Você está na página 1de 33

Poder Judiciário da União Fls.

_____
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Órgão : CONSELHO ESPECIAL


Classe : AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
N. Processo : 20180020058058ADI
(0005678-97.2018.8.07.0000)
Requerente(s) : GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL E
OUTROS
Requerido(s) : MESA DIRETORA DA CAMARA LEGISLATIVA
DO DISTRITO FEDERAL
Relator : Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE
OLIVEIRA
Acórdão N. : 1146230

EMENTA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA


CAUTELAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI
DISTRITAL N. 5.817/2017, QUE DISPÕE SOBRE A EMISSÃO
GRATUITA DE SEGUNDA VIA DOS DOCUMENTOS QUE
ESPECIFICA ÀS VÍTIMAS DE CRIMES DE ROUBO E FURTO
NO DISTRITO FEDERAL. IMPUGNAÇÃO GLOBAL DE
DIPLOMAS LEGISLATIVOS INTERCONECTADOS QUE
MANTÊM ENTRE SI RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO REJEITADA.
PRESENTES OS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS AO
DEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR.
1. Não há vínculo de dependência normativa que seja capaz de
modificar o sistema que a lei pretendeu implementar com
relação à gratuidade de emissão da carteira de identidade no
âmbito do Distrito Federal. Eventual reconhecimento de
inconstitucionalidade da lei ordinária impugnada ainda seria
capaz de obstar os efeitos dela esperados, com fundamento na
inconstitucionalidade do ato, independentemente da
impugnação da Lei Complementar distrital n. 751/2007.
2. Em princípio, a norma questionada usurpa competência
exclusiva da União para legislar sobre registros públicos. A lei
Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 1


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

que concede isenção de emolumentos devidos pelos serviços


notariais e de registros públicos prestados pelos cartórios
extrajudiciais deve ser necessariamente federal. Não há,
contudo, nenhuma previsão em lei federal que isenta de custos
a expedição de certidões com base em ocorrência criminal.
3. Há, ainda, interferência direta no funcionamento e na
arrecadação da Administração Pública no Distrito Federal, com
relação às certidões expedidas por órgãos públicos distritais.
Nesses casos, as propostas de leis são de responsabilidade do
Governador do Distrito Federal, porque guardam relação direta
com a função administrativa típica exercida pelo Poder
Executivo.
4. Ademais, a indicação da fonte de custeio alternativa para
compensar as exonerações de custo pretendidas é exigência
do art. 72 da LODF.
5. Preliminar de não conhecimento rejeitada. Impõe-se a
suspensão da norma impugnada com efeitos ex nunc, até o
julgamento definitivo sobre a sua inconstitucionalidade.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 2


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do CONSELHO


ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, JOÃO
TIMÓTEO DE OLIVEIRA - Relator, DIAULAS COSTA RIBEIRO - 1º Vogal,
NILSONI DE FREITAS CUSTODIO - 2º Vogal, ROMULO DE ARAUJO MENDES -
3º Vogal, JESUINO RISSATO - 4º Vogal, JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS -
5º Vogal, MARIO MACHADO - 6º Vogal, CARMELITA BRASIL - 7º Vogal, CRUZ
MACEDO - 8º Vogal, J.J. COSTA CARVALHO - 9º Vogal, SANDRA DE SANTIS -
10º Vogal, ANA MARIA AMARANTE - 11º Vogal, LEILA ARLANCH - 12º Vogal,
SÉRGIO ROCHA - 13º Vogal, CESAR LOYOLA - 14º Vogal, ROMÃO C. OLIVEIRA
- 15º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA,
em proferir a seguinte decisão: DEFERIDA A LIMINAR. UNÂNIME., de acordo com
a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasilia(DF), 22 de Janeiro de 2019.

Documento Assinado Eletronicamente


JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA
Relator

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 3


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

RELATÓRIO

O Governador do Distrito Federal ajuizou ação direta de


inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar para sustar a eficácia da Lei
Distrital n. 5.817, publicada no DODF de 13 de abril de 2017 (fl. 12), que concede
isenção de custas às vítimas de crimes de roubo e furto no âmbito do Distrito
Federal para a emissão gratuita da segunda via dos documentos que especifica, até
o julgamento final da ação.
São esses os termos da Lei Distrital nº 5.817/2017:

LEI Nº 5.817, DE 6 DE ABRIL DE 2017


(Autoria do Projeto: Deputados Chico Vigilante e Bispo Renato Andrade)
Dispõe sobre a emissão gratuita da segunda via de documentos às
vítimas de crimes no âmbito do Distrito Federal.
O PRESIDENTE DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL
promulga, nos termos do § 6º do art. 74 da Lei Orgânica do Distrito Federal,
a seguinte Lei, oriunda de Projeto vetado pelo Governador do Distrito
Federal e mantido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal:
Art. 1ºA emissão de via adicional dos documentos de Identificação Civil –
RG, Carteira Nacional de Habilitação – CNH, Certificado de Registro e
Licenciamento de Veículo – CRLV, Certificado de Registro de Veículo –
CRV, Certidão de Nascimento, Certidão de Casamento e Certidão de
Registro de Imóveis não é onerosa ao solicitante quando este houver sido
vítima de furto ou roubo no qual esses documentos lhe tenham sido
subtraídos.
Parágrafo único. Para usufruir do direito previsto no caput, o pleiteante
deve comprovar o fato criminoso por intermédio de apresentação de registro
de ocorrência policial.
Art. 2ºO benefício da isenção prevista nesta Lei somente é concedido uma
única vez por documento.
Art. 3ºO prazo para obter o direito dessa isenção é de 60 dias, a contar da
data do crime.
Art. 4ºEsta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5ºRevogam-se as disposições em contrário.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 4


