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AULA 4

COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA
NO ENSINO DE LÍNGUAS

Profª Helenice Ramires Jamur


CONVERSA INICIAL

Se pudéssemos eleger uma palavra de peso necessária e relevante para a


educação deste século, eu diria que essa palavra é “colaboração”. Iria até mais
longe: falaria logo em “cooperação”. São palavras muito próximas no sentido, mas
com algumas diferenças sutis. Quando colaboramos para a construção de algo,
nem sempre desenvolvemos as etapas juntos, pois entregamos nossa parte para
a construção de um todo, ao passo que “cooperação” pressupõe uma troca, uma
mescla entre o que cada um faz cooperativamente, um envolvimento nas etapas.
Nesse caso, essas partes somadas são maiores que o todo construído
colaborativamente. Pode ser bastante filosófico o que estou descrevendo, mas ao
longo desta aula vamos analisar com calma os conceitos e compreender como o
meio digital pode contribuir para a escrita coletiva, promovendo a colaboração e a
cooperação entre os pares e, por que não, uma aprendizagem cooperativa.
Iniciaremos a conversa relacionando o hipertexto aos conceitos de
interatividade. Veremos como o hipertexto digital deve ser tema das aulas de
línguas e como o uso dele no processo educativo proporciona um intercâmbio
maior entre os sujeitos. Vamos conferir como isso acontece na prática e os
desafios que precisam ser discutidos, revistos e pensados quando planejamos
qualquer aula.
Para finalizar, vamos desmistificar alguns aspectos relacionados à
Wikipedia e trazer para o planejamento de nossas atividades alguns de seus
recursos. Além disso, fecharemos com um tópico polêmico e necessário: a
linguagem da internet e seu papel nas aulas de línguas.

CONTEXTUALIZANDO

É impossível ensinar qualquer língua, seja materna ou estrangeira, sem


passar pela temática da leitura e da produção textual. É comum que façamos
aulas específicas sobre leitura e interpretação de textos e também sobre redação
de textos nos mais variados gêneros. Apresentamos aos nossos alunos a
estrutura que deve ter um bom texto e como buscar elementos para sua
interpretação. Indentificou alguma das suas aulas? Essa é uma excelente prática,
e não podemos negar que são momentos importantes para nossas aulas, mas
precisamos colocar elementos novos nessa dinâmica, pois há novos textos e
formatos a serem trabalhados. Do que estou falando? Do hipertexto!

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Talvez você já tenha estudado o hipertexto, até mesmo antes das novas
tecnologias digitais, e isso é perfeitamente possível, já que esse termo é utlizado
pelo menos desde 1991, quando Theodore Nelson o criou. Entretanto, foi com a
chegada da internet que esse conceito passou a ganhar força, forma e uma série
de pesquisas sobre a temática.
Afinal, o que é um hipertexto? “Por hipertexto, entendo um forma híbrida,
dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas,
adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade” (Xavier,
2010).
O que isso significa para nossas aulas de línguas? Bem, representa uma
mudança no que muitas vezes entendemos por texto, aquele com uma estrutura
linear e construído por palavras escritas. Quando falamos de hipertexto, esse
conceito cresce; trazemos para as palavras escritas novas estruturas textuais
compostas por vídeos, sons, imagens e animações, mas, além disso, falamos em
links, aberturas para novos caminhos que podemos percorrrer nesse texto.
Está muito abstrato o raciocínio? Pense em um blog ou em qualquer site,
até em redes sociais. Você começa a ler um texto em qualquer formato e logo se
depara com um link; nesse ponto, decide se irá ou não trocar a página atual pela
nova página que se abrirá com este link. Se for como eu, abrirá a nova página
sem se desfazer da anterior, criando abas e mais abas para leitura futura; se for
mais organizado, lerá na medida do seu interesse. Há um jeito certo para navegar
pelo hipertexto? Penso que não, depende do leitor e até da forma como foi
contruído o hipertexto.
Por exemplo, se estamos navegando por uma rede social, não há um texto
principal; são dezenas de links para vídeos ou sites externos, além de imagens e
mensagens que não têm relação entre si, afinal, são vários os autores em uma
mesma timeline, não é mesmo? Nesse caso, não há uma ordem na leitura. Você
escolherá o que interessa e pronto. Contudo, imagine que está em um site de
receitas culinárias pesquisando como se faz empadão; no “modo de fazer”, há um
trecho dizendo “abra a massa podre”, e o termo “massa podre” está linkado (que
é o nome dado a termos que possibiltam a abertura de outra página por meio de
um link). Nesse caso, você tem duas opções: se não sabe ou não lembra de como
fazer a tal da massa, pode clicar no termo e abrir uma página específica com as
explicações; se já tem experiência com essa massa, simplesmente ignora esse
passo e segue adiante. Perceba que há certa ordem determinada pelo autor do

