Você está na página 1de 115

REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

FORMAÇÃO

DOCENTE Volume 05 n. 09 jul.-dez. 2013

Formação de professores e suas relações com a pedagogia para a educação


superior ALDA ROBERTA TORRES E MARIA ISABEL DE ALMEIDA

Estratégias de formação do professor universitário entre a memória e a experiência:


Uma conversa no espiral do tempo VANIA CHAIGAR E LIGIA CARLOS

A formação do pedagogo: Quem são e o que dizem os alunos concluintes


de um curso de pedagogia ANA SILVIA MOÇO APARÍCIO, CELIA MARIA HAAS,
ELISÂNGELA FREGONEZI DINIZ RIBEIRO, MARIA DE FÁTIMA RAMOS DE ANDRADE

Estágio supervisionado e pesquisa: Perspectivas e dilemas de uma experiência


ISABEL SABINO, LIDIANE SOUSA LIMA, SILVINA PIMENTEL SILVA

Professores iniciantes: Adentrando algumas pesquisas brasileiras


CÉLIA NUNES, SOLANGE CARDOSO

Novas tecnologias na formação inicial docente: O moodle, como recurso de


apoio ao estágio ANDRESSA CRISTINA COUTINHO BARBOZA

Método Lancaster no Brasil e na Colômbia MARLÉN RÁTIVA

Educação, terra e liberdade: Formação nos princípios educacionais do MST


CARLOS BAUER
Sumário
Linha Editorial p. 2
Conselho editorial p. 4
Normas Para Submissão de Artigos p. 7

EDITORIAL
Apresentação – José Rubens Lima Jardilino
p. 9

ARTIGOS

Desenvolvimento profissional docente: um termo


guarda-chuva ou um novo sentido à formação? p. 11
Dário Fiorentini, Vanessa Crecci

Formação continuada de professores da educação infantil: p. 24


possibilidades, desafios e perspectivas
Lidiane Gonzaga Chiare, Rita Buzzi Rausch

p. 40
A docência universitária em palavras...
Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira, Regina Magna Bonifácio de Araujo

A crise não reconhecida: identidade docente de professores


do ensino fundamental 2 p. 62
Selma Oliveira Alfonsi, Vera Maria Nigro de Souza Placco

A formação do professor alfabetizador: em busca da prática p. 80


Denise Pollnow Heinz, Rosana Mara Koerner

Fóruns de EJA como espaço de formação continuada p. 92


de professores: análise por meio de grupos de discussão
Raquel Silveira Martins

Concepções de estágio e ação docente p. 109


Marta Nörnberg, Igor Daniel Martins Pereira

A relação entre a formação do professor e a identidade


do ensino religioso p. 121
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Edile Maria Fracaro Rodrigues

Interventoria: uma proposta para o acompanhamento p. 136


de estagiários de pedagogia
Marina Cyrino, Samuel de Souza Neto
1
Linha Editorial
A “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação
digital, veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho “Formação de
Professores” (GT08), da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em
co-edição com a Editora Autêntica.

A criação do GT08 – inicialmente d­enominado “GT Licenciaturas” – teve como cenário o final da década
de 1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais
vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões
do Estado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento,
os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que
descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelas
Licenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao cha-
mado “currículo mínimo nacional”.

Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação de
professores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. Tais ações impulsionaram
a mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação
dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em Belo Horizonte, em novembro de
1983, firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a
tratar das questões que afetavam a formação de educadores.

Lançada a proposta, o “GT Licenciaturas” se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual
(RA) da ANPEd, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas
de formação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações
contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em São Paulo,
a 8ª RA. Nesta, o GT estruturado de forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou
uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto.

Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o Grupo de Trabalho que passou
a chamar-se GT08 “Formação de Professores”, delineando o ethos do renovado GT.

As primeiras idéias sobre a Revista “Formação Docente” surgiram no começo da década 2000, no en-
tanto, foi na 30ª RA que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminha-
ram decisões substantivas sobre sua editoração.

A “Formação Docente” pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diá-
logo interdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da
mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu

2
tema objeto. A Revista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de
Educação e ciências afins.

Seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial do
periódico é executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional
e internacional) de diversificada representatividade. Os artigos são apreciados quanto ao mérito científico
por meio do sistema de Dupla Avaliação por Pares – DAP (Double Blind Review).

É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a “Formação Docente” – Revista
Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos cole-
gas pesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção
acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores
em nosso país.

Os Editores

3
Conselho editorial
EDITOR

n José Rubens Lima Jardilino


Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-
-doutoramento pela Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Professor da Universidade Federal
de Ouro Preto e Presidente do comitê científico da editora da UFOP.

CONSELHO EDITORIAL EXECUTIVO

n Júlio Emílio Diniz-Pereira


Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos
Estados Unidos. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador da Coleção Docência - Editora Autêntica.
Conselho Editorial Executivo

n Márcia de Souza Hobold


Professora Dra. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE.

n Joana Paulin Romanowski


Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

ASSISTENTE EDITORIAL

n Maria Fernanda Silva Barbosa


Graduada em História e pós-graduanda em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto.

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL)

n Betânia Leite Ramalho


Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Professora
do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de
Produtividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2.

n Eduardo Adolfo Terrazan


Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq – Nível 1D.

n Emília Freitas de Lima


Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutoramento pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).

4
n Iria Brzezinski
Doutora em Administração Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento
pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Católica de Goiás (UCG).
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

n Laurizete Farragut Passos


Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).

n Leny Rodrigues Martins Teixeira


Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP),
com pós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora Titular da Universidade
Católica Dom Bosco.

n Luis Eduardo Alvarado Prada


Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com pós-doutoramento
pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

n Márcia Maria de Oliveira Mello


Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela
Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).

n Marília Claret Geraes Durhan


Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-dou-
toramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Metodista de São Paulo.

n Marli Eliza Dalmazo Afonso de André


Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com
pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados
em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

n Menga Ludke
Doutora em Sociologia da Educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento
pela Universidade do Estado da Califórnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq – Nível 1A.

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (INTERNACIONAL)

n Carlos Marcelo Garcia


Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.

n Cecília Maria Ferreira Borges


Professora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá.

5
n Clermont Gauthier
Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Laval, em Québec, no Canadá.

n Emílio Tenti Fanfani


Professor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA),
na Argentina.

n Kenneth M. Zeichner
Professor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

n John Elliot
Professor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

n Maria do Céu Roldão


Professora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa,
Portugal.

n Rafael Ávila Penagos


Professor e pesquisador em Educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.

n Rui Fernando de Matos Saraiva Canário


Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
em Portugal.

6
Normas Para Submissão de Artigos
Os artigos submetidos à Revista “Formação Docente” serão apreciados pelo Conselho Executivo quanto
à pertinência dos mesmos à Linha Editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às demais instruções editoriais.

Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna.
Os artigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do
autor. Os autores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas
da área e cedem à “Formação Docente” o direito de indexação (nacional e internacional). A Revista, ao
seu juízo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área,
que tenham sido publicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de
quem detém os direitos autorais.

O Conselho Executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos
e aceitos, a fim de adequá-los à publicação.

É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos.

Todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por,
no mínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo
e um ad hoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.

ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO

Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compa-
tível de editoração, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. O texto deve ser alinhado
à esquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas
em itálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre ‘aspas’ simples.

Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1
e 2. Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identifi-
cação do(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo
expandido de até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa
(abstract). Ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No
segundo arquivo, constará o texto na íntegra a ser publicado.

As normas de referências bibliográficas seguidas pela Revista são as da ABNT e devem se restringir ao
material citado no corpo do texto. As citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no
corpo do texto (AUTOR, data, página). As notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto com
numeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas.

As referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web Site ou Home Page)
seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009).

7
Todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da Revista “Formação Docente” (forma-
caodocente@autentica.com.br). Após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação do recebimento
da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) do mesmo às
normas técnicas. Após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensagem informando
sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo.

8
EDITORIAL

Volume 05, número 08, jan./jun. 2013

APRESENTAÇÃO
Prezados colegas pesquisadores do campo de estudos sobre a Formação de Professores em suas mais
diversas abordagens:

É com prazer que lhes apresento o número 8 da Revista Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa
sobre Formação de Professores (RBPFP). No número anterior, nosso colega Júlio E. Diniz-Pereira, editor
responsável à época, narrava em sua apresentação as dificuldades que um periódico atravessa desde sua
fundação e, de igual modo, nos apontava os avanços que a revista tem alcançado em sua tão curta trajetória.

Em 2014 assumi a editoria da revista com iguais desafios, com a intenção de avançar em 2015, junta-
mente com o Conselho Editorial (executivo e consultivo), principalmente no sentido de a revista atingir os
parâmetros necessários para sua “qualisficação”, além dos demais indexadores nacionais e internacionais
que credenciam a nossa produção, animados pelos avanços da nova posição no ranking dos periódicos
no Brasil (Qualis).

Quero, pois, em primeiro lugar, agradecer a colaboração dos colegas da área, desde os pesquisadores
seniores, com amplo acesso a canais de publicação, e que, no entanto, nos têm enviado o resultado de
suas pesquisas para publicação na revista, até os jovens pesquisadores que, a despeito da posição da
revista no ranking, vêm creditando-lhe apoio e publicando os resultados de suas pesquisas nos últimos
oito números da RBPFP. Entendemos que somente com o reconhecimento dos pesquisadores da área
será possível a este periódico avançar em qualidade e periodicidade, elementos necessários para se
tornar referência na divulgação científica dos avanços desse tão amplo campo de estudos, a Formação
de Professores.

Nesta palavra introdutória do editor, pleno de alegria por executar tarefa tão digna, agradeço a todos os
colaboradores, deste e dos demais números, e, ao mesmo tempo, convoco-os a dar continuidade ao
empenho que viemos emprestando a essa publicação, a fim de que a Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores não seja somente mais um periódico da área, mas que venha a se tornar um
portal da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil.

Este é o número 8 e se refere a 2013. E gostaríamos de anunciar que já se encontram em processo


de produção os números 9, 10 e 11 (os dois últimos referentes a 2014), os quais pretendemos, graças
ao esforço e empenho da Autêntica Editora nessa alvissareira parceria, publicá-los ao longo de 2015.
Tal empreitada corrobora para o processo de indexação da revista em vários portais, bancos de dados e
plataformas web que dão visibilidade às nossas pesquisas. De antemão lhes informamos que a RBPFP já
se encontra indexada no Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da América
Latina, Caribe, Espanha e Portugal (Latindex), com processo iniciado na Rede de Revistas Científicas de
América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc), bem como nas publicações online em Educação
da Fundação Carlos Chagas (Educ@), aguardando apenas alcançar o critério de periodicidade para sermos
incluídos nessas plataformas de divulgação científica.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013. 9
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
De igual monta, outra importante tarefa está sendo a inclusão da Revista no Sistema OJS/SEER. A Autêntica
Editora não tem medido esforços na parceria com o GT 08/ANPEd para adequar a revista aos padrões de
exigência do mundo editorial acadêmico. Os números de 2015, cuja chamada todos receberão em breve,
já se beneficiarão desse recurso técnico e de gestão de periódicos científicos.

Após essas informações iniciais, apresento ao leitor o vol. 5, nº 8, da Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores, que trata de questões relevantes para o debate nesse campo. Organizamos o
número em três blocos de artigos. O primeiro bloco de três artigos trata da temática do Desenvolvimento
Profissional Docente (DPD) e da Educação Continuada. O texto dos professores Dario Fiorentini e Vanessa
Crecci sobre DPD traz uma discussão sobre o sentido da formação, os impasses do conceito de DPD
e seu uso no nosso campo de pesquisa. Segue-se o artigo de Rita Buzzi e Lidiane Chiere, que trazem
para o debate a questão da formação continuada de professores da Educação Infantil, com dados de
uma pesquisa realizada na rede pública de um município do sul do país. Fecha esse bloco o trabalho das
professoras Regina Araújo e Regina Oliveira sobre a docência no contexto do ensino superior apontando
os impasses do DPD na carreira universitária.

O segundo bloco de artigos trata da identidade docente e das práticas de formação em vários níveis da
educação brasileira. Vera Placo e Selma Afonsi discutem a crise de identidade dos docentes da Escola
Básica no ensino fundamental 2 em São Paulo. Denise Heinz e Rosana Koerner trazem para o debate a
formação do professor alfabetizador, também apresentando dados de pesquisa numa rede educacional do
sul do país. Raquel Martins apresenta um trabalho sobre formação de professores da EJA, uma discussão
sobre espaços não formais como ambientes de formação em Minas Gerais.

Por fim, o terceiro bloco de artigos trata do estágio, tema sempre recorrente nas pesquisas sobre formação
inicial de professores, e apresenta a discussão de um tema transversal, pouco presente nas discussões
do campo, que é a formação do professor para o ensino religioso nas escolas públicas. Marta Nörnberg
e Igor Pereira discutem o estágio a partir das concepções dos futuros professores, baseando suas análi-
ses nos relatórios de estágios de licenciandos. Mariana Cyrino e Samuel Neto apresentam os resultados
de sua pesquisa sobre as várias modalidades, nomenclaturas e tipos de acompanhamento de estágio
na literatura no Brasil e no exterior para discutir o estágio na perspectiva da interação e da intervenção.
Finaliza este número da revista o artigo de Sérgio Junqueira e Edile Rodrigues sobre esse provocativo
tema da formação de professores para o Ensino Religioso (ER). O artigo, a partir dos dilemas da presença
do ER na escola básica brasileira, procura compreender o processo de formação e profissionalização dos
docentes, e aponta aspectos da formação dos profissionais da educação e sua identidade docente com
fins de traçar um paralelo com a formação do professor de Ensino Religioso.

Desejamos a todos e a todas uma boa leitura.

José Rubens Lima Jardilino


Editor

10 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Formação de professores e suas relações com a


pedagogia para a educação superior
Alda Roberta Torres e Maria Isabel de Almeida

RESUMO: O trabalho apresentado tem como objetivo analisar a Pedagogia no contexto da educação
superior e as suas contribuições relacionadas ao desenvolvimento profissional na formação de professores.
Para tanto, analisa como o campo de conhecimento da Pedagogia Universitária vem se constituindo, e,
sobretudo, problematiza-o na direção de pensarmos a Pedagogia para a educação superior numa perspectiva
mais ampla que a própria universidade. Ademais, analisa a imbricação das políticas institucionais para a
formação dos professores da educação superior, compreendendo que as instituições são responsáveis pela
promoção dessa formação. A abordagem epistemológica assumida neste trabalho está sustentada pelas
contribuições de Vázquez (2011), Heller (2008), Cunha (1998, 2006, 2008), Pimenta (1998), Almeida (2006,
2011, 2012), Almeida e Pimenta (2009) e Pimenta e Almeida (2011). No desenvolvimento das nossas análises,
compreendemos que a Pedagogia Universitária é um campo de conhecimento profícuo e em expansão
que contribui na proposição de políticas institucionais de formação de professores da educação superior,
sobretudo quando se trata da formação pedagógica. O cenário da educação superior é atingido por reformas
de cunho político-econômico que resvalam no trabalho do professor, alterando as características da docência
no ensino superior e trazendo tensões desafiadoras para a comunidade acadêmica que, ao pensar na formação
para a docência, poderá vinculá-la ao desenvolvimento profissional docente, mas enfrentará as omissões da
legislação e as tendências mercadológicas que pautam esse cenário, expressas através de políticas nacionais
que assimilam tendências mundiais de padronização e regulamentação do trabalho dos professores.
PALAVRAS-CHAVES: Formação de professor; Pedagogia; educação superior; Pedagogia Universitária.

ABSTRACT: This work aims to analyze the Pedagogy in the environment of Higher Education and its
contributions on teacher formation related to the professional development of a teacher. In order to do that,
this work analyzes how the field of knowledge of University Pedagogy has been developing, but most of all,
it heads towards the thought of Pedagogy for Higher Education, in a broader perspective than the university
itself. Furthermore, it analyzes the overlapping institutional policies on the formation of teachers for Higher
Education understanding that the institutions are responsible for providing this formation. The epistemological
approach taken in this work is supported by the contributions of Vázquez (2011), Heller (2008), Cunha, (1998,
2006, 2008), Pimenta (1998), Almeida (2006, 2011, 2012), Almeida and Pimenta (2009) e Pimenta and Almeida
(2011). By developing our analyses we understand that the University Pedagogy is a fruitful and expanding
field of knowledge which contributes for the proposition of institutional policies on the formation of teachers
for Higher Education, especially concerning pedagogical formation. The environment of Higher Education
is affected by changes of political-economical nature which interfere in the work of the teacher, altering the
features of teaching in higher education and bringing challenging tensions to the academic community. This
community, when considering teacher formation, may link it to professional development of a teacher, but will
face the omission of legislation and the market trends which guide this environment, expressed by national
policies that assimilate world trends of standardization and regulation for teachers’ work.
KEY WORDS: Teacher formation; Pedagogy; Higher Education; University Pedagogy.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 11
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
INTRODUÇÃO

O esforço para compreender a formação do professor e as suas relações com uma Pedagogia para a edu-
cação superior nos coloca diante da importância de estudarmos a constituição do campo de conhecimento
denominado por alguns pesquisadores como Pedagogia Universitária. Essa discussão tem sido alvo das
comunidades acadêmicas em diversos países e, não diferentemente, vimos no Brasil um avanço e um cresci-
mento do interesse em pesquisas nessa área, investigando questões que revelam a Pedagogia Universitária
como um campo polissêmico e em expansão. No entanto, compreendemos que a diversificação dos tipos
de Instituições de Educação Superior (IES), a ampliação do raio de alcance do trabalho docente, a diversidade
dos perfis dos estudantes e a expansão desse nível de ensino são algumas das modificações significativas
oriundas de políticas públicas sociais educacionais que nos lançam o desafio de tomarmos o estudo da
Pedagogia para além da universidade, ou seja, uma Pedagogia para a educação superior. Ademais, nesse
contexto, acreditamos na importância de se pensar a formação do professor que atua na educação superior
considerando seu desenvolvimento profissional, tendo em vista políticas de formação que reconheçam a
importância do ensino e que garantam apoio ao trabalho desses profissionais.

Considerando esse cenário, organizamos nossas reflexões através deste artigo, estruturando-o em três partes.
Na primeira, desenvolvemos alguns apontamentos sobre o campo de conhecimento da Pedagogia Universitária;
na segunda, desenvolvemos uma reflexão sobre a docência na educação superior, destacando algumas de suas
características e tensões; e, na terceira parte, analisamos a formação do professor da educação superior e as
relações com seu desenvolvimento profissional, realçando a responsabilidade institucional nesse processo.
Em seguida, tecemos algumas considerações no intuito de sistematizar nossas análises finais.

APONTAMENTOS SOBRE A PEDAGOGIA PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR

Os estudos sobre uma Pedagogia voltada à educação superior têm sido motivo de pesquisa e de preo-
cupações políticas no âmbito da educação. Há um movimento em torno da educação superior a fim de
pensar melhor a sua docência, seu ensino, o perfil do seu aluno, o trabalho docente, a profissionalização
deste e tantos outros aspectos que desencadeiam discussões importantes nesse campo. As discussões
partem de interesses educacionais, e sobretudo políticos, que consideram o mercado como um forte
marco regulador e giram em torno de sucessivos acordos internacionais, a exemplo do Tratado de Bolonha.
É desafiador, para a comunidade acadêmica, trabalhar na direção de melhor formar seu professor, melhor
atender a seu estudante e, consequentemente, produzir conhecimentos válidos para a sociedade sem se
render às exigências globais de cunho exclusivamente mercadológico, “já que a partir de um determinado
modelo a imitar, considerado não passível de aperfeiçoamento, a capacidade criativa se anula” (VÁZQUEZ,
2011, p. 17). Nesse cenário, as reflexões aqui apresentadas sobre a formação de professores e a Pedagogia
para a educação superior consideram que o trabalho docente é um fenômeno que emerge como uma
realidade concreta, sendo fundamental que a educação superior abandone as diretrizes mercadológicas
para que os professores possam transformar, de forma criadora, essa realidade.

Nesse contexto, iniciemos nossas reflexões a partir de Araújo (2008), que parte do pressuposto de que a
locução Pedagogia Universitária carrega consigo um sentido próprio. Para efeito da nossa análise, pense-
mos nesse vocábulo de maneira separada para que, depois, possamos entendê-lo relacionado. Pedagogia,
etimologicamente, significa direção ou educação de crianças e, por extensão de sentido, é um “conjunto
de métodos que asseguram a adaptação recíproca do conteúdo informativo aos indivíduos que se deseja
formar” (HOUAISS, 2009). Apesar da limitação dessa definição ao relacionar a conceituação de Pedagogia
12 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
a um conjunto de métodos, é interessante observarmos que, em linhas gerais, ela traz a ideia da Pedagogia
envolvida semanticamente com a concepção de educação, ensino, instrução e formação. Se, por um lado,
tirar as ambiguidades desses termos é uma tarefa complexa a ser feita, não constituindo o objetivo deste
artigo, por outro lado, não é nossa intenção circunscrever este debate às questões semânticas sobre os
referidos termos. Todavia, buscamos destacar algumas ideias que julgamos importantes para a discussão
sobre uma Pedagogia voltada à educação superior, problematizando-a numa dimensão que julgamos fun-
damental, ou seja, aquela que considera a realidade da educação superior e a sua complexidade.

Para tanto, consideramos a educação como uma prática social e como um processo de socialização no
qual há aquisição por parte das novas gerações das conquistas sociais e da produção do conhecimento
realizadas pelas gerações anteriores, superando e produzindo novos conhecimentos. Assim compreendi-
da, a educação acontece em diversos espaços na vida social e é praticada por diversas pessoas que não
apenas os professores, pois é através da mediatização do mundo que os homens se educam mutuamente
na direção de compreender, criticar e se posicionar diante da realidade que os cerca (FREIRE, 2004).
Nessa direção, a transmissão do legado cultural às novas gerações está ligada a questões da instrução
que possuem relação com o saber. Contudo, tanto a educação tomada no sentido aqui exposto quanto
a instrução têm lugar em espaços que vão além das instituições educacionais – escolas, faculdades,
universidades e outras. No entanto, são esses espaços circunscritos das citadas instituições educacio-
nais – tipos particulares de instituição social –, nos quais se produz uma ação intencional e originalmente
própria praticada pelo professor, que possuem as funções de educar e instruir, ao mesmo tempo que o
significado da Pedagogia é confundido com a didática. Assim, para melhor compreendermos a didática, é
necessário esclarecer que o ensino é um processo curricular e ao mesmo tempo interpessoal, com relação
direta com os conteúdos disciplinares e com o saber dos sujeitos da práxis pedagógica. Nesse sentido,
a didática toma o estudante como sujeito da aprendizagem e tem nos seus conteúdos uma preocupação
característica no que se refere ao ensino. Ela é a teoria do ensino porque coloca as questões do processo
de ensino e aprendizagem no centro da sua problemática (ALMEIDA, 2011; FARIA, 2011). Já a Pedagogia
tem a preocupação imediata com as práticas docentes e as relações que essas práticas proporcionam e
constroem com os sujeitos pedagógicos e com a comunidade, configurando-se como a ciência da educa-
ção (PIMENTA, 1998). Há nela a preocupação com a gestão da sala de aula e dos conteúdos disciplinares,
com a comunicação entre estudantes, professores e comunidade em geral, com as relações interpessoais
na aula, enfim, com as interações imediatas na realidade concreta dos professores e dos estudantes em
sala de aula e fora dela. Assim, a prática docente passa a ser fundamental na Pedagogia, alimentando-se
dos seus saberes e do seu contexto. Nessa configuração, um caminho se abre na Pedagogia: o estudo
da formação do professor como profissional com saberes específicos e em contextos complexos de
atuação, relevando assim uma concepção de Pedagogia voltada à práxis educativa.

Por conseguinte, Mazzotti (1998) destaca que a Pedagogia é a ciência da educação, determinando uma
posição de reflexão sistemática sobre a prática educativa que, portanto, não se confunde com a educa-
ção. Pimenta (1998) sintetiza as ideias de Mazzotti (1998), indicando que a Pedagogia “é uma ciência da
prática, que não se efetiva como uma tecnologia, e sim como uma reflexão sistemática” (p. 52) sobre
a educação. Atente-se que a educação nesse âmbito é tida como uma prática social e, como tal, é feita
e construída pelo homem agente de uma práxis intencional e transformadora, cabendo à Pedagogia o
estudo rigoroso, histórico e investigativo dessa prática social, humana, complexa e inconclusa.

As reflexões desenvolvidas até aqui nos apontam que a Pedagogia existe em relação ao contexto e à
práxis. Dessa forma, para pensarmos numa Pedagogia para a educação superior, necessitamos da análise
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 13
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
do contexto que a envolve. Assim, esse nível de ensino, tomado em sua complexidade, nos apresenta
um contexto de mudança, especialmente quando se refere às concepções de ciência e de conhecimento
que pautaram a cultura acadêmica por tanto tempo. O contexto acadêmico é transversalizado por essa
questão fulcral – a concepção de ciência. Dessa, derivam as concepções de homem, de sociedade, de
conhecimento e de cultura que pautam a prática educativa na educação superior desenvolvida por pro-
fessores, por gestores e, por conseguinte, estruturam a própria cultura acadêmica. Essa preocupação é
importante quando pensamos a Pedagogia Universitária a partir de proposições que surgem mundialmente,
sendo necessário analisar as causas do surgimento desses modelos e a quem estão servindo. Contudo,
acreditamos na necessidade de consolidarmos uma Pedagogia para a educação superior, desde que ela
seja pensada num movimento crítico, rigoroso e democrático.

Assim, o campo de conhecimento da Pedagogia para a educação superior, denominado por alguns es-
tudiosos como Pedagogia Universitária, vai sendo demarcado como um campo ao qual cabe estudar o
fenômeno educativo, tomando-o na realidade histórica e social da educação superior, portanto, um cam-
po complexo e com múltiplas referências. Nesse sentido, uma das suas tensões é ser pensada a partir
das vivências institucionais, pois esse campo terá mais força à medida que estiver mais ligado ao vivido
concretamente, coexistindo a atitude natural cotidiana com a atitude filosófica. Pensada dessa maneira,
a Pedagogia toma a realidade concreta para pensar a prática educativa na educação superior, convergin-
do com o pensamento de Heller (2008), pois privilegia a vida cotidiana como espaço/tempo no qual os
indivíduos podem conservar e/ou transformar suas histórias, uma vez que o cotidiano é um lugar de se
fazer a história. No pensamento helleriano é fundamental a compreensão de que as transformações e as
mudanças só serão completas se não deixarem a vida cotidiana à margem desse processo.

Dessa forma, a Pedagogia Universitária vem se apresentando como um campo em expansão, polissêmico,
de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na Educação Superior que deve ser assumida
pelas instituições (CUNHA, 1998, 2006, 2008; LEITE, 2006; LUCARELLI, 2000; PIMENTA e ANASTASIOU,
2002; PIMENTA e ALMEIDA, 2009; ALMEIDA, 2011). Assim pensada, a Pedagogia Universitária é um campo
de conhecimento que pode contribuir para a formação docente e, ao ser assumida pela instituição como
um caminho para a promoção do desenvolvimento profissional dos docentes, poderá superar os modelos
tradicionais de formação pautados em treinamentos e vivências isoladas e, ao mesmo tempo, revelar
uma concepção de formação que toma a prática cotidiana nas IES como centro de suas preocupações,
elegendo o professor e o estudante como sujeitos ativos e críticos. Dessa maneira, constitui-se como um
espaço privilegiado para a construção de um novo paradigma de docência universitária (ALMEIDA, 2012).

Partilhando do entendimento das autoras supracitadas e, sobretudo, considerando a complexidade do


contexto da educação superior, compreendemos que a Pedagogia para a esse tipo de educação não tem
um fim em si mesma e, inspirando-nos nos ensinamentos de Vázquez (2011), compreendemo-la a partir
dos sujeitos que fazem essa realidade, uma vez que, sem esse conteúdo humano, ela se esvazia e passa
a ser estratégia política ou discurso vazio de inovação. Nessa direção, daremos prosseguimento às nossas
análises, elegendo a problematização de algumas características e tensões que pautam a docência na
educação superior, uma tarefa da qual nos ocuparemos na sequência deste artigo.

CARACTERÍSTICAS E TENSÕES DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

O exercício do magistério na educação superior vem sendo transformado por meio da diversidade de
instituições com organizações acadêmicas que fragilizam a profissão docente, da dinamicidade da his-
tória e de políticas omissas e mercadológicas de formação de professores, entre outros aspectos que
modificam continuamente a maneira de ensinar.
14 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Quando pensamos na Pedagogia para a educação superior na perspectiva de ser um campo de conhe-
cimento que fomenta programas de desenvolvimento profissional com vistas à formação do professor,
consideramos que a docência nesse nível de ensino é uma face fundamental a ser analisada, pois as
diversas características que a compõem nos proporcionam importantes reflexões acerca do ensino e do
perfil docente. Pimenta e Anastasiou (2002) analisam a docência do ensino superior refletindo sobre suas
crises, e elencam atribuições que marcam esse ensino com um enfoque voltado à didática que muito
contribui para compreendermos esse universo. Por conseguinte, nossa reflexão considera essas contri-
buições, mas, sobretudo, reflete sobre aquelas características que estão mais relacionadas aos contextos
institucionais e ao desenvolvimento profissional, envolvendo a formação do professor da educação superior.

Dessa forma, a docência, nesse nível de ensino, tem apresentado várias características, entre as quais
destacamos três: a valorização dos conhecimentos específicos das diversas áreas em detrimento dos
conhecimentos pedagógicos, o prestígio da pesquisa em detrimento do ensino de graduação, e as políticas
públicas e institucionais omissas com tendência de mercado para a formação de professores.

A primeira característica – valorização dos conhecimentos específicos das diversas áreas em detrimento
dos conhecimentos pedagógicos – está relacionada à predominância das aulas magistrais e conteudistas
que marcaram a história da universidade, revelando-se na própria concepção de ciência e conhecimento
que ainda hoje temos observado no meio acadêmico. Ora, ao compreendermos que o professor, ao exercer
a docência, constrói a si mesmo no processo dinâmico da sua ação e de seu trabalho, vemos que será
a própria função de transmissão cultural que interpelará o professor na construção de sua identidade,
uma vez que, ao ensinar, ele costuma legitimar e acreditar no que ensina. Cunha (2008) nos aponta que
“os impasses que os professores enfrentam cada vez menos dizem respeito ao domínio do conteúdo
de suas matérias de ensino, ainda que reconheçam nele uma condição fundamental de seu trabalho”
(p. 20), pois, para essa pesquisadora, a formação do docente universitário sempre estará confrontada
com a tensão entre os conhecimentos científicos e pedagógicos. Dessa forma, o ensino como prática
social vai além do domínio e composição lógica de conteúdos, perspectiva comum às aulas conteudistas,
sendo compreendido como uma prática interativa na qual o contexto e os sujeitos são fundamentais no
desenvolvimento do trabalho docente como práxis pedagógica.

