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PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE: ORIGEM, ELEMENTOS E


DISTINÇÕES

INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como escopo abordar a proporcionalidade e a


razoabilidade, postulados do Estado Democrático de Direito, enfatizando seus
aspectos históricos e procedimentais, sobretudo como forma de acentuar as
distinções e semelhanças entre eles.

Para conquistar este intento, primeiramente far-se-á abordagem do


princípio da proporcionalidade no Tribunal Constitucional Federal Alemão,
utilizando como exemplo os dois leading case da Corte da década de 50 do
século passado. Posteriormente, proceder-se-á ao estudo e análise do modelo
estruturado e sistematizado por Robert Alexy no livro Teoria dos Direitos
Fundamentais, uma vez que, se mostra crucial para melhor se elucidar as
submáximas da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Por fim, far-se-á um contraponto com o modelo da razoabilidade do direito Anglo-
Saxão o qual possui como pressuposto o devido processo legal em seu aspecto
substancial.

A proporcionalidade tal como hodiernamente a concebemos surgiu no


Direito Administrativo daquilo que se denominava controle dos atos Estatais.
Consoante Barros, o postulado ora em análise decorreu da necessidade de se
controlar os atos do poder de polícia do administrador quanto aos fins que se
propunham e os meios utilizados para atingir estes fins. Ele é, portanto, uma
consequência do Estado Democrático de Direito, uma vez que, possui como
escopo investigar a compatibilidade dos atos estatais com a legalidade.

Na Alemanha pós-Guerra, a proporcionalidade após ser amplamente


aplicada no Direito administrativo galgou o posto de princípio constitucional por
meio do qual o Tribunal Constitucional Federal Alemão resolvia a colisão entre
direitos fundamentais. Nesta Corte, o princípio da proporcionalidade atrelado à
ponderação de valores, tornou-se um postulado mediante o qual se analisava a
racional escolha dos meios e fins utilizados pelo órgão estatal para intervir num

Discente: Daine dos Santos


Orientador: Saulo Casali Bahia
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direito fundamental. Para realizar este teste, a Corte se valia de três etapas, que
posteriormente, Alexy sistematizou denominando-as de adequação (juízo de
admissibilidade dos meios); necessidade (juízo de probabilidade) e
proporcionalidade em sentido estrito (juízo de otimização). Estas três
submáximas seriam capazes de garantir que a intervenção estatal não
ultrapassasse o limite do razoável ou do proporcional.

Enquanto a proporcionalidade se assentava com princípio do Estado


Democrático de Direito nos países de tradição Romano-Germânica, a
Razoabilidade também delineava seu percurso no Direito Anglo-Saxão. O
princípio da Razoabilidade, no entanto, diferentemente daquele, não surgiu da
necessidade de controle dos atos do poder de polícia do administrador, mas sim,
da exigência de obediência ao procedimento e a forma para se impor determinado
fazer ou não fazer por parte do ente Estatal.

Em suma, pode-se sustentar que, ambos os princípios ou postulados


nasceram entrelaçados com a noção de que somente o Direito pode impor um
fazer ou não fazer e, qualquer ato deve ser por ele respaldado.

1. A ORIGEM DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO ALEMÃO

Há ao certo, um ponto em consenso, quanto à origem do termo


proporcionalidade no direito administrativo Alemão em meados do século XX. A
proporcionalidade como mecanismo ordenador e orientador da atividade estatal,
sobretudo, quanto à escolha dos meios e fins que irão nortear as decisões do
administrador, nasceu, segundo Barros com o advento do Estado Democrático de
Direito, ou seja, quando se começou a pensar em formas de limitar a atuação
estatal na esfera individual dos cidadãos, como forma de resguardar seu direito
fundamental à liberdade. Por certo, após a implementação do Estado
Democrático de Direito, a voluntas legis substitui a vontade do Monarca ou do
Governante, de sorte a regular todas as atividades estatais com base no princípio
da legalidade ou da legalidade latu senso1. Neste sentido, conforme bem explana

1
SUZANA de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. 37/41
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Barros, a proporcionalidade, tal como hodiernamente a concebemos, advém da


época em que se impunha ao Estado um dever de abstenção; de não intervenção
e de obediência ao que foi estabelecido pela lei.2

Os dados históricos, principalmente aqueles atinentes à origem da


proporcionalidade no direito administrativo Alemão revelam que o atual cânone
hermenêutico3 surgiu na seara administrativa nos atos que exigiam do
administrador a escolha dos meios e fins que utilizariam para a perpetração de
determinada atividade; ou melhor, originou-se naqueles atos que são
hodiernamente denominados de ato discricionários. No caso das farmácias
(BverfGE 7, 377) julgado em 1958 pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão,
típico caso de litígio que versava sobre direito administrativo, o que estava em
questão era a restrição da profissão de farmacêutico frente a proteção da
população do Estado da Baviera. Em outras palavras, este caso, um clássico
exemplo da eficácia vertical dos direitos fundamentais, controvertia-se entre a
prevalência do direito do farmacêutico Karl-Heinz R de exercer livremente sua
profissão e a proteção dos moradores do Estado da Baviera4.

Antes de adentrar ao caso especificamente, tecer-se-ão algumas


considerações sobre a organização judiciária da República Federativa Alemã,
como forma de melhor explicar como este caso galgou a Corte Constitucional do
Tribunal Constitucional Federal Alemão e transformou-se em precedente da
aplicação dos direitos fundamentais nas relações Estado-indivíduo e da
proporcionalidade.

A Alemanha, tal como o Brasil é uma República Federativa. Seu poder


judiciário, com poucas diferenças do brasileiro, também divide-se em justiça
ordinária e especial, e, hierarquicamente, em Estadual e Federal. A justiça
Estadual compõe-se de três níveis: os tribunais distritais; os tribunais de comarca
e os tribunais superiores. Os respectivos tribunais possuem como finalidade
garantir o duplo grau de jurisdição, uma vez que, servem como órgão revisor da
decisão prolatada em primeira instância e, assim, sucessivamente. A competência

2SUZANA de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade


das leis restritivas de direitos fundamentais. 37
3
Idem, ibidem. 41/58
4
DIMITRI Dimoulis; LEONARDO Martins. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 218/229
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para o início da ação nestes tribunais define-se pelo valor da causa ou pela
gravidade do delito, já que eles são responsáveis pelas ações da seara cível e
criminal. A justiça Federal, no mesmo sentido, possui como mais alta corte o
Tribunal Federal (Bundesgerichtshof) cujas funções são similares ao Superior
Tribunal de Justiça do Brasil, ou seja, serve como Corte revisora das decisões
dos Tribunais inferiores, bem como, para uniformizar a jurisprudência a nível
federal.

