Você está na página 1de 96
Wn aioli) oi slag aly CAROL BERNSTEIN | | Ocorpotem ike TazOes Antigindstica e consciéncia de si Eta tlre ey n Cesc) Introdugao O seu corpo - essa casa onde vocé nio mora Neste instante, esteja vocé onde estiver, ha uma casa com o seu nome. Vocé é o Unico proprietario, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso, fica de fora, s6 vendo a fachada. Nao chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recOnditas e repri- midas lembrangas, é 0 seu corpo. ” “Se as paredes ouvissem...” Na casa que 60 seu corpo, elas ouvem. As paredes que tudo ouviram e nada esqueceram sao os misculos. Na rigidez, cris- paciio, fraqueza e dores dos musculos das costas, pes- coco, diafragma, coragio e também do rosto e do sexo, est escrita toda a sua historia, do nascimento até hoje. Sem perceber, desde os primeiros meses de vida, vocé reagiu a pressdes familiares, sociais, morais. “Ande assim. Ndose mexa. Tire a mao dai. Fique quieto. Facga alguma coisa. Va depressa. Onde vai vocé com tanta pressa...?” Atrapalhado, vocé do- brou-se como péde. Para conformar-se, vocé se de- il formou. Seu corpo de verdade — harmonioso, dina- mico e feliz por natureza — foi sendo substituido por um corpo estranho que vocé aceita com dificuldade, que no fundo vocé rejeita. E a vida, diz vocé; nao ha outra safda. Respon- do-Ihe que vocé pode fazer algo para mudar e que sé vocé pode fazer isso. Nao é tarde demais. Nunca é tarde demais para liberar-se da programacao de seu passado, para assumir o proprio corpo, para descobrir possibilidades até entéo inéditas. Ser é nascer continuamente. Mas quantos dei- Xam-se morrer pouco a pouco, enquanto vao se inte- grando perfeitamente as estruturas da vida contempo- ranea, até perderem a vida pois que se perdem de vista? Satide, bem-estar, seguranca, prazeres, deixamos tudo a catgo dos médicos, psiquiatras, arquitetos, poli- ticos, patrdes, maridos, mulheres, amantes, filhos. Confiamos a responsabilidade de nossa vida, de nosso corpo, aos outros, por vezes aqueles que nado desejam essa responsabilidade e que se sentem esmagados por ela; quase sempre Aqueles que pertencem a Instituigdes cuja primeira finalidade é a de nos tranqiiilizar e, por- tanto, de nos reprimir. (E quantos ha, independente- mente de idade, cujo corpo ainda pertence aos pais? Criangas submissas, esperando em vao, durante toda a vida, licenga para vivé-la. Menores de idade psicologi- camente, nao ousam nem olhar a vida dos outros, o que nao os impede, porém, de tornarem-se impiedosos censores.) 12 Quando renunciamos a autonomia, abdicamos de nossa soberania individual. Passamos a pertencer aos poderes, aos seres que nos recuperaram. Se reivindi- camos tanto a liberdade é porque nos sentimos escravos; e os mais licidos reconhecem ser escravos-ciimplices. Mas como poderia ser de outro jeito, se nao chegamos a ser donos nem de nossa primeira casa, da casa que é 0 corpo? Vocé pode, no entanto, reencontrar as chaves do seu corpo, tomar posse dele, habita-lo enfim e nele encontrar a vitalidade, satide e autonomia que lhe sao proprias, Como? Nao, certamente, se vocé considerar o corpo como uma méquina fatalmente defeituosa e que o atravanca; como uma maquina composta de pegas_ soltas (cabeca, costas, pés, nervos...) que devem ser confiadas cada uma a um especialista, cuja autoridade e veredito sao aceitos de olhos fechados. Nao, certa- mente, se vocé aceitar como definitivas as etiquetas de “nervoso”, “insone”, “com mau funcionamento do intes- tino”, “fraco”, etc. E nao, certamente, se vocé pro- curar fortalecer-se pela gindstica que se contenta com o adestramento forgado do corpo-carne, do corpo con- siderado sem inteligéncia, como um animal a domar. Nosso corpo somos nés. Somos 0 que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso modo de ser. Mas nfo queremos admiti-lo. Nao temos coragem de nos olhar. Alias nao sabemos como fazer. Confundimos o visivel com o superficial. $6 nos interessamos pelo 13

Você também pode gostar