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MOUNIER
Paolo Cugini *
ABSTRACT: This article seeks to present the political thinking of Emmanuel Mounier,
especially the idea of revolution, that deepened in the years Thirty of the last century, in the
pages of the magazine Esprit that he himself founded. Revolutionary action, according to
Mounier, can not dispense with a precise reference to a parameter of values. Every
revolutionary action is destined to fail without this personal commitment, without being also
a personal revolution. In addition to all myths on the left and on the right, revolution is
always a difficult achievement and a permanent conquest, which must be renewed at all
times through a renewed revolutionary impulse. Mounier therefore insists on the need for an
integral avoid only a superficial adherence to the revolutionary commitment. The technique
of the spiritual means elaborated in the personalistic philosophy, is based on a strict
connection between means and ends, actions and values. The renunciation to subvert with
violence the established disorder is legitimate only if it is born of the acceptance of the
inevitable limits that the action imposes and not because of the fear.
KERYWORDS: Revolution; Person; Personalism; Non-Violence; Action.
Introdução
O aspecto que mais chama atenção no quadro de uma avaliação crítica do pensamento,
e da obra de Mounier, é o marco revolucionário da sua mensagem. A importância de Mounier
está na recuperação do sentido profundo da novidade da vida que o cristianismo quer realizar
também no plano temporal e na valorização dos relacionamentos humanos e sociais. O
cristianismo não pode ignorar a história: “O teocentrismo católico é somente aquele que
procede no temporal através do temporal”1. Será nos anos 30, do século passado, que Mounier
se decide claramente para a opção revolucionária, tentando uma resposta cristã ao desafio
revolucionário, cujo clima era muito forte na época.
A França, no período marcado entre as duas guerras mundiais, vive um intenso clima
revolucionário em todos os setores da política e da cultura. É, sem dúvida, revolucionária a
esquerda, mas também os movimentos de direita2. São revolucionários os marxistas, mas
também os seguidores da Action Française, que sustentavam uma revolução violenta.
Revolucionários eram os grupos de intelectuais que tinham Mounier como ponto de
referência, ou os movimentos de “terceira força” como Ordre Nouveau de Armand Dandieu, do
qual o jovem Raymond Aron era o maior teórico do grupo. Naquele que podemos considerar
o manifesto programático de Ordre Nouveau, La Révolution nécessaire, que foi publicado quase
contemporaneamente com o primeiro número da revista Esprit3, é expressa a mesma
consciência de que a revolução está chegando e que será realizada pela França, enquanto os
movimentos revolucionários da Rússia, Itália e Alemanha, eram considerados ainda
incompletos para o projeto revolucionário. Nesse clima, a novidade de Mounier é ter tentado
uma ligação entre dimensão revolucionária e renovação cristã. Mounier foi o único pensador
da sua época que tentou a inserção do cristianismo na onda revolucionária dos anos 30.
1 AA.VV., Emmanuel Mounier (1905-1950), Carnet de route, Journal, Entretiens, Correspondence, Numero
speciale di Esprit dicembre 1950.
2 Sobra a analise dos movimentos revolucionários desta época na frança cfr.: LOUBET DEL BOYLE, I non
1932.
Para Mounier, o problema não é fazer a revolução, mas como fazer, pois, pare ele, a
revolução é inevitável e necessária. As estruturas sociais do tempo de Mounier parecem a seu
ver tão deformadas que não tem mais outro caminho que possa substitui-las. A crise que
Mounier percebia, não era apenas política e econômica, mas muito mais profunda. É a crise
daquela sociedade nascida no final da idade média e que proporcionou a revolução industrial.
Mounier percebe que no horizonte está aparecendo uma civilidade nova, que substitui a
velha, uma mudança de civilidade que apresenta também a necessidade de um homem novo.
Se, de fato, na sociedade que se constituiu na revolução industrial o homem era o grande
absente, agora torna-se necessário restituir à pessoa o seu lugar de destaque. Isso significa
romper com a civilidade industrial de cunho individualista e burguês.
O mundo burguês vive uma profunda crise, mas apesar disso, precisa de uma derrota
final para abrir o caminho da nova sociedade. A sociedade burguesa ainda tem os seus
defensores, aqueles que, querendo defender a ordem, defendem a realidade da desordem
estabelecida por eles mesmos. “Os homens da ordem perpetuam a desordem, enquanto a
aparente violência das revoluções contribui ao progresso da razão” (MOUNIER, 1984, p. 22).
