São Luís
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São Luís
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Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Orientador (a): Prof.ª Dr. ª Maura Cristina de Melo Silva
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Avaliador: Prof. Dr. Rafael Campos Quevedo
___________________________________________________
Avaliador: Prof. Ms. Carlos Gouveia de Omena
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
RESUMÉN
Nuestro estúdio tiene como objetivo presentar um abordaje del feminino arquetípico
em la obra Las parejas, de Lya Luft. Se utilizo em la construcción de este trabajo uma
fundamentación teórica junguiana, más especificamente la teoria del arquétipo
teniendo C.G. Jung y sus discípulos Erich Neumann, Jolande Jacobi, Wolfgang Roth
y Clarissa P. Estés como columnas maestras. Nuestra lectura, feminina e íntima,
enfoca la presencia del arquétipo feminino y sus interfaces com los personajes de la
novela de Luft, así, pontuando cuánto essas extensiones de imágenes arquetípicas
influencian el desarrolho de la narrativa y de sus personajes como piezas del juego
luftiano.
Palabras clave: Las parejas. Obra lufitiana. Arqétipo feminino. Lectura junguiana.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9
1 INTRODUÇÃO
A escritora brasileira Lya Luft tem como qualidade uma literatura de base
intimista e psicológica, na qual suas histórias giram sempre em torno de dramas e
tragédias individuais ou familiares. Seus protagonistas mergulham no próprio reflexo,
em busca de autoconhecimento, observando o que se lhes apresenta tênue como
uma extensão do seu “eu” que lhe escapa. Essa imersão é quase sempre em um
ambiente hostil; não pelo local físico, mas pelas relações frágeis, ambíguas e
avessas, em que o sentimento predominante é de impotência ante a vida de
aparência e essência de uma triste realidade.
Lya Luft consegue traduzir vários sentimentos de famílias devastadas,
conjectura nas linhas dos romances aquilo que se tenta esconder no seio familiar.
Fatos e pensamento que são ocultos; em que os personagens preferem não notar,
ou “varrem para debaixo do tapete”; fatalidades que veem à tona nas entrelinhas ou
submergem a cada trecho da obra.
Acompanhamos em suas narrativas os segredos inconfessos das
personagens, e até a si mesmas, pois que são obscuridades recônditas do íntimo
feminino. Em suas narrativas há a necessidade da fuga diante do estado terrível da
realidade para um mundo de sonho, ou o “mundo branco do sótão”, quase uma “terra
do nunca”.
Observamos a decifração do sonho, do irreal e a instabilidade das
personagens na vivência desses sonhos que formam as principais peculiaridades
que compõe no enredo aquilo que há de mais sensível em termo de emoção. Esses
escapes alheios à realidade fazem com que personagens luftianas sofram pela
exclusão e marginalização do meio social, ou do próprio lar.
Tais narrativas são permeadas de sentimento, sensação, introspecção e
repressão dos personagens em suas narrações. Pela genialidade da escritora Luft
e, inclusive, pela originalidade de seu trabalho há vasto campo e profundidade
luftiana para ser estudado em torno da extensa obra. Eis, portanto, o motivo da
escolha; Além do apresso pessoal pelo supracitado romance. Nosso trabalho
culmina em mais uma, ou uma das contribuições e apreciações do corpus literário
luftiano pesquisado no curso de Letras (UFMA), mais precisamente, precursora pela
abordagem arquetípica do feminino selvagem da obra As Parceiras.
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“A alma é a parte viva do ser humano, aquilo que vive de si mesmo e que
causa vida”, conceitua Carl Gustav Jung (OC., 9/1, § 56), renomado pesquisador da
psiquê humana. Autor de uma extensa obra, o referido psiquiatra e psicólogo suíço
é reconhecido como precursor da psicologia analítica.
