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AS FUNÇÕES DA MODA E DA INDUMENTÁRIA

Publicado em 22 de May de 2011 por MARCIA RODRIGUES HARDER

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo serão investigadas cientificamente as razões que levam as pessoas a adornar o seu
corpo, assim como os motivos pelos quais elas vestem e têm vestido roupas no decorrer da
história da humanidade, motivos estes que, afinal de contas, alavancam o mercado da moda no
Brasil e no mundo.

Em seu livro "Moda e Comunicação", Malcolm Barnard relata que a moda, o modo de vestir dos
indivíduos, é também uma forma de se comunicar com outros seres de uma mesma sociedade,
e através desta comunicação causar sensações e significados (impacto, carisma, revolta,
contestação, alienação, conformismo, estabilidade, padrões sociais, etc.).

Teufelsdröckh imaginava que "a finalidade primeira das roupas não era o aquecimento ou a
decadência, mas o ornamento". Ou seja, este autor considera os trajes como portadores de um
papel na produção e reprodução da sociedade, tanto a atual como as sociedades passadas.

E é esta idéia de moda comunicando conceitos e significados que é assimilada neste estudo
baseado na pesquisa bibliográfica de vários autores importantes nesse foco de estudo,
principalmente Malcolm Barnard, mas com apoio de outros pesquisadores da moda e da
sociedade.

2 PROTEÇÃO E PUDOR

Lurie afirma que "colocamos roupas por algumas mesmas razões por que falamos". Neste
sentido, a indumentária é vista como oferecendo proteção contra o tempo e alguns exemplos
factuais são fornecidos sobre a indumentária de proteção pode tornar-se elegante.

No caso do abrigo, a necessidade física básica é a do conforto corporal e, como ressaltam


Polhemus e Procter (1978, p. 09), essa necessidade básica de conforto corporal "induz as
pessoas mundo afora a criar várias formas de abrigo". De acordo com esse ponto de vista, a
indumentária, sem ser necessariamente moda, é uma resposta à necessidade física de abrigo.

Mas a roupa protege ainda mais: a vestimenta protege o corpo do frio, do calor, de "acidentes
que incidem em ocupações perigosas e esportes", inimigos humanos ou animais, e perigos
físicos ou psicológicos. (FLÜGEL, 1930, 70-71). Além disso, ainda há necessidades humanas
básicas para as quais a indumentária é a resposta cultural, e onde culturas diferentes oferecem
diferentes respostas àquelas necessidades.

Rouse (1989) faz referência às moças dos anos 60, que enfrentavam nevascas e temperaturas
abaixo de zero vestidas somente de minissaias curtíssimas e casacos; este exemplo serve para
acautelar contra o fato de encarar a proteção como a função primordial da indumentária, afinal
há quem use roupas para outras finalidades, como será visto neste paper.
A argumentação a favor do pudor, por exemplo, gira em torno da idéia de que algumas partes
do corpo são indecentes ou vergonhosas e deveriam ser cobertas para não serem vistas. Essa
visão foi resultado da influência do cristianismo, que enfatiza a alma em oposição ao corpo, e
de acordo com essa visão, esconder o corpo por meio de roupas associa-se ao desejo de evitar
sentimentos de pecado e vergonha. É uma forma de reconhecimento da nudez como uma
condição vergonhosa, e que leva ao uso da roupa. Por isso também se diz que uma das funções
da indumentária é distinguir o masculino de feminino. Rouse (1989) ressalta que as crianças têm
de aprender quais as partes de seu corpo que são vergonhosas e precisam, portanto, ser
cobertas (ROUSE, 1989, p. 09).

Claro, isso não quer dizer que não existam outros conceitos de vergonha ou pudor. Até mesmo
dentro de uma única cultura ou sociedade, podem ser encontradas interpretações diferentes de
pudor ou decência. "Os primeiros missionários encorajavam com freqüência os seus convertidos
a adotar a vestimenta ocidental", já relatavam Roach e Eicher (1965, p.10).

Por isso a vergonha é um conceito relativo. Polhemus e Procter (1978, p. 10) contam a história
das mulheres Masai, "cujos órgãos genitais são apenas cobertos por uma saia de couro
absurdamente pequena" enquanto que estas mesmas mulheres morreriam de vergonha se
alguém, mesmo seus maridos, as visse sem os brincos de latão. Na nossa sociedade isso seria
um absurdo, mas basta imaginarmos a mulher brasileira na praia, vestida com biquínis
minúsculos e ?entupidas? de acessórios para entendermos que muitas vezes o pudor fica em
segundo plano. É realmente uma questão cultural.