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texto, mas dependerá do leitor seguir ou não. Nesse mesmo texto poderiam exisitir
vídeos ou animações com explicações sobre as formas de fazer o empadão, o
que faz com que o texto seja considerado um hipertexto, ou seja, uma forma não
linear de texto.
Os professores de espanhol podem estar se manifestando, afinal, Cortazar
já fez um texto não linear em 1963, muito antes da internet: Rayuela. Sim, essa
obra de Júlio Cortazar pode ser lida de diferentes formas, inclusive sugeridas pelo
autor; no entanto, com as tecnologias digitais, o conceito é ainda mais amplo que
a belíssima proposta do autor.
O hipertexto apoiado pela hipermídia possibilita a inclusão de sons,
imagens, vídeos e, principalmente, com a web 2.0, passou a abrir espaço para a
contribuição do leitor, o que no texto impresso não é possível. É exatamente com
essa possibilidade que trabalharemos.
Quer saber mais sobre o assunto? Então me acompanhe!

TEMA 1 – HIPERTEXTO E INTERAÇÃO

Aproximamos dois termos que podem não ter uma relação tão óbvia se
observados pela primeira vez, mas que, veremos, têm uma profunda e necessária
relação. Já vimos o que entenderemos como hipertexto nesta aula – trata-se de
um texto não linear composto de diferentes recursos de multimídia; por isso,
trataremos dos textos específicos para o meio digital. Como exemplo, temos
Gomes (2011) da área da linguística, que defende a ideia de um hipertexto que
exitiria apenas no meio virtual. Acompanhe o que ele apresenta sobre o tema:

O hipertexto pode ser entendido como um texto exclusivamente virtual


que possui como elemento central a presença de links. Esses links, que
podem ser palavras, imagens, ícones etc., remetem o leitor a outros
textos, permitindo percursos diferentes de leitura e de construção de
sentidos a partir do que for acessado e, consequentemente, pressupõe
certa autonomia de escolha dos textos a serem alcançados através dos
links. É um texto que se atualiza ou se realiza, se concretiza, quando
clicado, isto é, quando percorrido pela seleção de links. (Gomes, 2011,
p. 15)

Castells (2003) problematiza a questão do hipertexto argumentando que as


visões dos autores têm sido muito materialistas para o termo, ao passo que cada
leitor individualmente teria o seu próprio hipertexto. Ele continua seu
posicionamento da seguinte forma: “Assim, por causa da internet, e apesar da
multimídia, temos de fato um hipertexto: não o hipertexto, mas meu hipertexto,
seu hipertexto e o hipertexto de todos os demais. Por enquanto, porém, esses
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hipertextos, são limitados, porque a largura da banda e o acesso são limitados”
(Castells, 2003, p. 166).
Embora seja completamente coerente o que Castells apresenta, podemos
nos apoiar em outros estudos que tratam da materialidade desse texto para além
dessa limitação.

