Você está na página 1de 11

TEORIA E PRAXE NA REFLEXÃO DE EMMANUEL

MOUNIER

Paolo Cugini *

RESUMO: Este artigo busca apresentar o pensamento político de Emmanuel Mounier,


sobretudo a ideia de revolução, que aprofundou nos anos 30, do século passado, nas páginas
da revista Esprit, que ele mesmo fundou. A ação revolucionária, segundo Mounier, não pode
prescindir de uma precisa referência a um parâmetro de valores. Cada ação revolucionária é
destinada à falência, sem este compromisso pessoal, sem ser também uma revolução pessoal.
Além de todo mito de esquerda e de direita, a revolução é sempre uma conquista difícil e
também uma conquista permanente, que precisa ser renovada a toda hora, através de um
renovado impulso revolucionário. Por isso, Mounier insiste muito sobre a necessidade de uma
conversão integral, para evitar uma adesão apenas superficial ao compromisso
revolucionário. A técnica dos meios espirituais, elaborada na filosofia personalista, baseia-se,
sobretudo, na ligação estrita entre meios e fins, ações e valores. A renúncia da subversão, com
violência, da desordem estabelecida é legitima somente se nasce da aceitação dos limites
inevitáveis que a ação impõe e não por causa do medo.
PALAVRAS-CHAVES: Revolução; Pessoa; Personalismo; Não-Violência; Ação.

ABSTRACT: This article seeks to present the political thinking of Emmanuel Mounier,
especially the idea of revolution, that deepened in the years Thirty of the last century, in the
pages of the magazine Esprit that he himself founded. Revolutionary action, according to
Mounier, can not dispense with a precise reference to a parameter of values. Every
revolutionary action is destined to fail without this personal commitment, without being also
a personal revolution. In addition to all myths on the left and on the right, revolution is
always a difficult achievement and a permanent conquest, which must be renewed at all
times through a renewed revolutionary impulse. Mounier therefore insists on the need for an
integral avoid only a superficial adherence to the revolutionary commitment. The technique
of the spiritual means elaborated in the personalistic philosophy, is based on a strict
connection between means and ends, actions and values. The renunciation to subvert with
violence the established disorder is legitimate only if it is born of the acceptance of the
inevitable limits that the action imposes and not because of the fear.
KERYWORDS: Revolution; Person; Personalism; Non-Violence; Action.

* Doutor em filosofia e doutorando em Teologia pela Faculdade Católica da Emilia Romanha-Bologna,


Itália.
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

Introdução

O aspecto que mais chama atenção no quadro de uma avaliação crítica do pensamento,
e da obra de Mounier, é o marco revolucionário da sua mensagem. A importância de Mounier
está na recuperação do sentido profundo da novidade da vida que o cristianismo quer realizar
também no plano temporal e na valorização dos relacionamentos humanos e sociais. O
cristianismo não pode ignorar a história: “O teocentrismo católico é somente aquele que
procede no temporal através do temporal”1. Será nos anos 30, do século passado, que Mounier
se decide claramente para a opção revolucionária, tentando uma resposta cristã ao desafio
revolucionário, cujo clima era muito forte na época.

A França, no período marcado entre as duas guerras mundiais, vive um intenso clima
revolucionário em todos os setores da política e da cultura. É, sem dúvida, revolucionária a
esquerda, mas também os movimentos de direita2. São revolucionários os marxistas, mas
também os seguidores da Action Française, que sustentavam uma revolução violenta.
Revolucionários eram os grupos de intelectuais que tinham Mounier como ponto de
referência, ou os movimentos de “terceira força” como Ordre Nouveau de Armand Dandieu, do
qual o jovem Raymond Aron era o maior teórico do grupo. Naquele que podemos considerar
o manifesto programático de Ordre Nouveau, La Révolution nécessaire, que foi publicado quase
contemporaneamente com o primeiro número da revista Esprit3, é expressa a mesma
consciência de que a revolução está chegando e que será realizada pela França, enquanto os
movimentos revolucionários da Rússia, Itália e Alemanha, eram considerados ainda
incompletos para o projeto revolucionário. Nesse clima, a novidade de Mounier é ter tentado
uma ligação entre dimensão revolucionária e renovação cristã. Mounier foi o único pensador
da sua época que tentou a inserção do cristianismo na onda revolucionária dos anos 30.

