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Mentalidade Tática Policial

&
As 4 etapas do treinamento de alto rendimento

Irlan Massai Calaça dos Santos


SOBRE O AUTOR E INSTRUTOR

Irlan Massai Calaça dos Santos

Dizem que esses materiais didáticos devem possuir uma página falando sobre o autor,
uma espécie de: “- confie no que vou falar, pois já fiz isso e aquilo outro e já estudei em tal
local!”. Apesar de não concordar plenamente com essa forma de convencimento, confesso
que sempre leio essa parte de todos os materiais didáticos que tenho acesso e considero
importante saber “quem” está falando.

Nasci em 1990, na cidade de Maceió-AL, ingressando na Polícia Militar do Estado de


Sergipe aos 18 anos, em 2008, através do Concurso para Oficial Combatente. Realizei o
Curso de Formação de Oficiais na Polícia Militar da Bahia, uma vez que a Policia Militar de
Sergipe até então não possui Academia de Formação de Oficiais, enviando então os Cadetes
(nome dado ao oficial-aluno) para outros estados da federação para realizar sua capacitação.
Formei em 2011, aos 21 anos de idade. Trabalhei em unidades do interior do estado de
Sergipe e aos 22 anos fui para a Força Nacional de Segurança Pública, onde fiz parte de 47ª
INC (Instrução de Nivelamento de Conhecimento, capacitação obrigatória que dura cerca de
18 dias). Passei um ano em missões nos estados de Goiás, Amazonas e Rio de Janeiro, onde
nesse último tive a oportunidade de fazer o VI COCD (Curso de operações de controle de
distúrbios), promovido pela PRF, tendo então a alegria de me tornar o Choqueano 14 do VI
COCD, ou Choqueano 209, na numérica nacional. Após o período na Força Nacional, tive a
oportunidade de servir brevemente no Batalhão de Choque da PMSE e depois de cerca de 4
meses, fui convidado em 2014 para fazer parte do Comando de Operações Especiais – COE,
unidade pela qual eu guardava a mais profunda admiração e não me considerava capacitado
o suficiente para fazer parte, mas estava disposto a aprender. No mesmo ano tive a
oportunidade de fazer o Curso de Ações Táticas Especiais no BOPE da Polícia Militar de
Alagoas, onde me tornei o Cateano 04 do V CATE ou Cateano 79, na numérica geral. No ano
seguinte, tive a oportunidade de realizar o I CTEP (Curso de Técnico Explosivista Policial) no
BOPE da Polícia Militar da Bahia. De 2016 até o início de 2018, tive a oportunidade de realizar
uma pós-graduação na Universidade Federal de Sergipe sobre Criminalidade violenta,
controle social e Políticas Públicas, onde apresentei monografia versando sobre a capacitação
em tiro no âmbito do curso de formação de soldados da PMSE. Entre os anos de 2014 e 2018,
tive a honra e a responsabilidade de fazer parte da formação de todas as turmas de formação
de soldados da PMSE, algumas turmas de formação de cabos, de sargentos, de habilitação

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de oficiais, do primeiro COTAM ( Curso que habilita o profissional do GETAM, Grupamento
Especial Tático de Motos), do primeiro EMOPAT (Estágio que habilitou os operadores do
GETAM de Itabaiana-SE), do curso de formação de mais de cinco Guardas Municipais de
Cidades do interior de Sergipe, do curso de perícia em material explosivo, ministrado para os
peritos do estado de Sergipe, do estágio de aplicações táticas, que capacitou a Força tática
do 5ºBPM, do estágio que capacitou Policiais da Cia de transito para atuação tática, além de
ter sido coordenador do II EATE (Estágio de Ações Táticas Especiais) que é a habilitação
mínima para compor os grupos táticos do COE/PMSE. Desde que ingressei na instituição, me
interesso fortemente em compreender qual a melhor forma de treinar e de dar treinamento,
focado em resultados práticos, preservação da vida do operador e máximo rendimento
operacional. Com esse intuito criei a FATOR 3 TREINAMENTO TÁTICO, que tem como
missão primordial juntar ciência e atuação tática em uma linguagem simples e acessível,
correndo longe dos embustes sem conexão com a realidade e teorias vazias que muitas vezes
desorientam operadores. Bem, acho que é isso.

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PRECEITOS FUNDAMENTAIS

Antes de começar, gostaria de salientar que esse material tem como base os preceitos
da educação de adultos, formulados a partir das ideias de Malcolm Knowles na década de 70
e publicados na página eletrônica do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação
Continuada-CPDEC.

Os seis preceitos da Andragogia e do nosso curso são:

1. Necessidade – Aplicabilidade

Os adultos são estimulados a aprender conforme vivenciam as necessidades


que a aprendizagem satisfará. Portanto, o curso ou treinamento deve ser relevante,
deve estar relacionado com as atividades profissionais e contribuir para a solução de
problemas reais.

2. Autonomia – Autodiretividade

Os aprendizes adultos têm forte necessidade de se autodirigir, de decidir


quando, como e o que querem aprender. Porém, nem todos os adultos aprendem da
mesma forma. As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade.
Portanto, dentro dos princípios da andragogia, deve-se prever as diferenças de
estilo, tempo, lugar e ritmo de aprendizagem.

3. Experiências prévias

Os adultos gostam de compartilhar suas experiências e conhecimentos


acumulados. Os relatos podem servir como base para a construção de novos
conhecimentos.

4. Interatividade

A interação entre os aprendizes e com o multiplicador é essencial para


a qualidade da aprendizagem. Para isso, é preciso que haja o estímulo de situações
interativas, como discussões, debates, atividades em grupo, cases e jogos.

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5. Clima de segurança e respeito

Os adultos tendem a ter orgulho de si mesmos, de suas conquistas,


experiências e conhecimentos, e não gostam de se sentir expostos perante outras
pessoas. O clima de aprendizagem deve ser acolhedor, respeitoso e seguro durante
todo o treinamento, evitando intimidações e constrangimentos. Geralmente, no início
de um treinamento os adultos adotam uma postura reservada até perceberam que o
ambiente não é “ameaçador”. Pessoas tímidas levam mais tempo para ficarem à
vontade.

6. Reflexão – Feedback

Os aprendizes devem ter a oportunidade de praticar os novos conhecimentos


e de refletir sobre sua prática, analisar e avaliar seu próprio desempenho. Só assim
poderão descobrir novas perspectivas e opções de aprimoramento. Nesse sentido, o
feedback do instrutor ou dos colegas é muito valioso.

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SUMÁRIO

1- O que é mentalidade tática policial?......................................................................07

2- Ciclo OODA – Os ensinamentos de Boyd.............................................................10

3- Fricções de guerra – Os ensinamentos de Clausewitz.........................................13

4- Relação entre estresse e performance.................................................................16

5- Teoria da simplicidade tática.................................................................................18

6- Estágios de competência.......................................................................................20

7- Inoculação de estresse..........................................................................................23

8- Distorções Perceptuais..........................................................................................25

9- Princípio de Pareto................................................................................................26

10- As quatro etapas do treinamento de alto rendimento..........................................29

11- Método R.A.I.O....................................................................................................36

12- Banner de treino cognitivo Ciclo O.O.D.A...........................................................41

13- Referências Bibliográficas...................................................................................46

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1- O que é mentalidade tática policial?

Quando pensamos sobre o nome “tático” e suas variações, de maneira intuitiva


nos remetemos às questões relacionadas com o combate armado, ações policiais ou
de guerra. Ao menos é o que vai passar na cabeça de qualquer agente de segurança,
ainda mais ao ler um material sobre “mentalidade tática” que foi escrito por um Policial
Militar. Porém, quando digitamos “mentalidade tática” nas páginas de busca da
internet, a primeira resposta remete ao trabalho do Professor Ricardo Luiz Pace
Júnior, professor de educação física com atuação voltada para a “mentalidade tática”
no treinamento de futsal. Isso mesmo, futebol de salão!
Mas aí vocês me perguntam: Qual a relação entre o conceito de mentalidade
tática do futsal e a atividade de segurança pública e confronto armado? É aí que a
coisa fica interessante, pois a relação é TOTAL! No decorrer desse conteúdo, iremos
tentar destrinchar o conceito do esporte, sua similaridade com as necessidades da
atividade policial e sua aplicabilidade prática no policiamento ordinário, no confronto
armado dentro e fora do serviço, bem como nas Ações Táticas Especiais.
Segundo a definição do professor Ricardo, Mentalidade Tática é “a capacidade
que deve possuir o jogador de futsal, para analisar com rapidez as ações do jogo
durante uma partida. Desta forma, poderá assumir responsabilidade de realizar gestos
técnicos tanto quando tem a posse de bola ou não, tenha a sua equipe a posse ou
não”. A importância desse conceito, no futsal, se deve ao fato de que, por conta das
dimensões da quadra serem bem menores do que as de um campo de futebol, o jogo
acontece de forma muito mais rápida, fazendo com que os jogadores não tenham
muito tempo para pensar, precisam agir. Dessa forma, precisam realizar gestos
técnicos que ajudem a atingir o objetivo do time, que é fazer gols e não tomar gols.
Os jogadores precisam entender qual o posicionamento mais eficiente para receber
ou passar a bola, num cenário que é extremamente dinâmico, que muda o tempo todo,
onde uma interpretação errada pode significar a derrota.
Essa capacidade de compreender o jogo e estar preparado para atuar nele da
forma mais eficiente possível é o que chamamos de “Mentalidade Tática”. Ao analisar
esse conceito do esporte, fiquei impressionado com o nível de semelhança com o que
é exigido de um operador de segurança pública durante sua atividade. As ocorrências

