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A PRÁTICA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: AS DIFICULDADES

ENCONTRADAS PELOS ALUNOS DO CURSO DE PEDAGOGIA

MOLINARI, Simone Garbi Santana¹ - "PUCSP/UNINOVE"

DELGADO, Adriana Patricio² - "PUCSP/UNINOVE"

Grupo de trabalho: Práticas e estágios nas licenciaturas


Agência financiadora: Não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo trata de uma análise da norma legal dos cursos de graduação de Pedagogia:
o estágio de observação. Destaca as diferentes dificuldades encontradas pelos alunos para o
cumprimento da Lei. A necessidade desta pesquisa partiu das falas apresentadas por esses
alunos durante uma disciplina denominada Estudo dos Contextos e das Ações Escolares em
uma universidade privada da capital paulista. É por intermédio do estágio que a disciplina
promove o estudo sobre a escola em todas as suas dimensões: física, social, administrativa,
curricular e das relações interpessoais. A primeira parte do trabalho mostra os motivos pelos
quais a disciplina foi pensada em um curso de formação de professores. Na segunda parte,
discute as limitações existentes para o cumprimento do estágio aos alunos da universidade
pesquisada. Como instrumento metodológico foram aplicados 175 questionários aos alunos
do curso. O levantamento inicial revelou que, em sua maioria, os estudantes trabalham e
estudam e possuem origem social desfavorecida tanto do ponto de vista do capital cultural
quanto do capital econômico. Os relatos demonstram as lacunas existentes entre a Lei e as
condições necessárias para cumpri-la. Mostram, ainda, a dificuldade de acesso a algumas
escolas que "escolhem" os estagiários pelo nome da instituição onde estudam, demonstrando
que a origem social é, ainda, um dos fatores de exclusão mesmo para aqueles que, com muito
esforço, chegaram ao Ensino Superior. Por fim, conclui-se que a implementação de uma lei
sem a avaliação das condições necessárias para que ela seja cumprida não impede, por um
lado, que o aluno reflita sobre a realidade escolar, mas, por outro, mostra já no início da
carreira docente o desconhecimento das políticas públicas sobre o contexto social dos futuros
professores.

Palavras-chave: Estágio. Pedagogia. Formação docente. Profissionalização docente

¹Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa Educação: História, Política, Sociedade (PUC/SP) e
professora do Ensino Superior do curso de Pedagogia (Universidade Nove de Julho/ UNINOVE). Responsável
pelo estágio de observação dos alunos em escolas do Ensino Fundamental. Professora alfabetizadora por mais de
vinte e cinco anos.
² Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa Educação: História, Política, Sociedade (PUC/SP) e
professora do Ensino Superior do curso de Pedagogia (Universidade Nove de Julho/ UNINOVE). Responsável
pelo estágio de observação dos alunos em escolas de Educação Infantil. Professora e coordenadora de Educação
Infantil por mais de dez anos.
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Introdução