1 AA.VV., Emmanuel Mounier (1905-1950), Carnet de route, Journal, Entretiens, Correspondence, Numero
speciale di Esprit dicembre 1950.
2 Sobra a analise dos movimentos revolucionários desta época na frança cfr.: LOUBET DEL BOYLE, I non

conformisti degli anni Trenta. Roma: Cinque Lune, 1972


3 A revista Esprit foi fundada para Emmanuel Mounier e, o primeiro numero, foi publicado no mês de outubro do

1932.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
120
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

1. A crítica da sociedade burguesa e da “desordem estabelecida”

A filosofia de Emmanuel Mounier, e todo o seu pensamento político, são baseados na


categoria do compromisso. A crítica do mundo moderno assume um lugar de primeiro plano
na gênesis do mesmo conceito de revolução. Refaire la Renaissance, como expressa o ambicioso
programa da Revista Esprit, por ele mesmo fundada em 1932, significa uma radical ruptura
com o mundo moderno.

O problema – afirma Mounier – não é de purificar, mas de reformar à raiz,


com coragem, todas as estruturas sociais e também o coração dos homens;
mas isso é outra coisa. Uma mudança radical foi sempre chamada de
revolução. Tem medo da palavra, percebo o medo da coisa. Sem dúvida,
nenhuma revolução acontece sem nenhuma violência. O problema não é mais
entre revolução e as meias medidas, mas entre a revolução que salva os
valores humanos e a revolução que os sufoca. (MOUNIER, 1984, p. 267)

Para Mounier, o problema não é fazer a revolução, mas como fazer, pois, pare ele, a
revolução é inevitável e necessária. As estruturas sociais do tempo de Mounier parecem a seu
ver tão deformadas que não tem mais outro caminho que possa substitui-las. A crise que
Mounier percebia, não era apenas política e econômica, mas muito mais profunda. É a crise
daquela sociedade nascida no final da idade média e que proporcionou a revolução industrial.
Mounier percebe que no horizonte está aparecendo uma civilidade nova, que substitui a
velha, uma mudança de civilidade que apresenta também a necessidade de um homem novo.
Se, de fato, na sociedade que se constituiu na revolução industrial o homem era o grande
absente, agora torna-se necessário restituir à pessoa o seu lugar de destaque. Isso significa
romper com a civilidade industrial de cunho individualista e burguês.

Esse processo de decadência, visível na sociedade burguesa, percebe-se na parábola do


herói que passa a burguês, do chefe de indústria ao mesquinho poupador. Assim, o burguês é
o homem que perdeu o sentido do Ser, que não consegue agir sem realizar algo de concreto. O
burguês é “o homem que perdeu o amor; cristão sem inquietação, ateu sem paixão”
(MOUNIER, 1982, p. 186). Este individualismo sem amor e sem paixão produziu uma
civilidade alicerçada sobre a ruptura entre espírito e matéria, entre pensamento e ação. A ação
revolucionária deve construir um novo tipo de civilidade, uma civilidade personalista.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
121
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

Personalista é uma civilidade cujas estruturas e cujo espírito são orientados a


completar como pessoa cada indivíduo. A realização desta civilidade só será
possível através da superação da sociedade capitalista que sufoca a
possibilidade e o desejo de ser pessoa. (MOUNIER, 1982, p. 234)

O mundo burguês vive uma profunda crise, mas apesar disso, precisa de uma derrota
final para abrir o caminho da nova sociedade. A sociedade burguesa ainda tem os seus
defensores, aqueles que, querendo defender a ordem, defendem a realidade da desordem
estabelecida por eles mesmos. “Os homens da ordem perpetuam a desordem, enquanto a
aparente violência das revoluções contribui ao progresso da razão” (MOUNIER, 1984, p. 22).

Mounier é preocupado em manter bem distinta a ligação entre revolução e


materialismo de um lado, ordem e valores espirituais do outro. É preciso evitar o monopólio
materialista da revolução e o monopólio pseudo-espiritualista da ordem. Nesse contexto,
Mounier denuncia a identificação falsa que o mundo burguês conseguiu realizar ao longo dos
séculos entre mundo espiritual e mundo reacionário.