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policiais são como os jogos de futsal, pois se desenrolam de forma muito rápida e
exigem que o operador possua a capacidade de compreender tudo que está
ocorrendo em fração de segundos e adote uma postura que salvaguarde sua vida, da
sua equipe e da sociedade em geral. Essa é a Mentalidade Tática Policial.
Nas discussões sobre o conceito esportivo de Mentalidade Tática (Que alguns
também chamam de “Leitura de jogo” ou “Leitura tática de jogo”), presentes não
apenas no futsal, mas também no vôlei, basquete e até pôquer, é comum observarmos
princípios a serem seguidos pelo jogador, com objetivo de ter mais eficiência na
partida. No futsal, por exemplo, o professor Ricardo Pace fala em:

1-Fazer sempre o mais fácil (vamos falar mais à frente sobre a importância dessa
simplicidade)
2- Assegurar o controle da bola
3- Procurar as linhas diagonais de passe

Esses princípios possibilitam que o jogador tenha um comportamento mais


eficiente durante a partida, além de permitir maiores oportunidades para quem possui
a melhor “leitura do jogo”. Mas esse material não é sobre futsal. Precisamos entender
como esse conceito influencia ou deveria influenciar nosso comportamento no serviço
policial, bem como fora dele.
O grande diferencial da Mentalidade Tática Policial é o risco de morte envolvido
em toda e qualquer ação, fazendo com que detalhes não percebidos ou até
menosprezados pelas pessoas comuns tenham grande importância e caráter decisivo
no desfecho de ocorrências. O operador de segurança precisa prever
comportamentos, se posicionar de maneira favorável para mitigar riscos, fazer análise
legal de suas ações, dominar as técnicas e táticas que irá aplicar, realizar um
planejamento mínimo antes de agir, além de possuir a resiliência necessária para
transpor os obstáculos que, sem dúvida, irão aparecer no desenrolar de suas ações.
O número de demandas cognitivas é muito grande. Por esse motivo, é fundamental
seguir princípios e protocolos de atuação e treinamento, adequados à realidade, para
reduzir o número de possibilidades de erro. Erro, na atividade policial, geralmente
significa a morte do operador, de outras pessoas inocentes, ou a liberdade do infrator.

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No que diz respeito ao treinamento, veremos que a estrutura e metodologias
aplicadas no ambiente de formação dos operadores de segurança pública na maioria
das vezes é inadequada ou completamente alienada da realidade operacional
vivenciada posteriormente por esses profissionais. Seja por falta de investimento em
capacitação ou por falta de pesquisa e desenvolvimento de uma metodologia eficiente
de instrução, a verdade é que as instituições, não raramente, capacitam os
operadores de forma equivocada, ensinando técnicas muitas vezes inúteis e deixando
de ensinar técnicas que o operador utilizaria todos os dias.
A ciência tem ajudado as forças de segurança do mundo todo a treinar melhor
e de forma mais eficiente, ajudando a entender quais são as necessidades do
operador e como melhorar sua performance tática. As discussões sobre questões
como a influência da visão de túnel e como ela deve ser considerada no treinamento,
ou a respeito do ciclo cognitivo sob estresse e como simular esses fatores
estressantes, como adquirir a memória muscular adequada e até como treinar a visão
e capacidade de “ler” cenários com maior eficácia nos mostram o quanto a ciência
pode ser um poderoso impulso para formas mais eficazes de capacitar. A seguir
discutiremos algumas dessas temáticas de cunho teórico e sua relação prática com a
Mentalidade Tática Policial.

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2-Ciclo OODA – Os ensinamentos de Boyd

Imagem 1: John Boyd durante guerra da Coreia

O Ciclo O.O.D.A (acrônimo para: Observar, Orientar-se, Decidir e Agir), foi o


resultado de uma vida de análises de um Piloto da Força Aérea Norte Americana
chamado John Boyd. Ele foi piloto na guerra da Coréia e lá pode observar algo
incomum no combate aéreo. Na época, os americanos utilizavam os F-86 Sabres,
contra os MIG-15 da Rússia. Os MIG-15 eram extremamente superiores ao modelo
americano. Eram mais rápidos, maiores e mais potentes. Mesmo com toda essa
vantagem para os Russos, os pilotos Americanos alcançaram uma taxa de abate de
10:1 contra os MIG-15, algo que despertou a curiosidade de Boyd. Ele analisou as
táticas de combate utilizadas e verificou que a grande vantagem do F-86 estava na
maior visibilidade que o piloto possuía, provocando uma maior “consciência
situacional”, aliada com capacidade de manobra da aeronave de maneira menos
cansativa. Essa análise inicial levou Boyd a uma série de estudos sobra tática de
combate, estratégia de guerra e até o desenvolvimento de novos modelos de caça.
Durante sua vida profissional, Boyd organizou o que viria a ser conhecido como
ciclo de Boyd, ou ciclo O.O.D.A. Ele percebeu que nosso pensamento funciona de
maneira cíclica, em “loops”. Fazemos isso centenas de vezes todos os dias. Por
exemplo: Quando estamos em um local conhecido pela alta taxa de crimes e
“observamos” dois homens em uma moto, passamos a entender (nos “orientamos”)

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que é provável que sejam assaltantes e “decidimos” entrar em um estabelecimento
comercial com maior movimento, “agindo” assim com o objetivo de evitar o assalto.
Na maioria dos cursos e análises no Brasil sobre o ciclo O.O.D.A e sua
utilização por profissionais de segurança pública dentro e fora de serviço, é falado que
devemos realizar nosso ciclo de maneira mais rápida que o nosso adversário, pois
quando fazemos isso obrigamos ele a reiniciar o próprio processo e obtemos
vantagem tática sobre o oponente. Beleza, isso faz todo sentido, mas não nos diz
tanto assim sobre nossas formas de treinar. Além do mais, a maioria das pessoas
relaciona o ciclo O.O.D.A apenas com a necessidade de agir preventivamente (se eu
não estiver no celular e estiver “observando” o ambiente, tenho vantagem sobre meu
adversário na realização do ciclo O.O.D.A e vou conseguir entender o cenário de
forma mais rápida), citando uma série de casos práticos que mostram como é
importante estar atento ao que acontece ao redor, mas nem sempre isso explica uma
série de problemas que experimentamos em ocorrências reais, como quando não
percebemos algo que está na nossa frente, ou quando não ouvimos algo que está
sendo gritado do nosso lado ou quando não conseguimos tomar certas atitudes
racionais por conta de cargas emocionais relacionadas com o que está sendo visto.
A maioria das pessoas ignora as melhores análises de Boyd sobre o que ele
chamou de “Grande O”, que é a “Orientação”. No esquema abaixo, temos a versão
expandida e mais profunda do ciclo, mostrando os principais pilares que tornam a
orientação algo complexo e multifatorial.

Imagem 2: Ciclo OODA versão expandida, mostrado na última apresentação de Boyd.

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Imagem 3: Ciclo OODA versão simplificada

De acordo com o gráfico, a herança genética, tradições culturais, experiências


passadas, novas informações e capacidade de análise e síntese definem a forma
como iremos entender as informações que chegam ao nosso cérebro através dos
sentidos (principalmente a visão). Desde os antigos filósofos, existe a noção de que o
que a gente vê pode ser totalmente diferente do que a gente entende. Ver é algo físico,
resultado de estimulo luminoso no globo ocular que se transforma em estimulo elétrico
e chega ao cérebro. Entender o que está sendo visto é algo psicológico, e os fatores
que falamos acima e que estão no esquema de Boyd são espécie de filtros, lupas ou
barreiras que alteram essa percepção a respeito do que foi visto.
A compreensão disso é vital para o operador que trabalha no patrulhamento
tático, em blitz de trânsito, em unidades especiais que realizam resgate de reféns ou
agentes de segurança de qualquer atividade que lida diretamente com os riscos da
imprevisibilidade. A forma como agimos está sujeita a influências específicas que nem
sempre poderão ser identificadas facilmente por quem vai analisar essas ações
(judiciário, imprensa, sociedade), e o operador precisa ser treinado de maneira
adequada para compreender essas interferências e realizar um julgamento mais
adequado sob forte estresse.