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

O autor aponta vício de inconstitucionalidade formal orgânica


porque a norma não observou a competência reservada à União pelo art. 22, inciso
XXV (registros públicos), da Constituição Federal, ao instituir a isenção de taxas
remuneratórias de serviços públicos federais delegados, prestados pelos cartórios
de registro público (certidões de nascimento, casamento e registro de imóveis),
violando o art. 14 da Lei Orgânica, que estabelece a competência legislativa do
Distrito Federal no que não conflite com a Constituição Federal.
Aduz que a lei impugnada também padece de vício de
inconstitucionalidade formal de iniciativa no que tange à emissão gratuita de
documentos expedidos por órgãos públicos distritais (carteira de identidade, carteira
nacional de habilitação, certificado de registro e licenciamento de veículo e
certificado de registro de veículo), porque versa sobre matéria de competência
privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo correlato.
Ressalta, ainda, violação ao art. 17, §1º, da LODF, que estabelece a
competência suplementar do Distrito Federal para a edição de normas de conteúdo
tributário. No caso, não foram observadas as normas gerais estabelecidas pela Lei
de Responsabilidade Fiscal editada pela União (Lei Complementar 101/00), em
relação à concessão de isenções, especificamente quanto à estimativa de impacto
orçamentário-financeiro decorrente da renúncia de receita e à indicação da
correspondente fonte de custeio.
A Câmara Legislativa do Distrito Federal suscita preliminar de
não conhecimento da ação, porque a gratuidade de custas para a expedição da
segunda via da carteira de identidade já é concedida pela Lei Complementar distrital
n. 751/2007 às vítimas de roubo. Em se tratando de diplomas legislativos
interconectados que mantêm entre si relação de complementaridade, não se permite
o controle concentrado de constitucionalidade isolado de uma das normas, sem o
que o autor da ação direta impugne as demais, que fazem parte do mesmo sistema
normativo, segundo entendimento do STF.
No mérito, sustenta não estarem preenchidos os requisitos
autorizadores da concessão da medida cautelar. Alega que a norma prevê
condições para a concessão de isenção, podendo o benefício ser requerido pela
vítima de roubo ou furto uma única vez por documento, observado, ainda, o lapso
temporal de 60 dias, a contar da ocorrência do crime, requisitos estes que

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 5


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

restringem o universo de beneficiários e, assim, não geram grandes impactos


financeiros para o erário distrital (fls. 18/29).
A Procuradoria-Geral do Distrito Federal tece argumentação
sobre a possibilidade de não ser compelida a exercer o ordinário papel de curadora,
em defesa da lei impugnada, quando o ato é evidentemente contrário à
jurisprudência constitucional sobre a matéria, e corrobora as razões expendidas pelo
Governador do Distrito Federal na inicial (fls. 31/36).
A Procuradoria-Geral de Justiça oficia pela rejeição da preliminar
de não conhecimento, pois a Lei Complementar distrital n. 751/2007, que dispõe
sobre o Fundo de Modernização, Manutenção e Reequipamento da Polícia Civil do
Distrito Federal, não integra o mesmo complexo normativo da norma impugnada
nesta ação direta e é muito mais abrangente, incluindo a gratuidade de diversos
outros documentos.
No mérito, propõe o deferimento do pedido cautelar, ressaltando
que a lei em exame invade competência privativa da União para dispor sobre
registros públicos e conceder isenções de serviços públicos federais delegados, bem
como fere as limitações formais impostas pela LODF quanto à iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo para a proposição de leis (fls. 38/49).
Ante o exposto, apresento a julgamento do Conselho Especial o
pedido de medida cautelar que pretende sustar a eficácia da Lei Distrital n. 5.817, de
6 de abril de 2017.
É o relatório.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 6


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

VOTOS

O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA - Relator


Preliminar de não conhecimento da ação
A Câmara Legislativa do Distrito Federal suscita preliminar de não
conhecimento da ação, porque a gratuidade de custas para a expedição da segunda
via da carteira de identidade já é concedida pela Lei Complementar distrital n.
751/2007 às vítimas de roubo.
Registre-se que o entendimento manifestado pelo STF quanto à
necessidade de impugnação global de todo o complexo normativo em que se insere
o ato legislativo impugnado tem por objetivo manter a unidade estrutural do
ordenamento jurídico, evitando-se que a declaração de inconstitucionalidade
obtenha um enfoque seletivo, com a finalidade de descaracterizar o sistema
instituído por uma lei inserida em um complexo normativo indissociável, que não se
pode decompor em partes, bem como a função de impedir a atribuição, ao Poder
Judiciário, do papel de legislador positivo que não lhe pertence (ADI 2.422).
Não é o caso dos autos.
Não há vínculo de dependência normativa que seja capaz de
modificar o sistema que a lei pretendeu implementar com relação à gratuidade de
emissão da carteira de identidade no âmbito do Distrito Federal. Eventual
reconhecimento de inconstitucionalidade da lei ordinária impugnada ainda seria
capaz de obstar os efeitos dela esperados, com fundamento em
inconstitucionalidade do ato, independentemente da impugnação da Lei
Complementar distrital n. 751/2007.
Isso porque a lei ordinária impugnada tem objeto bem mais amplo:
além das vítimas de roubo, destina-se também às vítimas de furto, e abrange outros
documentos não mencionados na lei complementar, incluindo certidões que são
expedidas por cartórios de registro público.
Além disso, a lei ordinária tem origem parlamentar, enquanto a lei
complementar foi proposta pelo Poder Executivo local, razão pela qual não sofre do
mesmo vício de iniciativa atribuído pelo autor da presente ação direta à lei ordinária
em exame.
Presentes os pressupostos legais, conheço da ação direta.
Competência Legislativa da União
No mérito, os requisitos para a concessão da medida cautelar
exsurgem das razões apresentadas pelos autores e dos argumentos concatenados

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 7


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

pelos órgãos jurídicos de fiscalização envolvidos.


Em princípio, a norma questionada transgride as regras de
repartição de competências legislativas entre os entes da Federação e usurpa
competência exclusiva da União para legislar sobre registros públicos, quando
concede isenção de custas às vítimas de crimes de roubo e furto no âmbito do
Distrito Federal, para a emissão gratuita da segunda via dos documentos expedidos
por cartórios extrajudiciais (certidão de nascimento, certidão de casamento e
certidão de registro de imóveis).
Com efeito, a Constituição Federal reserva ao domínio da lei federal
a regulamentação sobre a prestação dos serviços notariais e de registro público e a
fixação dos respectivos emolumentos, nos termos do art. 22, inciso XXV, e do art.
236, a seguir transcritos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


..................................................
XXV - registros públicos;

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter


privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e
criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá
a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de
emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e
de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique
vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de
seis meses. (Grifo nosso.)

