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9 CANÇÕES INTACTAS

1. CRIME E CASTIGO

A minha confissão mais verdadeira


É muito uma agonia que se esvai
De uma ilusão que um dia foi inteira
De um crime e de um castigo inexplicáveis
Se eu soubesse chorar não cantaria
Apenas quero dizer que amei e amo

A podridão do mundo já me enjoa


Não quero parte nessa fidalguia
Só quero uma mulher bonita e boa
Que me exorcize as marcas do prazer
Do carro aonde eu vou já nada importa
Só quero repetir que amei e amo

O dia em que eu morrer é esse e pronto


Não peço nem perdão nem alforria
Talvez que fosse bom morrer fodendo
Mas seja como for já disse um dia
Este mundo não presta p’ra sonhar
E apenas quero repetir que amei e amo.

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2. VEM BEBER UM CAFÉ

Vem beber um café


Me dá teu telefone
Nessa rua tão escura
Ternura ainda encobre
Faz frio por entre as sombras
Gente é que já não mora

Fica bonita a rua


Cruzada por ninguém
Não és quem eu procuro
Mas tens ao que se vem
Se me der p’rà ternura
Diz logo quanto é

Do sim o não talvez


Vez se proporcione
Talvez beba o café
Talvez te telefone
Pode ser que o boneco
‘inda se ponha em pé.

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3. CAI A NOITE EM PORTUGAL

Cai a noite em Portugal


É de dia no Brasil
Minha alma perdida quer ficar
Naquele imaculado arco de anil
Que é o nem lá nem cá em que medeia
A chama que os meus olhos incendeia

Aqui é onde as aves não gorjeiam


Aqui é onde o transe se faz fé
De infinita vertigem onde se espraia
O ser que já se foi e ainda não é
Encontra contra o muro a sua sanha
Mas remanesce e grita alma tamanha.

À noite quando a paz parece estranha


E o mistério no mundo se engrandece
A alma se desperta e não se sonha
E a vida com a morte se parece
A chama com que arde o sonho então
Não deixa descansar o coração.

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4. BLUES DA VIOLENCIA DOMÉSTICA
É uma espécie de dor
Mas não é como doer
Já tanta gente falou
O que se diz não é querer

É formigar é sofrer
Sem nunca ver o horror
Que se esconde atrás do ser
Por quem se diz ter amor

E mesmo quando se ataca


A fonte dessa impiedade
Esquece-se logo a ressaca
E a cruel fatalidade

A feroz iniquidade
Que provoca essa macaca
Vai transformando em saudade
E corta como uma faca

O coração em pedaços
Acumula os desenganos
Ficam só subtis traços
De grandes perdas e danos

Demora dias ou anos


Até desfazer os laços
Com que infelizes atamos
Os nossos próprios braços

Falaciosa ritmia
Que encontra os braços vazios
E o corpo todo assedia
De sentimentos ínvios

Não são aromas sadios


O que da dor se inicia
É comandada por fios
A sombra que o ser adia.

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5.SEM TÍTUL0

Cata para mim


Um verso embriagado
Faz essa melan-
colia passar
Forma para mim
Um rosário de amor
Que a música não possa parar.

Abre as minhas asas


Brilha o teu luar
Pega uma estrela
Para eu brincar
Sonha nos meus sonhos
Como um velho samba-
-canção que me faz vibrar.

Todas as canções
Imagens imortais
Fulgoradas da dor
De poetas errados
Serão partos tardios
De erradas emoções
De alguém que há-de morrer amando.

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6.PODE SER

Pode ser que um dia a alma viva


Pode ser que o ser que se desmaia
Troque a solidão pela inventiva
Numa roda viva de cambraia

Pode ser que o dia se detenha


Pode ser que a nuvem nunca chegue
Pode ser que a forma de quem sonha
Seja uma ilusão que a alma enxergue

Ainda assim um dia há-de encontrar


No túnel uma luz e não ao fundo
Que seja o doce alento de chegar
Ao fim do fim do fim da dor do mundo.

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7.É TRISTE SER-SE CRESCIDO

É triste ser-se crescido


Ser preciso ter cuidado
Não ficar embevecido
Com o coração esquecido
Do outro lado.

Já ter perdido a idade


De viver o dia a dia
De beber a realidade
E respirar fantasia
Da vida ter alegria
E ser verdade.

Mas mansamente passando


O tempo sem dar por isso
A inocência foi roubando
E seco como um caniço
Foi deixando o ser omisso
Foi causticando.

Já não há lamentação
Que possa dizer o quanto
Essas saudades do V’rão
Se transformaram em pranto
Secaram de chorar tanto
O coração.

E agora do outro lado


Quando lá fica esquecido
Sente-se desambientado
Não reconhece o traçado
Fica perdido.

Pobre coração cantante


Que noutros tempos cantou
Era imparmente arrogante
Era às vezes diletante
E até amou.

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Amou e ama somente
Já não se arca ao devaneio
De outros delírios ausente
Vive só e independente
É o recheio.

É o miolo que descasca


O seu roer taralhoco
Divaga de tasca em tasca
Até ser só sangue e vasca
E ficar oco.

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8. CANÇÃO CONFUSA

Não tem qualquer confusão


A própria rosa era chão
E misticismo da glória

O meu princípio era bom


E a natureza do tom
Mitigava a emoção

Mas muitas canções cantando


Coração sempre sangrando
De um sofrimento sem nome

Fiz um pacto e esse sigo


De nunca ser o que digo
Palavra que ando pensando

Tudo sai no improviso


Não tem razão nem tem sizo
Me sai do lugar do umbigo

E vem por aí a causticar


Tudo o que o ser puder dar
Da sua triste ilusão

Não tem qualquer confusão


Passa uma coisa no ar
E eu sinto vontade de cantar.

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9.ROTINA

Os delírios da saudade
Têm voz mas não tem q’rer
E a essência da verdade… é
Tão difícil de dizer

Se eu pudesse olhar p’ra trás


E ver o sol trabalhar
No meu peito contumaz
Aquele amor a brilhar

Solta a vara grit’a boca


Que o pensamento não deixa
Só a voz e quando é rouca
Pode o que o coração beija

Se o mundo fosse acabar


Nesta minha solidão
Talvez fosse acelerar
Uma boa solução

Mas não tem rosa nem folha


Não tem espinho nem botão
A dor que os meus olhos molha
É o chão do meu próprio chão

Vou criar uma rotina


P’ra te poder esquecer
Minha adorada menina
Volta aqui p’ra eu te ver.

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