Alessandro Lima
1a. Edição
2
Direitos do Autor
Bibliografia.
CDD – 234.1
3
"Por ele [Cristo] é que tivemos acesso a essa graça, na qual
estamos firmes, e nos gloriamos na esperança de possuir um
dia a glória de Deus" (Rm 5,2).
4
5
Dedicatória,
A Deus,
à minha família,
aos meus irmãos de Apostolado,
e a todos os meus leitores.
6
Sumário
7
Sobre o Autor
E stas foram as palavras que nos foram dirigidas pelo Apóstolo S. Tiago
(irmão de S. Judas Tadeu) em sua epístola universal: "Mostra-me a tua fé
sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras" (cf. Tg 2,18).
Nestas pouquíssimas palavras está presente uma teologia muito profunda
acerca da Graça, a Fé, as Obras e a Salvação.
Equívocos que atravessaram os séculos levaram muitas pessoas a
pensarem que por causa destas palavras a Igreja Católica ensinava que a
prática das obras de piedade é que conduzem o crente à salvação, quando
na verdade ela nunca deixou de ensinar que alguém que venha a ser salvo
o será por Graça de Deus, mediante a Fé em Jesus Cristo. Isto significa
que o homem não é capaz de salvar-se por si próprio, como ensinam as
religiões espiritualistas (hinduísmo, vedas, budismo e etc) e espíritas
(kardecismo, umbanda, candomblé e etc).
No combate àquilo que se julgava ser a doutrina católica, o protestantismo
elaborou uma fórmula forense para a salvação, onde se crê que o crente é
salvo por decreto de Deus mediante sua crença em Jesus Cristo. Logo
existe entre católicos e protestantes um grande mal entendido sobre o que
significa ser salvo pela Graça de Deus mediante a Fé em Jesus Cristo.
Este trabalho pretende esclarecer o que ainda está em confusão. Propomos
discorrer sobre o assunto respondendo às seguintes perguntas: 1) o que
significa ser salvo pela Graça de Deus mediante a Fé em Cristo? 2) a
salvação do crente depende ou não de seu testemunho de vida? 3) o crente
pode ou não perder a sua salvação? Por último faremos considerações
acerca da doutrina de Lutero sobre a salvação, por ser ela a tradição na
qual os protestantes se fundamentam para interpretar a Escritura sobre
este tema.
Espero sinceramente que este pequeno livro seja de grande valida para
você meu irmão que ama e quer servir verdadeiramente o Senhor Jesus, o
que só pode se dar na Verdade.
Capítulo 1
O que é ser salvo pela Graça mediante a Fé?
1
Sobre a heresia pelagiana é recomendável o livro A História das Heresias, de Roque
Frangiotti. São Paulo: Ed. Paulus, 1995. Pg 113-122.
agradá-Lo. Desta forma, segundo os pelagianos, Deus ajuda o homem
quando através do ensino elimina a ignorância, e o homem mediante sua
liberdade pode vir a merecer a salvação se cumprir os desígnios de Dele.
Esta doutrina era extremamente perigosa porque de forma velada negava
que a Graça fosse necessária ao homem para agradar a Deus. Note que o
pelagianismo confiava totalmente nos méritos do homem para alcançar a
salvação, reduzindo a ação de Deus somente à transmissão da Revelação,
sugerindo que a vontade humana por si mesma fosse capaz de cumprir o
que Deus desejava, o que é totalmente falso. Por isso Santo Agostinho se
opôs fortemente contra os pelagianos confirmando a Doutrina de Sempre
nos tempos da aurora da Santa Igreja. Contra a doutrina de Pelágio certa
vez ele escreveu:
“Nós, pelo contrário, asseveramos que a vontade humana é de tal
modo ajudada por Deus para praticar a justiça, que, além de o
homem ser criado com o dom da liberdade e apesar da doutrina que o
orienta sobre o modo de viver, receba o Espírito Santo, que infunde em
sua alma a complacência e o amor do Bem incomunicável, que é Deus,
mesmo agora quando ainda caminha pela fé e não pela visão. Desse
modo, com o penhor da graça recebido gratuitamente, anseie aderir
ao Criador e anele vivamente aproximar-se da participação daquela
Luz verdadeira, e, assim, proceda a felicidade daquele de quem
recebeu o ser”2.