Trabalhar para a formação de futuros educadores em um país que, embora tenha


aumentado o acesso de crianças e jovens às instituições escolares, está longe de garantir a
qualidade em um dos direitos previstos a todo cidadão: a educação. O debate não é novo.
Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2012,
mostram que o Brasil tem investido nesta área tanto quanto os países desenvolvidos, estando à
frente, inclusive, de países como: Reino Unido, Canadá e Alemanha. Entretanto, entre os
quarenta e dois países membros da OCDE, o Brasil ocupa a 38º posição. Tratando-se de
aprendizado, a situação demonstrada na avaliação feita pelo Programme for International
Student Assessment (PISA) -- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - é,
também, preocupante. O Brasil ocupa a 53ª posição entre 65 países. Tais dados demonstram
que os investimentos precisam continuar a existir e a serem bem empregados, porém, não são
a garantia de melhoria no aprendizado dos alunos.
O investimento/reconhecimento dado à profissão docente é, ainda, desanimador. O
relatório anual Education at a Glance (Olhar sobre a Educação) elaborado pela OCDE aponta
que os professores brasileiros da Educação Básica ganham menos que a metade de um salário
de outro docente de um país membro da OCDE. Um professor iniciante da rede pública
estadual na cidade de São Paulo, por exemplo, tem como salário inicial R$ 1567,00, para uma
jornada de 40 horas (o salário mínimo é R$ 678,00, em 2013). Há cidades brasileiras que
sequer pagam esse piso. Todos os dados levantados acima compõem, parcialmente, a
realidade da educação brasileira.
Os professores do Ensino Superior que são responsáveis pelo estágio supervisionado
de futuros professores no curso de Pedagogia, tanto em salas de crianças na etapa da
Educação Infantil (0 a 5 anos), quanto em salas de alfabetização cumprem uma tarefa árdua:
promover o estudo e a reflexão sobre essa realidade sem fazê-los desistir da futura profissão.
Afinal, não é mais novidade para ninguém que o número de jovens destinados ao exercício
docente diminuiu devido ao baixo reconhecimento social e financeiro.
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Disciplina Estudos dos Contextos e das Ações Escolares – ECAE

É possível dizer que, o estágio curricular constitui-se um momento de interlocução da


teoria (estudos acadêmicos) com a prática (vivências e observações na escola).
Nesse sentido, o estágio curricular tem por finalidade proporcionar aos graduandos do
curso de Pedagogia experiências que contribuirão para sua formação profissional. Para tal,
faz-se necessário que o estágio seja redimensionado, de modo que as clássicas atividades de
observação, participação e regência, possibilitem, de fato, a construção de uma prática
reflexiva, crítica e investigativa sobre os estudos da escola.
Redimensionar as orientações do estágio nos cursos de formação significa superar a
prática do mero cumprimento das horas, conforme exigência da legislação, na direção de uma
prática que propicie, ao futuro professor, uma reflexão acerca de sua formação. Por essa
perspectiva o campo do estágio contribui para a ampliação dos conhecimentos sobre a escola
por meio de um olhar atento, investigativo e propositivo.
Foi nessa direção que a disciplina Estudos dos Contextos e das Ações Escolares
(ECAE) foi implantada na Matriz Curricular da IES em estudo, no segundo semestre de 2010,
em um momento de revisão do currículo do curso de Pedagogia.
Na organização curricular a disciplina ECAE se distribui em três semestres do curso,
cada qual destinado a um nível da educação básica para o acompanhamento do estágio
curricular, sendo: ECAE I - 75horas na Educação Infantil (3º semestre), ECAE II - 75 horas
no 1º e 2º ano do Ensino Fundamental (4º semestre) e ECAE III - 75 horas do 2º ao 5º ano do
Ensino Fundamental (6º semestre).
Desse modo, as disciplinas Estudos dos Contextos e Ações Escolares I, II e III
acompanham os semestres em que os estágios serão cumpridos. As atividades desenvolvidas no
estágio são de caráter teórico-prático, como: observação, descrição e análise de situações do
cotidiano escolar estudado.
Nesta organização, o componente curricular Estudos dos Contextos e Ações Escolares I,
está intimamente relacionado à disciplina Estágio Curricular I, cujo campo de Estágio é o nível
de ensino da Educação Infantil, no segmento da docência. Por meio de um roteiro apresentado
pelo professor, o aluno é direcionado sobre o que e como observar, analisar e registrar nas horas
de Estágio. Tais observações e análises, articuladas à fundamentação teórica discutida e
estudada em sala de aula, irão resultar em um registro apresentado aos colegas de classe e ao
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professor. Destaca-se que esse processo é fundamental na construção de ambientes de simulação


