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© VESTIBULAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO * Um Simpésio como este, no Ambito da Reunisio Anual da SBPC, parece-nos extremamente importante oportuno: consideramos indispensivel multiplicar as ocasides em que espectallstas, conjuntamente com interessados em geral, em problemas que mobilizam ‘a atengdo de toda a socledade, possam discuti-los racional e amplamente, na busca de solugdes ov, ‘quando menos, na busca de definicio clara dos pro- Dlemas. Essa ventilacio de idéias, posicses, objetivos ‘ou estratégias, de que se originem © em que se apoiem iretrizes para a aco sobre a realidade, parece-nos fessencial para compensar a tendéncia de muitos policy-makers de fechar-se em torno de algumas ver- dades tomadas por definitivas, freqlientemente dando as costas & realidade que, fora de seu cfrculo, s¢ ‘modifica sem que o percebam. Educadores, clentistas, escritores, artistas — se nos omitirmos, quem fra dizer 0 que @ nacéo pensa a respeito das coisas da educagio © da cultura? Sentimo-nos muito honrados com 0 convite, eo ccitamos tranguilamente, por nos sentirmos & von- tade dentro do tema, a cujo respelto nos alicergamos no tiroeinlo obtido nos multos anos de vinculagéo & Fundagio Carlos Chagas, por certo a entidade de ‘mais antiga, elaborada, consistente ¢ ampla experién- cla na organizacio ¢ execucio de concursos. vestibu- ares do pais, Apesar disso, porém, quase nos dispusemos a fir- ‘mar uma posigho anti-debate, nfio participando deste encontro. Mas como essa atitude, expressa pela sim- ples auséneia, poderia nada significar, ou significar, erroneamente, simples fuga a0 debate, decidimos vir aqui esclarecer nosso pensamento, sob a forma de uma , uma vex que os fatos no parecem permitir altemnativas doutrindrias ot filo- soicas. De fato, 8) quanto ao nivel e natureza das provas: — patece-nos elementar principio de avaliagio de conhecimentos que uma prova deve ser bem equilfbrada quanto a seu nivel de dificuldade para ter assegurada sua capacidade de diseri- ‘minacdo entre os componentes do grupo a que se aplica; — © parece-nos evidente a conveniéncia de que as provas tenham capacidade para avallar, da ma- neira mals abrangente possivel, os conhecimen- tos do candidato, nfio s6 cobrindo varias areas do saber, como cobrindo-as de maneira o quanto possivel ‘completa, b) quanto ao tipo de prova: ainda que consideremos, sem radicalismo, que tanto uma prova dissortativa, como uma prova objetiva de escolha miltipla possa ser um bom Instrumento de selegio, desde que hem elabo- rada_¢ etiteriosamente corrigida, parece-nos cima de qualquer discusséo que, nas atusis circunstancias em que os vestibulares se reali- zam, com millhares ou dezenas de milhares de eandidatos a quem se aplicam pelo menos qua- tro provas diferentes, nlo hi outra alternativa senfio as provas objetivas (passivels de corre Gio erlteriosa dentro do prazos convenientes, ‘mesmo para grandes massas do candidatos), pols o emprego de provas dissertativas ¢ invié- ‘vel, pela impossibilidade de se realizar erlte- rlosamente sua correcio, nas condigies do ves- tubular. ©) quanto & unificagio regional do vestibular: 0 exame atento da sistemética adotada nos uténticos vestibulares regionalmente unificados — em que 0 candidato, realizando um tinico exame, coneorre, segundo sua classificacéo, a ‘uma série ampla de cursos, em varias escolas, pelos quais declara sucessivamente sua opcio — permite perceber que esse sistema conduz ao ‘melhor aproveltamento do potencial dos candi- datos disponiveis, bem como dos recursos edu- ‘eativos das escolas participantes. @) quanto ao processo de atribuigo de vagas: — partindo do pressuposto de que os candidatos a0 vestibular estio formalmente habilitados ao ‘ingresso no ensino superior, e no de padrées ideais arbitrarlamente estabelecidos; ¢ partindo do principio de que os escassos recursos para a edueagio mio devem ser desperdigados — 0 rocesso classificatério para a atribulgio de vagas 6 0 mals adequado, uma vex que permite © preenchimento de todas as vagas em cada escola, desde que existam, para todas, ndmero suficionte de postulantes. Consideragees anslogas, faciimente imagindvels oderiam ser feltas quanto aos aspectos operacionais FUNDAGAO CARLOS CHAGAS do exame vestibular, aqui omitidas por economia de tempo. © vestibular de hd quinze anos atrés apresen- tava uma série de fathas quanto a sua racionalidade ‘como proceso de selecio, expressas por procedi- mentos grosseiramente erréneos exatamente nessas reas técnicas e operacional: basta lembrar os exem- los antol6gicos do , se acrescia 