A revolução, para surtir efeito, deve ser política e econômica de um lado, espiritual e
moral do outro. É nessa perspectiva que uma filosofia do compromisso se une com uma
filosofia da história:
A revolução espiritual, declara Mounier, não é uma revolução feita por pessoas
impotentes: querem uma maior pureza para conseguir uma maior eficácia. Ele, porém, se
pergunta: “Toda ação não é condenada a ser ineficiente enquanto é pura, e não é impura
enquanto eficaz?”. A resposta tenta ligar o rigor ético com a eficácia prática. Se, de fato, os
meios materiais são os mais queridos, eles geram a hipocrisia, a mentira, enquanto os meios
puramente espirituais realizam uma silenciosa ação de presença, mas não levam ao sucesso.
Mounier pensa que o contraste pode ser superado através de:
Meios que sejam temporais, encarnados, que exigem uma técnica cuja alma,
cujo fim e então o mesmo rosto pertencem a um mundo diferente daquilo
dominado pela utilidade da força. Por isso torna-se necessária uma técnica
da ação espiritual, não apenas de uma ética da ação, mas também de uma
técnica, pois não se trata simplesmente de sugerir algumas ideias, mas de
apontar os meios para rendê-las eficazes. (MOUNIER, 1984, p. 273)
Essa técnica dos meios espirituais baseia-se numa ligação estreita entre meios e fins,
ações e valores. É preciso elaborar uma lúcida consciência do valor da ação, das suas
características e dos seus limites, evitando de se jogar na ação sem antes avaliar os fins que ela
envolve e os meios da qual precisa. Essa lucidez nasce somente de uma decidida assunção das
próprias responsabilidades. A ação revolucionária, portanto, não pode prescindir de uma
precisa referência a um parâmetro de valores. Cada ação revolucionária é destinada à falência
sem este compromisso pessoal, sem ser também uma revolução pessoal.
Manter a ligação entre ação e pessoa é o único caminho que permite não cair no mito
da revolução, que se forma quando a ação e o sucesso são procurados por si mesmos. A
revolução, sendo feita por homens, nunca poderá ser o bem total, assim como não existe
estrutura que seja o mal total. “Nós mereceremos a nossa revolução – afirma Mounier –
somente se tivermos a coragem de começar a revolucionar nós mesmos” (MOUNIER, 1984, p.
307). Mais uma vez o discurso passa das estruturas à pessoa. Além de todo mito de esquerda e
de direita, a revolução é sempre uma conquista difícil e também uma conquista permanente,
que precisa ser renovada a toda hora, através de um renovado impulso revolucionário.
Nessa fase do seu pensamento, Mounier insiste muito sobre a necessidade de uma
conversão integral, para evitar uma adesão apenas superficial ao compromisso revolucionário.
“Ser para fazer, conhecer para agir: a revolução personalista realiza uma ligação interior entre
espiritualidade da pessoa, pensamento e ação, que o idealismo tinha despedaçado e que o
marxismo se recusa a restabelecer”. (MOUNIER, 1982, p172)
Mounier percebe o perigo de que a revolução nunca aconteça. E, refletindo sobre isso,
o autor se interroga sobre o sentido da violência como passagem obrigatória pela realização
da nova sociedade. O mundo da pessoa – escreve Mounier – exclui a violência como meio de
constrição interior, mas algumas necessidades que se formaram na desordem anterior
produzem ainda violência nas pessoas (MOUNIER, 1982, p. 35). Se é verdade que, em
algumas circunstâncias, o uso da violência pode ser consentido, é preciso limitar ao máximo
este meio revolucionário. Porém:
Se, como vimos, Mounier não exclui em linha de princípio a ação violenta, todavia a
sua preferência é com os meios de ação não violenta. No livro Revolução personalista e comunitária,
o autor manifesta a vontade de experimentar, antes de tudo, os meios não violentos e de não
utilizar nunca os meios violentos que, em si mesmos e num sentido absoluto, sejam
condenáveis mas, acrescenta Mounier: “nós não acreditamos que todos os meios violentos
sejam negativos pelo único fato de que são violentos” (MOUNIER, 1984, p. 281). Por isso, o
cristão não deve recusar de forma prevenida o uso da violência, mas se questionar sobre a sua
legitimidade e manter uma constante atenção sobre os meios que são envolvidos em cada
ação. A não violência é uma arma tipicamente cristã, mas não é a única4.
A teoria da revolução encontra-se aqui com uma filosofia da ação, aquela mesma que
Mounier amadureceu no Trattato del Carattere (MOUNIER, 1993). Nessa obra, o autor insiste
sobre a relação entre homem e ambiente e sobre a importância da experiência da ação.
4 Cfr. Muito interessante, para aprofundar o relacionamento entre ação violenta e ação não violenta, são os
escritos publicados em: Pacifistes ou bellicistes?, Paris 1939 (Em: MOUNIER, Emmanuel, Oeuvres, vol. 1, Paris:
Bibliothéque de la Pléiade, pp. 785-836).