A justiça Especializada, diversamente da ordinária, divide-se em


trabalhista, social, administrativa e tributária, todas também possuem uma
segunda instância Estadual a qual incumbe a revisão da decisão do Tribunal
Distrital.

Por fim, o órgão máxime do judiciário da República Federativa da


Alemanha é o Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) cujas
funções são equivalentes ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, quais sejam:
resguardar os preceitos básicos protegidos pela Constituição da República, bem
como, exercer o controle dos atos e decisões estatais levando em consideração
sua compatibilidade com os referidos preceitos.5

O caso das farmácias como supra citado, é de crucial relevância para o


presente trabalho, uma vez que, consideram-no um precedente da eficácia
vertical da aplicação dos direitos fundamentais e da aplicação da
proporcionalidade, a partir daquilo que se denominava no Tribunal Constitucional
Federal Alemão de Ponderação de valores. Nele, o que se discutia era a possível
restrição da profissão de farmacêutico pelo Estado da Baviera mediante a
exigência de requisitos subjetivos e objetivos os quais possuíam como escopo a
proteção dos habitantes locais, frente ao fato de que a profissão de farmacêutico
implicava produção dos medicamentos sob a supervisão dos médicos, livre de
dolo, de forma artesanal de acordo ao pedido da população. Asseverava-se,
outrossim, que referida profissão deveria estar em consonância com contingente

5
O controle de constitucionalidade na Alemanha é concentrado, ou seja, a única corte competente
para declarar a inconstitucionalidade de uma lei é o TFC. Todo juiz tem a obrigação de verificar a
constitucionalidade da norma, mas ele só pode negar aplicação à mesma, se o TFC já se
pronunciou negativamente sobre a sua constitucionalidade. Dante BrazLimongi; Diogo Modesto P.
D. Pereira e Diogo Njaine Borges. Breve estudo sobre a estrutura constitucional alemã, o
federalismo no país e sua última reforma.p. 70
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habitacional da localidade, uma vez que, se a quantidade de farmácia por número


da habitante fosse desproporcional poderia colocar em risco a base econômica
dos outros profissionais. Com efeito, foi por tais motivos, que o Setor
administrativo da Alta Baviera indeferiu o pedido Karl-Heinz R.

A resolução do litígio, que posteriormente, galgaria a esfera Constitucional


por ofensa ao art. 12 I do G G, transcorreu no sentido de que o direito
fundamental de liberdade de profissão não se subporia à Lei de Setor
Farmacêutico da Baviera, de sorte que, poder-se-ia limitar o direito fundamental
da liberdade de profissão em nome do interesse público. O Acórdão da Suprema
Corte Alemã, em sentido contrário - e após impugnação da parte mediante
Reclamação Constitucional, na qual se alegava que a Lei do Setor Farmacêutico
só poderia vigorar naquela situação se os requisitos objetivos e subjetivos fossem
adequados, necessários e proporcionais - acolheu a nulidade do art. 3 I do
ApothekenG frente ao fato de que referido artigo violava o direito fundamental de
liberdade de profissão consignado na Constituição da Alemanha.

Para prolatar a decisão ora em análise, o Tribunal Constitucional Federal


Alemão, preliminarmente distinguiu a liberdade de exercício da profissão e a
liberdade de escolha da profissão. A liberdade de exercício da profissão poderia
ser objeto de restrição, ou melhor, de limitação uma vez que já pressupunha a
inserção do indivíduo como profissional no seio social. Por outro lado, a liberdade
de escolha da profissão, isto é, o poder de decidir qual profissão irá seguir é um
direito fundamental assegurado pela Lei Fundamental Alemã que não pode ser
restringido. Este primeiro passo foi crucial para o deslinde da questão. Em
seguida, a Corte Alemã passou a análise dos pressupostos objetivos e subjetivos
exigidos pela Lei Bávara, utilizando, para tanto, a proporcionalidade como
mecanismo aferidor da racional escolha dos meios e dos fins aos quais se
destinavam a restrição do exercício da profissão de farmacêutico.

Com efeito, ressalta-se, para fins meramente didáticos, que esta decisão
do ponto de vista da dogmática da aplicação da proporcionalidade, é uma das
primeiras, senão a primeira, em que se delimitam claramente os aspectos que
atualmente concebemos como subprincípio ou submáximas da adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. É exatamente por este
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motivo, que se optou por utilizá-la. Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional


Federal, entendeu que os requisitos subjetivos exigidos pela Lei da Baviera, quais
sejam: confiabilidade e aptidão para o exercício da profissão de farmacêutico
deveria ser aferido pela adequação, ou seja, far-se-ia uma análise de se o
pressuposto exigido seria adequado naquela circunstância. Em outras palavras,
dever-se-ia perscrutar se para o exercício da atividade de farmacêutico, qual seja,
a produção de medicamentos sem dolo e com observância médica, o profissional
deveria ser confiável e possuir aptidão. Como a produção de medicamentos
envolvia os cuidados com a saúde de uma população de quase 8 (oito) mil
habitantes, o profissional que a exercesse deveria no mínimo ser confiável e
saber realizar aquela atividade da melhor forma possível. Sendo assim, por este
caso, percebe-se que os requisitos subjetivos se amoldam de forma satisfatória
ao critério da adequação, sobretudo quando se extrai que do outro lado da
balança está à vida e a saúde da coletividade.

Em segundo plano, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha


debruçou-se sobre os requisitos objetivos, quais sejam: interesse público e a
proteção do mercado farmacêutico da Baviera. Os referidos requisitos, conforme
o pensamento da Corte Alemã por serem difíceis de mensurar os riscos in
concreto, bem como, sua ausência poderia repercutir negativamente na
sociedade, eles deveriam pautar-se por aquilo que era necessário, sobretudo
como forma de evitar que motivos estranhos ao interesse da coletividade
servissem de fundamento para a restrição. Na etapa da necessidade tal como
hodiernamente a concebemos, analisa-se entre os meios adequados; aqueles
capazes de alcançar os fins as quais se propõem qual deles será menos gravoso
para se atingir o fim almejado. Desta forma, nesta etapa os meios mais gravosos
seriam eliminados em detrimento daqueles menos gravosos.

Por fim, o Tribunal Constitucional Alemão ainda perquiriuse dentre


àqueles meios mais gravosos e menos gravosos, não deveriahaver uma escala
hierárquica de graus que pudesse aferir se um determinado meio de grau inferior
era menos gravoso do que um meio de grau superior. Por este último, pode-se
conceber aquilo que ALEXY chama de proporcionalidade em sentido estrito, isto
é, a razoável escolha dos meios e fins em face das possibilidades jurídicas.