A segunda característica – o prestígio da pesquisa em detrimento do ensino de graduação – tem marcado


a vida acadêmica, uma vez que o ensino de graduação tem sido preterido em relação às atividades de
investigação científica pelos professores, como também pelas políticas de carreira docente das instituições
e de agências de fomento. A carreira docente é pensada a partir da produção científica voltada à pesquisa
como viabilidade de mudança de níveis e faixas salariais, nas quais o valor das atividades de ensino e
extensão é infinitamente menor, assim como “as publicações no campo específico do conhecimento,
avalizadas por revistas indexadas, reforçam a tendência de o professor assumir o perfil de pesquisador
especializado, que vê na docência, em geral, uma atividade de segunda categoria, principalmente quan-
do se trata do ensino de graduação” (CUNHA, 2007, p. 18). Essa realidade é diferenciada por áreas do
conhecimento, mas, no geral, se apresenta dessa maneira, inclusive sendo agravada pelos processos de
avaliação externa tão presente na cultura acadêmica.

A terceira característica – políticas públicas e institucionais omissas e com tendência de mercado para a
formação de professores – tem marcado esse cenário, porque resvala na omissão da própria legislação fe-
deral, especificamente quando se trata das prerrogativas legais anunciadas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 1996), que estabelece apenas a percentagem de professores doutores
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 15
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
e mestres que se deve ter na universidade, assim como o regime de trabalho, e institui que a prática de
ensino não é exigência para o exercício do magistério superior, que a formação dar-se-á em cursos de pós-
-graduação e que o notório saber poderá suprir a exigência de título acadêmico. Essas prerrogativas legais
minimalistas deixam à deriva a efetiva formação de professores para a educação superior, não primando
pelo conhecimento pedagógico na condução do ensino, da extensão e, quiçá, da própria pesquisa.

A docência na educação superior, pensada a partir dessas características, suscita-nos algumas tensões
que têm feito parte do cotidiano dos docentes e das IES. Entre as diversas tensões desafiadoras, como o
movimento da realidade, as questões sociais, as mudanças da organização do Estado e o pensar e o agir
diante de uma visão moderna e fragmentada de ciência (ANASTASIOU, 2007), destacamos, para efeito
deste artigo, a expansão da educação superior e a produtividade acadêmica.

Com a expansão desse nível de ensino, ocorre a diversificação das instituições e a interiorização da edu-
cação pública federal, acompanhada por uma política de democratização de acesso à educação superior,
desafiando as IES e seus professores a lidar com uma diversidade de demandas e necessidades que
afloram cotidianamente em sala de aula e na organização institucional. A própria interiorização da rede
federal de ensino tem trazido tensões às IES ao contribuir com o acesso de estudantes com perfis dife-
renciados que demandam políticas de permanências até então pouco pensadas. Diante dessa realidade,
o professor da educação superior é chamado a redescobrir suas crenças e concepções sobre sua prática
educativa, o que resvala na construção da sua profissão. São mudanças requeridas que demandam que
as instituições pensem na formação de seus quadros e, especialmente, na formação de seus professores.

Outros aspectos podem ser levantados, mas, diante destes aqui citados, podemos inferir que a educação
superior não se preparou para essas mudanças e menos ainda os seus corpos docente e administrativo. A
permanência desses estudantes em muito depende das políticas institucionais e de governo, mas é conside-
rada de maneira simplista como dependente apenas do trabalho docente. O acompanhamento das trajetórias
pedagógica e social desses estudantes parece-nos ser uma oportunidade de estudo que muito contribuiria
nas políticas institucionais e de governo. A composição de equipes multidisciplinares para acompanhar as
trajetórias desses estudantes e o modo como eles constroem sua vida acadêmica abre uma oportunidade
para o professor da educação superior conhecer melhor a sala de aula, já que não se trata apenas de jovens
recém-saídos do ensino médio, mas também de adultos que estavam à margem da vida estudantil e que
voltam ao mundo da escolarização, carregando consigo experiências que lhes conferem outra maturidade.
Destaca-se que as tensões citadas com a expansão da educação superior não são únicas e, portanto, também
merecem realce aquelas que estão diretamente ligadas à falta de infraestruturas física, administrativa e de
pessoal, o que tem um enorme impacto na qualidade da educação superior. Nesse sentido, reportemo-nos
a Scheibe (1987), quando, àquela época, já criticava a política expansionista que não busca convergência
entre quantidade e qualidade. Essa pesquisadora tece assim a sua crítica:

Ainda que sejam graves os aspectos qualitativos na educação superior no Brasil, é necessário
não subestimar a dimensão quantitativa. [...] Portanto, nem o modelo expansionista adotado nos
anos sessenta é o mais adequado e nem o privilegiamento qualitativo que se delineia atualmente
é democratizante. O nexo quantidade-qualidade precisa ser colocado não em contraposição,
mas sim de forma inseparável (p. 38).

A crítica feita estabelece uma relação com o tempo histórico do trabalho da pesquisadora. No entanto,
é necessário lembrar que, na década seguinte, ou seja, nos anos 1990, tivemos a maior expansão da
educação superior privada no Brasil, reincidindo assim a dissociação entre a quantidade e qualidade.

16 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Já a exigência de produtividade feita aos professores na educação superior é talvez uma das tensões
mais perversas desses últimos tempos. O professor é obrigado a produzir pesquisas e a se envolver
com as atividades extensionistas, além de assumir um número de aulas superior a uma carga horária que
pressuponha um bom trabalho. As IES passam por avaliações externas com legitimidade questionável e,
por isso, pressionam ainda mais os professores a partir do controle de seu trabalho; cria-se uma compe-
tição entre as instituições através de conceitos de avaliação, trazendo para a área educacional princípios
mercadológicos; a formação de professores fica restrita ao alvedrio pessoal, passando a responsabilidade
das políticas institucionais para a iniciativa privada dos docentes. O professor vive na tensão entre uma
pseudoautonomia sobre a sua formação e profissão e o cerceamento e controle institucionais.

Explicitadas as características e tensões que elegemos para analisarmos a docência na educação supe-
rior, passemos à terceira parte deste artigo, que reúne algumas das nossas reflexões sobre a formação
de professores dessa área e sua necessária relação com o seu desenvolvimento profissional tomada no
arcabouço da Pedagogia para a educação superior.

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E SEU


DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Se a docência requer formação profissional específica para o seu exercício, que é incessantemente
reconfigurado, os modos de ‘ser professor’, de ‘saber ser professor’ e de ‘poder ser professor’
estão permanentemente em questão e vinculam-se à própria construção da identidade docente
e ao seu desenvolvimento profissional. Isso requer que a formação seja vista contextualiza-
damente nos seus aspectos social, histórico, institucional e pedagógico, já que não pode ser
separada das condições efetivas do exercício profissional da docência (ALMEIDA, 2011, p. 12).

Considerando a proposta de Almeida (2011) sobre a formação profissional e a docência na educação su-
perior, compreendemos como fundamental a intensa relação da Pedagogia para educação superior com
a formação docente, já que acreditamos que essa é inconteste para acompanhar as transformações e os
desafios históricos, alguns aqui já problematizados. Sendo assim, tomamos a formação numa perspectiva
integradora que, como nos aponta a pesquisadora citada, vincula-se à identidade do professor e ao seu
desenvolvimento profissional, contemplando um processo pensadem relação ao contexto e considerando
a sua pessoalidade e a institucionalidade. Ainda, Almeida (2011) discute o papel da instituição no processo
de formação do professor universitário, defendendo que cabe a ela assumir o princípio pedagógico para
a docência na educação superior por meio de formulação de políticas permanentes de formação para
assegurar a qualidade do trabalho da universidade na contemporaneidade, expressando o compromisso
dela com a mudança e com a melhoria na qualidade da docência e do ensino.

Compartilhamos do pressuposto de que as instituições possuem função fundamental na formação de seu


professor e reportamo-nos igualmente a Pimenta e Anastasiou (2002), Anastasiou (2007), Almeida (2006,
2011), Almeida e Pimenta (2009) e Cunha (2006), que discutem a formação docente, relacionando-a ao
trabalho e à carreira profissional. Essas pesquisadoras acolhem pressupostos voltados à implementação
de iniciativas que alcancem os professores em seus vários momentos da e na vida acadêmica, atentan-
do para os processos de socialização profissional e de construção de identidades ligadas aos locais de
trabalho. Apontam que, para trabalhar a formação do professor de ensino superior, é fundamental ter
clara a concepção de ensino de graduação, que se caracteriza como síntese da pesquisa e da extensão,
tomando o conhecimento produzido em confronto constante com a realidade concreta que possibilita

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 17


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
reavaliar e produzir novos conhecimentos com a superação dos desafios da realidade. Nessa concepção
de formação, observamos que o investimento no ensino de graduação aparece como atividade central
do professor sem, contudo, desconsiderar a pesquisa e a extensão como parte dos componentes in-
dispensáveis ao trabalho docente na universidade. Ademais, a ampliação das funções docentes na vida
acadêmica, assim como a assunção de cargos administrativos de direção, coordenação, entre outros, têm
revelado momentos diversos na trajetória profissional desses sujeitos que requerem formações também
diversas para melhor responder aos seus itinerários profissionais.

Estamos diante do desafio de rebatermos as transformações e articulações políticas do mercado corpo-


rificadas através de programas de formação que respondem à identidade das organizações de mercado
e desconsideram a construção da identidade dos sujeitos, pois a formação de professores estruturada
eventualmente e desvinculada do contexto do trabalho docente é ainda muito presente na realidade
brasileira, apresentando-se como projetos que não valorizam a construção de conhecimento nem os
professores como protagonistas da sua própria formação.

Convém destacar que, no nosso entendimento, tomar a instituição como espaço de formação salienta
a prática como vivência privilegiada, mas possui componente teórico estruturante e não prescinde das
determinações organizacionais da instituição em que está inserida. Contudo, observa-se que a prática e
a experiência são privilegiadas quando falamos em aprender a ser professor, talvez porque essas tragam
crenças, juízos de valor, juízos de fato e uso de precedentes e probabilidade ao trabalho cotidiano da
docência, sendo essas características da própria vida cotidiana (HELLER, 2008). Mas, se a prática e a
experiência têm essas características, é importante uma reflexão crítica sobre elas. A prática entendida
como um fazer automático ou uma ação fluida e mutável, naturalmente, não é mediada pelas culturas
social, acadêmica e docente que envolvem um movimento dinâmico e dialético entre o fazer e o pensar.

Dessas implicações, pressupõe-se que ainda há um grande fosso entre a prática e a teoria. Adolfo Vázquez
(2011) indica que “a dependência da teoria em relação à prática, e a existência dessa como últimos
fundamentos e finalidades da teoria evidenciam que a prática – concebida como uma práxis humana
total – tem a primazia sobre a teoria; mas esse primado, longe de implicar uma contraposição absoluta à
teoria, pressupõe uma íntima vinculação com ela” (p. 234). A prática vinculada com a teoria estabelece
um movimento constante de reflexão e crítica sobre o fazer docente devido ao caráter mutável e fluido
da realidade. Compreender a prática como casual, artesanal ou simplesmente como rotina, na qual só se
aprende a fazer fazendo, esvazia a reflexão vinculada à prática educativa com objetivo transformador. Os
saberes não se encontram prontos na teoria e muito menos no espontaneismo da prática, mas requerem
um movimento de reconstrução e de interpretação das realidades da sala de aula, da instituição e da
sociedade, a fim de irem se constituindo crítica e reflexivamente.

O contexto pode fornecer ao docente a certeza de que, por meio da prática, aprende-se a ser professor.
No entanto, consideramos que esses saberes têm origem na prática cotidiana, sempre em confronto com
as diversas condições da profissão. Entender que a experiência é construída a partir da reflexão constante
sobre/na prática, atentando para o contexto sociocultural, abriga e fomenta valores e conteúdos à insti-
tuição de educação superior e, consequentemente, ao trabalho docente; é entender que compreensão
e ação mutuamente se potenciam.

Com efeito, Almeida (2006) reconhece que a formação do professor deve estar alinhada a uma perspec-
tiva de desenvolvimento profissional que tem, na formação inicial, o começo de um processo contínuo
18 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
no qual a profissão se desenvolve por meio de descobertas individuais e coletivas que se sedimentam e
se (re)constroem por meio de uma rigorosa reflexão sobre a prática mediada pela teoria, o que permite
a reconstrução da experiência na perspectiva do aprimoramento da atuação futura.

Portanto, compreender a formação do professor da educação superior relacionada ao seu desenvolvimento


profissional significa reconstruir os significados da sua ação profissional, investir na profissão docente e
nos seus saberes, estabelecer uma formação relacionada aos vários momentos da trajetória e da carreira
profissional, possibilitar a criação de espaços e de lugares de debate para a construção da identidade
do professor, no plano individual e coletivo, investir na dimensão coletiva a fim de evitar o isolamento
dos professores e estimulá-los a compreender a docência como um compromisso político e, por fim,
debater as perspectivas de formação como processo sistemático com acompanhamento, envolvendo os
professores desde o planejamento até a discussão pública de seus resultados, superando o entrave das
descontinuidades administrativas.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 19


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise aqui desenvolvida consideramos que é desafiador à Pedagogia trabalhar na educação superior
em direção à formação de professores aliada ao seu desenvolvimento profissional, avançando no proces-
so da docência mediante sua formação pedagógica e vinculando programas institucionais aos projetos
pessoais e profissionais dos docentes. No entanto, acreditamos que essa é uma possibilidade profícua
para o enfrentamento dos desafios e mudanças da educação superior no atual contexto. É evidente que,
no campo conceitual da Pedagogia Universitária aqui problematizada, a formação do professor tem uma
relação dialética com seu desenvolvimento profissional, por isso a formação acontece em relação à prática
educativa da educação superior, considerando seu contexto e as vivências dos professores como espaço
de construção de aprendizagens. São, portanto, aprendizagens situadas por estarem na relação diretamen-
te contextual e por serem incorporadas e construídas na relação do docente com a situação concreta de
trabalho, tendo a ver com a experiência desse sujeito. Logo, a formação aqui pensada tem fonte social e
se integra ao trabalho docente como sendo pessoal e profissional, tendo nas experiências da sala de aula
e na instituição seus componentes estruturadores. Ademais, acreditamos que enquanto a Pedagogia para
a educação superior não enfrentar o desafio de romper com a distância entre a formação de professores
e o seu desenvolvimento profissional, relacionando-o às trajetórias da carreira desses profissionais, não
conseguirá se consolidar como uma práxis institucionalizada, crítica e, portanto, transformadora.

20 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. I. de. Apontamentos a respeito da formação de professores. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.).


Formação de educadores: artes e técnicas, ciências e políticas. São Paulo: UNERSP, 2006.

ALMEIDA, M. I. de. Pedagogia universitária e projetos institucionais de formação e profissionalização de


professores universitários. 2011. 147 f. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2011.

ALMEIDA, M. I. de. Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais. São
Paulo: Cortez, 2012.

ALMEIDA, M. I. de; PIMENTA, S. G. Pedagogia Universitária: valorizando o ensino e a docência na


Universidade de São Paulo. In: ______. (Orgs.). Pedagogia Universitária. São Paulo: EDUSP, 2009.

ANASTASIOU, L. das G. C. Propostas curriculares em questão: saberes docentes e trajetórias de forma-


ção. In: CUNHA, M. I. da. Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas, SP: Papirus, 2007.

ARAÚJO, J. C. S. Pedagogia Universitária: gênese filosófico-educacional e realizações brasileiras no século


XX. Linhas Críticas, Brasília, v. 14, n. 26, p. 25-42, jan./jun. 2008.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/cciv il_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 20 out. 2013.

CUNHA, M. I. da. O Professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM, 1998.

CUNHA, M. I. da. Pedagogia Universitária. In: MOROSINI, M. C. Enciclopédia de pedagogia universitária:


glossário. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.

CUNHA, M. I. da. O Lugar da formação do professor universitário: a condição profissional em questão.


In: ______. Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas, SP: Papirus, 2007.

CUNHA, M. I. da. Inovações pedagógicas: o desafio da reconfiguração de saberes na docência universi-


tária. Cadernos de Pedagogia Universitária, São Paulo: Ed. da USP, v. 6, set. 2008.

FARIA, L. R. A. de. As orientações educativas contra-hegemônicas das décadas de 1980 a 1990 e os


rebatimentos pós-modernos na didática a partir da visão de estudiosos. 2011. 342 f. Tese (Doutorado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

HELLER, A. O Cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. São Paulo:
Paz e Terra, 2008.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013. 21
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
LEITE, D. Verbetes gerais. In: Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário. Vol. 2. Editora-chefe:
Marília Morosini. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.

LUCARELLI, E. (Org.). El asesor pedagógico en la universidad. De la teoría pedagógica a la práctica em


la formación. Buenos Aires: Paidós, 2000.

MAZZOTTI, T. B. Estatuto de Cientificidade da Pedagogia. In: PIMENTA, S. G. (Coord.). Pedagogia, ciência


da educação?. São Paulo: Cortez, 1998.

PIMENTA, S. G. (Coord.). Pedagogia, ciência da educação?. São Paulo: Cortez, 1998.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002.

PIMENTA, S. G.; ALMEIDA, M. I. de (Orgs.). Pedagogia universitária: caminhos para a formação de pro-
fessores. São Paulo: Cortez, 2011.

SCHEIBE, L. Pedagogia universitária e transformação social. 1987. 187 f. Tese (Doutorado em Educação)
– Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1987.

VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Tradução de Maria Encarnación. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales (CLACSO). São Paulo: Expressão Popular, 2011.

22 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 11-22, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Estratégias de formação do professor universitário


entre a memória e a experiência: Uma conversa no
espiral do tempo
Vania Chaigar e Ligia Carlos

RESUMO: O texto apresenta considerações de uma pesquisa em andamento sobre estratégias de


formação do professor universitário. Essa pesquisa busca compreender percursos e experiências
institucionais, visando contribuir com o desenvolvimento profissional docente. Ampara-se nos conceitos
de formação, experiência, assessoramento e desenvolvimento profissional. Referencia-se nos autores,
Dewey, Larrosa, Benjamin, Lucarelli, Ruiz e Cunha. Neste recorte específico, recorre à memória e à
narrativa de uma professora que, nos anos 1970 e 1980, desenvolveu, com colegas da universidade,
um projeto formativo em um contexto tecnicista e de ausência da cultura investigativa. Evidenciamos
na experiência a valorização do ensino, o trabalho coletivo, o apoio institucional, o prazer e as trocas
interdepartamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Professor universitário; projeto formativo; experiência.

ABSTRACT: This text shows considerations from an ongoing research on formation strategies of university
teacher. This searches to understand institutional pathways and experiences aiming to contribute to
the teacher´s professional development. It is sustained by concepts of formation, experience, advice,
professional development and it is based on Nóvoa, Contreras, Dewey, Larrosa, Benjamin, Lucarelli,
Ruiz and Cunha. In this particular cutting, it refers to the memory and narrative of a teacher who, in
the 70s-80s of the last century, developed with her colleagues on university, a formation project in a
technicist context and lack of investigative culture. It was evidenced in the experience: valorization of
teaching, collective work, institutional support, interdepartmental pleasure and exchanges.

Key words: University teacher; Formation project; Experience.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013. 23


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva
em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para
a história.
BENJAMIN, 1987a, p. 223.

Este artigo reflete uma pesquisa em processo sobre as estratégias de formação do professor universitário,
bem como o papel do assessor nesse contexto. Em países da América Latina, como a Argentina, a figura
das “assessorias pedagógicas” no âmbito da universidade existe há algum tempo. Essas assessorias são
vistas como um recurso do qual as instituições dispõem para potencializar e qualificar o ensino superior
(LUCARELLI, 2000).

A primeira fase da investigação visa levantar as experiências transcorridas no contexto universitário e as


estratégias utilizadas e inclui pesquisas nos estados da Bahia, de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul.

Neste texto, especificamente, enfocaremos o estudo que está sendo realizado em uma universidade
gaúcha, apresentando resultados dessa incursão.

O excerto que abriu o trabalho pretende sintetizar um pouco o objetivo desta escrita, que é o de explorar,
sob a forma da narrativa, uma iniciativa de formação do professor universitário realizada no interior da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG), entre o final da década de 1970 e início dos anos 1990. O
projeto teve duas fases distintas: uma ação colaborativa entre colegas de uma estrutura departamental
e, na sequência, sua institucionalização, via Reitoria. Deteremo-nos na primeira.

Optamos pela narrativa ou por uma escrita atravessada por elementos narrativos no sentido de considerar
em “pé de igualdade” diferentes fontes e memórias sobre a investigação em processo. Assim, grandes e
pequenos fragmentos de memórias, documentos e pistas virtuais têm valores similares, posto que, como
afirmou Benjamin (1987a, p. 223), “nada do que aconteceu pode ser considerado perdido para a história”.

Memórias particulares dos sujeitos contatados estão entremeadas com fatos documentados e constituem
o fio condutor desta narrativa.

LOCALIZANDO NO TEMPO-ESPAÇO

Na época citada, a universidade era formada por departamentos. Entre eles, havia o Departamento de
Educação e Ciências do Comportamento (DECC), no qual se desenvolveu o projeto formativo que foi
destinado tanto a professores lá presentes quanto aos demais docentes universitários.

O DECC reunia professores das Ciências Humanas e Sociais amalgamados pelo estilo departamental que,
durante longo período, caracterizou as universidades brasileiras. Surgiu em 1981 e extinguiu-se no ano
2008, sendo que nove pessoas passaram pela sua direção. Em 2008, com a mudança na infraestrutura
da FURG e a criação das unidades acadêmicas, foi dividido ao meio. De um lado surgiu o Instituto de
Educação (IE) e de outro, o Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI).

No IE ficaram os cursos de Pedagogia e Educação Física e os cursos de Pós-Graduação em Educação


Ambiental e Ciências da Vida e Educação (mestrado e doutorado). Atualmente também há Pós-Graduação

24 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
em Educação (mestrado), além de em Pedagogia (modalidades EaD e PARFOR), e especialização em
Educação Física e em Educação Ambiental (sendo o último também EaD).

No ICHI permaneceram os cursos de História, Geografia, Biblioteconomia, Psicologia, Arquivologia,


Arqueologia e Turismo. Também existem programas de Pós-Graduação em Geografia (mestrado) e em
História (mestrado profissional), além das especializações em Mídias em Educação e Rio Grande do Sul:
sociedade, cultura e política (EaD).

Tínhamos poucas pistas quando demos início à nossa busca por vestígios da experiência docente, sendo
a mais significativa o nome de uma professora que teria participado de um projeto formativo na institui-
ção. A materialidade de documentos e de outros testemunhos históricos é muito pequena. A maior parte
dos professores desse período está aposentada e os registros escritos são praticamente inexistentes.

Entretanto, conforme fomos imergindo no mundo das reminiscências através de buscas on-line, contatos
por e-mails, telefonemas, leituras de artigos da época, entrevista, etc., fomos nos aproximando de outros
contextos históricos e nos encantando com a riqueza testemunhal que as pessoas, como professores e
funcionários, têm guardada desse departamento.

Quando conversamos com E1, um quase “dinossauro” da universidade, como ele mesmo diz, ele tinha
uma alegre voz no telefone ao falar, sem pressa, sobre as pessoas mencionadas do outro lado da linha:
“Ah, essa é gente fina, mora num sobradinho na Rua Major Carlos Pinto. Quem mais? Ah, a M foi chefe
do DECC muito tempo, eu a conheço bem! O P? Ah, foi nosso, agora parece que está no ICHI. [...] Estão
quase todos aposentados [...]”.

Worcman nos diz que abrir espaço a toda “pessoa que queira narrar sua história para fazer parte da memória
coletiva dessa cidade é disputar, na dimensão da memória, o território simbólico de uma cidade” (2012, p. 6).
Parafraseando-a, podemos dizer que, ao ouvirmos e narrarmos histórias de vida produzidas por servidores
da universidade, estamos favorecendo que outros sujeitos disputem o “território simbólico” da instituição.

Alegres recordações também pontuaram as memórias da professora entrevistada, povoadas por encon-
tros, amizades, churrascos e outros artefatos imateriais presentes nas relações por ela destacadas, em
uma universidade do interior do Rio Grande do Sul em um tempo menos apressado. Essa entrevista se
revelou chave para o que desvendamos até agora e é o principal aporte empírico a embasar este artigo.

A professora T está aposentada da instituição investigada, embora ainda esteja trabalhando em outra
universidade.

Ouvindo-a, pudemos ponderar que o pequeno, o não acadêmico, como fenômeno do cotidiano parecia ser
mais bem dimensionado e as relações sociais, menos competitivas e narcisistas. Segundo a professora,
em um depoimento em 2012, “esta fase foi muito forte no nosso departamento, formamos uma comissão
que foi como iniciou o trabalho pedagógico dentro da Universidade de Rio Grande.2 [...] Eu e um grupo
de amigos professores do departamento de Educação e Ciências do Comportamento”.

1 Utilizaremos letras para identificar contatados. Atualmente, E é secretário do Instituto de Educação.


2 Na época, tratava-se da Fundação Universidade do Rio Grande. Em 1987 passou à condição de Fundação Pública. Em 1999 tornou-se Fundação
Universidade Federal do Rio Grande. Desde 2008 denomina-se Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Disponível em: <http://www.furg.
br/história>. Acesso em : 5go. /8/2.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013. 25
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Para o grupo, as relações extrapolavam o espaço departamental, conforme indica este comentário: “A
O disse que não se lembra do curso; lembra-se dos churrascos, dos almoços, das festas” (Professora T,
depoimento, 2012).

O tempo-espaço da convivência pode ter sido colaborador privilegiado para a experiência, posto estar
menos sujeito às regras da mercantilização.

Larrosa ponderou sobre as razões para a ausência da experiência na contemporaneidade. Uma delas é a
velocidade com que nos são apresentadas as novidades e a obsessão pelo novo, pois elas impedem “a
conexão significativa entre acontecimentos” (2002, p. 23), bem como a produção da própria memória, na
medida em que rapidamente um fato é substituído por outro lhe tomando o lugar. Diz o autor:

Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim,
é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode
perder tempo, que tem sempre de aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, que
tem de seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás, por isso mesmo, por
essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo. [...] Com isso,
também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece (LARROSA, 2002, p. 23).

A produção da experiência acontecimento, portanto, enfraquece à medida que nos envolvemos mais
superficialmente nos projetos contemporâneos. Como o autor, sintetizamos que muito nos sucede, mas
pouco nos acontece (LARROSA, 2002).

A memória da professora T forneceu indicativos sobre o formato do projeto, o qual teve várias denomina-
ções/alterações ao longo do seu processo. Em um contexto tecnicista e em uma época em que a univer-
sidade enfatizava o ensino, o trabalho voltava-se para as seguintes dimensões: ensinar a planejar, definir
objetivos, utilizar recursos tecnológicos, etc. Essas eram as necessidades percebidas pela “Comissão”
(termo usado pela entrevistada).

A experiência, segundo Dewey (1976, p. 29), “é uma força em marcha. Seu valor não pode ser julgado
se não na base de para que e para onde ela se move”. Daí a importância de compreender o contexto no
qual a experiência foi produzida.

Percebemos que as experiências nas instituições de ensino, tanto na universidade quanto na escola,
adequavam-se às legislações3 decorrentes do acordo MEC-USAID. O modelo taylorista-fordista da gestão
empresarial, que estava centrado na racionalidade, na eficiência e na produtividade, foi transposto para
a administração universitária e escolar.

Os cursos, como o de Pedagogia, foram “fatiados” segundo uma visão funcionalista, e, em decorrência
disso, surgiram especializações, como a supervisão escolar, voltada para dar maior eficiência ao ensino e
tendo como funções conceber, planejar, coordenar e controlar os processos de ensino (OLIVEIRA, 2006).

Nesse contexto, a tecnologia educacional pode ser considerada uma “tendência pedagógica” dos anos
1970, da qual são exemplos a instrução programada, o microensino, o enfoque sistêmico, o planejamento
do ensino e a operacionalização dos objetivos (OLIVEIRA, 2006).

O trabalho formativo, na perspectiva da entrevistada, presumia que os professores iam

3 Lei 5540/68 – Reforma Universitária e Lei 5692/71 – Reforma da LDB.


26 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
[...] em busca dos cursos e ficavam maravilhados com tudo e traziam a realidade deles para
debate, lógico, não com o olhar que a gente tem hoje de pesquisadora, nem com o olhar que
eu tenho de ensino. Vocês têm que ver que era outra época, era tecnicista. O que a gente estu-
dava? [...] A gente aprendia a fazer planos, a fazer objetivos, e isso atendia o que eles queriam,
a trabalhar com tecnologia, com recursos [...] (Professora T, depoimento, 2012).

Eis uma grande distinção histórica temporal. Como o ensino era o destaque na universidade, as práticas
pedagógicas tinham muita importância, assim como os profissionais relacionados a elas. Esses eram
objeto de admiração e tinham apoio em suas proposições. “Todo mundo queria o pedagógico”, disse
nossa entrevistada.

O trabalho aparece inicialmente sob a forma de uma “comissão de apoio” e/ou “comissão de tecnolo-
gia” (as duas expressões são mencionadas), destinada a professores de várias áreas, sendo inicialmente
apenas aos do DECC e, posteriormente, estendendo-se aos demais.

Nós formamos essa comissão de tecnologia, e qual era o objetivo da comissão de tecnologia?
[...] Tinha entre suas competências oferecer assessoramento técnico-pedagógico aos docentes
da FURG, organizar e oferecer cursos, encontros e seminários para professores da universidade
e comunidade em geral (Professora T, depoimento, 2012).

Provavelmente, seu início aconteceu em simultaneidade com a criação do próprio departamento em 1981,
embora a professora se reporte ao término de seu mestrado em Tecnologia Educacional, junto ao INPE,
em 1978, cujos estudos sobre supervisão na universidade teriam inspirado o trabalho.

