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DOUTRINA

PARECERES E ATUALIDADES

A competência sancionadora das agências reguladoras


no direito brasileiro: breves comentários1

Heraldo Garcia Vitta


Professor de Direito Administrativo; Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC – SP;
Juiz Federal em Campo Grande – MS

Introdução. 1. O sistema norte-americano e as agências reguladoras. 2. O regime jurídico bra-


sileiro (legalidade). 3. A supremacia geral e a supremacia especial (do Estado). 4. As agências
reguladoras no Brasil. 4.1. O “Direito Regulatório” e as agências reguladoras. 5. Conclusões
a respeito das penalidades administrativas impostas por agências reguladoras. Referências.

Introdução Reconhece-se a distinção entre supremacia


geral e supremacia especial do Estado, âmbitos
Este singelo artigo visa contribuir, de algum
de atuação das agências reguladoras. A diferen-
modo, com tema a respeito do qual os doutrinado-
ça de regime jurídico permite consequências re-
res têm opiniões, ou estudos, divergentes: a com-
levantes.
petência sancionadora das agências reguladoras.
Conclui-se no sentido de que as agências
Para essa finalidade, aborda-se a temática reguladoras devem submeter-se ao regime de-
numa perspectiva global e unitária do Direito, terminado na Constituição Federal brasileira e
mas sem desbordar da Constituição brasileira. nas leis do país.
Portanto, analisam-se algumas questões sob o
Evidentemente, as eventuais críticas são
prisma da interpretação sistemática do Direi-
destinadas ao modelo jurídico, e não aos ser-
to nacional.
vidores das agências reguladoras.
Logo, o foco do trabalho concerne à possibi-
lidade, ou não, de aplicarem-se, ao regime jurí- 1. O sistema norte-americano e as
dico nacional, as linhas gerais do sistema norte- agências reguladoras
-americano, em que mais se difundiram as agên- As agências reguladoras são difundidas no
cias reguladoras. sistema jurídico norte-americano, por cont­a

1. Artigo extraído de palestra proferida no dia 3 de agosto de 2012, por ocasião do I Congresso de Direito Administrativo Paulista, realizado
pelo Instituto de Direito Administrativo Paulista (Idap) e pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).
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das peculiaridades culturais naquele país. De pragmatismo inglês, em vez de uma teoria
maneira geral, podem ser extraídas três propo- (continental). Peter L. Strauss afirma:
sições referentes ao Direito “regulatório” nos Es- Não dispomos de nenhuma teoria abran-
tados Unidos: a) o texto da Constituição, pratica- gente a respeito de quando instituir cada tipo de
mente, nada estabelece a respeito de órgãos go- órgão ou de quando lhe conferir os vários poderes
vernamentais; b) o Congresso tem amplo arbítrio possíveis. Em vez disso, contamos com mais de
para decidir sobre a criação de órgãos, sobre os dois séculos de tentativas nesta ou naquela dire-
poderes que lhes devem ser conferidos e a posi- ção, normalmente empreendidas com motivos
ção que devam ocupar na estrutura burocrática; específicos em cada caso (destacou-se).3
c) como regra geral, os órgãos governamentais Com efeito, no direito anglo-saxão, (a) há
precisam de algum tipo de relacionamento com diluição da noção de Estado; não se vê nele en-
o Presidente da República, mas a Constituição tidade unitária e autônoma, ou centro de relações
não especifica, de modo exato e significativo, a jurídicas, marcadas por “poderes especiais”; e (b)
forma pela qual isso ocorre. Então, essa matéria há heterogeneidade de fontes normativas, de-
desenvolve-se mediante interpretação jurídica da vido à descentralização de entidades, com meios
própria Constituição.2 jurídicos variados, devido aos quais “baqueia a
distinção entre direito público e direito privado”.4
Assim, as agências reguladoras têm atribui-
ções, competências, estruturas e independên- As consequências dessas afirmações parecem
cia, à medida da configuração adotada pelo Par- óbvias, como expõe Luís S. Cabral de Moncada:
lamento; o Congresso é o mentor das agências A produção legislativa parlamentar é mais
reguladoras nos Estados Unidos. escassa e menos rica, com a consequência da
ampla liberdade da Administração. A quem
A rigor, no sistema norte-americano, elas compete condicionar a limitar tal liberdade [da Ad-
detêm competências (a) normativa, (b) “de de- ministração] é, consequentemente, ao juiz, muito
cisão”, e (c) jurisdicional. mais que ao legislador. O alcance da legalidade
decorre assim das relações entre a Administra-
(a) Estabelecem normas, de observância ção e o juiz, muito mais que das relações entre
obrigatória – delegação legislativa do Congres- a lei e Administração.5
so; (b) decidem casos concretos, com a peculia-
ridade de que não podem ser contrastadas por Realmente, ao “copiarmos” determinado ins-
autoridades estranhas ao órgão; e (c) resolvem tituto “alienígena”, precisamos observar dois
pontos cardeais, necessariamente imbricados:
os litígios de sua alçada, pouco restando ao Ju-
o que estabelece a Constituição brasileira – no-
diciário, quanto à análise dessas decisões toma-
tadamente, a interpretação dela; e o plexo de
das – o Juiz adstringe-se à verificação da lega-
normas e princípios existentes no sistema, me-
lidade das ações desses órgãos.
diante a interpretação sistemática.6
Evidentemente, devemos constatar se o regi- Há muito tempo, a doutrina não tergiversa a
me norte-americano tem perfeita sincronia com respeito das conclusões quanto à aplicação do
o regime brasileiro; é preciso analisar o contexto Direito estrangeiro (mediante a técnica da com-
jurídico nacional, ou seja, o complexo de prin- paração – método comparativo). Como protó-
cípios e normas, colhidos no sistema normativo. tipo, citamos palavras de F. Larnaude, emérito
A princípio, pode-se dizer o seguinte: no professor francês:
Direito norte-americano, a história intelectual, Se nós encontramos no Direito estrangeiro as
quanto à análise da Constituição, advém do mesmas regras que no nosso, o princípio assim