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O segundo caso tão relevante quanto o primeiro para o presente trabalho,


sobretudo por ser um precedente da aplicação dos direitos fundamentais na
relação indivíduo versus indivíduo é o denominado Acórdão do caso LÜTH
julgado também em 1958 pela Corte Suprema Alemã. A escolha deste caso se
justifica porque nele o Tribunal Constitucional Federal analisou os motivos e a
finalidade do ato praticado pelo cidadão LÜTH com vista a ponderar em concreto
qual bem jurídico deveria prevalecer, se a liberdade de profissão ou o direito
fundamental à liberdade de expressão. Desta forma, desprezar-se-ão às questões
atinentes a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e sua função de ordem
axiológica de valores dotada de efeitos irradiantes.

No caso LÜTH, diferente do caso das farmácias, o Tribunal Constitucional


Federal Alemão não se debruçou especificamente sobre as máximas e
submáximas da proporcionalidade, restringindo sua atuação, meramente, a
análise dos motivos e finalidades que ensejaram a conduta da parte ré. Na
Reclamação Constitucional a tensão entre o direito fundamental à liberdade de
expressão e o direito ao livre exercício da atividade estavam em choque porque o
cidadão LÜTH se posicionava veementemente contra o retorno de Veit Harlan à
cinematografia Alemã, inclusive incitando o público a boicotar os filmes que por
ele fossem produzidos. Com as duas cartas enviadas ao público, LÜTH
considerava um ato atentatório a dignidade e o respeito do povo da República
Federativa da Alemanha, o retorno de um ex-cineasta da cinematografia nazista,
responsável pela produção e direção de filmes de cunho antissemita.

O Tribunal Constitucional Alemão, portanto, ao se deparar com o referido


imbróglio, entendeu que os direitos em tensão possuíam dignidade Constitucional
e deveriam prevalecer no caso concreto. A diferença residia, no entanto, no fato
de que, o retorno do cineasta Veit Harlan a cinematografia Alemã era de interesse
público e, o povo Alemão possuía legitimidade para impedir que isso
acontecesse. A partir disto, o Tribunal Constitucional Alemão analisou os motivos
e a finalidade que levaram o cidadão LÜTH a praticar um ato visivelmente
ilegítimo e que cerceava o direito de outro indivíduo.

Nesta decisão, portanto, o Tribunal Constitucional Federal realizou um


juízo axiológico entre os motivos que ensejaram a conclamação pública de LÜTH
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conta Veit Harlan e qual a finalidade deste incitamento público ao boicote. Em


outras palavras, aferiu-se meramente se os meios escolhidos equivaliam aos fins
perseguidos e se eles seriam lícitos6. Desta forma, consoante a Corte
Constitucional ao incitar o público ao boicote, LÜTH não perseguia fins ilícitos
nem econômico, apenas se posicionava contra o retorno daquele que, ao seu
entender, feriu a dignidade do povo Alemão. Como bem assevera o Tribunal
Constitucional Federal,

Com certeza não têm, os motivos que levaram o reclamante às


suas expressões, nada de imoral. O reclamante não perseguiu
nenhum interesse de natureza econômica; ele não se encontrava
em uma relação de concorrência nem com as sociedades
cinematográficas, nem com Harlan.
[...]
O objetivo das expressões do reclamante foi, como ele mesmo
afirma, impedir que Harlan se firmasse como representante
significativo da cinematografia alemã; ele queria impedir que
Harlan fosse de novo apresentado como criador de filmes
alemães e que isso surgisse a impressão de que um novo
crescimento da cinematografia alemã tivesse que ser
necessariamente ligada à pessoa de Harlan.7
Em suma, nos dois Acórdãos objeto de análise, julgados pelo Tribunal
Constitucional Federal Alemão tem-se o nascedouro do que hodiernamente
concebemoscomo proporcionalidade e suas submáximas ou subetapas da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

2. A PROPORCIONALIDADE POR ROBERT ALEXY

Além dos casos supra citados compõe também a dogmática da tradição


do postulado da proporcionalidade na Alemanha, os trabalhos de Robert Alexy,
em seus dois livros: Teoria dos Direitos Fundamentais (1984) e Teoria da
Argumentação Jurídica (1976). O livro Teoria dos Direitos Fundamentais, tese de
habilitação no pós-doutorado do autor, surgiu em decorrência de seus estudos

6
Para a solução da questão de se saber se a convocação ao boicote segundo esses critérios é
imoral [..] faz-se necessário verificar os motivos, o objetivo e a finalidade das expressões. Além
disto, deve-se examinar se o reclamante, na busca de seus objetivos, não ultrapassou a medida
necessária e adequada do comprometimento dos interesses de Harlan e das sociedades
cinematográficas. SCHWABE, Jürgen. Cinqüenta anos da jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão. p.393
7
Idem, ibidem.p.394
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das Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Neste livro, Alexy


sistematizou do ponto de vista analítico, estrutural e normativo o que a Corte
Constitucional concebia como direitos fundamentais e quais as formas de
resolução de seus conflitos. A partir disto, Alexy concluiu que os direitos
fundamentais são cláusulas gerais de cunho principiológico que deve ser
otimizado no caso concreto mediante a ponderação.

A ponderação na Corte Constitucional Alemã surgiu, portanto, daquilo que


se denominava cláusulas abertas ou conceitos jurídicos indeterminados, os quais
permitiam a inserção de juízo axiológico pelo intérprete-aplicador no caso
concreto e por conta disto denominava-se Ponderação de Valores. Por esta
forma, conferia-se aos bens jurídicos envolvidos um determinado valor o qual
seria objeto de ponderação no caso concreto, prevalecendo aquele considerado
de maior relevância ou de maior hierarquia.

Com efeito, foi da ponderação de valores que Robert Alexy desenvolveu


seu modelo de regras e princípios que posteriormente receberia a alcunha de
sopesamento de princípios. Este, diferentemente, daquele pressupõe o conflito de
dois princípios, ou melhor de duas normas, que iriam passar pelo subtestes da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito por meio do qual
somente prevaleceria aquele de maior hierarquia ou que fosse conferido maior
peso.

Consoante Alexy, o modelo de regras e princípios é imprescindível para


que entendam o seu trabalho, pois deste modelo é que se extrai a
proporcionalidade. Em outras palavras, conforme o pensamento do autor, a
proporcionalidade e suas subetapas decorrem da natureza dos princípios,
e este, daqueles. Os princípios possuem, portanto, natureza de
mandamento de otimização que devem ser realizados na melhor medida
possível, diferentemente das regras que são hipóteses normativas
aplicadas na base do tudo ou nada.

Alexy, no livro teoria dos direitos fundamentais, ainda tece algumas


considerações atinentes às distinções entre regras e princípios. Para tanto, o
autor refuta algumas teses de que essas diferenças residiriam na generalidade,
abstração ou imperatividade. Com efeito, sublinha, que estas duas espécies do
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gênero norma distinguem-se pelo distinto caráter prima facie, uma vez que, os
princípios aplicam-se pela ponderação e a regra na base do tudo ou nada.