A única prova da verdade de um homem são os seus atos. O valor das suas palavras,
a autenticidade do seu pensamento, se revela somente na confirmação que é data,
pois nós mesmos somos jogados na ação antes de refletirmos sobre ela
(MOUNIER, 1993, p. 5).
Como é muito fácil perceber, a reflexão de Mounier acaba formalizando uma ética da
ação, mais do que uma técnica da ação. O filósofo francês sublinha a exigência da ação, contra
toda forma de pureza idealista que foge da realidade5. As páginas que dedica a este tema são
de grande importância na estrutura do seu pensamento. O personalismo se recusa a ser
técnica de ação e, ao mesmo tempo, recusa a acusação de ser uma mera filosofia utópica, sem
nenhuma relevância para a história. Pelo contrário, o personalismo, que se desenvolveu ao
longo dos anos 30 e 40 do século passado, sobretudo nas páginas da revista Esprit, sempre
ofereceu propostas concretas para os problemas encontrados6.
Somente assim, será possível evitar que o personalismo se torne uma ideologia boa
para todos, sem alguma possibilidade de orientar as pessoas e, sobretudo, sem ter a chance de
mudar o caminho da história. A filosofia personalista, portanto, não pode ser uma máscara
5 Mounier enfrentou o tema da fuga da realidade em: Che cos’é il personalismo? Torino, 1948, cit. p. 22
6 Sobre esse assunto cfr. O nosso trabalho sobre o nascimento da revista Esprit (CUGINI, 2009).
para uma política de conservação social. Apesar disso, é bom salientar que o personalismo
nunca conseguiu elaborar uma teoria da ação política7. “Recusada a democracia parlamentar,
condenados sem apelo os partidos, considerados com suspeita os sindicatos, falta ao
personalismo o meio para desenvolver o seu potencial revolucionário” (CAMPANINI, 2012, p.
113).
O pensamento politico de Mounier consegue elaborar apenas uma teoria da ação para
pequenos grupos. Foi isso que aconteceu logo no início da experiência da revista Esprit,
quando Mounier formou sobre todo o território francês pequenos grupos de estudo – os
“grupos Esprit” – que conseguissem manter uma ligação entre a realidade e a elaboração
filosófica. A estrutura da sociedade do futuro pode ser criada no:
pequeno grupo, que vale para os homens que recolhem e pela intensidade da
difusão, mais que pelo número, que não se propõe grandes tarefas
revolucionárias, mas a descoberta corajosa de panoramas desconhecidos e a
vigilância sobre um tesouro necessário ao bem-estar de todos, tesouro que os
tumultos esquecem e ameaçam. (MOUNIER, p. 29)
A reflexão sobre a ação se resolve na passagem de uma ética do compromisso para uma
ética do testemunho. Assim como também desenvolveu o discurso na sua obra fundamental –
O personalismo –, Mounier indica quatro dimensões da ação: fazer, agir, contemplar, ação
coletiva. Na realidade, somente o primeiro desses pontos tem como finalidade a ação
propriamente dita, o poiéin, que Mounier resolve, sobretudo na economia, na ação do homem
sobre as coisas, com todas as ligações que existem entre economia e política.
O agir, que Mounier indica com o grego pràttein, tem como objetivo a ação ética,
caracterizada pela autenticidade do seu jeito de se colocar, mais do que as formas concretas
de como ela se realiza no plano dos acontecimentos históricos.
A teoria da ação termina afirmando uma tensão entre o “polo político” e o “polo
profético”, o primeiro mais concentrado sobre o sucesso, o segundo mais orientado sobre o
testemunho, todos dois, porém, indispensáveis ao homem de ação. É bom salientar que a
teoria da ação do personalismo não se resolve numa confissão de impotência ou num refúgio
sobre o plano ético e religioso. Na realidade, em Mounier existe uma teoria da ação, não uma
técnica da ação8.
A teoria de Mounier sobre a ação indica dois polos: de um lado a denúncia de uma
impossível pureza absoluta do compromisso; do outro, a indicação do perigo que a política se
transforme em pura vontade de potência. Entre espiritualismo puro e vontade de potência, o
personalismo se esforça para criar um difícil equilíbrio, sem porém, sacrificar a contemplação
da ação, sem renunciar à técnica e, ao mesmo tempo, conferindo a prioridade aos meios
espirituais.
8 Segundo Giorgio Campanini ( 1968, p. 216) a teoria da ação de Mounier manifesta o grande limite do
personalismo e a explicação da sua escassa incidência na politica francesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LOUBET DEL BOYLE, I non conformisti degli anni Trenta. Roma: Cinque Lune, 1972.