É bem verdade que o regulamento expedido pela União por meio da


Lei n. 10.169/2000 atribuiu aos estados e ao Distrito Federal a função de fixar os

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 8


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

valores dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de
registro na extensão do seu limite territorial.
Entretanto, esse poder normativo deve ser interpretado
restritivamente, não podendo os entes federativos encarregados de fixar os valores
dos emolumentos, estabelecer isenções de serviços cuja titularidade não lhes
pertence.
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou
orientação no sentido de que os emolumentos concernentes aos serviços notariais e
registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de
serviços públicos prestados.
Assim, a sua arrecadação constitui receita pública, ainda que
destinada ao pagamento dos tabeliães e oficiais registradores como contraprestação
pecuniária pelo desenvolvimento de atividade delegada pelo Poder Público, e
mesmo que exercida em caráter privado, sujeitando-se, portanto, à modalidade de
tributo vinculado, sobre o qual incidem os princípios da reserva de competência
impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade (ADI 1.378 e ADI 3.260).
Nessa mesma perspectiva, a Lei n. 10.169/2000 cuidou de enfatizar
no art. 8º, que os atos gratuitos praticados pelos registradores civis de pessoas
naturais devem ser autorizados por lei federal e não podem gerar ônus para o Poder
Público:

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos


relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de
registro, observadas as normas desta Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder
ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços
prestados.

Art. 8º Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência,


respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta Lei, estabelecerão forma de
compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos
gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal.
Parágrafo único. O disposto no caput não poderá gerar ônus para o Poder
Público. (Grifo nosso.)

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 9


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Nesses exatos termos, a gratuidade da expedição de certidões de


nascimento e óbito é garantida à população no âmbito federal pela Lei n. 6.015/73[1]
e pela Lei 8.935/94[2], indistintamente, independentemente da condição social ou do
motivo da solicitação. A Lei n. 6.015/73, ainda, concede a isenção de pagamento
com relação às demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil aos
reconhecidamente pobres[3].
Da mesma forma, o Código Civil estabelece a gratuidade quanto à
habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão, à vista da declaração
de pobreza[4].
O Código de Processo Civil também dispensa às pessoas com
insuficiência de recursos financeiros a gratuidade da justiça, que abrange os
emolumentos devidos pelos atos notariais e registrais necessários ao exercício do
direito de ação, de acordo com o disposto no art. 98[5].
Diferentemente, contudo, ao invés da gratuidade do ato, a União
optou por conceder apenas um desconto sobre os emolumentos devidos pela
expedição da certidão de registro e averbação relacionados à primeira aquisição de
imóvel para fins residenciais, calculado conforme o implemento das condições
relacionadas no art. 290 da Lei n. 6.015/73[6].
Como se viu, o art. 236, §2º da Constituição Federal e o respectivo
regulamento estabeleceram que os valores dos emolumentos pagos pelos serviços
notariais e de registro serão fixados por ato normativo local, mas com estrita
observância das normas gerais veiculadas na legislação federal, sem que seja
permitido ao legislador estadual ou distrital dispor em diametral objeção às normas e
princípios gerais já estabelecidos.
A norma que concede a isenção de emolumentos devidos pelos
serviços notariais e de registros públicos prestados pelos cartórios extrajudiciais,
portanto, deve ser necessariamente federal. Não há, contudo, nenhuma previsão em
lei federal que isenta de custos a expedição de certidões com base em ocorrência
criminal.
Dessa forma, em uma primeira análise, a lei impugnada extrapola a
competência legislativa do Distrito Federal para conceder a gratuidade da expedição
de certidões de nascimento, de casamento e de registro de imóvel para as vítimas
de crimes de roubo e furto, em violação aos termos do art. 14 da LODF, que

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 10


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

estabelece a competência legislativa do Distrito Federal, cabendo-lhe exercer todas


as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.
Iniciativa Privativa para o Processo Legislativo
Ao que parece, a lei impugnada, por sua origem parlamentar,
também invade competência reservada pela LODF à iniciativa privativa do
Governador do Distrito Federal para o processo legislativo.
No caso das certidões expedidas por órgãos públicos distritais
especificados pela norma questionada, a saber, documento de identidade, Carteira
Nacional de Habilitação, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo e
Certificado de Registro de Veículo, há interferência direta no funcionamento e na
arrecadação da Administração Pública no Distrito Federal.
Nesse sentido, o art. 71 da LODF dispõe que as propostas de leis
que estabeleçam atribuições para os órgãos integrantes da administração pública,
bem como as proposições de leis que veiculam matéria orçamentária, especialmente
aquelas que importem renúncia de receita, são todas de responsabilidade do
Governador do Distrito Federal, porque guardam relação direta com a função
administrativa típica exercida pelo Poder Executivo:

Art. 71. omissis


§ 1ºCompete privativamente ao Governador do Distrito Federal a
iniciativa das leis que disponham sobre:
..................................................
IV - criação, estruturação, reestruturação, desmembramento, extinção,
incorporação, fusão e atribuições das Secretarias de Governo, Órgãos e
entidades da administração pública;
V - plano plurianual, orçamento anual e diretrizes orçamentárias.

Art. 100. Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal:


..................................................
X - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração do
Distrito Federal, na forma desta Lei Orgânica;
................................................. (Grifo nosso.)

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 11


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Responsabilidade na Gestão Fiscal


Por fim, é preciso destacar que a lei em exame não delineia eventual
fonte de custeio a amparar as exonerações de custo pretendidas, em aparente
colisão com o que determina o art. 72 da LODF, que não admite o aumento de
despesa nos projetos de iniciativa privativa do Governador do Distrito Federal que
não esteja previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Plano Plurianual:

LODF
Art. 72. Não será admitido aumento da despesa prevista:
I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador do Distrito Federal,
ressalvado o disposto no art. 166, §§ 3º e 4º da Constituição Federal;

Constituição Federal:
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão
apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do
regimento comum.
..................................................
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos
que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e
Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 12


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.


(Grifo nosso.)

Assim, verifica-se que inexiste naquele a demonstração da


estimativa orçamentária, bem como a origem dos recursos para o custeio das
liberalidades criadas. Essas exigências, contudo, conforme determina a LODF e a
Constituição Federal, são cogentes, razão pela qual sobressai vício no que toca
também à responsabilidade fiscal do ato normativo expedido.
Além da plausibilidade jurídica do pedido, demonstrada pela
potencial violação a princípios sensíveis e regras constitucionais, consoante
afirmado em linhas volvidas, a pretensão acautelatória atende ao periculum in mora.
A vigência ininterrupta da norma gera efeitos financeiros
irreversíveis, que ainda podem causar instabilidade jurídica e social.
Ademais, nas ações diretas de inconstitucionalidade, o perigo da
demora reside justamente no risco para a supremacia da norma constitucional, como
elemento inabalável de coesão do ordenamento jurídico, necessário para a garantia
e proteção de preceitos fundamentais do Estado brasileiro e de seus cidadãos.
Dessa forma, verifico que estão presentes os requisitos
autorizadores da concessão do pedido liminar.
Ante o exposto, defiro a medida cautelar requerida para sustar a
eficácia da Lei Distrital n. 5.817, de 6 de abril de 2017, com efeitos ex nunc, até o
julgamento de mérito.
É como voto.