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3-Fricções de guerra – Os ensinamentos de Clausewitz

Imagem 4: Capa do livro On War, de Clausewitz

No meio policial existem expressões do tipo: “só sabe como é quem está na
rua”, “Na área (ambiente operacional) é diferente”, “Fulano não sabe comandar pois
nunca trabalhou na rua”. Essas frases são estimuladas por uma cultura específica,
porém, trazem consigo uma verdade tratada por teóricos de guerra, grandes líderes
militares, psicólogos e instrutores policiais de várias partes do mundo: Só entende as
particularidades do ambiente operacional quem tem experiência nesse ambiente! Nós
chamamos essas particularidades de “Fricções”.
O conceito de Fricção foi amplamente descrito por Clausewitz, General do
Reino da Prússia no final do século XVIII, início do século XIX. Ele escreveu um
clássico sobre estratégia de guerra chamado “Da Guerra”, onde dedica um capítulo
para descrever o que seriam essas fricções que tanto interferem no resultado das
batalhas e que devem ser encaradas com seriedade pelo comandante de uma força
militar.
Em resumo, fricção é o que distingue a guerra no papel da guerra de verdade.
É a diferença entre pensar e fazer. Só consegue compreender o valor de considerar
as fricções em um planejamento aqueles que possuem experiência com elas. Na
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época em que o livro foi escrito, uma das fricções que mais atrapalhavam os
resultados das batalhas era o tempo. Para quem nunca esteve em uma batalha não
seria simples de entender o quanto uma chuva podia mudar o resultado de uma
guerra, mas quem vivenciou as fricções e deu a devida importância a elas, esteve em
vantagem na batalha. Será que esses conceitos de guerra do início do século XIX
servem para analisar e criticar as formas de operar e de treinar para atuação tática
nas demandas de segurança pública atuais?
A resposta é sim. Os tipos de fricções mudaram mas continuam sendo de
extrema importância para uma intervenção eficiente na resolução de conflitos,
execução de operações policiais e sobrevivência no confronto armado. Quem nunca
esteve envolvido em operações policiais de alto risco não compreende com facilidade
a importância de ter um objetivo de missão bem definido, comunicação eficiente,
realizar checagem de abandono, briefing detalhado, estar preparado para lidar com
alterações no plano e compreender o que é sucesso e o que é fracasso no ambiente
operacional.
Quem elabora planos complexos para uma ação operacional, geralmente, é
quem possui pouca experiência nisso. O treinamento deve proporcionar ao máximo a
aproximação do operador com o maior número possível de fricções, objetivando o
fortalecimento de mapas mentais eficientes, que provoquem uma resposta mais
rápida do operador, diante da situação inusitada. Ninguém treina a possibilidade de
escorregar, de não conseguir romper o cadeado para a entrada tática, da
comunicação falhar de maneira repentina. O treinamento precisa ser próximo da
realidade.
Quando o operador não sabe lidar direito com as fricções, ele pode acabar
entrando no que o autor Gary Klugiewicz chama de “Fixação tática”, que é quando
nosso cognitivo esbarra com um problema, mas não tem capacidade de resolver de
outra forma que não seja a que já tentou e não funcionou. Exemplo: um membro da
equipe tática, responsável por fazer a abertura de uma porta com aríete, entende que
o plano é bater o mais forte possível em um ponto e então provocar a abertura da
porta. Quando começa ele percebe que a porta possui uma série de treliças de
contenção, além de ser feita de um material extremamente resistente, ou seja, não
será possível provocar a abertura da porta com aquele aríete, porém, o operador
continua batendo indefinidamente, sem nem ao menos variar a posição do ataque.

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Isso ocorre pelo fato de que, no momento de tensão, segundo o autor,
perdemos boa parte da capacidade adaptativa para traçar outros planejamentos e
propor uma nova solução para o problema. Como não foi considerada a possibilidade
de a porta não abrir, o operador não consegue se afastar da ideia que foi treinada ou
decidida antes de operação.
Você já parou para pensar que as barras anti-pânico da saída de emergência
do cinema são feitas daquela maneira pelo mesmo motivo?
Com relação ao treinamento, as instituições falham frequentemente em não
conseguir oferecer o ambiente de instrução mais próximo possível da realidade, seja
por questões logísticas e de baixo investimento, ou para garantir a segurança da
instrução, já que o ambiente operacional real é extremamente arriscado. Algumas
situações são até mais fáceis de contornar, como o treinamento em casas mobiliadas
ao invés de casas vazias de instrução. O treinamento com uso de airsoft ou paintball
são soluções que também fornecem uma experiência mais rica em termos de fricção
e proporcionam melhor aprendizado e em menor tempo, devido à importância da
“Inoculação de estresse” para o aprendizado tático.

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4- Relação entre estresse e performance

Quando comecei a estudar com maior profundidade a estrutura do treinamento


tático e suas consequências para a atividade de segurança pública, me chamaram a
atenção os trabalhos do Psicólogo e Oficial do Exército americano Dave Grossman.
O nível de praticidade e importância acadêmica e operacional dos comentários
contidos em seus livros são assustadoramente notáveis, porém pouco incrementados
aos processos de ensino para forças policiais no Brasil. Em uma de suas
constatações, que reuniu diversas pesquisas corroborando sua conclusão, o autor nos
apresenta o Gráfico abaixo, que relaciona estresse e performance:

Imagem 5: Gráfico proposto por Grossman no livro “On Combat”.

Ele é a junção do tradicional modelo de U invertido da curva de performance


com os trabalhos sobre os níveis de tensão e suas consequências fisiológicas, que
resultaram no modelo de cores que se tornou famoso através da difusão desse modelo
pelo coronel Jeff Cooper. É de suma importância compreender de forma antecipada

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(sem precisar ter passado por situações críticas) como a tensão de uma ocorrência
pode mudar o rendimento e a capacidade de pensar e de agir.
As cores, de acordo com Cooper, representam os estados da mente, onde, na
condição BRANCA, o indivíduo está completamente relaxado e vulnerável. Na
condição AMARELA o indivíduo está calmo, porém alerta ao que ocorre ao seu redor,
com ritmo cardíaco maior que na condição branca. A condição amarela é a que deve
se encontrar todo policial durante seu período de serviço. A condição VERMELHA é
relacionada ao momento da intervenção em uma ocorrência crítica, uma vez que o
ritmo cardíaco vai estar ainda mais elevado, uma série de hormônios entram em ação
e o indivíduo estará em sua capacidade máxima de performance para sobreviver
(lutando ou fugindo). Após a condição vermelha, os estudos mostram que os
indivíduos comuns perdem rendimento de maneira proporcional ao aumento do ritmo
cardíaco provocado pela tensão. Foram acrescentadas então a condição CINZA e
PRETA, que detalham esses problemas e o quanto isso pode interferir no resultado
de operações de alto risco e confronto armado fora do serviço.
O grande destaque das observações de Dave Grossman, no entanto, é
entender as cores como uma representação não apenas de um estado da mente (algo
que escolhemos) mas uma sólida consequência fisiológica e psicológica da elevação
do ritmo cardíaco mediante tensão. Podemos estar em uma viatura, numa situação
calma, ao lado de uma pessoa que já está passando da condição vermelha para a
condição cinza. Temos que entender também que esses estágios acarretam em
alterações perceptuais nos sentidos (falaremos disso mais a frente) e que isso precisa
ser amplamente considerado durante o treinamento.
A última e mais importante observação é a respeito da linha pontilhada do
gráfico, mostrando uma extensão do pico de performance até a condição cinza. Essa
linha pontilhada se refere aos profissionais de ALTO RENDIMENTO, ou seja,
profissionais que treinaram tanto que conseguem se manter no pico de performance
mesmo com toda a carga de tensão da condição cinza, em que efeitos psicológicos
como o de “piloto automático”, em que a pessoa não pensa sobre o que está fazendo,
agem no indivíduo, mas o seu treinamento foi tão intenso que ele simplesmente
consegue fazer o que treinou sem pensar! Sim, isso existe!
Aí reside a motivação pela qual devemos levar a sério a forma como instruímos
e o quanto investimos em capacitação, evitando formar operadores que não

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compreendem as próprias limitações e que acham que desenvolveram uma
determinada habilidade por ter praticado algumas vezes.

