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Resumo
O presente artigo trata de uma análise da norma legal dos cursos de graduação de Pedagogia:
o estágio de observação. Destaca as diferentes dificuldades encontradas pelos alunos para o
cumprimento da Lei. A necessidade desta pesquisa partiu das falas apresentadas por esses
alunos durante uma disciplina denominada Estudo dos Contextos e das Ações Escolares em
uma universidade privada da capital paulista. É por intermédio do estágio que a disciplina
promove o estudo sobre a escola em todas as suas dimensões: física, social, administrativa,
curricular e das relações interpessoais. A primeira parte do trabalho mostra os motivos pelos
quais a disciplina foi pensada em um curso de formação de professores. Na segunda parte,
discute as limitações existentes para o cumprimento do estágio aos alunos da universidade
pesquisada. Como instrumento metodológico foram aplicados 175 questionários aos alunos
do curso. O levantamento inicial revelou que, em sua maioria, os estudantes trabalham e
estudam e possuem origem social desfavorecida tanto do ponto de vista do capital cultural
quanto do capital econômico. Os relatos demonstram as lacunas existentes entre a Lei e as
condições necessárias para cumpri-la. Mostram, ainda, a dificuldade de acesso a algumas
escolas que "escolhem" os estagiários pelo nome da instituição onde estudam, demonstrando
que a origem social é, ainda, um dos fatores de exclusão mesmo para aqueles que, com muito
esforço, chegaram ao Ensino Superior. Por fim, conclui-se que a implementação de uma lei
sem a avaliação das condições necessárias para que ela seja cumprida não impede, por um
lado, que o aluno reflita sobre a realidade escolar, mas, por outro, mostra já no início da
carreira docente o desconhecimento das políticas públicas sobre o contexto social dos futuros
professores.
¹Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa Educação: História, Política, Sociedade (PUC/SP) e
professora do Ensino Superior do curso de Pedagogia (Universidade Nove de Julho/ UNINOVE). Responsável
pelo estágio de observação dos alunos em escolas do Ensino Fundamental. Professora alfabetizadora por mais de
vinte e cinco anos.
² Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa Educação: História, Política, Sociedade (PUC/SP) e
professora do Ensino Superior do curso de Pedagogia (Universidade Nove de Julho/ UNINOVE). Responsável
pelo estágio de observação dos alunos em escolas de Educação Infantil. Professora e coordenadora de Educação
Infantil por mais de dez anos.
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Introdução
Por fim, o estágio não pode se configurar como um momento no curso onde os alunos,
em processo de formação, observem uma realidade, comente e até da escreva simplesmente.
Mas sim como um espaço de compreensão da realidade, de intervenção e, principalmente, de
redescobertas e mudanças, sem mera reprodução.
A escola
Muitos são os autores que tratam do estudo sobre a escola. A princípio, é preciso
ressaltar que os autores aqui escolhidos se propõem a olhar para ela de fora para dentro, ou
seja, sob uma perspectiva das Ciências Sociais. Isso é claramente percebido nos estudos de
Tenti Fanfani (2011) quando o autor relaciona a pobreza das famílias com a oferta escolar
destinada a essa camada da população. Para ele, as pobrezas se potencializam quando são
oferecidas à camada social desfavorecida de capital cultural, econômico e social, escolas
pobres (com infraestrutura física inadequada aos alunos, qualidade inferior de ensino e demais
recursos humanos).
Por conta dessa precariedade, os professores tendem a exigir de si mesmos menos do
que poderiam dar em relação ao ensino e, também, criam expectativas de aprendizagem
inferiores àquelas que seus alunos poderiam obter. Esse empobrecimento da escola, segundo
Tenti Fanfani (2011), não são fatos novos de se pensar. Os processos de massificação da
escolaridade do Ensino Superior, desde a década de 1990, por exemplo, contribuíram para um
número significativo de pessoas em busca de um título, porém distribuído sem a garantia de
um conhecimento importantíssimo à nova profissão.
Há conhecimentos que são estritamente escolares, como ler e escrever. Grande parte
dos alunos que não adquiriram essas habilidades de forma satisfatória estão, hoje, no Ensino
Superior e, muitos, em cursos de Pedagogia. Na universidade onde esta pesquisa foi feita, os
alunos são oriundos, em sua maioria, de escolas públicas e trazem consigo a consequência de
uma política educacional voltada, apenas, à camada da população mais pobre e frequentadora
dessas escolas: o Ciclo Básico. O Ciclo Básico foi uma medida implantada no estado de São
Paulo, no início da década de 1980, impedindo que o processo de aprendizagem de crianças
em fase de alfabetização fosse interrompido. por uma reprovação. Na época, o ensino
obrigatório era de oito anos e o índice de reprovação era muito alto nas séries iniciais. Com a
criação dos Ciclo I (1ª e 2ª séries) e o Ciclo II (3ª e 4ª série), a criança que não garantisse
aprendizado satisfatório poderia ser reprovada somente ao final de cada ciclo. Embora ele
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O estágio
Por meio da disciplina Estudos dos Contextos e das Ações Escolares, os alunos
aprendem a enxergar essa realidade quando precisam cumprir as horas obrigatórias de estágio,
em salas de crianças em fase de alfabetização que estudam, apenas, no período da manhã ou
da tarde. Grande parte dos alunos do curso de Pedagogia, hoje, não pertencem à uma classe
social favorecida economicamente. Conforme já foi citado, as universidades destinadas à
camada social que detém o poder econômico, não tem por escolha, a área da educação. Assim
sendo, é a camada mais humilde, aquela que precisa trabalhar durante o dia e estudar à noite,
ou ainda, aquela que estuda pela manhã, mas trabalha à tarde e à noite, que opta pelo curso.
