa entre formas de expressão
referencial e tipos de campos de onde se origina a informação que elas veiculam.
Os enunciadores não instruem os co-enunciadores a recuperarem os referentes
pela alusão à sua origem “geográfica”, mas sim, pela “sinalização”, também através das
expressões referenciais (mas não somente por meio disso), de como esses referentes
podem estar mais, ou menos, acessíveis para eles.
PARTE II – O que dizemos hoje sobre o referente
( ) CERVEJA
Motivo de polêmica
A Schincariol lança neste mês no Nordeste a lata de Nova Schin com uma tampa
protetora de alumínio. A solução, que outras empresas já usam, é motivo de uma
pequena guerra no setor: o sindicato que reúne a Ambev e a Femsa fez campanha
publicitária contra. Alegou que esse tipo de embalagem não protege contra a formação
de bactérias. Uma liminar na Justiça proibiu a campanha.
(nota – revista Veja, 07/05/2008)
( ) A energia do Shiatsu
Há séculos que os japoneses recorrem aos benefícios dessa massagem, que usa a
pressão (atsu) dos dedos (shi) para aliviar tensões e dores de cabeça. Segundo o
terapeuta Kioshi Kikuto, do Rio de Janeiro, a técnica chegou aqui com os imigrantes
japoneses, que aplicavam a massagem entre si para amenizar as dores causadas pelo
trabalho na lavoura. Nesses 100 anos, o shiatsu sofreu algumas adaptações: “No Japão,
a pressão dos dedos é maior e mais pontual; aqui é comum associar técnicas de
alongamento e relaxamento na mesma sessão”, diz Carla Godinho, professora de
terapias corporais do Senac de Fortaleza. Para ter certeza de que a massagem foi bem-
feita, Kioshi ensina: “A primeira sensação é de dor, seguida por um enorme conforto.
Desconfie se sentir apenas uma coisa ou outra”. (revista Cláudia, maio de 2008)
Recapitulando
Continuidade não significa obrigatoriamente manutenção de um mesmo referente.
Quando o mesmo referente é retomado, dizemos que a anáfora é correferencial. Mas
nem toda continuidade, ou seja, nem toda anáfora, é correferencial, porque nem todas
retomam o mesmo objeto de discurso. Quando acontece de não haver
correferencialidade, a continuidade se estabelece por uma espécie de associação que os
participantes da enunciação elaboram por inferência.
( ) que será
que tem lá embaixo
que a pedra tomba
tão fácil? (La vie en close, de Paulo Leminski)
Kleiber observa que as entidades dos anafóricos associativos meronímicos não são
referencialmente autônomas, como “asa” e “xícara”; “direção” e “carro”; “aço” e
“panela”; “porcelana” e “vaso”. Os segundos referentes são, com efeito, partes
constitutivas de suas fontes. Ao contrário disso, os anafóricos associativos locativos têm
independência referencial, porque sua existência não se prende à existência da outra
entidade. O exemplo prototípico, para o autor, seria este:
( ) “Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias.
Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam
que o barco não estava lá.” (MARCUSCHI, 2005, p.53)
( ) Auto-retrato
Luiz Paulo Kowalski
Em dezembro de 2005, aos 48 anos, o cirurgião Luiz Paulo Kowalski, do Hospital
do Câncer, em São Paulo, um dos maiores especialistas em tumores de cabeça e de
pescoço do país, descobriu por acaso um nódulo na parótida direita, uma das
glândulas produtoras de saliva. A cirurgia para a retirada do tumor deixou o médico
com parte do rosto paralisada. A experiência de enfrentar como paciente uma
enfermidade na qual é especialista fez com Kowalski mudasse radicalmente sua postura
perante os doentes. “Minha doença me fez um médico melhor”, disse ele à repórter
Adriana Dias Lopes.
Qual foi a principal lição que o senhor tirou de sua experiência?
Ganhei uma obsessão: ser absolutamente honesto com o paciente. Ou seja, não me
limito mais a fazer um relato sobre a doença e seu prognóstico. O que isso significa? Se
o doente corre o risco de ficar com paralisia facial depois de uma cirurgia, não digo
apenas que ele poderá ter dificuldade para comer, como fazia antes. “Dificuldade para
comer” é muito mais do que isso. O paciente não conseguirá segurar o alimento com os
dentes. A comida vai ficar presa entre a gengiva e o lábio sem que ele perceba. Para o
médico, essas situações tendem a ser banais. Mas não para o doente. Minha doença me
fez um médico melhor. Aprendi a falar a linguagem do paciente.
Na prática, o que o paciente ganha com isso?
Segurança e tranqüilidade. Faço de tudo para que o paciente não seja pego de
surpresa. Claro que nem todo paciente quer saber de tudo – e eu percebo e respeito esse
limite. Mas, para a maioria, falar a verdade é sinal de respeito. Certa vez, uma vítima
de câncer na língua me perguntou se, depois da retirada do tumor, poderíamos fazer a
reconstituição do órgão. Antes eu teria dito simplesmente que sim. De fato, fazemos a
reconstituição – mas não aquela imaginada pelo paciente. A sensibilidade da língua, por
exemplo, jamais é recuperada. Hoje gasto o tempo que for necessário para informar o
doente. Minhas consultas têm espera média de duas horas. E ninguém reclama.
(...)
O senhor ficou um ano com paralisia facial e até hoje tem algumas seqüelas.
Como foi sua recuperação?