5-Teoria da simplicidade tática

Leo Frankowski é um brilhante engenheiro com várias patentes e muitos


livros de ficção científica em seu nome. Ele e eu colaboramos em várias
obras militares de ficção científica. Ele diz que, “nas paredes dos
vestiários dos engenheiros, você encontrará uma placa onde se lê ‘KISS!’
Quando alguém pergunta do que se trata, lhe dizem que significa “Keep It
Simple Stupid” (Que em tradução livre pode ser interpretado como “não
complique seu estúpido!” Esta regra fundamental também se aplica no
treinamento e preparação de guerreiros para o combate. (Grossman,
Dave. On Combat, p. 27)

Mesmo com quase todos os seriados policiais tentando mostrar o contrário, a


simplicidade sempre foi o maior vetor de sucesso, mesmo para as ações mais
audaciosas já vistas, em termos táticos. Quem já participou de uma operação policial,
com ou sem confronto armado, vai entender e concordar com a importância da
simplicidade e com o poder que a tensão das ocorrências tem de complicar as coisas
e fazer elas darem errado para quem não se preparou para situações absurdamente
obvias.
A atuação policial é extremamente complexa por si só, pois precisamos tomar
decisões vitais em segundos, com consequências muito sérias para a sociedade e
para a integridade física do próprio operador. Além disso, o policial precisa dominar o
uso de uma série de equipamentos que podem estar disponíveis para o seu trabalho,
como armas de fogo, instrumentos de menor potencial ofensivo, equipamento
radiotransmissor, dentre outros. A demanda de treinamento específico é gigantesca,
uma vez que o policial precisa estar preparado para fazer uso de cada instrumento e
equipamento, de forma rápida, precisa, sob grande tensão e realizando análises
jurídicas sob pena de ser responsabilizado pelo abuso de sua autoridade, excesso no
uso da força ou pela omissão de dever agir.
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O psicólogo experimental William Edmund Hick, em 1952, pesquisou e
escreveu sobre um assunto que ficaria conhecido posteriormente como “lei de Hick”,
em seu trabalho, ele analisou o tempo de tomada de decisão mediante o número de
escolhas apresentadas como opção. Com isso, ele chegou à conclusão de que ao
aumentar o número de opções de uma para duas, o tempo de resposta sobe mais de
50%, de maneira logarítmica. Esse tempo de resposta é chamado de “taxa de ganho
de informação”.
Algumas questões interferem nesse tempo de resposta e a principal delas é o
estímulo ser conhecido ou não, pois estímulos conhecidos geram respostas mais
rápidas, e é aí que precisamos trazer essas noções da ciência para nossa realidade
da atuação tática e metodologia de treinamento, pois precisamos refletir sobre a
relação entre carga horária e conteúdo ministrado para desenvolver uma nova
habilidade.
Algo que sempre observei nas instruções de tiro que ministrei formalmente pela
instituição nos cursos de formação é que dificilmente o aluno saía preparado para
solucionar uma pane de tiro, simplesmente pelo fato de que passávamos mais de uma
forma de solucionar a pane e não havia tempo para simular essas panes e transformar
o estímulo em algo conhecido, além do aluno ser bombardeado com várias opções,
que iriam demandar maior tempo para uma resposta adequada no cenário real. Quem
planeja e/ou executa operações táticas, tanto de cunho convencional quanto de ações
táticas especiais, consegue perceber com maior facilidade quais são as fricções
envolvidas em cada situação e como se preparar melhor para isso.
Outro aspecto a ser observado é sobre a simplicidade da orientação aos
operadores que participarão da ação, a respeito do que devem fazer e qual objetivo
deve ser atingido. Para isso faço referência ao trabalho dos pesquisadores Franklin
Henry e Donald Rogers, que em 1960 verificaram em suas pesquisas que aumentar
o número de tarefas aumenta também o tempo de execução da primeira tarefa. Você
pode estar achando que isso parece bem óbvio, mas deixa eu explicar de outra forma.
Eles mediram o tempo em que uma pessoa levava para cumprir uma tarefa simples
(acender uma luz), depois adicionaram outras tarefas e mediram novamente o tempo
que essa mesma pessoa levava para cumprir as tarefas, porém só estava sendo
analisado o tempo levado para a primeira tarefa, que não tinha mudado. Pelo fato de
ter outra tarefa para executar após acender a luz, a pessoa demorava mais para

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acender. Isso nos mostra o motivo pelo qual precisamos ser objetivos nas orientações,
de modo a exigir o mínimo possível do cognitivo do operador com questões
desnecessárias à compreensão da tarefa dele e do objetivo da missão.

6-Estágios de competência:

Desenvolver uma nova habilidade definitivamente é um processo. Não


acontece da noite para o dia, ainda mais quando essa habilidade envolve o manuseio
de equipamentos específicos, sob forte estresse, em situação de risco real. Quando
estou preparando minhas instruções, sempre recorro à análise do meu próprio
processo de aprendizagem durante a carreira (pois me considero uma pessoa com
capacidade cognitiva na média da sociedade) para poder definir o tempo mais
adequado para passar certos conhecimentos e poder avaliar se o aluno está tendo o
rendimento esperado no aprendizado daquela habilidade.
Um exemplo prático foram as minhas experiências com a espingarda Gauge
12. Tive o primeiro contato no manuseio dessa arma durante o Curso de Formação
de Oficiais, na Bahia em 2009, porém nunca disparei com ela durante o curso. Tive
contato novamente em 2011 durante estágio realizado na Companhia de Policiamento
Especializado de Caatinga, onde me perguntaram se eu era habilitado para utilizar a
arma e eu afirmei que não, pois nunca havia disparado e o tempo que tive de instrução
não foi suficiente. Após alguma instrução e alguns disparos me senti apto para utilizar
naquele momento.
Depois dessa experiência só fui ter contato com a arma novamente no final de
2012, na Instrução de Nivelamento de Conhecimento da Força Nacional de Segurança
Pública, onde mais uma vez aleguei que não me sentia seguro para fazer o uso da
arma e pedi por mais instrução. Finalmente, em 2013, realizei o curso de Operações
de Controle de Distúrbios, ministrado pela PRF no Rio de Janeiro, onde a habilidade
no manuseio da espingarda era bastante cobrado. Ainda assim, depois de todas essas
experiências de aprendizagem, o instrutor percebeu que eu não era extremamente
familiarizado com a arma e me deu algumas dicas e pude treinar bastante durante as
atividades de instrução e avaliação.

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Onde quero chegar com tudo isso? Quero simplesmente afirmar que
desenvolver uma habilidade leva certo tempo e que uma nova habilidade atrofia muito
mais rápido que outra que foi sedimentada por mais tempo. Outra conclusão seria
sobre a necessidade de elencar quais habilidades são mais importantes para poder
investir maior carga horária nelas. Não adianta querer habilitar um aluno para utilizar
todas as armas da instituição se para isso eu acabar prejudicando o processo de
aprendizagem dele para o uso da pistola, sendo que a pistola será utilizada por todos
os policiais em todos os serviços e as outras armas não.
Autores de diversas áreas conexas à tática policial, psicologia do combate, tiro
tático, Programação Neurolinguistica e Neuropsicologia citam o conceito dos níveis
de competência para explicar de forma simplificada como funciona esse processo de
aprendizagem. Dentre os autores temos: Joseph O’Connor (2012), Dave Grossman
(2008), Pellegrini (2018). A teoria é atribuída originalmente ao autor Noel Burch (1970)
mas frequentemente associada ao psicólogo Abraham Maslow, o mesmo que
desenvolveu a famosa pirâmide das necessidades de Maslow. Para resumir a história,
os estágios de competência são quatro:

Incompetência Inconsciente: O operador não sabe e não sabe que não sabe. É o
nível mais perigoso pois muitas vezes o operador não compreende que precisa
desenvolver certa habilidade pois ainda não se tornou consciente da própria
incompetência.
Incompetência Consciente: Nesse estágio o operador começou a praticar
determinada habilidade e percebeu que precisa treinar muito ainda para dominá-la.
Ele entendeu que não sabe algo. Isso é muito bom para o manuseio de qualquer
material potencialmente lesivo, pois o operador ao menos já se dá conta dos riscos
envolvidos e age com maior prudência.
Competência Consciente: Nesse estágio o operador já possui pleno domínio da
nova habilidade, mas ainda precisa investir seu cognitivo consciente para executar a
habilidade de forma correta.
Competência Inconsciente: Esse é o estágio almejado por todos para qualquer
habilidade. Esse estágio significa que você dominou e treinou de tal forma que não é
mais necessário pensar em como fazer, o processo é automático e intuitivo. O
operador faz sem pensar e irá conseguir fazer sob forte tensão.