A revolução, para surtir efeito, deve ser política e econômica de um lado, espiritual e
moral do outro. É nessa perspectiva que uma filosofia do compromisso se une com uma
filosofia da história:

Nós somos revolucionários duas vezes, mas em nome do espírito. Uma


primeira vez, que dura até que irá durar o gênero humano, porque a vida do
espírito é uma conquista sobre a nossa covardia. Uma segunda vez – e isso
aconteceu nos anos ao redor de 1930 – porque o mundo moderno está num
estado de putrefação tão avançado e tão profundo, que é necessária a queda
total para que possam surgir novos brotos” (MOUNIER, 1984, p. 37).

Sobre uma exigência espiritual se desenvolve um julgamento histórico. Tão forte é o


prevalecer dos condicionamentos materiais neste período histórico, que é necessário realizar
uma revolução política e econômica antes daquela espiritual. Colocar em primeiro lugar os
problemas materiais é uma necessidade de uma época cuja parábola burguesa chegou ao fim e
as estruturas da sociedade sufocam a vida das pessoas.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
122
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

2. A técnica dos meios espirituais e o compromisso revolucionário

A revolução espiritual, declara Mounier, não é uma revolução feita por pessoas
impotentes: querem uma maior pureza para conseguir uma maior eficácia. Ele, porém, se
pergunta: “Toda ação não é condenada a ser ineficiente enquanto é pura, e não é impura
enquanto eficaz?”. A resposta tenta ligar o rigor ético com a eficácia prática. Se, de fato, os
meios materiais são os mais queridos, eles geram a hipocrisia, a mentira, enquanto os meios
puramente espirituais realizam uma silenciosa ação de presença, mas não levam ao sucesso.
Mounier pensa que o contraste pode ser superado através de:

Meios que sejam temporais, encarnados, que exigem uma técnica cuja alma,
cujo fim e então o mesmo rosto pertencem a um mundo diferente daquilo
dominado pela utilidade da força. Por isso torna-se necessária uma técnica
da ação espiritual, não apenas de uma ética da ação, mas também de uma
técnica, pois não se trata simplesmente de sugerir algumas ideias, mas de
apontar os meios para rendê-las eficazes. (MOUNIER, 1984, p. 273)

Essa técnica dos meios espirituais baseia-se numa ligação estreita entre meios e fins,
ações e valores. É preciso elaborar uma lúcida consciência do valor da ação, das suas
características e dos seus limites, evitando de se jogar na ação sem antes avaliar os fins que ela
envolve e os meios da qual precisa. Essa lucidez nasce somente de uma decidida assunção das
próprias responsabilidades. A ação revolucionária, portanto, não pode prescindir de uma
precisa referência a um parâmetro de valores. Cada ação revolucionária é destinada à falência
sem este compromisso pessoal, sem ser também uma revolução pessoal.

Chamamos de pessoal aquela prática que nasce a cada momento de uma


consciência, de ter uma cativa consciência revolucionária, de uma revolta
que num primeiro momento cada um dirige contra si mesmo, contra a
própria participação ao desordem estabelecido, entre o espaço admitido
entre aquilo que serve e aquilo que diz servir, e que num segundo tempo,
brota numa conversão contínua de toda a pessoa. (MOUNIER, 1984, p. 294)

Manter a ligação entre ação e pessoa é o único caminho que permite não cair no mito
da revolução, que se forma quando a ação e o sucesso são procurados por si mesmos. A

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
123
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

revolução, sendo feita por homens, nunca poderá ser o bem total, assim como não existe
estrutura que seja o mal total. “Nós mereceremos a nossa revolução – afirma Mounier –
somente se tivermos a coragem de começar a revolucionar nós mesmos” (MOUNIER, 1984, p.
307). Mais uma vez o discurso passa das estruturas à pessoa. Além de todo mito de esquerda e
de direita, a revolução é sempre uma conquista difícil e também uma conquista permanente,
que precisa ser renovada a toda hora, através de um renovado impulso revolucionário.

Dessa maneira, voltamos à pessoa. Os Principes d’action personaliste do Manifeste au servisse


du personnalisme, que deveriam representar a tradução prática das ideias que se encontram em
Revolução personalista e comunitária, terminam em marcar muito mais a ligação entre ação e
pessoa, que as dimensões operativas da mesma ação. Como linhas de ação para construir a
nova sociedade personalista são, de fato, apontadas: a tomada de consciência de si, a
dissolução dos falsos mitos, a exigência de ser antes de fazer e de conhecer antes de agir.