Uma semana depois da cirurgia eu já estava trabalhando. Fiz um ano de
sessões diárias de fisioterapia. Foi muito difícil. O que ajudou na minha recuperação
foi o apoio da minha mulher e das minhas filhas. Senti na pele como é importante o
conforto das pessoas queridas. Hoje, quando entro num quarto e encontro meu
paciente rodeado por parentes e amigos, acho ótimo. Passei a tolerar mais as visitas.
(entrevista - Veja, 06/02/2008).
CONCLUSÃO
Dentro desta visão de referenciação associada à menção de expressões
referenciais, toda anáfora indireta deve apoiar-se em âncoras do cotexto, o que não
exclui a possibilidade de remeterem, simultaneamente, a elementos da situação
extralingüística e do conhecimento compartilhado. E, desse modo, toda anáfora
encapsuladora é uma espécie de anáfora indireta, por também introduzir e
mencionar no cotexto uma expressão referencial nova, apresentada como se fosse
dada, por resumir conteúdos explicitados (mas também implicitados) em porções
cotextuais anteriores e/ou posteriores.
Vale observar, como se tem feito na literatura sobre o assunto (ver, por exemplo,
KOCH, 2002a), que as anáforas encapsuladoras – mas não somente elas, entendamos –
costumam ser exploradas para auxiliar na atribuição/homologação de um ponto de vista,
por isso podem contribuir para a transmissão de impressões avaliativas e para a
condução argumentativa do texto. É o que salienta Conte (1996, p.1), num dos estudos
pioneiros sobre o assunto:
O encapsulamento anafórico é um recurso coesivo pelo qual um
sintagma nominal funciona como uma paráfrase resumitiva de uma porção
precedente do texto. O sintagma nominal anafórico é construído com um
nome geral como núcleo lexical e tem uma clara preferência pela
determinação demonstrativa. Pelo encapsulamento anafórico, um novo
referente discursivo é criado sob a base de uma informação velha; ele se
torna o argumento de predicações posteriores. Como um recurso de
integração semântica, os sintagmas nominais encapsuladores rotulam
porções textuais precedentes; aparecem como pontos nodais no texto.
Quando o núcleo do sintagma nominal anafórico é axiológico, o
encapsulamento anafórico pode ser um poderoso meio de manipulação do
leitor. Finalmente, o encapsulamento anafórico pode também resultar na
categorização e na hipostasiação (“hypostasis”) de atos de fala e de
funções argumentativas no discurso.
Por fim, os nomes de texto são os que exercem função mais prototipicamente
metalingüística, como a autora define:
Isto pode ser exemplificado por meio do seguinte texto: (X diz) Eu nunca
o tinha visto antes (e Y responde) Isso é uma mentira. É claro que 'isso'
não se refere nem à sentença-texto enunciada por X nem ao referente de
qualquer expressão nela. Alguns filósofos podem dizer que se refere à
proposição expressa pela sentença enunciada por X; outros, que se refere
ao ato de enunciação, ou ato de fala (cf. 16.1), realizado por X. Todavia,
sob qualquer dessas análises da referência de 'isso', sua função parece cair
em algum lugar entre a anáfora e a dêixis, e partilhar das características de
ambas. (LYONS, 1977, p.668)
Voltaremos a essa discussão logo a seguir. Por ora, é importante ter em mente que
nosso foco de atenção recairá não sobre aspectos da estrutura formal das expressões
anafóricas encapsuladoras, dêiticas e não-dêiticas, mas sobre as funções discursivas
desse processo de referenciação indireta.
Algumas dessas funções são intrínsecas ao fenômeno; a mais saliente delas,
porque responde pela própria definição do processo, é a resumitiva. Do ponto de vista
dos arranjos na tessitura textual, os encapsuladores desempenham uma função
eminentemente coesiva. Do ponto de vista cognitivo e discursivo, podemos dizer que
têm a função de ativar referentes novos, explicitando-os pela primeira vez (ver, sobre
isso, KOCH, 2004), mas ao mesmo tempo reativando informações já dadas no próprio
cotexto. É importante observar que dizer que os encapsuladores ativam referentes novos
é estar completamente de acordo com a perspectiva que privilegia a menção de
expressões referenciais, pois, na verdade, quando uma expressão anafórica encapsula
um conteúdo, ele está diluído no contexto e, portanto, não deveria mais ser considerado
um “referente novo”.
Além das funções citadas acima, os encapsuladores resumem estágios de
argumentos, “à medida que o escritor apresenta e avalia suas próprias proposições e as
de outras fontes” (cf. FRANCIS, 2003, p.191).
Koch (2004) reforça essa idéia observando que eles ajudam na organização
macrotextual, porque, além de indicarem o fechamento de uma porção textual,
funcionam como sinalizadores argumentativos, conduzindo o co-enunciador para o
estágio seguinte. Assim, podemos agora dizer que os encapsuladores exercem também
um papel de organizadores de tópicos discursivos, porque se mostram um recurso
valioso para a introdução, mudança ou desvio de tópico, assim como para a ligação
entre tópicos e subtópicos. Constituem, portanto, um dos mecanismos lingüísticos de
estruturação tópica.
Segundo Jubran (2006), duas grandes propriedades particularizam um tópico
discursivo: a centração (pois um conjunto de detalhes e comentários converge para um
assunto proeminente) e a organicidade (pois há relações de interdependência entre os
assuntos, tanto num plano hierárquico de superordenação e subordenação, quanto num
plano linear de ligações intertópicas). Note-se que a noção de tópico discursivo, em si
mesma, está intrinsecamente relacionada à de referenciação. Como bem observou
Pinheiro (2003, p.161), as anáforas encapsuladoras são fundamentais para a
continuidade e para a progressão tópica:
Eu tive uma forma rara de câncer de mama, que está no exterior da mama. No
mamilo ou auréola, surge como um vermelhão que depois se torna uma lesão com
bordas com crostas. Eu nunca teria suspeitado que seria um câncer de mama, mas era...