21
Um autor adiciona ainda o estágio de Maestria, onde poucos indivíduos
conseguem chegar e que transcende a competência inconsciente, permitindo que o
indivíduo execute uma determinada habilidade em altíssimo nível de rendimento e
perfeição, fazendo parecer algo fácil aos olhos alheios. Outro Autor relaciona uma
carga horária média de treinamento para atingir cada nível de competência já descrito,
ficando a relação como mostra o quadro abaixo:

NÍVEL DE COMPETÊNCIA CARGA HORÁRIA


Incompetência Inconsciente ------------
Incompetência Consciente ------------
Competência Consciente 1.000 horas
Competência Inconsciente 5.000 horas
Maestria 25.000 horas

O estágio de Incompetência Inconsciente é associado geralmente ao indivíduo


que nunca teve contato com o treinamento para desenvolver determinada habilidade,
então não consegue nem ao menos compreender se aquilo é algo difícil de fazer ou
não. Porém, devemos fazer uma referência ao treinamento de tiro policial, em que
isso se observa em diversos operadores, que tem contato apenas com o tiro estático
e entende que foi capacitado para o “tiro policial”. Esse operador não sabe atirar sob
as condições de uma ocorrência policial e ainda não sabe disso. Entendo que esse
seja o maior risco operacional que as instituições policiais passam hoje em dia:
Formam operadores para uma atividade, afirmando que estão formando para outra
completamente diferente.

22
7-Inoculação de estresse

“O General Barry McCaffrey (melhor conhecido como o Czar da Droga durante


a administração Clinton) contou uma história a um grupo de cadetes de West Point
sobre suas experiências no Vietnã que exemplificam muito bem sobre o que se trata
a inoculação do estresse. Um dia ele e um amigo (um colega da Escola de RANGERS
de West Point) estavam no Vietnã deitados atrás de um arrozal quando balas
passaram por cima de suas cabeças. No pique da batalha, o amigo do General se
virou para ele e disse, “Que inferno, pelo menos nós não estamos na escola de
RANGERS” (Grossman, Dave. On Combat. 2008, p. 125)

O termo “Inoculação” foi inserido por Dave Grossman em seus trabalhos,


porém, seu conceito encontra correspondência com diversos termos explanados por
outros autores e que tratam basicamente da mesma coisa. A ideia é bastante simples,
mas com muito suporte de pesquisa realizada por psicólogos e instrutores militares e
policiais. Inoculação de estresse é uma ferramenta pedagógica, onde o indivíduo deve
ser submetido a situações que elevem a tensão, durante o seu treinamento, com
objetivo de deixa-lo preparado para o que vai encontrar na situação real.
A inoculação de estresse, durante o treinamento, vai aproximar o operador das
fricções da situação real, onde os disparos são reais, os alvos se movimentam, o
operador tem exclusão auditiva, visão de túnel, perde capacidade motora complexa,
entra em “piloto automático”, dentre outras situações. Quando o operador é exposto
no treinamento ao que vai sentir na situação real, ele corresponde melhor e fica
habilitado para lidar de forma mais eficiente com esses problemas.
Uma pesquisa foi realizada nos Estados Unidos com ratos para entender como
funciona a inoculação de estresse. Eles foram separados em três grupos distintos e
fizeram o seguinte: Pegaram o primeiro grupo de ratos e jogaram todos dentro de uma
banheira cheia de água e esperaram para saber em quanto tempo os ratos morreriam
afogados. Levou 60 horas para que parassem de se debater e morressem afogados.
Depois disso pegaram o segundo grupo e penduraram de cabeça para baixo, gerando
altíssima tensão e fazendo com que se agitassem em grande desespero e esperaram
até que parassem de se mover. Quando desistiram de lutar contra aquela condição e

23
ficaram imóveis, foram então colocados dentro da banheira cheia de água e foi
marcado o tempo que levavam para morrer afogados. Levou apenas 20 minutos. Eles
foram expostos a uma situação de extrema tensão pela primeira vez e logo após
tiveram que lutar por suas vidas. A tensão os levou a desistir de lutar, pois não sabiam
que era possível lutar e sobreviver.
O terceiro grupo também foi colocado de cabeça para baixo, mas depois de
certo tempo foram retirados e colocados na gaiola novamente. Isso foi repetido
diversas vezes e só depois os ratos foram colocados também na banheira. Dessa vez
os ratos passaram as 60 horas e ainda não haviam se afogado. A diferença é que
esses ratos receberam inoculação de estresse, de forma repetida, nas vezes que
foram colocados de cabeça para baixo, porém sempre ficavam vivos após isso.
Quando foram colocados na banheira ficaram por mais tempo lutando para não morrer
afogados, condicionados para lutar e sobreviver.
Muitas pessoas criticam o formato pedagógico doutrinário dos cursos de
formação de unidades especiais militares em vários lugares do mundo. Levar o aluno
ao limite do cansaço físico e mental, estabelecer tensão constante, seja através de
diversas avaliações, seja na exposição do aluno aos seus maiores medos, ou
colocando o aluno em situações aparentemente de humilhação ou degradação moral,
são algumas das ferramentas duramente criticadas por pessoas alheias à realidade
operacional de alto risco.
Esses cursos, extremamente rígidos, são os melhores inoculadores de estresse
de combate, preparando com maior eficácia o operador para a realidade que ele irá
enfrentar.

24
8-Distorções Perceptuais

Para entender melhor sobre os fenômenos psicológicos durante momentos de


extrema tensão, a Dra. Alexis Artwohl realizou pesquisa com 141 oficiais de polícia
que haviam se envolvido em confronto armado. Os resultados foram importantes para
desmistificar um pouco do efeito dos filmes de hollywood no imaginário da população
e de boa parte dos operadores, trazendo-os para a realidade e destacando questões
que tornam muitos treinamentos inúteis ou inadequados, mas dando sentido a outros
treinamentos que até instrutores utilizavam sem saber o verdadeiro motivo. Sob forte
tensão, não conseguimos ouvir direito, não conseguimos ver direito, e muitas vezes
não conseguimos simplesmente pensar. O quadro abaixo organiza de forma
simplificada e com o percentual de operadores que apresentaram cada tipo de
distorção perceptual.

DISTORÇÕES DE PERCEPÇÃO EM COMBATE


FONTE: DEADLY FORCE ENCOUNTERS, POR DRA. ALEXIS ARTWOHL E LOREN
CHRISTENSEN, BASEADO NA PESQUISA COM 141 OFICIAIS
% TIPO DE DISTORÇÃO
85 DIMINUÍRAM A PERCEPÇÃO DO SOM (EXCLUSÃO AUDITIVA)
16 INTENSIFICARAM A PERCEPÇÃO DO SOM
80 VISÃO DE TÚNEL
74 PILOTO AUTOMÁTICO
72 AUMENTARAM A CLARIDADE VISUAL
65 TEMPO DE MOVIMENTO LENTO
7 PARALISIA TEMPORÁRIA
51 PERDA DE MEMÓRIA PARA PARTES DO EVENTO
47 PERDA DE MEMÓRIA PARA ALGUMAS DE SUAS AÇÕES
40 DISSOCIAÇÃO (SEPARAÇÃO)
26 PENSAMENTOS DISTRAÍDOS INTRUSIVOS
22 DISTORÇÃO DE MEMÓRIA
16 TEMPO DE MOVIMENTO RÁPIDO

25
Essas distorções possuem TOTAL relação com o gráfico de estresse e
performance que discutimos anteriormente. São efeitos físicos e psicológicos
resultantes do aumento do ritmo cardíaco, provocado pela tensão da ocorrência. De
acordo com isso, podemos entender a importância de exercícios de memória muscular
que favoreçam o escaneamento do ambiente, checagem da arma de fogo,
conhecimento prévio de onde está localizado cada carregador de pistola ou arma
longa e formas de comunicação visual como linguagem das armas. Devemos fazer
com que o treinamento desafogue o nosso cognitivo, deixando ele livre para as
fricções especificas da ocorrência.