O que se analisará, neste momento, é como ocorre, ou melhor, qual o


procedimento para se aferir qual o princípio a partir da Lei do sopesamento irá
prevalecer. Para tanto, antes de adentrar a proporcionalidade em si, iremos tratar
daquilo que Alexy denomina de condição de precedência condicionada. Para o
autor, quando dois princípios estão em colisão, um dos dois possuirá peso maior
no caso concreto e por isto, prevalecerá. Diante disto, a condição de precedência
será definida, portanto, pela força do princípio em tensão em dada circunstâncias.

Para explicar a condição de precedência condicionada, Alexy se vale do


exemplo do caso dos soldados da cidade de Lebach, um vilarejo da República
Federativa da Alemanha. Segundo consta, um determinado canal televisivo
Alemão pretendia apresentar um documentário sobre o assassinato dos soldados
de Lebach no dia anterior em que um dos envolvidos seria libertado.8A questão
versava, portanto, no direito que este indivíduo possuía de não ver mais sua
imagem vinculada àquela chacina, sobretudo porque isso dificultaria sua
ressocialização.

Com efeito, estavam em conflito a liberdade de informação por


radiodifusão e o direito à personalidade, ambos protegidos pela Constituição
Alemã. Neste caso, o Tribunal Constitucional Federal Alemão entendeu que os
bens jurídicos envolvidos e em colisão possuíam precedência condicionado um
em face do outro sobre determinadas condições. O que deveria investigar, no
entanto, era, qual a relevância de um documentário sobre um grave crime que já
não se revestia de interesse atual. Em outras palavras, inobstante, a liberdade de
informação, por vezes, se sobrepor sobre os direitos da personalidade, ainda
mais quando se envolviainteresse público, naquela circunstância específica ele
não poderia prevalecer, uma vez que, não se revestia de cunho atual.

Por esta decisão, Alexy sublinha que o Tribunal Constitucional Federal


Alemão concluiu no sentido de que,

8
SCHWABE, Jürgen. Cinqüenta anos da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão.
BVerfGE 35, 202 p. 486.
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“no caso da repetição do noticiário televisivo sobre um grave crime


não mais, revestido de interesse atual pela informação, que coloca
em risco a ‘ressocialização do autor’ (C²), a proteção da
personalidade (P¹) tem precedência sobre a liberdade de
informação (P²) o que, no caso em questão, significa a proibição
de veiculação da notícia.”9
Em suma, a esta conclusão, segundo o autor, denomina-se norma de
direito fundamental atribuída, uma norma, que não está formalmente escrita na
Constituição, mas que a partir do sopesamento do caso concreto, pode-se a ela
atribuir. A norma de direito fundamental atribuída é, portanto, uma regra que
decorre da obediência ao procedimento do sopesamento de princípios em
conflitos e será como uma regra ao caso subsumida.

Consoante Alexy, a proporcionalidade e suas submáximas decorrem da


natureza dos princípios como mandamento de otimização em face das
possibilidades fáticas e jurídicas. Nas etapas da adequação e necessidade há um
juízo de axiológico nas questões atinentes às possibilidades fáticas que o caso
apresenta; a proporcionalidade em sentido estrito, por outro lado, o sopesamento
ocorre entre às possibilidades jurídicas. Em outras palavras, as etapas da
idoneidade e da exigibilidade o debate ocorre no mundo extrajurídico, naquilo que
faticamente pode resolver o caso; doutro modo, na terceira etapa, trabalha-se a
resolução a partir da perspectiva do direito; daquilo que juridicamente satisfaz ou
não.

A etapa da adequação também denominada de idoneidade, o juízo


axiológico recai sobre os meios existentes e sua viabilidade para a resolução do
conflito. Como bem sintetiza Alexy, o meio escolhido deve ser capaz de uma vez
empregado, atingir o objetivo proposto. Para o autor, a finalidade da etapa da
idoneidade seria eliminar aqueles meios incapazes de alcançar o fim almejado.

Consoante Barros, a pergunta cabível, neste subteste é aquela segundo a


qual se questiona, se o meio, uma vez empregado, seria suficiente para atingir o
fim almejado10. Como bem explana Alexy, não se quer com isso escolher aquele
meio que melhor satisfaça o fim aos quais se propõem, mas sim estabelecer,
como uma espécie de ordem moldura aquilo que seria adequado. Como exemplo,
9
Robert Alexy. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 102
10
SUZANA de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. p. 78
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utiliza-se o caso das farmácias, exaustivamente, vergastado neste trabalho, por


meio do qual, o Tribunal Constitucional Federal Alemão considerou adequado a
exigência de requisitos subjetivos – confiança e aptidão – para o exercício da
profissão de farmacêutico, uma vez que, sua produção pressupõe o manejo de
produtos e ervas perigosos e que se destinam à população local. Desta forma, por
certo, seria exigível que o profissional que a exercesse possuísse aptidão para
tanto e gozasse da confiança dos habitantes da Baviera.

O segundo subteste, o da necessidade, a investigação também recai sob


às premissas fáticas, porém diversamente da adequação, nela o que exige é que
dentre aqueles meios considerados adequado a escolha recaía naquele que
intervenha da menor medida possível. Na exigibilidade o paradigma utilizado é o
da eficiência de Pareto, mediante o qual se objetiva o melhor resultado com o
menor custo. Deste modo, se houver duas ou mais medidas capazes de
solucionar a tensão entre princípios e, uma afetar de forma menos intensa o
direito objeto de restrição, esta será a escolhida. Aqui, o caso da farmácia pode
muito bem se amoldar ao presente subteste, uma vez que, nele os requisitos
objetivos – interesse público e a proteção do mercado farmacêutico da Baviera –
deveriam passar pela submáxima da necessidade. Conforme o entendimento da
Corte Constitucional, o interesse público é, por si só, relevante e, em determinada
circunstâncias deve se sobrepor de forma inexorável. No entanto, ele só serve
para limitar outro direito se, de fato, se mostrar necessários ou melhor, se os
motivos aos quais se propõem são realmente, relevantes para a comunidade.

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, o terceiro subteste da


máxima da proporcionalidade, o objeto da investigação recai sobre a proporcional
ou razoável escolha do meio para atingir o fim que se propõe. Enquanto, na
adequação há um juízo de admissibilidade dos meios; na necessidade o juízo é
de eficiência e, o último subteste apenas se atém à equivalência entre o proveito
adquirido e o ônus para conquistá-lo. Em outras palavras, presente está o juízo de
satisfação e afetação do princípio que prevalecerá em face daquele que será
restringido.

