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Entre a crise e a sobrevivência: narrativas distópicas contemporâneas

Júlia Braga Neves ( ) /Marina Pereira Penteado (FURG) Commented [MP1]: Add a Uni

Ao longo das últimas décadas, a produção de narrativas distópicas cresceu


significativamente. Embora o termo distopia tenha sido utilizado pela primeira vez
por John Stuart Mill, em 1868, como o antônimo de utopia (JACOBY, 2007, p. 222),
seu conceito foi melhor trabalhado durante os séculos XX e XXI. Caracterizado
muitas vezes como uma categoria genérica única, na qual se pressupõe uma sociedade
imaginária, geralmente ambientada no futuro, com estrutura própria e que, ao
contrário da utopia, apresenta um universo mais degradado que o contemporâneo, a
manifestação de termos como “distopia crítica” (BACCOLINI, MOYLAN, 2003) e
“ustopia” (ATWOOD, 2011) colocam em evidência a pluralidade de definições do
subgênero associado à designação mais abrangente cunhada como ficção
especulativa.

Teóricos como Alexandra Aldridge ainda estabelecem uma relação entre a distopia e
os temas científicos e tecnológicos típicos da ficção científica (ALDRIDGE, 1984),
excluindo obras canônicas como 1984, de George Orwell, de sua classificação. No
entanto, estudiosos, como M. Keith Booker, abrem a definição de distopia ao
relacioná-la com a crítica às condições sociais ou sistemas políticos existentes
(BOOKER, 1994), permitindo que outros tipos de ficção especulativa sejam vistos
como distópicos e não apenas a ficção científica. Propomos neste simpósio discutir
conceitos de distopia, bem como tecer um debate sobre narrativas distópicas
contemporâneas que, além de tratar da sociedade de controle e do medo do
autoritarismo, têm enfatizado a destruição ambiental e as ansiedades em relação ao
corpo.

Se após o colapso dos estados socialistas o número de obras distópicas aumentou,


recentemente, com as contranarrativas ao aquecimento global, o crescimento dos
movimentos de extrema direita no cenário político nacional e internacional e com a
consolidação do neoliberalismo como forma de governança, essas narrativas tem
chamado ainda mais atenção da críticanarrativas distópicas têm chamado a atenção da
crítica. Enquanto catástrofes ambientais trazem à tona a discussão sobre a
intensificação da intromissão tecnológica na natureza, como vemos em a Trilogia
MaddAddam (2003, 2009, 2013), de Margaret Atwood, e em A Parábola do
Semeadorna série Parábolas (1995, 1998), de Octavia Butler, o controle do corpo Formatted: Font: Italic

também aparece como temática frequente, como em O conto da aia (1985), de


Atwood, e também no romance da alemã Juli Zeh, Corpus Delicti: um processo
(2013).

Muitas vezes, as narrativas distópicas recorrem ao transhumanismo para refletir sobre


formas de impulsionar a evolução do intelecto e da fisionomia da espécie humana,
aumentando assim a expectativa de vida e a “liberdade reprodutiva” e eliminando
doenças que comprometam a capacidade de performance do ser humano
(BOSTROM, 2005). É nesse sentido que o transhumanismo relaciona-se com o
conceito foucaultiano de biopoder, pois à medida que se estende a vida e se aprimora
o corpo, amplia-se também a capacidade de força de trabalho, regulam-se as formas
de reprodução e excluem-se aqueles que não podem ou não conseguem adequar-se
aos padrões (HALL, 2017). Ao intensificar a centralidade e a sobrevivência do ser
humano, surge também a discussão sobre uma nova era: a do Antropoceno.
Popularizado em 2002 pelo químico Paul Cruzten, este termo tem sido usado por um
grande número de cientistas e pesquisadores para discutir as alterações que o planeta
sofreu por causa da interferência humana nos últimos anos (TREXLER, 2015).

Nosso simpósio tem como objetivo discutir obras literárias, filmes e séries que
reflitam sobre cenários distópicos. Abrimos espaço para contribuições que
contemplem a distopia em relação às mudanças climáticas, ao autoritarismo e
nacionalismo, ao controle sobre os corpos, principalmente no que se refere a minorias
identitárias, e também às questões tecnológicas e científicas no transhumanismo e no
Antropoceno.

REFERÊNCIAS:
ALDRIDGE, Alexandra. The scientific world view in dystopia. Ann Arbor: UMI
Research Press, 1984.
ATWOOD, Margaret. Ana Deiró (trad.). O conto da aia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017
[1985].
__________. Léa Viveiros de Castro (trad.). Oryx e Crake. Rio de Janeiro: Rocco,
2004.
__________. In Other Worlds: SF and the human imagination. New York: Nan A.
Talese/Doubleday, 2011.
__________. MaddAddam. Nova York: Anchor, 2013.
__________. Márcia Frazão (trad.). O Ano do Dilúvio. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.
BACCOLINI, Raffaella e MOYLAN, Tom (Orgs.). Dark horizons: Science fiction
and the dystopian imagination. New York: Routledge, 2003.
BOOKER, M. Keith. Dystopian literature: a theory and research guide. Wesport, CT:
Greenwood Press, 1994.
BOSTROM, Nick. “The Defense of Posthuman Dignity”. In: Bioethics n. 19, 2005,
pp. 202-214.
BUTLER, Octavia. Carolina Coelho (trad.). A Parábola do Semeador. Campinas:
Editora Morro Branco, 2018.
HALL, Melinda. The Bioethics of Enhancement: Transhumanism, Disability and
Biopolitics. Lanham: Lexington, 2017.
JACOBY, Russel. Imagem imperfeita: pensamento utópico para uma época
antiutópica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Formatted: Font: Times New Roman, 12 pt

Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle.Th. Virginia: University


of Virginia Press, 2015. Edição Kindle.
ZEH, Juli. Marcelo Backes (trad.). Corpus Delicti: um processo. Rio de Janeiro:
Record, 2013.

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