2. Strauss, Peter L. Órgãos do sistema federal americano – sua responsabilidade e posicionamento. In: FIGUEIREDO, 2004, p.19. Expli-
ca esse autor, o relacionamento da Presidência da República é de supervisão, e não de controle (idem, ibidem, p. 28).
3. STRAUSS in FIGUEIREDO, 2004, p. 21.
4. Moncada, 2001, p.119-120.
5. Idem, ibidem, p.137.
6. Vitta, 2001, p.130.
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consagrado aqui e lá adquirirá senão que um grau sas matérias e pontos considerados fundamen-
mais alto de certeza e autoridade. Mas este não tais pelo Poder Constituinte. A Constituição do
é o resultado essencial que persegue o método Brasil é prolixa, traça parâmetros normativos a
de observação comparativa; ele raramente todos os Poderes e órgãos, especialmente com
chegará às identificações e às similitudes tão
as normas programáticas, que, quando me-
absolutas. Bem mais frequentemente, ele nos
nos, indicam finalidades a serem cumpridas
fará descobrir, ao contrário, tipos nacionais ou
autóctones de instituições, isto é, formas pro- pelo Estado.
priamente nacionais, procedimentos jurídicos Além disso, o direito nacional (assim como
ou legislativos exclusivamente e propriamente ocorre na Europa), especialmente o Direito Pú-
nacionais de atingir certos fins que, em outros blico, está sedimentado, cristalizado em teorias,
países, seriam perseguidos por outros meios
as quais são estudadas e analisadas por doutri-
(destacou-se).7
nadores a partir do sistema jurídico.
Portanto, deve-se indagar: como se coloca o
É verdade, a jurisprudência, conhecida pe-
problema das agências reguladoras em face da
las decisões reiteradas, visa à resolução de
Constituição brasileira?
casos concretos, portanto, os juízes levam em
2. O regime jurídico brasileiro conta os elementos da vida, inerentes à situação
(legalidade)8 concreta, mas recebem os influxos dos ensina-
mentos da doutrina e da teorização do Direito.
Inicialmente, convém esclarecer, não esta-
mos a analisar o objeto de estudo mediante uma Como aos doutrinadores incumbe teorizar o
mera interpretação retrospectiva, na qual se sistema normativo, definindo e classificando os
analisaria texto novo de forma a que ele, na ver- objetos, fácil concluir quanto à influência desses
dade, nada inove; de acordo com esse método, profissionais no dia a dia forense.
tanto quanto possível, a nova legislação deveria Então, no regime jurídico brasileiro há um
ficar parecida com o texto antigo. sistema de regras e princípios, aliás, muitos
Absolutamente! A questão é simplicíssima; deles expressos, teorizado, para a aplicação no
não podemos descurar, olvidar, do regime na- caso concreto. Assim, o raciocínio, entre nós, é
cional, do conjunto de regras e princípios (nor- dedutivo; parte-se do sistema jurídico, das nor-
mas) propriamente brasileiro. Sob pena de ras- mas, para a solução do caso concreto.9 Nesse
gar-se o Texto Constitucional, infringir-se o Regi- sentido, as palavras de Celso Antônio Bandei-
me Democrático de Direito. Pois a perquirição ra de Mello:
é considerada retrospectiva apenas num senti- No Brasil, por exemplo, onde o Direito Ad-
do: a novel legislação adstringe-se à ordenação ministrativo não teve origem pretoriana [como no
normativa existente no sistema; logo, a nova lei sistema inglês] e no qual o Judiciário é que se-
encontra-se vinculada, enredada, ao conjunto gue as lições da doutrina – e não o inverso –
sistemático de todas as normas, bem como aos não faria sentido o estudo do Direito a partir do
valores subjacentes na Constituição. case method, pois não levaria a ensinar pratica-
mente nada de útil. É que o obtido por tal meio
Assim, seguindo a tradição continental eu- não ambientaria o estudante com o espírito e a
ropeia, o Direito brasileiro contém princípios, mentalidade do Direito que teria de penetrar, nem
regras e valores consubstanciados no Texto o instrumentaria com o conhecimento legislativo,
Constitucional, que é, como se sabe, bastan- com as técnicas de seu manejo e com o hábito
te minucioso, ao trazer pormenores em diver- dedutivo que teria de cultivar (destacou-se).10

7. LARNAUDE in BERTHÉLEMY et al., 1911, p. 22.


8. Abstraímos deste estudo o tema do controle jurisdicional de atos e fatos praticados pelas agências reguladoras. O art. 5º, XXXV, da
CF é categórico: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a lesão” (destacou-se). Trata-se de direito fun-
damental, que deve ter máxima eficácia.
9. Mesmo que o intérprete analise o caso concreto e a norma legal e vice-versa, num método, por assim dizer, circular, a conclusão [fi-
nal] desse processo só pode advir da dedução, por conta do raciocínio lógico utilizado para a compreensão do sistema jurídico.
10. MELLO, C. A. B., 2012, p. 43, rodapé 23.
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Colocadas essas premissas, alinham-se as Constitucionais Transitórias, o qual revogou


co­tações seguintes, relativas ao princípio da os dispositivos legais que atribuíam ou delega-
legalidade. vam a órgão do Poder Executivo competência as-
Se, (1) de um lado, o Direito brasileiro (a) sinalada pela Constituição ao Congresso Nacio-
não acolhe a denominada reserva legal, cunha- nal, especialmente quanto à ação normativa.15
da, inicialmente, na doutrina alemã, e expandida Já sob o prisma prático (jure constituendo),
na Europa, na qual para determinadas matérias, nos países do continente europeu, cujos traços
expressamente delineadas na Constituição, so- o Brasil adota, a função administrativa é su-
bretudo no tema dos direitos fundamentais, o Po- bordinada à função legislativa de dois modos,
der Público carece de lei para atuar;11 e nem ado- de acordo com Federico Cammeo: esta deter-
ta (b) a teoria da essencialidade, aceita pela ju- mina os fins do Estado; e estabelece os meios
risprudência alemã, segundo a qual para certos para atingi-los, bem como os limites aos quais
temas, considerados fundamentais, haveria ne- a ação concreta do Estado está subordinada.16
cessidade de lei;12 (2) de outro, o regime nacional Ou, nas palavras de Renato Alessi, numa aper-
exige, para inovar na ordem jurídica, a edição tada síntese, a função administrativa é comple-
de lei, formal, editada pelo Poder Legislativo.13
mentar à função legislativa, além de estar su-
Sob a égide do Texto Constitucional anterior, bordinada a ela.17
que, no ponto, não diverge do atual, expõe Ge-
Essas ideias, ou noções, fundamentais de-
raldo Ataliba:
correm da teoria da divisão das funções esta-
Assim, a Constituição consagra o princípio se- tais (historicamente: dentre outros, Aristóteles e
gundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar Montesquieu), a qual tem guarida no Texto Cons-
de fazer [alguma coisa] a não ser em virtude de lei.
titucional (art. 2º).
Isto significa que, no Brasil, só lei obriga, e nenhu-
ma norma, a não ser a legal, pode ter força inova- Consta, nesse artigo, a tripartição de “Po-
dora obrigatória (nisso o nosso regime é peculiar e deres” (órgãos do Estado, que realizam funções
mais estrito que a maioria do direito comparado).14 estatais); assim, nenhum deles pode imiscuir-se
Cuida-se de critério dogmático, portanto, na seara do outro, salvo nos casos expressamen-
extraído do Texto Constitucional: “justificação te permitidos pela própria Constituição.
legal” (jure constituto). Há, pois, coordenação das funções desses
Para a verificação do acerto dessa proposi- órgãos, porém, demarcada, plenamente, exaus-
ção doutrinária, basta simples leitura dos arts. tivamente, na Constituição. Isso garante a au-
84, IV, 5º, II, e 37, caput, do Texto Constitucional; tonomia política dos “Poderes” Executivo, Legis-
quanto aos Ministros de Estado, o art. 87, pará- lativo e Judiciário, estrutura inarredável no regi-
grafo único; e o art. 25, do Ato das Disposições me democrático de Direito.