Jung dividiu sua psicologia em uma parte teórica, cujos tópicos
fundamentais são identificados da seguinte forma: primeiro, a estrutura da psique;
segundo, as leis de desenvolvimento e atuação da psique; terceiro, na parte prática,
conduzindo “a aplicação da teoria.
No intento de chegarmos a uma melhor compreensão das teorias de Jung,
precisamos objetivar alcançar o posicionamento do mesmo, reconhecendo consigo
a realidade plena de todo o psíquico”, orienta-nos a junguiana Jolande Jacobi (2013,
p. 15). Portanto, com o intuito de atingirmos tal posicionamento, enveredaremos
pelos conceitos junguianos do próprio Jung.
Para ele, segundo Jacobi, “todo o psíquico não é menos real do que todo
corpóreo”, isto é, “é passível de experiência e observação plena e clara em sua
imediaticidade”, ou seja, o referido teórico afirma tratar-se de um mundo por si, regido
e estruturado por leis e equipado com recursos de expressão próprios” (2013, p. 15).
Em se tratando disso, Jacobi faz um comentário pertinente: “tudo que
sabemos sobre o mundo, assim como tudo que sabemos sobre nosso próprio ser,
chega a nós apenas através da intermediação do psíquico” (2013, p. 15).
Para melhor explicar, ela busca no ilustre teórico a seguinte citação: “a
psique não faz qualquer exceção da regra geral, segundo a qual a essência do
universo só pode ser constatada na medida em que o permite nosso organismo
psíquico” (JUNG, OC 10/3, § 68).
Logo, podemos conceber que tal psicologia moderna e empírica tanto
participa das ciências da natureza quanto das ciências do espírito, assim como
salienta Jung:
Nossa psicologia considera tanto o ser humano natural quanto cultural, e
em consequência disso, em suas explicitações, deve focar sua mirada nos
dois pontos de vista, no biológico e no espiritual. [A considerar] o ser
humano como um todo (OC 17, § 160).
neuróticos, para sondar aquela via que reconduz do extravio de volta para
a vida’ (JUNG OC 17, § 172).
Em se tratando acima, Jung apresenta em desenvolvimento a sua teoria;
não no sentido depreciativo do puro psicologismo, tampouco como psiquismo
esotérico. E sim, “investigar esse ‘psíquico’ como o ‘órgão’ a nós concedido para
apreender o mundo e o ser, para observar seus fenômenos, descrevê-los e arranjá-
los numa ordem de sentido, é a meta e o objetivo de Jung” (JACOBI, 2013, p. 17).
Tanto assim, que o mesmo mantém sua fidelidade ao ponto de vista
psicológico, edificando um conhecimento fundamental e profundo da realidade
psíquica, erguido sobre uma base sólida da experiência. Tal edificação tem duas
colunas mestras, a saber:
O princípio da totalidade psíquica.
1) O outro é princípio da energia psíquica
Na consideração mais detalhada desses dois princípios, assim como do
emprego prática da teoria, devem ser usadas na medida do possível as
definições e explicitações dadas pelo próprio Jung [...]. Ao mesmo tempo, é
preciso mencionar aqui que, quando se trata de procedimento prático da
análise psicológica, Jung emprega a expressão “psicologia analítica” para
identificar sua teoria [...]. Mas tarde cunhou o conceito da “psicologia dos
complexos”, que empregava sempre que apareciam no plano de frente
pontos de vistas relativos a princípios e à teoria; com esse conceito queria
destacar que, em contraposição com outras teorias psicológicas [...], sua
teoria ocupava-se com fatos psíquicos complexos, ou extremamente
complicados (JACOBI 2013, pp. 17,18).