Meu mamilo nunca pareceu diferente para mim, mas o vermelhão incomodou, por
isso eu fui ao consultório do meu médico. Às vezes coçava e doía, mas outras vezes
não atrapalhava. Era só feio e incômodo, e não desaparecia com todos os cremes
prescritos pelo dermatologista, como a dermatite nos olhos que tive antes disso. Aí fui
ao consultório para ser examinada. Eles pareciam um pouco preocupados, mas não me
avisaram que poderia ser câncer. Agora suspeito que não há muitas mulheres por aí que
saibam que uma lesão ou vermelhidão no mamilo ou auréola pode ser câncer de mama.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
D.:
Aqui estou eu novamente... Eu não a esqueço nunca, DOIDA GENIAL!!!
Adooooooooooooro você!!! Um beijão...
Saudade das suas aulas maravilhosas e de você, é claro!
Responder
a) Os dêiticos pessoais
São os que identificam os interlocutores na situação de comunicação, como, por
exemplo, os pronomes pessoais (manifestos ou elípticos) e os possessivos no poema-
canção a seguir:
( ) A dor a mais
(Vinicius de Moraes)
A dor a mais
Foi só muito amor
Muito amor demais
Foi tanta a paixão
Que o meu coração, amor,
Nem soube mais
ø Inventei a dor
E como ela nos doeu
Os pessoais são os dêiticos por excelência, porque remetem diretamente aos sujeitos
da enunciação, o que se reflete na concordância verbal, de primeira e segunda pessoas
gramaticais. Outras formas dêiticas não-pessoais, como a dos pronomes demonstrativos e
advérbios, apenas pressupõem os interlocutores em seu posicionamento espacial e
temporal (por isso recebem as flexões de terceira pessoa gramatical).
b) Os dêiticos sociais
Também se definem diretamente a partir do centro dêitico do falante, mas
representam formas que codificam relacionamentos sociais, mantidos pelos participantes
da conversação (FILLMORE, 1971). Toda interação é regida por regras, baseadas em
comportamentos mais ou menos ritualizados. As relações em sociedade (e não a interação
lingüística em si mesma), ao condicionar a escolha dos níveis de maior ou menor
formalidade, findam por determinar a seleção de títulos honoríficos e de outras expressões
de intimidade ou de polidez. Dependo do grau de intimidade, dos propósitos
comunicativos, bem como de outros aspectos contextuais, os participantes do ato de
comunicação podem ser mais ou menos polidos (ver, sobre isso, LEECH, 1983). Veja-se,
por exemplo, como essa proximidade/distanciamento é dosada pelos dêiticos sociais no
contexto seguinte de um conto:
Saudações.
*
Querido Antônio.
Eu escrevo este bilhete, não posso suportar este amor. Olha, Antônio, de hoje em
diante farei os teus desejos. Só se você me estimar como tua amante, não me deixe
faltar nada e nunca me abandone.
Te espero às três horas, no lugar de sempre. Não quebro o juramento que fiz,
mas você não sei, Antônio.
Sempre fiel,
Ismênia.
*
Estimado Antônio.
Saudações.
Esta carta será a última que minha mão te escreve. Ontem choveu teve desculpa,
hoje uma bonita noite, esperei até às nove horas, você não veio e sei que sou
desprezada.
Ou por que a velha não saiu da sala? Ela pode ficar lá na cozinha. Não se faça de
rogado, Antônio. Que horror; depois de combinado você se arrepender; venha sim?
A que há de ser tua,
Ismênia.
P.S. Peço um dinheirinho pelo menino, estou apurada para pagar uma conta e a
pessoa esperando aqui.
(...)
O conto acima é montado como uma seqüência de cartas que a personagem Ismênia
escreve a Antônio, seu amante. No trecho que recortamos, percebe-se perfeitamente o
abrandamento do grau de formalidade entre os dois à medida que se infere que eles vão se
tornando íntimos. Na primeira carta, Ismênia trata Antônio por “doutor” e por “senhor”,
preservando sua face positiva ao dirigir-se a ele com deferência. Na segunda, após
tornarem-se amantes, o tratamento muda radicalmente para “querido”, “tu”, “você” etc.
Da terceira em diante, as relações se estremecem, e Ismênia já emprega um tratamento
que expressa não apenas respeito, mas, principalmente, o distanciamento afetivo, ao
chamá-lo de “estimado Antônio”.
Em qualquer interação, de acordo com Brown e Levinson (1987), cada pessoa
possui duas “faces” (GOFFMAN, 1998), uma positiva e outra negativa, que compõem as
imagens dos participantes da enunciação. Em sua teoria da polidez, Brown e Levinson
demonstram como os interactantes se valem de estratégias para apresentar e manter uma
imagem valorizante de si mesmos (face positiva) e, ao mesmo tempo, procuram ocultar o
que lhes é mais íntimo (face negativa), dependendo do grau maior de formalidade que
exista entre os enunciadores.