11. Mayer, 1982, p. 98 e ss.


12. Maurer, 2001, p. 64.
13. Extraímos o tema das medidas provisórias, que têm eficácia de lei, sob condições e termos (cf. art. 62 da CF, alterado pela EC nº 32,
de 11.9.2001).
14. ATALIBA, 1998, p. 125.
15. Apesar disso, o art. 84, VI, letra b, com redação da EC nº 32, de 11.9.2001, permite ao Presidente da República extinguir funções ou
cargos públicos, quando vagos. Essa norma nos parece inconstitucional, eis que funções e cargos são criados por leis (art. 61, CF);
não poderiam ser extintos por decretos; não se atende à uniformidade das formas (grosso modo, algo criado, instituído, por dada
espécie de ato jurídico, só poderia ser extinto pela mesma forma, ou por ato jurídico superior), a qual decorre do sistema jurídico, como
princípio geral de Direito: ato administrativo, inferior, não pode modificar algo referido em lei (ato jurídico superior). Ademais, have-
ria ofensa à separação das funções estatais, estatuída no art. 2º da CF. O Executivo invade atribuição do Congresso, a de legislar. A
Emenda nº 32, no ponto, é inconstitucional, ante o teor do art. 60, § 4º, III, da CF.
16. CAMMEO, 1960, p.13. Podem-se acrescer aos ensinamentos desse competente autor as normas do Texto Constitucional, que, dentre ou-
tros fatores, delimitam a ação legislativa, bem como estabelecem os fins, os limites e, às vezes, os próprios meios da ação administrativa.
17. ALESSI, 1953, p. 5. Nesse sentido, com citações desse renomado autor italiano: Vitta, 2001, p. 70.
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Dessa maneira, os regulamentos “veicula- se público. Nesse sentido, deve-se fazer o dis-
dos”, na maior parte das vezes por decretos,18 crime supremacia especial, ou sujeição espe-
cabem apenas em certas hipóteses, plenamen- cial (do Estado) e supremacia geral (do Estado).
te justificadas, perante o ordenamento: além de
não inovarem na ordem jurídica, dependem de lei 3. A supremacia geral e a supremacia
(prévia) para serem expedidos – trata-se de regu- especial (do Estado)
lamentos de execução de leis (art. 84, IV, CF). Um dos pilares do Direito Administrativo, con-
Assim, após a edição da lei, os regulamen- forme expõe Celso Antônio Bandeira de Mello, é
tos, sem inovar na ordem do Direito, podem re- a supremacia do interesse público sobre o do
ferir: (a) a questões técnicas (relativas à temáti- particular.21 Assim, o Estado-Administração de-
ca da legislação), em face de expressões “latas” tém certas prerrogativas, conferidas por leis, ou
(conceitos amplos), contidas na lei, a qual defe- decorrentes do sistema normativo, com as quais
re, expressa ou implicitamente, ao regulamen- maneja o interesse público, sem prejuízo dos di-
to, a possibilidade de operacionalizá-la,19 visando reitos, sobretudo fundamentais, dos particulares.
aplicá-la, atualizá-la, no ângulo da técnica, devi- Essa supremacia estatal pode ser geral e es-
do ao avanço tecnológico, hipótese de uso de pecial.22 Na primeira hipótese, a Administração,
aparelhos de segurança nas indústrias, nos veí- por meio de lei (princípio da legalidade), “exerce”
culos; ou (b) a questões que demandem discri-
a atividade administrativa (edita atos e realiza
cionariedade da autoridade administrativa, por-
fatos, fiscaliza, impõe penalidades), com alcan-
tanto, nos casos de conveniência e oportunida-
ce, ou extensão, geral: a supremacia geral atina
de, “conferidas” pela lei – na qual a Administração
à generalidade das pessoas.23
tem margem de atuação, visando, j­ustamente, dar
“aplicação prática” à lei, devido aos imperativos Um dos casos de supremacia geral é a polí-
da segurança jurídica e da igualdade (aplica- cia administrativa, pela qual, agentes públicos,
ção da lei, pelos órgãos administrativos, de for- nos termos das leis, “contendem” a “ação” dos
ma “igualitária”). particulares; isto é, a Administração delimita a
liberdade e propriedade das pessoas em geral,
Nos casos de averiguação e operacionali-
em benefício do interesse público.24
zação técnica, expõe Ricardo Marcondes Mar-
tins, a regulamentação pode ser feita diretamen- Basta verificar o sistema de rodízio de veícu-
te pelo respectivo órgão técnico, devido à rá- los nos grandes centros urbanos, os parâmetros
pida mudança das situações fáticas. Segundo o da propriedade privada, a proteção ao ambiente,
autor, o arrolamento de substâncias que causem pelos órgãos respectivos etc.
dependência física ou psíquica pode ser efetuado Já na supremacia especial, a Administração
por portaria da Secretaria da Saúde.20 extrai da relação jurídica, travada com particula-
A aplicação do princípio da legalidade não res, os confins e os limites de ação. Nesse tipo
possui a mesma “consistência” em todas as de expressão do Estado, embora o fundamento
­situ­ações jurídicas; pois, em dados casos, é pos- último seja a lei (ao menos, os órgãos públicos
sível “certa mitigação” dele, em prol do interes- devem deter competências, expressas ou decor-

18. Decretos, de regra, são abstratos, impessoais, gerais – mas não inovam na ordem jurídica; são expedidos, como regra, pelo Chefe do
Executivo, para operacionalizar a aplicação das leis aos administrados. Autoridades subalternas podem expedir outros atos admi-
nistrativos normativos, abstratos, como instruções e outros do gênero.
19. O termo “possibilidade”, usado no texto, está no sentido de exercício de competência do Chefe do Poder Executivo para regulamen-
tar as leis. Aliás, a competência é face de um dever.
20. MARTINS, 2011, p.109.
21. Esse autor destaca dois pilares: a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público (MELLO, C. A. B.,
2012, p. 99 e ss.).
22. A respeito da origem e distinção entre supremacia geral e especial do Estado: Vitta, 2011, p. 61 e ss. O discrime teve origem na Ale-
manha; e alastrou-se em alguns países da Europa, como Espanha e Itália. No Brasil, Celso Antônio Bandeira de Mello difundiu o tema,
alinhando limites positivos e negativos à supremacia especial (MELLO, C. A. B., 2012, p. 843 e ss.).
23. Mello, C. A. B., op. cit., p. 841.
24. No Poder de Polícia, há apenas determinação dos confins jurídicos da propriedade e liberdade dos indivíduos; não, há propriamente,
limitação, corte, desses “bens”. Por isso, preferimos a expressão “delimitação” (Vitta, 2010, p. 77 e ss.).
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rentes do sistema), a base fundamental é o pró- Justifica-se o reconhecimento dela, como


