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NIDAS De PROFESSORES NdvOA, Antowio COvq) Porto: Rvs Editwa Lda, AMAT Alargando a nossa base de dados relativamente & investigagao educacional um factor importante para os estudos de investigagiio educacional. Tenho defen- dido que estrategicamente isto é desejavel, de modo a envolver os professores como investigadores e a desenvolver o espirito de colaboragdio. Mas hé também uma raziio —Substantiva, A razio primordial € que, segundo a minha experiéncia, quando falo com professores sobre problemas de desenvolvimento curricular, matérias de ensino, gesttio escolar e organizagao geral das escolas, eles trazem & colagio, constantemente,. dados ~sobre_as_suas_prdprias-vidas. Isto pode ser tomado como prova razodvel de que os préprios professores consideram estes problemas da maior relevancia, Uma das razdes Por que estes dados nao tém sido muito utilizados deve-se ao facto de os investigadores 0s rotularem de demasiado “‘pessoais”, “idiossincriticos” ou “flexiveis”; constitui, em suma, mais um exemplo da utilizagio selectiva da “voz do professor”. O investigador 86 escuta 0 que quer ouvir ¢ sabe o que tem melhor aceitagio por parte da comunidade cientifica. Poderdo existir, com certeza, razdes perfeitamente validas para a nio utilizagio de dados sobre a vida dos professores, nos nossos estudos de investigago educacional. Mas isso requereria um encadeamento I6gico de argumentos para comprovar por que razio tais dados sfo irrelevantes ou de nenhuma importancia. A estratégia investigativa normal con- siste, todavia, em remover pura e simplesmente tais dados. Nao encontrei nenhum motivo que explique racionalmente por que raziio esses dados nao sio utilizados. A explicagao mais consensual parece ser a de que os dados sobre as vidas dos professores néo se adap- A té agora, tenho vindo a argumentar que os dados sobre as vidas dos professores so 70 tam aos paradigmas de investigagao existentes. Se for este 0 caso, entdo sio os paradig- errados e no o valor e a qualidade deste tipo de dados. Os argumentos em pro! da utilizagiio de dados sobre as histérias de vida dos pro- ssores siio essenciais, mas, dda a predominfncia dos paradigmas actuais, devem ser clarificados: 1, Na investigagiio, emprecndida nas escolas, em que tenho estado envolvido — cobrindo um largo espectro coin diferentes incidéncias de investigagiio ¢ de diferentes matrizes conceptuais — a consisténcia do discurso dos professores sobre as suas proprias vidas relativamente ao processo de interpretagiio da sua linha de conduta e prética tem sido notavel. Se se tratasse apenas de uma observagio pessoal nao teria grande valor, mas, repe- tidas vezes, em contactos com outros investigadores se verificou concordincia relativa- mente a este assunto. Exemplificando: David Hargreaves, ao preparar a sua obra Deviance in Classrooms, afirmou que os professores tinham, muitas vezes, introduzido comentirios autobiogrficos nas suas explicagdes. Mostrou-se preocupado, retrospectivamente, devido A rapidez com que tais dados tinham sido colhidos, quando descreveu a pesquisa. O pres- suposto, a sabedoria tradicional iam no sentido de que tais dados eram demasiado “pesso- ais", demasiado “idiossincréticos", demasiado “flexiveis” para uma investigagiio em cién- cias sociais com “pernas para andar”. {Claro que, em primeira insténcia (¢ nalguns casos em tltima instincia) os dados pes- soais podem ser irrelevantes, invulgares ¢ redundantes, na sua esséncia. Mas aquilo que importa tomar em consideragao nao tem de ser, inevitavelmente, 0 coroldrio dos aspectos j pessoais. Além disso, 0 que € pessoal na ocasiio da recolha de dados pode nao permane- cer pessoal. No fim de contas, grande parte das ciéncias sociais tratam da recolha de toda uma série de conhecimentos e factos pessoais e do esclarecimento de dados € processos mais colectivos e generalizaveis, O respeito pelo autobiogréfico, pela “vida”, € apenas um aspecto duma relagio que permita fazer ouvir a voz dos professores. Em certo sentido, tal como acontece com a antropologia, esta escola de investigagdo educacional qualitativa trata de ouvir 0 que 0 professor tem para dizer, e respeitar e tratar rigorosamente os dados que o professor intro- uz nas narrativas, 0 que vem alterar 0 equilibrio comprovativo. Tradicionalmente, os dadlos que nfo servem os interesses do investigador e as incidéncias previstas so postos de lado. Neste modelo, os dados que 0 professor fornece sfo inviolaveis e s6 sfio dispen- sados apés prova rigorosa cm relagio a sua irrelevancia ¢ redundancia. Ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiogréfico, “a vida”, é de grande interesse quando os professores falam do seu trabalho. E, a um nivel de senso comum, nio considero este facto surpreendente, O que considero surpreendente, se nio franca- mente injusto, € que durante tanto tempo os investigadores tenham considerado as narrati- vas dos professores como dados irrelevantes. 2. As experiéncias de vida ¢ 0 ambiente sociocultural so obviamente ingredientes- -chave da pessoa que somos, do nosso sentido clo ev, De acordo com “quanto” investi- nN MOS 0 nosso ‘eu’ no nosso ensino, na nossa experiéncia e no nosso ambiente sociocultu- ral, assim concebemos a nossa pratica. Uma caracteristica comum do ambiente sociocultural colhida nas narrativas dos pro- fessores € 0 aparecimento de um professor preferido que influenciou, de modo signitica- tivo, a pessoa enquanto jovem aluno. Relatam, muitas vezes, que: “foi esta a pessoa que, pela primeira vez, me fez aderir ao ensino”; “estava sentado na sala de aula, quando, pela primeira vez, decidi ser professor”. Em conclusio, tais pessoas fornecem um “modelo funcional” e, para além disso, influenciaram provavelmente a visio subsequente da peda- gogia desejavel, ¢ bem assim, possivelmente, a escolha do préprio curso (especializagio, em termos de matéria de ensino). Muitos outros ingredientes ambientais se revestem de grande importincia na vida e exercicio profissional do professor. O ter sido educado num ambiente sociocultural pré- prio da classe trabalhadora pode, por exemplo, propiciar conhecimentos e experiéncia valiosos para o ensino num ambiente semelhante. Observei, uma vez, 0 processo de ensino de um professor oriundo da classe trabalhadora, que leccionava uma turma de alu- nos de uma escola unificada de Londres (East End). Ensinava utilizando o dialecto lon- drino e a sua afinidade com os alunos constituiu-se num aspecto sensacional do seu Sucesso como professor. Ao entrevisti-lo, falei-lhe dessa afinidade e obtive como resposta que isso se devia “ao facto de ter ali as suas raizes”. O ambiente sociocultural e a expe- rincia de vida eram os aspectos mais importantes da sua prética profissional. Mas seriam igualmente importantes no caso de professores oriundos da classe média a leccionarem alunos provenientes das classes trabalhadoras, ou ao invés, professores da classe trabalha- dora a leccionarem alunos da classe média. A origem sociocultural é um ingrediente importante na dinamica da pratica profissional. Evidentemente que a classe social é apenas um aspecto como 0 so 0 sexo ou aetnia, enquanto 0 ambiente sociocultural e as experiéncias de vida dos professores so, por sua vez, idiossincréticos e tinicos e devem, por isso, ser estudados na sua plena complexidade. 3. O estilo de vida do professor dentro e fora da escola, as suas identidades e culturas ocultas tém impacto sobre os modelos de ensino e sobre a pratica educativa. O estudo de Becker e Geer (1971) sobre identidades e culturas ocultas propicia uma base tedrica de grande valor. O estilo de vida é, muitas vezes, um elemento caracteristico em determina- das coortes; por exemplo, o trabalho sobre a geragio de professores dos anos 60 seria de grande interesse, Num estudo recente empreendido sobre um professor — com incidéncia no seu estilo de vida — Walker e cu proprio referimos: “Como as conexdes entre a cultura da juventude e o movimento da reforma curricular dos anos 60 sio mais complexas do que a principio pensiivamos! Para Ron Fisher, ha uma conexao clara, ele identifica-se nitidamente com a cultura da juventude e sente que isso € relevante para o seu processo de ensino, Mas, apesar da sua atracgio pela miisica rock e pelos estilos de vida dos adolescentes, a escola em que lecciona esta prati- 72

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