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6.1 Introducado Este capitulo apresenta uma discussio, sempre atual, sobre a relago dos individuos ‘com a sociedade. Compreendida a partir de uma visio dicot6mica, que separou o indi ‘vido da sociedade, essa fo teve reflexos nas varias éreas do conhecimento~so- ‘ologia, medicina, economia, psicologia e outras ~ ¢ na vida cotidiana, em que muitos quivoces foram produzidos, Os acontecimentos sociais foram pensados descolados de cada um dos individuos e estes (os sujeitos) como constituidos de forma independente das sociedades is quais pertencem. O objetivo deste capitulo é demonstrar como essa cotomia & falsa, como “nenhum dos d sem 0 outro” ¢ as miitiplas possibi- klades de articulagio entre ambos os polos; pretende abordar as transformagaes desses Eonceitos, que se metamorfoseiam para dar conta de um modo de compreender © smano como singulatidade no coletivo € como produtor da historia, da cultura, dos fontecimentos. Ou seja, poder pensar em uma sociedade composta de individuos/ ularidades © a pessoa como um eu constituido de um nés,a partir das relagdes que estabelecem para a convivéncia e a produio coletiva da vida. .2 Individuo e sociedade — uma dicotomia a ser superada Na vida social de hoje, somos incestantemente conffontados pela questio le se © como é possivel criar uma ordem social que permita uma melhor « PATE 2- TEAS TRRNSERSAS harmonizacio entre as necessidades e inclinagSes pessonis dos individuos, de um hado,¢, de outro, as exigenciasfeitas a cada individuo pelo trabalho coope- rativo de muitos, pela manutengio e eficigncia do todo social! Norbert Elias excreveu isso em 1939,* ¢ aponta que os dois aspectos ~ satisfacio pessoal ¢ eficiéncia social ~sio interdependentes. $6 possivel uma vida coletiva livre de tensSes ¢ contltos se os sujeitos que fizerem parte dela tiverem satisfacio suficiente, 86 € possivel essa satisfigio de cada um dos membros da coletividade se esta for livre de perturbagdes e contfltos. £ ainda Norbert Elias que nos ajuda a continuar: [A relagio de pluralidade de pessoas com a pessoa singular a que chamamos “individuo”, bem como da pessoa singular com a pluralidade (que chamamos de “sociedade"), no é nada clara em nossos dias (0 aucor se refere 20 ano de 1987] [.-] dispomos dos conhecidos conceitos de individuo e sociedade, 0 primiro dos quais se refere ao ser humano singular como se fora uma entida~ de existindo em completo iolamento, enquanto o segundo (sociedade)[..] & centendido, quer como mers acumulagio, coletinea, somat6rio desestruturado «de muitas pessoas individuais, quer como objeto que existe para além dos in- dividuos e nfo é passivel de maior explicacio [..J nese timo caso [..] 0 ser hhumano, rtulado de individuo, ¢ a pluraidade de pessoas, concebida como sociedade, parecem ser duas entidades ontologicamente diferentes. 6.3 Adicotomia A visio dicotémica que separou os sujeitos (s6cios) e a sociedade foi produzida no pensamento moderno que acompanhon a instalagio ¢ o desenvolvimento do capitalis- ‘mo no mundo ocidental. Sio varios os aspectos que podem ser trazidos para a anilise para que se possa compreender melhor a relagio individuo-sociedade que se estabele- eu como pensamento hegemdnico. (© capitalismo, diferente do modo de produgio feudal, libertou os humanos das formas de escravictio € de servidio, compreendendo os homens como seres livres © auténomos. © eapitalismo precisava dessas ideias, pois a burguesia precisava conquistar ‘© poder politico (o econémico ela jf havia conquistado quando surgi: como clase), ¢ ELIAS, Norbert, A sviedade dos indus. Sto Paulo: Companhia das Letra, 1994. p17. © primeino capiculo do lito A sovedae dos indodues, Os demais capeilos foram escrtos, respec tivamente, nos anos de 1940-1950 e 1987, ELIAS, 1994, p.7. 2008.47. OsveT0 A COLEOADE o para isso precisava romper com as ideias e valores que estavam instalados na sociedade © que legitimavam © modo de produsao ¢ as relagdes dominantes. Era preciso deixar de acreditar na hietarquia social cristalizada para acreditar na possbilidade de ascensio mudangas sociais;era preciso criar 0 individuo para ser o consumidor das mercadorias, produzidas, incluindo a liberdade de escolha em um mundo que passwva a produzir uma diversidade de produtos que deveriam encontrar diferentes pessoas interessadas; cra pre= ciso comprar a mio de obra trabalhadora sem que se necessitasse sustenti- permanen- temente, Assim, aqueles conjuntos de sujeitos que formavam a classe dos servos ou dos nobres foram “esfacelados” para surgir o individuo. E, também, 0 capitalismo precisava da “permissio” social para explorar a natureza de forma a enriquecer suas possibilidades, de producio infindivel de mercadorias, Era necessirio separar o humano da natureza. A nova ordem social exigia novas ideias e concepedes para legitimé-la. A ciéncia ‘moderna surge atendendo a esas necessidades. Afiema 0 sujeito como sujeito do co- ‘shecimento e individuo livre e racional ¢ afirma, a0 mesmo tempo, [.-] © objeto de conhecimento como sendo a natureza independente do ho~ ‘meme submetida ds suas proprias leis, Afrma-se,entio,sjeito e objeto camo independentes € exteriores um 20 outro, © sujeito € capaz de conhecer & twansformar natureza por suas proprias caracteristicas © posbilidades (uso da razio soberana ¢ dos érgios dos sentidos). E 0 objeto é passivel de co- ‘ahecimento, porque tem qualidaces que podem ser apreendidas e obedece a determinagSes naturais:! Assim, 08 sujeitos se separaram do mundo dos objetos. Sujeitos so 0s que conhe- cem e objetos aqueles que sio conhecidos. © conhecimento cientifico (inclusive 0 da Psicologia, que precisou enffentar 0 fato de ter seu objeto como o proprio sujeito) vai seguir sendo construido sem avangar em uma compreensio da relagio entre o sujeito © 0 mundo dos objetos. Hi uma naturalizacdo desses polos: sujeito que se constitu in= dependentemente de sua agio transformadora que cria 0 mundo dos objetos e objeto {que se constitui sem que se faga referéncia & forca humana que esti depositada nele, A dicotomia, como referido na introducio, vai se refletir na construgio de campos da ciéncia que cuidam e estudam, em separado, esses dois polos. A Sociedade e seus s6cios (individuos) vao aparecer como aspectos que convivem se relacionam, mas no como Ambitos de um mesmo proceso: o da agio transformadora + GONGALVES, M.G.M. BOCK, A. M.B.Individuo-sociedade: uma relaglo importance na psi- cologia social. In: BOCK, A. M. B.A perpecin sio-kstrics na fomasda em pcloia, Petropolis: Vozes, 2003. 47.

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