prio liame travado com o particular. expõe o autor espanhol Mariano López Benítez
Segundo Renato Alessi, a supremacia espe­ devido “la necesidad de operatividad y eficácia
cial do Estado ocorre nas hipóteses em que o par- que precisa Ia máquina administrativa en deter-
ticular ingressa (a) na esfera jurídica do Estado minados ámbitos”(destacou-se).29
(concessionários (e permissionários) de servi- Entretanto, ao contrário do que se entendia,
ços públicos); ou (b) na jurídica e material (go- por ocasião do surgimento da noção de supre-
zo de determinados serviços públicos pelos par- macia especial (que ocorreu na Alemanha,30 na
ticulares).25 qual havia atuação ilimitada do Estado), os
Nessa condição, a Administração pode (con- autores, atualmente, destacam vários limites
teúdo da supremacia especial): (a) editar atos jurídicos dessa forma de atuação administrativa.
normativos, destinados a regular a relação jurí- Não se cuida, portanto, de função absoluta,
dica (normas internas, os regulamentos do servi- sem limites; trata-se de função jurídica, logo,
ço); (b) dar ordens individuais aos particulares; baseada no Direito. Há lindes jurídicos, dentre
(c) vigiar as condutas deles, quanto ao cumpri- outros, as atribuições dos órgãos devem estar
mento das normas internas; (d) impor sanções plasmadas em leis, ou serem decorrentes do sis-
administrativas, se o comportamento for danoso tema (implicitamente); a exigência de que a Ad-
aos serviços públicos.26 ministração atenda aos princípios do i­nstituto
A respeito, afirma o citado autor italiano: jurídico correspondente, à proporcionalidade, à
razoabilidade etc., em vista da finalidade espe-
Tal conteúdo é, essencialmente, complexo e
múltiplo, em relação também à complexidade dos cífica da relação jurídica travada.31
meios necessários para atingir a finalidade da Com essas considerações gerais do sistema
disciplina do comportamento pessoal dos indi- jurídico, ver-se-ão, a seguir, em breves palavras,
víduos que estejam em contato com a esfera as características básicas das agências regu-
da Administração.27
ladoras no Direito brasileiro.
São exemplos de supremacia especial do Es-
tado, dentre outros: concessionários e permissio- 4. As agências reguladoras no Brasil
nários, o gozo de certos serviços públicos, admi- No Direito brasileiro, agências reguladoras,
tidos aos particulares (bibliotecas públicas, hospi- de regra, são autarquias, isto é, pessoas jurídi-
tais públicos, escolas públicas), servidores públi- cas de direito público (administrativas, e não po-
cos (“poder” disciplinar), os presos, os membros líticas: União, Estados e Municípios), criadas por
das profissões tuteladas etc. lei específica (art. 37, XIX, CF, com redação da
De acordo com as lições do citado autor ita- EC nº 19, de 4.6.1998), com nuances e prerro-
liano, na supremacia especial há dependência gativas da entidade política que as criou (prazo
acentuada do particular ao aparato administra- prescricional, controle financeiro pelos tribunais
tivo, uma relação pessoal e direta com a Admi- de contas, atos e contratos administrativos etc.);
nistração, com certo caráter de permanência e detêm autonomia financeira e administrativa; pa-
continuidade, não sendo suficiente, pois, a re- trimônio próprio; em princípio, não têm subordi-
lação ou supremacia geral.28 nação hierárquica com a entidade criadora (Ad-

25. ALESSI, 1974, p. 279-280.


26. Idem, ibidem, p. 281. Acrescentamos a possibilidade de imposição de medidas acautelatórias da Administração: “Não podemos con-
fundir a sanção administrativa com certas medidas cautelares tomadas pela administração para manter a ordem pública em casos de
extrema urgência. Essas medidas cautelares são providências administrativas, enquanto se efetua o procedimento pertinente para a
apuração da infração. Finalizado, aplicar-se-á a sanção, se verificado o ilícito; caso contrário, a medida será levantada, sem prejuízo da
responsabilidade civil” [se for o caso] (Vitta, 2003, p. 22, destaques do autor).
27. ALESSI, 1974, p. 281.
28. Idem, ibidem, p. 279-280.
29. LÓPEZ BENÍTEZ, 1994, p. 40.
30. Cf. Vitta, 2011, p. 68 e ss.
31. Para essas e outras considerações da supremacia especial: MELLO, C. A. B., 2012, p. 841-842; VittA, 2011, p. 85 e ss.
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ministração Central); e, de acordo com Maria Syl- Assim, há o Banco Central do Brasil, o Conselho
via Zanella Di Pietro, estão sujeitas ao princípio Monetário Nacional, a Comissão de Valores Mobi-
da especialidade, segundo o qual cada uma de- liários; outrora, o Instituto do Açúcar e do Álcool,
las “exerce e é especializada na matéria que lhe o Instituto do Mate etc.
foi atribuída por lei”.32 Contudo, desde as “privatizações” dos servi-
Devido à importância de suas atividades, de ços públicos, a partir da década de 1990, devido
interesse e finalidade públicos, os servidores das ao trespasse de atividades públicas (outrora reali-
autarquias têm vínculo jurídico sob o regime es- zadas pelo Estado) para pessoas jurídicas de Di-
tatutário (estabelecido, dessa forma, por meio reito Privado não integrantes da Administração,
de leis, que lhes supeditam os respectivos direi- houve a criação de entidades públicas (agências
tos e deveres). reguladoras = autarquias), com a finalidade de
acompanhar e fiscalizar o desenvolvimento des-
Especificamente no caso das agências re- ses misteres (serviços públicos concedidos aos
guladoras, o art. 1º da Lei nº 9.986, de 18.7.2000 particulares; concessão e permissão de servi-
(dispõe sobre a gestão de recursos humanos das ços públicos aos particulares).
agências reguladoras), determinava regime de
emprego (CLT) aos servidores, mas o Supremo Apesar disso, as agências reguladoras não
Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade estão adstritas à “fiscalização” e suposta re-
da adoção dele (ADin. nº 2.310-1–DF, Rel. Min. gulação de serviços públicos trespassados
Marco Aurélio).33 aos particulares, pois algumas delas atuam
em ­áreas ou segmentos diversos. Numa aperta-
Na verdade, a característica marcante das da síntese, seriam as seguintes searas de atua-
agências reguladoras talvez seja o mandato fi- ção (sem pretensão de enumerar as espécies de
xo dos dirigentes delas34 (decorrente da indica- agências reguladoras):
ção pelo Presidente da República, com aprova-
a) no setor privado: 1) Agência Nacional
ção do Senado, cf. art. 52, f, III, da CF), por força
do Petróleo (ANP: Lei nº 9.478, de 6.8.1997),
dos arts. 5º e 6º da Lei nº 9.986/2000.
relativo à atividade econômica do monopólio
Dessa forma, os conselheiros e diretores so- estatal de exploração e produção de petróleo
mente perdem o mandato em caso de renúncia, (art.177, I e IV, CF, com redação da EC nº 9, de
de condenação judicial transitada em julgado, ou 9.11.1995); 2) Agência Nacional de Vigilância
de processo administrativo disciplinar, dentre ou- Sanitária (Anvisa: Lei nº 9.782, de 26.1.1999), ao
tras condições, a serem estabelecidas em cada lei atuar como polícia administrativa,36 no controle
de criação da agência (art. 9º e parágrafo único). sanitário (saúde) de produtos e serviços, quanto
à produção e comercialização, ambientes e con-
Essas “garantias” dos dirigentes, enunciadas
trole nos portos, aeroportos e fronteiras (art. 6º da
na lei, permitem atuação técnica das agências,
lei); 3) Agência Nacional de Saúde Suplemen-
com menor ingerência política, por parte da en-
tar (Lei nº 9.961, de 28.1.2000), também como
tidade criadora (Administração Central).35
polícia administrativa, quanto aos serviços de
Agências reguladoras sempre existiram no saúde, desempenhados por particulares (art.199,
Direito nacional, com outro nome ou expressão. caput, da CF); 4) Agência Nacional do Cinema