Como observa Kerbrat-Orecchioni ([1996]2006), para ser polido, ou seja, para não
cometer um ato ameaçador para o destinatário, é preciso recorrer a alguns procedimentos
que Brown e Levinson chamam de “suavizadores”. Um desses procedimentos é o uso
adequado de dêiticos sociais em determinadas situações. O emprego de senhor(a), no
lugar de você, por exemplo, pode atenuar uma indelicadeza e, ao mesmo tempo, indicar
reverência. Já em outras circunstâncias, pode-se usar você ou tu, como um modo de se
revelar próximo, amigo, ou de ser solidário com o interlocutor, dentre outras
possibilidades. Os dêiticos sociais podem representar, portanto, uma marca de polidez
lingüística.
c) Os dêiticos de tempo
São os que situam o ponto de origem do falante (e seu interlocutor) no momento
em que a mensagem é enunciada. Assim, nem toda expressão que indique tempo é
necessariamente dêitica: somente se, a fim de o referente temporal ser identificado, for
preciso conhecer o tempo em que se encontra o falante. Examinemos as expressões
sublinhadas no texto abaixo, para constatar que nem todas formalizam ocorrências de
dêixis temporal:
d) Os dêiticos de espaço
São definidos mais ou menos como os dêiticos de tempo, pois só serão tomados
como dêiticos espaciais os elementos que pressupuserem o lugar em que se situa o
falante, e seu interlocutor, no ato comunicativo. Desse modo, nem todas as expressões
que denotam lugar são necessariamente dêiticos de espaço, como podemos entender a
partir do exemplo seguinte:
No andar térreo:
- Sobe?
- Não, esse elevador aqui anda de lado.
( ) Diálogos no casamento
Marido e mulher estão tomando cerveja num barzinho. Ele vira pra ela e diz:
- Você está vendo aquela mulher lá no balcão tomando whisky sozinha? Pois
eu me separei dela faz sete anos! Depois disso, ela nunca mais parou de beber.
A mulher responde:
- Não diga bobagens. Ninguém consegue comemorar durante tanto tempo assim!
(piada divulgada na internet)
Dessa forma, dêiticos como “aquela mulher lá no balcão...” não se enquadram
nem na dêixis espacial, porque o objeto de discurso a que se reportam não é um lugar,
nem na dêixis pessoal, porque não representam uma pessoa do discurso. Os estudos
sobre o assunto ainda não destinaram a esses casos uma denominação específica.
Pode acontecer, ainda, que alguns referentes semelhantes a esses sejam situados a
partir da última elocução do enunciador no espaço dêitico do próprio texto, o que se
verifica quando do uso de expressões como a palavra anterior, o pronome abaixo etc.
Este emprego muitas vezes acumula uma função anafórica, quando também remete a
objetos de discurso já introduzidos textualmente, como em:
( ) ...terminam por não se fixar nem de um lado nem de outro do quadro abaixo,
conforme quer indicar a linha pontilhada. (artigo acadêmico ????)
e) Os dêiticos textuais
( ) Palas e poses
RIO DE JANEIRO - Lidas assim, nuas, sem outros balangandãs verbais que
ajudem a lhes emprestar sentido, as palavras acima parecem agora foragidas do teatro
grego ou de um poema medieval. Mas não - são palavrinhas bem nossas, de uso
corriqueiro até outro dia, e que ameaçam se evaporar da língua porque as pessoas
começaram a deturpar o jeito de escrevê-las.
Pala, por exemplo. É um enfeite de vestido feminino, uma dobra perto da gola,
algo assim. Ou aquela parte do boné, também chamada aba, que os meninos usam ao
contrário, para evitar que a nuca tome sol. Ou a venda preta dos piratas. Enfim, pala é
um ornamento, uma coisa meio secundária, um quase nada. Daí o vulgo ter inventado,
em tempos idos, a expressão "dar uma pala" - ou seja, resumir, adiantar o assunto, dar
apenas uma pista do que se vai dizer. Por extensão, chegou-se a "dar uma palinha", que
significa ser ainda mais sucinto.
Mas, ultimamente, por ignorância da língua, pela pouca intimidade com a gíria ou
pelo crescente desprestígio das palas, as pessoas começaram a escrever "dar uma
palhinha", pensando estar dizendo "dar uma palinha". Não faz sentido e, questionadas
sobre o porquê da palhinha, não saberão responder. (...)
(artigo de opinião, de Ruy Castro, Folha de S.Paulo – 13/03/07)
( ) ver o poema
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Warning: Cannot modify header information - headers already sent by ...
www.veropoema.net/ - 1k - Em cache - Páginas Semelhantes - Anotar isso
( ) Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a
nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa
sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ido na véspera consultar uma
cartomante. (conto - Machado de Assis)
CONCLUSÃO
Os dêiticos textuais indicam os segmentos, locais/momentos do próprio texto em
que são utilizadas as expressões a que se referem. Diferentemente dos demais tipos de
dêixis, que apontam para o entorno enunciativo situacional, o ponto de referência é o
lugar e o momento do texto onde aparece a expressão mencionada. E é por retomarem
outros referentes já mencionados no cotexto, que eles apresentam, antes de tudo, um
caráter anafórico. São sempre, portanto, formas híbridas, pois se comportam,
simultaneamente, como dêiticos e como anafóricos.
f) Os dêiticos da memória
Fala-se, ainda, de um outro tipo de dêixis, aquela em que, através do uso dêitico de
algum elemento do cotexto, se convida o co-enunciador a buscar, nos arquivos de sua
memória, um conhecimento partilhado sobre um referente não mencionado no cotexto.
