Você está na página 1de 14
ERA UMA VEZ UM TIRANO Ana Maria Machado Era uma vez um tirano llustragdes de José Carlos Lollo SALAMANDRA ERA UMA VEZ UM TIRANO Ana Maria Machado Era uma vez um tirano lhustragies de José Carlos Lollo SALAMANDRA ERA UMA VEZ UM TIRANO ‘Us aizem que esta histéria aconteceu hé muitos e muitos anos, num pais muito longe dagui. Outros garantem que no, que aconteceu hé poucos ¢ poucos dias, bem pertinho. Tem também quem jure que esté acontecendo ainda, em algum lugar. E ha quem ache que ainda vai acontecer. E que quando a Histéria tem documento, papel escrito na época, coisas que deixam pista, dA para a gente ter mais ou menos certeza de como tudo se passou. E sé ler os jornais daquele tempo, ou as cattas das pessoas, ou as ordens do rei, ou os tratados. Mas numa hist6ria como a nossa... nao sei no... fica muito dificil saber Porque ninguém escreveu nada. A histéria s6 passou da boca de um para o ouvido do outro, daf ficou na meméria, dai saiu pela boca para outra cabega. E as vezes quem conta também muda um pouquinho. Se um dia vooés ouvirem este caso de outra jeito, j4 podem ir sabendo que a culpa ndo ¢ minha. E do tal Tirano. Desde que ele proibin tudo, nado se podia ter mais papel escrito, nem desenho, nem cantiga, nem misica, nem danga que contasse nada. Por isso, uns se esqueceram de tudo. Outros confundiram tudo. E, se nfo fosse pelas trés criancas, nem sei o que aconteceria... Mas ja estou falando de coisas 14 do meio da historia, antes de comecar pelo cameo. E parque nao podia comecar assim: “Ha muitos e muitos anos, num reino muito longe daqui...” Ent@o vou comegar de outro jeito. Com “Era uma vez". La vai. Era uma vez um Reino. Ou uma repiiblica, Essa é uma das coisas que nio deu para saber direito, Mas no tem muita importincia. Oimportante é saber que era uma vez um pais muito alegre e divertido, em que as pessoas davam muito palpite no jeito que queriam viver, mas também nao esquentavam muito a cabega com isso. Quem mandava era escolhido por elas — nao sei se era presidente ou primeiro-ministro. Esse negécio de todo mundo dar palpite as vezes ficava parecendo uma bagunga completa, porque todos queriam falar ao mesmo tempo, cada qual gri- tava mais do que o outro, as vezes até discutiam e brigavam, nao era possivel ficar sempre em ordem e tranquilidade. Mas no fim acabava dando certo. Era assim: quando tinha mais gente querendo uma coisa, era essa coisa que acabava sendo feit: quem Mio estava de acordo podia chorar, resmungar, teclamar, fazer bico, chiar, gritar, espernear, mas no fundo sabia que no tinha mesmo muito jeito, a nio ser convencer um monte de gente para passar para o seu lado, Era assim mesmo. Mas que de vez em quando toda essa onda e bate-boca pareciam uma bagunea, lé isso pareciam.

Você também pode gostar