Para cada uma das grandes modalidades do signo, texto alfabético,


música ou imagem, a cibercultura faz emergir uma nova forma ou
maneira de agir. O texto dobra-se, redobra-se, divide-se e volta a colar-
se pelas pontas e fragmentos: transmuta-se em hipertextos e os
hipertextos conectam-se para formar o plano hipertextual
indefinidamente aberto e móvel da web. (Lévy, 2010, p. 151-152)

Para concluir essa definição do objeto de estudo da aula, citarei um autor


da área da comunicação que estuda amplamente a interatividade. Alex Primo
elabora uma discussão muito interessante sobre o hipertexto e apresenta três de
seus tipos possíveis segundo seus estudos (adaptado de Primo, 2003, p. 9-13).

 Hipertexto potencial: neste tipo de hipertexto, os caminhos e movimentos


possíveis estão pré-definidos e não abrem espaço para o interagente
visitante incluir seus próprios textos e imagens.
 Hipertexto colaborativo: aqueles que se cadastram no site e modificam
as imagens produzidas anteriormente por outro artista envolvem-se em um
hipertexto. A colaboração constitui-se uma colagem, sem discussões
durante o processo criativo.
 Hipertexto cooperativo: oferece possibilidades de criação coletiva, mas
chama por uma discussão contínua que modifica o produto à medida que
é desenvolvido. Diferentemente da colagem colaborativa, o hipertexto
cooperativo depende do debate.

Diante disso, perceba que nessa classificação o hipertexto cooperativo é


aquele que permite a contribuição do leitor – e quero tratar mais especificamente
sobre esse assunto com você!
Além de ser uma linguagem híbrida de características peculiares, o
hipertexto também é uma oportunidade de trabalho com textos coletivos, afinal,
ao abrir caixas de diálogo no texto, possibilita-se a contribuição de mais leitores,
fundindo seus papéis com os autores e coautores desse mesmo texto. Portanto,
o hipertexto exige mais do leitor, que precisa decifrar mais que palavras – o que
deve ser tema das aulas de línguas, mas também é fonte de construção, de
produção e de trabalho cooperativo entre os estudantes. Essa possibilidade de

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contribuição é o que faz do hipertexto algo interativo, podendo ser mais ou menos
interativo de acordo com a classificação que apresentamos anteriormente, isto é,
caso seja um hipertexto potencial, apenas estarão disponíveis caminhos pelos
quais o leitor vai seguir já definidos pelos autor, ao passo que o hipertexto
colaborativo aumenta a interatividade quando recebe de vários autores as
contribuições, embora não haja a construção coletiva do texto, que será o próximo
nível do hipertexto cooperativo.
Diante disso, o hipertexto cabe nas aulas de línguas tanto como um recurso
para a construção de textos cooperativos como um dos conteúdos a serem
tratados nas reflexões com os estudantes. E você? Como abordaria essa
temática?

TEMA 2 – TEXTO E HIPERTEXTO NA PRÁTICA

Como trabalhar com os hipertextos na prática? Claro que não há uma única
forma de fazer isso, mas podemos discutir e verificar algumas pistas para o
encaminhamento dessa atividade.
Vamos falar sobre algumas características do hipertexto que você poderá
trabalhar com seus alunos na análise dessa linguagem e, especialmente, no
planejamento dessa produção.

 Não linearidade – Como já vimos, o hipertexto tem uma característica não


linear, o que pode ser vantajoso, já que faz do texto mais interessante e dá
liberdade para o leitor escolher o caminho a ser percorrido, mas ao mesmo
tempo pode deixar o leitor inexperiente perdido, portanto, é preciso sempre
apresentar para o leitor como será a trajetória e as opções que encontrará
pelo caminho.
 Nossa fala é hipertextual – Você já percebeu que, quando conta uma
história para um grupo de amigos, ou mesmo na apresentação de um novo
assunto nas suas aulas, abre vários links para explicar certas partes da
história, ora descrevendo alguém, ora um local ou algum acontecimento
paralelo ao momento relatado? Nossa fala é bastante hipertextual, o que
faz do hipertexto digital mais interessante ainda, pois, se bem construído,
cria uma estrutura nada monótona de texto e bastante intuitiva, já que, na
oralidade, é bem explorada.