Os argumentos que ressaltaram o pudor como sendo uma função da moda e da indumentária
enfatizaram a humanidade do usuário; já os argumentos que ressaltam o impudor tendem a
enfatizar a animalidade do usuário. Como destacado por Holman (1980, p. 08), alguns trajes ou
vestimentas executam a função de camuflagem, de modo a não chamar atenção para quem os
veste.

3 IMPUDOR E ATRAÇÃO

Rudofsky (apud ROUSE, 1989, p. 11) defende que "vestimentas de homem e de animal servem
muito ao mesmo propósito ? a seleção sexual". De acordo com ele, a mulher deve manter o seu
parceiro "permanentemente excitado, mudando sua forma e cores". Já Laver (apud BARNARD,
2003) emprega o que chama de princípio da sedução, princípio da utilidade e princípio da
hierarquia, afirmando basicamente que o traje feminino mostra a atratividade sexual feminina
ao passo que a roupa masculina exibe o status social do homem. As posições de Rudofsky e
Laver têm sido também associadas a "teoria do deslocamento da zona erógena", trazendo a
idéia de que a indumentária e a moda são resultado da maneira pela qual áreas diferentes do
corpo são vistas como atraentes em diversos momentos da história.

Steele (1985) diz que a moda tem mais a ver com a maneira pela qual um estilo vem depois do
outro, como uma espécie de progressão quase "natural" que vem ao encontro dos ditames
particulares do pudor em voga na época. E cada época tem realmente, seus valores, seus
princípios.

Mesmo não desejando negar que muito da indumentária e da moda tem por fim exibir e realçar
a atratividade sexual ou social, tanto masculina quanto feminina, não se pode omitir que muitas
culturas não-européias emprestaram pouco ou nenhum valor a esse tipo de exibição. Nem se
pode negar que existem variações sobre o que é tido como atrativo sexual ou social entre as
culturas que a valorizam. (BARNARD, 2003, p. 90).

De acordo com as variações culturais, algumas partes do corpo são expostas mais que as outras,
a fim de não chamar atenção para o que se deseja encobrir. Logicamente, na cultura ocidental
moderna, já nascemos aprendendo a não ?andar pelados?, as meninas já são excessivamente
forçadas a não usarem saias muito curtas quando crianças, enfim, muitos valores dos adultos já
vão sendo embutidos na mentalidade de formação das crianças de forma que estas se tornem
os míni-adultos que as ensinaram.

4 COMUNICAÇÃO E STATUS

A moda, de acordo com Barnard (2003) comunica. Moda, indumentária e vestuário são
considerados fenômenos culturais, maneiras pelas quais uma ordem social é experimentada e
comunicada. Deste modo, a função unificadora da moda e da indumentária serve para
comunicar a afiliação de um grupo social, tanto para aqueles que são seus membros quanto para
os que não o são. Inclusive as funções de proteção, camuflagem, pudor e impudicícia são formas
de alguém comunicar uma posição numa ordem cultural e social, tanto para os outros membros
da ordem a que pertencem, quanto para aqueles que estão fora dela.

Roach e Eicher (1965) sugerem que a sobrevivência emocional dos seres humanos depende
também de sua habilidade para alcançar um equilíbrio entre conformar-se à sociedade e
preservar um senso de identidade própria. Mas não é fácil; a moda também comunica a emoção,
o sentimento. Tanto que a aquisição e o uso de roupas novas é uma forma, cada vez mais
documentada, pela qual algumas pessoas tentam alterar o seu humor.

Também se observa que indumentária e moda são frequentemente usadas para indicar
importância ou status, e as pessoas emitem comumente julgamentos a respeito da importância
e do status das outras com base no que estão vestindo. E isso é um comportamento social tido
como aceitável, pois todas as culturas têm um grande cuidado em marcar claramente o status
de seus membros.

Às vezes o status relata o papel social de cada indivíduo: "O papel social das pessoas é produzido
pelo seu status e concerne aos diversos modos pelos quais esperamos que elas se comportem",
diz Barnard (2003, p. 96). Neste sentido, o conhecimento do papel representado por uma pessoa
é necessário para que possamos ter para com ela um comportamento compatível com aquilo
que ela representa ser.