Consoante Alexy, a proporcionalidade em sentido estrito se coaduna com


a lei do sopesamento segundo a qual “quanto maior for o grau de não-satisfação
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ou de afetação de um princípio tanto maior terá que ser a importância da


satisfação do outro”. A lei do sopesamento fraciona o processo de otimização em
três passos,

No primeiro é avaliado o grau de não-satisfação ou afetação de


um dos princípios. Depois, em um segundo passo, avalia-se a
importância da satisfação do princípio colidente. Por fim, em um
terceiro passo, deve ser avaliado se a importância da satisfação
do princípio colidente justifica a afetação ou a não-satisfação do
outro princípio11.
Estes passos, seriam avaliadas por uma fórmula matemática a qual Alexy
denomina de fórmula do peso: GPijC=IPiC/WPjC. Com esta fórmula seria possível
aferir in concreto, o peso dos princípios colidentes para definir qual prevaleceria
no caso. Para se proceder ao sopesamento, Alexy constrói uma escala entre leve,
moderada e séria que seria utilizada para delimitar o peso de um determinado
princípio. A partir dela, calcula-se qual a grandeza de cada um deles e o grau de
satisfação e afetação.

Com efeito, mais uma vez, o caso das farmácias se amolda de forma
satisfatória para elucidar o terceiro subteste. Nele, o Tribunal Constitucional
Federal ao submeter a decisão aos subtestes da adequação e da necessidade,
sublinha que, haverá situações em que a escolha do bem jurídico que deverá
prevalecer obedecerá a uma escala de grau, por meio do qual, se investigará se
uma medida igualmente eficaz e necessária é a menos gravosa e, afeta de forma
menos intensa. Doutro modo, haverá situações em que, será preciso recorrer a
fórmula do peso para sopesar o grau de afetação e satisfação de uma medida
considerada necessária.

Para além do modelo de regras e princípios, Alexy desenvolveutambém a


teoria da argumentação jurídica cujo escopo era, através, de bases discursivas
justificar a decisão judicial pelo consenso. Nesta obra, o autor parte da
perspectiva discursiva Habermasiana; do auditório Perelmeniano e da teoria dos
atos de fala de Austin para desenvolver aquilo que ele denominou de regras e
formas de fundamentação ou carga argumentativa por meio da qual se permitiria
justificar uma decisão judicial em consonância com o Estado Democrático de
Direito.

11
Robert Alexy. Teoria dos Direitos Fundamentais.p. 594
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
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3. A RAZOABILIDADE NO DIREITO INGLÊS

A razoabilidade, diversamente, da proporcionalidade surgiu no direito


Anglo-saxão também no século XX cujo início, consoante Morais foi o caso
julgado em 1948 pelo Parlamento Inglês, denominado de Associated Provincial
Picture Houses Ltd. v Wednesbury Corporation [1947] 1. K.B. 223 (U.K)12. Por
meio deste precedente, a Suprema Corte Inglesa enfrentou a razoabilidade das
decisões do Executivo, sobretudo como forma de assegurar o controle do ato pelo
poder judicial quando o excesso não se coadunasse com a Lei.

Com efeito, acrescenta-se, de antemão, que a discussão que se travou


neste precedente do Common Law destoa-se de forma significativa da
proporcionalidade do direito Alemão e até mesmo do détournement de pouvoir
Francês13. No entanto, possuem como características similares o controle dos
atos do poder executivo, sobretudo, aqueles reconhecidamente discricionários e
sua compatibilidade com a lei ou o direito. Não adentrado aos pormenores das
distinções e semelhanças entre proporcionalidade e razoabilidade neste
momento, primeiro, far-se-á abordagem do precedente inglês e suas implicações
no presente trabalho.

O caso da Wednesbury Corporation versava sobre a possibilidade dos


responsáveis por esta corporação de editar atos que excedessem seus poderes
discricionários, bem como, se seria possível revisar tais atos pelo judiciário
quando fossem demasiadamente excessivos. Ocorreu que, a Wednesbury
Corporation editou ato fundamentado no ato de espetáculos aos domingos de
1932, por meio do qual, proibia que menores de 15 anos fossem admitidos nos

12MORAIS, Fausto Santos. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da


aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. p. 126
13No direito Francês o germe da proporcionalidade estaria na doutrina do desvio de poder, a

denominada teoria do détournement de pouvoir por meio da qual se controlava os atos do


administrador via-legalidade. Pelo desvio de poder Francês investigava-se os motivos e as
finalidades dos atos administrativos para se perquirir se eles encontravam-se em consonância
com a legalidade lato sensu. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2003
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espetáculos, independentemente de estarem acompanhadas por um adulto ou


não14.

A associação recorreu deste ato para a autoridade judicial ao argumento


de que a corporação de Wednesbury não possuía competência para impor
nenhuma restrição deste tipo às crianças. Ademais, eles deveriam delimitar as
condições nas quais uma criança poderia assistir a um espetáculo e quando
deveria ser acompanhada por um adulto ou responsável. Ao assim proceder, esta
imposição seria irrazoável seja porque excessiva ou porque a corporação não
possuía arbítrio para tanto.

A discussão na câmara dos Lordes debruçou-se não sobre o conteúdo do


ato em si, uma vez que, consoante o Lorde Greene M. R., a visão de
razoabilidade da corte poderia destoar e muito da autoridade local que expediu a
autorização. Para ele, a questão versava mesmo sobre a possibilidade da
autoridade judiciária rever aquele ato por excesso de poder. Para resolver o
referido imbróglio, ele lançou mão do precedente Harman v. Butt de 1944, no
qual, o Lorde Atkinson, j.,discorreusobre os atos de cinematografia de 1909 que
permitia os espetáculos das segundas aos sábados e o de 1932 que permitia os
espetáculos aos Domingos desde que a autoridade local autorizasse. Nestes dois
atos, portanto, encontravam-se os fundamentos dos poderes do executivo para
emitir ou não uma autorização15.

Conforme o posicionamento do Lorde Greene, M. R., três questões


deveriam ser debatidas naquela situação: a primeira era que se tratava de um ato
do poder executivo e não judicial; segundo, que a autoridade local poderia
extrapolar os limites de seus arbítrios; e terceiro, que não havia recurso cabível

14
No children under the age of 15 years shall be admitted to any entertainment, whether
accompanied by an adult or not (Associated Provincial Picture Houses Ltd. v Wednesbury
Corporation [1947] 1. K.B. 223 (U.K))
15
The authority having power, in any area to which this section extends, to grant licences under the
cinematograph Act, 1909, may, notwithstanding anything in any enactment relating to Sunday
observance, allow places in that area licensed under the said Act to be opened and used on
Sundays for the purpose of cinematograph entertainments subject to such conditions as the
authority think fit to impose…(Associated Provincial Picture Houses Ltd. v Wednesbury Corporation
[1947] 1. K.B. 223 (U.K))
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
16

para aquele ato. Com efeito, o posicionamento dele era, portanto, que a Corte
poderia rever um ato de outra autoridade se ele contrariasse o direito16.