Apothéloz (1995) acentua a importância do emprego do demonstrativo nesses casos,
indicando ao co-enunciador uma referência in absentia, porque não nomeada no texto,
nem presente na situação enunciativa imediata. É como se o demonstrativo fornecesse
uma indicação lingüística de que o campo dêitico saliente (porém não o único) para a
localização do referente mencionado fosse o campo da memória, não apenas o da situação
comunicativa, nem o do cotexto. Um exemplo bem prototípico seria este:
( ) “Sabe aquele desejo incontrolável de ter alguma coisa que não dá para
esperar até o mês que vem? O Sudameris sabe.” (anúncio publicitário, veiculado em
revistas, como a Veja)
( ) Bem no fundo
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
Usar aquele é tornar manifesto que está se reportando a um desejo que não está
sendo experienciado no momento da comunicação e é, simultaneamente, solicitar que ele
seja reconstruído na memória compartilhada. A carga de significado do demonstrativo
aquele é responsável por esse duplo apelo: na memória e no tempo.
O efeito de distanciamento no tempo real da enunciação imediata não seria possível
se, no exemplo, o demonstrativo empregado fosse esse.
O importante é reter, neste momento, que, independentemente desse efeito de
aproximação ou de distanciamento do falante em relação ao objeto de discurso, ambas as
formas demonstrativas, esse ou aquele (e variantes), são credenciadas pelo sistema da
língua portuguesa para denunciar ao interlocutor que o referente mencionado está
radicado no campo dêitico da memória, e não citado em outra parte do cotexto (está in
absentia), nem indicado na circunstância comunicativa imediata. Leia-se Apothéloz sobre
isso:
As funções que os dêiticos exercem no discurso vêm, desse modo, se somar – mais
que isso: se integrar – às demais funções anafóricas, acumulando, por vezes, certos efeitos
de expressividade, de emotividade, de (des)comprometimento, dentre outras motivações
estilísticas e/ou modalizadoras do discurso.
PARTE III – O que poderia ser dito sobre a referência
( ) - Antes de começarmos, por favor, me diga uma coisa, o que o senhor fazia
no emprego anterior?
- Eu era funcionário público!
- OK! O senhor pode contar até dez?
- É claro! Dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, valete, dama, rei e
ás. (piada - 50 piadas, de Donaldo Buchweitz)
Tais idéias, sustentadas nesta obra, também afluem para o pensamento de Ciulla
e Silva (2008), para quem o processo cognitivo da (re)categorização nunca se dissocia
da referenciação; os dois estão tão intimamente ligados que não se pode interpretar um
sem, necessariamente, recorrer ao outro. Para a autora, texto e discurso também estão
tão indissociavelmente imbricados que é impossível deixar de levar em conta os fatores
da dimensão discursiva na (re)construção dos fenômenos referenciais: “A questão
central, a nosso ver, é que os processos referenciais e as categorizações que são
promovidas na malha discursiva imbricam-se, de modo que não podemos interpretar
completamente um sem ver o outro” (CIULLA e SILVA, 2008, p.46).
CONCLUSÃO
Os significados das formas da língua constituem apenas um dos componentes
dos sentidos, ou da coerência, que os participantes da enunciação constroem em
cooperação. Eles servem de pistas, de indícios, de cadeias, de trilhas não somente para a
constante reelaboração dos sentidos, mas também para a progressão das referências de
um texto.
( ) Labareda$
O coronel Duarte Frota esteve em Brasília, no último fim de semana,
representando os bombeiros do Ceará, em reunião com a Secretaria Nacional de
Segurança Pública. No encontro, o secretário NSP, Luiz Fernando Corrêa, após
um diagnóstico nacional das unidades militares, deu um bom presente. Liberou
mais de um milhão de reais para cada Estado e também para o Distrito Federal,
inserindo a corporação no Plano Nacional de Segurança Pública (Jornal Diário do
Nordeste, 19/01/2005).
( ) Pôr-do-sol
O romance de Luana Piovani e Ricardinho Mansur — que começou cercado de
flashes há quase dois anos — terminou discretamente, sem alarde nem fotos, em
Paris. A decisão partiu do jogador de pólo, que foi até a França — onde a atriz
passa temporada de estudos — para finalizar a história. O motivo nenhum dos
dois comenta. De lá, Ricardinho seguiu para Aspen, nos Estados Unidos, para
esquiar com amigos. Já Luana preferiu ir até a Espanha... para dar aquela arejada
(ÉPOCA, 21/02/2005).
De acordo com Leite, quando o leitor se depara com o título, ele acessa, pelo
método abdutivo, uma espécie de imagem que o desloca para uma posição de quem
visualiza o pôr-do-sol: “Desse modo, na leitura do título, magnificam-se as propriedades
do universo conceitual de pôr-do-sol como, por exemplo, sol, horizonte, céu, redução
da luminosidade, término do dia, desaparecimento lento no horizonte, diminuição da
cor, dentre outras” (cf. p.181). Contudo, no decorrer do texto, a leitura (isotopia)
relacionada a pôr-do-sol é, aparentemente, quebrada, pois o texto aborda não a
paisagem de pôr-do-sol, mas, metaforicamente, o fim de um relacionamento amoroso de
Luana Piovani e Ricardinho Mansur.
Isso, a nosso ver, obriga o leitor a recategorizar, por meio da abdução, o referente
de pôr-do-sol como fim de um processo e, como diz o autor, “a redimensionar a
interpretação com o propósito de identificar uma isotopia na qual o título deve manter
alguma relação com o restante do texto” (p.181). Leia-se o restante da análise do autor:
( ) Joãozinho
A professora de matemática pergunta ao Joãozinho:
- Joãozinho, tem três passarinhos no galho de uma árvore. Você pega sua
espingardinha e mata um. Quantos ficam no galho?