Portanto, a moda e a indumentária podem refletir o tipo de organização econômica em que uma
pessoa vive, assim como o seu status no interior daquela economia. Por exemplo, branco e azul,
no contexto do colarinho, indicam status econômico; trabalhadores de colarinho-branco são
geralmente considerados como tendo um status mais elevado do que os de colarinho-azul. Esse
exemplo também demonstra uma relação de poder. Exemplos da relação entre moda,
indumentária e poder incluem a juventude do fim dos anos 60 e princípio dos 70, quando os
jovens adaptavam sua moda e indumentária para tentar refletir os novos papéis entre os
diferentes grupos sociais.
Mas a sociedade se manifesta de várias formas. Flügel (1930, p. 71) refere-se ao emprego de
amuletos e outros adornos mágicos para repelir malefícios mágicos e dos espíritos. Assim, tanto
sendo usados de modo permanente ou como medida temporária, o traje e a indumentária
podem indicar adesão ou afiliação a um grupo religioso específico ou até mesmo a uma seita.

Como relatado por Barnard (2003), em muitos rituais ocidentais espera-se que, enquanto o
ritual está sendo efetuado, aqueles que estão nele envolvidos usem algo diferente do seu traje
habitual. Um exemplo é o candomblé, religião brasileira que se diferencia pelos trajes volumosos
e cheios de significado.

O lazer também empresta sua importância para as funções da moda e da indumentária. Como
ressalta Barnard (2003), enquanto o ritual é formal e regido por regulamentos, o lazer é tido
como mais informal, mesmo quando não regulamentado. "É interessante observar que,
enquanto os membros das classes sociais mais baixas se vestem com mais apuro para sair, os
pertencentes às classes sociais mais altas geralmente se vestem com menos apuro". (BARNARD,
2003, p. 105).

Por último e não menos importante, cabe trazer à discussão a visão de Flügel (1930) que
"advogava", de acordo com Barnard (2003, p. 106) os prazeres que se podem obter do fato de
não vestir roupa alguma, e de sentir o sol e a brisa sobre a pele nua. Obviamente, aí está uma
concepção da roupa, ou da ausência de roupa, como uma fonte de prazer, o que na sociedade
ocidental dita ?civilizada? é tido como um devaneio, um ato sem o menor sentido. Para
compreender essa visão psicológica e libertária basta observar o que os adultos dizem quando
vêem crianças nuas; a maioria dos indivíduos tenta vestir a impudicícia infantil a ponto de
mostrar às crianças que ?isso não é jeito de se andar por aí?, revelando assim uma genuína
expressão cultural do nosso mundo ironicamente "moderno".

5 CONCLUSÃO

Várias funções são dadas e destinadas à moda e à indumentária, inclusive proteger o corpo de
elementos externos como frio, chuva, calor, etc. Mas também há outras funções igualmente
importantes, como a questão do pudor, da vergonha, da atração que se pode conseguir ou
afastar através do uso das vestimentas.

Mas também pode servir para definir classes sociais, diferenças econômicas e status. Na visão
de Barnard, parte do papel ou função da roupa, do vestuário ou indumentária, é tornar a
sociedade possível, ser parte da produção e reprodução de posições de poder relativo dentro
de uma sociedade.

Todos os posicionamentos prestados às funções da moda e da indumentária buscaram explicar


o modo através do qual o mercado da moda caminha atualmente, as origens do motivo pelo
qual os indivíduos se vestem, e também o motivo pelo qual se exibem através do que vestem.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

FLÜGEL, J. C. A psicologia das roupas. São Paulo: Mestre Jou, 1966.

HOLMAN, H. A handbook to literature. Indianapólis: Bobbs-Merrill, 1980.

LAVER, James. A roupa e a moda ? uma história concisa. Tradução de Glória Maria de Mello
Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

LURIE, A. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

POLHEMUS E PROCTER, 1978. In: BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto.
Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

ROACH E EICHER, 1965. In: BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto. Rio
de Janeiro: Rocco, 2003.

ROUSE, R. Mexican Migration to the United States: Family Relations in the Development of a
Transnational Migration Circuit. Ph.D. Dissertação de Antropologia: Stanford University, 1989.

RUDOFSKY. In: ROUSE, R. Mexican Migration to the United States: Family Relations in the
Development of a Transnational Migration Circuit. Ph.D. Dissertação de Antropologia: Stanford
University, 1989.

STEELE, V. Fetiche: moda, sexo e poder. Rio de Janeiro, Rocco, 1985.

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