32. DI PIETRO, 2012, p. 525.


33. Essa ação de natureza constitucional perdeu objeto, pois o art. 1º da lei combatida (Lei nº 9.986/2000) foi revogado pela Lei nº 10.871,
de 20.5.2004. Assim, não há mais determinação legal para adoção do regime de emprego aos servidores das agências reguladoras.
34. Nesse sentido, MELLO, C. A. B., 2012, p. 178.
35. lngerências políticas sempre haverá. Primeiro, pelo sistema de escolha dos dirigentes das agências reguladoras: no âmbito federal, indi-
cação do Presidente da República, com aprovação do Senado. Depois, essas entidades integram a Administração Pública indireta,
portanto, submetem-se aos ditames (metas, finalidades, meios) estabelecidos nas leis; e nos atos administrativos superiores da
Administração Pública (Presidência da República e Ministérios, no âmbito federal).
36. Seguindo os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 835 e ss.), escrevemos: “Com efeito (a) a princípio, leis, ela-
boradas pelo Poder Legislativo, na função legislativa, estabelecem contornos jurídicos da propriedade e liberdade dos administrados.
[...]. Noutros casos, contudo, (b) o legislador atribui à Administração averiguar, nos termos legais, perante o caso concreto, a esfera ou
fisionomia jurídica da propriedade e liberdade dos particulares. Nesse âmbito, a Administração elabora atos e pratica comportamentos;
estar-se-á diante da polícia administrativa (VITTA, 2010, p. 23, destaques do autor).
974 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Setembro/2013

(Ancine: MP nº 2.281-1, de 6.9.2001), que atua tomada de decisões técnicas nesses âmbitos.
no fomento da atividade cultural, proporcionada Transfere-se da Administração direta (órgãos pú-
por particulares; blicos) para a Administração indireta (autarquias)
a “fiscalização” de algumas atividades de “inte-
b) no setor de serviços públicos: dentre
resse (ou relevância) público”.
outras: Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel: Lei nº 9.427, de 26.12.1996), Agência Mas não significa a encampação, no Brasil,
Nacional de Telecomunicações (Anatel: Lei nº da argamassa jurídica (escassa, como vimos)
9.472, de 16.7.1997); do regime norte-americano. Aliás, não tem sen-
tido a interpretação, desejada por parte da dou-
c) no setor de uso de bem público: Agên-
trina, de que a instituição de agências regulado-
cia Nacional de Água (Ana: Lei nº 9.984, de ras visaria conferir segurança jurídica (credibili-
17.7.2000). dade) aos investidores (logicamente, internacio-
Ora, se adotássemos o entendimento de nais...!), por conta das características (“america-
que agências reguladoras têm competência para nizadas”) delas.
editar atos normativos, com eficácia de leis, Ora, tanto a especialidade das agências re-
certamente pouco restaria ao Legislativo (função guladoras quanto a tecnicidade das decisões
legislativa) e, por tabela, à Administração Públi- tomadas por elas já conferem segurança jurí-
ca direta (função administrativa) – esta ficaria dica. (Sem falar nos mandatos fixos dos diri-
“submetida” às normas das agências regulado- gentes, por força de leis). É o quanto basta, em
ras, pois não poderia “supervisioná-las”. face do Direito brasileiro.
Imagine-se, ainda, se os atos delas não pu- 4.1. O “Direito Regulatório” e as agências
dessem ser contrastados no Judiciário... Quase reguladoras
tudo ficaria sob a batuta de agências r­ eguladoras!
Para “justificar” a pretendida “extensão” das
Pois bem. O art. 21, XI, da Constituição, com competências das agências reguladoras, a dou-
redação da EC nº 8, de 15.8.1995, estabelece, trina tem destacado algumas características do
nos serviços de telecomunicações, prestados regime jurídico “regulatório”: flexibilidade, con-
mediante autorização, concessão ou permissão, sensualidade, setorização, atuação especializada
a previsão legal da criação de um órgão regula- e autonomia na relação com o Executivo.
dor; no caso, a Anatel.
(a) A respeito da flexibilidade, não há novi-
O mesmo ocorre quanto ao monopólio da dade; o Direito Administrativo tem, como carac-
União, de petróleo, gás natural e outros hidro- terísticas essenciais, que o distingue de outras
carbonetos fluidos, cujo art. 177, § 2º, III, do Tex- disciplinas jurídicas, a extrema diversidade de
to Constitucional, acrescentado pela EC nº 9, de seu objeto, a mobilidade de suas disposições
9.11.1995, previu, mediante lei, a criação de ór- e a falta de codificação. Afirmação do professor
gão regulador, a ANP. francês H. Berthélemy (em 1910!).37
Ora, a singela previsão constitucional de ór- Ademais, essa flexibilidade só pode ser con-
gãos reguladores, nesses dois casos, não tem o cebida num aspecto, ou sentido, relativo; pois,
condão de “destruir”, obliterar, todo o sistema jurí- diz Ruy Cirne Lima,38 a finalidade, no Direito Pú-
dico constitucional. O que o dispositivo da Cons- blico, é cogente; a relação de administração é
tituição determina é a criação, instituição, de “ór- imperativa, imposta pela lei; o dever e a finali-
gãos reguladores”. É só! A norma busca “maior” dade predominam, ao contrário do Direito Priva-
especialidade dessas searas, almeja conferir a do, no qual prevalece a autonomia da vontade.39

37. BERTHÉLEMY, H. Méthode applicable a I’étude du droit administratif. In: Collège libre des sciences sociales en 1910, Les Méthodes Ju-
ridiques, p. 64. Ao rol do autor, acrescentamos inúmeras leis esparsas.
38. Segundo o autor, a finalidade domina e governa a atividade administrativa (LIMA, 1953, p. 26). Afirmava o eminente doutrinador gaúcho:
“Chama-se-lhe relação de administração, segundo o mesmo critério, pelo qual os atos de administração se opõem aos atos de proprie-
dade. Na administração, o dever e a finalidade são predominantes; no domínio, a vontade” (LIMA, 2007, p. 2).
39. Mesmo no Direito Privado, a autonomia da vontade circunscreve-se às normas da ordenação, como aquelas pertinentes à função social
do contrato, à função social da propriedade etc.
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES 975