de práticas de ensino.
Dando continuidade, a disciplina Estudos dos Contextos e Ações Escolares II,
pertencente ao 4º semestre na Matriz Curricular, tem como objeto de estudo o processo de
letramento e alfabetização, estabelecendo uma relação direta com a disciplina Fundamentos da
Alfabetização, para a construção de ambientes de simulação de práticas de ensino. Nesse
momento os alunos farão o Estágio Curricular no 1º e 2º ano do Ensino Fundamental com ênfase
na alfabetização. Tal período foi definido em função da transição do Ensino Fundamental de
Nove Anos e pelo fato do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental se constituir em uma etapa crucial
no processo de alfabetização, embora seja consensual que o processo de alfabetização não
ocorre somente no 1º e 2º ano do EF.
Por sua vez, a disciplina Estudos dos Contextos e Ações Escolares III tem como objeto
de estudo a docência do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental I. O Estágio da docência nesses
anos do Ensino Fundamental articula-se às Metodologias de Ensino.
Outro ponto importante é que a proposta da disciplina Estudos dos Contextos e Ações
Escolares – ECAE – busca que o graduando assuma uma posição de sujeito no processo de
formação docente, por meio do exercício contínuo de ação/ reflexão/ ação, mediado pelo
professor das disciplinas ECAE e Estágio. Por intermédio das discussões e reflexões fomentadas
pela disciplina ECAE objetiva-se que os alunos percebam o Estágio Curricular como um
momento fundante em sua formação acadêmica e profissional e, sobretudo, na constituição da
identidade docente, superando a prática tradicional do estágio de mero cumprimento formal de
horas para conclusão de uma etapa.
É possível perceber então, que a disciplina ECAE tem o intuito de oferecer aos alunos
do curso de Pedagogia a leitura de autores que propiciem o estudo sobre a escola em todas as
suas dimensões (física, administrativa, social e pedagógica) na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental, promovendo a reflexão e a discussão sobre a relação dessas dimensões com a
aprendizagem e o desempenho do trabalho docente. Essa leitura da realidade é feita pelo
cotejo das leituras acadêmicas com as observações diretas feitas em sala de aula por
intermédio do estágio supervisionado. Ou seja, observações em loco que possibilitem a
compreensão da realidade escolar.
Outro dado importante consiste no fato da disciplina ECAE, ao compor o currículo do
curso de Pedagogia, garantir um espaço para análise, reflexão e discussão sobre o observado
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no estágio curricular. Trata-se, portanto, de um novo direcionamento da disciplina estágio no


curso, que deixou de ser o mero cumprimento de horas registradas em fichas para um
momento de debates e relatos de experiências a partir dos diferentes contextos escolares
observados e vivenciados no estágio.
A disciplina ECAE norteia, por meio do um roteiro, a ida do aluno ao campo de
estágio (escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental), indicando e orientando o aluno
em formação, sobre pontos a serem observados na escola. Cada ponto indicado no roteiro é
discutido na disciplina a partir de leituras de textos acadêmicos que dialogam e orientam o
olhar do aluno no campo do estágio. Como resultado o aluno entrega um Relatório que aborda
cada um dos itens indicados no roteiro, de modo descritivo e analítico, tendo como referência
as leituras e debates teóricos das aulas.
Dessa forma, a disciplina ECAE se configura como um espaço e momento no curso de
extrema relevância para a formação do futuro professor, que passar a estudar, discutir e
compreender a escola de forma mais ampla e integrada, e não de forma isolada e
fragmentada..
Alguns conceitos são considerados alvo dessas discussões: a escola, a infância e a
alfabetização. Durante as leituras, espera-se que os alunos compreendam que esses conceitos
não são lineares, ou seja, eles se modificam ao longo do tempo e do espaço. Compreender
essa trajetória histórica, marcada por diferentes formas de se pensar, de se viver, de se
discutir, desestabiliza a forma de ensino tradicional em que o professor lança ao aluno o que é
"certo" ou "errado". Essa não é uma tarefa fácil. Muitos professores têm dificuldade em
estabelecer esse distanciamento dos pré-conceitos que possuem e "exigem" que seus alunos
pensem como eles. Há, ainda, aqueles docentes que não conseguem "ler" o que ocorre dentro
de uma escola.
Isso nos mostra o quanto é relevante o papel do professor dessa disciplina e, inclusive, a
atribuição das aulas dessa disciplina deveria ser feita, sobretudo, pelo critério de experiência
como professor na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com ênfase na alfabetização.
Não será possível instigar e direcionar o olhar sobre a escola, buscando compreende-la
em sua totalidade, se o próprio professor alocado na disciplina não tenha vivências como
docente nesse nível de ensino. E, além da experiência docente, esse professor precisará se
despir de pré-conceitos de modo que compreenda a escola desse modo mais amplo e
integrado, pois só assim poderá conduzir o olhar e as vivências do estágio nessa direção.
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Por fim, o estágio não pode se configurar como um momento no curso onde os alunos,
em processo de formação, observem uma realidade, comente e até da escreva simplesmente.
Mas sim como um espaço de compreensão da realidade, de intervenção e, principalmente, de
redescobertas e mudanças, sem mera reprodução.