O que Santo Agostinho nos ensinou nas linhas acima é que pela Graça do
Espírito Santo que nossa vontade é curada, tornando possível ao homem
ser cumpridor da Lei de Deus. Isto não significa que a Graça elimine a
liberdade do homem, não! Ela simplesmente devolve à liberdade toda sua
plenitude, à semelhança da liberdade que Adão e Eva tinham antes de
pecarem deliberadamente. Em resumo é pela Graça de Deus que a vontade
humana adquire o poder em fazer o bem.
Por isso S. Paulo ensinou que "a letra mata, mas o Espírito vivifica" (cf.
2Cor 3,6). Pois, a letra da Lei não concedia ao judeu o poder em cumpri-la
(embora lhe concedesse o querer cumpri-la), tornando-se para ele Lei de
condenação. Ao passo que o Espírito Santo que é dado por mediação de
Cristo, nos torna capazes (nos concede o poder) de sermos cumpridores da
2
SANTO AGOSTINHO. A Graça (I). Tradução de Agustinho Belmont. São Paulo: Paulus,
1998. (Patrística; 12). 2a. Edição. Pg 20.
Lei. Por esta razão S. Paulo chamava a Lei que não justificava de lei de
condenação, ministério da morte (cf. 2Cor 3).
Com efeito, sobre isso também ensinou S. Paulo: "O que era impossível à
lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez. Enviando, por causa
do pecado, o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado,
condenou o pecado na carne, a fim de que a justiça, prescrita pela lei, fosse
realizada em nós, que vivemos não segundo a carne, mas segundo o
espírito" (Rm 8,3-4).
Desta forma compreendemos porque o Santo Apóstolo ensinando aos
Colossenses sobre a Graça que nos é concedida, afirmou que Deus por
intermédio de Cristo cancelou "o documento [A Lei] escrito contra nós, cujas
prescrições nos condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na
cruz" (Cl 2,14).
Sem a Graça de Deus é impossível à vontade humana ser verdadeiramente
livre, pois sem aquela esta não pode cumprir a Lei de Deus. Somente com
a Graça que vem do Espírito Santo por meio de Cristo (cf. Jo 15,26) é que
nos tornamos capazes de cumprir a Lei. Por isso que depois de auxiliados
pela Graça, o S. Tiago pode dizer aos cristãos: "Sede cumpridores da
palavra e não apenas ouvintes; isto equivaleria a vos enganardes a vós
mesmos" (Tg 1,22).
Por isso S. Agostinho também escreveu contra os pelagianos:
“[...] Portanto, não se pode dizer que Deus nos ajuda a praticar a
justiça e opera em nós o querer e o operar [o poder] conforme o seu
beneplácito (Fl 2,13), somente pelo fato de fazer soar aos nossos
sentidos os preceitos da justiça. Ele dá o crescimento interiormente
(1Cor 3,7), difundindo a caridade em nosso coração pelo Espírito
Santo, que nos foi dado (Rm 5,5)” 3
Percebemos assim que a Graça de Deus é regeneradora, pois recupera o
homem de sua condição de submissão à lei da carne (sem poder cumprir o
que Deus deseja) conduzindo-o de forma gradual (a começar pelo
recebimento do batismo) à plenitude da natureza humana, conforme foi
criada e desejada por Deus.