Depois, os meios devem ser fixados em leis, Mas, para serem válidos, pressupõem lei
pois são importantes “instrumentos” pelos quais autorizadora, ou seja, “acordos”, enlaces, sem
a Administração obtém resultados práticos na perder de vista o interesse público, devem
sua atividade administrativa (pretendidos na lei ocorrer à medida e nos termos da lei, devido
que lhes outorga competências). ao princípio da indisponibilidade do interesse
público, pilar do Direito Administrativo.
Assim, deixar os meios ao alvedrio das agên-
cias reguladoras – como deseja parte da dou- Essa característica (consensualidade) igual-
trina –, seria o mesmo que conceder, utilizando mente não inova porque, no Direito Público,
expressão de Caio Tácito (quanto às competên- sempre se entendeu possível as “relações con-
cias), um “cheque em branco”. sensuais”, quando previstas nas leis. Há, dessa
forma, termos de ajustamento de conduta, sus-
Nos dias atuais, devido ao regime demo- pensão de processos disciplinares, de penas de
crático de Direito, os meios devem ser “contro- multas, e outras. Repita-se, demandam lei.
lados” juridicamente, adstritos a parâmetros pré-
Pode ter havido incremento desses instru-
vios, normativos, pois são instrumentos ou for-
mentos jurídicos, devido ao avanço do regime
mas de “ação” da “potestade do Estado”.40
democrático de Direito. Por isso, a Administra-
Nem o princípio da eficiência (art. 37, ca- ção, em vez de impor penalidades administra-
put, da CF, com redação da EC nº 19/1998) se- tivas, realiza “certas transações” com o particular.
ria suficiente para justificar os “poderes” am- Com efeito, sanções administrativas não
plos das agências reguladoras. É que o referi- visam apenar o infrator, impor-lhe castigo; têm
do princípio deve “conviver” com os demais prin- a finalidade de “desestimular as pessoas a des-
cípios do ordenamento, não pode ser visto fora cumprirem as normas do ordenamento normati-
do mundo jurídico, como se fosse algo isolado vo”. O caráter é preventivo; o castigo é conse-
do contexto normativo. E dentre os princípios re- quência do descumprimento da norma e da im-
feridos na Constituição, o da legalidade impõe posição da pena.44
­obediência à lei por todos os agentes públicos,
Logo, o legislador pode buscar melhores
“sob pena de sérios riscos à segurança jurídica
opções, em vez de, simplesmente, determinar a
e ao próprio Estado”, de acordo com Maria Syl-
imposição de penalidade administrativa ao ad-
via Zanella Di Pietro.41
ministrado.
Ser eficiente é cumprir as determinações Veja-se: mesmo no âmbito da polícia admi-
legais, atender à Constituição Federal, com efi- nistrativa (na qual a doutrina cita a imperativi-
cácia (social); nas palavras de Hely Lopes Meirel- dade como um dos atributos), a coação é ultima
les, com produtividade e rendimento funcional.42 ratio, e esta não é mais considerada caracterís-
Na verdade, o princípio da eficiência é o de- tica daquela atividade.45
ver de boa administração (há muito estudado Dessa forma, a autoridade administrativa só
na doutrina italiana), inerente no regime demo- pode realizar “acordos” mediante autorização
crático de Direito.43 legal, eis que não dispõe do interesse público;
(b) Com fundamento na consensualidade, afirma Carnelutti:
a agência realizaria acordos, num sentido amplo, A potestas que, portanto, se define como po-
com o particular. tência de comandar para tutela de um interesse

40. Quanto ao meio: no caso de discricionariedade administrativa, compete à autoridade proceder à escolha do melhor meio para atin-
gir a finalidade legal. Contudo, critérios, ou princípios, devem moldar a escolha da lei, ao conferir a discricionariedade (razoabilidade,
proporcionalidade da lei); os quais igualmente devem ser fundamento da Administração, ao proceder com a “opção concreta”. Ela de-
verá, também, observar o princípio da segurança jurídica.
41. DI PIETRO, 2012, p. 84.
42. MEIRELLES, 2007, p. 90.
43. Vitta, 2001, p. 94.
44. Idem, 2003, p. 66.
45. Idem, 2010, p. 32 e ss.
976 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Setembro/2013

alheio, é, em certo aspecto, a figura mais eleva- Nesse sentido, certas unidades temáticas do Di-
da do poder, uma vez que quem comanda está reito Administrativo, caso do Direito Tributário, do
em posição superior não só ao interesse sacri- Financeiro, do Urbanístico, do Ambiental, do Con-
ficado, como mesmo também ao interesse tute- sumidor etc., têm fundamento e base de sus-
lado pelo comando; melhor se diria, talvez, que tentação naquele.49 O Direito Administrativo
está colocado fora desses interesses, já que de- fornece-lhes o fundamento jurídico; engloba-
les não é participante, pelo menos diretamente
-lhes, dá-lhes sentido e concatenação lógica.
(destacou-se).46
Além disso, mesmo os “Direitos menores”, cujas
Por isso, penalidade administrativa deve ser
normas não são editadas pelo Estado, estão interli-
(dever) imposta pela autoridade competente (se
gados às normas advindas deste; expõe Waline:
acaso apurada a infração, no bojo de um pro-
cesso administrativo), pois o Estado não de- Ao contrário, toda sociedade organizada
tém disponibilidade a respeito dela. Cuida-se, tem seu Direito; ele não é privilégio exclusivo do
por assim dizer, de potestade (disciplinar), no ­Estado. Cada grupamento de homens, seja uma
associação, um sindicato, uma federação, edita
qual subjazem a ideia de dever e a ideia de po-
para seus membros regras de conduta, por exem-
der, sendo esta (meramente) instrumental para
plo, por um regulamento interno, pelas quais pre-
o cumprimento (efetivo) daquela.47 vê sanções. [...]. Essas diferentes ordens jurídicas
Portanto, apenas nos termos e condições são ligadas entre si por liames de coordenação,
fixados em leis, a Administração Pública firma para sua interação comum numa ordem jurídi-
“acordos” com o administrado. Atos subalternos, ca superior. Por exemplo, os direitos das asso-
inclusive decretos, portarias, instruções etc., não ciações, dos sindicatos, são integrados no direi-
to superior do Estado que os domina e os en-
podem conceder essa competência à autoridade
globa (destacou-se).50
administrativa.
A doutrina sempre contendeu no sentido de
Esse entendimento abrange, inclusive, atos
que há pluralidade de ordenamentos jurídicos
praticados na supremacia especial do Estado,
concatenados a princípios, ou dogmas, superio-
na qual – assim como ocorre na supremacia geral
res aos quais aderem. A respeito, expõe Oswal-
– a autoridade não dispõe do interesse público.
do Aranha Bandeira de Mello:
(c) Quanto à setorização,48 outra nota do “re- Existe, pois, na verdade, pluralidade de or-
gime regulatório”, devem ser feitas algumas ano- denamentos jurídicos, ou seja, de fontes formais
tações. Todo “regime jurídico menor” (subsiste- de sua exteriorização, de modo o que se passa
mas) deve obedecer aos comandos superiores de ordenamento superior, ou melhor, supremo,
do Direito, aos valores e princípios constitucio- a constituição, que dá estrutura do Estado-poder,
nais e às leis. aos ordenamentos inferiores, ou, melhor, sub-
metidos, uns consistindo em execução do outro
Pois o sistema nuclear, principal, traz a
(destacou-se).51
base, a sustentação, o fundamento, dos (aqui
considerados) subsistemas, na medida em que Os vários subsistemas aderem, cedem às
estes estão subordinados àquele (hierarquia normas mais “abrangentes” (do Estado), pois o
normativa). ordenamento normativo é complexo, ordenado,
hierarquizado.
Essa forma de raciocínio é realizada, neces-
sariamente, na análise das várias normas que Ressalvamos (alguns) aspectos referentes
concebem os ramos e as disciplinas jurídicos. à supremacia especial do Estado, já enfatiza-