Para este trabalho foram aplicados questionários a 175 alunos do 4º semestre do curso
de Pedagogia. O objetivo de tal instrumento foi verificar os motivos pelos quais os alunos se
queixam da dificuldade para cumprir o estágio obrigatório. Durante as aulas, há enorme
preocupação por parte deles sobre "como" fariam o estágio sem ter de largar o trabalho, pois
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Tabela 1. Ocupações
Ocupação Quantidade
Atendente 12
Securitário 1
Auxiliar de sala 64
Telefonista 3
Recepcionista 4
Pesquisadora (CAT) 1
Caixa 2
Secretária 5
Bancária 2
Professora de ballet 1
Técnico de RX 2
Advogada 1
Contadora 1
Analista de crédito 1
Tradutor de conteúdo para o braille 1
Logística 1
Auxiliar de enfermagem 3
Assessor de cobrança 2
Costureira 3
Berçarista 4
Corretora de imóveis 1
Vendedora 7
Auxiliar administrativo 1
Babá 1
Não trabalham 39
TOTAL 175
Fonte: Dados organizados pelas autoras, por meio de questionários.
Na Tabela 1 é possível ver que dentre a amostra utilizada (175 alunos), 22 % deles não
trabalham, sendo que alguns afirmaram que deixaram seus empregos para poder estagiar. Dos
136 alunos restantes, uma parcela significativa participa do Programa Bolsa Alfabetização
como aluno pesquisador. A bolsa paga à instituição é de R$ 700,00 (que é utilizado para o
pagamento da mensalidade escolar) e os alunos recebem a ajuda de custo de R$ 200,00.
Ainda sim, quando perguntados se trabalhavam e em qual função, escreveram o estágio como
vínculo empregatício.
Se pensarmos um pouco sobre a realidade desses alunos podemos perceber que poucas
opções lhes são dadas: sendo o estágio obrigatório, as crianças estudando nos períodos da
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manhã ou da tarde, não lhe restando horário para trabalhar e pagar a universidade, só lhe resta
"escolher" um lugar que lhe permita estagiar e não pagar a universidade, ou seja, ser um aluno
pesquisador do Programa Bolsa Alfabetização. Quem mais "trabalharia" pelos R$200,00 de
ajuda de custo (pois os R$ 700,00 é da universidade), senão os alunos que pertencem à
camada mais pobre da população?
As dificuldades para estagiar em uma escola são diversas. 89 alunos escreveram que
sentem dificuldade para cumprir o estágio, dentre elas:
Conciliar o horário de trabalho com os estudos e o estágio obrigatório;
Conciliar filhos, estudo e o estágio obrigatório;
Precisar sair do emprego para fazer o estágio;
As escolas não aceitam 1h ou 2h de estágio por dia;
Muitas escolas não estão dispostas a aceitar estagiários;
Há prioridade para universidades cadastradas;
Algumas escolas do Programa Ler e Escrever são muito longe da casa;
Há filas de espera para estagiar;
Trabalhar o dia inteiro e não ter tempo para procurar;
Não haver interesse por parte da escola;
Há muita burocracia nas escolas particulares;
As CEIs são mais receptivas;
Os intermediários estabelecem critérios que, muitas vezes, são incompatíveis
com o perfil do estagiário;
Há desconto na folha de pagamento do estagiário que falta no serviço para
estagiar;
Houve relatos de alunos que não foram aceitos em uma escola privada, porque
não pertenciam a determinada universidade, pois, segundo eles, as vagas estavam
destinadas aos alunos de uma universidade privada (destinada à camada social mais
favorecida economicamente).
Entretanto, 86 alunos acharam fácil conseguir o estágio, mas salientaram que
se cadastrar a um Programa de Estágio, como o Bolsa Alfabetização, é uma boa
alternativa, embora seja preciso fazer uma prova e aguardar ser chamado. Há filas de
espera e até lá, muitos não fazem o estágio e não têm o benefício (remuneração). Entre
fazer o estágio sem remuneração e um estágio remunerado, muitos preferem esperar.
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Há, ainda, aqueles que alegaram que ter conhecidos dentro da escola fica mais
fácil.
Dos 175 alunos, 138 preferem estagiar em escola pública. Acreditam que ela
seja mais receptiva e há sempre alguma perto de suas casas.
Com todas as dificuldades encontradas para trabalhar e estudar ou, mesmo para
aqueles que não trabalham e só estudam, todos apontaram que o estágio permite
observar a dinâmica de uma escola sob a perspectiva de um futuro professor e não
mais de um aluno.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
DURAN, Marília Claret Geraes. A cultura dos ciclos na organização do Ensino Fundamental:
Memórias. In: Revista Brasileira de História da Educação. Disponível em:
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema3/0340.pdf. Acessado em:
29/04/2013.
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YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? In: Educ. Soc., vol. 28, n. 101, p. 1287 -
1302, set./dez. 2007 Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em: 29/04/2013.