- Nenhum, professora - responde ele.
- Como, Joãozinho? Pense bem...Você tem 3 passarinhos, mata um. Quantos
sobram? - Nenhum, professora. Quando eu acertar o primeiro, os outros dois saem
voando e não sobra nenhum no galho.
- Bem, Joãozinho, a resposta não foi correta, mas eu gosto muito do seu jeito de
pensar.
Assim, diz o Joãozinho:
- Professora, eu também tenho uma perguntinha. Ali no banco do jardim estão
sentadas três moças. Uma está comendo um sorvete, a outra está chupando um sorvete e
a outra está mordendo um sorvete. Qual delas é casada? A professora, muito
constrangida e vermelha, pensa um pouco e responde:
- Bem, acho que é a que está chupando o sorvete.
E o Joãozinho:
- Errado, professora, é a que está com aliança no dedo, mas eu gosto muito da sua
maneira de pensar... (piada veiculada pela internet)
Costa argumenta que, sabendo o leitor que se trata do gênero piada, e de piada de
Joãozinho, como bem explicita o título, logo se cria na mente dos interlocutores “a
imagem do menino levado, safado, inteligente, que tem sempre uma resposta afiada
para tudo. A cena que se desenha, a partir desse título, pressupõe as expectativas do
leitor quanto ao desenrolar da piada” (p.163). Em vista disso, nada mais natural que o
enunciador inicie a narrativa com a expressão definida, apresentada como dada, “a
professora de matemática”, sinalizando para o leitor que o objeto de discurso lhe é
conhecido, assim como a cena prototípica do diálogo entre Joãozinho e a professora.
Caberia, pois, falar de introdução referencial neste caso, uma vez que o referente, na
verdade, já começou a ser instituído a partir de outros caminhos, como o gênero
discursivo em que se enquadra o texto, a pista fundamental do título e a cena de sala de
aula, própria das piadas de Joãozinho? Em que momento o objeto de discurso foi de fato
introduzido? Impossível precisar, e desnecessário perscrutar.
Por outro, há de se convir que alguns objetos de discurso são de fato introduzidos
por expressões referenciais, como é o caso de “três passarinhos”, no exemplo em tela. A
forma como esse referente é apresentado - meio indefinida, porque sem uma marca de
definitude, como um artigo definido, por exemplo: os três passarinhos - confirma para o
leitor o estatuto de novo que ele assume no texto e sugere que ele deve apelar para seus
conhecimentos enciclopédicos primeiro para identificar a entidade referida.
O fato é que, de modo geral, existem indícios no contexto como um todo para o
reconhecimento do referente como algo relacionado a outras fontes; é essa ligação entre
as fontes (também chamadas âncoras, ou gatilhos, ou antecedentes) e os referentes
mencionados pela primeira vez que funda os processos anafóricos; no decorrer do texto,
as anáforas vão também se apoiando em outras e em trilhas diversificadas, compondo a
tessitura textual. Toda a continuidade e a progressão referencial se organizam dessa
maneira, e não poderia ser de outra forma, pelo bem da articulação das informações na
construção da coerência.
O modo como o enunciador nomeia os objetos de discurso também não depende
exclusivamente do fato de eles estarem sendo mencionados no cotexto pela primeira
vez, mas do grau de saliência que eles possam ter a cada momento da enunciação, além
dos propósitos argumentativos pretendidos, do contexto sócio-histórico envolvido, das
restrições da situação comunicativa imediata, entre outras determinações da ordem do
inconsciente, como veremos adiante. Se olharmos para as estratégias de referenciação
mais como um processamento cognitivo, poderemos dizer, com Costa (2007, p.159), na
esteira de Ariel (2001), que “qualquer dado nos diversos níveis do universo
textual/discursivo pode atuar em conjunto com outros para condicionar o falante a
selecionar, entre as inúmeras formas possíveis, uma determinada expressão em lugar de
outras”. E, sob tal pressuposto, os limites que isolam os processos anafóricos dos
processos dêiticos, assim como os liames entre as introduções referenciais e as anáforas
indiretas, por exemplo, nem sempre podem ficar bem definidos. Por essa perspectiva,
separar precisamente o que é textual do que é extratextual seria até contraditório. Por
outro lado, distinguir anáfora direta de anáfora indireta, pela simples alegação de que a
direta exige menos capacidade inferencial, seria uma atitude reducionista.
Ponderemos, por exemplo, sobre a diferença entre introdução referencial e anáfora
indireta. De acordo com Koch (2004, p.253), nas anáforas indiretas, um objeto de
discurso também é introduzido no cotexto - entenda-se: mencionado em primeira mão -,
mas “sob o modo do dado, em virtude de algum tipo de relação com elementos
presentes no cotexto ou no contexto sociocognitivo, passível de ser estabelecida por
associação e/ou inferenciação”.
O primeiro aspecto a se notar, nessa definição, é que a introdução de referente, de
que fala Koch, no que tange às anáforas indiretas, não é a mesma que se descreve nas
chamadas introduções referenciais. A noção de introdução referencial tem sido sempre
vinculada à idéia de menção primeira no cotexto; já a concepção de anáfora indireta tem
sido descrita a partir de uma explicação de ordem cognitiva: ela se dá por uma
inferência ativada a partir de pelo menos uma âncora no cotexto.
Assim, no exemplo seguinte, a primeira expressão grifada (“numa galeria de
arte”) constitui uma introdução referencial, ao passo que “as pessoas”, “o quadro”, “a
tela” são instâncias de anáfora indireta, porque todos esses objetos de discurso foram
acionados quando se instaurou no discurso o esquema mental relacionado a uma galeria
de arte.