46. CARNELUTTI, 1999, p. 272.


47. Vitta, 2003, p. 64.
48. Por esse entendimento, as agências atuariam em setores específicos, subsistemas, do Direito; isso justificaria atuação ampla, com
“menores exigências normativas”, notadamente quanto à legalidade. Na prática, atuariam por atos administrativos, com “força de leis”.
49. A respeito das unidades temáticas, dependentes, subordinadas, à disciplina jurídica, o Direito Administrativo: Mello, C. A. B., 2012,
p. 37-38; Vitta, 2008, p. 123-124; idem, 2010, p. 48 e ss.
50. WALINE, 1946, p. 2.
51. MELLO, O. A. B., 2007, p. 248.
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES 977

do, cujo fundamento é diverso do da suprema- Ressalvamos a hipótese em que há “novas”


cia geral; mesmo assim, há lindes jurídicos.52 eleições para os cargos de chefia do Executivo;
os eleitos pelo povo poderão, a qualquer momen-
(d) O tema da atuação especializada das
to, expungir os dirigentes das agências, mesmo
agências reguladoras é “solucionado” pelo uso
se estes estiverem no exercício dos manda-
da técnica; isto é, resolvem-se as diversas ques-
tos. O eleito deve ter condições, meios, para con-
tões mediante pareceres, informes técnicos, in-
duzir os rumos da nação, sob o perfil ideológico
clusive por meio da denominada discricionarie-
e político escolhido pelo povo, nas eleições.
dade técnica – quando ela, efetivamente, ocor-
rer –, campo do qual, há anos, os cultores do Di- Trata-se de conclusão extraída do concei-
reito Administrativo se debruçam.53 to de República, cujo regime possui, dentre os
atributos, a eletividade e a soberania popular.
Os problemas do avanço tecnológico e da
aplicação do Direito Administrativo não são re- Segundo a doutrina, a Administração Central
centes, e têm sido analisados à luz dos concei- detém supervisão, ou controle, sobre as autar-
tos operacionais dessa seara jurídica, que traz quias, nos termos e limites legais, na medida
elementos para soluções do campo da técnica. em que, como se sabe, não há hierarquia entre
entidade criadora (Administração Central) e cria-
Como diz Alf Ross, uma das atividades da tura (no caso, autarquias).
política jurídica (realizada pelos juristas) é a “ati-
vidade de pesar considerações e decidir como O emérito prof. Oswaldo Aranha Bandeira
árbitro dos especialistas [de outras á ­ reas]”54 de Mello refere à distinção de autarquias e “en-
tes autônomos”; explica esse saudoso e culto
(destacou-se).
doutrinador:
De toda forma, as autarquias, de maneira ge-
O ente autônomo não se confunde com o
ral, são criadas para atividades específicas, “mo- ente autárquico. O ente autárquico, administra-
tivo” de sua criação. Todas elas têm atuação es- tivo, consiste em pessoa jurídica com capacida-
pecializada, variando apenas o grau, ou intensi- de jurídica específica de direito público, em ma-
dade, de cada uma delas. téria executiva ou administrativa strict[o] sensu;
já o ente autônomo desfruta de capacidade jurí-
(e) Assim, resta a independência funcional
dica normativa específica de direito público, para
“mais acentuada” das agências, devido ao man- ordenar ele próprio determinadas matérias, em
dato fixo dos dirigentes, nos termos das leis. caráter exclusivo, na conformidade com o seu
O mandato fixo, para os titulares de certos peculiar interesse, e, prover, livremente, os seus
cargos, decorre da própria Constituição Fede- órgãos governamentais (destaques do autor).55
ral, cujo art. 52, III, estabelece a competência do E expõe o necessário controle que o ente au-
Senado Federal para aprovar, previamente, por tônomo detém sobre a autarquia, nesses termos:
voto secreto, após arguição pública, “f) titulares Já os autárquicos, embora com competência
de outros cargos que a lei determinar”. E, sa- específica para gerir, isto é, executar, as ativida-
bemos, os dirigentes das agências reguladoras des que constituíram a sua razão de ser, estão
têm fixidez (“temporária”) nos cargos, por conta sujeitos, no exercício da sua competência admi-
das leis que as regem. nistrativa strict[o] sensu, ao controle do ente au-

52. De acordo com Renato Alessi (1974, p. 281), a diversidade de regime jurídico (supremacia geral x supremacia especial) deriva uma
“independência” dos dois “poderes”, da qual descendem importantes consequências: o exercício cumulativo dos dois “poderes” não viola
o princípio ne bis in idem; nem todos os princípios fundamentais do poder punitivo geral valem também para a aplicação do poder dis-
ciplinar; no caso de responsabilidade disciplinar, não se aplica a regra do direito penal nullum crimen sine lege, nullo poena sine lege.
Para recorrer aos princípios de direito penal, para colmatar a ausência de normas, no direito disciplinar – por meio da analogia, deve
o intérprete verificar quais os princípios e institutos que são próprios de cada poder punitivo e que podem encontrar acolhimento, tam-
bém, no direito disciplinar.
53. A discricionariedade técnica ocorre quando, a par da apreciação de aspectos técnicos, a lei “abre alternativa ou alternativas para o com-
portamento da Administração, o que é, exatamente, a essência da discricionariedade: possibilidade que dimana da lei para a eleição
de uma entre duas ou mais condutas em vista de realizar, do modo mais satisfatório possível, o interesse público no caso concreto”
(Mello, C. A. B., 2012, p. 442).
54. ROSS, 2003, p. 379.
55. MELLO, O. A. B., 1974, p. 189.
978 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Setembro/2013

tônomo, territorial, que os criou, ou mesmo, da Especificamente no âmbito federal (Dec.-


autarquia de serviço maior que, por autorização -Lei nº 200/1967 e alterações posteriores), Ale-
daquele, os criou (destaques do autor).56 xandre Mazza cita dois pareceres da Advoca-
Esse controle, ou tutela, denominada or- cia-Geral da União, nos quais reconheceram:
dinária, da Administração centralizada sobre as (a) a possibilidade de interposição de recurso
respectivas criaturas, a qual sempre carece de administrativo impróprio, dirigido ao Ministro
lei, recai também nas agências reguladoras da pasta, contra decisões das agências que não
(pois são autarquias). observam políticas públicas adotadas pela Pre-
sidência e pelos Ministros; (b) a avocação, pe-
De outra parte, nas hipóteses de descala- la Presidência da República, de competências
bros administrativos, a Administração Central regulatórias das agências.59
poderá intervir nos negócios da agência regula-
dora, mediante a tutela ou supervisão extraor- Em face dessas considerações, podemos
dinária, a qual, mesmo na falta de lei, permite à referir à conclusão do tema proposto.
entidade criadora interferir, excepcionalmente, na
criatura, para dar fim aos desmandos adminis- 5. Conclusões a respeito das
trativos, como no caso de corrupção deslavada. penalidades administrativas
impostas por agências reguladoras60
Por exemplo, se acaso o ato da agência ti-
ver sido proferido com desvio de finalidade, ou O resultado dessas anotações é de fácil ma-
incompetência (absoluta), ou outros vícios que nejo, pois advém da aplicação sistemática do Di-
possam levar à nulidade absoluta (do ato), ou reito, numa visão global, “conjunta”, isto é, à me-
à sua inexistência, nada impede a intervenção dida das normas e valores do regime brasileiro.
“extraordinária” da Administração centralizada As agências reguladoras exercem função ad-
na agência reguladora (tutela extraordinária). ministrativa; submetem-se ao princípio da legali-
Numa síntese, expõe Celso Antônio Bandeira dade, conforme determina o Texto Constitucional.
de Mello: Não há entidades jurídicas acima do próprio Estado
(do Legislativo, do Judiciário e do próprio Executivo).
O caráter público da autarquia, sua inserção
[n]o âmbito do Poder Executivo e a natureza es- Tanto as infrações quanto as respectivas pe-
tatal de sua atividade podem, em momentos ex- nalidades (administrativas) devem estar suficien-
tremos, reclamar ação de tutela, mesmo que não temente plasmadas em leis. Na supremacia ge-
prevista expressamente (destacou-se).57 ral do Estado, umas e outras constam em leis;61
por isso, agências reguladoras que atuam na po-
A doutrina refere, ainda, ao recurso admi-
lícia administrativa, portanto, sob fundamento da
nistrativo impróprio (é aquele interposto perante
supremacia geral, não podem estabelecer, por
outra pessoa jurídica), desde que haja lei que
atos administrativos, infrações e penalidades ad-
o preveja. Assim, as demandas decididas pelas
ministrativas.
agências podem constituir objeto de recurso ad-
ministrativo, interposto à Administração centra- Contudo, reconhecemos, as normas de Di-
lizada (ao Ministério – Federal – ou à Secreta- reito Administrativo, muitas vezes, carecem de
ria – Estadual ou Municipal), se houver previ- precisão terminológica. No exemplo de Susana
são legal.58 Lorenzo, quando as normas municipais proíbem