alma [...]; ela costuma conter, de acordo com a experiência, todas aquelas
propriedades humanas gerais que faltam à atitude consciente (OC 6, § 803-
806). Aqui, deve-se compreender por “intelecto” a força racional de pensar
e compreender que está à disposição da consciência [...]. Mas por “espírito”,
deve-se compreender uma capacidade igualmente pertencente ao âmbito
da consciência, mas, [atrelada] ao inconsciente, que leva [...] ao
desempenho estético-criativo e religioso-moral. [...] Com esses três
conceitos foram compreendidos sempre “sistemas parciais” da totalidade
psíquica; mas, ao contrário, onde estão em questão todos os aspectos
desse todo[...] que abarca ao mesmo tempo o lado consciente e também o
lado inconsciente, ali empregou-se sempre a expressão “psique” ou
“psíquico” (JACOBI, pp.19,20)
Por psique Jung não compreende apenas aquilo que em geral identificamos
com a palavra “alma”, mas a totalidade de todos os processos psíquicos,
tanto os conscientes quanto os inconscientes. Portanto, algo mais
abrangente, mais amplo que a alma, que para ele representa apenas um
determinado “complexo funcional limitado”. A psique consiste de duas
esferas que se complementam, mais duas esferas que contrapõem em suas
propriedades: a consciência e o assim chamado inconsciente”. Nosso “eu”
tem participação nos dois âmbitos (2013, pp. 19,20).
Diagrama I
Diagrama II
Diagrama III
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Diagrama IV
A conexão ego-Si-mesmo sempre existiu; uma vez que o Self (ou Si-
mesmo) “não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba
tanto o consciente quanto o inconsciente. Ele é o centro da totalidade, do mesmo
modo que o eu é o centro da consciência” (JUNG, 1994, p. 91).
A concepção de Self apontada por Jung é circunscrita como algo
indefinido, indefinível e indescritível. Enfim, uma totalidade impossível de ser
abarcada empírica e tão-somente pela consciência. Diante destas características, só
podemos percebe-lo através de inumeráveis manifestações simbólicas de sua
própria totalidade e infinitude.
Por sua vez, Wolfgang Roth alerta que o termo “arquétipo”, no sentido de
“tipos desde tempos remotos”, tome seu lugar na linguagem cotidiana; ou seja, sua
compreensão psicológica ainda causa embaraços e dificuldades. Segundo ele, “a
denominação inicial de imagens “primordiais” é mais compreensível, até porque Jung
pesquisou a origem das mesmas com a ajuda de imagens, ou símbolos concretos,
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Talvez, o primeiro passo para libertar a Mulher Selvagem seja ter coragem
para se destacar da massa e seguir seu próprio caminho, isto é, realizar o processo
de diferenciação. Em nossa cultura há um estigma voltado para tudo o que é
diferente, haja vista a necessidade da criação da política da inclusão social; tal fato,
pode ser observado pelas denúncias de Lya Luft no romance As Parceiras, através
de suas personagens femininas estigmatizadas.
Então, para ter uma mulher o seu empoderamento, deve o feminino deixar
fluir o que naturalmente emana de si, é preciso ter ousadia. Isto, na maioria das
vezes, acaba se tornando um caminho solitário, tal qual o caminhar das personagens
luftianas, principalmente, o caminhar da veranista, bem como o narrar solitário e
diário da protagonista Anelise.
Outras vezes, a própria mulher se perde por caminhos e atividades que
roubam e/ou desviam a sua energia. É preciso estarmos atentas aos predadores
externos e internos. Trilharmos o rumo certo é um desafio para a grande maioria. Diz
a autora: “Há uma necessidade correta e oportuna de acordar para um movimento
destrutivo dentro da própria psique; para aquilo que está furtando nosso fogo;
intrometendo-se na nossa energia; roubando de nós o lugar, o espaço, o tempo e o
território para a criação” (Ibid., p. 94).
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Personagem Beata
seu papel de marido, suicidou-se deixando a “tia Beata” viúva, o que contribuiu para
que ela buscasse na religião o seu isolamento. Sobre a “tia Beata”, a autora revela
na fala da narradora assim:
Em compensação, tia Beata vinha seguidamente à nossa casa. Sempre na
igreja. Padres convidados para o almoço, o jantar. Novenas, promessas.