[1] Lei n. 6.015/73: Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de
nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva.
[2] Lei n. 8.935/94: Art. 45. São gratuitos os assentos do registro civil
de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.
[3] Lei n. 6.015/73: Art. 30. omissis.
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de
emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil.
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do
próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada
da assinatura de duas testemunhas.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 13


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e


criminal do interessado.
[4] Código Civil: Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua
celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a
primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas
cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
[5] Código de Processo Civil: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica,
brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as
despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da
justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
.................................................................
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em
decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial
necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no
qual o benefício tenha sido concedido.
[6] Lei n. 6.015/73: Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos
relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada
pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinqüenta por
cento).
§ 1º - O registro e a averbação referentes à aquisição da casa
própria, em que seja parte cooperativa habitacional ou entidade assemelhada, serão
considerados, para efeito de cálculo, de custas e emolumentos, como um ato
apenas, não podendo a sua cobrança exceder o limite correspondente a 40%
(quarenta por cento) do Maior Valor de Referência.
§ 2º - Nos demais programas de interesse social, executados pelas
Companhias de Habitação Popular - COHABs ou entidades assemelhadas, os
emolumentos e as custas devidos pelos atos de aquisição de imóveis e pelos de
averbação de construção estarão sujeitos às seguintes limitações:
a) imóvel de até 60 m² (sessenta metros quadrados) de área
construída: 10% (dez por cento) do Maior Valor de Referência;
b) de mais de 60 m² (sessenta metros quadrados) até 70 m² (setenta
metros quadrados) de área construída: 15% (quinze por cento) do Maior Valor de
Referência;
c) de mais de 70 m² (setenta metros quadrados) e até 80 m² (oitenta
metros quadrados) de área construída: 20% (vinte por cento) do Maior Valor de

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 14


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Referência.
§ 3º - Os emolumentos devidos pelos atos relativos a financiamento
rural serão cobrados de acordo com a legislação federal.
§ 4º As custas e emolumentos devidos aos Cartórios de Notas e de
Registro de Imóveis, nos atos relacionados com a aquisição imobiliária para fins
residenciais, oriundas de programas e convênios com a União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, para a construção de habitações populares destinadas a
famílias de baixa renda, pelo sistema de mutirão e autoconstrução orientada, serão
reduzidos para vinte por cento da tabela cartorária normal, considerando-se que o
imóvel será limitado a até sessenta e nove metros quadrados de área construída, em
terreno de até duzentos e cinqüenta metros quadrados.
§ 5º Os cartórios que não cumprirem o disposto no § 4º ficarão
sujeitos a multa de até R$ 1.120,00 (um mil, cento e vinte reais) a ser aplicada pelo
juiz, com a atualização que se fizer necessária, em caso de desvalorização da
moeda.

O Senhor Desembargador DIAULAS RIBEIRO - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

A Senhora Desembargadora NILSONI DE FREITAS - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador RÔMULO DE ARAÚJO MENDES - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador JESUÍNO RISSATO - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 15


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

O Senhor Desembargador JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal


Com o eminente Relator.

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Vogal


Com o eminente Relator.

O Senhor Desembargador CRUZ MACEDO -- - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO - Vogal


Eminente Presidente, acompanho o eminente Relator.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Vogal


Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governador do
Distrito Federal, com pedido de medida cautelar, com o objetivo de declaração de
inconstitucionalidade da Lei Distrital 5.817, de 13 de abril de 2017.
A norma trata da isenção de custas às vítimas de roubo e furto no
DF para a emissão da 2ª via dos seguintes documentos: RG (identificação civil),
CNH (carteira nacional de habilitação), CRLV (certificado de registro e licenciamento
de veículo), CRV (certificado de registro de veículo), certidão de nascimento,

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 16


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

certidão de casamento e certidão de registro de imóveis.


PRELIMINAR
A Câmara Legislativa do DF suscita preliminar de não conhecimento
da ação porque a gratuidade de custas para a expedição da 2ª via dos documentos
já é concedida pela Lei Complementar 751/2007, às vítimas de roubo.
Parcialmente de conteúdo idêntico, a Lei Distrital 5.817/2017 é
posterior e mais abrangente, o que não macula a análise em sede de
inconstitucionalidade. Rejeito a preliminar.
O §2º do artigo 226 da CF/88 estabelece que lei federal disciplinará
os emolumentos dos serviços notariais e de registro. Portanto, à primeira vista, cabe
à União disciplinar a isenção de custas, para o caso de certidões emitidas pelos
cartórios.
Também resiste o argumento de que a lei distrital viola a inciativa do
Governador, para a emissão de RG e documentos vinculados ao DETRAN/DF. A
disciplina de atos de administração é função precípua do Chefe do Executivo. Em
tese, a iniciativa parlamentar fere o princípio da separação de poderes.
Por ora, acompanho o e. Relator, até o enfrentamento melhor da
matéria.

A Senhora Desembargadora ANA MARIA AMARANTE - Vogal


A Senhora DesembargadoraANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Vogal
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de
medida cautelar, proposta peloGovernador do Distrito Federal para sustar a
eficácia da Lei Distrital n. 5.817, publicada no DODF de 13 de abril de 2017 (fl. 21),
que concede isenção de custas às vítimas de crimes de roubo e furto no âmbito do
Distrito Federal para a emissão gratuita da segunda via dos documentos que
especifica, até o julgamento final da ação, por alegada ofensa aos artigos 14, 17,
§1º, 53, §1º, 71, §1º, IV e V, §2º, art. 100, VI, X, e XVI e 129, todos da Lei Orgânica
do Distrito Federal.
São esses os termos da Lei Distrital nº 5.817/2017:

LEI Nº 5.817, DE 6 DE ABRIL DE 2017


(Autoria do Projeto: Deputados Chico Vigilante e Bispo Renato

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 17


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Andrade)
Dispõe sobre a emissão gratuita da segunda via de
documentos às vítimas de crimes no âmbito do Distrito Federal.
O PRESIDENTE DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO
FEDERAL promulga, nos termos do § 6º do art. 74 da Lei
Orgânica do Distrito Federal, a seguinte Lei, oriunda de Projeto
vetado pelo Governador do Distrito Federal e mantido pela
Câmara Legislativa do Distrito Federal:
Art. 1º A emissão de via adicional dos documentos de
Identificação Civil - RG, Carteira Nacional de Habilitação -
CNH, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo -
CRLV, Certificado de Registro de Veículo - CRV, Certidão de
Nascimento, Certidão de Casamento e Certidão de Registro de
Imóveis não é onerosa ao solicitante quando este houver sido
vítima de furto ou roubo no qual esses documentos lhe tenham
sido subtraídos.
Parágrafo único. Para usufruir do direito previsto no caput, o
pleiteante deve comprovar o fato criminoso por intermédio de
apresentação de registro de ocorrência policial.
Art. 2º O benefício da isenção prevista nesta Lei somente é
concedido uma única vez por documento.
Art. 3º O prazo para obter o direito dessa isenção é de 60 dias,
a contar da data do crime.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

O autor sustenta vício de inconstitucionalidade formal orgânica


alegando que a lei, ao instituir a isenção de taxas remuneratórias de serviços
públicos federais delegados, prestados pelos cartórios de registro público (certidões
de nascimento, casamento e registro de imóveis), violou o art. 14 da Lei Orgânica,
que estabelece a competência legislativa do Distrito Federal no que não conflite com
a Constituição Federal e deixou de observou a competência reservada à União pelo
art. 22, inciso XXV (registros públicos), da Constituição Federal.
Alega que a lei atacada padece de vício de inconstitucionalidade
formal de iniciativa no que tange à emissão gratuita de documentos expedidos por

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 18


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

órgãos públicos distritais (carteira de identidade, carteira nacional de habilitação,


certificado de registro e licenciamento de veículo e certificado de registro de veículo),
porque versa sobre matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo
para iniciar o processo legislativo correlato.
Aduz, ainda, a ocorrência de violação ao art. 17, §1º, da LODF, que
estabelece a competência suplementar do Distrito Federal para a edição de normas
de conteúdo tributário. Ressalta que, no caso, não teriam sido observadas as
normas gerais estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal editada pela União
(Lei Complementar 101/00), em relação à concessão de isenções, especificamente
quanto à estimativa de impacto orçamentário-financeiro decorrente da renúncia de
receita e à indicação da correspondente fonte de custeio.
A Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal suscitou
preliminar de não concessão da medida cautelar alegando ausência dos
pressupostos específicos para sua regular concessão, quais sejam: o fumus boni
júris e o periculum in mora, porque a gratuidade de custas para a expedição da
segunda via da carteira de identidade já é concedida pela Lei Complementar distrital
n. 751/2007 às vítimas de roubo a qual, alega, não foi impugnada na presente ação
de controle abstrato. Em se tratando de diplomas legislativos interconectados que
mantêm entre si relação de complementaridade, não se permite o controle
concentrado de constitucionalidade isolado de uma das normas, sem o que o autor
da ação direta impugne as demais, que fazem parte do mesmo sistema normativo,
segundo entendimento do STF.
Alega também que a norma prevê condições para a concessão de
isenção, podendo o benefício ser requerido pela vítima de roubo ou furto uma única
vez por documento, observado, ainda, o lapso temporal de 60 dias, a contar da
ocorrência do crime, requisitos estes que restringem o universo de beneficiários e,
assim, não geram grandes impactos financeiros para o erário distrital (fls. 18/29).
Ao final, requer seja inadmitida a presente ação direta de
inconstitucionalidade, tendo em vista a impugnação tópica e fracionária de complexo
normativo incindível e, no caso de ser superada a preliminar, protesta que seja
indeferido o pedido de medida cautelar em face da alegada ausência dos requisitos
indispensáveis a sua concessão, aguardando-se o momento oportuno para o
aprofundamento da defesa do mérito do diploma legal impugnado.
A Procuradoria-Geral do Distrito Federal tece argumentação sobre a
possibilidade de não ser compelida a exercer o ordinário papel de curadora, em
defesa da lei impugnada, quando o ato é evidentemente contrário à jurisprudência
constitucional sobre a matéria, e corrobora as razões expendidas pelo Governador

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 19


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

do Distrito Federal na inicial, pugnado pela imediata suspensão da lei, em sede


cautelar e, no mérito, pela procedência dos pedidos (fls. 31/43).
A Procuradoria-Geral de Justiça oficia pela rejeição da preliminar de
não conhecimento, pois a Lei Complementar distrital n. 751/2007, que dispõe sobre
o Fundo de Modernização, Manutenção e Reequipamento da Polícia Civil do Distrito
Federal, não integra o mesmo complexo normativo da norma impugnada nesta ação
direta e é muito mais abrangente, incluindo a gratuidade de diversos outros
documentos.
No mérito, propõe o deferimento do pedido cautelar, ressaltando que
a lei em exame invade competência privativa da União para dispor sobre registros
públicos e conceder isenções de serviços públicos federais delegados, bem como
fere as limitações formais impostas pela LODF quanto à iniciativa privativa do Chefe
do Poder Executivo para a proposição de leis e, ao final, se manifesta na qualidade
de custos constitutionis pelo conhecimento da ação direta e pela concessão da
liminar (fls. 38/46).
Ante o exposto, seguindo o rito adotado pelo relator, passo a analise
do pedido de medida cautelar que pretende sustar a eficácia da Lei Distrital n. 5.817,
de 6 de abril de 2017.
Acerca da preliminar de não conhecimento da ação suscitada pela
Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, diante de gratuidade de custas para
a expedição da segunda via da carteira de identidade concedida pela Lei
Complementar distrital n. 751/2007 às vítimas de roubo.
Ademais, registra-se que o entendimento manifestado pelo STF
quanto à necessidade de impugnação global de todo o complexo normativo em que
se insere o ato legislativo impugnado tem por objetivo manter a unidade estrutural do
ordenamento jurídico.
Dessa forma, busca-se evitar a declaração de inconstitucionalidade
obtenha um enfoque seletivo, com a finalidade de descaracterizar o sistema
instituído por uma lei inserida em um complexo normativo indissociável, que não se
pode decompor em partes, bem como a função de impedir a atribuição, ao Poder
Judiciário, do papel de legislador positivo que não lhe pertence (ADI 2.422).
Todavia, este não é o caso dos autos.
Não há, no presente caso, interdependência normativa que seja
capaz de modificar o sistema que a lei pretendeu implementar com relação à
gratuidade de emissão da carteira de identidade no âmbito do Distrito Federal.
Eventual reconhecimento de inconstitucionalidade da lei ordinária impugnada ainda
seria capaz de obstar os efeitos dela esperados, com fundamento em