O período também encerra uma fase histórica para o Brasil e apresenta em seu núcleo dois momentos
distintos: o anterior à Constituição de 1988 e o posterior. No anterior, os professores da universidade
eram convidados a fazerem parte do seu quadro, como relatou a entrevistada. Com a promulgação da
Constituição e a obrigatoriedade do concurso para ingresso nas instituições públicas, os professores que
já faziam parte do corpo docente tiveram de passar por uma banca externa. “Eu também entrei como
convidada, porque não tinha concurso naquela época. Depois, na década de 1980, todo mundo teve que
fazer concurso com banca externa, se rodasse, iria para fora” (Professora T, depoimento, 2012).

Da mesma forma, a ausência de titulação mediante estudos em stricto sensu pareceu-nos que levava
a universidade a investir na qualificação, fazendo convite aos seus professores e financiando os cursos.
Esse foi o caso da Professora T, que foi convidada a realizar seu mestrado em outra instituição, inclusive
com financiamento. “Passaram na minha aula vendo quem queria, e eu queria estudar fora e fui, e não
sabia que já tinha bolsa e iria contratada da universidade” (Professora T, depoimento, 2012).

O mestrado, associado às parcerias com grupo de amigos/colegas, em um contexto de valorização do


ensino e das pessoas que nele atuavam, provavelmente favoreceu o projeto formativo. Segundo a memória
da nossa narradora, o trabalho atravessou a década de 1980, com vários desdobramentos e alterações
na vida da pessoa professora e da própria universidade.

ANDANÇAS E MUDANÇAS: A “COMISSÃO” NO ESPIRAL DO TEMPO

Em busca de elementos sobre o formato e as estratégias do projeto, foram realizadas buscas em docu-
mentos on-line da FURG, em arquivos do Instituto de Educação, da revista Momento4 e da Pró-Reitoria

4 A Revista Momento surgiu em 1983 no DECC. Atualmente tem o nome de Revista Momento: Diálogos em Educação e faz parte do Programa de
Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013. 27
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (PROGEP), em artigos da época, em sites e nas memórias de
professores e funcionários.

Até agora, conforme mencionamos, pouca materialidade foi encontrada, assim como são escassas as
lembranças abrangentes de professores que ainda estão em atividade e faziam parte do antigo DECC.
Contudo, cada contato auxiliou no direcionamento da pesquisa e nas fontes.

Embora tenha prevalecido, em vários momentos da entrevista e na narrativa da professora entrevistada,


o vocábulo “curso” para expressar o projeto formativo, o mesmo teve várias configurações.

Primeiro surgiu a Comissão de Tecnologia Educacional (COMTED).

O começo ocorreu a partir do retorno da professora do mestrado, juntamente com o “grupo de ami-
gos” professores do DECC composto por J (Psicologia), M (Chefe do Departamento), N (Pedagogia) e O
(Filosofia). Ocorreu também a entrada de uma técnica em assuntos educacionais A para apoiar o trabalho.
O local de funcionamento dessa Comissão era o DECC, no antigo campus da cidade.

A seguir foi criado o Serviço de Tecnologia e Apoio Pedagógico (SETEAP).

O serviço, por sua vez, subdividia-se em dois núcleos: o Núcleo de Apoio Pedagógico e o Núcleo de
Cursos. Desse último surgiu o curso de Especialização em Tecnologia Educacional.

No período, o grupo investiu no aperfeiçoamento e dois de seus membros (A e M) fizeram curso na


Fundação Padre Landell de Moura, em Porto Alegre, que, segundo a professora T, “era top de linha na
época com a história do rádio, que é o avô da educação à distância”.

Houve intensa produção de material didático, reconhecimento e apoio da Reitoria e ocorreu divulgação
para outros departamentos e para a comunidade. Deu-se, na ocasião, grande procura pelos cursos orga-
nizados, como o de Iniciação à Tecnologia Educacional para Professores, o qual incluía saberes relativos
à Filosofia da Educação, Didática e Psicologia. Segundo a narrativa da professora T, “bombava de profes-
sores, era maravilhoso!”.

Observamos a existência de situações que auxiliavam na concretização do trabalho do grupo, posto que
“toda genuína experiência tem um lado ativo, que muda de algum modo as condições objetivas em que as
experiências se passam. [...] a experiência não sucede no vácuo. Há fontes fora do indivíduo que a fazem
surgir” (DEWEY, 1976, p. 31). Segundo esse autor, um dos princípios da experiência é o da interação,
isto é, quando condições objetivas e internas interagem, favorecendo relações entre “pessoas, objetos
e outras pessoas” (DEWEY, 1976, p. 31).

Nessa fase consolidaram-se os cursos, que ocorriam sob a forma de extensão, e professores de distin-
tos departamentos e áreas os fizeram, como os da Medicina, da Enfermagem e da Biologia. O material
didático era constituído por apostilas elaboradas pela equipe e cópias de livros. O apoio da universidade,
as trocas interdepartamentais e as amizades foram assuntos citados em destaque.

Outra etapa ocorreu com a criação do curso Especialização em Tecnologia Educacional.

Embora haja imprecisão em relação a alguns aspectos dessa especialização, indícios apontam que ela serviu
mais a sujeitos externos à instituição: “Na especialização, nós tínhamos mais gente de fora do que profes-
sores da casa, tivemos poucos professores da casa, não me lembro...” (Professora T, depoimento, 2012).

28 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
“A memória é a mais épica de todas as faculdades” (BENJAMIM, 1987b, p. 210). É provável que a memória
da professora esteja mais densamente povoada pelos cursos de extensão, posto que ele foi constituído
por colegas, inclusive de outros departamentos, o que favoreceu intercâmbios afetivos e epistemológicos.

É plausível também que houvesse revezamento na coordenação desses projetos, pois no depoimento da
professora consta que: “Coordenei por três anos o curso de extensão, a O disse que foi por mais tempo,
mas eu só me lembro de três, e um ano na pós-graduação em Tecnologia Educacional, depois passou
para eles coordenarem, aí eu só dava aula”.

FIGURA 1 – SÍNTESE DAS ETAPAS DA COMISSÃO

Comissão de

Serviço de
Tecnologia e

Núcleo de Núcleo de
Apoio Cursos

Especialização em
Iniciação à
Tecnologia
Tecnologia

APRENDIZAGENS OU... O DOUTOR KOPSTEN É UMA SUMIDADE!

As trocas com colegas mais velhos e de áreas distintas geraram amizades, ajuda mútua e a compreensão
de que comportamentos/atitudes são alterados segundo o papel que cada um ocupa no contexto.

A professora exemplificou dizendo:

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013. 29


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Tinha um professor que eu não esqueço o nome: Doutor Kopsten! Era a maior sumidade em
coração. Um senhor bem velho de uns 70 e poucos anos, bem careca. [...] foi o único aluno que
eu nunca consegui chamar pelo nome, eu não conseguia, porque só via o médico ali, mas ele
era bárbaro, e entrava na brincadeira, porque se criou um grupo muito bom. A universidade não
tinha essa coisa de aproximar os professores, eram departamentos e os professores, cada um.
[...] a medicina ainda era no campus separado [...] (Professora T, depoimento, 2012).

Em um período departamental cujos territórios eram bem demarcados, não havia a cultura do intercâmbio,
mas trocas entre colegas da universidade decorreram dos cursos e favoreceram a colaboração. “Aqui
nessa prática eu aprendi conceitos de solidariedade, organização coletiva, empreendimento, prazer e
significado na ação educativa”, disse a professora.

O movimento da depoente ajuda a compreender o caráter reconstrutivo da experiência, já que segundo


Dewey (1976, p. 41) “toda experiência deveria contribuir para o preparo da pessoa em experiências pos-
teriores de qualidade mais ou menos ampla ou mais profunda. Isto é o próprio sentido do crescimento,
continuidade, reconstrução da experiência”.

Outra aprendizagem diz respeito à relação entre o campo de conhecimento do professor e sua prática
pedagógica. Entender a docência a partir da área de atuação talvez tenha possibilitado o reconhecimento
da pedagogia universitária como uma especificidade, cujos conhecimentos eram mais amplos do que os
pensados até então. A professora passou a problematizar o paradigma tecnicista, no qual ensinar está
associado ao domínio da tecnologia.

A entrevistada completou:

A visão de outras áreas do ensino, o saber e o fazer pedagógico de colegas de áreas aparen-
temente distanciadas da pedagogia serviram-me para desocultar uma realidade até então
desconhecida: a não neutralidade do profissional da educação. A realidade estava sofrendo
reformulações, permitindo-me estudar os problemas no cotidiano e questionar o professor na
sua área de atuação (Professora T, depoimento, 2012).

Além das trocas interdepartamentais através dos cursos, a equipe também aprendia através dos inter-
câmbios das áreas no interior do próprio departamento. A composição diversificada do grupo promoveu
complementaridades no conhecimento de cada um (a).

Na época o meu curso foi muito tecnicista, dentro do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE),
então eu não tinha os fundamentos filosóficos e, recém, a gente estava estudando Paulo Freire
pelas entrelinhas, pelas brechas. E a O, essa minha amiga, [...] ela é da Filosofia, então a gente
se ajudava muito, sabe, eu aprendia muito. [...] Nós aprendemos muito uns com os outros.
Muuuuito! E o departamento sempre era valorizado (Professora T, depoimento, 2012).

Vale lembrar que a época era de ditadura e Paulo Freire, um proscrito.

A riqueza da narrativa da nossa entrevistada permitiu-nos compreender parte do projeto formativo desen-
volvido. Ratificamos que a ênfase tenha ocorrido entre 1981 e 1984, posto que a partir de 1985 a professora
T foi trabalhar na reitoria e outra fase foi iniciada com um novo formato. O principal desdobramento foram
os cursos de extensão e de especialização em Tecnologia Educacional, a julgar pelas pistas apresentadas.
30 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O projeto formativo deu-se na contramão da cultura departamental da época, mas teve a seu favor o des-
taque dado ao ensino e o status que os professores da área didático-pedagógica gozavam na universidade.

Ficaram também indícios sobre a importância da colaboração e do coletivo, posto que memórias de
relações sociais qualificadas embasaram a experiência. Naquele tempo-espaço de realce do tecnicismo
e de herméticos departamentos, o grupo de professores parece ter percebido brechas para uma ação
formativa. Essa impressão é corroborada pelo sujeito que nos emprestou suas memórias para nos apro-
ximarmos daquela experiência. Disse-nos:

O grupo todo era muito unido, muuuuito, muito bom de trabalhar. [...] tenho esperança no trabalho
colaborativo porque eu acho que trabalho só é profícuo se tiver algumas relações anteriormente
estabelecidas ou durante o período. [...] nós não nos conhecíamos, mas fomos nos conhecendo
e fomos fazendo, fomos fazendo, fomos fazendo... (Professora T, depoimento, 2012).

Da atenta imersão em nossas pistas, da relativização espaço-temporal e do encontro com Dewey, fica
um convite à reflexão, já que:

Assim como homem nenhum vive ou morre para si mesmo, assim nenhuma experiência vive ou
morre por si mesma. Independentemente de qualquer desejo ou intento, toda experiência vive e
se prolonga em experiências que se sucedem. Daí constituir-se o problema central da educação
alicerçada em experiência, a seleção das experiências presentes, que devem ser do tipo que irão
influenciar frutífera e criadoramente nas experiências subsequentes (DEWEY, 1976, p. 16-17).

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013. 31


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Lescov. In: _____. Magia e Técnica,
Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987a. p. 197-221.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: _____. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1987b. p. 222- 232.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi.
Revista Brasileira de Educação. n. 19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr. 2002.

DEWEY, John. Experiência e Educação. Tradução de Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1976.

LUCARELLI, Elisa et al. El asesor pedagógico en la universidad: de la teoría pedagógica a la práctica en


la formación. Buenos Aires: Paidós, 2000.

OLIVEIRA, Nilza Helena de. Atuação do Pedagogo – uma análise a partir das atas de reunião de supervi-
sores de um Instituto Tecnológico na década de 70. CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO, 6., 2006, Uberlândia. Anais... Uberlândia: [s.n.], 2006. p. 4131-4142. Disponível em: <http://
www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/371NilzaHelenadeOliveira.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2012.

WORCMAN, Karen. Como histórias de vida mostram cidades invisíveis. Rio de Janeiro: [s.n.], [s.d].
Disponível em: <http://www.museudapessoa.net/public/editor/como_hist%C3%B3rias_de_vida_mos-
tram_cidades_invis%C3%ADveis.pdf >. Acesso em: 10 dez. 2012.

32 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 23-32, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

A formação do pedagogo: Quem são e o que dizem


os alunos concluintes de um curso de pedagogia

Ana Silvia Moço Aparício


Celia Maria Haas
Elisângela Fregonezi Diniz Ribeiro
Maria de Fátima Ramos de Andrade

RESUMO: O presente texto se propõe a apresentar os resultados de uma pesquisa que teve como
foco a investigação do significado de ser pedagogo para alunos concluintes do curso de Pedagogia. A
temática surgiu das preocupações em torno do rumo que o curso de Pedagogia tomou após a publicação
das novas Diretrizes Curriculares, que romperam com a identidade de um curso que formava o bacharel
e o licenciado ao privilegiar a última formação e comprometeram a visão do que é ser pedagogo. A
pesquisa se caracterizou como quantitativa e qualitativa na medida em que trabalhamos a aplicação
de questionários com questões fechadas e abertas. Da análise realizada, constatou-se que os alunos
acreditam na sua profissão como uma forma de contribuição para a melhoria da sociedade, escolheram
a área porque gostam do que fazem e se sentem satisfeitos por isso.

PALAVRAS-CHAVE: Formação docente; Curso de Pedagogia; Pedagogo.

ABSTRACT: This paper aims to present the results of a survey that focused on the investigation of
the meaning of being teacher for graduating students of Faculty of Education. The issue arose from
concerns about the new direction that the Faculty of Education has taken the Faculty of Education after
the publication of the new Curriculum Guidelines, which broke with the identity of a course that formed
the bachelor and licensed by privileging the last training compromise the vision of being a pedagogue.
The research is characterized as qualitative and quantitative in that work the questionnaires with closed
and open questions. From the analysis, it was found that students believe in their profession as a way
of contributing to the betterment of society chose the area because they like what they do and feel
satisfied by it.

KEYWORDS: Teacher training; Faculty of Education; Pedagogue.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 33


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
INTRODUÇÃO

Toda mudança acarreta consequências nem sempre previsíveis. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de Licenciatura em Pedagogia foram uma proposta de reforma imposta que não atendeu, em muitos
aspectos, ao que era esperado pelos professores, que, em última análise, são os responsáveis na sua im-
plantação. Canário (2005, p. 93) afirma que “as reformas impostas ‘de cima’ produzem mudanças formais,
mas, raramente, transformações profundas, duráveis e conformes com as expectativas dos reformadores”.

Dados de uma pesquisa que realizamos anteriormente já apontavam indícios fortes de descontentamento
entre os alunos do último ano e entre os professores. Tais resultados e o contexto geral de diminuição do
interesse por cursar Pedagogia, haja vista a diminuição de matrículas em diversas instituições de acordo
com notícias informais de docentes a elas vinculados, é um sintoma que precisa ser verificado nas suas
causas. Sabe-se que o interesse por um curso não depende apenas de sua proposta, e que talvez alguns
outros fatores do contexto educacional e social estejam interferindo na escolha por cursar Pedagogia.
Entre esses fatores pode-se encontrar a desvalorização crescente do pessoal do magistério, o que re-
força a exigência da oferta de um excelente curso para os poucos que nele adentram e o que requer um
conhecimento desses alunos. Toda essa reflexão conduziu à decisão de continuarmos pesquisando qual
o significado de ser pedagogo para os alunos egressos do curso de Pedagogia.

Há muito tempo luta-se por uma escola de qualidade para todos. Isso, historicamente, faz parte do ide-
ário de todo educador comprometido, desde os que se dedicam mais às pesquisas teóricas até os que
desenvolvem sua prática cotidiana na escola. Lamentavelmente, a escola pública, apesar dos esforços
de muitos, ainda não é “para todos” e não pode ser considerada “de qualidade”. Predomina nas análises
feitas sobre ela e nos dados de avaliação a denúncia de suas mazelas e nada ou quase nada é indicado
como sucesso. É inegável que a formação do educador influencia a sua prática.

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Gatti e Barreto (2009), da Fundação Carlos Chagas, ofereceu
um balanço da situação relativa à formação de professores para a educação básica no Brasil. A pesquisa
analisou, por amostra representativa, a estrutura curricular e as ementas de 165 cursos presenciais de
institutos de ensino superior. O estudo indicou que “as disciplinas referentes aos conhecimentos rela-
tivos à formação profissional específica pouco exploram seus desdobramentos em termos de práticas
educativas”. E, também estacam que do total das disciplinas encontradas, mesmo as classificadas como
voltadas à formação profissional específica, pelas ementas estudas apontam que a “essa formação é
feita de forma ainda muito insuficiente” (GATTI E BARRETO, 2009, p. 121).

O campo prioritário de atuação do pedagogo é a educação básica, logo é grande a necessidade de contar
com pedagogos bem formados e dispostos a trabalhar em prol de mudanças na situação da escola de
educação básica. Diante do contexto que expressa o desinteresse pelo curso, é preciso conhecer melhor
o aluno que nele ingressa e oferecer a ele um curso que possibilite uma formação teórica sólida e que o
desenvolva para que se torne um profissional competente e não frustrado nas suas expectativas.

Diante dessa problemática, decidimos realizar uma pesquisa com alunos concluintes da Pedagogia, pro-
pondo as seguintes questões: O que expressa o aluno sobre a sua decisão em se matricular e frequentar

34 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
o curso de Pedagogia? O que o motiva para tal? Quais são as suas expectativas? Qual o nível de satisfação
com o curso? Será que os alunos mudam no decorrer do curso? O aluno da graduação em Pedagogia
estimularia outros jovens a cursá-la?

Os participantes dessa pesquisa foram os alunos concluintes do curso de Pedagogia de uma universidade
municipal do estado de São Paulo. O primeiro grupo, identificado como grupo 1, refere-se aos alunos
concluintes de um curso de três anos, e o grupo 2 refere-se aos alunos concluintes do 4º ano, última
turma de Pedagogia do período de quatro anos antes da nova Diretriz Curricular que permitiu a alteração
da duração do curso para três anos. O grupo 1 está composto por 38 alunos e o grupo 2, por 22 alunos.

A metodologia utilizada foi de orientação quantitativa e qualitativa. A coleta dos dados foi realizada com
a aplicação de questionários de questões objetivas e dissertativas aos dois grupos. A partir dessa coleta,
fizemos também análise do conteúdo (FRANCO, 2007) das respostas escritas dos alunos a fim de enrique-
cer as análises interpretativas e obter informações mais gerais em relação ao próprio objeto da pesquisa.

RESULTADOS

Após a mudança promovida pela Resolução n. 1 de 2006, que instituiu as novas Diretrizes Curriculares
Nacionais do curso de Pedagogia e centrou as atenções na formação de professores da educação bá-
sica e de gestores, consideramos essencial estudar como a Pedagogia se situa no cenário atual e qual
o impacto dessa mudança nos futuros pedagogos. O aluno é o envolvido diretamente nesse cenário da
formação de professores e, portanto, é aquele que pode apontar os pontos fortes e fracos do atual curso
de Pedagogia. Segundo Gatti (2010, p. 1361), “é importante considerar as características dos licenciados,
uma vez que estas têm peso sobre as aprendizagens e seus desdobramentos na atuação profissional.
Quem são os alunos das licenciaturas? Quais expectativas têm e qual sua bagagem?”.

Como já apontamos na Introdução, a construção deste trabalho pautou-se em buscar no aluno concluinte
de Pedagogia suas percepções, suas impressões a respeito do curso, os aspectos relevantes de sua
formação e as perspectivas do exercício da profissão. Para tanto, buscamos também conhecer quem é
esse aluno, quais são seus anseios e expectativas e por que ele escolheu tal curso e tal universidade. Para
alcançar esse objetivo, elaboramos um questionário a fim de traçar o perfil socioeconômico, profissional
e de trajetória escolar dos alunos. Os dados coletados nos permitiram fazer um trabalho extenso sobre
as características dos alunos e um estudo que abrange aspectos importantes do curso de Pedagogia.

Quanto à idade dos participantes da pesquisa, na comparação entre os dois grupos, vemos que há uma
diferença entre eles no que diz respeito à idade média. Enquanto o primeiro grupo apresenta idade média
de 20 anos, o segundo traz idade média de 29 anos. No grupo 1, entre os 18 e 24 anos situam-se 57, 89%
dos participantes; entre os 25 e 29 anos estão 23, 68% e entre os de 30 a 51 anos estão 18,42%. No grupo
2, entre os 18 e 24 anos situam-se 61,90% dos alunos; entre os 25 e 29 anos estão 14,28% e entre os de
41 a 67 anos estão 23,80%. Os dois grupos apresentam uma maior concentração de alunos na faixa dos
20 anos (81% do grupo 1 e 76% do grupo 2). Há um público bem diversificado no que diz respeito à idade,
característica essa semelhante ao encontrado em outros cursos de Pedagogia pelo país. Se observarmos
a idade dos alunos que realizaram o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade) de 2011 para
o curso de Pedagogia, podemos constatar que a idade média é de 33,4 anos, conforme tabela 1:

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 35


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
TABELA 1: DISTRIBUIÇÃO DO GRUPO ETÁRIO E SEXO EM % – MÉDIA DAS IDADES

Fonte: MEC/Inep. Enade/2011.

No tocante ao sexo, observamos a predominância do sexo feminino no grupo 1 (100%) e a maioria no


grupo 2 (90,91%). Esse dado é interessante porque mostra o quanto a profissão está ligada ao gênero. A
mulher continua tendo presença marcante nos cursos de Pedagogia, enquanto a participação masculina
se reduz a cada ano. Esse perfil pode ter uma característica histórica que coincide com a entrada da
mulher no mercado de trabalho através dos cursos de magistério, e por ser a docência a única ocupação
permitida às mulheres no início do século XX. Essa cultura se mantém até hoje no perfil dos alunos do
curso, atualmente mais voltado para a formação de professores.

No gráfico abaixo, do Censo da Educação Superior de 2011, podemos comprovar que a área da educação
é a que concentra mais alunos do sexo feminino, tendo uma pequena parcela de alunos do sexo mascu-
lino. Esse dado vai ao encontro dos dados que colhemos nessa pesquisa.

GRÁFICO 1 – DEZ ÁREAS DETALHADAS DE CONHECIMNETO COM MAIOS CONCENTRAÇÃO DE


MATRÍCULAS DE GRADUAÇÃO, SEGUNDO O SEXO FEMININO

Fonte: INEP/MEC – Censo da Educação Superior 2011.

As mulheres também são maioria no ensino superior do Brasil, conforme mostra o gráfico 2, que ilustra
que o sexo feminino representa 56,9% das matrículas, 55,78% dos ingressos e 61,1% dos concluintes.

36 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 2 – PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DE MATRÍCULAS, INGRESSOS E CONCLUINTES
DE GRADUAÇÃO SEGUNDO O SEXO

Fonte: INEP/MEC – Censo da Educação Superior 2011.

Quanto ao estado civil, tanto o grupo 1 (78,95%), quanto o grupo 2 (72,73%) apresentam uma maioria
de alunos solteiros. Esse número pode estar ligado à faixa etária do curso, que agrupa a maior parte dos
alunos na faixa dos 20 anos. Esse fator corrobora o item seguinte, que é o número de dependentes: no
grupo 1 apenas 18,42% possuem dependentes e no grupo 2 temos 27,27%, o que também pode ser
atribuído à faixa etária dos alunos, demonstrada por um público jovem.

Com relação à etnia, vemos que os dois grupos estão compostos por uma maioria branca (65,79% do
grupo 1 e 77,27% do grupo 2), seguida pela parda e pela negra. Comparando esses números com o Enade
2011, podemos concluir que a maioria de alunos da cor branca é uma característica ainda predominante
no curso de Pedagogia, conforme tabela abaixo:

TABELA 2: DISTRIBUIÇÃO DA COR/ETNIA, SEGUNDO O SEXO DOS ESTUDANTES


CONCLUINTES – PEDAGOGIA/LICENCIATURA

Fonte: MEC/Inep. Enade/2011.

Quando analisamos o local de residência, vemos que os dois grupos apresentam resultados semelhantes:
a maioria dos alunos mora em São Caetano do Sul, seguida pelo município de São Paulo. Outros muni-
cípios do ABC também aparecem, porém com uma porcentagem individual menor. Nos dois grupos, a
maioria dos alunos vive com familiares.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 37


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 3 – RESIDÊNCIA: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 4 – RESIDÊNCIA: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

A leitura dos dados sobre a vida escolar dos alunos é muito próxima dos resultados do Enade 2011. No
grupo 1, 86,84% dos alunos concluíram o ensino médio em escola pública; já para o grupo 2 esse núme-
ro é de 77,27%. A maioria dos alunos de Pedagogia do Enade 2011 também provém da escola pública,
e, quando analisamos esse número com o foco da universidade, vemos que a maioria que estudou em
escolas públicas hoje faz graduação em universidades privadas.

38 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
TABELA 3: DISTRIBUIÇÃO DO TIPO DE ESCOLA CURSADA NO ENSINO MÉDIO, SEGUNDO SEXO DE
ESTUDANTES CONCLUINTES E CATEGORIA ADMINISTRATIVA DA INSTITUIÇÃO SENDO FREQUENTADA
NO ENSINO SUPERIOR – PEDAGOGIA/LICENCIATURA

Fonte: MEC/Inep. Enade/2011.

Nos dois grupos analisados, a formatura do ensino médio ocorreu em 2008. No grupo 1, 76,32% dos alu-
nos cursaram seu primeiro curso universitário, contra 59,09% do grupo 2. A diferença está no número de
alunos que estavam fazendo a segunda graduação: no grupo 1 apenas 2,63% alunos, enquanto no grupo
2, 18,18% já possuíam outro diploma. A maioria afirmou querer continuar estudando após a formatura,
manifestando o desejo de realizar pós-graduação na área de educação.

Quando lançamos o olhar sobre a escolaridade dos pais dos alunos, constatamos que, para os dois gru-
pos, a maioria dos pais possui o ensino médio (tendo um empate entre o ensino médio e o fundamental
incompleto no grupo 2). O superior completo e a pós-graduação ainda têm uma porcentagem tímida, de-
monstrando que boa parte desses alunos pertence à primeira geração de graduados na família. Podemos
analisar esses dados de acordo com os resultados do Enade de 2011 para os alunos do curso de Pedagogia,
que demonstram que a maioria dos pais possuíam até o ensino fudamental I, conforme tabelas 4 e 5:

TABELA 4: DISTRIBUIÇÃO DO GRAU DE ESCOLARIDADE DO PAI, SEGUNDO O SEXO DOS CONCLUINTES

Fonte: MEC/Inep. Enade/2011.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 39


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
TABELA 5: DISTRIBUIÇÃO DO GRAU DE ESCOLARIDADE DA MÃE, SEGUNDO O SEXO DOS CONCLUINTES

Fonte: MEC/Inep. Enade/2011.

Quando entramos no perfil profissional dos alunos, tanto para o grupo 1 quanto para o grupo 2, a porcen-
tagem de alunos que trabalham com educação é alta (73,53% no primeiro grupo e 90,48% no segundo).

GRÁFICO 5 – ALUNOS QUE TRABALHAM: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 6 – ALUNOS QUE TRABALHAM: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Desse número, a escola particular é a que mais emprega esses alunos (74, 07% no primeiro grupo e
57,14% no segundo). Quanto ao nível de ensino, a maioria atua na educação infantil (66,67% no primeiro
grupo e 60% no segundo).

40 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 7 – TRABALHO EM ESCOLA PÚBLICA OU PRIVADA: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 8 – NÍVEL DE ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 9 – TRABALHO EM ESCOLA PÚBLICA OU PRIVADA: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 41


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 10 – NÍVEL DE ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Ao analisarmos a carga horária da jornada de trabalho, vemos que a maioria, nos dois grupos, trabalha até
seis horas por dia, e que eles conseguiram emprego através de testes e entrevistas (44,44% no grupo
1 e 60% no grupo 2). Quanto à contratação, 87,50% dos alunos do grupo 1 e 85,71% do grupo 2 foram
contratados pela escola em que faziam estágio remunerado antes de concluir o curso. Isso mostra que
a empregabilidade para quem começou como estagiário é alta.

A renda mensal é um tema preocupante na educação. Segundo o guia de consulta do Sindicato dos
Professores de São Paulo (Sinpro-SP), o piso salarial para os professores está estabelecido da seguinte forma:

TABELA 6: PISO SALARIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Fonte: Sinpro/SP. Disponível em: http://www.sinprosp.org.br/guia_consultas.asp?mat=7.

Se compararmos os números da tabela com os dados obtidos dos alunos, os números não diferem
do piso salarial da tabela anterior. Como a maioria dos alunos dessa pesquisa trabalha na educação
infantil, a faixa salarial que mais se destaca nos dois grupos é a de um a dois salários mínimos (65,71%
no grupo 1 e 70% no grupo 2). Esse número coincide com o piso salarial proposto para professores
da educação infantil.

42 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 11 – RENDA MENSAL: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 12 – RENDA MENSAL: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 43


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
É evidente que a remuneração docente encontra-se em desvantagem em relação a outras profissões no
Brasil. Conforme figura abaixo, vemos que há uma defasagem do salário médio do professor da educação
básica em relação a outras profissões:

FIGURA 1 – SALÁRIO MÉDIO NO BRASIL

Fonte: Revista Educação, n. 191, 2013 , p. 38.

Quando inqueridos a avaliar a atuação profissional docente para os alunos licenciados (numa escala de
0 a 6, sendo 6 a maior nota), os grupos 1 e 2 deram as seguintes notas, respectivamente: 3 e 4 para o
mercado de trabalho para o licenciado em Pedagogia; 6 para a atividade profissional em termos de im-
portância social; 6 e 5 em termos de realização pessoal; 3 e 4 em termos de ganhos financeiros e 5 em
termos de realização profissional.

TABELA 7 – AVALIAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E DA ATIVIDADE PROFISSIONAL: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

TABELA 6 – AVALIAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E DA ATIVIDADE PROFISSIONAL: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Para avaliar seu preparo para enfrentar o mercado de trabalho após a conclusão do curso, os dois grupos
deram nota 4 e 5, respectivamente. Freire (1991, p. 58) nos traz uma reflexão importante sobre o fato de
o professor estar preparado ou não para o exercício da docência:

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém
nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma
como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.
44 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
De fato, o professor se faz na prática, no dia a dia do seu trabalho. Mas é importante que ele se sinta
confiante em relação à sua preparação para o mercado de trabalho.