Dedicação absoluta a Bila e ao casarão. Tia Beata interessava-se por nós,
que não gostávamos dela. Vinha, queria saber da nossa roupa, do nosso
estudo, era solícita e boa, mas sem carinho.
Devíamos ser-lhe uma obrigação a mais, a educação negligenciada, o
domino das empregadas, a fragilidade de mamãe, a complacência de meu
pai.
Desconfiei sempre de que tia Beata não se importava de não ser amada
pelas sobrinhas: o contato físico, mesmo conosco, a repugnava. Ou
assustava? O rosto seco, severo, o beijo rápido, com pelos espetando, me
deixavam encolhida e hostil. (LUFT, 1980, pp. 21, 22).
Dentes grandes, amarelos, que quase não riam. Vida difícil, alma
amargurada. Todo mundo tão precário ao seu redor, loucura, suicídio,
aleijão. [...] Julgou sua missão cumprida para com aquela família
complicada. Foi morar num quarto de um convento a quem doara parte do
seu dinheiro, e que há muitos anos costumava visitar para consolar-se com
as freiras suas amigas. Viveu ali o resto dos dias, freira sem votos. (LUFT,
1980, p. 28).
Personagem Sibila
primeiro grito. Talvez lembrasse o terror da concepção. Pode ser que tivesse
notado o problema da menina, porque logo quis que a levassem embora, e
chorou muito. Depois, voltou a ignorar sua existência. Possivelmente
criouse uma filha loura e perfeita, incida entre as personagens do sótão. É
querido me vira naquela minha única visita, perguntara se eu era Sibila.
(Luft, 1980, p, 44).
Personagem Dora
Dora era a segunda filha de Catarina nascida viva. Parecia ser a mais
diferente da família. Sua profissão era de pintora, não se prendia a casamentos, vivia
entre um e outro e tinha uma vida aparentemente “livre” da sina que assolava as
mulheres daquela família. A narradora retrata Dora como um exemplo a ser seguido,
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A personagem fora uma das tias que menos a narradora conheceu. Ela
quase não ia ao casarão visitar a família e também não tinha o costume de levá-las
ao seu ateliê. As impressões trazidas da vivência de infância da narradora Anelise
com a sua tia Dora foram baseada nos poucos momentos que tiveram juntas. A
narradora relata que sua tia era bonita, ressalta qualidades que a encantava e ainda
dizia que queria que fosse como ela. Em um de seus relatos sobre as tias ela coloca:
Havia também as minhas tias: a pintora nos visitava pouco, e não nos
levavam nunca ao seu ateliê. Eu sabia que tivera vários maridos, que viajava
muito, que adotara aquele meu único primo, Otávio, um menino esquivo
mas simpático. Tia Dora era bonita, parecia alegre também, de uma
vitalidade que, nos raros encontros, me impressionava: assim que eu queria
ser. Assim desejava que fosse minha mãe: interessada, viva, falastrona,
exuberante. (LUFT, 1980, p. 21).
Essa vitalidade toda de Dora foi aos poucos se mostrando como ela não
diferia tanto da sina das mulheres de sua família quanto a narradora pensara no
início dos relatos de sua tia. Embora ela não tenha se firmado a um casamento falido
como o de sua mãe Catarina e de sua irmã Beatriz ela tinha a angustias da solidão
mesmo quando adotara o seu filho Otávio, teve tanta solidão quanto às outras
mulheres de sua família tiveram. Essa solidão se concretiza no afastamento que a
tia Dora prefere manter de sua família.
Tia Dora tinha essa autoconfiança, esse espirito independente, pois ela
não se prendia a ninguém matrimonialmente, e seus objetivos foram colocados no
terreno da arte e de cuidar de seu filho adotivo Otávio.