Por isso S. Paulo escreveu aos Gálatas: "Antes que viesse a fé, estávamos
encerrados sob a vigilância de uma lei, esperando a revelação da fé. Assim
a lei se nos tornou pedagogo encarregado de levar-nos a Cristo, para sermos
justificados pela fé. Mas, depois que veio a fé, já não dependemos de
3
Ibidem, pg. 64-65.
pedagogo, porque todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Todos
vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo" (Gl 3,23-27).
“O Justo viverá pela Fé”
Sabemos agora que após o pecado original nossa vontade tornou-se
deficiente, logo incapaz por si mesma de fazer o que deveria, e por isso
mesmo ela precisa ser ajudada pela Graça de Deus, que a regenera para
torná-la cumpridora de Sua vontade (não pelo temor do castigo, mas pelo
amor à justiça). Se o cumprimento da Lei de Deus dependesse somente da
ciência da Lei, a salvação de Deus viria da observância da Lei e não da
Graça em Jesus Cristo.
Sobre isso escreveu S. Paulo: "[...] Se fosse dada uma lei que pudesse
vivificar, em verdade a justiça viria pela lei; mas a Escritura encerrou tudo
sob o império do pecado, para que a promessa mediante a fé em Jesus
Cristo fosse dada aos que crêem." (Gl 3,21-22).
Ora, a promessa a que S. Paulo se refere é a salvação do homem prometida
por Deus desde o Gênesis (cf. Gn 3,15). Salvação que se dá por meio de
Sua Graça regeneradora “mediante a fé em Jesus Cristo”. Logo, a salvação,
a justiça de Deus vem pela Fé em Jesus Cristo. Por isso, S. Paulo escreveu
aos Romanos que “o justo viverá pela fé" (cf. Rm 1,17).
S. Paulo escreveu esta expressão em grego, e nesta língua ela é assim:
V imos que Deus nos salva, isto é, nos recupera para sermos santos,
fiéis cumpridores de Sua vontade. É para esta santificação que a Sua
Graça nos é concedia por meio da Fé em Jesus Cristo. Esta ação da Graça
de Deus O faz real salvador do homem.
Um médico que aceita receber um doente e diz a ele “você não está mais
doente” sem tê-lo curado realmente não foi médico para aquele doente.
Ainda, um mecânico que aceite receber um carro cheio de problemas, não
foi mecânico se não tiver concertado o que havia de errado no carro.
O médico que cura o doente o faz esperando que ele viva uma vida
saudável. Nenhum médico visa a plena saúde do enfermo para que este se
entregue a uma vida desregrada. Também o mecânico quando concerta
um carro, visa o seu bom funcionamento na mão de seu dono. Por isso que
S. Paulo disse que o justo é obra de Deus para as boas obras (cf. Ef 2,10).
Conseqüentemente aquele que tem fé em Jesus Cristo e recebeu a Graça
de Deus para cumprir as boas obras da Lei e não as cumpre, não pode ser
considerado justo, mas culpado. Isso podemos testificar na carta de S.
Paulo aos Romanos: "Porque diante de Deus não são justos os que ouvem a
lei, mas serão tidos por justos os que praticam a lei" (Rm 2,13).
A Graça de Deus não tolhe o livre-arbítrio do homem, isto é, ela não age no
homem de forma imperativa. A ação regeneradora da Graça, isto é,
santificante, ajuda a vontade humana a cumprir a vontade de Deus, para
que o homem querendo fazer o bem possa realmente fazê-lo, mas pelo ato
livre de sua vontade. Por isso dizemos que a Graça não elimina a liberdade
da vontade, mas a torna realmente livre.
Portanto, se o cumprimento da Lei depende da livre vontade do homem
(ajudada pela Graça), este pode ou não colaborar para a sua justificação 6.