9- Princípio de Pareto

Também chamado de regra do 80/20 ou lei dos poucos vitais, o princípio foi
sugerido por Joseph Moses, que deu o nome em homenagem ao economista Vilfredo
Pareto, que, no século 19, observou em seu jardim que 80% das ervilhas eram
produzidas por apenas 20% das vagens. Ele observou a distribuição de terras na Itália
e verificou a mesma proporção, onde 80% das terras pertenciam a apenas 20% das
famílias. Esse princípio então passou a ser aplicado em diversas áreas do
conhecimento, como uma espécie de regra da tumba. O princípio de Pareto, em
síntese, afirma de 80% das consequências são efetivadas por 20% das causas.
Trazendo para a questão tática, o princípio de Pareto deve ser considerado
com seriedade em nossos treinamentos, uma vez que em breve análise, percebemos
que 80% dos problemas de desempenho tático são causados por 20% dos erros, bem
como 20% das técnicas são utilizadas em 80% das situações. Se juntarmos o princípio
de Pareto com a lei da simplicidade tática de Hick, veremos que é mais valioso treinar
poucas técnicas e as técnicas mais utilizadas na realidade do operador, ou treinar um
procedimento que resulta em uma solução mais abrangente. Caso clássico seria a
solução de panes em armas curtas. Outro exemplo prático seria o treino de
fundamentos de tiro, onde é possível observar que apenas dois ou três erros
(antecipação do recuo, esmagamento incorreto do gatilho e pouca força na mão de
suporte) atingem cerca de 80% dos atiradores, sendo muito mais produtivo dedicar
mais tempo a esses fundamentos do que aos outros, que possuem pouca interferência
estatística na qualidade dos disparos.

26
É fundamental compreender quais habilidades geram mais resultados na
atuação profissional e quais falhas são mais recorrentes, para que o esforço de
qualificação seja mais eficiente, principalmente na distribuição de carga horária e
elaboração de ementas dos componente curriculares.

27
Mas, como deve ser a estrutura desse
treinamento, então?

28
10- As quatro etapas do treinamento de alto rendimento

“Todo exercício tático ajuda em alguma coisa e atrapalha em


outra. É fundamental entender o que está sendo treinado e por
que” (Irlan Calaça)

Uma metodologia eficiente de treino tático deverá contemplar a capacidade de


criação de uma memória muscular eficiente e um mapa cognitivo bem definido, para
que, sob estresse, o consciente cognitivo esteja livre para lidar com as fricções que
tornam cada ocorrência um evento singular.
Apesar de uma infinidade de técnicas, doutrinas e cursos de especialização
tática existentes no Brasil, o estudo metodológico do treinamento tático é quase
inexistente, fazendo com que as várias formas de treinar sejam analisadas como
sistemas fechados e independentes entre si, corroborando ainda para a limitação do
aprendizado e aplicação dos conhecimentos na prática.
Outra situação recorrente é o fato de diversos instrutores ensinarem técnicas e
aplicarem metodologias de treino de forma consuetudinária, apenas por que
aprenderam daquela forma em seus cursos e não aplicam filtros críticos para analisar
se aquele método ou aquela técnica serve para sua atividade. Não é incomum
observar instrutores que ensinam técnicas que dizem respeito a uma atividade que
não executam, transmitindo assim uma visão procedimental alienada da realidade.
O objetivo desse tópico é tentar identificar a estrutura primária de todo e
qualquer treinamento tático, observando os objetivos de cada forma de treinar, suas
limitações como ferramenta pedagógica, o papel do instrutor no uso da ferramenta,
além de orientar o usuário do treinamento para possibilitar melhor aproveitamento do
tempo investido em instrução.
Basicamente, todas as metodologias atuais de treino tático (pensadas
realmente como metodologia ou não) compreendem a utilização, em maior ou menor
escala, das mesmas ferramentas, que tive a ousadia de organizar em uma proposta
de “Estrutura Geral do Treino Tático” que irei definir agora de maneira resumida:

29
1-CRIAÇÃO DE MEMÓRIA MUSCULAR:

A criação de memória muscular das ações táticas é a forma mais elementar e


fundamental de desenvolver uma habilidade neuromotora específica, sendo obtida
através de repetição dos movimentos, com correção. Marcel Pellegrini e Edimar
Moraes, ex-operadores do Comando de Operações Táticas da Policia Federal e
instrutores de tiro, no livro “Tiro de combate Pistola: Fundamentos e
Habilidades”(2017) citam o trabalho de Richard A. Schmidt, que em sua obra “Motor
Learning and Performance” (2013) estipula a necessidade de cerca de 300 a 500
repetições de um movimento correto para o estabelecimento de uma nova memória
muscular. Já para a conversão de uma memória muscular incorreta sedimentada
seriam necessárias de 3 mil a 5 mil repetições com correção. Essa informação nos
mostra o quanto é trabalhoso consertar algo que foi aprendido errado.
Quanto mais repetimos determinado movimento, aumentamos a previsibilidade
do resultado dele, sedimentando uma trilha cognitiva que aumentará a possibilidade
do resultado satisfatório no momento de tensão. Por esse mesmo motivo, é primordial
existir a correção, uma vez que a repetição de movimento inadequado fará com que
ele seja reproduzido, mesmo que o erro seja consciente, provocado por falta de
estrutura de treinamento ou algo similar ( ex: treinar procedimentos de abordagem
fingindo estar com uma arma)

Exemplos de treino de memória muscular:

-Saque da arma, apresentação da arma, deslocamento, giro estacionário, posições


de tiro, varredura, solução de panes de tiro, uso da bandoleira, recarga do armamento,
dentre outros!
Exemplos de metodologia específica de treino de memória muscular para ações
táticas:
-Método R.A.I.O (Desenvolvido em 2008 por Policiais Rodoviários Federais e Policiais
Militares do Distrito Federal), lembrando que esse método entra no espaço dos
exercícios cognitivos também.

30
2-EXERCÍCIO COGNITIVO:

Provavelmente, o começo das falhas nos processos de treinamento aplicados


nas forças de segurança esteja na forma de trabalhar o cognitivo nos exercícios. Não
adianta saber atirar, se não soubermos definir em quem atirar ou quando atirar. Não
adianta saber engajar um armamento com grande velocidade se você não for capaz
de compreender um cenário e identificar o seu agressor com a mesma velocidade.
Não adianta fazer o deslocamento mais rápido, com a melhor postura tática, se você
não sabe para onde ir.
Logo, devemos entender que o movimento treinado exaustivamente será uma
ferramenta para diminuir as demandas cognitivas no momento de estresse, uma vez
que no confronto armado não há tempo para pensar em como será realizado o saque
da arma, ou se a empunhadura está sendo feita de maneira correta. Isso deve ser
feito de maneira automática para que o cognitivo seja utilizado exclusivamente no
processo de interpretação do cenário (que nunca é igual), tomada de decisão e ação.
O exercício cognitivo deve estimular a capacidade analítica consciente de
tomar uma decisão e agir. Ele deve ser o passo seguinte ao treino de memória
muscular, já que ele utiliza a memória muscular como ferramenta para possibilitar a
ação em tempo adequado e com eficácia.
É nessa fase que começaremos a incluir a importância do ciclo OODA e dos
mapas mentais na forma de treinar, estimulando o operador a absorver informações
e instruções e agir de acordo com a interpretação dessas informações e não mais
apenas esperar o apito do instrutor autorizando a atirar.
No exercício cognitivo, o aluno receberá instruções prévias e precisa reagir de
acordo com as informações que recebeu. Não existe ainda uma correspondência com
a realidade, porém os estímulos são pensados de forma semelhante com as
demandas da ocorrência. É como um treino funcional para o cérebro. Fazemos
treinamentos de tiro com cores ou formas geométricas mas sabemos que nossos
alvos na rua não serão triângulos azuis ou retângulos vermelhos, porém sabemos que
esses estímulos ativam a mesma parte do cérebro e podem ser reproduzidos de
maneira mais sistemática.