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 Suporte multimídia – Sabe quando escrevemos um texto para explicar
alguma situação, mas somente por escrito parece não ser o suficiente?
Parece que teríamos de ligar para a pessoa ou explicar pessoalmente. Pois
é, o grande suporte do hipertexto é a hipermídia, que permite a inclusão de
qualquer recurso, ou seja, se faltaram argumentos por escrito, criamos um
vídeo, gravamos um áudio e, com isso, tornamos o conteúdo mais
compreensível e interessante também.
 Autoria coletiva – O hipertexto não só apresenta links ou os chamados
“nós” para a livre navegação e escolha do leitor, mas também, na web 2.0,
permite a coautoria, uma vez que cria um espaço para criação coletiva de
textos, como nas wikis, desenvolvidas exatamente para esse fim. Dessa
forma, o texto e a autoria são ressignificados. Xavier (2010, p. 218) ainda
alerta para a morte da autoria, já que o conceito de autor estaria
“obscurecido”.

Portanto, compreendendo essas características principais, convido você a


buscar outras e até mesmo a criar uma listagem delas com os seus alunos. Você
pode propor uma atividade comparativa com o texto impresso e pedir que os
estudantes investiguem o hipertexto e apresentem as “regras” que compõem sua
construção. Também podem trabalhar na construção coletiva de textos em
formato de multimídia em língua materna ou estrangeira, despertando, dessa
forma, o interesse dos estudantes

TEMA 3 – OS DESAFIOS DOS HIPERLINKS

Você já sabe o que são os links, mas o que são os chamados hiperlinks?
Trata-se dos nós que, nos hipertextos, levam o leitor a outros caminhos, sejam
eles outros textos ou mesmo imagens, sites, vídeos ou outros recursos. Assim,
hiperlinks podem ser considerados sinônimos de links. O problema é que o uso
desses hiperlinks pode trazer alguns desafios. Vamos analisar com calma a
principal acusação do senso comum aos hipertextos: “O leitor se perderá na
leitura”. Será?
Analise as figuras a seguir.

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Figura 1 – Estilos de texto

Fonte: Disponível em: <http://ldc.usb.ve/~abianc/hipertexto.html>.

Repare que o primeiro modelo, intitulado “estilo sequencial”, trata do


formato do livro como o conhecemos, página atrás de página. Já o estilo reticulado
e o hierárquico são formatos que, embora ainda sejam sequenciais, apresentam
conexões entre textos e possibilidades de leitura em outros sentidos –
encontramos livros assim ou até algumas revistas digitais nesses formatos. O
último estilo, no entanto, é o hipertexto, no qual há amplas ligações entre os
temas. Veja que as páginas se unem em diferentes direções, o que significa que
algumas delas podem ser acessadas por diversas outras páginas, e não somente
uma delas. Será que esse seria um fator determinante para o leitor se perder?
Já foram realizadas pesquisas em torno dessa problemática. Cito duas
considerações interessantes sobre essa afirmação quanto ao hipertexto que
considero chaves para compreender o seu uso:

1. Se o leitor tiver conhecimento da “gramática digital” por trás desse


hipertexto, não terá grandes dificuldades, pelo contrário, terá à sua
disposição um texto recheado de conteúdo, conexões e respostas para
suas perguntas (Riberio, 2016, p. 31).
2. O conhecimento e a linguagem humana têm naturalmente um formato
hipertextual, portanto, após a familiarização desse formato de texto escrito,
seria natural sua apropriação e uso corrente.

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Para finalizar este tema, reproduzo aqui um trecho do texto “Histórias
interactivas: para que la queremos?”, da obra Teoría del hipertexto: la literatura
en la era electrónica, (Aarseth et al., 2006, p. 238) – recomendo a leitura na
íntegra:

Agora chegamos, por fim, a uma questão importante, a que tem nos
perseguido da mesma maneira que me aconteceu quando um membro
de um público para o qual eu estava fazendo uma palestra sobre o
hipertexto me seguiu timidamente até a rua: “Me deu vergonha fazer uma
pergunta tão tonta ali dentro, mas é mais forte que eu. Por que iríamos
querer que as coisas fossem interativas?”. É claro que essa pergunta
formulamos quase todos nós, às vezes com desprezo quando
descobrirmos uma última inovação, alguma invenção desenhada para
permitirmos fazer coisas que sequer nos ocorreu fazer. Provavelmente
ninguém concebia a necessidade de um aparelho telefônico quando as
pessoas poderiam comunicar-se perfeitamente por um sistema de
correios eficiente. [...]