56. Mello, O.A.B., 1974, p. 191.


57. MELLO, C. A. B., 1968, p. 443.
58. Mesmo na ausência de lei (prevendo o “recurso impróprio”), nada impede o particular de dirigir-se diretamente à Administração Central
contra decisões das agências reguladoras, nas hipóteses estabelecidas, ou permitidas, pela Constituição; o “direito de petição” asse-
gura-lhe essa possibilidade (art. 5º, XXXIV, a: defesa de direitos [violados], ilegalidade ou abuso de poder).
59. MAZZA, 2012, p. 149.
60. Sanção administrativa é “a consequência repressiva, estipulada pela ordem jurídica e imposta por autoridade administrativa, no exercí-
cio da função administrativa, desfavorável ao sujeito (infrator ou responsável), com a finalidade de desestimular as pessoas a descum-
prirem as normas do ordenamento normativo, em virtude de conduta (comissiva ou omissiva) praticada em ofensa ao mandamento da
norma jurídica” (Vitta, 2003, p. 66).
61. Idem, ibidem, p. 84 e ss.; idem, 2010, p. 70 e ss.
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES 979

a venda em determinadas zonas da cidade, não cipado conhecimento das sanções a que even-
estarão se referindo, propriamente, ao contrato tualmente estará exposto”.64
de compra e venda; mesmo que o vendedor não Já quanto à previsão das penalidades nos
efetue o negócio, há infração administrativa.62 contratos de concessão, assinala esse compe-
De todo modo, como regra, a lei deve estipu- tente professor e jurista:
lar a conduta específica da qual poderá originar Quanto ao contrato, entendemos que não po-
a específica penalidade (tipicidade das infra- derá inovar na matéria, mas tão só reproduzir o
ções e das penas). Pois a nota ou característica, que já esteja previsto, seja no edital ou seus ane-
“tipicidade” das “infrações” e das “penalidades xos, seja em regulamento anterior. Logo, o que
administrativas”, é corolário da “legalidade”.63 dele conste a respeito será despiciendo, pois na-
da agregará validamente ao que terá de preexis-
Já no caso de agências reguladoras que têm tir (destacou-se).65
relação íntima, doméstica, com dados particula-
res, numa sujeição especial (relação especial Assiste razão ao eminente doutrinador, por-
do Estado), a situação é outra. que a segurança jurídica exige conhecimen-
to antecipado do destinatário da norma, tanto
Nessa seara, haverá certamente campo am- das infrações quanto das penalidades adminis-
plo de atuação das agências: elas podem estipu- trativas.66
lar infrações e penalidades, por meio de atos
administrativos, porém baseados nas leis; e Quando se estuda o regime jurídico das agên-
disciplinar, de maneira específica, ou seja, por cias reguladoras, é necessário lembrar o provér-
ato administrativo, os comportamentos exigíveis bio alemão: Confiar é bom, controlar, melhor!
dos particulares, quando o legislador (lei) tiver Os atos praticados pelas agências regulado-
se expressado, ao fixar infrações, mediante con- ras submetem-se aos ditames normativos “co-
ceitos indeterminados, ou, conforme acentua muns” das autarquias (em geral), com exceção
a doutrina, standards deontológicos de conduta da fixidez (“temporária”) no cargo dos dirigentes
(palavras plurissignificativas: ordem pública, mo- daquelas.
ral e outras).
Entretanto, se houver eleições, os novos
Assim, algumas agências (concedentes) mandatários poderão indicar dirigentes para as
firmam contratos de concessão de serviços e agências reguladoras. Pois a República, segun-
obras públicos com particulares (concessioná- do Geraldo Ataliba:
rios). O art. 29, II, da Lei nº 8.987, de 13.2.1995 [...] traduz-se num conjunto de instituições
(essa legislação trata da concessão e permis- cujo funcionamento harmônico visa a assegu-
são de serviços e obras públicos), estabelece a rar, da melhor maneira possível, a eficácia de seu
competência do “poder concedente” para “aplicar princípio básico, consistente na soberania po-
as penalidades regulamentares e contratuais”. pular.67
Conforme explica o nunca assaz citado Cel- Ora, a soberania popular somente estará
so Antônio Bandeira de Mello, as penalidades assegurada se o mandatário, escolhido pela “na-
podem ser fixadas em regulamento anterior à ção”, puder escolher, ou, nos termos da Consti-
concessão ou no edital da licitação, “pois, em tal tuição, indicar os (novos) dirigentes dos cargos
caso, quem se candidate a disputá-lo terá ante- públicos do próprio Executivo.

62. LORENZO, 1996, p. 72. De acordo com a autora, nesses casos, o intérprete deve guiar-se por critérios de obviedade e recorrer a fon-
tes não formais, como o costume, para complementar o déficit técnico da norma (idem, ibidem, mesma página). Logo, a tipicidade, no
Direito Administrativo, não precisa ser, necessariamente, cerrada, fechada, como ocorre no Direito Penal. O intérprete tem manejo de
interpretação, para a análise dos termos contidos na lei. Porém, dentre outros, critérios, ou princípios, da razoabilidade e da proporcio-
nalidade devem ser observados.
63. Cassagne, 1995, p. 85. Não refutamos a edição de regulamentos executivos, nos casos assinalados no item 2) Regime jurídico
brasileiro (legalidade).
64. MELLO, C. A. B., 2012, p. 749.
65. Idem, ibidem, loc. cit.
66. Vitta, 2003, p. 92; idem, 2010, p. 185.
67. ATALIBA, 1998, p. 89. E uma das características fundamentais da República é a eletividade, para a garantia da renovação (ou não) do poder.
980 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Setembro/2013

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68. A respeito, com argumentos convincentes, MELLO, C. A. B., op. cit., p. 179-180.

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