Personagem Norma
Norma seria a terceira filha de Catarina, a mais que se parecera com ela
fisicamente. Sua presença na história teve pouca relevância embora tenha sido a
personagem que se deu “bem” no casamento tivera uma relação materna de
distanciamento com suas filhas. Parecia ser frágil e necessitar de cuidados extremos.
Encontrou no marido o refúgio que precisava para fugir de suas obrigações de mãe
e de dona de casa. Vivia para ao marido e ele para ela, e mesmo assim não deixou
de ganhar o amor de suas filhas. Anelise relata:
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Mas, embora minha mãe fosse assim, alheada com seus livros e músicas,
eu a amava muito, e sabia que ela me amava também, na sua maneira
etérea e infantil. Era uma mulher alta, clara, bonita, parecendo com minha
avó. Apenas, tão esquecida: sempre perdendo suas coisas, pedia que
ajudássemos a encontrar o livro, a partitura, o lenço. Depois sorria um
sorriso inocente, parecia um pouco admirada de nos ver ali, ao seu redor,
de sentir-se amada e necessária. Uma menina crescida, com quem se tinha
vontade de brincar de comidinha e casa de bonecas. (Luft, 1980, p. 22).
Essa forma de viver levou Norma a ter um mundo só dela. Anelise a coloca
como uma fada, linda e boa, ainda tentou algum diálogo sobre sua avó, mas Norma
ao ouvir sempre dava evasivas e ficava triste quando lhe era indagada se realmente
a mãe era louca. A narradora descreve Norma como frágil, que necessitava de
muitos cuidados e que dependia para sobreviver de todos os cuidados que o seu pai
lhe dedicara ao longo de seu casamento.
Assim era Norma, com sua fragilidade de menina, sua jovialidade, tinha
apenas entendimento para compreender o horror que fora a história de sua família
e no mais vivia para o marido e amava as filhas à sua maneira, porém tinha um
mundo paralelo a todos.
Personagem Vânia
Vânia simplesmente achava que a sina de sua família não podia atingi-la,
achava que era diferente das mulheres que eram predestinadas a maus histórias de
amor, mal sabia o que lhe reservava ao casar com o homem de seus sonhos.
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Ao começar seus laços matrimoniais, a jovem foi vista como uma “sortuda”
que tinha arranjado o casamento perfeito e que nada poderia abalar a sua vida ao
lado de seu príncipe. “Por muito tempo acreditei que Vânia não tinha nenhum medo,
nenhum problema, que não gastava preocupação alguma com nossa família” (LUFT,
1980, p. 34), descreve Anelise. Ao encontrar-se com a irmã, a protagonista,
descobriu a farsa por detrás do seu casamento perfeito, que sonhara com uma vida
de união preenchida e satisfatória. “Vânia fora a única aparentemente predestinada
a uma vida normal. Corajosa, forte, independente. Merecia escapar”. (LUFT, 1980,
p. 72). Na verdade ela vivia uma vida de aparência com seu lindo marido. Anelise
descreve:
Tia Dora me ajudou muito, até Vânia me fez companhia, de repente achei
mesmo que ela tirara a máscara de superficialidade. A dor nos fazia irmãs.
Para me distrair dos meus dramas, punha-se a falar dos seus. Foi assim
que fiquei sabendo da promessa que o marido exigira antes de casar: nada
de filhos, ele não podia arriscar, com aquela família, a tia anã, a avó doida.
O casamento começara a desmoronar ali: ninguém se prende a vida toda
numa criatura desanimada e insatisfeita. Se o marido a amasse, não teria
exigido a promessa. (LUFT, 1980, p. 86).
Para ter uma vida feliz, prometera não ter filhos e isso lhe angustiava após
ver sua solidão quando seu cônjuge saia para uma vida de orgias com outras
mulheres e a deixava sozinha com sua amargura de não poder ter filhos. Triste vida
de Vânia.