Diante dessas questões, fica claro que não estamos apenas falando de
uma invenção da modernidade, mas de uma realidade que, anos após esse texto,
já se concretiza e, mesmo diante de desafios, representa um potencial que
promete modificar no mínimo os conceitos de materiais didáticos, de aulas e
especialmente do nosso conhecimento sobre os textos.

TEMA 4 – WIKIPÉDIA COMO FERRAMENTA DE ESCRITA COLABORATIVA

A famosa Wikipédia já sofreu muito preconceito. Acusaram-na de pouco


confiável e até mesmo de inútil, mas será que ela é culpada de todos esses
“crimes”?
Se você não a conhece, apresentarei neste momento a Wikipédia, que
pode ser acessada no seguinte link: <https://pt.wikipedia.org/>.
O slogan da Wikipédia é: “A enciclopédia livre que todos podem editar”. O
mais curioso é que o termo “livre” e a expressão “todos podem editar” são
hiperlinks que nos levam à explicação quanto às formas de editar as páginas. O
texto procura encorajar o leitor a ser autor da enciclopédia, mas pede que não
sejam feitos vandalismos na ferramenta. E é justamente esse espaço aberto para
interações que gera as críticas quanto à confiabilidade dos textos contidos nela.
Mas vamos analisar do ponto de vista educativo: Seria mesmo um
problema?
Eu chamaria de excelente oportunidade! Acompanhe-me! Imagine um
trabalho de pesquisa no qual os estudantes poderiam fazer a escolha de uma
página da Wikipédia e, em seguida, buscariam em fontes confiáveis (científicas)

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a confirmação das informações desse espaço ou, ainda melhor, poderiam fazer
um trabalho de complementação da informação citando as fontes confiáveis para
dar crédito àquela página trabalhada?
Vamos imaginar como isso pode contribuir nas aulas de línguas. É uma
língua estrangeira? A Wikipédia está disponível em diversos idiomas, portanto, as
mesmas atividades podem e devem acontecer em idioma estrangeiro. Você vai
notar que é possível fazer centenas de links em um só texto referenciando outras
páginas da própria Wikipédia ou de outras páginas.
E a autoria da página, como fica?
Como já vimos, a autoria da Wikipédia é coletiva e, nesta era digital, fica
difícil continuar pensando em autorias únicas ou ideias com propriedades de um
único indivíduo. É justamente a coautoria da Wikipédia que chama mais a atenção
para o seu uso.
Alguns AVAs, também chamamos de LMS (Learning Management
System)1, possuem recursos intitulados de “Wiki” em seus ambientes. São
ferramentas como os fóruns, chats ou bibliotecas, mas com o objetivo de
comportar propostas de textos construídos coletivamente entre alunos. Já
vivenciei pessoalmente alguns usos desse recurso e os resultados foram
animadores.
Um deles foi o trabalho de criação de um glossário da disciplina. Como se
tratava de tecnologia na educação, vários termos foram sendo utilizados e
propusemos a construção coletiva desse glossário. O interessante era verificar
que alguns termos já criados foram recebendo melhorias em sua descrição,
chegando a um conceito muito bem construído. Arrisco até dizer que não seria tão
perfeito caso fosse desenvolvido por uma só pessoa.
Outro exemplo do uso de Wiki no processo educativo se deu em uma
disciplina de metodologia científica na qual propusemos a criação de um texto
coletivo em formato de resenha sobre um dos textos trabalhados. Essa proposta
foi mais desafiadora, afinal, demandava a interpretação do texto, mas foi nessa
dificuldade que veio a melhor parte. Como as dúvidas surgiam na elaboração do
texto, isso gerou bastante debate, o que enriqueceu mais ainda a resenha
desenvolvida.

1Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Learning_Management_System>. Acesso em: 13


abr. 2018.
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Como você pôde verificar, há inúmeros usos para essa concepção de texto
coletivo. Pode ser na própria Wikipédia, em outra wikis ou não. Até mesmo um
arquivo eletrônico com liberação de acessos simultâneos pode ser recurso para
esse formato de aula. O importante é dar a vez para a ação discente, sem a qual
o processo ensino-aprendizagem ficará sem significado para o estudante.

TEMA 5 – A LINGUAGEM DA INTERNET E O ENSINO DE LÍNGUAS

Vimos que estamos diante de muito mais do que novos recursos


tecnológicos. Há uma mudança na linguagem humana que encontra nas
tecnologias digitais novas formas de existência. A comunicação tem a
possibilidade de ampliação dos discursos que, de forma ágil, se fundem entre
diferentes autores e seus pontos de vista. Com isso, não só o léxico ganha novas
nuanças, mas a própria composição dos textos passa por mutações, nas quais
são inseridas imagens, animações, vídeos, áudios – e até a linguagem de games
passa a fazer parte dessa estrutura.
Durante muito tempo as aulas de língua portuguesa tinham como único
objetivo o ensino da norma culta padrão. Utilizava-se a gramática normativa, que
é descritiva, pautada na gramática do português europeu, e até mesmo a
oralidade era trabalhada com base nesses critérios.
Hoje, entendemos a língua escrita como representação da linguagem, sem
descartar as regras da escrita; entendemos que a língua é mutável, portanto, fica
mais fácil compreender que a era tecnológica também representa mudanças na
língua, das quais precisamos nos apropriar e trazer para a discussão em sala de
aula. Ainda assim, você já deve ter questionado o uso de certos estrangeirismos
que a internet trouxe para a nossa língua ou já deve ter se deparado com um texto
produzido por seus alunos cheio de abreviações próprias das redes sociais, não
é mesmo? Será que tudo isso representa uma perda irreparável?
Já vivemos outros momentos em que modismos fizeram parte da língua,
mas você sabe que esse não é um evento restrito da língua portuguesa, não é
mesmo? Precisamos trabalhar com essa linguagem, seu vocabulário, ícones e
abreviações a nosso favor. Mas como fazemos isso?
Coloque seu aluno como protagonista nesse desafio e certamente colherá
bons frutos dessa escolha. Uma ideia seria identificar com os alunos esses
neologismos e buscar opções para eles; além disso, vale a pena conhecer outras
palavras que já foram empréstimos linguísticos e que hoje fazem parte da língua.

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É importante ressaltar que os termos que emprestamos, atualmente quase
sempre do inglês, podem não ter o mesmo sentido que seu uso na língua de
origem. Caso você seja professor de língua estrangeira, será interessante um
trabalho específico sobre essas mudanças de sentido. Você pode ainda estar
sentindo certa angústia quanto ao uso da linguagem abreviada nos textos dos
seus alunos, mas essa é a parte mais desafiadora e ao mesmo tempo instigante
do tema. Ao constatarem juntos que há um léxico específico desse gênero textual,
os alunos passarão a diferenciar a escrita de um trabalho escolar/acadêmico da
escrita dos meios digitais. Também verificarão a diferença que há entre distintos
meios e a linguagem da internet, pois já existem estudos demonstrando a
vulgarização ou banalização de vocábulos com a difusão da informática. Nesse
trabalho, seja com o vocabulário, seja com as multimídias, é sempre interessante
promover a ampla exploração desses recursos e deixar o espaço educativo aberto
para reflexões e questionamentos.
Em qualquer etapa da Educação Básica, ou mesmo no Ensino Superior,
nossos alunos são capazes de perceber as mudanças e refletir sobre elas; no
entanto, é fundamental que as aulas sejam sempre bem planejadas e com
objetivos definidos, o que não quer dizer que ao longo do percurso não possam
se modificar. Elas devem ter um “norte”, um destino a chegar por meio da
construção do conhecimento. A palavra-chave é ousadia! Portanto, ouse fazer
uma aula diferente, e depois me conte como foi o resultado. Quero saber!