A escola

Muitos são os autores que tratam do estudo sobre a escola. A princípio, é preciso
ressaltar que os autores aqui escolhidos se propõem a olhar para ela de fora para dentro, ou
seja, sob uma perspectiva das Ciências Sociais. Isso é claramente percebido nos estudos de
Tenti Fanfani (2011) quando o autor relaciona a pobreza das famílias com a oferta escolar
destinada a essa camada da população. Para ele, as pobrezas se potencializam quando são
oferecidas à camada social desfavorecida de capital cultural, econômico e social, escolas
pobres (com infraestrutura física inadequada aos alunos, qualidade inferior de ensino e demais
recursos humanos).
Por conta dessa precariedade, os professores tendem a exigir de si mesmos menos do
que poderiam dar em relação ao ensino e, também, criam expectativas de aprendizagem
inferiores àquelas que seus alunos poderiam obter. Esse empobrecimento da escola, segundo
Tenti Fanfani (2011), não são fatos novos de se pensar. Os processos de massificação da
escolaridade do Ensino Superior, desde a década de 1990, por exemplo, contribuíram para um
número significativo de pessoas em busca de um título, porém distribuído sem a garantia de
um conhecimento importantíssimo à nova profissão.
Há conhecimentos que são estritamente escolares, como ler e escrever. Grande parte
dos alunos que não adquiriram essas habilidades de forma satisfatória estão, hoje, no Ensino
Superior e, muitos, em cursos de Pedagogia. Na universidade onde esta pesquisa foi feita, os
alunos são oriundos, em sua maioria, de escolas públicas e trazem consigo a consequência de
uma política educacional voltada, apenas, à camada da população mais pobre e frequentadora
dessas escolas: o Ciclo Básico. O Ciclo Básico foi uma medida implantada no estado de São
Paulo, no início da década de 1980, impedindo que o processo de aprendizagem de crianças
em fase de alfabetização fosse interrompido. por uma reprovação. Na época, o ensino
obrigatório era de oito anos e o índice de reprovação era muito alto nas séries iniciais. Com a
criação dos Ciclo I (1ª e 2ª séries) e o Ciclo II (3ª e 4ª série), a criança que não garantisse
aprendizado satisfatório poderia ser reprovada somente ao final de cada ciclo. Embora ele
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apontasse mudanças significativas em relação à concepção de avaliação na escola, a medida


foi imposta e polêmica para muitos professores da rede estadual de ensino. O fato é que não é
possível deixar de "enxergar" que os alunos que hoje frequentam as universidades privadas
destinadas a essa camada da população são frutos dessa política. Esse é, apenas, um dos dados
que se faz presente à medida que precisamos caracterizar a escola da qual estamos falando e
para que ela serve.
Segundo Young (2007), são as escolas que possuem o propósito específico de
promover a aquisição do conhecimento (p. 1288). Entretanto, para o autor, elas se adéquam às
necessidades da economia fazendo da educação um grande mercado, razão pela qual se vê as
escolas, hoje, competindo entre si por alunos e fundos. A transmissão do conhecimento
poderoso, aquele que é realmente útil, esperado pelos alunos, têm ficado em segundo plano
dadas as condições enfrentadas pelos professores em seu ambiente de trabalho quando no
exercício da profissão e, também, pelos alunos na falta de adequação de sua realidade (tempo
disponível entre o trabalho e o estudo).
Se o sucesso dos alunos depende da cultura que eles trazem para a escola (Young
(2007), conhecer a realidade a qual pertencem deveria ser a prioridade daqueles que pensam,
escrevem e discutem as políticas educacionais, antes de programá-las.