31
Exemplos de exercícios cognitivos:

- Banner de treino cognitivo Ciclo O.O.D.A


-Atirar utilizando alvos de cores diferentes e receber instruções a respeito de quais
cores atirar -Utilizar alvos que diferenciam agressor de refém
-Realizar pistas de tiro do tipo IPSC (esse seria o limiar entre os exercícios cognitivos
e os exercícios de realidade simulada)
-Treinar a visão para identificar diferentes tipos de cenário
-Treinar procedimentos cognitivos para driblar a visão de túnel

3-PROTOCOLO DOUTRINÁRIO:

O protocolo doutrinário é um guia pré-definido de procedimentos pensados por


uma unidade ou instituição para que seus operadores apliquem nas mais variadas
situações, objetivando padronizar a atuação e aumentar a possibilidade geral de
sucesso. Protocolo é algo que existe nas mais variadas profissões e serve para
estabelecer um parâmetro de atuação que protege o operador e faz com que não seja
necessário reinventar a roda em cada situação com que ele se depara. Um cirurgião
não precisa estudar de que forma irá fazer uma incisão para extrair um apêndice, uma
vez que já existe um protocolo para isso e esse protocolo funciona, na maioria das
vezes. Normas ABNT são uma definição protocolar, bem como o manual de redação
da presidência da república ou as orientações para atendimento médico de urgência
feitas pela OMS.
O problema do treinamento policial, com relação ao protocolo doutrinário, é que
a instituição precisa estudar e definir seus protocolos com clareza, de modo que o
protocolo definido corresponda à realidade e proporcione sucesso à atuação. Muitas
vezes o que observamos são protocolos doutrinários desatualizados ou que foram
copiados de outras instituições, mas que não atendem as demandas especificas e
acabam caindo no descrédito e dando espaço às pessoas que querem reinventar a
roda a cada ocorrência e definir sua própria forma de atuação. A área de técnicas
policiais é recheada de diferentes protocolos doutrinários, no Brasil. A situação onde

32
é mais fácil de observar essas diferenças está na “Abordagem policial”, que mesmo
com o frequente intercambio de conhecimento entre polícias e tentativas de
padronização doutrinária, verificamos muitas diferenças na forma de cada instituição
realizar uma busca pessoal em individuo suspeito. A ROTA de São Paulo faz de uma
forma, a RONDESP da Bahia faz de outra forma, a Rádio Patrulha em Sergipe faz de
outra forma diferente das duas primeiras.
Quero apenas salientar que um protocolo doutrinário não é necessariamente
melhor do que outro e uma demanda tática pode ter sucesso sendo solucionada com
vários tipos de protocolos diferentes. Porém, é temerário apenas misturar os
protocolos dentro de uma mesma instituição, uma vez que feito isso, deixará de ser
um protocolo e os operadores serão colocados em situação de risco a cada
ocorrência.

Exemplos de treinamentos que envolvem protocolo doutrinário:

-Treinamento de Conduta de patrulha Falcão (CORE RJ)


-Procedimentos de Força Tática (PMESP)
-Entrada tática SWAT plena
-Entrada tática SAS adaptada
-Entrada tática Sistemática.

4- REALIDADE SIMULADA:

Aqui é onde todo treinamento tático deve chegar, se a intenção é de


verdadeiramente desenvolver uma habilidade que será utilizada pelo operador em sua
atividade fim. Vários autores falam isso utilizando palavras diferentes e analisando
aspectos diferentes da aprendizagem, dentre eles: Marcel Pellegrini e Edimar Moraes
(2017), Dave Grossman (2004), Giraldi (1999), Erico Flores (2006), Vasconcelos
(2015), Patrícia Raquel (2009), Frans Osinga (2005), mas todos são unânimes em
afirmar que o treinamento tem que buscar o maior nível de semelhança possível com
a atividade real. O mais próximo que temos do ideal, em termos de treinamento tático,
chamamos de “realidade simulada”, que pode ser feita de várias formas e com

33
diferentes níveis de investimento. Nem sempre o maior investimento irá significar
maior aprendizado, mas em geral os melhores métodos de realidade simulada
significam maior investimento.
Na execução de exercícios de realidade simulada, é importante que o aluno
receba as instruções abrangentes sobre as condições de simulação e seja apenas
observado e avaliado quanto a sua capacidade de aplicar o conteúdo aprendido de
forma prática, uma vez que o grande diferencial da realidade simulada é a
responsabilidade cognitiva que o operador terá em fazer escolhas. Não existe apenas
uma resposta certa quando se trata de ocorrência policial ou confronto armado. Nessa
fase do treinamento o instrutor não te mostra o caminho ou o que pode ou não pode
fazer. Além disso, essa fase de treinamento tem como objetivo preparar o aluno para
as singularidades das ocorrências, além de proporcionar inoculação de estresse,
principal recurso pedagógico para capacitar o operador para situações de alto risco.

Exemplos de treinamento de realidade simulada:

-Pistas policiais especiais de tiro (Giraldi, 1999)


-Simulações de ocorrência utilizando festim, airsoft, kits simunition, paintball.
-Simuladores virtuais, dentre outros.

34
Vejamos agora métodos inovadores para
treinamento tático...

35
11-Método RAIO

Das poucas metodologias existentes para o ensino dos movimentos mais


básicos das ações táticas individuais, destaco o método R.A.I.O (RETANGULOS
ALTERNADOS DE INSTRUÇÃO OPERACIONAL), o qual postarei o documento
explicativo na íntegra e posteriormente farei alguns pouco comentários.

_____________________________________________________________________
RETÂNGULOS ALTERNADOS DE INSTRUÇÃO OPERACIONAL

RAIO ®

1) Histórico:

Com uma preocupação semelhante à dos instrutores norte-americanos Max Joseph e


Alan Brosnan1, que em meados dos anos 90, desenvolveram a “Posição Sul”, o
treinamento com RAIO® foi desenvolvido durante as instruções básicas de Patrulha
Urbana e Rural em Ambientes de Risco, no 10º Curso de Operações Policiais Especiais
– 10º COESP/08, da Polícia Militar do Distrito Federal – PMDF. No intuito de automatizar
o controle da direção do cano, de maneira dinâmica e interativa, os instrutores
propuseram um treinamento em que policiais pudessem aprimorar essa habilidade
enquanto trabalhavam outras aptidões. Além do policial militar do Distrito Federal Jeisson
Antônio da Silva, participaram do processo de criação e desenvolvimento do método os
policiais rodoviários federais Jetson José da Silva, Elisrael Rodrigues Passos, Andrei
Gomes Cirilo, André Wilson Medeiros Carneiro e Wellker Cesar Farias. O nome RAIO® foi
uma sugestão do policial militar do Distrito Federal Peterson, à época, um dos alunos do
10º COESP/08. Devido aos vários benefícios propiciados, outras instituições de
segurança têm utilizado este método durante seus treinamentos de tiro, patrulha policial,
abordagem, entre outros.
1 Disponível em: <http://www.teesbrazil.com.br/ >. Acesso em: 10 de janeiro de 2016.

2) Finalidades do RAIO®

36
O principal fundamento do método é a automatização do controle na execução de
movimentos a serem adquiridos durante o deslocamento em uma trajetória pré-definida,
antes de treinamentos de maior complexidade. Durante os exercícios com o RAIO ®, os
policiais podem desenvolver as seguintes habilidades:
a) Caminhar tático;

b) Controle da direção do cano;

c) Transição de armamento;

d) Respiração durante execução de atividade física específica;

e) Tomada de “Posição Torre”;

f) Mudanças de direção;

g) Visão Periférica;

h) Melhoria da capacidade cardiorrespiratória.

3) Pré-requisitos técnicos:

Para um melhor aproveitamento do método é indispensável que o instruendo tenha


passado pelas seguintes etapas de Instrução Tática Individual – ITI:

a) Fundamentos de tiro de pistola e armas longas, tais como, empunhadura, visada, base,
plataforma de tiro, respiração, olho “diretor”, entre outros fundamentos;

b) Posição de tiro – em pé, de joelhos (torre) e deitado;

c) Caminhar “Tático”;

d) Mudanças na direção da posição de tiro.

4) Descrição do método:

Simples, prático, barato e de fácil aprendizado, o método consiste no deslocamento pré-


definido dos alunos, cada um em um retângulo, com dimensões mínimas de 12 metros de

37
comprimento por 4 metros de largura, que se cruzam perpendicularmente, dois a dois,
conforme desenho abaixo:

Figura 01. Esquema do RAIO®

a) Na hipótese de um local permanente, a delimitação dos retângulos pode ser feita


desenhando diretamente o piso, cada um com uma cor diferente para facilitar a
visualização. É importante que seja terreno um plano e o mais regular possível.
Entretanto, a demarcação pode ser feita com cal ou, simplesmente, delimitada por cones.
b) Posicionamento inicial - Após a montagem do cenário, conforme figura 01, quatro
instruendos mobiliarão os quatro retângulos, sendo que cada dupla iniciará em um vértice
oposto à outra.

c) Início da atividade – Os instruendos iniciarão o deslocamento na posição “engajado”,


em pé. Ao se cruzarem, o que ocorre durante todo o exercício, deverão fazer a retenção
da arma, passando para a posição “pronto baixo”, sem parar de caminhar. Imediatamente
após o cruzamento a arma, deve voltar ao engajamento.

d) Duração da atividade deve ser entre 01:30 a 02:00 minutos.