Os advogados da parte defenderam que o ato era irrazoável porque a


autoridade local não possuía competência para delimitar quando e em que
condições as crianças seriam admitidas nos teatros cinematográficos. Para a
corte, portanto, sua atuação restringia-se a analisar se a autoridade local agiu de
forma desrazoável ao emitir aquele ato, e, se naquela circunstância caberia a
autoridade judiciária proferir outra decisão substitutiva em consonância com a
razoabilidade. Em outras palavras, questionava-se, se somente uma autoridade
judicial poderia proferir uma decisão razoável.

Nesse sentido, o objetivo da decisão era perquirir se a autoridade judicial


possuía o poder de interferir naquele ato, ou melhor, de rever aquele ato, não
como uma corte recursal porque incabível, porém como uma autoridade a qual
concerne investigar se um ato violou o direito por ser excesso de poder17.

Frisa-se, que, por esta decisão, não se investigou a razoabilidade a partir


do conteúdo do ato emanado pela autoridade local; não se analisou se, por
exemplo, ele era irrazoável em face de outro ato que violasse menos ou não
excedesse o poder conferido pelo Parlamento. O que estava em xeque, por outro
lado, era o poder que a autoridade judiciária possuía de rever aquele ato, não
como uma corte recursal, mas sim, meramente, por ser ela a detentora do poder
de dizer o que é ou não o direito. Com efeito, nesta decisão há implícita a ideia do

16
The courts can only interfere with an act of an executive authority if it be shown that the authority
have contravened the law. It is for those who assert that the local authority have contravened the
law to establish that proposition. On the face of it, a condition of this kind is perfectly lawful. It is not
to be assumed prima facie that responsible bodies like local authorities will exceed their powers,
and the court, whenever it is alleged that the local authority have contravened the law, must not
substitute itself for the local authority. It is only concerned with seeing whether or not the
proposition is made good. When an executive discretion is entrusted by Parliament to a local
authority, what purports to be an exercise of that discretion can only be challenged in the courts in
a very limited class of case. It must always be remembered that the court is not a court of appeal.
The law recognises certain principles on which the discretion must be exercised, but within the four
corners of those principles, the discretion is an absolute one and cannot be questioned in any court
of law. (Associated Provincial Picture Houses Ltd. v Wednesbury Corporation [1947] 1. K.B. 223
(U.K))
17
In such a case, again, I think the court can interfere. The power of the court to interfere in each
case is not that of an appellate authority to override a decision of the local authority, but is that of a
judicial authority which is concerned, and concerned only, to see whether the local authority have
contravened the law by acting in excess of the powers which Parliament has confided in. .
(Associated Provincial Picture Houses Ltd. v Wednesbury Corporation [1947] 1. K.B. 223 (U.K))
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
17

devido processo legal, ou seja, da noção já presente na Magna Carta Inglesa e na


Declaração dos direitos de que ninguém poderia ser privado de seus direitos
senão em virtude de lei. 18

Consoante Sapag, a razoabilidade surge, exatamente, daquilo que se


denomina devido processo legal substantivo (substantive due process of law). O
devido processo legal como já explicitado estava presente na Carta Magna
Inglesa, na qual se limitou os poderes do Monarca João Sem Terra, impondo a
este o respeito aos direitos e garantias dos cidadãos ingleses frente a atuação da
autoridade do Rei, sobretudo, quanto aos seus bens e sua liberdade. Na Magna
Carta Inglesa, portanto, estava consubstanciado que,

Nenhum homem livre poderá ser detido ou encarcerado ou


privado de seus direitos ou de seus bens, nem proscrito nem
desterrado ou privado de seu status de qualquer outra forma; nem
usaremos a força contra ele; nem deixaremos que outro o faça,
senão em virtude de sentença judicial julgada por seus pares e
conforme a lei do reino19.
No artigo 39 da Magna Carta Inglesa, posteriormente inscrita na
Declaração de Direitos do povo da Virginia, presente estava a noção de que
qualquer restrição ou ameaça a um direito só poderia ocorrer de forma legítima se
decorresse de atuação judicial na qual se respeitasse a forma e se garantisse o
contraditório e a ampla defesa. A partir da cláusula do devido processo legal, seja
na Inglaterra ou nos Estados Unidos da América tornou-se possível investigar a
razoabilidade da atuação Estatal, impondo-se o respeito à forma e ao
procedimento com vistas a garantir àqueles que sofressem ameaça ou restrição
em seu direito, um julgamento por uma corte judicial e em conformidade com a
Lei.

Como bem assevera Sapag, o devido processo legal era uma garantia
processual por meio da qual os atos estatais só seriam válidos se obedecessem a
determinadas regras e procedimentos estabelecidos previamente. No mesmo
sentido, também se destinava a autoridade do Monarca ou do Juiz a quem

18 SUZANA de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de


constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 41
19Art. 39 No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or

outlawed or exiled, or deprived of his standing in any other way, nor will we proceed with force
against him, or send others to do so, except by the lawful judgement of his equals or by the law of
the land.Disponível em: http://www.ushistory.org/documents/magnacarta.htm
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
18

caberia julgar os seus pares com imparcialidade. Em outras palavras, esta


garantia processual possuía como escopo garantir a obediência às regras e a
forma do procedimento judicial e, também, evitar que os monarcas e juízes
prolatassem decisões arbitrárias e em dissonância com o estabelecido por Lei.

No Brasil, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de


1988 consignou em seu artigo 5° inciso LIV que “ninguém ser(i)á privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.Consoante Silva, por
meio da cláusula do devido processo legal deste artigo é que se poderia extrair o
princípio da razoabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, ele
não consta expressamente na Constituição da República.

A razoabilidade no Brasil, malgrado não conste expressamente na


Constituição é amplamente difundido como princípio ou postulado do sistema
democrático de direito por meio do qual também se afere a racional escolha dos
meios e dos fins da atuação Estatal. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo,
utilizou pela primeira vez a razoabilidade no Brasil no caso julgado em 1976 no
Acórdão da Rp n° 930, no qual se discutiu se a regulamentação da profissão de
corretores de imóveis se coadunavaos preceitos de justificação, adequação,
proporcionalidade e restrição que eram, à época, critérios da razoabilidade
legitimadores do poder de polícia20.