6
O termo “justificação” pode ser usado em dois sentidos. O primeiro é quando Deus
perdoando os pecados do homem o declara seu amigo, isto é, justo. O outro é quando o
Justo é aquele que cumpre a Lei
Nesta disposição das coisas percebemos a sabedoria de Deus. Se a
justificação dependesse somente do homem e não também da Graça que é
concedida mediante a Fé em Jesus Cristo, o homem poderia gloriar-se de
si mesmo e Deus não seria seu salvador. Se a Graça age de forma
imperativa no homem, aqueles que não creram poderiam dizer que não são
culpados, pois Deus não lhes concedeu a Graça de crer e cumprir a Sua
justiça. Porém, a Sua Graça Deus concede a todos e esta respeita a livre
escolha de cada um.
Devemos lembrar que a Graça não santifica totalmente o homem de uma
hora para outra, esta regeneração é gradativa, “nosso interior renova-se de
dia para dia" (cf. 2Cor 4,16).
Como vimos é justo aquele que cumpre a Lei (cf. Rm 2,13), não somente
aquele que crê. A colaboração do homem para a sua justificação é ainda
mais clara aqui:
"A circuncisão, em verdade, é proveitosa se guardares a lei. Mas, se
fores transgressor da lei, serás, com tua circuncisão, um mero
incircunciso. Se, portanto, o incircunciso observa os preceitos da lei,
não será ele considerado como circunciso, apesar de sua
incircuncisão? Ainda mais, o incircunciso de nascimento, cumprindo a
lei, te julgará que, com a letra e com a circuncisão, és transgressor da
lei. Não é verdadeiro judeu o que o é exteriormente, nem verdadeira
circuncisão a que aparece exteriormente na carne. Mas é judeu o que
o é interiormente, e verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o
espírito da lei, e não segundo a letra. Tal judeu recebe o louvor não
dos homens, e sim de Deus" (Rm 2,25-29)
Lembremos que esta colaboração só se dá com verdadeira liberdade da
vontade, o que depende da Graça de Deus e não dos méritos próprios do
homem (para que este não se glorie).
A Graça nos regenera e renova pela ação do Espírito Santo. É através do
Espírito Santo que somos revestidos pela Glória de Deus, ação esta que
nos devolve a dignidade perdida no Éden.
É isto que S. Paulo ensina a seu discípulo Tito:
homem já se encontra salvo, isto é, quando a justiça de Deus lhe alcançou. É neste
último sentido que o termo é aqui empregado.
"[Somos justificados] E, não por causa de obras de justiça que
tivéssemos praticado, mas unicamente em virtude de sua
misericórdia, ele [Cristo] nos salvou mediante o batismo da
regeneração e renovação, pelo Espírito Santo" (Tito 3,5).
Alguém poderia pensar que S. Paulo esteja eliminando até mesmo as obras
realizadas com a ajuda da Graça. Veja que o Apóstolo usa o verbo no
passado (“tivéssemos praticado”), fazendo referência às obras praticadas
antes da Fé. Devemos lembrar que o próprio apóstolo diz que ninguém é
justo se não praticar as obras da Lei (cf. Rm 2,13.25-29).
Vejamos agora um interessante trecho da carta de S. Tiago:
“Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios crêem e
tremem. Queres ver, ó homem vão, como a fé sem obras é
estéril? Abraão, nosso pai, não foi justificado pelas obras, oferecendo
o seu filho Isaac sobre o altar? Vês como a fé cooperava com as
suas obras e era completada por elas. Assim se cumpriu a
Escritura, que diz: Abraão creu em Deus e isto lhe foi tido em conta de
justiça, e foi chamado amigo de Deus (Gn 15,6). (Tg 2,19-22) (grifos
meus).
Aqui também as obras a que S. Tiago se refere são as obras motivadas pela
fé, e não as obras antes da fé. Isto atestamos nas palavras “vês como a fé
cooperava com as SUAS OBRAS e era completada por elas”.
A mesma catequese é confirmada por S. João: "Mas aquele que pratica a
verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas
em Deus" (Jo 3,21).