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 20


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

inconstitucionalidade do ato, independentemente da impugnação da Lei


Complementar distrital n. 751/2007.
Isso porque a gratuidade que se pretende conceder pela lei ora
impugnada é muito mais abrangente do que a prevista no artigo 13 da Lei
Complementar mencionada, incluindo diversos outros documentos não mencionados
na lei complementar e certidões emitidas tanto por cartórios quanto por órgãos
públicos do Distrito Federal, bem como se destina, além das vítimas de roubo,
também às vítimas de furto.
Além disso, a lei ordinária tem origem parlamentar, enquanto a lei
complementar foi proposta pelo Poder Executivo local, razão pela qual não sofre do
mesmo vício de iniciativa atribuído pelo autor da presente ação direta à lei ordinária
em exame, tendo em vista a existência autônoma e alcance bastante diverso.
Presentes os pressupostos legais, conheço da ação direta.
No mérito, acerca da competência legislativa da União, entendo que
os requisitos para a concessão da medida cautelar exsurgem das razões
apresentadas pelos autores e dos argumentos concatenados pelos órgãos jurídicos
de fiscalização envolvidos.
Em princípio, a norma questionada aparenta transgredir as regras de
repartição de competências legislativas entre os entes da Federação usurpando
competência exclusiva da União para legislar sobre registros públicos. Isto quando
prevê a concessão de isenção de custas às vítimas de crimes de roubo e furto no
âmbito do Distrito Federal, para a emissão gratuita da segunda via dos documentos
expedidos por cartórios extrajudiciais (certidão de nascimento, certidão de
casamento e certidão de registro de imóveis).
Com efeito, a Constituição Federal reserva ao domínio da lei federal
a regulamentação sobre a prestação dos serviços notariais e de registro público e a
fixação dos respectivos emolumentos, nos termos do art. 22, inciso XXV, e do art.
236, a seguir transcritos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


..................................................
XXV - registros públicos;

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em


caráter privado, por delegação do Poder Público.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 21


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade


civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus
prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder
Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de
emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços
notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de
concurso público de provas e títulos, não se permitindo que
qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de
provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Não se olvida que o regulamento expedido pela União por meio da


Lei n. 10.169/2000 atribuiu aos estados e ao Distrito Federal a função de fixar os
valores dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de
registro na extensão do seu limite territorial.
Contudo, esse poder normativo deve ser interpretado
restritivamente, não podendo os entes federativos encarregados de fixar os valores
dos emolumentos estabelecerem isenções de serviços cuja titularidade não lhes
pertence.
Ora, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já firmou
orientação no sentido de que os emolumentos concernentes aos serviços notariais e
registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de
serviços públicos prestados.
Isto posta, a sua arrecadação, ainda que destinada ao pagamento
dos tabeliães e oficiais registradores como contraprestação pecuniária pelo
desenvolvimento de atividade delegada pelo Poder Público, constitui receita pública.
Ademais, mesmo que exercida em caráter privado, se sujeita à modalidade de
tributo vinculado, sobre o qual incidem os princípios da reserva de competência
impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade (ADI 1.378 e ADI 3.260).
Nessa mesma perspectiva, a Lei n. 10.169/2000, em seu artigo 8º,
estabeleceu que os atos gratuitos praticados pelos registradores civis de pessoas
naturais devem ser autorizados por lei federal e não podem gerar ônus para o Poder
Público:

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 22


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos


emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos
serviços notariais e de registro, observadas as normas desta
Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá
corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente
remuneração dos serviços prestados.
Art. 8º Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua
competência, respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta
Lei, estabelecerão forma de compensação aos registradores
civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles
praticados, conforme estabelecido em lei federal.
Parágrafo único. O disposto no caput não poderá gerar ônus
para o Poder Público.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 23


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Nesses exatos termos, a gratuidade da expedição de certidões de


nascimento e óbito é garantida à população no âmbito federal pela Lei n. 6.015/731 e
pela Lei 8.935/942, indistintamente, independentemente da condição social ou do
motivo da solicitação. A Lei n. 6.015/73, ainda, concede a isenção de pagamento
com relação às demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil aos
reconhecidamente pobres 3 .

1
Lei n. 6.015/73: Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de
óbito, bem como pela primeira certidão respectiva.
2
Lei n. 8.935/94: Art. 45. São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a
primeira certidão respectiva.
3
Lei n. 6.015/73: Art. 30. omissis.
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas
pelo cartório de registro civil.
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de
analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas.
§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 24


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Da mesma forma, o Código Civil estabelece a gratuidade quanto à


habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão, à vista da declaração
de pobreza 4 . O Código de Processo Civil também dispensa às pessoas com
insuficiência de recursos financeiros a gratuidade da justiça, que abrange os
emolumentos devidos pelos atos notariais e registrais necessários ao exercício do
direito de ação, de acordo com o disposto no art. 985.
Diferentemente, contudo, ao invés da gratuidade do ato, a União
optou por conceder apenas um desconto sobre os emolumentos devidos pela
expedição da certidão de registro e averbação relacionados à primeira aquisição de
imóvel para fins residenciais, calculado conforme o implemento das condições
relacionadas no art. 290 da Lei n. 6.015/73 6 .
Como se viu, o art. 236, §2º da Constituição Federal e o respectivo
regulamento estabeleceram que os valores dos emolumentos pagos pelos serviços
notariais e de registro serão fixados por ato normativo local, mas com estrita
observância das normas gerais veiculadas na legislação federal, sem que seja
permitido ao legislador estadual ou distrital dispor em diametral objeção às normas e
princípios gerais já estabelecidos.
A norma que concede a isenção de emolumentos devidos pelos
serviços notariais e de registros públicos prestados pelos cartórios extrajudiciais,
portanto, deve ser necessariamente federal. Não há, contudo, nenhuma previsão em
lei federal que isenta de custos a expedição de certidões com base em ocorrência
criminal.