Noutra oportunidade, a Corte Constitucional brasileira, já no Acórdão da


ADIN n° 855 de 1993 também conhecido como Caso Paraná, consignou que a
pesagem do botijão de gás na presença do consumidor consubstanciava-se em
ônus excessivo para o fornecedor, de modo que, a Lei de n° 10. 248 de 1993 do
Estado do Paraná seria inconstitucional por ofensa à razoabilidade e a
proporcionalidade.

Como bem se vislumbra destes dois Acórdãos ainda do século passado, o


Supremo Tribunal Federal valia-se dos cânones da proporcionalidade e da
razoabilidade para aferir se a atuação estatal se coadunava com os critérios ora

20
“A regulamentação dessa profissão, portanto, em princípio, já não atende às exigências de
justificação, adequação, proporcionalidade e restrição, que constituem o critério da razoabilidade,
indispensável para legitimar o poder de polícia.”(STF - Rp: 930 DF, Relator: CORDEIRO
GUERRA, Data de Julgamento: 05/05/1976, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 02-09-
1977 PP-05969 EMENT VOL-01068-01 PP-00009)
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
19

em exame. Não só nestas decisões, porém em diversas outras, percebe-se que a


Corte Constitucional Brasileira considera os dois postulados como se fossem
iguais, e confere a ambos, o viés do devido processo legal Norte Americano.

4. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE: DISTINÇÕES

No presente capítulo, o objetivo principal deste trabalho é enfatizar os


aspectos similares e as distinções entre o postulado da razoabilidade e
proporcionalidade. O Supremo Tribunal Federal oportunamente já prolatou
decisão na qual consignou que tanto o princípio da razoabilidade advindo da
cláusula do devido processo legal Anglo-Saxão e o princípio da proporcionalidade
aplicado nas decisões do Tribunal Constitucional Federal Alemão mediante o qual
se analisavam se os meios eram adequados, necessários e proporcionais em
sentido estrito, são sinônimos21.

O posicionamento esposado pela Corte Constitucional brasileira também


é perfilhado por Cunha, Mendes e Barros, para quem, tanto a razoabilidade
quanto a proporcionalidade são princípios do Estado Democrático de Direito por
meio do qual se investiga a racional escolha dos meios e fins de uma medida
Estatal.

Com efeito, para Cunha a razoabilidade de origem Anglo-Saxônica


compartilha com o modelo Alemão dos mesmos subcritérios e substestes motivo
pelo qual seriam aplicáveis ao caso concreto da mesma forma22. No mesmo
sentido, consoante Barros, o Supremo Tribunal Federal, emprega, via de regra, a
razoabilidade como uma faceta da proporcionalidade no sentido de que a atuação
Estatal exige que uma medida seja adequada, necessária e proporcional. Ela, no

21
Em alguns sistemas se diz que o princípio da proporcionalidade reside na própria idéia dos
direitos fundamentais e, em outros sistemas, se diz que ele reside na própria idéia do Estado
democrático de Direito; ente nós tem-se dito que essa é uma expressão da idéia do devido
processo legal na sua acepção substantiva. (STF - ADI-MC: 855 PR, Relator: SEPÚLVEDA
PERTENCE, Data de Julgamento: 01/07/1993, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 01-10-
1993 PP-20212 EMENT VOL-01719-01 PP-00071)
22
Cuida-se o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade ampla, de um princípio
Constitucional implícito que exige a verificação do ato do poder público [leis, atos administrativos
ou decisões judiciais] quanto aos seguintes aspectos: adequação (ou utilidade), necessidade (ou
exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito
constitucional. p. 228
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
20

entanto, ressalva que o termo de origem inglesa possui diversas facetas a qual
também pode remeter à noção de “bom senso, prudência, moderação23.

Com efeito, Virgílio Afonso da Silva, em sentido contrário, diverge do


posicionamento esposado pelos autores. Para ele, a razoabilidade e a
proporcionalidade, por diversos motivos que serão aqui expostos não são termos
sinônimos; nem possuem em comum os mesmos subcritérios.

Consoante Silva, o Supremo Tribunal Federal brasileiro além de não


aplicar de forma correta a proporcionalidade e a razoabilidade, por vezes,
confunde os dois termos. Para corroborar seu posicionamento, o autor cita
diversas decisões, sobretudo, o Acórdão da ADIN n° 855 de 1993 já citado neste
trabalho, no qual a Corte, meramente, limitou-se a proferir que a pesagem do
botijão de gás na presença do cliente era ônus demasiadamente excessivo para o
consumidor e, por tais motivos, não se coadunava com a razoabilidade e a
proporcionalidade.

Com efeito, Silva ainda ressalva, que a aplicação da regra da


proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, via de regra, não obedece ao
modelo aplicado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão ou aquele
sistematizado por Robert Alexy. Ademais, também arremata que a Corte limita-se
a citar o trabalho do Ministro Gilmar Ferreira Mendes sobre a proporcionalidade,
sem, entretanto, submeter o processo decisório aos subtestes da adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Para ele, o Supremo Tribunal Federal além de utilizar a razoabilidade e a


proporcionalidade mais como um topos; um mero discurso retórico, comete
diversos equívocos quanto a sua origem estrutura. Há decisões, por exemplo, nas
quais, os princípios são considerados termos sinônimos e originários do direito
inglês da cláusula do devido processo lega.

Na verdade, consoante o posicionamento de Silva, a razoabilidade e a


proporcionalidade não só possuem origens diversas, como foi bem demonstrado

23
Com efeito, razoabilidade enseja desde logo uma ideia de adequação, idoneidade,
aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é
admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como, por exemplo, bom senso,
prudência, moderação. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais.p. 72
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21

no presente trabalho, bem como, possuem diferentes estruturas. A


proporcionalidade, por exemplo, surgiu no direito administrativo Alemão e
assumiu perspectiva de máxima mediante a qual se avaliava a restrição de
direitos fundamentais na Corte Constitucional deste país. A razoabilidade, por
outro lado, tem como local de origem o direito Inglês em 1948, com o viés voltado
para a possível revisão de uma decisão de um órgão do Executivo, por um órgão
judicial, quando fosse irrazoável por excesso de poder.

Consoante Silva, a irrazoabilidade do direito Anglo-saxão, por vezes,


denominado de princípio de wednesbury, possuía como escopo permitir que a
Corte interviesse naquelas decisões, tão irrazóaveis, “que nenhuma autoridade
razoável a tomaria”24.

Além de se distinguirem pela origem histórica, os princípios também


possuem diferentes critérios para avaliar a atuação estatal. Consoante Silva, o
teste da razoabilidade, também denominado de “irrazoabilidade” é menos intenso
do que o da proporcionalidade, uma vez que, corresponderia somente a
submáxima da adequação, não avaliando se uma medida é necessária e
proporcional.