Arquétipos femininos que retratam essa personagem Neumam (1955)
apud Fonsenca (2000) coloca que:
Neumann (1955) quando analisa o arquétipo feminino refere-se, dentro dos
aspectos de estudo da psicanálise, à imagem primordial ou arquétipo da
Grande Mãe como a uma "imagem interna, trabalhada no interior da psique
humana". A relação existente entre a construção e elaboração dessa
psique, sofre influência de uma historicidade e, como tal, opera
transformações, marca e define. Crê o mesmo autor, que a expressão
simbólica deste fenómeno psíquico fundamenta-se nas figuras das Grandes
Deusas, representadas nos mitos e criações artísticas do gênero.
(FONSECA, 2000, P. 226).
Viveu seus dias de gloria quando seu primo estava em sua companhia no
casarão, mas tão logo ele fora embora sua vida nostálgica voltara a ser como antes
e assim sua convivência com sua tia Beatriz voltou a ser entediante. “Quando fiz
dezoito anos, a convivência com tia Beata se tornou insuportável. Ela não podia mais
comigo, repetia a todo instante. Afinal, tia Dora concordou em ficar comigo, eu não
era mais a criançola precisando de controle” (LUFT, 1980, p. 57).
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Ao ir morar com a tia Dora, Anelise, teve uma vida mais sociável, “a
Faculdade me impunha novos horários, eu precisava de mais liberdade” (LUFT,
1980, p. 59). Adaptou-se com uma espantosa rapidez, fez novas amizades e
namorados, estava a espera dessa vida por muito tempo.
Conviveu alguns anos com a tia Dora, mas logo conheceu Tiago seu futuro
marido. “Finalmente pertencia a alguém, e queria pertencer mais ainda, partilhar
tudo: casa, cama, pensamentos, corpo, recantos que até eu ainda estava por
descobrir”. (LUFT, 1980, p. 63). Ao se juntar em matrimonio, Anelise vivera
momentos de plena felicidade. “A felicidade dos primeiros tempos de casados me
fizera achar que o mal sumira como aquelas flores do campo, bolinhas de plumas de
seda, a gente sopra e somem no ar. Dente-de-leão” (LUFT, 1980, p. 80). Chegou até
a pensar que sua vida amorosa seria diferente da vida das mulheres de sua família,
até que resolveu que queria ter um fruto desse amor.
A história vinha de longe. Todo mundo queria ter filho, mas em mim isso foi
mais que um sentimento natural. Depois das tempestades da paixão,
comecei a sentir falta de uma criança junto de Tiago e de mim. E, sem notar
quase, também iniciei um jogo de esconde-esconde com meus antigos
medos. Como costumavam ser as crianças na nossa família? A avó, louca.
A tia, anã. Bila era uma criança da nossa família. (LUFT, 1980, p. 79).
A certeza de que queria ser mãe foi tomada por Anelise durante muito
tempo, e isso contribuiu para muitos acontecimentos em sua vida. Estava tão ansiosa
por realizar esse papel que começou a ser seu objetivo principal. Apesar de seu
cônjuge compartilhar do mesmo desejo, ela queria incessantemente. Porém, houve
a primeira decepção.
Foi aí que tive o meu primeiro aborto. Dor, repouso, hemorragia, pedaço de
carne vermelho, escura na mão do médico. Chorei muito, porque queria
estar na ala da maternidade do hospital — só que a criança deveria ter
esperado mais seis meses. (LUFT, 1980, p. 80).
Não sobrava tempo para Tiago, nem calor. A paixão dos primeiros anos se
apagara, nos períodos de gravidez não podia fazer amor, se pudesse teria
medo demais de qualquer jeito: e se Tiago matasse a criança na minha
barriga?
Quando queria engravidar, podia amar à vontade, mas ficava hirta, seca,
implorando: por favor, meu Deus, este filho tem de ser perfeito, tem de
nascer, tem de dar certo.
Um patético fingimento de amor, Tiago se afastava depois, quieto e sombrio.