O estágio

Por meio da disciplina Estudos dos Contextos e das Ações Escolares, os alunos
aprendem a enxergar essa realidade quando precisam cumprir as horas obrigatórias de estágio,
em salas de crianças em fase de alfabetização que estudam, apenas, no período da manhã ou
da tarde. Grande parte dos alunos do curso de Pedagogia, hoje, não pertencem à uma classe
social favorecida economicamente. Conforme já foi citado, as universidades destinadas à
camada social que detém o poder econômico, não tem por escolha, a área da educação. Assim
sendo, é a camada mais humilde, aquela que precisa trabalhar durante o dia e estudar à noite,
ou ainda, aquela que estuda pela manhã, mas trabalha à tarde e à noite, que opta pelo curso.
Para este trabalho foram aplicados questionários a 175 alunos do 4º semestre do curso
de Pedagogia. O objetivo de tal instrumento foi verificar os motivos pelos quais os alunos se
queixam da dificuldade para cumprir o estágio obrigatório. Durante as aulas, há enorme
preocupação por parte deles sobre "como" fariam o estágio sem ter de largar o trabalho, pois
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dependem dele para pagar a universidade e contribuir em casa. Observemos abaixo, o


resultado obtido sobre as suas ocupações.

Tabela 1. Ocupações

Ocupação Quantidade
Atendente 12
Securitário 1
Auxiliar de sala 64
Telefonista 3
Recepcionista 4
Pesquisadora (CAT) 1
Caixa 2
Secretária 5
Bancária 2
Professora de ballet 1
Técnico de RX 2
Advogada 1
Contadora 1
Analista de crédito 1
Tradutor de conteúdo para o braille 1
Logística 1
Auxiliar de enfermagem 3
Assessor de cobrança 2
Costureira 3
Berçarista 4
Corretora de imóveis 1
Vendedora 7
Auxiliar administrativo 1
Babá 1
Não trabalham 39
TOTAL 175
Fonte: Dados organizados pelas autoras, por meio de questionários.