Nessa fase do seu pensamento, Mounier insiste muito sobre a necessidade de uma
conversão integral, para evitar uma adesão apenas superficial ao compromisso revolucionário.
“Ser para fazer, conhecer para agir: a revolução personalista realiza uma ligação interior entre
espiritualidade da pessoa, pensamento e ação, que o idealismo tinha despedaçado e que o
marxismo se recusa a restabelecer”. (MOUNIER, 1982, p172)

As linhas de uma teoria do compromisso revolucionário deveriam se desenvolver em


três direções: compromisso pessoal, ruptura com as estruturas do mundo moderno burguês,
estudo de uma técnica dos meios espirituais. Mounier tem bem claro na mente que sem uma
ruptura radical com aquilo que ele chama de desordem estabelecida, ou seja, com o mundo
moderno burguês, é impossível realizar uma revolução personalista.

3. A doutrina da força e suas aplicações

Mounier percebe o perigo de que a revolução nunca aconteça. E, refletindo sobre isso,
o autor se interroga sobre o sentido da violência como passagem obrigatória pela realização
da nova sociedade. O mundo da pessoa – escreve Mounier – exclui a violência como meio de
constrição interior, mas algumas necessidades que se formaram na desordem anterior

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
124
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

produzem ainda violência nas pessoas (MOUNIER, 1982, p. 35). Se é verdade que, em
algumas circunstâncias, o uso da violência pode ser consentido, é preciso limitar ao máximo
este meio revolucionário. Porém:

Se somente da violência pode, em algumas circunstâncias, depender a


decisão final, nenhuma razão plausível pode exclui-la. A violência pode
chegar somente como extrema necessidade. Quando é utilizada de forma
prematura sufoca os homens e prejudica o resultado final. (MOUNIER, 1982,
p.49)

Percebe-se, dentro o pensamento de Mounier, uma profunda tensão entre o


reconhecimento como princípio do uso da violência em situações limites e, do outro lado, uma
constante aspiração à paz. A não violência deve ser o fruto da força e deve conseguir repudiar
toda aliança com o medo e a fraqueza. A renúncia de subverter com violência a desordem
estabelecida é legitima somente se nasce da aceitação dos limites inevitáveis que a ação impõe
e não por causa do medo.

Se, como vimos, Mounier não exclui em linha de princípio a ação violenta, todavia a
sua preferência é com os meios de ação não violenta. No livro Revolução personalista e comunitária,
o autor manifesta a vontade de experimentar, antes de tudo, os meios não violentos e de não
utilizar nunca os meios violentos que, em si mesmos e num sentido absoluto, sejam
condenáveis mas, acrescenta Mounier: “nós não acreditamos que todos os meios violentos
sejam negativos pelo único fato de que são violentos” (MOUNIER, 1984, p. 281). Por isso, o
cristão não deve recusar de forma prevenida o uso da violência, mas se questionar sobre a sua
legitimidade e manter uma constante atenção sobre os meios que são envolvidos em cada
ação. A não violência é uma arma tipicamente cristã, mas não é a única4.

A teoria da revolução encontra-se aqui com uma filosofia da ação, aquela mesma que
Mounier amadureceu no Trattato del Carattere (MOUNIER, 1993). Nessa obra, o autor insiste
sobre a relação entre homem e ambiente e sobre a importância da experiência da ação.

4 Cfr. Muito interessante, para aprofundar o relacionamento entre ação violenta e ação não violenta, são os
escritos publicados em: Pacifistes ou bellicistes?, Paris 1939 (Em: MOUNIER, Emmanuel, Oeuvres, vol. 1, Paris:
Bibliothéque de la Pléiade, pp. 785-836).

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
125
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

A única prova da verdade de um homem são os seus atos. O valor das suas palavras,
a autenticidade do seu pensamento, se revela somente na confirmação que é data,
pois nós mesmos somos jogados na ação antes de refletirmos sobre ela
(MOUNIER, 1993, p. 5).