38
e) Dinâmica da atividade – Cada quarteto deverá passar pelo menos três vezes pelo
exercício. A primeira passagem deverá ser em um deslocamento lento. A segunda de
maneira moderada e, por conseguinte, a última mais acelerada. A partir da segunda
passagem, serão dados os comandos de “CONTATO!”, onde o policial deverá assumir a
posição de joelhos. Ao comando de “DESLOCA!”, a equipe retomará a movimentação. Na
última etapa, o instrutor também deverá comandar “retaguarda!” para que aluno execute
a mudança de direção. A partir da segunda passagem o instrutor pode comandar a
transição do armamento, por meio da verbalização “TRANSIÇÃO!”. Esta manobra pode
ser para que a arma longa seja substituída pela pistola e vice-versa.

f) Para facilitar o entendimento, o instrutor deverá usar um quadro branco fixado em


cavaletes ou um flipchart para explicar a dinâmica.

g) O treinando não avançará nas etapas enquanto não executar corretamente e sem
dificuldades, o procedimento anterior.

h) Durante os deslocamentos, o instrutor deverá interromper o exercício para ajustar ou


corrigir os procedimentos.

i) Ao término da instrução, o instrutor deverá informar aos policiais os pontos fracos que
necessitam ser melhorados.

j) Caso o treinamento de ITI não seja bem automatizado, o método pode ficar bastante
prejudicado. Os alunos podem apresentar dificuldades na transição do armamento,
empunhadura deficiente, deslocando de maneira inadequada, entre outras deficiências.

k) Respiração durante execução de atividade física é de grande importância. Muitos


instruendos se preocupam muito em executar o exercício da forma correta, porém sem se
atentar para uma respiração adequada. Assim, executam os movimentos em apneia,
provocando um cansaço excessivo. Deve-se alertar ao aluno que inspire e expire como
se estivesse realizando atividade física aeróbica.

l) Com relação às mudanças de direção destacamos que o cone ou o limitador do


retângulo não é uma esquina. Ou seja, não é necessário executar procedimentos de
tomada de ângulo (“fatiamento”). O limitador do retângulo serve apenas como substituto
para uma ordem verbal de mudança na direção, portanto, o exercício deve ser realizado
de forma contínua, sem paradas.

39
m) Uma das vantagens do método é desenvolvimento da visão periférica em conjunto
com o controle de cano. Atentar para que os policiais saibam o que acontece ao seu redor,
trabalhando a atenção de maneira difusa.

5) Registro e utilização do método:

O RAIO® é um pequeno legado, embora registrado e publicado, está à disposição para


todas as polícias. Entretanto, a única obrigatoriedade é a citação do nome do método e
suas origens. Qualquer tipo de plágio será levado à Justiça.

JETSON José da Silva


INSTRUTOR PRF
Caveira PMPR/18
Ações Táticas Especiais PMPI/33

Tive contato pela primeira vez com o método RAIO durante o VI Curso de
Operações de Controle de Distúrbios-COCD ministrado pela PRF no Rio de Janeiro,
em 2013, onde o criador do método foi um dos instrutores. Depois que conheci o
exercício, a simplicidade e efetividade, tanto para o aluno quanto para o instrutor,
passei a utilizar em todas as instruções possíveis e imagináveis para diversos
segmentos operacionais da PMSE, cometendo a ousadia, inclusive, de fazer algumas
adaptações do método para atender às demandas específicas de alguns cursos. O
exercício permite treinar, em deslocamento, uma série de movimentos táticos para os
quais é absolutamente necessário desenvolver uma eficiente memória muscular,
aliando isso com aspectos cognitivos importantes da relação do operador com o
cenário, como a utilização da visão periférica, comunicação verbal e não verbal com
outros operadores e começar a sentir algumas das fricções da realidade operacional.
O método permite ainda uma série de adaptações, com inserção de habilidades
diversas, podendo ser convertido em uma atividade de intensidade física ao substituir
as armas por anilhas de peso, podendo utilizar airsoft, paintball, podendo adaptar
regras especificas ou fazer a adaptação de procedimentos doutrinários, permitindo ao
instrutor observar vários operadores ao mesmo tempo, todos em movimento. Uma das
melhores características da metodologia, no entanto, é a efetividade relacionada ao

40
baixíssimo custo logístico, pois basicamente precisamos apenas de cones e armas,
para realizar a instrução.

12- Banner de treino cognitivo ciclo O.O.D.A

O treinamento prático do ciclo OODA com utilização de banners é mais uma


adaptação do esporte (dessa vez o vôlei) para exercícios cognitivos de níveis
variados, que proponho como uma atividade complementar a qualquer operador
tático, uma vez que ajudará em todas as atividades que possuem maior exigência
neuromotora. O método desse banner foi originalmente desenvolvido por Andor
Gyulai, professor norte americano de vôlei. Eu fiz a devida adaptação para atender às
demandas policiais, cognitivas e táticas.
Já falamos aqui sobre a importância dos ensinamentos de Boyd para a
capacitação de operadores e como o ciclo OODA deve estar intrinsicamente
relacionado com os aspectos do treinamento, uma vez que, nas palavras de Dave
Grossman: “ você não age à altura dos acontecimentos em combate, você mergulha
ao nível do seu treinamento”.
O treinamento com o banner permite desde exercícios de escaneamento de
ambiente (treinamento da musculatura dos olhos e que auxilia no processo cognitivo
de busca por um elemento especifico, como em um caça-palavras), que fica restrito à
etapa “observar” do ciclo, até a associação de elementos do banner com uma “ação”
física condicionada à correta “orientação” do operador e consequente decisão,
passando assim por todas as etapas do ciclo. As vantagens do uso do banner estão
na praticidade de poder desenvolver vários exercícios com poucos recursos, ter maior
efetividade em exercícios cognitivos, aumentar a capacidade de ganho de informação
e reflexo neuromotor do operador, capacidade de leitura de cenários, além do
operador poder utilizar o recurso principalmente em casa, a qualquer momento, por
horas ou apenas alguns minutos.
O banner é composto por vários círculos que possuem uma série de elementos,
que podem ser utilizados de maneira singular ou integrada nos treinamentos, para
realização de atividades mais simples e mais complexas. O operador pode integrar ao
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banner o uso de alvos de quatro cores da PF, que irão auxiliar nos exercícios com
seletividade de disparo. Os disparos dever ser feitos preferencialmente com airsoft ou
em seco, objetivando o baixo custo e simplicidade do uso, mas também pode ser feito
com disparo real. O treinamento pode durar cinco minutos ou horas, a depender do
tempo que o operador quer dedicar a ele.

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Exemplos de exercícios utilizando o banner:

Exercícios de escaneamento:
-Identificar as letras em ordem alfabética
-Identificar os números em ordem
-Identificar as armas longas
-Identificar as expressões faciais

Exercícios de escaneamento em movimento:


-Os mesmos exercícios de escaneamento, porém estando em movimento (correndo
no mesmo lugar).

Exercícios de resposta motora simples:


-Observar a posição da seta no círculo externo e realizar um movimento na mesma
direção
-Observar a posição da seta no círculo externo, identificar com qual cor ela se liga,
identificar a mesma cor no círculo interno e realizar um deslocamento no próprio eixo
para o lado onde está a cor.
-Observar a posição da seta no círculo externo, identificar com qual cor ela se liga,
identificar a mesma cor no triângulo interno e realizar um deslocamento no próprio
eixo para o lado onde está a cor. (caso não encontre a cor, deverá realizar um pulo
no local onde já está)

Exercícios de resposta motora com disparo:

-Observar a posição da seta e efetuar um disparo em alvo de 4 cores, na cor com a


qual a seta se liga.
-Escanear número ou letra específica e efetuar disparo de acordo com a presença de
figura relacionada com ameaça letal na parte superior esquerda do círculo.

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-Escanear número ou letra específica e realizar disparo com arma longa ou curta, a
depender da figura encontrada na parte superior direita do círculo

Exercícios de escaneamento com treinamento de memória muscular:

-Observar o algarismo romano que consta na ponta inferior esquerda do triangulo


interno (que corresponde às posições de tiro com arma curta) e realizar a posição.
-Escanear um numero ou letra pedida e realizar disparo com arma curta ou longa, de
acordo com a figura que consta no canto superior direito (realizando transição quando
necessário)

O mais importante no uso do banner é compreender a natureza dos treinos, ao


ponto de você mesmo poder criar os exercícios, de acordo com os elementos gráficos
presentes, objetivando sempre treinos diferentes para que o cérebro não estabeleça
uma rotina e seja sempre forçado a identificar, selecionar e processar informações
para tomada de decisão, aumentando a habilidade do operador em ler cenários e
reagir de maneira precisa.

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