Quando questionados sobre suas prioridades em relação ao futuro profissional, a maioria dos alunos
aponta o crescimento e o aprimoramento profissional, seguidos pela opção de cursar pós-graduação
(dados semelhantes para os dois grupos, apenas com variação nas porcentagens). Apenas um aluno do
grupo 2 manifestou desejo de exercer atividade de pesquisa.

Na visão dos dois grupos, trabalhar durante a graduação não prejudica o desempenho, pois eles podem
combinar teoria e prática. Os estágios são fontes enriquecedoras, oportunidades para questionar a teoria
e refletir sobre sua aplicação na prática. Pimenta (2008, p. 56) defende que o estágio

[...] envolve o estudo, a análise, a problematização, a reflexão e a proposição de soluções às


situações de ensinar e aprender. Envolve experimentar situações de ensinar, aprender a elaborar,
executar e avaliar projetos de ensino não apenas nas salas de aula, mas também nos diferentes
espaços da escola. [...] Envolve a habilidade de leitura e reconhecimento de teorias presentes
nas práticas pedagógicas das instituições escolares. Ou seja, o estágio assim realizado permite
que se traga a contribuição de pesquisas e o desenvolvimento das habilidades de pesquisar .

Em relação à escolha da universidade, a maioria dos alunos, nos dois grupos, apontou a proximidade
da residência/trabalho. Já na avaliação da referida universidade, os alunos deram as seguintes notas: 3
e 5 para o relacionamento com a instituição; 6 para o relacionamento com os professores; 5 e 4 para a
infraestrutura da universidade; 5 e 4 para a colaboração da instituição para sua formação e 4 e 5 para as
propostas de palestras, oficinas e atividades (grupo 1 e 2, consecutivamente). Nos dois grupos tivemos
uma maioria que afirmou ter boa integração entre professores e alunos, e que também tiveram um bom
relacionamento com os colegas de classe.

Especificamente sobre o curso de Pedagogia, a maioria dos alunos, nos dois grupos, afirma que escolheu
tal curso pela possibilidade de contribuição para a melhoria da sociedade. Eles avaliaram o curso esco-
lhido com as seguintes notas: 5 para a formação teórica; 5 para a carga horária das disciplinas teóricas;
5 e 4 para a carga horária das disciplinas teóricas-práticas; 4 e 6 para a realização de estágio curricular
obrigatório; 5 para os os contatos realizados com os colegas do curso; 3 e 5 para os contatos profissionais
que obtiveram durante o curso e 6 para a realização de Iniciação Científica ou experiência em pesquisa,
como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e a Bolsa Alfabetização (notas
do grupo 1 e 2, consecutivamente).

TABELA 8 – AVALIAÇÃO DO CURSO: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 45


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
TABELA 9 – AVALIAÇÃO DO CURSO: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

Já na avaliação das disciplinas do curso, tivemos os seguintes números: 6 para as disciplinas de fun-
damentos (Fundamentos da Educação; Educação e Cultura; Educação e Sociedade; História da Ideias
Pedagógicas); 6 para as disciplinas de didática (Fundamentos da Didática; Didática e Formação Docente;
Prática da Educação Infantil; Prática do Ensino Fundamental); 6 para as as disciplinas de psicologia
(Psicologia da Educação; Psicologia da Aprendizagem; Desenvolvimento da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental; Ação Educativa e Desenvolvimento Humano); 6 para as disciplinas de inclusão (Educação
Inclusiva; Educação Especial e Libras); 6 para as disciplinas de metodologia (Alfabetização; Ciências;
Educação Ambiental; Educação de Jovens e Adultos; Matemática; Expressão e Movimento; Língua
Portuguesa; História; Geografia; Brinquedos e Brincadeiras na Educação Infantil; Artes); 6 e 5 para as as
disciplinas tecnológicas (Linguagens e Mídias na Educação; Educação e Novas Tecnologias); 6 e 5 para
as as disciplinas de gestão (Política e Organização da Educação Básica; Gestão Escolar); 6 e 5 para os
projetos interdisciplinares (Múltiplas Linguagens e Mídias; Investigação Pedagógica; Investigação em
Educação); 6 para os estágios (Gestão Escolar; Educação Infantil; Ensino Fundamental); 6 e 5 para o
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC); e 4,5 e 6 (empate) para as Atividades Acadêmicas Curriculares
(AACC) – notas do grupo 1 e 2, consecutivamente.

Ainda sobre as disciplinas, quando questionados se elas foram interessantes, a maioria dos alunos, nos
dois grupos, informou que sim. Apenas o grupo 1 teve disciplinas em modo de ensino a distância (EaD)
e, para eles, o conteúdo dessas disciplinas também foi suficiente.

A maioria, nos dois grupos, também afirmou que as disciplinas estavam integradas entre si. Nos dois
grupos os alunos defenderam que houve relação entre as disciplinas estudadas e o exercício da profissão,
fator importante para concluirmos que houve uma aproximação entre a teoria e a prática. Eles também
demonstram que se sentiram motivados durante o curso e que suas expectativas foram alcançadas.

É interessante conhecer o que os alunos pensam sobre o seu preparo para trabalhar nos diferentes níveis
da educação básica. Tivemos respostas diferentes entre os grupos: o grupo 1 se diz preparado para atuar
principalmente na educação infantil, enquanto o grupo 2 afirma estar preparado para atuar na educação
infantil e no ensino fundamental I. Enquanto no grupo 1 não temos alunos que se acham preparados para
trabalhar nos dois níveis citados anteriormente incluindo a gestão escolar, no grupo 2,15% dos alunos
afirmam estar preparados para esse desafio.

46 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
GRÁFICO 13 – NÍVEL DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM QUE OS ALUNOS SE SENTEM PREPARADOS
PARA ATUAR: GRUPO 1

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

GRÁFICO 14 – NÍVEL DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM QUE OS ALUNOS SE SENTEM PREPARADOS PARA


ATUAR: GRUPO 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2012

A partir da proposta das novas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, questionamos se os
alunos acreditam que houve equilíbrio entre a formação do professor e a do gestor, e a maioria, nos dois
grupos, respondeu afirmativamente.

Sobre as atividades extracurriulares, a maioria do grupo 1 afirmou não ter participado dessas atividades,
contrastando com as respostas do grupo 2, em que a maioria afirma ter participado. No quesito horário do
curso e duração das aulas, tanto o grupo 1 quanto o grupo 2 afirmou que ambos aspectos foram suficientes.

Entrando na questão da identidade do pedagogo, também buscamos conhecer como o aluno está pensan-
do na sua atuação profissional. Historicamente, a concepção do pedagogo está ligada à educação e não
é raro limitar seu campo de trabalho apenas à escola. Entretanto, o pedagogo não se limita ao professor,
mas abrange a pesquisa e a reflexão sobre a educação em vários âmbitos, não só na escola. Apoiados
por essa ideia, procuramos investigar como os alunos veem o mercado de trabalho para o pedagogo.
No grupo 1, os alunos posicionaram a empresa em primeiro lugar e a escola, em segundo. Já no grupo
2, a maioria entende o lócus de atuação do pedagogo como sendo a escola, seguida pela empresa. É
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 47
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
interessante observar que os dois grupos fazem parte da mesma universidade e pontuam essa atuação
profissional de forma diferente.

Após a análise de todos os argumentos e a comparação entre os dois grupos, podemos concluir que,
ainda que com divergências em várias respostas, os alunos dos dois grupos estão seguros em relação
ao seu futuro profissional e à carreira que escolheram. A maioria afirma ter interesse em buscar mais
conhecimentos nessa área e desenvolver-se profissionalmente. Confiam na teoria que receberam e,
através dos estágios, acreditam ter respaldo para aperfeiçoar a prática. Eles avaliam positivamente o seu
período de formação e não temem os desafios da profissão.

48 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente o curso de Pedagogia passou por muitas modificações. Regulamentado pela primeria
vez nos termos do Decreto-Lei n. 1.190/1939, foi definido como lugar de formação de “técnicos em
educação”. Segundo Brito (2006, p. 1),

[...] estes eram, à época, professores experientes que realizavam estudos superiores em
Pedagogia para, mediante concurso, assumirem funções de administração, planejamento de
currículos, orientação à professores, inspeção de escolas, avaliação do desempenho dos alunos
e dos docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da educação, no Ministério da
Educação, nas secretarias de estado e dos municípios.

Com a promulgação dos pareceres seguintes (CEF n. 292/1962 e CEF n. 252/1969) e a partir dos anos
1980, começaram as reformas curriculares do curso de Pedagogia a fim de formar professores para
atuarem na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental. Posteriormente, com a extinção dos
cursos de magistério, a formação do docente recaiu sobre o curso de Pedagogia, que perdeu o seu caráter
técnico proposto para especialização ou pós-graduação.

Todas as essas mudanças fizeram com que o perfil do aluno também mudasse ao longo do tempo. Se
antes tínhamos alunos especialistas no curso, hoje temos alunos que buscam uma formação docente.

Temos alguns estudos disponíveis que analisam a trajetória do curso de Pedagogia e o público que o
frequenta (GATTI, 2009). Hoje, com a crise no sistema educacional e a queda abrupta no número de
interessados na carreira, faz-se urgente traçar o perfil desses discentes, suas perspectivas e motivações
profissionais. O atual curso de Pedagogia deve dar conta de formar esse profissional com todos os requi-
sitos necessários para o exercício da profissão, a fim de poder proporcionar uma educação de qualidade
nas escolas de educação básica, o que é um direito de todos.

Com o objetivo central desta pesquisa, que era o de analisar o perfil do aluno concluinte de um curso
de Pedagogia e o seu preparo para o mercado de trabalho, podemos concluir que eles acreditam que a
sua profissão é uma forma de contribuição para a melhoria da sociedade, que escolheram a área porque
gostam do que fazem e que se sentem satisfeitos por isso.

Quando vemos o interesse da maioria dos alunos em ter uma formação continuada e a manifestação do
desejo de realizar pós-graduação na área, percebemos que eles se sentem motivados a continuar trilhando
esse caminho. Embora a maioria reconheça que a remuneração inicial não é atrativa, eles pensam em
seguir se especializando para alcançar o patamar desejado.

A maioria dos alunos se autoavaliou positivamente, e avaliou também a universidade, os professores, as


disciplinas cursadas, a profissão e estabeleceu relação entre o conteúdo estudado e a prática pedagógi-
ca. Essa ponte entre a teoria e a prática é fundamental para o pedagogo conseguir desempenhar bem
o seu papel.

Tardif (2002, p. 258), ao definir o que seria a epistemologia da prática profissional docente, entre outros
aspectos, aponta que os pesquisadores universitários, ao realizarem seus estudos sobre a prática edu-
cativa, deveriam
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 49
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
[...] sair de seus laboratórios, sair de seus gabinetes na universidade, largar seus computadores,
largar seus livros e os livros escritos por seus colegas que definem a natureza do ensino, os
grandes valores educativos ou as leis da aprendizagem, e ir diretamente aos lugares onde os
profissionais do ensino trabalham, para ver como eles pensam e falam, como trabalham na
sala de aula, como transformam programas escolares para torná-los efetivos, como interagem
com os pais dos alunos, com seus colegas, etc.

Nesse sentido, para Tardif (2002), as pesquisas deveriam buscar uma aproximação com os espaços
escolares com a intenção de compor um repertório de conhecimentos para a formação de professores.
Segundo o autor, o discurso da universidade ainda está mais voltado para o que o professor deveria ser
ou fazer do que para o que ele faz e por que o faz.

Como sabemos, a identidade docente é construída tanto ao longo da trajetória pessoal quanto da profis-
sional. Assim, a história de vida do aluno, o modo como o curso de Pedagogia foi realizado, os estágios
e as suas vivências colaboram na construção do que significa ser professor. Para Pimenta (2008, p. 62),
é “no processo de sua formação que são consolidadas as opções e intenções da profissão que o curso
se propõe legitimar”:E, a autora complementa afirmando que:

[...] uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão, da
revisão das tradições. [...] Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das
práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias (PIMENTA, 2008, p. 67).

O envolvimento do estudante nos desafios da realidade da educação escolar o leva a pensar em sua
formação e, ao mesmo tempo, exige a definição de um caminho pedagógico que o conduza à práxis edu-
cativa. Como vimos, a profissão é valorizada pelos sujeitos da nossa pesquisa, os quais irão às escolas
para aplicar e aperfeiçoar o que aprenderam nessa graduação.

50 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, H. M. P.; HAAS, C. M.; ARAUJO, R. M. B. Relatório final de pesquisa. O Significado de


Ser Pedagogo para os Alunos do Novo Curso de Pedagogia, licenciatura. São Paulo, 2011 (Mimeografado).

BRASIL. Resolução CNE n. 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial da União, Brasília, 15 mar. 2006.

BRASIL. Censo da Educação Superior, INEP/MEC, 2011.

BRASIL. Exame Nacional de Cursos – Enade 2011. Brasília, DF: MEC/INEP, 2011.

BRITO, R. M. de. Breve Histórico do Curso de Pedagogia no Brasil. Revista Dialógica, Amazonas, v. 1, n. 1,
p. 1-10, 2006. Disponível em: <http://dialogica.ufam.edu.br/PDF/no1/1breve_historico_curso_pedagogia.
pdf>. Acesso em: 15 set. 2013.

CANÁRIO, R. O que é a Escola? Um “olhar” sociológico. Porto: Porto, 2005.

CASTRO, A. T. K. A.; SALVA, S. Estágio como espaço de aprendizagem profissional da docência do cur-
so de Pedagogia. In: Anped Sul, 9., 2012, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul: Ed. da EDUCS, 2012. p.
1-16. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFi-
le/532/437>. Acesso em: 15 out. 2013.

CRUZ, G. B. da. Teoria e Prática no curso de Pedagogia. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 38, n. 1, p.
149-164, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop230.pdf>. Acesso em: 15 set. 2013.

FRANCO, M. L. P. B. Análise de conteúdo. 2. ed. Brasília: Liver Livro, 2007.

FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

GATTI, B. A; BARRETTO, E. S. de S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.


Disponível em: <http://unesdoc. unesco.org/images/0018/001846/184682por. pdf>.

GATTI, B. A. Formação de Professores no Brasil: Características e Problemas. Educação e Sociedade,


Campinas, v. 31, n. 113, out./dez. 2010.

PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores – unidade teoria e prática?. São Paulo: Cortez, 1997.

PIMENTA, S. G. (Org). Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2008.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 33-51, jul./dez. 2013. 51


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Estágio supervisionado e pesquisa: Perspectivas e


dilemas de uma experiência
Isabel Sabino
Lidiane Sousa Lima
Silvina Pimentel Silva

RESUMO: Este artigo discute as contribuições do Estágio Supervisionado para a formação do professor
pesquisador. A pesquisa foi realizada através da análise de uma experiência de aproximação entre ensino
e pesquisa desenvolvida no âmbito da disciplina de Estágio Supervisionado, do curso de Pedagogia,
de uma universidade pública situada no nordeste brasileiro. A discussão circunda questionamentos
em torno da contribuição dessa disciplina para a formação em pesquisa do licenciando, favorecendo a
promoção da atitude crítica de reflexão. Os dados, provenientes de investigação qualitativa e empírica
com docentes do curso, apontam a complexidade dessa disciplina e suas contribuições para a formação
do professor pesquisador. Reconhecemos as possibilidades de vivência de práticas investigativas neste
percurso, entendendo-as como desafios coletivos dos professores, tendo em vista que ainda persistem
experiências de estágio isoladas e com um padrão que reforça seu caráter instrumental.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio Supervisionado; Pesquisa; Formação de professores.

ABSTRACT: This article argues the contributions of Supervised Internship for the researcher teacher.
The paper was conducted through an experience of approximation between teaching and researching
developed in the framework of the course Supervised Internship, in Pedagogy Major, of a public university
located in northeast Brazil. The discussion surrounds questions on the contribution of this course for the
research training of the licensee, facilitating the promotion of the critical attitude of reflecting. The data
from qualitative and empirical research, which involved teachers of the major, indicates the complexity
of this subject and its contributions to the formation of the researcher professor. We recognize this as
an opportunity to have contact with investigative experiences that can be understood as a collective
challenge for the teachers, considering that some isolated experiences of internship that reinforce its
instrumental features still exist. Key Words: Supervised Internship; Research; Teacher training

52 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do século XX a discussão sobre a formação de professores se intensificou,


alavancada pela evidência que a docência ganhou com o processo de estatização e ampliação dos per-
cursos educacionais. Nessa perspectiva há uma vasta literatura que tece reflexões sobre os avanços,
recuos e desafios da formação docente em contextos diversos.

Tais estudos revelam que, nos últimos anos, é crescente e consubstancial a crítica ao modelo de ensino
tecnicista, baseado na mera transmissão de conhecimentos na racionalidade técnica. Em contraposição a
essa tendência, avolumam-se os argumentos reforçando as ideias que a sociedade atual exige profissionais
com competência crítica de compreensão dos elementos do seu campo de atuação e com autonomia para
agir em situações distintas e complexas. Nesse quadro se insere a defesa de uma formação na perspec-
tiva crítico-transformadora, pautada no entendimento que o ato de ensinar requer o desenvolvimento de
atitudes que levem o sujeito a (re)elaboração de uma visão de mundo que rompa com uma concepção
tradicional de ensinar e de aprender.

Adeptos desse entendimento, alavancamos a defesa da integração entre ensino e pesquisa na formação
de professores como vetor da possibilidade de formar profissionais com capacidade de reflexão, investi-
gação e crítica de sua própria prática. Entendimento que, ao nível do discurso, se tornou recorrente entre
os autores da área, assim como na própria legislação que orienta a formação docente. Esse princípio é
apoiado na compreensão da pesquisa como componente importante no processo de desenvolvimento
pessoal e profissional dos professores, pois fomenta oportunidades para pensar, refletir e transformar a
própria prática. Nessa perspectiva, vale salientar, entendemos ser necessário incluir na matriz curricular
da formação fundamentos e orientações práticas voltadas para tais propósitos.

INVESTIGAR O ESTÁGIO: CAMINHO PARA PENSAR A ARTICULAÇÃO


DO ENSINO E DA PESQUISA

Concordamos com Lima (2001) quando ela aponta que o Estágio Supervisionado, “é o lugar por excelência
para trazer questões sobre a prática docente, aprofundar nossos conhecimentos e discussões. É a ocasião
para revermos nossos conceitos sobre o que é ser professor e compreendermos o papel da escola na
sociedade” (LIMA, 2001, p. 16). Desse modo, na formação de professores, o estágio deve ser o espaço de
reflexão sobre a docência, e dessa maneira deve “contribuir na formação de professores críticos-reflexivos,
competentes, comprometidos e cientes da sua função social” (LIMA, 2001, p. 16). Uma formação nessa
perspectiva reclama rupturas com práticas que reforçam o caráter instrumental da experiência curricular do
Estágio Supervisionado nos processos formativos de futuros professores, mobilizando, por conseguinte,
questionamentos sobre: a contribuição desse componente curricular para a formação em pesquisa do licen-
ciando, os desafios encontrados para o desenvolvimento de uma postura investigativa, e os conhecimentos
e prática que favoreceram a promoção da atitude crítica de reflexão entre futuros professores.

Sob essa ótica, buscamos analisar os resultados de uma experiência de aproximação entre ensino e
pesquisa, materializada no âmbito da disciplina de Estágio Supervisionado, desenvolvida no curso de
Pedagogia de uma universidade pública estadual situada na capital do estado do Ceará. A iniciativa, que é
um desdobramento de investigação qualitativa e empírica (LIMA, 2013), abrangeu duas docentes do curso
que vêm trabalhando sistematicamente com esse componente curricular, com as quais foram realizadas
entrevistas reflexivas individuais (SZYMANSKL; ALMEIDA; PRANDINI, 2002). As análises apresentadas
apoiam-se nesses dados.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 53


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O DEBATE SOBRE A INTEGRAÇÃO ENTRE ENSINO E PESQUISA
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A universidade define-se, por excelência, como espaço de produção de conhecimento e formação profis-
sional, o que se concretiza por meio do ensino e da pesquisa científica. Essa segunda atividade tem sido
apontada como um dos elementos necessários à formação do futuro docente, possibilitando a ampliação
da capacidade de reflexão na ação e da autonomia intelectual, tornando-o apto a buscar conhecimentos,
habilidades e atitudes que melhorem o seu trabalho e a sua formação pessoal e profissional. Como as-
severa André (2006, p. 221):

A pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz de refletir sobre sua prática profissional e
de buscar formas (conhecimentos, habilidades, atitudes, relações) que o ajudem a aperfeiçoar
cada vez mais seu trabalho docente, de modo que possa participar efetivamente do processo
de emancipação das pessoas.

Corroboramos o argumento de que, na medida em que os futuros docentes aprendem pela pesquisa,
eles tendem a assumir esse princípio como referencial de sua prática profissional, ou seja, no âmbito
da escola básica, lócus principal de seu trabalho. O reconhecimento da articulação entre a pesquisa e o
ensino como necessária ao processo de formação de professores encontra amparo legal nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica – DCNs (Resolução nº 1/2002
– CNE/CP). Essa orientação encontra suporte na premissa de que no espaço da sala de aula a postura
investigativa beneficia os professores e os alunos, ambos tendo a oportunidade de assumir uma postura
crítica e reflexiva sobre a realidade.

A pesquisa amplia a capacidade de análise crítica e propositiva da realidade, promovendo atitudes cria-
tivas frente ao conhecimento, sem a qual o trabalho docente pode ser comprometido. Sob esta ótica,
a ideia do ensino vinculado à pesquisa expressa a indissociabilidade entre teoria e prática na atividade
humana de conhecer e de produzir conhecimento sobre si e acerca do mundo a nossa volta (FARIAS;
SILVA; BARRETO, 2010). Em geral, os cursos de licenciatura enfatizam a importância da pesquisa “por
contribuir para o desenvolvimento de algumas habilidades e atitudes que a investigação promove, como
a curiosidade, a vontade de encontrar explicações, a criatividade, o confronto com pontos de vistas di-
ferentes” (SANTOS, 2002, p. 20).

Percepção que sinaliza que o desenvolvimento de uma prática pedagógica integrada à pesquisa prepara,
desde a graduação, os futuros profissionais para lidar de modo mais consistente com os desafios que o
trabalho lhes exigirá. Por certo que os cursos de licenciatura se apresentam como campo fértil para que
isso ocorra, uma vez que os professores universitários e os graduandos se encontrariam mobilizados por
um objetivo comum: a busca pelo saber. O que se observa, contudo, na maioria das vezes, é um distan-
ciamento entre o ensino e a pesquisa na universidade, como anotam Therrien e Nóbrega-Therrien (2006).

Como resultado da secundarização dessa prática “na” e “para” a formação de docentes, tem-se obser-
vado reduzidas oportunidades para que os alunos reflitam e elaborem um pensamento mais autônomo.
Esse fato pode indicar que muitos docentes universitários, embora pesquisem, não estabelecem uma
relação entre aquilo que eles ensinam e a investigação que desenvolvem, muitas vezes por não conse-
guirem articular sua prática de pesquisa com os objetivos e conteúdos da sua prática de ensino, atitude
certamente decorrente de uma formação em pesquisa dissociada do ensinar.

54 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
A reflexão sobre sua ação, na qual o contexto da prática desdobra-se como campo de pesquisa, apresenta-
-se como uma atitude pedagógica e profissional primordial ao desenvolvimento da capacidade de crítica
e de autonomia do professor, como assevera Lüdke (1995). Levando em conta o argumento dessa autora
de que nem todo professor é pesquisador somente por ser reflexivo, é certo que esta é uma qualidade
necessária a uma formação robusta e que forneça ao professor elementos fundamentais para sua práxis.

Favorecer a relação entre ensino e pesquisa na formação de professores é contribuir para o desenvolvi-
mento de um currículo emancipador, o qual se sustenta em práticas de ensino que proporcionam atitudes
provocadoras e estimulam a capacidade de interpretar, argumentar e transformar a realidade socioedu-
cativa em que se concretiza. Na perspectiva desse “currículo emancipador”, ao trabalhar com atividades
de pesquisa, docentes e discentes são levados a assumir uma visão mais crítica e analítica da realidade
que os cerca, de modo que o ensinar passa de uma ação meramente instrumental para uma ação que
desenvolve uma atitude questionadora na descoberta dos saberes e conhecimentos.

A partir dessa compreensão da integração entre o ensino e a pesquisa como possibilidade para a forma-
ção de um profissional reflexivo, apontamos, no tópico seguinte, algumas possibilidades e limites da sua
materialização no âmbito do Estágio Supervisionado.

ESTÁGIO E PESQUISA: POSSIBILIDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O estágio se caracteriza como espaço de aprendizagem da profissão docente, lugar de colocar no “jogo
dinâmico das ações” (MORAES, 2012, p. 19) uma amostragem do que foi discutido e elaborado nos cur-
sos de formação de professores, ao mesmo tempo em que se constitui como campo de conhecimento
de uma profissão.

Essa acepção é fruto do movimento originado no Brasil na década de 1990, que propõe a inserção da
pesquisa nos cursos de formação de professores. Do mesmo modo, é nesse momento que se pode for-
talecer a valorização da pesquisa no espaço do estágio, abrindo lugar para o alargamento da investigação
das práticas pedagógicas escolares, ou seja, para além da instrumentalização técnica, com possibilidades
de formar um professor que reflete sobre sua própria prática.

Reconhecidamente, o estágio é fundamental na constituição da identidade docente, entendido como con-


tato sistemático dos alunos com o contexto de trabalho que lhes possibilita articular saberes curriculares e
experiências constituídas ao longo da vida e da formação para a docência. O Estágio Supervisionado “é o
lugar por excelência para trazer questões sobre a prática docente, aprofundar os nossos conhecimentos e
discussões. Ocasião para revermos os nossos conceitos sobre o que é ser professor e compreendermos
o papel da escola na sociedade” (LIMA, 2001, p. 16). Entendimento, aliás, corroborado por Albuquerque
(2008) ao designar que este componente curricular pressupõe uma inter-relação permanente entre teoria
e prática, o que “não significa apenas pensar em como fazer, elaborar e aplicar técnicas de ensino, mas
na compreensão do mundo, nos valores e na ética profissional […]”.

O estágio com pesquisa possibilita ao futuro professor, por meio de uma prática de investigação, análi-
se, reflexão e crítica da realidade, favorecer a elaboração de novas maneiras de ensinar, arcabouço que
o discente levará para toda a sua vida profissional. Essa perspectiva se conecta ao movimento teórico
denominado professor reflexivo, no qual a capacidade de reflexão estão para além de uma característica
inerente ao homem, mas tornam-se conceitos de compreensão do trabalho docente, amplamente de-
fendido e divulgado no âmbito da formação de professores.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 55


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Tal movimento nasce das ideias de Donald Schön, na década de 1980, quando defendeu a ideia de uma
formação profissional em que os conhecimentos técnicos e científicos sejam integrados com a prática,
pressuposto que se opõe aos currículos normativos que apresentam a teoria e depois sua aplicação na
prática, sendo, na maioria, vivenciada ao final do curso. Deste modo, justifica-se a proposição de uma
formação baseada na epistemologia da prática, ou seja, na construção do conhecimento a partir da análise,
da problematização e da reflexão da prática docente.

Os conceitos de “Professor Pesquisador” e “Professor Reflexivo”, ao ganharem fertilidade no âmbito do


estágio, indicam que os cursos de preparação docente, ao buscarem novos currículos, devem valorizar
a pesquisa na formação inicial como possibilidade efetiva de transformar a própria prática e a prática de
outros profissionais que estão em processo de formação.

Acredita-se que essa acepção de estágio favorece rupturas com perspectivas que tendem a situá-lo
como “apenas um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo”, integrando-se de modo mais
orgânico ao “corpo de conhecimento do curso de formação de professores” (PIMENTA; LIMA, 2009,
p. 55). Nesse sentido, é importante que os processos de formação inicial desenvolvam atividades que
“possibilitem o conhecimento, a análise, a reflexão do trabalho docente” nas instituições, com o objetivo
de “compreendê-las em sua historicidade, identificar seus resultados, os impasses que apresentam, as
dificuldades” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 55).

Nessa perspectiva, as atividades de Estágio na universidade não devem ser conduzidas com uma postura
passiva, na qual o professor fala e os alunos escutam, mas encaminhadas como um espaço de discussão
e de articulação entre o ensino e a pesquisa através do desenvolvimento de atividades que sejam voltadas
para a socialização e reflexão. Como assevera Lima (2012), o estágio com pesquisa propõe uma efetiva
articulação entre teoria e prática, tendo como base a práxis. Desse modo, “constitui uma atividade que
contempla todas as habilidades, competências e conhecimentos adquiridos pelo aluno durante a sua
graduação e que, através dele, é que o educando pode articular e manifestar suas capacidades alcança-
das” (LIMA, 2012, p. 53).

Vale acrescentar que a formação inicial é o começo da busca de uma base para o exercício da atividade
docente, logo, acreditamos que deve ser respaldada por concepções e práticas que levem à reflexão. O
valor da investigação no estágio favorece a mobilização dos saberes e fazeres de professores e alunos,
no sentido de promover a articulação entre os saberes da experiência e a teoria, “permitindo ao pro-
fessor uma análise integrada e sistemática da sua ação educativa de forma investigativa e interventiva”
(BARREIRO; GEBRAN, 2006, p. 22).

Além disso, a formação inicial também é fator determinante para o rompimento de práticas de reprodução
e ocupa lugar ímpar na docência de qualidade, por isso deve ser pautada numa perspectiva investigativa,
tendo a pesquisa como princípio científico e educativo e como caminho metodológico para a formação de
professores. Corroboramos o entendimento de que a articulação entre ensino e pesquisa tira o aluno da
zona de conforto do caminho da reprodução, incitando-o a procurar respostas para problemas vividos na
profissão, uma postura investigativa constante de refletir e elaborar. Sobre o assunto, anota Lima (2012, p.
131): “As pesquisas nos ensinam que o movimento do Estágio Supervisionado pode ser um eixo teórico que
auxilia a pensar a prática no processo de ensino com pesquisa, que sugere a ação-reflexão-ação refletida”.

A conquista de uma postura investigativa exige uma construção constante, que utiliza dos conhecimentos
teóricos, da prática na ação e da elaboração de novos saberes a partir da ação docente. Sob esta ótica, o

56 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Estágio possibilita a reflexão sobre o próprio curso da formação, oferecendo oportunidades de o estagiário
confirmar sua opção pelo magistério, despertar o seu feeling de pesquisador e contribuir para a maturação
de saberes e conhecimentos dos professores da escola, professores universitários e outros estagiários.