FINALIZANDO

Nesta aula, aprofundamos o conceito de hipertexto, listamos suas


características e verificamos quais são suas aplicações nas aulas de língua.
Discutimos a relação do hipertexto com a interatividade e como a polêmica
Wikipédia ou seus recursos podem apoiar nossas aulas nessa construção
hipertextual.
Debatemos as dificuldades que podem surgir na leitura e interpretação dos
hipertextos e verificamos que as principais pesquisas sobre a temática rechaçam
essa visão. Também trabalhamos com o conceito de autoria e vimos que, no
processo de autoria coletiva, a própria concepção de autoria que conhecemos se
modifica significativamente.
Verificamos algumas práticas possíveis e necessárias para trabalhar com
essa temática e fechamos nossa conversa discutindo o surgimento de uma nova

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linguagem com as tecnologias digitais; procuramos esclarecer alguns mitos que
rondam nossas aulas de línguas e estudamos algumas estratégias para que as
mudanças favoreçam as nossas aulas, tornando-as mais interessantes para os
estudantes em cada momento histórico. Não podemos parar no tempo, não é
mesmo?
Espero que tenha sido proveitosa essa trajetória e que você esteja
motivado(a) a inovar mais um pouco nas suas aulas, fazendo das tecnologias
digitais suas novas aliadas. Até breve!

LEITURA COMPLEMENTAR

Texto de abordagem teórica

Leia esta entrevista com LiAnna Davis, diretora de programas da Wiki Education
Foundation, sobre o uso dessa ferramenta no processo de ensino e
aprendizagem.

PAIVA, T. A Wikipedia é uma ferramenta de ensino eficaz? Carta Educação, São


Paulo, 15 mar. 2017. Disponível em:
<http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/a-wikipedia-e-uma-ferramenta-de-
ensino-eficaz>. Acesso: 10 abr. 2018.

Texto de abordagem prática

Este artigo apresenta resultados de uma investigação sobre o uso de hipertextos


nas aulas de língua portuguesa. Vale a pena conferir:

CAPELOCI, E. M. P.; GARCIA, D. M. de N. A retextualização digital nas aulas


de língua portuguesa: a utilização de hipertextos na escola. In:
INTERNATIONAL CONGRESS OF CRITICAL APPLIED LINGUISTICS, 2015,
Brasília. Disponível em:
<http://www.uel.br/projetos/iccal/pages/arquivos/ANAIS/PRATICA(S)/A%20RET
EXTUALIZACAO%20DIGITAL%20NAS%20AULAS%20DE%20LINGUA%20PO
RTUGUESA%20A%20UTILIZACAO%20DE%20HIPERTEXTOS%20NA%20ESC
OLA.pdf>. Acesso: 10 abr. 2018.

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REFERÊNCIAS

AAERSETH, E. et al. Teoría del hipertexto: la literatura en la era electrónica.


Madrid: Arco Lbros, 2006.

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2012.

MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais. 3. ed. São


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PIAGET, J. Pedagogia. Lisboa: Instituto Jean Piaget, 1998.

PRIMO, A. Quão interativo é o hipertexto? Da interface potencial à escrita coletiva.


Fronteiras: Estudos Midiáticos, São Leopoldo, v. 5, n. 2, p. 125-142, 2003.

_____. Interação mediada por computador: a comunicação e a educação a


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PINTO, A. C. A formação de professores para a modalidade de Educação a


Distância: por uma criação e autoria coletiva. Tese (Doutorado em Educação).
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_____. SANTOS, C. N. Produção de materiais didáticos e suas implicações


na formação dos sujeitos pedagógicos. In: COSTA, M. L. F (Org.). Educação a
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_____. (Org.) Educação online. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.

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