0 aleatério do ser examinado por um professor mais, ou menos, rigoroso, ¢ 0 de ser cxaminado num momento em que ‘0 professor estivesse descansado ¢ disposto, ou esta- fado ¢ isritado. No infeio da década do 60, a formulacdo de toda uma nova sistemétiea do vestibular (que conto com fa iniciativa pioneira da Fundag&o Carlos Chagas) protondeu precisamente corrigir essas distorgSes, re- formulando as formas e critérios de execugio do vee tibular segundo uma orientacio racional que satis- flzesse as necessidades desse exame. Nesse sentido, a adogio de aparato tecnolégico — que incorporava © sistema de unificagdo regional com opeSes suces- sivas dos candidatos, 0 uso de provas objetivas de fescolha miultipla, © exame abrangente de todas as Gisciplinas comuns do, ento, curso médio, o eritério lassifieatério, bem como as decorrentes inovagses na logistica de aplicagio das provas e sua corregio me- ccanizada representou, sem divida, inegével raciona- Tizago do trabalho de seleglio de novos alunos para 8 cursos superiores, aumentando substanclalmente a eficiéneia do processo, pela reducio dos custos sociais do operagio © pelo aprimoramento da qualidade da selegio realizada, Nao vemos, nos dias atuais, qual- ‘quer mudanca essencial nas condigées que originaram fessas medidas, que justificassem discutir suas linhas fundamentals com 0 objetivo de modificé-las, Hsse (© motivo por que consideramos ocloto o debate sobre as formas ¢ critérios do vestibular, nas atuais circuns- tanclas de nossa histéria educacional Alguém poder advertir-nos, a esta altura, que, a despeito desta nosex posigiio anti-debate, 0 fato é que esto sendo discutidos os méritos desses proce- ‘dimentos. A isso, responderiamos que esta diseussio ‘que, mais intensamente nos ultimos anos se vem propondo, embora sempre tenha estado presente nas reflexes sobre 0 vestibular desde que ele existe, na CADERNOS DE PESQUISA/24 verdade no se dé no nivel técnico ¢ operacional que acabamos de examinar, mas em outra esfera: © que tnos leva ao exame da segunda concepeao sobre ves- tibular a que nos referimos de infeio. © vestibular como instrumento de mudanga do sistema, educacional Wsta segunda concepgiio do vestibular consiate em sobrepor a seu papel de proceso de selegio, uma, segunda fungio que é a de instrumento normative orientador do sistema edueacional como um todo. Pode parecer a alguns por demais evidente que essa, concepeio no corresponde & realidade, uma vez que & fécil perceber como as formas e eritérios do vestibular sfio determinados por fatores educacionais @ sociais externos a ele: de fato, de tudo o que temos mencionado até aqui, apenas a decisfo sobre que prova utilizar no vestibular parece ser intrinseca ao Provesso de seloctio nele corporiticado © depender £0- mente de consideragoes de ordem téenica a respeito da validade e da fidedignidade dos virios instrumen- tos entre que so esteja decidindo; todos os demais elementos que compsem o sistema do vestibular sio conseqiiéneia direta ou indireta de diretrizes mais, ou ‘menos, especiticas extabelecidas pela politica educa clonal do pais, ou de condigbes sécio-educacionals| existentes, Contudo, 0s adeptos desta concepeo do vesti- ular créom que ele tem decisiva influéncia sobre of graus anteriores de ensino © que, dando-the tal ou qual carter, conseguir-se-4 tal ou qual efeito sobre © ensino de’ 1°, de 2° ou mesmo de 3 graus. Por ‘sso 6 que, quando se revolucionou a sistemética do vestibular, hd perto de quinze anos atris, 0s novos procedimentos se generslizaram mais ou menos ré- pida © amplamente por todo o pals, acabando por ser adotados oficialmente’ pelos érgtios do governo res- onsévels pela edueacdo: todos nés que sabiamos estar realizando uma reforma do vestibular de significado extremamente importante, mas timplesmente do ponto de vista da técnica © da operacio do process de seleciio, nilo percebemos que alguns educadores viam ‘no novo estilo do vestibular solugio para os proble- mas do sistema educacional, neles include 0 do aacesso ao ensino superior ¢ que outros a ele se opt ‘sham por atribuir-Ihe igual poder mas de sentido contra. Bis porque, passados os anos, ¢ nenhum milagre acontecendo por conta do vestibular renovado — 20 contrario, agravando-se e multiplicando-se os proble- ‘mas da educagio do pais — chegou a hora de imp rarem os que criticavam a formula adotada: ¢ de anos para cé mala uma ves #e foi divulgando a pre- gagdo contréria as medidas ractonalizadoras que se haviam introduzide no process. de selecio, como clas tivessem (em sua modesta natureza de procedi- 49

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