Pimenta e Lima (2009) afirmam que, além de o estágio enriquecer a formação dos futuros professores,
também pode significar uma possibilidade de desenvolvimento dos professores da escola que recebe
os estagiários. Corroborando com essa ideia, Lima (2012, p. 132) entende que o “espaço do Estágio é
muito mais do que uma experiência enriquecedora, é uma oportunidade de pesquisa para o estagiário
em formação e para o professor que o recebe que interage, ouve, fala, vivencia e divide com o estagiário
suas angústias e desafios”. Possibilita criar parceria entre estagiários e professores, escola e universidade,
abrindo importante frente de ruptura com o imaginário que identifica estagiários e docentes universitários
como “donos da verdade” que chegam à escola para condenar e explicar as situações observadas em
seu interior. Para tanto, é preciso uma fundamentação teórica, por meio da qual o aluno ultrapasse a mera
observação e o preenchimento de formulários, sobressaindo-se o papel dos professores formadores na
promoção de caminhos que contribuam para essa formação.

Todavia, ainda são muitos os desafios a serem vencidos para a efetivação da articulação entre estágio e
pesquisa. Entre eles, as concepções cristalizadas de estágio como espaço exclusivo da prática, ou como
lugar de observação e acesso ao cotidiano escolar, dificultando uma reflexão mais ampla no sentido de
reconhecer o estágio como espaço e práxis docente. Isso acontece porque muitos professores orienta-
dores apresentam dificuldades para desenvolver uma prática investigativa que favoreça a vinculação entre
teoria e prática. Em geral, o que ainda prevalece durante os estágios curriculares são práticas constituídas
de forma burocrática e que valorizam atividades de observação, participação e regência, desprovidas de
meta investigativa. Essa ênfase tende a favorecer uma perspectiva do ensino como imitação de modelos,
secundarizando a ação de análise e de crítica sobre o trabalho docente, o contexto escolar, os processos
constitutivos da aula.

Tais práticas, fora de uma perspectiva investigativa de conhecer para compreender, reforçam um modelo
de estágio como momento de aprendizagem de técnicas, desconhecendo a advertência de Barreiro e
Gebran (2006, p. 27), de que a “formação de professores e suas práticas não podem mais ser conside-
radas executoras de modelos, de decisões alheias, e sim capazes de analisar, decidir, confrontar práticas
e teorias, e produzir novos conhecimentos referenciados ao contexto histórico, escolar e educacional”.
Parece-nos urgente reconhecer o trabalho docente como uma atividade complexa, que envolve a subje-
tividade dos atores envolvidos, o que requer repensar as práticas formativas, entre elas o estágio.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES SOBRE O ESTÁGIO?

O Estágio Supervisionado está firmado no marco legal vigente no país, especialmente nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena (BRASIL, 2002), fundamentadas no Parecer CNE/ CP nº 009/2001 e
instituídas pela Resolução CNE/CP nº 01/2002.

O Parecer está organizado em dois tópicos centrais: o primeiro, nomeado “Relatório”, e, o segundo, com
o nome de “Voto da Relatora”. O primeiro situa a construção do documento, as reuniões realizadas e os
órgãos envolvidos, apresentando em seguida um panorama da educação nacional a partir da criação da
LDB nº 9.394/96, com destaque para a necessidade da reforma curricular frente às demandas da sociedade

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 57


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
e o novo papel da escola e do profissional professor. Dessa forma, abaliza as questões a serem enfren-
tadas na formação dos professores no campo institucional e curricular. O segundo tópico do documento
descreve os “Princípios orientadores para uma reforma da formação de professores”, as “Diretrizes para
a formação de professores” e as “Diretrizes para a organização da matriz curricular”.

No que se refere à organização e ao desenvolvimento do estágio, é importante iniciar destacando a con-


cepção de teoria e prática presente nas DCNs para a formação de professores. O documento toma por
base o exposto no Art. 61 da LDB, que infere sobre a necessidade da articulação entre teoria e prática,
advogando que a formação de profissionais competentes para atender as exigências da escola atual só
se torna possível pela efetiva relação entre essas dimensões. De acordo com o texto, “a aquisição de
competências requeridas do professor deverá ocorrer mediante uma ação teórico-prática, ou seja, toda
sistematização teórica articulada com o fazer e todo fazer articulado com a reflexão” (BRASIL, 2001, p. 29).

O documento das DCNs destaca também aspectos que evidenciam a desarticulação entre teoria e prática,
a separação entre as propostas pedagógicas dos cursos de formação docente e a organização institucio-
nal, gerando entraves como “ausência de espaço institucional que assegure um tempo de planejamento
conjunto entre os profissionais dos cursos de formação e os da escola de educação básica que receberá
os estagiários” (BRASIL, 2001, p. 17).

Outra questão a ser enfrentada nos cursos é a concepção restrita de prática, expressa na alocação do
estágio ao final do curso, e na sala de aula como lugar da teoria, fortalecendo uma compreensão de
formação docente em dois polos isolados: de um lado, a supervalorização do conhecimento teórico ge-
rando uma “visão aplicativa das teorias” (BRASIL, 2001, p. 22); do outro, uma “visão ativista da prática”
(BRASIL, 2001, p. 22), prevalecendo uma supervalorização do fazer pedagógico. As DCNs caminham na
contramão dessa lógica, assinalando que

[…] uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimen-
são do conhecimento que tanto está presente nos cursos de formação, nos momentos em que
se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio, nos momentos
em que se exercita a atividade profissional (BRASIL, 2001, p. 22, grifo nosso).

Teoria e prática são concebidas nesse ordenamento jurídico como uma unidade, um concreto pensado
(SAVIANI, 1991), perspectiva coerente com o argumento subsequente de que “teorias são construídas
sobre a pesquisa”, assim como “a atuação prática possui uma dimensão investigativa e constitui uma forma
não de simples reprodução, mas de criação ou, pelo menos, de recriação do conhecimento” (BRASIL,
2001, p. 23). Explicita, nesse sentido, o reconhecimento da pesquisa como componente relevante na
formação de professores, na articulação entre teoria e prática e, principalmente, no aprimoramento con-
tínuo de sua atuação profissional.

Ao postular o trabalho docente como atividade situada e que requer agir em situações não previstas, e num
curto espaço de tempo, solicitando do professor uma ação imediata, as DCNs ressaltam como contributo
da pesquisa na formação docente o desenvolvimento de “uma atitude cotidiana de busca de compreensão
dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos e à autonomia na interpretação da
realidade e dos conhecimentos que constituem seus objetos de ensino” (BRASIL, 2001, p. 34). Nessa
tarefa, certamente muito pode contribuir o estágio com pesquisa, conforme pensado por Lima (2012).
58 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O reconhecimento da importância da pesquisa na formação docente também se explicita nas DCNs no
perfil do profissional egresso dos cursos de licenciatura, que devem, entre outras qualidades, saber “sis-
tematizar e socializar a reflexão sobre a prática docente, investigando o contexto educativo e analisando
a própria prática profissional”, assim como “utilizar resultados de pesquisa para o aprimoramento de sua
prática profissional” (BRASIL, 2001, p. 42). É importante frisar que as DCNs, ao tratarem da organização
da matriz curricular, argumentam em favor de uma formação baseada na reflexão, na qual a teoria e a
prática dialogam numa perspectiva interdisciplinar.

Sob esta perspectiva, a dimensão prática da formação deve ocorrer ao longo de todo o percurso, mediada
por situações didáticas que estimulem a observação, a análise e a proposição de resolução de dilemas
práticos enfrentados por todo e qualquer professor em situação de trabalho. A Resolução nº 1/2012 reforça
que “a prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à
atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de
situações-problema” (Art. 13, § 1º, p. 6).

O exame das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica eviden-
cia avanços em relação ao Estágio Supervisionado, manifestos, sobretudo, na incorporação de discussões
atuais e pertinentes para a formação desses profissionais, compreendendo a defesa da articulação entre
teoria e prática e da pesquisa como necessária à atividade do professor.

Por certo que o texto legal em análise apresenta certa preocupação em não restringir o momento da prá-
tica ao Estágio Supervisionado, todavia, tende a secundarizar a importância do estágio nessa articulação,
reforçando, por conseguinte, a sua separação das demais atividades práticas do curso. Cabe lembrar que
a carga horária1 dos cursos de licenciatura está definida sem que se fomente a integração do currículo.
Ademais, é importante frisar que o Estágio Supervisionado como modalidade de iniciação a docência é uma
conquista histórica na busca de uma proposta curricular nacional coerente com a profissionalização docente.

Expressamos esse entendimento apresentando a seguir as percepções de duas professoras2 que ministram
as disciplinas Estágio na Educação Infantil e Estágio no Ensino Fundamental I, no curso de Pedagogia de
uma universidade pública estadual de Fortaleza-Ceará, acerca das suas posições sobre a importância da
pesquisa em suas práticas profissionais e no desenvolvimento do alunado. São docentes que registram
em seus percursos formativos vivência acadêmica em atividades de monitoria, extensão, iniciação cien-
tífica, grupos de estudo e de pesquisa. Nos seus discursos, apontam essa experiência como norteadora
do seu caminho profissional.

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ESTÁGIO E PESQUISA: O QUE CONTAM


PROFESSORAS DE ESTÁGIO?

Compreendemos que a realização de estágios que envolvam práticas de pesquisa e que sejam campos
desta proporciona a integração entre teoria e prática tão discutida e almejada na formação docente,
“situada como potencialidade para uma prática refletida e transformadora (práxis)” (LIMA, 2012, p. 54).
Partindo dessa proposição, perguntamos aos docentes sobre a importância da pesquisa para a formação

1
O Art. 1º da Resolução nº 2/2002 assim define a carga horária dos cursos de licenciatura: I – quatrocentas horas de prática como componente
curricular, vivenciadas ao longo do curso; II – quatrocentas horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do
curso; III – mil e oitocentas horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; IV – duzentas horas para outras formas
de atividades acadêmico-científico-culturais.
2
Visando garantir o sigilo e a ética da pesquisa, as professoras são identificadas nesta parte do texto com os seguintes códigos: Professora P-1 e
Professora P-2.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 59
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
de professores. Em suas falas, eles destacam que a relevância dessa vivência reside em possibilitar um
olhar investigador e questionador sobre a prática, e em ver a formação como um processo contínuo de
construção e de comprometimento com as questões da educação conforme os registros de seus relatos,
ao afirmarem:

Dentro da perspectiva que eu vejo, é um olhar de pesquisador para as coisas, de você conseguir
olhar para a realidade, de você conseguir olhar para um problema e você conseguir entender
que existe algo que justifique aquele problema, algo que está muito além daquele problema
e buscar compreender a fundo esse problema para tentar intervir. […] acho que só esse olhar
de pesquisador, contribui, de ver a formação, sempre como uma formação em construção
(Professora P-1).

É a base para a construção de um olhar investigativo e reflexivo na formação de um profissional


comprometido com uma educação de qualidade (Professora P-2).

Mesmo considerando o valor significativo da pesquisa na formação de professores, a Professora P-1


registra que não há aprofundamento da pesquisa na graduação, asseverando: “A gente não tem essa
oportunidade de aprender efetivamente a pesquisar na graduação, não tem como aprofundar, por mais
que tenham as disciplinas de pesquisa, por mais que tenha a monografia” (Professora P-1).

Do conhecimento acerca das concepções sobre a importância da pesquisa no desenvolvimento profissional


do professor, fizemos a seguinte indagação às entrevistadas: “Considerando o relato da sua experiência
como docente da disc iplina de Estágio, gostaria de lhe ouvir sobre o lugar da pesquisa no processo
desenvolvido pelo senhor (a) com os alunos”.

Nesse sentido, a professora P-2 faz referência de que uma ação bem planejada e avaliada é um indicativo
da presença de pesquisa na sua prática ao dizer: “Uma intervenção bem planejada e sistematicamente
avaliada está intimamente relacionada com o olhar investigativo”. A Professora P-1 não considera que
efetivamente trabalhe com pesquisa, mas procura deixar essa atividade mais próxima da sua prática nas
atividades de investigação e análise da realidade que solicita aos alunos.

Por mais que efetivamente eu não considere que se trabalhe com pesquisa.[...] Mas, ao analisarem
a realidade, vendo os problemas e buscando resolver, vendo essa perspectiva da pesquisa, só
que sempre faltava à questão do referencial teórico, eles queriam muito ficar no senso comum
[…] (Professora P-1).

Especificamente acerca dessas questões, ao dialogarmos sobre as suas práticas, descobrimos pouca
divergência nas atividades desenvolvidas no cotidiano da disciplina e também notamos nos seus discursos
um trabalho organizado, com uma sequência lógica. Esses pontos comuns em suas práticas refletem
mais a similaridade das suas formações do que a elaboração de um planejamento do curso. Segundo a
Professora P-1, a falta de apoio pedagógico do curso e a inexpressiva prática de trabalho coletivo entre
os professores das disciplinas de estágio é uma das dificuldades para dar conta das tarefas desse com-
ponente disciplinar. Ademais,

Para o desenvolvimento da disciplina, cada professor, faz o estágio de forma diferente. Não tem
o estágio que se diga: o aluno de Pedagogia faça o estágio dessa forma. Cada professor tem
uma prática diferente, uma concepção diferente, não é que o professor não tem direito de ter

60 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
uma concepção, mas é que o curso deveria resguardar algumas características básicas para o
seu desenvolvimento (Professora – P-1).

As professoras das disciplinas do Estágio partem de início da apresentação e da discussão do referen-


cial teórico que será trabalhado na disciplina. Posteriormente, seguem um esquema já bem conhecido;
observação, com a possibilidade de diagnóstico da escola e da turma, guiado por um roteiro; atuação
prática, antecipada pela construção do projeto de intervenção e planejamento de aulas; elaboração de
um relatório final da sua vivência.

Apesar de terem encaminhamentos comuns, algumas particularidades nas estratégias utilizadas na con-
dução da disciplina de Estágio, merecem destaque. A Professora P-1, antes do momento de inserção dos
estagiários na escola campo, solicita aos alunos que façam visitas a diversas instituições que seguem
propostas pedagógicas diferenciadas, no intuito de ampliar o olhar desses alunos sobre a educação, per-
mitindo que eles vislumbrem para além do que está posto, despertando um incômodo sobre o modelo
de educação proposto.

Para a elaboração dos diagnósticos da escola, a Professora P-2 cria roteiros em grupo. Na sequência, “esse
roteiro é submetido ao grupo para que seja aperfeiçoado a partir das propostas a serem realizadas” com
base no programa e no plano previsto para a disciplina, informa a docente. Essa atividade é reconhecida
pela professora como de suma importância por envolver o conjunto de alunos, ao mesmo tempo em que
propicia a elaboração de análise própria por parte deles e uma oportunidade de ação planejada conjunta-
mente entre os participantes da tarefa.

Vale destacar, ainda, que os projetos de intervenção, segundo o que aponta a Professora P-1, devem ser
construídos a partir do levantamento das necessidades da escola, sendo também reconhecidos por ela
como uma possibilidade de sistematização das discussões acerca da integração entre ensino e pesquisa.
Esclarece:

O momento do projeto é um momento de sistematização disso, seria o momento de entender


como é que a gente constrói então uma pesquisa, como é que são as etapas. O que eu preciso?
Preciso de uma pergunta, que precisa se tornar um objeto, eu preciso pensar no que envolver
aquele objeto, as questões teóricas, eu preciso de uma metodologia para atender aquele obje-
tivo, que eu efetivamente consiga respondê-lo (Professora P-1).

Na descrição desses momentos, evidenciam-se as ideias de que esse contexto favorece uma aproxima-
ção com o desenvolvimento de atitudes nascidas ou incentivadas pela pesquisa, ou seja, da atitude de
conhecer, questionar e dialogar sobre a realidade, visando a elaboração de instrumentos de observação
e a organização de projetos de intervenção.

Continuamos indagando sobre a organização do currículo e a possibilidade da pesquisa como eixo articu-
lador da teoria e prática, pois concordamos com Pereira e Pereira (2012) que consideram que, ao mesmo
tempo que o estágio deve estar alinhado ao Projeto Político-Pedagógico do curso, sua efetivação deve
negar conotações que o identificam à sua etapa final, como se a ele coubesse toda a responsabilidade
de formar os futuros professores. Nessa perspectiva, o estágio com pesquisa amplia a possibilidade de
trabalho coletivo “através da elaboração/reelaboração constante e coletiva de todos os professores envol-
vidos e comprometidos com o processo de formação de seus alunos” (PEREIRA e PEREIRA, 2012, p. 25).

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 61


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Assim, as professoras participantes deste estudo, quando indagadas sobre a articulação existente entre
o Estágio e as outras disciplinas do curso, afirmam reconhecer a importância da integração entre os di-
versos componentes curriculares, inclusive entre os que não são voltadas para ação didática. No entanto,
a Professora P-1 amplia a discussão colocando essa articulação como um desafio, já que os alunos não
conseguem perceber o conjunto das disciplinas estudadas durante o curso. Essa impossibilidade é atri-
buída à organização curricular, conforme os relatos:

Então, essa integração com as outras disciplinas é justamente o grande problema, porque
eles não têm uma visão de totalidade, essas várias partes, eles não integram no todo, que é
o momento da prática pedagógica, seja na escola, seja em outro canto […] (Professora P-1).

Eu acho que a desvinculação é evidente na forma que está no currículo, mas, que eles são muito
articulados […] (Professora P-1).

A disciplina Estágio “dependente” de outras disciplinas como política, estrutura, psicologia do


desenvolvimento e da aprendizagem, didática e os ensinos. Como algumas dessas disciplinas
foram realizadas nos primeiros semestres, muitas vezes este é um momento de voltar “às
fontes” (Professora P-2).

Ainda argumentando sobre a importância da articulação entre as disciplinas a partir da pesquisa, prin-
cipalmente do reconhecimento do estágio como processo facilitador da escrita de monografia pelos
graduandos, a Professora P-1 relata uma experiência realizada:

Quando eles [alunos] chegavam lá pelo sexto semestre, eles já tinham um objeto de pesquisa,
inclusive para a monografia. Porque aqui, do jeito como é feito, “vocês vão ter que fazer uma
monografia, pensem num tema”, e o aluno totalmente desvinculado com a realidade, porque
muitas vezes ele não está em sala de aula, alguns trabalham, mas não são todos, principalmente
no turno da manhã, então eles ficam muito perdidos. Então eles já tinham lá, um instrumental,
eles já tinham os sujeitos, eles já tinham acesso ao campo, eles já tinham um problema que
vinha realmente de um questionamento que eles observavam na realidade e, com esse processo
todo, quando chegava o momento de fazer a monografia, era muito mais simples, porque eles
já vinham construindo tudo isso e vinham vinculando tudo isso com o estágio. Eu achei uma
experiência muito interessante […] (Professora P-1).

As duas professoras consideram que, embora não satisfatoriamente, a experiência de estágio e o modo
como a realizam promove o desenvolvimento da postura investigativa nos alunos. Todavia, elas fazem
essa afirmativa sem fornecer elementos elucidativos dessa percepção.

Os relatos das professoras de Estágio mostram uma prática pedagógica marcada por uma percepção da
pesquisa como atividade com potencial para fortalecer a formação inicial, ao mesmo tempo que constran-
gida pelo predomínio de uma cultura pedagógica institucional que ainda resiste ao trabalho colaborativo.
As professoras compreendem e corroboram o discurso da articulação entre teoria e prática e estágio
e pesquisa, mas não parecem encontrar suporte institucional que apoie e favoreça práticas robustas e
diferenciadas de iniciação à profissão.

62 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
SÍNTESES PROVOCADORAS PARA CONTINUAR INVESTIGANDO...

As análises teóricas e as constatações empíricas abordadas neste escrito nos levam a reforçar o entendi-
mento da complexidade que envolve o desenvolvimento do componente curricular Estágio Supervisionado
e, também, da importância de sua contribuição para a formação dos professores.

Todo aprendiz em formação e futuro profissional anseia por sua inserção no campo de trabalho. No caso
dos professores, o estágio apresenta-se como uma aproximação inicial mais sistematizada às experiên-
cias de trabalho situadas, em que os alunos conhecem a escola, a sala de aula, as técnicas de ensino, os
saberes e práticas docentes. Esses momentos são portadores de muitas aprendizagens no que se refere
às vivências no âmbito da docência. Entre acertos e erros, hoje podemos considerar que esse espaço da
formação envolve ricas possibilidades de iniciação e aprimoramento das atividades docentes, por isso
mesmo instrumentalizadoras da práxis.

Este estudo nos levou a reforçar considerações sobre certo descompasso entre o avanço em defesa do
estreitamento da relação entre teoria e prática no percurso dos estudos realizados durante as disciplinas
na formação do professor da escola básica e a realidade vivenciada na disciplina Estágio, ministrada, em
geral, ao final da graduação na universidade. Para tal, nos apropriamos de um referencial que trouxe fun-
damentos para compreender o desenvolvimento do estágio feito com o auxílio da pesquisa como uma
alternativa a ser perseguida urgentemente.

É preciso romper com práticas isoladas de planejamento e desenvolvimento de estágios curriculares,


dando prioridade às experiências que possam ser portadoras de momentos de teorização, discussão e
elaboração de uma prática respaldada pela pesquisa, que, entre outras contribuições, prevê o diálogo, a
partilha de saberes, o estímulo a ousadias e a defesa das intenções em favor de uma escola de qualidade.

Os desafios estão postos, entre eles a inserção da pesquisa como marca de projetos de formação que
apontem o diálogo como caminho de busca de novas mediações para ensinar e de fomento ao redimen-
sionamento da prática pedagógica para mudanças que favoreçam a escola e a prática social crítica.

Ao concluirmos estas análises, declaramos compreender os limites dessa discussão para abarcar a
complexidade da temática. Apesar disso, não podemos negar: o estágio precisa se fortalecer como via
fértil na criação de posturas investigativas para a formação de professores pesquisadores, assumindo a
pesquisa como componente capaz de melhorar a formação de professores no Brasil.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 63


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. E. D. A. Ensinar pesquisar... Como e para quê?. Recife: ENDIPE, 2006. p. 221-234.

ALBUQUERQUE, D. M. de. Práticas pedagógicas na escola: desafios e possibilidades no estágio supervi-


sionado nas séries iniciais do ensino fundamental. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA
DE ENSINO, 13. 2008, Recife. Anais... Recife: [s.n.], 2008.

BRASIL. Resolução nº 1/2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, 18 de fevereiro
de 2002. Brasília, 2002.

BRASIL. Parecer n.º09/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, 2001.

BARREIRO, I. M. de F.; GEBRAN, R. A. Prática de ensino e estágio supervisionado na formação de pro-


fessores. São Paulo: Avercamp, 2006.

FARIAS, I. M. S.; SILVA, S. P.; BARRETO, M. C. Preocupações e contornos de um estudo sobre a integração
ensino e pesquisa na prática pedagógica universitária. In:

ENDIPE, 15., 2010, Belo Horizonte. Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente:
políticas e práticas educacionais. Belo Horizonte: [s.n.], 2010.

LIMA, L. S. Contribuições do estágio supervisionado para a formação do professor pesquisador. Monografia.


Curso de Pedagogia/Centro de Educação. UECE: 2013, 79p.

LIMA, M. S. L. Estágio e aprendizagem da profissão docente. Brasília: Liber Livro, 2012.

LIMA, M. S. L. A hora da prática: reflexões sobre o estágio supervisionado e ação docente. Fortaleza:
Edições Demócrito Rocha, 2001.

LUDKE, M. A pesquisa na formação do professor. In: FAZENDA, I. (Org.). A pesquisa em Educação e as


transformações do conhecimento. Campinas, SP: Papirus, 1995. p. 111-120.

MOARES, G. L. de. Estágio na licenciatura em Pedagogia: projetos de leitura e escrita nos anos iniciais.
Petrópolis, RJ: Vozes; Maceió, AL: Edufal, 2012.

PEREIRA, R. C. B.; PEREIRA, R. de O. P. O estágio supervisionado no contexto da formação de profes-


sores. In: CALDERANO, M. da A. (Org.). Estágio curricular: concepções, reflexões teórico-práticas e
proposições. Juiz de Fora: Ed. da UFJF, 2012.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

SANTOS, L. L. C. P. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: O PAPEL da pesquisa
na formação e na prática dos professores. 2. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2002. p. 11-26.
64 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
SAVIANI, D. A nova lei da educação: LDB – trajetória, limite e perspectivas. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 1999.

SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.). O professor e sua
formação. Lisboa: D. Quixote, 1992.

SZYMANSKI, H.; ALMEIDA, L. R. de; PRANDINI, R. C. A. R. A entrevista na pesquisa em educação: a


prática reflexiva. Brasília: Plano, 2002.

THERRIEN, J.; THERRIEN, S. M. N. Ensino e Pesquisa nos cursos de graduação em educação e saúde:
apontamentos sobre a prática e análise dessa relação. Revista da FACED, Salvador, n. 10, p. 279-293, 2006.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 52-65, jul./dez. 2013. 65


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Professores iniciantes: Adentrando algumas


pesquisas brasileiras
Célia Nunes
Solange Cardoso

RESUMO: A temática voltada para os estudos sobre os professores em início de carreira tem sido de
nosso interesse, já que atuamos no campo da formação de professores. Este trabalho apresenta um
levantamento realizado em quatro bases de dados brasileiras e uma breve análise sobre pesquisas feitas
no período de 2000 a 2010 cuja temática são os professores iniciantes. As bases de dados investigadas
foram: reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), no GT
8 - Formação de Professores, Revista Brasileira de Educação, Revista Educação e Sociedade e Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. A seleção dos trabalhos foi realizada investigando a existência de
descritores afins com o termo “professor iniciante” em títulos, resumos e/ou no trabalho integral. Por
meio deste estudo, constatamos que a temática proposta ainda se encontra incipiente nas pesquisas
do campo da formação de professores. No entanto, os estudos que abordam o tema têm apresentado
importantes considerações, tais como: a evidência dessa ser uma etapa importante no desenvolvimento
profissional docente; necessidade de ainda explorar aspectos pouco analisados, buscando compreender
a complexidade dessa etapa na carreira docente.

PALAVRAS-CHAVE: Professor iniciante; formação de professores; desenvolvimento profissional.

ABSTRACT:  This paper presents a conducted survey in four Brazilian databases and a brief analysis
about researches identified with the themes which are Beginner Teachers from the period of 2000 to
2010. The investigated database were ANPEd meetings – Associação Nacional de Pós-Graduação and
researches in education in GT 8 – Teacher training, Brazilian Educational magazine, Brazilian Magazine of
Education, Education and Society Brazilian magazine and The Brazilian magazine of Pedagogical Studies.
The selection of papers were conducted by investigating the existence of related descriptors with the
term Beginner Teacher in titles, abstracts and/or whole work. Throughout this study, we have found
that the proposed theme has little expressiveness to research in the field of Teacher Training. However,
researches on the subject have presented important findings emphasizing that this is an important step
in professional teacher development and to be little explored there are still many aspects to be analyzed
which could contribute to it is not identified as a complex step.

KEYWORDS: Beginner Teacher, Training teacher, Professional Development.

66 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ADENTRANDO O TEMA

Nos estudos sobre a formação e a profissão docente, um dos aspectos que tem sido identificado como
relevante refere-se à importância de se pensar a complexidade do início da carreira. Autores como Garcia
(1999) e Lima (2006), apontam a importância da investigação de aspectos relativos a esse momento, haja
vista que, para eles, essa é a etapa mais importante do desenvolvimento profissional docente e também
a mais complexa, marcada por momentos de tensão e dúvidas diante de uma fase cheia de novidades.

Considerando a necessidade de encontrarmos fontes que nos aproximassem da temática que envolve os
professores iniciantes e com o intuito de situá-las na literatura, objetivamos neste artigo trazer ao leitor o
processo de identificação e análise a partir de apontamentos e lacunas identificadas pelos pesquisadores
nos estudos sobre essa etapa do desenvolvimento profissional docente. Para isso, fizemos um levantamento
em quatro bases de dados brasileiras, reconhecidas como importantes meios de divulgação das pesquisas
na área da educação brasileira, no período de 2000 a 2010. As bases utilizadas foram: anais das reuniões
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no Grupo de Trabalho 8 (GT
8) – Formação de Professor e dos trabalhos publicados na Revista Brasileira de Educação (RBE), também da
ANPED, a Revista Educação e Sociedade, da Universidade de Campinas (UNICAMP) e a Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos (RBEP) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (INEP).

A seleção dos trabalhos passou por três etapas. Na primeira etapa realizamos a leitura dos títulos, mas
em alguns casos foi preciso recorrer à leitura do resumo, o que nos levou à segunda etapa. Na segunda
etapa, nos deparamos com a falta de resumos em alguns trabalhos e com resumos incompletos, o que
não nos permitiu apreender o foco do trabalho. Logo, para esses trabalhos, foi preciso percorrer a ter-
ceira etapa: leitura integral dos textos. Após passar por essas etapas, em que foram localizados 1.800
trabalhos, foi possível selecionarmos aqueles com a temática que nos propusemos estudar. Do total de
1800 trabalhos, identificamos quinze que abordavam a temática desejada.

Vale ressaltar que, no levantamento, a leitura integral só foi realizada nos trabalhos em que não conse-
guimos apreender o foco pela leitura do título ou do resumo e que após identificarmos os trabalhos, a
leitura integral foi realizada em todos os quinze trabalhos selecionados. Por meio dessa leitura, pudemos
apresentar alguns apontamentos e lacunas acerca das pesquisas que abordam os professores iniciantes.

A partir desse levantamento buscamos dialogar com outros dois desenvolvidos por pesquisadores brasi-
leiros no campo da formação de professores, com o foco nos professores iniciantes.

INTEIRANDO-SE SOBRE O INÍCIO DA CARREIRA DOCENTE

O início da carreira profissional docente é considerado por muitos autores, como um período marcado por
muitas angústias, descobertas, tentativas do tipo “erro e acerto” e ainda como um momento em que o
professor vive um “choque de realidades” (GARCIA, 1999; HUBERMAN, 2000; LIMA, 2004; GUARNIERI,
2005; MARIANO, 2006). Para Garcia (1999, p. 112), ao se tratar da carreira docente é preciso reconhecer
que os professores, no que se refere ao “aprender a ensinar”, passam por diferentes fases e cada uma
delas é marcada por “exigências pessoais, profissionais, organizacionais, contextuais, psicológicas, etc.,
específicas e diferenciadas”.