( ) A orquestra odiosa
(Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis)
É uma orquestra desarmônica por excelência. O maestro faz o possível para lançar
a discórdia entre os instrumentos, e extrai disso um belo efeito. A trompa e o fagote não
se cumprimentam, e ambos vivem de implicância com o oboé, que por sua vez trata o
clarinete com soberano desdém. A flauta doce desmente seu nome, recusando o diálogo
com o corne inglês. E os violinos planejam seqüestrar o contrabaixo. Trompas e
timbales têm ar feroz. O mais, nessa mesma linha de agressividade.
Como pode uma orquestra assim povoada de desavenças alcançar tamanho êxito
em suas audições? O público ouve-a em religioso silêncio. Sucedem-se as tournées
pelos Estados, e há convites do exterior, que ainda não puderam ser atendidos.
Devo afirmar, a bem da verdade, que a execução dos concertos é impecável, e
como cada instrumento deseja não apenas suplantar, como até expulsar os demais do
conjunto, há competição acirrada em torno de quem é capaz de tocar melhor. O rancor
conduz a resultados sublimes, que a crítica não sabe como explicar. A orquestra apura
cada vez mais suas ambições, e teme-se que no auge de seu esplendor ocorra um
assassinato nas cordas.
Desse modo, para Lima, assim como para nós, os limites do processo de
recategorização vão além da superfície textual e, portanto, não se prendem à menção de
uma âncora no cotexto. Conseqüentemente, o processo também não se vincula às
anáforas correferenciais: pode se dar com as anáforas indiretas, com as encapsuladoras e
até pode estar presente no que se tem concebido como introdução referencial pela
menção primeira da expressão no cotexto.
Embora a autora se ocupe primordialmente da estreita relação entre os processos
metafórico e metonímico nas recategorizações, alguns pressupostos por ela assumidos
convergem para a perspectiva que defendemos: a recategorização é um processo
cognitivo-referencial que pode se somar a qualquer fenômeno anafórico ou dêitico.
Demonstrando que freqüentemente a metáfora e a metonímia estão imbricadas
quando ocorrem nas recategorizações, Lima argumenta que os aspectos cognitivos
necessariamente são evocados na construção desse fenômeno. Reproduzimos, a seguir,
um dos exemplos estudados pela autora:
Emoção na cidade.
Chegou telegrama para Chico Brito.
Que notícia ruim,
que morte ou pesadelo
avança para Chico Brito no papel dobrado?
Nunca ninguém recebe telegrama
que não seja de má sorte. Para isso
foi inventado.
Lá vem o estafeta com rosto de Parca
trazendo na mão a dor de Chico Brito.
Não sopra a ninguém.
Compete a Chico
descolar as dobras
de seu infortúnio.
Telegrama telegrama telegrama
Em frente à casa de Chico o voejar múrmure
de negras hipóteses confabuladas.
O estafeta bate à porta.
Aparece Chico, varado de sofrimento prévio.
Não lê imediatamente.
Carece de um copo d’água
e de uma cadeira.
Pálido, crava os olhos
nas letras mortais.
Algumas vezes, a glosa vem representada por um termo mais geral – dizemos: por
um hiperônimo -, que, mesmo sem um marcador do tipo “isto é”, define o referente
introduzido, como acontece com o exemplo mencionado por Matos (2004, p. 82):
( ) “O novo aliado dos cientistas para deter a leishmaniose visceral tem menos de
um milímetro de comprimento, mas é capaz de matar mosquitos que transmitem a
doença antes que eles se reproduzam.”
Mesmo que o leitor não soubesse que a leishmaniose visceral era uma doença, o
que, neste caso, seria pouco provável, dadas as inúmeras outras indicações que o texto
fornece, a expressão recategorizadora confirmaria essa informação, de forma precisa.
As tentativas de ajustar a forma de designação ao que se pretende caracterizar ocorrem
em diversos gêneros, mas são muito freqüentes em gêneros acadêmicos, como artigos
científicos, em verbetes de enciclopédia, em reportagens, em gêneros que lidam com
discurso didático, dentre outros. A relação estreita entre gêneros do discurso e processos
de referenciação ainda tem muito a dizer a pesquisadores do texto e do discurso, e a
professores de língua portuguesa. Atentemos para o trecho abaixo:
( ) 21/06/2008 - 14h01
Justice empolga platéia do Sónar como Daft Punk genérico
ANTONIO FARINACI
Colaboração para o UOL, em Barcelona
O amor é, assim, recategorizado primeiro como “a chama”, sem nem mesmo ser
nomeado, ou “introduzido por menção” no texto. Sucessivas transformações, como “a
brasa dormida que acordava”, “um revôo sobre a ruinaria”, todas com acréscimos
conotativos, são realizadas ao longo do poema, mesmo quando o poeta não as nomeia
diretamente. Mergulhar, pacientemente, junto com os alunos, nesse mar de riquezas é
uma oportunidade a que o professor de língua portuguesa não deveria se furtar.
Tomando por base o trabalho de Matos (2004), alguns exercícios serão sugeridos
a seguir.
Atividade 1
Solicite aos alunos que reconheçam no texto seguinte as expressões anafóricas
recategorizadoras que apresentam, explicitamente, como o enunciador avalia o referente
de Madre Teresa de Calcutá.