A Graça nos encaminha à salvação na Fé em Jesus Cristo concedendo à
natureza humana o poder de cumprir a Lei. Por isso mais uma vez ensinou
S. Paulo: "Poderoso é Deus para cumular-vos com toda a espécie de
benefícios, para que tendo sempre e em todas as coisas o necessário, vos
sobre ainda muito para toda espécie de boas obras" (2Cor 9,8). Ainda em
Hebreus: "Olhemos uns pelos outros para estímulo à caridade e às boas
obras" (Hb 10,24).
Por isso Cristo se manifestou, porque sem Ele a Graça não viria e as obras
da carne não seriam destruídas. É o que nos ensina S. João: "Aquele que
peca é do demônio, porque o demônio peca desde o princípio. Eis por que o
Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do demônio" (1Jo 3,8).
Vê-se desta forma que as obras da Fé fortalecem a Fé, colaborando para a
salvação. Não que tenhamos que completar alguma coisa ao Sacrifício de
Cristo, mas a porta do céu aberta pela morte e ressurreição do Senhor,
espera que o homem por sua livre-vontade e colaboração (auxiliadas pela
Graça) queira nela adentrar. É desta forma que a nossa salvação também
depende de nós.
Ora, se somos obras de Deus criados para a prática das boas obras (Ef
2,10) e só é justo quem for cumpridor da Lei (cf. Rm 2,13.25-29),
conseqüentemente Deus nos julgará por nossas obras na fé, pois são elas
que dão testemunho de nossa fé em Jesus Cristo (cf. Tg 2,19-22).
O Juízo de Deus
Certa vez Nosso Senhor disse: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o
agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; e podará todo
o que der fruto, para que produza mais fruto" (Jo 15,1-2).
As palavras acima são fabulosas, pois nelas se encontra o centro da
teologia da Graça e da Justificação.
Elas ensinam que os cristãos dão frutos por estarem ligados a Cristo.
Como já vimos é a Graça do Espírito Santo que possibilita esta ligação,
pois sem ela ninguém é cumpridor da vontade de Deus. Também ensinam
que “todo ramo que não der fruto [em Cristo][...] ele o cortará”.
Ainda: "O machado já está posto à raiz das árvores. E toda árvore que não
der fruto bom será cortada e lançada ao fogo" (Lc 3,9).
Ora, isto mostra o que é avaliado por Deus para condenar ou salvar
alguém: as suas obras motivadas pela Fé em Cristo.
Como se vê isto não tem nada a ver com uma “doutrina do galardão” (cf.
Lc 6,23), muito difundida entre os protestantes, onde Deus recompensará
uns e outros conforme o que receberam e fizeram. Com efeito, os salvos
serão recompensados segundo suas obras (cf. Mt 16,27; Ap 22,12). Porém,
TODOS serão julgados conforme as obras que fizeram (cf. Mt 25; Lc 12,36-
59).
Neste contexto Deus agirá como alguém que premia atletas. Nem todos os
competidores serão considerados vencedores, tudo dependerá da forma
como correram. Porém, os vencedores são premiados conforme sua vitória
(medalha de ouro, prata ou bronze).
O fato do organizador da prova recompensar na justa medida os
vencedores (galardão), não significa que todos que aceitaram correr serão
vencedores (salvação).
Por isso S. Paulo ensinou: "Assim, eu corro, mas não sem rumo certo. Dou
golpes, mas não no ar. Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em
servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado
aos outros" (1Cor 9,26-27)7.
O Apóstolo também sabia que o juízo de Deus se daria conforme as obras
na fé em Cristo:
"Mas, pela tua obstinação e coração impenitente, vais acumulando ira
contra ti, para o dia da cólera e da revelação do justo juízo de Deus,
que retribuirá a cada um segundo as suas obras: a vida eterna
aos que, perseverando em fazer o bem, buscam a glória, a honra e a
imortalidade; mas ira e indignação aos contumazes, rebeldes à
verdade e seguidores do mal" (Rm 2,5-8) (grifos meus).