Lima (2004, p. 8), reconhecendo o quanto a entrada na carreira é assinalada por características marcantes,
ressalta que “a fase inicial da construção da docência configura-se como um período de aprendizagens
intensas e de grandes dificuldades, de modo que superá-las e conseguir permanecer na profissão implica
mesmo num verdadeiro processo de sobrevivência”.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 67
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Outra observação interessante também é apresentada por Tardif e Raymond (2011, p. 229), quando apon-
tam que, “ao estrearem em sua profissão, muitos professores se lembram de que estão mal preparados,
principalmente para enfrentar condições de trabalho difíceis”. Esses autores apontam, ainda, que os
acontecimentos que marcam o período inicial da carreira docente adquirem importância fundamental no
estabelecimento de práticas que poderão influenciar o professor ao longo de toda sua trajetória profissional.

Lima (2004), reportando-se aos trabalhos de Veenman (1988) e Valli (1992), destaca que entre as principais
dificuldades sentidas nesse momento de sobrevivência, se evidenciam: a imitação acrítica de condutas
de outros professores; o isolamento; a dificuldade em transferir o conhecimento adquirido na formação
inicial; o desenvolvimento de uma concepção de ensino mais técnica; a manutenção da disciplina; o es-
tabelecimento de regras de conduta dos alunos; a motivação e o trato com as características individuais
dos alunos; o relacionamento com pais, alunos e comunidade; a preocupação com a própria capacidade
e competência; a docência vista como trabalho cansativo física e mentalmente.

Guarnieri (2005) direciona seus estudos para o processo de aprender a ensinar e apresenta considerações
decorrentes da perspectiva dos professores iniciantes. A primeira delas é que, ao se deparar com a situ-
ação real em que se desenvolve a prática pedagógica, o professor iniciante possa abandonar ou rejeitar
os conhecimentos teórico-acadêmicos que adquiriu na formação inicial pela dificuldade em colocá-los
em prática. Essa atitude contribui para que o professor incorpore a cultura existente na escola, de forma
passiva, resistindo às mudanças e evitando os conflitos pela adesão a um modelo aceito e inquestionável.
A segunda implicação consiste no fato de o professor iniciante ter uma concepção teórica definida e,
assim, tentar aplicá-la de uma forma direta em sua prática. Essa atitude pode levá-lo a não perceber as
limitações que o conhecimento teórico possui, fazendo com que passe a julgar a prática pedagógica da
escola como inadequada, ultrapassada e impeditiva para a realização de ações mais conscientes. Além
disso, essa atitude pode fazer ainda com que o professor considere a prática e a cultura escolar como
tradicionais, pois, ele não saberá resolver determinados problemas de maneira coerente com a sua con-
cepção teórica. Assim, essa constatação poderá levá-lo a adotar as formas de agir dos professores que já
estão na escola, provocando uma frustração e um conflito para si próprio. A terceira implicação consiste
no fato de que o professor iniciante, embora possa criticar a cultura da escola e as práticas docentes,
seja capaz de perceber os aspectos positivos, e esses podem passar a constituir parâmetros para que ele
perceba os limites e os problemas da sua prática e das concepções teóricas que ele já tinha incorporado.

Por meio dessas constatações, podemos notar que essa etapa espera e exige, dos professores, deter-
minados comportamentos e conhecimentos que nem sempre eles possuem no início da docência, ainda
que tenham passado pela escola, seja como aluno ou mesmo como estagiário, já que eles não tiveram,
ainda, experiências no “papel” de profissionais.

O termo “papel” é apresentado por Mariano (2006) por meio de uma comparação entre professores
iniciantes e atores de teatro, que estão sempre incorporando novos personagens, assumindo novos
papéis. Segundo o autor, o início da docência pode ser comparado a uma peça teatral, pois chega um
momento em que os professores precisam “sair da plateia e subir no palco para apresentar o espetáculo
da docência” (MARIANO, 2006, p. 18). Para ele essa é uma tarefa complexa, pois, por mais que haja uma
idealização do que se deseja encontrar, é sempre necessário usar de improvisos e ter uma preparação
constante para assumir esse papel, e complementa afirmando que, “a cada dia, construímos uma cena.
Porém, o espetáculo nunca estará totalmente preparado, mesmo que a ele dediquemos a nossa melhor
atuação. Por mais que estudemos o nosso papel e nos julguemos preparados para assumi-lo, sempre
iremos encontrar situações nunca antes imaginadas nem vivenciadas” (MARIANO, 2006, p. 18).

68 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Essas observações apresentadas por Mariano (2006) evidenciam que, por mais que haja uma boa pre-
paração e uma boa formação, ainda é difícil que eles se sintam seguros e preparados para assumirem
novos “papéis” e serem professores iniciantes. A formação que recebem na graduação oferece apenas
uma visão geral sobre algumas situações que poderão vivenciar na escola, uma vez que não é possível
prever todos os imprevistos e todas as situações que irão/poderão surgir.

Essa análise apresentada por Mariano (2006) nos remete a um estudo feito por Rocha (2006), em que
ela investigou o desenvolvimento profissional de uma professora com doutorado iniciando a carreira do-
cente nas séries iniciais. Segundo a pesquisadora, a professora relatou que tinha a impressão de estar
começando do zero, pois sentia que os anos de estudo e de pesquisa não contribuíram para o exercício
da profissão docente e também que a ansiedade sentida parecia superar a própria capacidade profissional.
Para Lima (2004), isso configura o início da docência como um momento de não expertise, uma vez que
as dificuldades vivenciadas nessa etapa do desenvolvimento profissional podem ser sentidas até mesmo
por professoras com um percurso de formação acadêmica mais longo.

AS PESQUISAS BRASILEIRAS SOBRE PROFESSORES INICIANTES

Realizamos o nosso levantamento apoiado em trabalhos apresentados em quatro bases de dados


brasileiras, reconhecidas como importantes meios de divulgação das pesquisas na área da Educação
brasileira. As bases pesquisadas foram: reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação(ANPEd), no Grupo de Trabalho 8(GT 8) – Formação de Professores; nos trabalhos publica-
dos na Revista Brasileira de Educação(RBE), também da ANPEd, na Revista Educação e Sociedade, da
Universidade de Campinas (UNICAMP) e na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos(RBEP) do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (INEP).

O levantamento foi direcionado desde o início do estudo, selecionando apenas os trabalhos que abordavam
os professores iniciantes ou descritores afins e se deu por meio virtual, tendo como período a década
de 2000 a 2010. Esse recorte temporal se fez necessário uma vez que determinados temas poderão
apresentar um número muito vasto de pesquisas, o que pode vir a prejudicar a qualidade do estudo se
não houver uma delimitação.

Apresentamos na Tabela 1 o número de trabalhos levantados e também o número de trabalhos selecionados.


TABELA 1 – INFORMATIVO GERAL SOBRE O NÚMERO DE TRABALHOS ENCONTRADOS E COM
INTERFACE COM O TEMA PESQUISADO NAS QUATRO BASES DE DADOS.

Base de dados Total Interface com o tema


GT8 - ANPEd 314 14
RBE - ANPEd 413 0
Educ. e Sociedade 744 0
RBEP 329 1
TOTAL 1800 15
Fonte: Levantamento realizado em quatro bases de dados brasileiros.

Nota-se que a porcentagem de trabalhos sobre professores iniciantes, nessas bases de dados
no período que delimitamos, é incipiente, totalizando apenas 15 (0,82%) de um total de 1800 trabalhos

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 69


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
publicados. Tal constatação serviu como mais um elemento motivador para investirmos na investigação
sobre o assunto.

E entre as referidas bases de dados, percebe-se uma maior expressividade nos trabalhos do GT8 da ANPEd,
em que foram identificados 14 trabalhos, o que corresponde a 0,77% do total de trabalhos publicados e
99% do total de trabalhos selecionados. Na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos foi identificado
apenas um trabalho, o que representa 0,05% do total de trabalhos publicados e 1% do total de trabalhos
selecionados. Nas outras duas bases de dados, a Revista Brasileira de Educação e a Revista Educação e
Sociedade, não foram localizados trabalhos.

A constatação desse número pouco expressivo de trabalhos dentro desta temática nos remete a Garcia
(1999), Mariano (2005) e Lima (2006) quando apontam que há uma escassez e uma carência significativa
de pesquisas sobre o assunto.

Para Papi e Martins (2010, p. 7), “há uma tendência crescente de realização desses estudos, embora
seja relevante salientar que as pesquisas sobre professores iniciantes ainda não acontecem em grande
quantidade em relação às pesquisas em educação, em sentido amplo”. Lima (2004, p. 85) corrobora essa
afirmação apontando que essa fase da carreira do professor “tem merecido menos atenção por parte da
pesquisa na área de formação de professores do que, a meu ver, deveria. Haja vista que, por exemplo,
não houve trabalhos com esse tema apresentados na ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação) entre os anos de 1999 e 2003”.

No que se refere às instituições em que os estudos foram realizados, destaca-se a Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). Essa Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) apareceu no levantamento
como a que mais tem se dedicado a estudar essa temática, sendo que dos quinze trabalhos, sete foram
desenvolvidos nessa IFES.

Outro dado que merece destaque diz respeito aos autores mais recorrentes, visto que na maioria dos
trabalhos, notamos que os autores mais citados são: Nóvoa (1995), Garcia (1999), Huberman (2000),
Tardif (2002) e Lima (2006).

As referências sobre Garcia e Lima estão voltadas diretamente para os professores iniciantes, pois ambos
se destacam por serem referências para os estudos com essa temática. Já Huberman é também um
autor muito recorrido por ter feito um estudo buscando compreender cada etapa do desenvolvimento
profissional. Logo, os pesquisadores que visam compreender as etapas da docência recorrem a ele uma
vez que, além de limitar cada etapa, em anos, apresenta as características mais marcantes em cada
uma delas. No que se refere aos autores Tardif e Nóvoa, tem-se que ambos são referência para quem
estuda não só esta temática, mas também para quem se dedica a estudar outros aspectos relacionados
à formação de professores.

Apresentamos, a seguir, os achados nos trabalhos identificados no GT8 - ANPEd e na Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, haja vista que aqueles selecionados foram publicados nessas duas bases de dados.

Os trabalhos selecionados apresentam características afins que merecem ser agrupadas e analisadas
separadamente. Adotamos como critério para agrupá-los os segmentos de ensino que os pesquisadores
escolheram para desenvolvê-los. Essa escolha se deve ao fato de que a maioria destes trabalhos identi-
ficou já no título a etapa analisada.

70 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Dos quinze trabalhos selecionados, doze identificaram o segmento, sendo que seis abordaram as séries
iniciais do ensino fundamental, quatro abordaram o ensino superior e três optaram pela educação infantil.
Vale ressaltar que um deles abordou tanto as séries iniciais quanto a educação infantil; os outros três
foram relacionados a outras categorias.

No que se refere aos trabalhos1 voltados para o ensino superior, nota-se a preocupação dos pesquisadores
em compreender como ocorre a socialização profissional, a profissionalização e os processos formativos
desses professores. Essas três categorias foram as mais recorrentes, e, ao serem analisadas, apresen-
taram um consenso acerca das percepções que os autores têm sobre elas.

Entre esses quatro trabalhos, apenas um identificou que sua pesquisa foi com professores engenheiros,
mas não especificou em quais engenharias esses professores exerciam a docência. Os demais trataram
os professores de forma generalizada, sem a preocupação de identificar o curso.

No que se refere à socialização profissional, os autores apontam que essa tem sido uma categoria pouco
estudada. Segundo Ferenc (2007, p.1), “no Brasil, os poucos estudos que buscam a compreensão dos
processos de socialização de professores na profissão têm se voltado para os níveis não universitários”.
A autora destaca que, entre os poucos trabalhos que utilizam essa categoria, evidenciam-se os trabalhos
de Ludke (1996) e Nunes (2002), fazendo menção ao fato de que esses autores se utilizam da socialização
para compreender o processo de aprender a ensinar.

Os referidos autores apontam que, no ambiente universitário, não há a preocupação em socializar, em


acolher os novatos e em apresentá-los à instituição e aos seus pares. A socialização é apontada nas
entrevistas e nas narrativas realizadas como um processo sofrido, pois os novatos sentem falta da re-
ceptividade, do acolhimento e têm que buscar sozinhos, ou com ajuda dos alunos, se inteirar de suas
funções, de seus espaços, das normas e das regras da instituição.

Quanto à profissionalização, tem ocorrido pautada nas crenças e nas representações sociais sobre o que
é ser professor, construídas antes dos alunos se tornarem profissionais e ao longo de suas carreiras,
apontando para a insuficiência de processos de profissionalização da docência no ensino superior.

Já o processo formativo aparece como um aspecto recorrente entre os autores, que o apontam como
um processo que deve englobar as dimensões pessoal, profissional e institucional, considerando como
os professores vão se transformando ao longo do tempo.

Entre as dimensões que se encontram no processo formativo, evidencia-se a preocupação em enfatizar


e apreciar os aspectos pessoais, considerando cada um como sujeito de sua própria vida e, também,
a sua trajetória pessoal. Logo, torna-se notável para nós a preocupação em prezar pelas expectativas,
sentimentos, relações interpessoais e vivências afetivas que acompanham a trajetória de cada professor.

Além das categorias apresentadas, cabe a nós destacar alguns apontamentos que também foram recorrentes
nos trabalhos. Para os professores desse segmento, a docência apresenta-se de forma positiva no momento

1 Os trabalhos selecionados apresentavam os seguintes títulos: A descoberta da docência por engenheiros-professores e suas representações; Educação
Superior: A entrada na docência universitária; Movimentos construtivos da docência superior: delineando possíveis ciclos de vida profissional e
Narrativas de professores universitários sobre seu processo de socialização profissional.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 71
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
em que se deparam com situações de realização e gratificação pessoal e profissional, como quando rece-
bem homenagens em formaturas, quando veem os alunos ingressando no mercado de trabalho, quando
desenvolvem pesquisas, quando são reconhecidos por seus pares, etc. Quanto aos aspectos negativos,
destaca-se o isolamento, a ausência de espaços de interlocução pedagógica, a insegurança diante dos
colegas mais experientes e dos alunos, a busca pela disciplina na sala de aula, a cobrança para se vencer o
programa da disciplina, a cobrança por produtividade, a valoração e a hierarquia entre funções, entre outros.

No que se refere às séries iniciais do ensino fundamental, dos quinze trabalhos selecionados para esse
estudo, sete deles procuraram compreender os professores iniciantes nesse segmento do ensino,
destacando-se então, como o mais investigado.

Os trabalhos que abordaram esse segmento apresentaram, em sua maioria, a preocupação em com-
preender como ocorre e como se caracteriza a aprendizagem da docência e o aprender a ser professor.
Aparecem como aspectos recorrentes os sentimentos que emergem quando os professores se veem
diante dos desafios dessa nova etapa de aprendizagem, que agora passa a ocorrer no ambiente profis-
sional e não mais em ambientes estudantis.

Os trabalhos apontam que os professores entendem essa fase inicial da docência como uma etapa de
intensa aprendizagem e de grande importância, mas consideram-na muito dolorosa, uma vez que vem
acompanhada de sentimentos como: solidão, vontade de desistir, cansaço, nervosismo, sensação de
incompetência, exaustão, desilusão, incapacidade, frustração e desgaste físico e emocional.

Os principais desafios apontados nesses trabalhos giram em torno das aprendizagens que ocorrem den-
tro da sala de aula e que exigem dos professores determinadas atitudes que eles julgam, muitas vezes,
não estarem preparados. Diante de determinadas situações como a agressividade entre os alunos e a
desmotivação deles, a indisciplina e o fato de terem que conviver com a heterogeneidade e as individu-
alidades, os professores se julgam despreparados e apontam esses acontecimentos como inesperados.

Vale ressaltar que, entre esses trabalhos, um deles estava voltado para compreensão da entrada na
docência de uma professora doutora. Assim, foi evidenciado que a docente, mesmo tendo um nível de
formação mais elevado (no caso o doutorado), teve dificuldades semelhantes as das demais professoras
que, em sua maioria, possuem apenas a graduação. Para a professora doutora, essa etapa não foi tão
sofrida devido ao apoio que recebeu da direção e de seus pares; ela considerou esse apoio determinante
para a continuidade na profissão.

Como sugestão dos próprios professores e a partir das percepções que vêm sendo construídas por meio
das pesquisas, notamos a necessidade de se criar na escola espaços onde os professores iniciantes
possam receber apoio, assistência e orientação, seja pela direção, pela coordenação, por seus pares ou
por mentores/tutores.

Para Rocha (2006, p.7) torna-se necessário pensar “na importância da mediação de uma política institucio-
nal que se comprometa com o apoio ao professor iniciante, a fim de ajudá-lo a acionar os seus diversos
saberes e transformá-los em possibilidades para a sua prática profissional”.

Essas propostas corroboram com o pensamento de Mariano (2005), pois o autor aponta que, no início
da docência, os professores não deveriam se responsabilizar sozinhos por pensar a sua prática e, nem
72 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
mesmo, se sentir como os únicos responsáveis pelas aprendizagens que ocorrem nessa fase do seu
desenvolvimento profissional.

Nunes (2002) traz importantes considerações a esse respeito apontando que a aprendizagem da docência
deveria começar na formação inicial, mas que, para isso, algumas modificações precisariam ser feitas para
que se atingissem bons resultados. Entre suas propostas, apresentam-se as seguintes: destacar a disci-
plina prática de ensino frente às demais disciplinas, criando espaços para que ela seja oferecida em todos
os anos do curso de formação inicial; estimular a reflexão sobre a realidade concreta das escolas públicas
e privadas, e incentivar o trabalho integrado entre os colegas do programa, visando a troca de experiências
e de estratégias metodológicas que vão se construindo ainda nessa etapa da formação e também que vão
sendo incorporadas a partir das experiências vividas enquanto estudante da graduação e da educação básica.

Quanto à educação infantil, esse segmento apresentou um menor número de trabalhos – apenas três –
sendo que um deles abordou tanto a educação infantil quanto as séries iniciais do ensino fundamental.

Visando compreender o porquê dessa pequena expressividade, valemo-nos das colocações feitas pelas
autoras de um dos trabalhos, Ambrosseti e Almeida (2007), que salientam que a educação infantil é um
segmento cujas referências profissionais ainda estão pouco claras, uma vez que, desde a sua criação,
sempre esteve associada a um trabalho que requer menor qualificação e remuneração, o que acaba re-
fletindo também nas pesquisas.

No entanto, as autoras reconhecem que os professores que fazem parte desse grupo constituem atual-
mente um novo grupo de profissionais, haja vista que, a partir das novas diretrizes legais, esse segmento
passa a fazer parte da primeira etapa da educação básica, exigindo que os profissionais tenham uma
formação específica.

Nos três trabalhos que optaram por estudar os professores iniciantes nesse segmento de ensino, notou-se
que um abordou o conceito de profissionalidade e o outro, os processos de formação dos professores.

No que se refere à profissionalidade, Sacristán (1995, p.65) aponta que esse conceito se relaciona com
tudo que é específico na ação docente, isto é, o “conjunto de comportamentos, conhecimentos, destre-
zas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. Entretanto, o autor ressalta a
dificuldade em apresentar uma definição exata para esse conceito, pois, do ponto de vista sociológico, a
docência é considerada uma semiprofissão se comparada às demais profissões liberais clássicas. Sendo
assim, o autor aponta que o conceito de profissionalidade docente se encontra em constante elaboração
“devendo ser analisado em função do momento histórico concreto e da realidade social que o conheci-
mento escolar pretende legitimar, em suma, tem de ser contextualizado”.

As autoras Ambrosseti e Almeida (2007) destacam que essa concepção tem sugerido uma nova perspec-
tiva, passando a abordar não somente as concepções normativas que a analisam, mas buscando também
compreendê-la em sua complexidade, como uma construção social. Essa construção social implica em
compreender os professores como atores sociais que, ao interagirem com o espaço institucional, cons-
troem sua vida e sua profissão.

Visando compreender a profissionalidade como uma construção social, Tardif (2002) contribui com o
apontamento de que a subjetividade tem sido evidenciada e passou a ocupar o centro das pesquisas
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 73
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
sobre o ensino, sendo que, por meio dela, há o reconhecimento dos professores como sujeitos ativos e
produtores de saberes específicos em seu ambiente profissional.

Outra característica que pode ser destacada é a importância do espaço escolar na construção da profis-
sionalidade. Através de relatos colhidos no trabalho, Ambrosseti e Almeida (2007) identificaram o quanto
o ambiente e a gestão escolar influenciam na profissionalidade. Nos relatos das participantes, uma pro-
fessora enfatizou que em uma escola seu trabalho fluía bem devido ao clima de harmonia, cooperação,
união, respeito e partilha que sempre se faziam presentes, ao contrário da outra escola, em que o grupo
era fechado, egoísta nas partilhas e a coordenadora era extremamente autoritária, de modo que o trabalho
era tenso, desencadeava estresse emocional e, por isso, não era produtivo.

Já no que se refere aos processos de formação, as autoras Nono e Mizukami (2006) se apoiam nas
colocações feitas por Imbernón (2001) e comungam o entendimento no sentido de que as diferentes
etapas pelas quais os professores passam ao longo do seu desenvolvimento profissional são vivenciadas
de modos distintos, não havendo uma uniformidade sobre as maneiras de experimentar cada uma. Elas
também concordam que em cada etapa os professores enfrentam diferentes problemas, necessidades,
desafios e dilemas que contribuirão para a construção do seu conhecimento profissional e da sua forma-
ção, haja vista a dinamicidade que marca cada etapa, caracterizando o processo de formação como algo
não estático e não linear.

Já os trabalhos relacionados a outras categorias tiveram como objetivo, ora apresentar aspectos mais
gerais sobre os resultados de pesquisas recentes sobre a temática proposta, ora focar especificamente
o programa de iniciação a docência para professores de Educação Física.

Os dois trabalhos que apresentaram os resultados de pesquisas sobre os professores iniciantes são de
autoria de Mariano e integram sua dissertação de mestrado, sendo um deles apresentado em 2005 e o
outro em 2006.

O trabalho apresentado em 2005 objetivou identificar as características do início da docência visando


compreender como tem sido a discussão a respeito do professor iniciante como um profissional reflexivo,
já que a literatura tem apontado o processo de reflexão como um fator que pode amenizar as dificuldades
enfrentadas nessa etapa da carreira.

Todavia, em seu trabalho, Mariano (2005) questionou qual era essa reflexão e qual era o sentido atribuído
a esse termo. Para isso, o autor buscou dialogar com autores como: Libâneo (2002), Pimenta (2002),
Contreras (2002), André (2003) e Zeichner (2003), a fim de promover uma discussão entre os estudos da
ANPEd e as contribuições que esses autores podem oferecer.

Sabemos que adotar a reflexão para compreender a formação dos professores contribui para dar-lhes um
lugar de destaque, ao mesmo tempo que os reconhece como participantes de suas ações e não simples
aplicadores de soluções prontas. Entretanto, Contreras (2002) faz importantes considerações ao salientar
que, ao se definir o professor, seja como pesquisador, artista ou como profissional reflexivo, comete-se
sempre o mesmo erro de não propor qual deva ser o conteúdo da reflexão e seus limites. O referido autor
questiona se a forma como essas ideias se apresentam não pode estar justificando determinados prin-
cípios de nossa sociedade, tais como a meritocracia, o individualismo, a tecnocracia e o controle social.

Contreras (2002) chama atenção para o fato de que quando se relaciona o professor a um artista reflexivo,
pode-se notar que as críticas referem-se ao fato de o docente enfrentar, individualmente, o desafio de

74 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
encontrar formas de poder se autoanalisar e de limitar a concepção do professor à reflexão apenas da
sua prática, não se atentando para as características institucionais nas quais desenvolve seu trabalho e
a forma pela qual o contexto o condiciona.

Por meio desse trabalho, Mariano (2005) conclui que falar de professor como profissional reflexivo no
início da carreira só faz sentido se tal proposta estiver carregada de crítica, conteúdo e objetivo.

Quanto ao trabalho publicado em 2006, Mariano se ateve em apresentar algumas características das
pesquisas sobre o processo de aprendizagem dos professores iniciantes.

Contudo, podemos evidenciar uma consideração feita por esse autor que destaca ser possível verificar
que os estudos que envolveram sentimentos, dilemas, percepções, socialização profissional e constru-
ção dos saberes docentes, foram analisados a partir das práticas pedagógicas e de depoimentos; em
todos eles foi notável a preocupação em se compreenderem os desafios e sentimentos que afloram nos
primeiros anos da docência.

No que se refere ao trabalho que mostrou as contribuições e os desafios de um programa de iniciação


à docência para professores de Educação Física, podemos destacar que esses programas têm sido
apresentados por vários autores como uma estratégia adequada para minimizar os problemas que os
professores vivenciam no início da carreira. Foi por meio dessa percepção que as autoras Ferreira e Reali
(2005) julgaram ser interessante conhecer como ocorre um desses poucos programas existentes no
Brasil, atentando-se para contribuições que eles podem oferecer aos professores novatos e os desafios
que eles apresentam.

Quanto às contribuições, as autoras destacaram que o papel da mentora2 se evidencia como uma con-
tribuição muito significativa, já que ela procura oferecer não só apoio técnico, mas também apoio huma-
nista e crítico. Através de encontros entre ela e os novatos são criados espaços para que os professores
aprendam com suas próprias práticas, por meio de reflexões sobre a profissão, sobre os problemas
enfrentados, o contexto do trabalho, as aulas e os alunos, procurando estabelecer relações de confiança
e partilha para que os desafios possam ser vencidos. Há, ainda, a oportunidade de os novatos comparti-
lharem informações e sentimentos, segundo as autoras.

Com relação aos desafios, fica evidenciada a dificuldade do mentor em instigar os professores a relatarem
suas práticas, abordando o que pensam e o que sentem; também se evidencia a falta de disponibilidade
de tempo dos novatos para fazer leitura de textos e participar dos encontros.

Entretanto, podemos observar que, na maioria dos trabalhos, os pesquisadores são muito enfáticos ao
relatarem os desafios e os dilemas que os professores vivenciam no início da docência, o que faz com
que eles acabem por associar essa etapa a sentimentos negativos, como: desilusão, cansaço, despreparo,
incompetência, solidão entre outros. Ou seja, enfatizam mais os aspectos relacionados à “sobrevivência”
do que os aspectos relacionados à “descoberta” da profissão.

2
Para Garcia (1999), o mentor é caracterizado nos programas de iniciação à docência como o professor que oferece apoio aos professores princi-
piantes. No Brasil, é comum referir a esses professores também como tutores. Para Ferreira e Reali (2005) embora as nomenclaturas mentor/tutor
apresentem significados comuns, elas possuem origens distintas. Mentor advém da cultura britânica e norte-americana, e tutor da espanhola. As
referidas autoras optaram por utilizar o termo mentor em seu trabalho, por considerarem que a definição da língua portuguesa para o termo mentor
é mais adequado que a do termo tutor. Segundo a definição da língua portuguesa consultada pelas autoras mentor é “pessoa que guia, ensina ou
aconselha outra; guia, mestre, conselheiro” (FERREIRA, 1988, p. 428).
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 75
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Mediante tal evidência, torna-se necessário, segundo julgamos, considerar os aspectos positivos da te-
mática, olhar o que vem dando certo na prática pedagógica desses professores iniciantes. Como aponta
André (1992, p. 37), “por que não voltar os olhos para a face mais positiva da escola e procurar aprender
algo dos seus sucessos?”.

Avançando nestes levantamentos de pesquisas sobre os professores iniciantes, destacam-se os estudos


feitos por Papi (2011) e Mariano (2006). No que se refere ao balanço realizado por Papi, a autora aponta
que seu levantamento das pesquisas realizadas sobre professor iniciante teve como fonte: as pesquisas
apresentadas no GT4 (Didática), no GT8 (Formação de Professores) e no GT14 (Sociologia da Educação)
dos encontros realizados nos anos de 2005, 2006 e 2007, que correspondem as 28ª, 29ª e 30ª reuniões
da ANPEd, trabalhos de Mariano (2005, 2006) disponibilizados na página on-line da ANPEd, o Banco de
Teses da CAPES (trabalhos de mestrado e doutorado) nos anos 2000 a 2007, a pesquisa realizada por
Brzezinski (2006) denominada “Estado do Conhecimento sobre Formação de Profissionais da Educação”,
nos anos de 1997 a 2002, bem como a leitura dos títulos de pesquisa apresentados pela autora e dos
resumos cujos trabalhos foram selecionados.

Quanto às pesquisas apresentadas nos três referidos GTs da ANPEd, Papi (2011) identificou 236 traba-
lhos por meio da localização de palavras semelhantes a professor iniciante nos seus títulos. Desses 236
trabalhos, 14 se relacionavam com a temática investigada, representando 5,93%. A autora aponta que a
maioria dos trabalhos enfatiza de forma descritiva os processos de constituição da prática do professor
iniciante, seus saberes e sua socialização profissional, pontuando dificuldades e possibilidades utilizadas
pelos professores para resolvê-los. Complementa, dizendo que duas pesquisas se relacionam ao desen-
volvimento de proposta específicas para a inserção profissional do professor iniciante.

Quanto aos dados evidenciados por Mariano, em vinte e quatro estudos3 sobre aprendizagem profissio-
nal do professor iniciante feitos entre os anos 1995 e 2004, sendo seis da ANPEd e dezoito do Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), Papi destaca os seguintes dados: seis estudos ana-
lisaram a socialização profissional dos professores iniciantes; quatro pesquisas focaram a atenção para
as impressões, dilemas e percepções dos professores no período da inserção profissional; três estudos
visaram ao conhecimento das contribuições formativas para os professores de algumas abordagens de
pesquisa, como coaching, casos de ensino, etc.; três pesquisas analisaram como se dá o processo de
construção dos saberes docentes; três trabalhos investigaram os recursos teóricos e práticos utilizados
pelo professor em sua prática pedagógica, e as demais temáticas fizeram referência à relação entre a
formação inicial e o início da docência, bem como a programas de iniciação profissional, à organização do
trabalho pedagógico e às influências do âmbito pessoal e profissional na constituição da prática docente.

Já no mapeamento a partir da consulta ao Banco de Teses da CAPES, entre os anos de 2000 a 2007, Papi
(2011) localizou 54 trabalhos, e, considerando os aspectos amplos presentes nos títulos, juntou-os em 3
grandes grupos: um que analisa diferentes questões relacionadas a prática pedagógica do professor inician-
te e a inserção em outras áreas profissionais; outro que faz referência mais especificamente a formação
inicial e um terceiro que tem um caráter de maior proposição em relação a formação do professor iniciante.