4
Código Civil: Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos,
emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
5
Código de Processo Civil: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de
recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da
justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
.................................................................
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou
qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no
qual o benefício tenha sido concedido.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 25


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Dessa forma, em uma primeira análise, a lei impugnada extrapola a


competência legislativa do Distrito Federal para conceder a gratuidade da expedição
de certidões de nascimento, de casamento e de registro de imóvel para as vítimas
de crimes de roubo e furto, em violação aos termos do art. 14 da LODF, que
estabelece a competência legislativa do Distrito Federal, cabendo-lhe exercer todas
as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

6
Lei n. 6.015/73: Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição
imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50%
(cinqüenta por cento).
§ 1º - O registro e a averbação referentes à aquisição da casa própria, em que seja parte cooperativa habitacional
ou entidade assemelhada, serão considerados, para efeito de cálculo, de custas e emolumentos, como um ato
apenas, não podendo a sua cobrança exceder o limite correspondente a 40% (quarenta por cento) do Maior
Valor de Referência.
§ 2º - Nos demais programas de interesse social, executados pelas Companhias de Habitação Popular -
COHABs ou entidades assemelhadas, os emolumentos e as custas devidos pelos atos de aquisição de imóveis e
pelos de averbação de construção estarão sujeitos às seguintes limitações:
a) imóvel de até 60 m² (sessenta metros quadrados) de área construída: 10% (dez por cento) do Maior Valor de
Referência;
b) de mais de 60 m² (sessenta metros quadrados) até 70 m² (setenta metros quadrados) de área construída: 15%
(quinze por cento) do Maior Valor de Referência;
c) de mais de 70 m² (setenta metros quadrados) e até 80 m² (oitenta metros quadrados) de área construída: 20%
(vinte por cento) do Maior Valor de Referência.
§ 3º - Os emolumentos devidos pelos atos relativos a financiamento rural serão cobrados de acordo com a
legislação federal.
§ 4º As custas e emolumentos devidos aos Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis, nos atos relacionados
com a aquisição imobiliária para fins residenciais, oriundas de programas e convênios com a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, para a construção de habitações populares destinadas a famílias de baixa renda,
pelo sistema de mutirão e autoconstrução orientada, serão reduzidos para vinte por cento da tabela cartorária
normal, considerando-se que o imóvel será limitado a até sessenta e nove metros quadrados de área construída,
em terreno de até duzentos e cinqüenta metros quadrados.
§ 5º Os cartórios que não cumprirem o disposto no § 4º ficarão sujeitos a multa de até R$ 1.120,00 (um mil,
cento e vinte reais) a ser aplicada pelo juiz, com a atualização que se fizer necessária, em caso de
desvalorização da moeda.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 26


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Bem como, entendo presente o fumus boni iuris quando explícita a


inconstitucionalidade da Lei Distrital 5.885/17, advinda de projeto de lei iniciativa
parlamentar, em afronta à reserva de iniciativa legal conferida ao Chefe do Poder
Executivo.
Isto porque, no caso das certidões expedidas por órgãos públicos
distritais especificados pela norma questionada, a saber, documento de identidade,
Carteira Nacional de Habilitação, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo
e Certificado de Registro de Veículo, há interferência direta no funcionamento e na
arrecadação da Administração Pública no Distrito Federal.
Nesse sentido, o art. 71 da LODF dispõe que as propostas de leis
que estabeleçam atribuições para os órgãos integrantes da administração pública,
bem como as proposições de leis que veiculam matéria orçamentária, especialmente
aquelas que importem renúncia de receita, são todas de responsabilidade do
Governador do Distrito Federal, porque guardam relação direta com a função
administrativa típica exercida pelo Poder Executivo:

Art. 71. omissis


§ 1º Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal
a iniciativa das leis que disponham sobre:
..................................................
IV - criação, estruturação, reestruturação, desmembramento,
extinção, incorporação, fusão e atribuições das Secretarias de
Governo, Órgãos e entidades da administração pública;
V - plano plurianual, orçamento anual e diretrizes
orçamentárias.

Art. 100. Compete privativamente ao Governador do Distrito


Federal:
..................................................
X - dispor sobre a organização e o funcionamento da
administração do Distrito Federal, na forma desta Lei Orgânica;

Este e. Tribunal de Justiça já possui entendimento de que afronta a


reserva de iniciativa legal conferida ao Chefe do Poder Executivo no caso de projeto

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 27


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

de lei de iniciativa parlamentar que, principalmente quando envolvam renúncia de


receitas públicas, configurando, neste caso, o periculum in mora, diante da
possibilidade de ocorrência de prejuízo ao erário e ao interesse público (grifo nosso):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


DISTRITAL 5.885/17. DISPÕE SOBRE A SAÚDE
OCUPACIONAL DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM
NO DF. VÍCIO DE INICIATIVA E USURPAÇÃO DE
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. FUMUS BONI IURIS
E PERICULUM IN MORA. PRESENÇA. LIMINAR DEFERIDA
MONOCRATICAMENTE AD REFERENDUM. EFEITOS EX
TUNC.
1. Presente o fumus boni iuris quando explícita a
inconstitucionalidade da Lei Distrital 5.885/17, advinda de
projeto de lei iniciativa parlamentar, em afronta à reserva
de iniciativa legal conferida ao Chefe do Poder Executivo
para a elaboração de leis que versem sobre os servidores
públicos do DF (LODF 71 § 1º II).
2. Anorma em questão invade, ainda, a competência privativa
da União para legislar sobre direito do trabalho (CF 22 I e XVI
c/c LODF 14).
3. Presente o periculum in mora, pois expirado o prazo fixado
pela norma impugnada para a realização de obras de
adequação às suas disposições, sob pena de multa diária por
descumprimento.
4. Diante da relevância e urgência da questão, cabível o
deferimento monocrático da liminar, ad referendum do
Conselho Especial, mediante aplicação analógica do art. 21 V
do Regimento Interno do STF.
5. Defere-se a liminar para suspender a aplicação da Lei
Distrital 5.885/17 com feitos ex tunc.
(Acórdão n.1117717, 20170020220798ADI, Relator: SÉRGIO
ROCHA CONSELHO ESPECIAL, Data de Julgamento:
07/08/2018, Publicado no DJE: 24/08/2018. Pág.: 85/86)

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 28


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

- CONSTITUIÇÃO - AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE LEI DISTRITAL Nº 2.485, DE 19
DE NOVEMBRO DE 1999- DECLARAÇÃO DE UTILIDADE
PÚBLICA DE ASSOCIAÇÃO RECREATIVA. VÍCIO DE
INICIATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E
MATERIAL. Nos termos conjugados das disposições do art.
100, inc. VII, e 53, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal,
bem como da Lei Distrital nº. 1.617, de 18 de agosto de 1997,
que foi regulamentada pelo Decreto nº. 19.004, de 22 de
janeiro de 1998, confere-se ao Governador do Distrito
Federal competência privativa para iniciar o processo
legislativo de normas distritais que venham a dispor sobre
a declaração de utilidade pública de associação recreativa, daí
a presença do requisito atinente ao fumus boni iuris; que,
cumulativamente com o periculum in mora, o qual reside na
possibilidade de ocorrência de prejuízo ao erário e ao interesse
público, em face da renúncia de receitas públicas
ocasionadas pela declaração de utilidade pública, enseja a
concessão da medida liminar pleiteada no sentido de
suspender a eficácia da norma impugnada.
(Acórdão n.218348, 20040020002031ADI, Relator: VASQUEZ
CRUXÊN CONSELHO ESPECIAL, Data de Julgamento:
19/04/2005, Publicado no DJU SEÇÃO 3: 05/07/2005. Pág.: 29)