S. João também confirma este ensinamento:
"Se invocais como Pai aquele que, sem distinção de pessoas, julga
cada um segundo as suas obras, vivei com temor durante o tempo
da vossa peregrinação" (1Pd 1,17) (grifos meus).
O próprio Senhor confirma no Apocalipse:
"Vi os mortos, grandes e pequenos, de pé, diante do trono. Abriram-se
livros, e ainda outro livro, que é o livro da vida. E os mortos foram
julgados conforme o que estava escrito nesse livro, segundo as suas
obras. O mar restituiu os mortos que nele estavam. Do mesmo modo,
a morte e a morada subterrânea. Cada um foi julgado segundo as
suas obras" (Ap 20,12-13) (grifos meus).
"Farei perecer pela peste os seus filhos, e todas as igrejas hão de
saber que eu sou aquele que sonda os rins e os corações, porque
darei a cada um de vós segundo as suas obras" (Ap 2,23) (grifos
meus).
Como se vê é claríssimo na Escritura a catequese sobre o juízo de Deus,
que avalia as obras de cada um.
Logo a única garantia que podemos ter de nossa salvação é a perseverança
na Graça de Deus. Com efeito, também disse o Senhor: "Então ao
vencedor, ao que praticar minhas obras até o fim, dar-lhe-ei poder
sobre as nações pagãs" (Ap 2,26) (grifos meus).
7
Alguns dizem que S. Paulo se refere aqui não à sua salvação, mas ao seu ministério.
Porém no verso 25 ele mostra o alvo da corrida - "uma coroa incorruptível" – forte alusão
à salvação, conforme atestamos também em Ap 2,10.
Desta forma, “Vedes como o homem é justificado pelas obras e não
somente pela fé? Do mesmo modo Raab, a meretriz, não foi ela justificada
pelas obras, por ter recebido os mensageiros e os ter feito sair por outro
caminho? Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé
sem obras é morta" (Tg 2,19-26) (grifos meus).
Penso que já termos repostas suficientes às últimas perguntas: 2) a
salvação do crente depende ou não de seu testemunho de vida? 3) o crente
pode ou não perder a sua salvação?
Se você ainda tem dúvida, S. Tiago ainda tem uma palavra para você: "De
que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras?
Acaso esta fé poderá salvá-lo?" (Tg 2,14).
Capítulo 3
A doutrina luterana da salvação
8
Catecismo Romano. Edições Serviço de Animação Eucarística Mariana. Tradução de Frei
Leopoldo Pires Martins, O. F. M. Pg 526-527.
Lutero tinha muito medo de não ser aceito por Deus, e não via nas obras
de piedade que praticava qualquer ajuda em vencer as próprias inclinações
pecaminosas. Sabemos ainda que ele foi levado ao convento não por
vocação, mas para cumprir uma promessa que havia feito. Esta situação
colaborava ainda mais para agravar sua vivência na religiosidade católica.
Por isso ele achava que as obras eram inúteis. Com efeito, úteis são
somente as obras motivadas pela Graça mediante a fé em Cristo, conforme
já vimos.
Sua situação lhe desmotivava cada vez mais, causando sérias angústias,
até que um grande alento lhe veio quando leu Rm 1,17. A expressão
paulina “o justo viverá pela fé” lhe foi suficiente para conceber que a
salvação vem somente pela fé, e não depende das obras motivadas por ela.
A partir de então Lutero ensinava que bastava a Fé para que alguém
estivesse salvo. Para ele Deus decretava a salvação do crente mediante a
sua confissão de Fé em Jesus Cristo. Pelo fato de outros jovens estarem na
mesma condição que ele, não foram poucos os adeptos de sua doutrina.
Já fora da Igreja Católica, Lutero na sua tradução da Bíblia para o alemão,
adulterou Rm 1,17 adicionando o advérbio “somente” à expressão “o justo
viverá pela fé”, ficando assim “o justo viverá somente pela fé”.