No seu último levantamento, a autora analisou uma pesquisa realizada por Brzezinski (2006), denomi-
nada “Estado do Conhecimento”,4 na forma de investigação e análise de conteúdo das dissertações e

3
Segundo Mariano o seu levantamento envolveu estudos apresentados em todos os GTs da ANPEd, onde foram encontrados 4 trabalhos, num total
de 2314, e 2 pôsteres, em 724, o que corresponde a 0,2% da produção científica da entidade. No que se refere ao ENDIPE, foram encontrados
10 painéis, em 2146, 7 pôsteres, em 1381, e 1 troca de experiência em 788 (incluindo workshops, simpósios, etc.), correspondendo a 0,3% dos
trabalhos apresentados (2005, p. 2).
4
Segundo Ferreira (2002 p. 258), esse tipo de estudo tem sido muito produzido no Brasil e em outros países nos últimos quinze anos. Denominados
“estado do conhecimento” ou “estado da arte” esses estudos são definidos como de caráter bibliográfico e trazem em comum o desafio de mapear
e discutir certa produção, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares e de
que formas e em que condições têm sido produzidas certas pesquisas.
76 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
teses defendidas nos programas de pós-graduação do Brasil, credenciados pela CAPES/MEC entre os
anos de 1997 e 2002. Por meio dessa análise, Papi constatou que não houve referência específica ao
professor iniciante. Ainda que Brzezinski (2006) tivesse apresentado categorias próximas ao tema, não
houve referências explícitas ao período de iniciação profissional. Além disso, a autora analisou 742 títulos
selecionados por Brzezinski (2006), e desse total, ela encontrou 17 trabalhos que sugeriam tratar sobre
a temática. Porém, ao realizar a leitura dos resumos desses trabalhos, constatou que apenas 4 faziam
referência direta a essa etapa do desenvolvimento profissional docente.

Essas constatações feitas por Papi (2011, p. 21) levaram-na a apontar que esses resultados podem “ser
um indicativo de certa fragilidade no tratamento do tema pelos pesquisadores brasileiros”.

Considerando os levantamentos feitos por autores brasileiros sobre as pesquisas que envolvem o professor
iniciante, ressaltaremos os dados apontados por Mariano (2005), que buscou identificar questões como: a
origem dos trabalhos; a situação da pesquisa, a época da apresentação nos eventos, as instituições de origem
dos autores, os níveis de ensino pesquisados, os autores mais utilizados e os tipos de estudos realizados.

Dos vinte e quatro estudos selecionados, o autor aponta que três são oriundos de dissertações de mes-
trado, quatro são de teses de doutorado e quatro se referem a projetos de pesquisa; nos demais, não foi
mencionada a procedência. Sobre a situação dos estudos, tem-se que sete eram trabalhos concluídos,
seis estavam em andamento e o restante não mencionou a situação da pesquisa. No que se refere às
instituições de origem, destacam-se a UNESP/Araraquara com três trabalhos e a UFSCar com seis, cor-
respondendo a 25% do universo encontrado. As demais instituições apresentaram distribuição equitativa
das produções, sem grandes destaques.

Ao organizar esses dados por regiões, Mariano (2005) apresentou os seguintes números: três são da região
Centro-Oeste, quatro da região Sul, quatro da região Nordeste e treze da região Sudeste. Olhando para os
níveis de ensino pesquisados, constatou que oito trabalhos debruçam-se, exclusivamente, sobre as séries
iniciais do ensino fundamental, quatro analisam a educação superior e somente um focalizou a educação
infantil. Outros dois abordaram, conjuntamente, a educação infantil e as séries iniciais. Mariano ressalta tam-
bém que outros estudos apresentaram situações peculiares, sendo que alguns buscaram analisar a prática
pedagógica de professores iniciantes no trabalho com um componente curricular específico, a Matemática,
por exemplo; e outros enfocaram a inserção de pedagogos em redes municipais de ensino. Houve ainda,
os trabalhos que, talvez devido aos limites de um resumo, não mencionaram o foco de análise.

Outro dado que Mariano (2005) buscou levantar foi em relação aos autores mais utilizados por esses es-
tudos, bem como o tipo de estudo feito. Segundo o referido autor, em âmbito internacional, destacam-se
Marcelo García (nove pesquisas), Tardif (sete pesquisas) e Pérez Gómez (cinco pesquisas). E em âmbito
nacional, os destaques são Mizukami e Pimenta, aparecendo em quatro trabalhos cada uma. Quanto ao
tipo de estudo feito, apareceram a análise de caso e a análise da prática pedagógica, sendo que o tipo
que apareceu com maior frequência foi a análise de depoimentos.

Ao apresentar suas considerações finais, Mariano (2005, p. 4) corrobora o apontamento feito por Papi
(2011) evidenciando que o início da docência se configura como uma temática pouco explorada e que,
por ser um período com características próprias, ainda há muito a se investigar sobre os professores ini-
ciantes. Passados sete anos, Mariano (2012, p.83) aponta que “o interesse de pesquisadores brasileiros
em estudar o período de iniciação na profissão docente vem conquistando espaço, ainda que de maneira
tímida, especialmente após a virada do século XXI”.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 77


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O QUE NOS SINALIZA OS ESTUDOS ANALISADOS

Diante das contribuições apresentadas pelas pesquisas selecionadas e dos objetivos propostos para
este artigo podemos apontar algumas possíveis considerações, que se situam mais como sugestões e
inquietações, haja vista que não julgamos pertinente tentar concluir, mas sim apresentar algumas con-
siderações sobre um trabalho que se pautou em uma temática ainda tão recente e que se mostra tão
passível de diversas discussões, indicando a necessidade de mais pesquisas.

Diante da constatação de que a temática professores iniciantes tem sido pouco explorada, os levanta-
mentos feitos nos mostram uma elevação no percentual de pesquisas sobre o assunto, mas, de forma
tímida e pequena diante da necessidade latente em se discutir mais essa problemática vivenciada pelos
professores.

Com base nos achados deste estudo, comungamos que essa etapa, entre todas as outras, é a mais
importante, já que deixa marcas que influenciarão todas as fases seguintes e que devido a sua complexi-
dade apresenta-se como uma temática que merece indiscutivelmente crescer dentro das pesquisas no
campo da formação de professores.

No entanto, evidenciou-se que, na maioria dos trabalhos os pesquisadores são muito enfáticos ao relatarem
os desafios e dilemas que os professores vivenciam no início da docência, por isso sempre associam essa
etapa a sentimentos negativos como: desilusão, cansaço, despreparo, incompetência, solidão entre outros.

Reconhecemos a importância de considerar esses aspectos, mas também sentimos a necessidade de


se avançar mais, visando relatar também as experiências positivas, o que tem dado certo, o que tem
sido feito para amenizar esse “sofrimento” dos professores iniciantes.As pesquisas evidenciam que o
sentimento de “descoberta” impulsiona este profissional a continuar o seu trabalho mesmo diante de
todas as dificuldades.

Sabe-se que, ainda que de maneira discreta, tem surgido no Brasil algumas iniciativas para implementar
programas de inserção na docência, como foi destacado em apenas um dos quinze trabalhos selecionados
nesse estudo. Sabe-se também que esses programas já deixaram de ser meras tentativas e são de fato
realidades em alguns países europeus.

Os trabalhos têm enfatizado muito mais os aspectos relacionados à “sobrevivência” do que os aspectos
relacionados à “descoberta” e há de se reconhecer que, apesar desses desafios, a profissão docente
tem, sim, seu lado positivo também na fase inicial. Devemos então fazer pesquisas que vão na direção
de se buscarem alternativas e soluções para amenizar os desafios e impactos que são relatados como
complexos e sofridos.

Enfim, pensamos que as pesquisas devem ser mais práticas, para que não sirvam apenas para os cum-
primentos burocráticos, mas sim como modelos de inspiração.

Logo, o desafio se pauta em buscar identificar e partilhar as experiências que vêm dando certo e apre-
sentar propostas para o desenvolvimento inicial da docência, para que, por meio delas, possamos criar
uma nova mentalidade sobre a inserção na docência. Uma inserção menos “sofrida” e que deixe marcas
positivas para as fases seguintes do desenvolvimento profissional docente.

78 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

AMBROSETTI, N. B.; ALMEIDA, P. C. A. A constituição da profissionalidade docente: tornar-se professora de


educação infantil. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd,30.,2007, Caxambu. Trabalhos... São Paulo: [s.n.], 2007.
Disponível em: <http//30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT08-3027--Int.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2012.

FERENC, A. V. F. Narrativas de professores universitários sobre seu processo de socialização profissio-


nal. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd,30.,2007, Caxambu. Trabalhos... Viçosa: [s.n.], 2007. Disponível em:
<http//30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT08-3839--Int.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2012.

GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto, 1999.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÖVOA, António (org.). Vidas de pro-
fessores. Porto: Porto Ed., 2000. p. 31-61.

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo:
Cortez, 2001.

LIMA, E. F. de. A construção do início da docência: reflexões a partir de pesquisas brasileiras. Educação,
Santa Maria, v. 29, n. 2, p. 85-98, 2004. Disponível em: http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2004/02/r6.htm
Acesso em: 13 nov.2011.

LIMA, E.F.de.(org.). Sobrevivências no início da docência. Brasília: Líber Livro, 2006.

LIMA, A. C. R. E. Aprendizagem da docência: dilemas profissionais dos professores iniciantes. In:


REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 28., 2005, Caxambu. Trabalhos... Salvador: [s.n.], 2005. Disponível em:
<http//28reuniao.anped.org.br/textos/gt08/gt081283int.rtf.Acesso em: 10 jan.2012.

LUDKE, M. Sobre a socialização profissional de professores. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 99,
p.5-15, nov. 1996.

MARIANO, A.L.S. A pesquisa sobre o professor iniciante e o processo de aprendizagem profissional:


algumas características. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 29., 2006, Caxambu. Trabalhos... São Carlos:
[s.n.], 2006. Disponível em: <http//29reuniao.anped.org.br/trabalhos/pôsteres/GT08-2119—Int.pdf>.
Acesso em: 09 jan.2012.

NONO, M. A.; MIZUKAMI, M. G. N. Processos de formação de professoras iniciantes. In: REUNIÃO ANUAL
DA ANPEd, 29., 2006, Caxambu. Trabalhos... São Paulo: [s.n.], 2006 Disponível em: <http//29reuniao.
anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT08-1868—Int.pdf>. Acesso em: 9 jan.2012.

NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote,1995.

NUNES, J. B. C. Aprendendo a ensinar: um estudo desde a perspectiva da socialização docente. In:


REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 25., 2002, Caxambu. Trabalhos... Fortaleza: [s.n.], 2002. Disponível em:
<http//25reuniao.anped.org.br/joaobatistanunest08.rtf>. Acesso em: 10 jan.2012.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013. 79


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
PAPI, S. de O. G. Professoras iniciantes bem-sucedidas: um estudo sobre seu desenvolvimento profis-
sional. Tese (Doutorado em educação) – Escola de Educação e Humanidades, Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, Curitiba, 2011.

ROCHA, G. A. Por uma política institucional comprometida com o início da carreira docente enquanto um
projeto coletivo. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 29., 2006, Caxambu. Trabalhos... São Carlos: [s.n.],
2006. Disponível em: < http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT08-2611--Int.pdf >. Acesso
em: 10 jan.2012.

TARDIF, M. e  RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação


e Sociedade. Campinas, v.21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000. Disponível em: < http.scielo.br/pdf/es/
v21n73/4214.pdf>. Acesso em: 26 de jul.2011

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

VALLI, L. Reflective education cases and critiques. New York: State University of New Press, 1992.

VEENMAN, S. El proceso de llegar a ser profesor: um análisis de la formacción inicial. In: VILLA, A. (Coord.).
Pespectivas y problemas de la funcción docente. Madrid: Narcea, 1988.

80 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Novas tecnologias na formação inicial docente:


O moodle, como recurso de apoio ao estágio
Andressa Cristina Coutinho Barboza

RESUMO: Este artigo tematiza as interações de ensino-aprendizagem mediadas pelos recursos


tecnológicos de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) e seu objetivo é relatar e discutir uma
experiência de uso do Moodle como recurso de apoio à disciplina Estágio Supervisionado da Licenciatura
em Letras de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES). O relato aborda os momentos
de implantação e aprimoramentos da interface e dos recursos do AVA, tendo em vista os objetivos
da formação específica em estágio. Na discussão, enfatiza-se que conteúdos e orientações virtuais
devam estar estreitamente vinculados ao design instrucional da disciplina presencial, o que pode levar
à adaptação de finalidades de ferramentas de comunicação e interação. Em relação aos resultados
obtidos, foi possível observar a ampliação das possibilidades de uso do AVA de estágio acompanhado no
curso de Letras, com destaque para a criação de novas redes de interação e colaboratividade entre os
próprios alunos e entre os alunos e o professor da disciplina.

PALAVRAS–CHAVE: Ambientes Virtuais de Aprendizagem; Moodle; Ferramentas de Comunicação e


Interação.

ABSTRACT: This article focuses on teaching-learning interactions mediated by technological resources


from Virtual Learning Environments (VLE). It aims at reporting and discussing a Moodle experience as a
supporting resource to the course Supervised Practice which is part of the degree in Letters from Federal
Institution of Higher Education (IFES). The report covers the deployment and enhancements of this
interface composing VLE in view of the specific objectives of the teacher training supervised practice.
Throughout the discussion, it is emphasized that content and virtual guidelines should be closely linked
to the instructional design of a classroom-delivered course and that can require adaptation of purposes
concerning communication and interaction tools. Regarding the results obtained, it was possible to
observe an expansion of possibilities when using the VLE in the teacher training supervised practice
in Letters, highlighting the creation of new interaction networks and collaboration among students and
between students and the course’s professor.

KEYWORDS: Virtual Learning Environments; Moodle; Communication Tools and Interaction.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 81


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
INTRODUÇÃO

Ambientes Virtuais de Aprendizagens (AVAs) são ferramentas tecnológicas que dão suporte à relação
pedagógica na Educação a Distância (EaD). Nessa modalidade de ensino, observa-se o desafio de se
promoverem situações produtivas dos alunos frente ao conhecimento, considerando a autonomia, a
colaboratividade e a interação como pressupostos orientadores das práticas de ensino mediadas pela
tecnologia.

Os AVAs não estão circunscritos à EaD e, cada vez mais, é possível perceber o seu uso crescente como
recurso didático de apoio ao ensino presencial. Como os pressupostos de autonomia, colaboratividade e
interação, tão caros à EaD, podem comparecer em situações de adequação dessa ferramenta tecnológica
à educação presencial, favorecendo a elaboração de novas estratégias de ensino?

Este questionamento motiva o presente estudo, que relata e discute uma experiência de implantação,
avaliação e adequação do AVA Moodle1 em disciplinas de estágio do curso de Licenciatura em Língua
Portuguesa de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) mineira. A implantação do AVA em dis-
ciplinas presenciais ocorreu no segundo semestre letivo do ano 2010, uma primeira avaliação do uso da
ferramenta foi feita no ano 2011 e, frente às necessidades específicas da disciplina Estágio da Licenciatura
em Letras, a interface do AVA de estágio foi modificada a ponto de se construir uma estrutura mínima,
estreitamente vinculada à dinâmica específica da disciplina Estágio. Essa interface mínima passou a ser
divulgada no site da Coordenadoria de Estágio da universidade e acompanhada como um modelo a ser
adaptado por outros professores de Estágio, tendo em vista características específicas de seus cursos
e de seus alunos.

O artigo organiza-se em duas partes. A primeira aborda o uso dos recursos tecnológicos da EaD no ensino
presencial e a importância do design instrucional no planejamento e na utilização dessas ferramentas
nas práticas educativas. A segunda relata e discute como o AVA Moodle foi incorporado às disciplinas
presenciais de estágio, considerando os momentos de implantação, avaliação e adaptação da ferramenta.
Espera-se que estas discussões possam ampliar os debates a respeito do uso das novas tecnologias na
formação inicial docente.

FERRAMENTAS DO ENSINO A DISTÂNCIA NO ENSINO PRESENCIAL

De acordo com Michelon (2008), professores do ensino presencial têm apostado cada vez mais no uso de
ferramentas virtuais como recursos de apoio à aprendizagem. A autora acredita que as novas tecnologias
possam favorecer a relação pedagógica e enfatiza a importância de se utilizar criteriosamente qualquer
inovação tecnológica ou reorganização de práticas docentes. A esse respeito, concorda-se com Michelon
no sentido de que a implantação de recursos tecnológicos na educação não deva atender a modismos
pedagógicos, mas objetivar um real aprimoramento das práticas de ensino e apropriação do conhecimento.

Ao se propor o uso de ferramentas disponíveis em um AVA no ensino presencial, cumpre avaliar como esses
recursos podem ser realmente produtivos para o aprimoramento da relação ensino/aprendizado. Michelon
(2008) propõe que os professores façam uma análise para saber se essas novas práticas pedagógicas

Moodle é a sigla de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment. Trata-se de um ambiente virtual de aprendizado desenvolvido em
1

1999 pelo australiano Martins Dougiamas.

82 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
são realmente eficientes para seus propósitos. Nesse sentido, a autora demonstra a importância de se
conhecerem os recursos disponíveis no AVA para, em seguida, utilizá-los, tendo em vista um projeto
prático. Desse modo, espera-se que o professor possa compreender e utilizar as potencialidades de
uma ou de outra ferramenta para a melhoria da relação de ensino e aprendizado em cursos presenciais.

Salvador e Gonçalves (2006) alertam que o emprego de novas tecnologias no ensino deve prever a prepara-
ção técnica de docentes e alunos. A utilização de tecnologias exige desses sujeitos do processo um duplo
aprendizado: um acerca das ferramentas a serem utilizadas, e outro a respeito do saber a ser difundido ou
construído em uma disciplina ou em um curso, a partir do uso dessas ferramentas. O desconhecimento
das potencialidades de um dado recurso tecnológico pode fazer com que professores e alunos se sintam
despreparados e, consequentemente, que a relação ensino/aprendizado seja desfavorecida.

Michelon (2008) e Alves (2005) defendem que os recursos de comunicação e interação do AVA Moodle
possam ser ferramentas eficientes em diversas situações de aprendizagem, especificamente quando
empregadas como estratégias didáticas complementares ao ensino presencial. As autoras classificam
as ferramentas do Moodle em três grupos, de acordo com sua finalidade: a) comunicação e discussão,
como o fórum e o chat; b) trabalhos em grupo e/ou coletivos, como a Wiki e o glossário; c) avaliação,
como as tarefas e os questionários. No caso do uso do AVA no ensino presencial, observa-se que essas
ferramentas oportunizam a criação de espaços virtuais interativos e colaborativos, nos quais os alunos
podem acessar e disseminar informação, e produzir conhecimento.

De acordo com Carvalho e Struchiner (2005), no espaço virtual (EaD), os alunos podem gerenciar seu
próprio aprendizado, cabendo ao professor incentivar a comunicação e a troca de experiência entre eles,
por meio dos recursos tecnológicos disponíveis. Essa interação entre o grupo favorecerá o trabalho sobre
a informação, de modo a transformá-la em conhecimento para a resolução de um problema ou desafio
proposto pelo professor.

No caso do AVA Moodle, a autonomia também pode ser estendida ao trabalho docente, uma vez que o
professor tem a oportunidade de gerenciar o software e definir sua interface. Ao gerenciar os recursos
desse AVA, o professor pode: a) inserir, excluir ou reposicionar ferramentas e tarefas; b) definir e redefinir
prazos para postagens de atividades; c) disponibilizar conteúdo (imagens e textos); d) atribuir funções
aos participantes, tendo em vista o design instrucional da disciplina, que consiste no planejamento das
atividades, das estratégias, da avaliação, dos métodos e dos materiais de ensino empregados para a
promoção da relação de ensino e aprendizado (FILATRO; PICONEZ, 2004).

Nesse sentido, entende-se que a estrutura do ambiente virtual deve ser cuidadosamente planejada, com
base nos objetivos esperados em um curso ou em uma disciplina, bem como as próprias relações de
ensino que o professor espera construir para oportunizar situações de aprendizado específicas. O design
instrucional envolve o trabalho de organização de um AVA, objetivando um projeto prático de ensino.
Assim, entende-se que o planejamento do design instrucional de uma disciplina seja uma tarefa essen-
cialmente docente, que implica na seleção de instrumentos e de recursos, com foco nos objetivos do
processo de ensino.

Esta seção apresentou algumas considerações sobre o uso de ferramentas do ensino a distância, mais
especificamente recursos do AVA Moodle no ensino presencial. Foram pontuados aspectos a respeito de
como esse uso pode favorecer a autonomia, a colaboratividade e a interação na relação ensino/aprendizado.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 83
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Esta discussão será retomada a seguir, para a análise de um estudo de caso que avalia o uso do AVA
Moodle como um recurso didático de apoio à disciplina presencial Estágio da Licenciatura em Letras.

USO DO AVA MOODLE EM DISCIPLINAS PRESENCIAIS DE ESTÁGIO DA LICENCIATURA

O expressivo interesse por parte dos professores no uso de AVAs no ensino presencial (MICHELON,
2008; ALVES, 2005) pode ser entendido como uma iniciativa de ampliação e variação de estratégias de
ensino, visando a sua melhoria. Recentemente, esse uso tem sido questionado no meio acadêmico2: o
uso do AVA no ensino presencial supera o simples “modismo” de uso de novas tecnologias na Educação?
Limita-se à comunicação e troca de materiais entre aluno e professor ou promove, de maneira efetiva, a
integração, a colaboratividade e a autonomia dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizado?

A partir destas perguntas, busca-se relatar e avaliar momentos de implantação e de adequação do AVA
Moodle como recurso de apoio a disciplinas presenciais de estágio da Licenciatura em Letras. O Moodle é
disponibilizado como um software livre, ou seja, gratuito e que pode ser modificado por qualquer usuário.
As diversas instituições que utilizam o Moodle criaram uma grande comunidade virtual,3 dedicada à cor-
reção de seus possíveis erros de programação, criação de novas ferramentas e discussão de estratégias
pedagógicas desse AVA (ALVES, 2005).

Este estudo é, predominantemente, qualitativo. Inicialmente, será relatada a implantação do AVA Moodle
em disciplinas presenciais de estágio do curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa de uma IFES
mineira e, em seguida, serão discutidos: a) as formas de comunicação e interação realizadas no ambiente
virtual de ensino; b) a avaliação do uso do AVA nas disciplinas presenciais Estágio Supervisionado, por meio
da leitura do relatório elaborado pelos alunos da Licenciatura em Língua Portuguesa; c) a reelaboração do
design instrucional do AVA de estágio. Por fim, serão apresentadas algumas considerações sobre o uso
de AVA Moodle nas disciplinas presenciais de estágio da Licenciatura em Língua Portuguesa.

A IMPLANTAÇÃO DO AVA DE ESTÁGIO

O Estágio da Licenciatura, segundo Pimenta e Lima (2006), é uma disciplina curricular que propõe a re-
flexão da prática pedagógica, tendo em vista a formação do futuro professor. Nessa disciplina, os alunos
desenvolvem uma série de atividades formativas supervisionadas e orientadas pelo professor de Educação
Básica em exercício e pelo docente da universidade responsável pela disciplina Estágio, respectivamente

A disciplina Estágio possui como uma de suas características a alternância dos momentos e dos locais
de formação de professores: ora os estagiários estão na universidade, discutindo aspectos teórico-meto-
dológicos que sustentam a formação docente, relatando suas experiências em espaço escolar e prepa-
rando atividades didáticas, ora estão em campo escolar, realizando observação participativa e aplicando
atividades de regência orientadas pelo supervisor e orientador de estágio. A disposição espaço-temporal
das atividades previstas pela disciplina Estágio pode ser observada no quadro seguir:

2
Esses questionamentos permearam os trabalhos do Grupo de Discussão Tecnologia da Informação e da Comunicação, coordenado pela Profª Drª
Dieli Versaro Palma, no 14º Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa e 5º Congresso Internacional de Lusofonia, realizado na PUC-SP nos dias
26 a 28 de abril de 2012.
3
Confira informações sobre a Comunidade do Moodle no endereço <http://moodle.org/>.

84 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DAS ATIVIDADES FORMATIVAS EM ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Qual atividade? Onde? Quando?


Aulas presenciais de orientação de De acordo com a grade de horários das
Sala de aula
estágio disciplinas do semestre
Os encontros são combinados entre o
Orientações individuais Gabinete de professores estagiário e o professor-orientador, de
acordo com suas disponibilidades
O horário é definido de acordo com a
Observação ou regência em cam-
Escolas públicas da cidade atribuição de aulas do professor-supervisor
po de estágio
e a disponibilidade do estagiário
O estagiário escolhe a data de sua aula,
Na universidade (em sala
tendo em vista o cronograma de aulas
Aulas simuladas de aula ou em projeto de
simuladas previamente elaborado pelo
extensão)
professor
Encontros de Formação para a Na universidade (sala de aula
Uma vez por mês
Diversidade ou auditório)
Encontro de Estágio da Na universidade (auditório e
Uma vez por ano
Licenciatura: escola e universidade salas de aula)

Por este quadro, é possível perceber que as atividades da disciplina Estágio acontecem em tempos e
espaços distintos, o que se torna um desafio para o professor-orientador. Pimenta e Lima (2006) afir-
mam que o desafio de propostas formativas que concebem alternância nos momentos de formação é o
intercâmbio do que se teoriza e pratica nesses diferentes lugares. Nesse contexto, o AVA surge como
uma possibilidade de articular os diferentes tempos e espaços de formação que constituem a disciplina
Estágio da Licenciatura.

A princípio, as aulas presenciais de orientação de estágio eram esses espaços de intercâmbio formativo.
Contudo, percebeu-se a importância de fixar as orientações dadas nos encontros de orientação em um
local de fácil acesso e consulta pelos estagiários. Além disso, também foi apontada a necessidade de haver
um espaço para registro parcial das atividades desenvolvidas em campo de estágio, as quais pudessem
ser retomadas para a escrita do Relatório de Estágio. Diante disso, o AVA de estágio tornou-se o principal
suporte para: a) organização e planejamento da disciplina; b) registro individual e coletivo daquilo que for
produzido durante o processo formativo em Estágio Supervisionado.

QUADRO 2 – DISPOSIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DAS ATIVIDADES NO AVA DE ESTÁGIO

Atividade Onde Quando


Registro de orientações, discussões,
No ambiente virtual de
sistematizações das atividades de Durante o semestre letivo
aprendizagem Moodle
estágio

A compreensão de que o AVA de estágio seria um recurso importante para registro de orientações, dis-
cussões e sistematizações das atividades de estágio aconteceu durante o uso da ferramenta no primeiro
semestre de sua implantação, o segundo semestre letivo do ano 2010. Nessa ocasião, o primeiro design
instrucional desse AVA foi criado, tendo em vista espaços para comunicação (mensagem, publicação de
conteúdo e fórum), interação (fóruns de discussão) e envio de atividades.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 85
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
A AVALIAÇÃO DO USO DO AVA DE ESTÁGIO PELOS ALUNOS

Esta seção discute a avaliação do uso do Moodle nas disciplinas de estágio. Os dados discutidos nesta
seção foram retirados dos Relatórios de Estágio. Neste trabalho acadêmico, os alunos foram solicitados
a avaliar o uso do AVA de estágio, destacando pontos positivos e negativos da adoção dessa ferramenta
como uma das estratégias didáticas da disciplina.

São consideradas as avaliações do AVA Moodle no segundo e terceiro semestres de implantação (início do
processo), antes da construção do modelo de padrão mínimo pautado no design instrucional da disciplina
Estágio. Nessas avaliações os alunos declararam ter uma resistência inicial ao uso do AVA, decorrente do
impacto da adoção dessa novidade tecnológica como uma das estratégias de ensino da disciplina. Após
esse impacto inicial, os alunos passaram a avaliar positivamente a ferramenta, destacando a importância
de seus recursos de interação e de comunicação na dinâmica das atividades propostas pelo Estágio
Supervisionado.

Da leitura das avaliações feitas pelos alunos, foi possível destacar as seguintes vantagens em relação ao
uso do AVA na disciplina Estágio: a) dinamizou a comunicação entre alunos e professor; b) organizou o
cronograma das atividades a serem realizadas dentro e fora do campo de estágio; c) favoreceu o registro
organizado das ações desenvolvidas ao longo do estágio; d) facilitou o acesso à documentação obrigatória
para a realização do estágio e a materiais formativos; e) agilizou a devolutiva do orientador nas atividades
desenvolvidas pelo estagiário.

Pelo quadro abaixo, é possível observar que essas apreciações estão diretamente relacionadas aos usos
específicos das ferramentas de interação e comunicação do Moodle:

QUADRO 3 – AVALIAÇÃO DAS FERRAMENTAS UTILIZADAS AVA DE ESTÁGIO

Ferramenta Avaliação dos alunos


Mensagem
Dinamiza a comunicação entre alunos e professor
Fórum
Fórum Organiza o cronograma das atividades a serem realizadas
Repositório de arquivos em PDF dentro e fora do campo de estágio
Diário de campo
Favorece o registro organizado das ações desenvolvidas
Repositório de arquivos em Word
ao longo do estágio
Tarefa
Repositório de arquivos em PDF, Word e links para Facilita o acesso à documentação obrigatória para a reali-
páginas da web zação do estágio e a materiais formativos
Feedback de tarefas Agiliza a devolutiva do orientador nas atividades desenvol-
Fórum vidas pelo estagiário

É possível perceber que as ferramentas de comunicação e interação do AVA de estágio procuram ir além
da disponibilização de objetos de aprendizagem e instruções pré-definidas. Esse AVA foi utilizado como
um recurso para orientação de estagiários, devolutivas de atividades, reelaboração de atividades, organi-
zação de trabalhos em grupo e produção de textos coletivos de maneira colaborativa, o que demonstra
que essa ferramenta tem procurado atender às demandas do design instrucional da disciplina.

86 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
O design instrucional do AVA de estágio foi reelaborado ao longo do segundo semestre de utilização do
Moodle, o 1º semestre de 2011, a ponto de chegar-se a uma estrutura padrão que pudesse ser adaptada
pelo professor que fizesse uso desse recurso, considerando as especificidades de suas turmas. Na pró-
xima seção, veremos esse processo de definição do design instrucional do Moodle com mais detalhes,
tendo em vista o projeto prático de ensino proposto em disciplinas de estágio da Licenciatura em Língua
Portuguesa.

O DESIGN INSTRUCIONAL DO AVA DE ESTÁGIO

Como um de seus objetivos, o estágio busca oportunizar a aproximação do aluno de licenciatura a sua rea-
lidade profissional. Espera-se que, por meio do contato com o campo de estágio, os alunos de licenciatura
indaguem-se a respeito de sua profissionalização, do espaço em que exercerá seu ofício e dos dilemas e
desafios que envolvem a prática docente. Diante disso, percebe-se a importância de o estágio curricular
propiciar, ao aluno de licenciatura, conhecimentos teóricos sobre a prática que sustentem o fazer docen-
te, bem como momentos dialógicos que preparem o estagiário para intervir sobre a realidade educativa.