Atividade 2
Uma das tarefas mais produtivas de escrita, que podem ser aplicadas em aulas de
redação, é chamar a atenção do aluno para os variados modos de evitar repetições (que,
aliás, não são proibidas e podem constituir um eficaz recurso de linguagem) e de
selecionar adequadamente os modos de recategorizar os referentes por meio de glosas
para definir, especificar um referente, ou enquadrá-lo numa categoria mais geral.
Escolha, em alguns textos, ou nas próprias redações dos alunos, trechos em que
seja pertinente substituir as designações selecionadas por outras que surtam novos
efeitos de sentido, como nos trechos abaixo. A consulta a sites de busca, livros,
dicionários e revistas pode ser bastante útil para tais atividades.
Complete os espaços abaixo, estabelecendo designações alternativas para os
objetos discursivos sublinhados nos itens a seguir, atendendo ao que se pede:
c) Uma expressão nominal cujo núcleo seja um nome que expresse relação
metonímica:
Um dos lugares mais bonitos do Brasil é o Rio de Janeiro. Porém, __(os morros
habitados por favelas)__ vêm enfrentando uma grave crise de violência e criminalidade
nos últimos anos.
Atividade 3
Antes de indicar para os alunos a leitura do texto abaixo, peça que tentem definir/
caracterizar alguns dos referentes expressos em caixa alta. Após a leitura e a discussão
do texto, solicite a recategorização dos referentes dados, de maneira a acrescentarem
matizes estilísticos. Sugira que as descrições mais criativas sejam divulgadas em algum
ambiente da web, ou no Orkut, ou no blog de alguns deles.
( ) Os Sentimentos
Mário Prata
Atividade 4:
Apresente aos alunos as informações elencadas abaixo e, em seguida, peça que
elaborem um pequeno texto em que utilizem anáforas encapsuladoras com função de
organização enumerativa:
- A escrita tem duas funções principais.
- A função de armazenar permite a comunicação através do tempo e do espaço.
- A função de mudar a linguagem do domínio oral para o visual permite que as
palavras apareçam num contexto altamente "abstrato".
- Usamos a fala amplamente para estabelecer e manter relações humanas.
- Quando mantemos as relações humanas, fazemos um uso primariamente
interacional.
- Quando transferimos informações, fazemos um uso primariamente transacional.
Esta atividade pode ser realizada por toda a turma, ao mesmo tempo, se as
informações forem reproduzidas no quadro, e o professor, ou um dos alunos, for
redigindo o texto a partir das sugestões dos colegas. O professor pode, nesta tarefa de
(re)elaboração textual, chamar a atenção para os recursos de pontuação que podem ser
empregados numa organização enumerativa.
Uma atividade, não de produção textual, mas de compreensão, que também pode
ser realizada em conjunto é a de identificação das pistas contextuais que levam à
recategorização do referente. As tarefas seguintes nos foram sugeridas por Ciulla e
Silva, apoiando-se nos pressupostos de sua tese (2008):
Atividade 5:
Há que se notar que todo o conto é narrado sob a perspectiva do menino, embora a
narrativa seja de terceira pessoa. É sob a ótica desse personagem que os referentes do
conto vão se recategorizando, na mesma proporção em que o menino se encanta e se
desencanta com eles, como ocorre, por exemplo, com a imagem que ele tinha da mãe no
início da narrativa e, ao final, quando se decepciona com ela, por entender a traição ao
pai dele.
Momentos há, no conto, em que a voz do menino se faz escutar dentro da voz que
pertence ao narrador. Compare-se o jogo polifônico que há entre o instante em que o
menino enuncia “Agora sim!”, em discurso direto, e a fala do narrador, no segundo
parágrafo, entrecortada pela voz do personagem, em discurso indireto livre: “O menino
continuou olhando, imóvel. Pasmado. Por que a mãe fazia aquilo?! Por que a mãe fazia
aquilo?!...”. Que recursos marcam neste caso o discurso indireto livre? Um deles é, com
certeza, o tom da pergunta, exprimindo o espanto e o desapontamento do menino; outro
é o uso da expressão anafórica correferencal “a mãe”, como se fosse empregada pelo
próprio personagem; outro é, ainda, a escolha do dêitico “aquilo”, em vez de “isso”,
confirmando a voz do narrador, mas com o ponto de vista do menino, que se reflete na
carga pejorativa conferida a “aquilo”.
Estudar com os alunos a construção dos processos referenciais em gêneros do
discurso literário, fartamente exemplificados nos livros didáticos, pode tornar muito
interessantes as aulas de compreensão de texto, na medida em que o aluno é convidado
a penetrar no mundo ficcional e a deleitar-se com ele. A atividade abaixo nos foi
sugerida por Alena Ciulla e Silva.
Atividade 6:
Atividade 7:
Leia para seus alunos as piadas abaixo e peça-lhes que identifiquem os dois
referentes a que as expressões grifadas remetem. Em seguida, pergunte que pistas
textuais auxiliam no reconhecimento de cada um deles:
– Joaquim, você gosta de mulher com muito peito?
- Não, pra mim dois bastam. (piada - As melhor piadas de Casseta e Planeta 4)
b) O menininho de cinco anos pede pra mãe:
- Mãe, me dá cinco reais.
- Claro que não, meu filho!
- Se você não me der cinco reais, eu conto pra senhora o que o papai disse pra
empregada quando a senhora foi fazer compras.
- A mãe arregalou os olhos e, intrigadíssima, morta de curiosidade, deu os cinco
reais pro menino.
- O que teu pai falou pra empregada?
- Ela disse: “Não esquece de passar a camisa branca, que amanhã vou precisar”.
(piada - As melhor piadas de Casseta e Planeta 4)