Com efeito, Varghese corrobora o posicionamento de Virgílio Afonso da


Silva no artigo “the relevance of “wednesbury unreasonableness”. Segundo o
autor, a Câmara dos Lordes Inglesa, oportunamente já sedimentou o
entendimento de que o teste da proporcionalidade é mais preciso e mais
sofisticado do que o teste da irrazoabilidade (Wednesbury unreasonableness
test)25. No entanto, para Lorde Steyn, a proporcionalidade, pelo menos, no direito
britânico, restringe sua aplicação aos casos em que há violação de direitos
humanos, enquanto que, o teste de wednesbury serviria para a resolução dos
casos que envolvem direitos “domésticos” (domestic law)26.

24
SILVA, Virgílio Afonso. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, n. 798, 2002.
25
Subsequently, the House of Lords in R (Daly) v. Secretary of State for the Home Department
demonstrated how the traditional test of “wednesbury unreasonableness” has moved towards the
doctrine of necessity and proportionality. Lord Steyn in this case noted that the criteria of
proportionality are more precise and more sophisticated than traditional grounds of review and
went on to outline three concrete differences […]”VARGHESE, Rajan. The relevance of
‘Wednesbury unreasonableness’ in the light of ‘proportionality’ as a ground for judicial review.
26
In short, it may rightly be said that, the proportionality principle has not so gar replaced the
Wednesbury principle and the time has not become ripe enough to say good bye to Wednesbury
Discente: Daine dos Santos
Orientador: Saulo Casali Bahia
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
22

Em suma, percebe-se, pelo aqui expostos, que os princípios sub examen


não são sinônimos ou possuem a mesma estrutura, e por tais motivos, não
podem ser aplicados ao caso concreto da mesma forma. Quando da aplicação da
proporcionalidade ou da razoabilidade, há que se ter em mente qual a importância
e o viés adotado no momento da decisão; não se pode, por exemplo, aplicar o
postulado da proporcionalidade e adotar o viés do devido processo legal, uma vez
que, sua origem está no direito Germânico e seu escopo é avaliar a atuação
estatal quando da escolha dos fins e meios que irão pautar sua atividade.
Ademais, também não se pode conferir à razoabilidade subcritérios ou
intensidade que destam de sua natureza e de sua real finalidade, na medida em
que, ao assim proceder estar-se-á criando figura jurídica nova se quer existente
no direito comparado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho o objetivo principal foi trabalhar os postulados da


proporcionalidade e da razoabilidade, enfatizando seus aspectos procedimentais,
estruturais e históricos. Como bem restou evidente, os dois termos não diferem
entre si, somente do ponto de vista histórico, uma vez que, possuem também
distinções quanto a estrutura e ao procedimento.

A proporcionalidade, por exemplo, surgiu no direito administrativo Alemão


daquilo que, atualmente, denomina-se de poder de polícia, por meio do qual, o
administrador escolhia os meios e os fins para a implementação de uma medida
estatal. A razoabilidade, também denominada de irrazoabilidade, por outro lado,
tem como local de origem o direito inglês (common law) com o viés voltado para a
possível intervenção por uma autoridade judiciária nos atos do arbítrio do
executivo quando inexistisse recurso para aquele ato ou decisão.

much less its burial. As discussed above, in the cases of Huang and Daly, the English Courts have
considered both Common Law and Article 8 of the Human Rights Act, 1998. Both the cases were
concerned with the violation of human rights and demonstrated a deviation from the traditional
wednesbury test of unreasobableness and shown leniency towards proportionality. In spite of these
cases, it is not safe to conclude that the principle of Wednesbury unreasonableness has been
completely replaced by doctrine of proportionality of Englad.VARGHESE, Rajan. The relevance of
‘Wednesbury unreasonableness’ in the light of ‘proportionality’ as a ground for judicial review.

Discente: Daine dos Santos


Orientador: Saulo Casali Bahia
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23

Além destas distinções históricas, os dois termos possuem entre si,


diferentes estruturas que impedem sua aplicação ao caso concreto como
sinônimos. A razoabilidade, por exemplo, diversamente da proporcionalidade, é
um teste menos intenso que, meramente, objetiva investigar se uma determinada
medida estatal decorreu de uma autoridade razoavelmente competente para tanto
e, se, esta medida não excedeu os limites dos poderes concedidos pelo
Parlamento. Ademais, analisa também se,às regras e as formas do procedimento
foram observadas no processo de tomada de decisão tal como o viés conferido
pelo devido processo legal Norte-Americano.

A proporcionalidade, por outro lado, debruça-se não sobre a obediência a


forma e ao procedimento do devido processo legal, mas sim, na escolha dos
meios ou na otimização dos direitos fundamentais. A sua estrutura, diversamente
daquele, compõe-se de três subetapas, também denominadas de subtestes ou
submáximas, às quais representam um juízo de admissibilidade, eficácia e de
otimização dos meios ou princípios em conflitos que correspondem,
respectivamente, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito.

Nas submáximas da adequação e necessidade em que se analisa as


possibilidades fáticas, a investigação recai naqueles meios que serviriam para
atingir os fins às quais se propõem à medida estatal, e, respectivamente, naquele
com maior probabilidade de atingir aquele fim com o menor custo possível. Já a
proporcionalidade em sentido estrito debruça-se sobre a otimização daqueles
meios tidos como necessários para aferir em concreto o grau de afetação e de
intervenção do bem jurídico ou princípio objeto de restrição.

Em suma, os princípios, postulados, máximas ou cânones hermenêuticos


possuem distinções relevantes que impedem sua aplicação como sinônimos. A
razoabilidade e a proporcionalidade, malgrado possuírem de certa forma, o
mesmo escopo de respaldar a atividade estatal perante o Estado Democrático de
Direito, devem ser aplicados ao caso concreto com ressalvas sob pena de se
estar criado figura nova em dissonância com o direito comparado. Não se pode,
por exemplo, ao bel alvitro do órgão julgador conferir o viés do devido processo
legal Anglo-Saxônico a uma figura jurídica que surgiu no direito administrativo
Discente: Daine dos Santos
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Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
24

Alemão ou acrescentar submáximas ou subtestes a outro inexistentes no direito


pátrio.

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Discente: Daine dos Santos


Orientador: Saulo Casali Bahia
Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia
Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
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Associated Provincial Picture Houses Ltd. v Wednesbury Corporation [1947] 1.


K.B. 223 (U.K))

(STF - Rp: 930 DF, Relator: CORDEIRO GUERRA, Data de Julgamento:


05/05/1976, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 02-09-1977 PP-05969
EMENT VOL-01068-01 PP-00009)

(STF - ADI-MC: 855 PR, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento:


01/07/1993, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 01-10-1993 PP-20212
EMENT VOL-01719-01 PP-00071)

Discente: Daine dos Santos


Orientador: Saulo Casali Bahia
Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia
Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

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