Na Tabela 1 é possível ver que dentre a amostra utilizada (175 alunos), 22 % deles não
trabalham, sendo que alguns afirmaram que deixaram seus empregos para poder estagiar. Dos
136 alunos restantes, uma parcela significativa participa do Programa Bolsa Alfabetização
como aluno pesquisador. A bolsa paga à instituição é de R$ 700,00 (que é utilizado para o
pagamento da mensalidade escolar) e os alunos recebem a ajuda de custo de R$ 200,00.
Ainda sim, quando perguntados se trabalhavam e em qual função, escreveram o estágio como
vínculo empregatício.
Se pensarmos um pouco sobre a realidade desses alunos podemos perceber que poucas
opções lhes são dadas: sendo o estágio obrigatório, as crianças estudando nos períodos da
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manhã ou da tarde, não lhe restando horário para trabalhar e pagar a universidade, só lhe resta
"escolher" um lugar que lhe permita estagiar e não pagar a universidade, ou seja, ser um aluno
pesquisador do Programa Bolsa Alfabetização. Quem mais "trabalharia" pelos R$200,00 de
ajuda de custo (pois os R$ 700,00 é da universidade), senão os alunos que pertencem à
camada mais pobre da população?
As dificuldades para estagiar em uma escola são diversas. 89 alunos escreveram que
sentem dificuldade para cumprir o estágio, dentre elas:
Conciliar o horário de trabalho com os estudos e o estágio obrigatório;
Conciliar filhos, estudo e o estágio obrigatório;
Precisar sair do emprego para fazer o estágio;
As escolas não aceitam 1h ou 2h de estágio por dia;
Muitas escolas não estão dispostas a aceitar estagiários;
Há prioridade para universidades cadastradas;
Algumas escolas do Programa Ler e Escrever são muito longe da casa;
Há filas de espera para estagiar;
Trabalhar o dia inteiro e não ter tempo para procurar;
Não haver interesse por parte da escola;
Há muita burocracia nas escolas particulares;
As CEIs são mais receptivas;
Os intermediários estabelecem critérios que, muitas vezes, são incompatíveis
com o perfil do estagiário;
Há desconto na folha de pagamento do estagiário que falta no serviço para
estagiar;
Houve relatos de alunos que não foram aceitos em uma escola privada, porque
não pertenciam a determinada universidade, pois, segundo eles, as vagas estavam
destinadas aos alunos de uma universidade privada (destinada à camada social mais
favorecida economicamente).
Entretanto, 86 alunos acharam fácil conseguir o estágio, mas salientaram que
se cadastrar a um Programa de Estágio, como o Bolsa Alfabetização, é uma boa
alternativa, embora seja preciso fazer uma prova e aguardar ser chamado. Há filas de
espera e até lá, muitos não fazem o estágio e não têm o benefício (remuneração). Entre
fazer o estágio sem remuneração e um estágio remunerado, muitos preferem esperar.
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Há, ainda, aqueles que alegaram que ter conhecidos dentro da escola fica mais
fácil.
Dos 175 alunos, 138 preferem estagiar em escola pública. Acreditam que ela
seja mais receptiva e há sempre alguma perto de suas casas.
Com todas as dificuldades encontradas para trabalhar e estudar ou, mesmo para
aqueles que não trabalham e só estudam, todos apontaram que o estágio permite
observar a dinâmica de uma escola sob a perspectiva de um futuro professor e não
mais de um aluno.

Considerações finais

O estágio é uma norma legal obrigatória para a obtenção do certificado do


curso de Pedagogia. Entretanto, essa norma se aplica a todos os alunos que,
infelizmente, possuem realidades diferentes. Grande parte desses estudantes precisa
trabalhar de 6h a 10h por dia, muitas vezes seis dias da semana. Longe de se
considerar o estágio como desnecessário para a obtenção do diploma de pedagogo, se
faz necessário criar meios pra que todos os alunos possam cumpri-lo. Como pedir a
um aluno que tire férias para fazer o estágio? Faltar no serviço e ser descontado? Fazê-
lo em sua hora de almoço? Ouvimos tanto que devemos olhar para fora da escola para
compreender quem está dentro dela. Para que, se na prática, continuamos a fechar os
nossos olhos para as diferentes realidades? As condições dadas àqueles que precisam
fazer o estágio, hoje, não reforçariam, ainda mais, a ideia de que a escola reproduz as
desigualdades existentes entre aqueles que possuem maior capital cultural e
econômico daqueles que não têm as mesmas oportunidades? Tal reflexão se faz
necessária e necessita de maiores discussões.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (org.). Escritos de


Educação. 9 ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2007.

DURAN, Marília Claret Geraes. A cultura dos ciclos na organização do Ensino Fundamental:
Memórias. In: Revista Brasileira de História da Educação. Disponível em:
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema3/0340.pdf. Acessado em:
29/04/2013.
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OCDE. Education at glance. OECD Publishing. doi: 10.1787/eag-2012-en

TENTI FANFANI, Emílio. La escuela y la cuestión social: ensaios de Sociología de la


Educación. 2ª ed. Buenos Aires : Siglo Veintiuno Editores, 2011.

YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? In: Educ. Soc., vol. 28, n. 101, p. 1287 -
1302, set./dez. 2007 Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em: 29/04/2013.

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