Estava lançada então a base da doutrina luterana da salvação, de forte
caráter forense, pois nela Deus salva o homem por decreto e não por ação
da Graça do Espírito Santo. Daí deriva a doutrina protestante pentecostal
de que basta “aceitar” Jesus para estar (não ser) salvo. Para o protestante
a Fé no Senhor não o levará à salvação, ela já salva, isto é, o crente não
será salvo, mas já está salvo por causa de sua fé.
Lutero chegava mesmo a ensinar:
“Se és um pregador da graça, então pregue uma graça verdadeira, e
não uma falsa; se a graça existe, então deves cometer um pecado
real, não fictício. Deus não salva falsos pecadores. Seja um pecador e
peque fortemente, mas creia e se alegre em Cristo mais fortemente
ainda…Se estamos aqui (neste mundo) devemos pecar…Pecado
algum nos separará do Cordeiro, mesmo praticando fornicação e
assassinatos milhares de vezes ao dia”9.
Claro que Deus quando começa a nos salvar por ação de Sua Graça, nos
aceita do jeito que somos, com todas as nossas falhas e pecados. Pois só se
9
Carta a Melanchthon, 1 de agosto de 1521 (American Edition, Luther’s Works, vol. 48,
pp. 281-82, editado por H. Lehmann, Fortress, 1963).
salva o que precisa de salvação, se fôssemos perfeitos não precisaríamos
de sermos recuperados por Deus. Com efeito, disse o Senhor: "Eu não vim
chamar os justos, mas os pecadores" (cf. Mt 9,13).
Aqui se encontrava mais um equívoco do ex-monge católico derivado da
leitura de Rm 5,20: "Sobreveio a lei para que abundasse o pecado [pois sem
lei não há transgressão]. Mas onde abundou o pecado, superabundou a
graça".
Ora, no trecho acima S. Paulo não está ensinando que quanto à salvação
Deus será indiferente aos pecados de quem confessou Jesus como Senhor
e Salvador, mas que quanto maior for o pecado de alguém maior será a
ação da Graça do Espírito Santo nele.
São Paulo está se referindo à ação santificante da Graça de Deus. O
mesmo faria um médico ao se referir à ação curativa de um tratamento,
dizendo: “onde abundou a doença, superabundou o remédio”. É o mesmo
que dizer: a eficácia de um remédio depende do grau do mal que cura.
O proprio S. Paulo refuta Lutero em Rm 6. Porém, este capitulo da carta
aos Romanos Lutero preferiu ignorar, como também ignorava a Epístola de
S. Tiago, chamando-a de “epístola de palha” 10, pois ela era frontalmente
contra sua doutrina de justificação somente pela fé.
Na sua tradução da Bíblia para o alemão, Lutero renegou esta carta a um
apêndice, juntamente com os deuterocanônicos11.
Mais tarde, na versão bíblica protestante KJV (King James Version) ou
Versão do Rei Tiago, edição de 1611. A adição do “somente” em Rm 1,17
foi retirada, e a Carta de S Tiago, bem como os deuterocanônicos 12
voltaram à bíblia protestante.
Mesmo assim a “hermenêutica” luterana do “somente pela fé” ainda é a
tradição na qual o protestantismo se fundamenta na sua elaboração da
doutrina da salvação.
10
'Preface to the New Testament,' ed. Dillenberger, p. 19.
11
Sete livros do AT rejeitados por Lutero. São eles Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruc,
Sabedoria e Eclesiástico. Além dos acréscimos gregos de Daniel e Estér.
12
Porém, no início do século XVIII os deuterocanônicos foram finalmente retirados das
edições protestantes da Bíblia Sagrada.
Conclusão
Doações:
Titular: Alessandro Ricardo Lima
Banco: Banco do Brasil
Agência: 1003-0
Conta-corrente: 688.104-1
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Cancele quando quiser.