Como é muito fácil perceber, a reflexão de Mounier acaba formalizando uma ética da
ação, mais do que uma técnica da ação. O filósofo francês sublinha a exigência da ação, contra
toda forma de pureza idealista que foge da realidade5. As páginas que dedica a este tema são
de grande importância na estrutura do seu pensamento. O personalismo se recusa a ser
técnica de ação e, ao mesmo tempo, recusa a acusação de ser uma mera filosofia utópica, sem
nenhuma relevância para a história. Pelo contrário, o personalismo, que se desenvolveu ao
longo dos anos 30 e 40 do século passado, sobretudo nas páginas da revista Esprit, sempre
ofereceu propostas concretas para os problemas encontrados6.

O discurso sobre as formas concretas da ação é apenas esboçado. De um lado, de fato,


nos anos entre as duas guerras, quando Mounier amadureceu o seu pensamento
revolucionário, a exigência primeira era romper com a desordem estabelecida e o
personalismo nesta época não conseguiu desenvolver um programa político social; do outro
lado, quando Mounier, depois do segundo conflito mundial, teria as condições necessárias
para enfrentar o problema, encontrou uma situação histórica e política extremamente
mudada, de uma certa forma uma sociedade pós-revolucionária. Nem por isso Mounier
reduziu o personalismo a uma espécie de revolução interior. De fato, depois da libertação,
denunciava “a doença infantil da revolução espiritual” que amiúde se resolve numa postura
conservadora sem futuro, que fica confundindo a denúncia com a ação, sem conseguir incidir
na ação da história.

Para inserir o personalismo no drama histórico do nosso temo não basta


dizer: pessoa, comunidade, homem, etc.; é também preciso dizer: fim da
burguesia ocidental, advento das estruturas do socialismo, função iniciadora
do proletariado. (MOUNIER, p. 105)

Somente assim, será possível evitar que o personalismo se torne uma ideologia boa
para todos, sem alguma possibilidade de orientar as pessoas e, sobretudo, sem ter a chance de
mudar o caminho da história. A filosofia personalista, portanto, não pode ser uma máscara

5 Mounier enfrentou o tema da fuga da realidade em: Che cos’é il personalismo? Torino, 1948, cit. p. 22
6 Sobre esse assunto cfr. O nosso trabalho sobre o nascimento da revista Esprit (CUGINI, 2009).

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
126
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

para uma política de conservação social. Apesar disso, é bom salientar que o personalismo
nunca conseguiu elaborar uma teoria da ação política7. “Recusada a democracia parlamentar,
condenados sem apelo os partidos, considerados com suspeita os sindicatos, falta ao
personalismo o meio para desenvolver o seu potencial revolucionário” (CAMPANINI, 2012, p.
113).

O pensamento politico de Mounier consegue elaborar apenas uma teoria da ação para
pequenos grupos. Foi isso que aconteceu logo no início da experiência da revista Esprit,
quando Mounier formou sobre todo o território francês pequenos grupos de estudo – os
“grupos Esprit” – que conseguissem manter uma ligação entre a realidade e a elaboração
filosófica. A estrutura da sociedade do futuro pode ser criada no:

pequeno grupo, que vale para os homens que recolhem e pela intensidade da
difusão, mais que pelo número, que não se propõe grandes tarefas
revolucionárias, mas a descoberta corajosa de panoramas desconhecidos e a
vigilância sobre um tesouro necessário ao bem-estar de todos, tesouro que os
tumultos esquecem e ameaçam. (MOUNIER, p. 29)

A praxe revolucionária se resolve nesse contexto numa preparação da nova sociedade


dentro de pequenos grupos, na espera de que estas formas novas de relacionamento social se
ampliem, afetando toda a estrutura social. Mais uma vez, Mounier revela a sua vocação
tipicamente cultural, mais do que política.

4. Ação política e ação espiritual

A reflexão sobre a ação se resolve na passagem de uma ética do compromisso para uma
ética do testemunho. Assim como também desenvolveu o discurso na sua obra fundamental –
O personalismo –, Mounier indica quatro dimensões da ação: fazer, agir, contemplar, ação
coletiva. Na realidade, somente o primeiro desses pontos tem como finalidade a ação
propriamente dita, o poiéin, que Mounier resolve, sobretudo na economia, na ação do homem
sobre as coisas, com todas as ligações que existem entre economia e política.