Estávamos apenas inaugurando uma nova morte, eu pensava, para que
alegria? (LUFT, 1980, p. 84).
Entretanto sua felicidade foi breve, sua maternidade tão desejada outrora
foi dissipada como um sopro de uma vela. Seu bebê não tivera nem tempo de
desfrutar da família perfeita que Anelise queria para ele; em um acidente na hora do
parto, nascera com uma paralisia cerebral, lhe deram apenas nove meses de vida.
“Agora eu tinha o filho tão desejado. Bonito e bonzinho, Tiago e eu tínhamos brincado
sobre a minha provável atrapalhação com um bebê quase aos quarenta” (LUFT,
1980, p. 93).
O que lhe parecia o começo de uma nova vida foi apenas o início do fim
de suas esperanças para com o seu casamento e sua família perfeita. Não se trancou
num sótão por que não havia nenhum no apartamento em que ela morava, seu sótão
era ela mesma, até pensou consigo que poderia ter feito como sua irmã Vânia que
prometera não ter filhos, mas sabia que não iria aceitar uma proposta dessa vinda
de seu amado marido, queria a todo custo a prova de como é ser mãe e a experiência
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de todo esse processo até cegar nas vias de fato que é realmente ser mãe. “Não
haveria promessa alguma, eu queria aquela prova, precisava dela. A prova estava
estendida ao lado da minha cama” (LUFT, 1980, p. 94).
Anelise agrupava várias imagens dentro de si; quer fossem relacionadas
a “ganchos” e projeções, porém necessárias para a formação de sua identidade:
imagens provenientes do inconsciente pessoal, bem como imagens arquetípicas do
Feminino: Sua avó Catarina, sua mãe, suas tias e sua irmã. Todas tiveram sua
contribuição, enquanto família de mulheres (espécie de metáfora coletiva do
Feminino).
Personagem também predestinada, ouvia as histórias e contava histórias;
às vezes, para fugir delas, criava também o seu “sótão interior”, como o sótão da avó
Catarina, mais uma predestinada a ser como as mulheres de sua família, ou seja, a
vida amorosa e os casamentos malsucedidos marcaram para sempre a vida de todas
sem chance de escapatória e com Anelise não foi diferente.
Porém, a personagem precisou de tempo, uma semana como relata a
história, para fazer uma tomada de consciência, para isso ela fez projeções com as
demais mulheres de sua família, as suas parceiras e, ao encontrar-se com a
veranista ela precisou encarar e desenvolver um relacionamento com a natureza da
vida-morte -vida. “Quando temos esse tipo de relacionamento, não saímos mais por
aí à caça de fantasias, mas nos tornamos conhecedores das mortes necessárias e
nascimentos surpreendentes que criam o verdadeiro relacionamento” (Ibid., p. 171).
Não existia mais o medo da natureza da vida-morte-vida, em especial do
aspecto da morte. Em grande parte da cultura ocidental, o personagem original da
natureza da morte foi encoberto por vários dogmas e doutrinas até o ponto em que
se separou em definitivo de sua outra metade: a vida. Fomos ensinados
equivocadamente a aceitar a forma mutilada de um dos aspectos mais básicos e
profundos da natureza selvagem. Aprendemos que a morte é sempre acompanhada
de mais morte. No desfecho do diário de Anelise, a morte irrompe como se estivesse
sempre no processo de incubar uma nova vida.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHEVALIER, Jean [et al.] GHEERBRANT, Alain; tradução de Vera da Costa e Silva...
[et.al]. -17° ed. - Rio de Janeiro: José Olimpyo, 2002.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do
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JUNG, C.G. Civilização em transição; tradução de (?). - Petrópolis, RJ: Vozes, (s/d)
OC., vol.10/03,
VARAZZE, Jacopo. Legenda áurea: vidas se santos; trad. de Hilário Franco Júnior.
– São Paulo: Companhia das Letras, 2003.