Por fim, é preciso destacar, acerca da responsabilidade na Gestão


Fiscal, que a lei em exame não delineia eventual fonte de custeio para amparar a
não cobrança do custo conforme pretendido, o que aparenta colisão com o que
determina o art. 72 da LODF. Este dispositivo veda aumento de despesa nos
projetos de iniciativa privativa do Governador do Distrito Federal que não esteja
previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Plano Plurianual:

LODF
Art. 72. Não será admitido aumento da despesa prevista:
I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador do Distrito

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 29


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Federal, ressalvado o disposto no art. 166, §§ 3º e 4º da


Constituição Federal;

Constituição Federal:
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às
diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos
adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso
Nacional, na forma do regimento comum.
..................................................
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos
projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas
caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de
diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que
incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados,
Municípios e Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias
não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano
plurianual.

Dessa forma, verifica-se a inexistência de demonstração da


estimativa orçamentária, bem como a origem dos recursos para o custeio das
liberalidades criadas. Essas exigências são cogentes conforme a LODF e a
Constituição Federal, evidenciando o aparente vício também com relação à
responsabilidade fiscal do ato normativo expedido.
Além da plausibilidade jurídica do pedido, demonstrada pela
potencial violação a princípios sensíveis e regras constitucionais, consoante

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 30


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

afirmado em linhas volvidas, a pretensão acautelatória atende ao periculum in mora.


A vigência ininterrupta da norma gera efeitos financeiros irreversíveis, que ainda
podem causar instabilidade jurídica e social.
Ademais, nas ações diretas de inconstitucionalidade, o perigo da
demora reside justamente no risco para a supremacia da norma constitucional, como
elemento inabalável de coesão do ordenamento jurídico, necessário para a garantia
e proteção de preceitos fundamentais do Estado brasileiro e de seus cidadãos.
Assim, verifico que estão presentes os requisitos autorizadores da
concessão do pedido liminar, conforme jurisprudência colhida:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


DISTRITAL N. 4.569/2011. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS
REFEIÇÕES EM RESTAURANTES COMUNITÁRIOS AOS
IDOSOS. CRIAÇÃO DE NOVAS ATRIBUIÇÕES PARA
ORGÃOS ÚBLICOS DO DISTRITO FEDERAL. AUTORIA DE
PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.
Ao dispor sobre a isenção do pagamento pelas refeições nos
restaurantes comunitários do Distrito Federal às pessoas com
idade igual ou superior a sessenta anos, a Lei Distrital n.
4.569/2011 criou novas atribuições para órgãos da
administração pública distrital, o que viola o artigo 71, § 1º,
inciso IV e o artigo 100, incisos VI e X, ambos da Lei Orgânica
do Distrito Federal.
A matéria da lei impugnada insere-se no rol da competência
privativa do Chefe Executivo local e o processo legislativo foi
de iniciativa de parlamentar, razão pela qual a Lei Distrital n.
4.569/2011 padece de inconstitucionalidade formal, mormente
por trazer aumento orçamentário sem indicação da
correspondente fonte de custeio, o que viola o artigo 71, § 1º, V
e § 2º da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e provida.
(Acórdão n.656988, 20110020226534ADI, Relator: ANA MARIA
DUARTE AMARANTE BRITO CONSELHO ESPECIAL, Data
de Julgamento: 26/02/2013, Publicado no DJE: 01/03/2013.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 31


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

Pág.: 59)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº


15.742, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2016. DESTINAÇÃO DE
RECEITA DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE
ABASTECIMENTO DE ÁGUA À INSTALAÇÃO DE
SANEAMENTO BÁSICO, ABASTECIMENTO, DRENAGEM
PLUVIAL, COLETA E TRATAMENTO À BRAZLÂNDIA.
MATÉRIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO.
ORÇAMENTO ANUAL. AUMENTO DE DESPESA. MEDIDA
LIMINAR DEFERIDA. REQUISITOS PRESENTES.
1. É relevante a fundamentação de que a Lei distrital
5.742/2016, ao vincular 5% dos recursos obtidos pela
Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal -
CAESB com a comercialização de água em seu território para
aplicação na instalação de infraestrutura de saneamento
básico, abastecimento, drenagem pluvial e coleta, tratamento e
disposição de esgoto na Região Administrativa de Brazlândia -
RA IV, viola, in these, o artigo 71, § 1º, inciso V, da LODF.
2. Encontrando-se presentes os pressupostos necessários para
a concessão da liminar vindicada (periculum in mora efumus
bons iuris), impõe-se, com fulcro nos artigos 111 e 112 do
RITJDFT, o deferimento do pedido para afastar a eficácia de
dispositivos da Lei Distrital nº 5.742/2016, o que deve ser feito
com efeitos ex nunc e erga omnes, até a apreciação definitiva
da ação direta de inconstitucionalidade pelo Conselho Especial
do TJDFT.
3. Liminar deferida.Unânime.
(Acórdão n.1029106, 20160020496850ADI, Relator: ROMEU
GONZAGA NEIVA CONSELHO ESPECIAL, Data de
Julgamento: 13/06/2017, Publicado no DJE: 06/07/2017. Pág.:
40-41)

Ante o exposto,acompanho o voto do relator para deferir a medida

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 32


Fls. _____
Ação Direta de Inconstitucionalidade 20180020058058ADI

cautelar requerida para sustar a eficácia da Lei Distrital n. 5.817, de 6 de abril de


2017, com efeitos ex nunc, até o julgamento de mérito.
É como voto.

A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - Vogal


Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador CÉSAR LOYOLA - Vogal


Com o eminente Relator.

O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA - Presidente e Vogal


Acompanho o eminente Relator.

DECISÃO

Deferida a liminar. Unânime.

Código de Verificação :2019ACOGNMM1B35CYKWVJT9FPVK

GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA 33

Você também pode gostar