7 É isso que sustenta CAMPANINI, 1968, p. 213.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
127
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

O agir, que Mounier indica com o grego pràttein, tem como objetivo a ação ética,
caracterizada pela autenticidade do seu jeito de se colocar, mais do que as formas concretas
de como ela se realiza no plano dos acontecimentos históricos.

Também na categoria da theoréin, a contemplação não tem muito sentido da ação,


assim como é compreendida no pensamento comum. Segundo a reflexão de Mounier, “a
contemplação é uma tarefa do homem na sua totalidade; não é evasão da atividade comum
para uma atividade escolhida e separada, mas aspiração para um reino de valores que
desenvolvem toda a atividade humana” (MOUNIER, 2006, p. 125).

A teoria da ação termina afirmando uma tensão entre o “polo político” e o “polo
profético”, o primeiro mais concentrado sobre o sucesso, o segundo mais orientado sobre o
testemunho, todos dois, porém, indispensáveis ao homem de ação. É bom salientar que a
teoria da ação do personalismo não se resolve numa confissão de impotência ou num refúgio
sobre o plano ético e religioso. Na realidade, em Mounier existe uma teoria da ação, não uma
técnica da ação8.

Examinando com atenção a posição política de Mounier, percebe-se uma relevância


prática. De fato, o filósofo francês reconhece o valor da não violência como atitude religiosa,
como apelo à santidade. Isso, porém, não exclui o dever de se opor à força com a força. O
homem não consegue se opor somente com o testemunho pessoal perante estruturas
construídas contra a pessoa. “Nunca conseguirá sozinho sacudir a instituição do mal na
estrutura do mundo moderno” (MOUNIER, 1984, p. 226). Por isso, junto com o compromisso
espiritual, é preciso uma revolução interior, mas também política, para remover o reino da
injustiça e da desordem estabelecida.

A teoria de Mounier sobre a ação indica dois polos: de um lado a denúncia de uma
impossível pureza absoluta do compromisso; do outro, a indicação do perigo que a política se
transforme em pura vontade de potência. Entre espiritualismo puro e vontade de potência, o
personalismo se esforça para criar um difícil equilíbrio, sem porém, sacrificar a contemplação
da ação, sem renunciar à técnica e, ao mesmo tempo, conferindo a prioridade aos meios
espirituais.

8 Segundo Giorgio Campanini ( 1968, p. 216) a teoria da ação de Mounier manifesta o grande limite do
personalismo e a explicação da sua escassa incidência na politica francesa.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
128
ISSN: 2447-8806
Teoria e praxe na reflexão de Emmanuel Mounier

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAMPANINI, Giorgio. La rivoluzione Cristiana. Il pensiero politico di Emmanuel


Mounier. Brescia: Morcelliana, 1968.

________. Mounier: ereditá e prospettive. Roma: Studium, 2012

CUGINI, Paolo. Emmanuel Mounier e a experiência da revista "Esprit. A origem da


filosofia personalista. In: Dialegesthai. Revista telematica de filosofia, ano 11 (2009) [inserido
20 dicembre 2009].

________. Pensare cristianamente la storia. Emmanuel Mounier e la rivista Esprit. Milano:


publiship, 2018.

DANESE, Attilio. Il problema antropologico: il personalismo di Emmanuel Mounier.


Roma: Giuliano Ladolfi, 2012.

LAMACCHIA, Ada. Mounier, personalismo comunitario e filodofia dell’esistenza. Bari:


Levante, 1993.

LOUBET DEL BOYLE, I non conformisti degli anni Trenta. Roma: Cinque Lune, 1972.

MOUNIER, Emanuel. Che cos’é il personalismo? Torino: Einaudi, 1948.

_________. Personalismo e cristianesimo. Bari: Ecumenica, 1977.

________. Cristianesimo nella storia. Bari: Ecumenica, 1979.

_________. Manifesto al servizio del personalismo. Bari: Ecumenica, 1982.

_________. Rivoluzione personalista e comunitária. Bari: Ecumenica, 1984. _________. Trattato


del carattere. Milano: San Paolo Ed., 1993.

_________. Il personalismo. Roma: AVE, 2006.

Dialogando, Quixadá, v. 3 – n. 5, Jan./Jun. 2018


www.revistadialogando.com.br
129

Você também pode gostar