Nesse sentido, entende-se que o conhecimento e a interpretação da realidade educativa deva ser o ponto
de partida para a formação do futuro professor. Cabe, ao estágio, “desenvolver atividades que possibili-
tem o conhecimento, a análise, a reflexão do trabalho docente, das ações docentes, nas instituições, de
modo a compreendê-las em sua historicidade, identificar seus resultados, os impasses que apresenta, as
dificuldades” (PIMENTA; LIMA, 2006, p. 20). Com base nesses pressupostos educativos, foi planejado
o design instrucional da disciplina Estágio da Licenciatura em Língua Portuguesa.

O AVA foi compreendido como um recurso significativo para a sistematização das atividades da disciplina
Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e a articulação entre espaços para intercâmbio formativo.
Na ocasião do desenvolvimento da proposta de implantação do AVA Moodle nas disciplinas de estágio
da Licenciatura em Língua Portuguesa, contou-se com o apoio e gerenciamento do Centro de Educação
a Distância da IFES acompanhada.

Na ocasião da implantação do AVA de estágio, o docente da disciplina optou por seguir a distribuição
de atividades e conteúdo em módulos semanais, de acordo com a dinâmica dos encontros presenciais.
Provavelmente, por ser uma novidade metodológica, optou-se por aproximar seu formato ao modelo
das aulas presenciais. O uso da ferramenta em semestres posteriores permitiu levantar considerações
a respeito do papel do AVA na disciplina Estágio. Não se desejava reforçar ou substituir as aulas presen-
ciais com essa ferramenta, mas organizar as atividades formativas elaboradas pela turma acompanhada
a cada semestre.

O formato de módulos semanais do AVA de estágio foi alterado no terceiro semestre de sua implantação
na disciplina presencial, o primeiro semestre de 2012. Entre as modificações ocorridas, é possível verifi-
car que foram criados módulos para cada momento da disciplina, considerando os diferentes espaços e
tempos formativos contemplados pelas atividades de estágio. Dessa maneira, chegou-se a uma interface
estrutural mínima, que pode ser observada na figura 1, da qual se destacam sete módulos:

• Tópico 0 – Fórum Geral de orientação: disponibilização de plano de ensino e cronograma da disciplina;


divulgação de eventos acadêmicos e científicos relacionados à formação de professores.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 87


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
• Tópico 1 – Campo de Estágio: orientações para entrada em campo de estágio e registro de atividades;
disponibilização de modelo e verificação de documento (ferramenta tarefa) para cumprimento de estágio;
registro de atividades em campo de estágio (diário de campo); fórum para esclarecimento de dúvidas e
repositório de objetos de aprendizagem.

Figura 1 – Design instrucional do AVA de estágio

88 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
• Tópico 2 – Aula Simulada: disponibilização de modelo e verificação de Plano de Aula (ferramenta tarefa);
fórum para esclarecimento de dúvidas e repositório de objetos de aprendizagem (divulgação dos planos
de aula de todos os alunos).

• Tópico 3 – Relatório de Estágio: disponibilização de modelo e verificação de versões do Relatório de


Estágio (ferramenta tarefa); fórum para esclarecimento de dúvidas.

• Tópico 4 – Atividades Complementares: orientações para inscrição em atividades acadêmicas e entrega


de relatórios de participação nesses eventos.

• Tópico 5 – Documentação de Estágio: disponibilização de modelos de documentos exigidos para o


cumprimento legal do estágio.

• Tópico 6 – Referências Curriculares: divulgação de documentos de orientação do trabalho docente.

A passagem do modelo em tópicos semanais para a criação de tópicos em função das atividades desen-
volvidas pela disciplina Estágio marca a decisiva intervenção do docente da disciplina na organização do
design instrucional da interface do AVA. Para se chegar a tal formatação, observa-se que o professor de
Estágio precisou definir as principais atividades formativas a serem desenvolvidas no semestre e elaborar
uma série de índices e orientações virtuais que complementassem sua atuação em sala de aula.

A criação do AVA diretamente articulado com as ações da disciplina presencial Estágio não se limitou à
disponibilização de textos (em substituição à “pasta de fotocópias”) e envio de atividades avaliativas. À
medida que o docente e os alunos se familiarizavam com a ferramenta tecnológica, conseguiam enxergar
no recurso um meio para superar dificuldades decorrentes do ensino síncrono. Esse foi o caso da criação
do módulo específico Projeto Correspondência (Figura 2), criado no AVA de uma das turmas de Estágio
do primeiro semestre de 2012.

O Projeto Correspondência foi discutido em uma aula presencial de Estágio e inspirado em ação forma-
tiva semelhante relatada por Semeghini-Siqueira, Bezerra e Guazzelli (2010). Naquela ocasião, docente
e alunos planejaram uma forma de intervenção que pudesse integrar as escolas da região e os próprios
estagiários. Brevemente, o projeto consistia na troca de correspondência entre alunos das classes de
ensino médio acompanhada pelos estagiários. A escrita das cartas seria feita durante as atividades de
monitoria de Estágio e a troca das produções nas aulas presenciais da disciplina Estágio, na universidade.

Figura 2 – Módulo Projeto Correspondência

O projeto envolveu quatro escolas, duas estaduais e duas municipais, que atendiam alunos de ensino
médio regular e da Educação de Jovens e Adultos. Sete estagiários participaram do projeto que teve seu
texto redigido, coletivamente, na ferramenta Wiki. Esse projeto precisava de tempo para ser discutido
e elaborado e, por ser desenvolvido apenas por uma parte dos estagiários que cumpriam a disciplina no
semestre, não tinha espaço para ser debatido em todas as aulas presenciais. A ferramenta Wiki garantiu

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 89


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
a troca das contribuições entre o docente e os estagiários envolvidos na ação e, no fórum do projeto, a
equipe pôde trocar informações a respeito de seu conteúdo e das formas de implementá-lo nas escolas
parceiras.

No terceiro ano de utilização do AVA de estágio pela Licenciatura em Língua Portuguesa, a Coordenadoria
de Estágio da IFES acompanhada desenvolveu um site institucional que passou a divulgar os modelos de
documentação para cumprimento legal do estágio. Esse site também veiculou o modelo de tópicos (Figura
1) como uma sugestão de organização do AVA para as diferentes disciplinas de estágio da universidade
que quisessem contar com o apoio desse recurso tecnológico.

FORMAS DE COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO REALIZADAS NO AVA DE ESTÁGIO

Esta seção tem o objetivo de analisar como as ferramentas de interação e comunicação disponíveis do
AVA Moodle foram empregadas no AVA de estágio. Como ponto de partida para essa discussão, o quadro
a seguir sistematiza as funções esperadas para cada uma das ferramentas de comunicação e interação
do AVA Moodle:

QUADRO 4 – FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO DO AVA MOODLE

Ferramenta Função1
Pode ser utilizado para a promoção de debates por meio de mensagens publicadas. O envio
de respostas ou não dos demais usuários e publicação de anexos fica a critério do professor.
Fórum
Geralmente as mensagens são organizadas por assunto e, para responder, basta clicar na
opção “responder”
Permite a disponibilização de arquivos em diferentes formatos (Word, Excel, PDF,
Repositório de
PowerPoint, vídeos, imagens, áudio, Flash, Zip, etc.) assim como de links da internet. Para
arquivos
acessar os documentos ou links, basta clicar sobre eles
Possibilita ao professor criar uma atividade em que os alunos devem enviar um arquivo para
correção ou editar um texto usando as ferramentas de edição habituais, podendo avaliá-lo na
Tarefa
rede, incluir comentários ou mudanças, ou ainda postar a descrição da tarefa para que seja
feita off-line
Utilizada para os alunos registrarem o caminhar do processo pessoal de aprendizagem, ou
para construir um texto que será ressignificado durante toda a disciplina. Apenas o docente
e o aluno têm acesso ao diário, que é uma ferramenta individual. O professor deve dar
Diário de Bordo
feedbacks ao que o discente registrou, levantando questionamentos ou simplesmente
avaliando as reflexões postadas pelos alunos, acompanhando avanços e recuos peculiares
ao processo de aprendizagem
Possibilita a construção de um texto com vários participantes e cada um pode dar a sua
Wiki contribuição e/ou rever o conteúdo do texto. Ficam disponíveis as várias versões do
documento, o que permite verificar as diferenças entre elas
Mensagens Permite o envio de mensagens individuais ou para o grupo
Fonte: Adaptado de Alves (2005) e Delgado e Haguenauer (2010).

A possibilidade de utilização de ferramentas do Moodle foi confrontada com o design instrucional da dis-
ciplina Estágio Supervisionado e verificou-se que essas ferramentas foram adaptadas de forma a atender

90 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
os objetivos específicos para a formação dos licenciandos em Língua Portuguesa. De acordo com Alves
(2005, p. 5), isso é possível em razão do AVA Moodle possibilitar a flexibilidade de uso de suas ferramentas
de interação e comunicação. A autora explica que, nesse AVA, o professor pode tanto definir a disposição
de sua interface como “utilizar metáforas que imputem a estas ferramentas diferentes perspectivas, que
apesar de utilizarem a mesma funcionalidade, se tornam espaços didáticos únicos”. Essa flexibilidade pode
ser compreendida como uma marca da autonomia do professor, que pode adaptar o uso dos recursos de
aprendizado em função dos objetivos de sua disciplina e das estratégias de ensino que propõem.

No caso do AVA de estágio, é frequente o uso metafórico das ferramentas de comunicação e interação.
Esse é o caso das ferramentas empregadas no AVA de estágio do 1º semestre de 2012, que ganham
ampliação e dinâmica em suas funções de comunicação, interação e repositório de arquivos:

a) Comunicação das atividades da disciplina

O Fórum Geral do AVA de estágio teve por objetivo apresentar aos alunos o cronograma e as atividades da
disciplina. Um cronograma inicial foi lançado na mensagem de abertura do fórum. Caso esse cronograma
fosse alterado ou alguma atividade precisasse ser destacada, mensagens informativas eram postadas
durante o semestre. Cumpre observar que esse fórum teve como principal função a informatividade, por
meio da publicação de postagens da professora da disciplina. Os alunos interagiam quando tinham alguma
dúvida acerca de datas ou atividades a serem desenvolvidas no semestre. O fórum também foi aberto para
que os próprios alunos pudessem postar informações sobre eventos acadêmicos relacionados à disciplina.

b) Interação entre participantes do Projeto Correspondência

Como foi dito anteriormente, o módulo referente ao Projeto Correspondência foi criado pelo professor
em razão de um grupo de alunos ter proposto uma intervenção diferenciada de atividade de monitoria
nas escolas públicas em que realizaram seus estágios. Nesse módulo, foram incluídas duas ferramentas
de interação: uma Wiki, para a escrita coletiva do projeto, e um Fórum, para o refinamento do texto do
projeto e realização de combinados acerca de quando o projeto seria iniciado, como ele estava se desen-
volvendo em cada unidade escolar, comentários sobre a aceitação dos sujeitos envolvidos e dos prazos
para preparação e entrega de cartas, entre outros.

c) Repositório de arquivos produzidos para e pelos alunos no Fórum Aula Simulada

No Fórum Aula Simulada, foram postadas orientações para a organização das duplas de estagiários que
iriam aplicar sua proposta de intervenção na oficina de extensão Tópicos do ENEM, realizada no Instituto
de Ciências Humanas e Sociais da UFOP (BARBOZA, 2014). Todos os materiais didáticos empregados nas
Aulas Simuladas foram postados nesse fórum específico, de modo que os alunos pudessem consultar
e ter acesso aos conteúdos e recursos preparados pelos demais estagiários que atuaram na oficina de
extensão.

O Quadro 5 mostra como as ferramentas disponíveis no Moodle foram adaptadas pelo AVA de estágio,
em função da proposta pedagógica da disciplina.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 91


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
QUADRO 5 – FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO UTILIZADAS AVA DE ESTÁGIO

Ferramenta Formas de uso no AVA de estágio

Comunicação: publicação do calendário inicial da disciplina e espaço para notificação de


suas alterações; divulgação de eventos acadêmicos e científicos.
Interação: discussão de atividades realizadas na disciplina (aluno-aluno/ professor-aluno).
Repositório de objetos de aprendizagem: envio e discussão de projeto de monitoria; envio
Fórum de materiais didáticos produzidos pelos alunos durante a disciplina; envio de pesquisas e
indicadores sobre o ensino no campo de estágio.
Envio de tarefas: isso aconteceu, principalmente, quando o aluno encontrou algum
empecilho (tamanho de arquivo ou formação de documento) para enviar sua tarefa pela
ferramenta adequada.
Disponibilizados, pelo professor, em PDF: orientações gerais para realização das atividades
fora da universidade; documentos oficiais a serem preenchidos para a validação do Estágio
Supervisionado.
Repositório de Disponibilizados, pelo professor, em Word: modelos de relatórios a serem elaborados pelos
arquivos alunos durante a disciplina.
Disponibilizados, pelo professor, em PDF ou link para páginas da web: leituras obrigatórias
sobre orientações oficiais para a Educação Básica no Brasil (Parâmetros Curriculares
Nacionais) e avaliações em larga escala (Exame Nacional do Ensino Médio).
Envio de relatórios para avaliação: essa ferramenta otimizou a devolutiva das atividades para
Tarefa
os alunos, bem como o reenvio de tarefas para reavaliação
Utilizado como Diário de Campo pelos estagiários. Nesse diário, os alunos deveriam
registrar todas as ações e intervenções realizadas no campo de estágio (escola pública
de Educação Básica), em sequência cronológica de acontecimentos. O diário deveria ser
Diário de bordo
preenchido frequentemente pelo aluno e verificado periodicamente pelo professor da
disciplina, pois, por meio desse instrumento, o professor-orientador poderia ter noção das
atividades realizadas pelo aluno fora da universidade
Espaço colaborativo para elaboração de atividade em grupo, mais especificamente, a
Wiki
primeira versão do Projeto de Monitoria
Comunicação entre alunos e professor para: esclarecimento de dúvidas acerca das
atividades a serem realizadas na disciplina Estágio; orientações sobre documentação a ser
elaborada e preenchida durante a realização do Estágio Supervisionado.
Mensagem Comunicação entre monitores e estagiários para organização dos grupos de trabalho de
Aula Simulada.
Comunicação entre alunos para planejamento das atividades a serem realizadas em duplas
ou grupos na disciplina.

Ao longo desta seção, foi analisado como as ferramentas de comunicação e interação disponíveis no
Moodle foram empregadas no AVA de estágio, com base no design instrucional dessa disciplina. Vale
destacar que, no primeiro semestre de 2012, essas ferramentas ganharam destaque no que se refere
à possibilidade de gerenciamentos múltiplos de grupos de trabalhos coordenados pelos monitores da
disciplina integrados em projeto de extensão.

Levando-se em consideração que um dos principais desafios da disciplina Estágio é o de encontrar pontos
de intercâmbio educativo para atividades que acontecem em diferentes tempos e lugares, é possível
92 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
avaliar o AVA de estágio como um importante espaço de intercâmbio educativo. Além de congregar os
registros das atividades de estágio realizadas pelos alunos dentro e fora da universidade, esse AVA se
mostrou como mais um espaço para interação e produção colaborativa de saberes voltado à formação
inicial docente.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 93


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisou uma experiência de uso de um Ambiente Virtual de Aprendizagem, o Moodle, como
lugar de intercâmbio e articulação de conhecimentos em disciplinas presenciais de estágio da Licenciatura.
Ao longo do artigo, foi enfatizado que a decisão de se adotar uma ferramenta do ensino a distância no
ensino presencial deve ser norteada por um planejamento estratégico da interface dessa ferramenta. Os
conteúdos e as orientações precisam estar estreitamente vinculados ao design instrucional da disciplina
e a seleção e adaptação das ferramentas de comunicação e interação devem atender às demandas da
relação de ensino e aprendizado.

Foram analisadas as funções de algumas ferramentas de comunicação e interação disponíveis no AVA


Moodle, as quais foram empregadas na construção do AVA de estágio: fórum, repositório de arquivos,
tarefa, diário de bordo, Wiki e mensagem. Essas ferramentas foram empregadas em suas funções especí-
ficas (ALVES, 2005; DELGADO; HAGUENAUER, 2010) e adaptadas (uso metafórico) para AVA de estágio,
visando atender características específicas da dinâmica da disciplina.

Também foram sistematizadas as avaliações do uso do AVA Moodle feitas pelos alunos no segundo e
terceiro semestres de implantação da tecnologia em disciplinas de estágio da Licenciatura em Língua
Portuguesa. Nessa ocasião, observou-se que a introdução do AVA como estratégia didática passou por
uma fase inicial de adaptação. De maneira geral, as avaliações feitas pelos estagiários foram positivas
em relação à introdução de uma AVA como recurso de apoio ao ensino presencial. Também foi possível
perceber que as avaliações dos estagiários estavam diretamente relacionadas às funções (próprias ou
metafóricas) atribuídas às ferramentas de interação e comunicação: elas foram empregadas de modo
flexível, visando atender as demandas específicas da formação em estágio.

Acredita-se que a discussão desta experiência de uso do AVA na disciplina presencial Estágio da Licenciatura
possa favorecer a elaboração de novas projeções para a relação de ensino e aprendizado para a forma-
ção inicial docente no ensino presencial. No caso da formação de professores de Língua Portuguesa da
instituição acompanhada, percebeu-se que as possibilidades de utilização do AVA de estágio eram am-
pliadas quando surgiam novas redes de interação e colaboratividade entre os próprios alunos e entre os
alunos e o professor da disciplina. Essas novas redes de interação, fisicamente, aconteciam em projetos
de extensão e monitora que integravam os estagiários em campo. Virtualmente, o AVA forneceu apoio
a essas interações, tornando-se o lugar de registro, reflexão e organização destas práticas formativas.

94 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

ALVES, L. O ambiente Moodle como apoio ao ensino presencial. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 12., 2005, Florianópolis. Anais eletrônicos do Congresso Internacional de
Educação a Distância Florianópolis: 2005. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2005/por/
trabalhos.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014.

BARBOZA, A. C. C. O uso do Moodle como apoio no Estágio. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE


LÍNGUA PORTUGUESA, 14.; CONGRESSO INTERNACIONAL DE LUSOFONIA DO IP/PUC: RESUMO
DE COMUNICAÇÃO, 5., 2012, São Paulo. Anais... São Paulo: Ed. da PUC-SP, 2014. Disponível em: <http://
www.ippucsp.org.br/resumo_comunicacao.html>. Acesso em: 18 maio 2014.

BARBOZA, A. C. C. Formação de novos talentos. In: NUNES, C. M. F.; ALVES, K. S. Em busca de Novos
Talentos: experiências pedagógicas na interação universidade e educação básica. Ouro Preto: Ed. da
UFOP, 2014. p. 173-191.

CARVALHO, A. A. P.; STRUCHINER, M. Um ambiente construtivista de aprendizagem à distância: estudo


da interatividade, da cooperação e da autonomia em um curso de gestão descentralizada de Recursos
Humanos em Saúde. Associação Brasileira de Educação a Distância: Midiateca, 2005. Disponível em:
<http://www.abed.org.br/site/pt/midiateca/textos_ead/701/2005/11/um_ambiente_construtivista_de_
aprendizagem_a_distancia_estudo_da_interatividade,_da_cooperacao_e_da_autonomia_em_um_cur-
so_de_gestao_descentralizada_de_recursos_humanos_em_saude_ >. Acesso em: 20 abr. 2014.

DELGADO, L. M. M.; HAGUENAUER, C. J. Uso na plataforma Moodle no apoio ao ensino presencial: um


estudo de caso. Revista Educação Online, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 11-26, jan./abr. 2010. Disponível
em: <http://www.latec.ufrj.br/revistas/index.php?journal=educaonline&page=article&op=view&path%5
B%5D=96>. Acesso em: 20 abr. 2014.

FILATRO, A.; PICONEZ, S. C. B. Design instrucional contextualizado. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE


EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 11., 2004, Salvador. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2004/
por/pdf/049-TC-B2.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014.

MICHELON, G. A. Uma abordagem sobre duas ferramentas virtuais aplicadas ao ensino presencial: Moodle
e Gradenet. Revista Ciências Exatas e Naturais, v. 10, n. 2, p. 221-236, jul./dez. 2008. Disponível em: <
http://revistas.unicentro.br/index.php/RECEN/article/view/710/883>. Acesso em: 20 abr. 2014.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista Poíesis, v. 3, n.


3; 4, p. 5-24, 2005/2006. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/poiesis/article/downlo-
ad/10542/7012>. Acesso em: 20 abr. 2014.

SALVADOR, J. A.; GONÇAVES, J. P. O Moodle como ferramenta de apoio a uma disciplina presencial de
Ciências Exatas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA, 34., 2006, Passo
Fundo. Anais... Disponível em: <http://www.dee.ufma.br/~fsouza/anais/arquivos/7_243_365.pdf>. Acesso
em: 20 abr. 2014.

SEMEGUINI-SIQUEIRA, I.; BEZERRA, G. G.; GUAZZELLI, T. Estágio supervisionado e práticas de oralidade,


leitura e escrita no ensino fundamental. Educação e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 111, p. 563-583, abr./
jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v31n111/v31n111a14.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 81-95, jul./dez. 2013. 95
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Método Lancaster no Brasil e na Colômbia


Marlén Rátiva

RESUMO: Este artigo é produto da revisão bibliográfica sobre Brasil e Colômbia na implementação do
método lancasteriano, ou de ensino mútuo, na segunda década do século XIX. Em ambos os países alguns
de seus representantes tiveram a oportunidade de conhecer o método antes de sua implementação.
Nesse século foram instauradas as Escolas Normais e foi decretado que se trabalharia com o referido
método em todas as escolas, assim se garantia a sua difusão. O método se caracteriza pela disciplina,
ordem, trabalho do docente com 300 alunos ou mais e seleção de monitores que acompanham o
desenvolvimento dos outros alunos enquanto o professor supervisiona. Historiadores consideram que
o método não estava de acordo com as necessidades de ambos os países e que a sua implementação
não contribuiu para o avanço no tema educativo.

PALAVRAS-CHAVE: Método Lancasteriano (ensino mútuo); Escola Normal; leis e decretos.

ABSTRACT: This article makes a bibliographic study about Brazil and Colombia in the implementation of
mutual instruction in the second decade of century XIX. In both countries, some of the representative
people in the government had the opportunity to get to know the method before its implementation.
In this century Normal Schools were build and it was ordered the use of the method in all of them, this
way its dissemination would be guaranteed. Some of its characteristics are: discipline, order, the teacher
works with 300 students or more and tutors who are with the students while the teacher supervises.
Historians think that the method was not in accordance with the real necessities of both countries and
its implementations did not contribute to advancements in the educational area.

KEY WORDS: Lancasterian method (Mutual approach - ensino mútuo), Normal School, laws and
decrees

96 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013.


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
UM POUCO DE HISTÓRIA

O nome de Escola Normal foi dado pelo ministro francês Lakanal, que pela primeira vez, no
informe de 30 de outubro de 1794, ao se referir à Escola Normal de Paris, chamou-a de Escola
Normal porque era a escola que dava a norma ao docente, escola modelo na qual se estudavam
as normas didáticas que os interessados em ensinar crianças deviam seguir, e, ao mesmo tempo,
modelo e pauta para todas as demais, o qual lhes dá a partir de sua concepção uma categoria
de escala superior (VALENCIA, 2006, p. 24-25).

A Colômbia e o Brasil abriram Escolas Normais no começo do século XIX para formar os docentes que
trabalhariam em suas escolas de primeiras letras. Na Colômbia, foram estabelecidas sob o governo do
general Francisco de Paula Santander y Omaña. O Brasil se encontrava sob o império português naquele
momento, mas, no ano 1831, Pedro I abdicou da Coroa para voltar a Portugal, razão pela qual seu filho
Pedro II herdou o trono imperial aos 5 anos de idade. Não podendo governar, foi criada uma regência trina
constituída por Bráulio Muniz (conservador), Costa Carvalho (liberal) e Francisco de Lima e Silva (militar).

A PRIMEIRA ESCOLA NORMAL

Por meio da lei de 6 de agosto de 1821 e do decreto de 20 de janeiro de 1822, determinou-se a criação de
Escolas Normais nas principais cidades da Colômbia. Z (1996, p. 266-267) descreve da seguinte maneira:

Autorizou-se então o Poder Executivo, pela lei de 6 de agosto de 1821, para mandar estabelecer,
nas primeiras cidades da Colômbia, Escolas Normais do método lancasteriano, ou de ensino
mútuo, para que dali fosse se propagando em todas as províncias. Assim nasce a Escola Normal
como instituição para difundir, ao nível de escola primária, o ensino mútuo que se considerava
o melhor método para uniformizar o sistema de ensino na nação e expandir a educação a baixo
custo, dada a precariedade econômica.

Um ano depois de apresentada a lei, estabeleceu-se a primeira escola em Bogotá, a qual ficou sob a di-
reção de Frei Sebastian Mora Berbeo, que teve a oportunidade de conhecer Lancaster na Venezuela. De
1845 a 1851, José María Triana foi nomeado diretor, reconhecido por disseminar o método e por fazer-lhe
modificações. Durante os primeiros vinte anos, as escolas se dedicaram à difusão de conhecimentos
sobre leitura, escrita, religião e política republicana, consideradas pelo governo como necessárias para a
consolidação da República da Colômbia.

Enquanto no Brasil a primeira escola foi criada em 1835, em Niterói, Villela (2008, p. 30) manifesta que
Lacerda, em sua tese de doutorado, afirmou que a primeira Escola Normal se parecia mais com as escolas
do período da Restauração na França.1

Nessa escola, os futuros docentes tinham que dominar, na teoria e na prática, o método lancasteriano,
como a lei indicava: a escola seria dirigida por um diretor com a responsabilidade de ensinar a ler e es-
crever pelo método lancasteriano, no qual devia conhecer e dominar (Lei n. 10 de 1835):

1
Na França da Restauração houve uma escola para a elite. Depois da revolução burguesa de 1830, mudou-se o modelo de Escolas Normais, mas
a instituição manteve o mesmo espírito. Ainda que essa Escola Normal tenha sobrevivido por um breve período de tempo (de janeiro a maio de
1795), ela ofereceu uma forte herança para a experiência de formação de mestres na França (VILLELA, 1990).
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013. 97
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
• As quatro operações de aritmética, quebrados, decimais e proporções.
• Noções gerais de geometria, em teoria e prática.
• Gramática da língua nacional.
• Elementos de geografia.
• Princípios da moral cristã.
• A religião do Estado.

Essa proposta de formar o cidadão para servir ao Estado, tanto na Colômbia quanto no Brasil, dá prioridade
ao ensino sob os princípios estabelecidos por cada um, com foco no amplo conhecimento da política, da
moral e do uso da língua, buscando a consolidação da proposta de Estado. Essa é a razão pela qual a Escola
Normal desempenha um papel importante, já que, através dela, se garantia a difusão dos ideais, uma vez
que aqueles que se formavam ali eram os encarregados de transmiti-los ao terminarem seus estudos.

A IMPLEMENTAÇÃO DO MÉTODO LANCASTERIANO

A investigação realizada por Jauregui (2003) revela que Lancaster abriu uma escola em 1798, no bairro
de Sulhwark de Londres, para os meninos pobres, com o intuito de ensinar a ler, escrever e contar por
um valor menor. Os progressos foram vistos em um grupo de 800 meninos e 300 meninas, daí vem o
prestígio do método e sua rápida expansão.

No ano 1801, durante a revolução industrial, o método foi desenvolvido com aproximadamente 500 alu-
nos, organizados em pequenos grupos que recebiam instruções de um monitor, que obviamente havia
recebido a orientação do professor. O desenvolvimento das atividades se caracterizava por acontecer
em silêncio e em conjunto.

O método Lancaster, ou de ensino mútuo,2 foi utilizado na América Latina nos primeiros tempos de
república, para ajudar a remediar a escassez de mestres. O professor titular escolhia um aluno como
monitor – o mais adiantado – para apoiar os demais, cuja finalidade era ter um só mestre dirigindo uma
escola com um número considerável de alunos.

Jauregui (2003, p. 221-228) expõe algumas características do método da seguinte maneira:

1. Dividir as crianças de uma mesma classe entre tutores e pupilos; cada tutor deve sentar ao
lado do pupilo e lhe explicar aquilo que sabe melhor do que o outro, evitando, como isso, grandes
dificuldades, enquanto ele mesmo ainda aprende melhor sua lição.

2. Seleção de um instrutor e de um assistente; são os dois alunos mais adiantados de cada


sala, cujas funções serão de levar listas, fazer as orações e substituir o professor sempre que
este precisar se ausentar.

3. A divisão por classes; cada aluno se encontra em seu nível, ou seja, está reunido com um
número de jovens que saiba o mesmo que ele e que não saiba mais que ele. Desse modo,
nenhum aluno preguiçoso ou rude retarda o desenvolvimento dos outros.

4. O local para a escola deve consistir em uma grande sala, se possível, longa, bem ventilada e
calculada de modo que cada aluno possa ocupar cerca de 60 cm quadrados.

2
No Brasil, os autores Maria Helena Bastos e Luciano Mendes Filho organizaram um livro percorrendo os estudos acerca dessa temática no país.
Cf. BASTOS, M.H.C.; FILHO, L. M. A Escola elementar no século XIX: o método monitoral / mútuo. Passo Fundo/RS: Ediupf, 1999.
98 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Na distribuição do espaço da sala de aula, pretendia-se que todo o centro ficasse livre para a repetição
das lições. Na frente eram colocados outros bancos com as respectivas mesas, destinados à primeira
classe, para aprender a traçar as letras do alfabeto sobre a areia. No centro, oposta ao anfiteatro, estará
a escrivaninha do mestre, para inspecionar e dirigir todos os movimentos.

Em relação ao papel do professor na escola, Bastos (2012, p. 79) o expõe da seguinte maneira: o papel
do professor é restrito, ele não tem contato com os alunos, a não ser antes da aula com os monitores.
Durante a aula, permanece em sua mesa, na frente da sala, sobre um estrado, assistido por um ou dois
monitores, os mais velhos e instruídos, que transmitem suas ordens e que o substituem caso ele falte...
Além disso, controla a entrada, a saída, a instalação dos bancos, as mudanças de exercício; controla e
regula o trabalho dos monitores e, se um deles demonstra pouco zelo na função, coloca-o na classe su-
perior e designa um sucessor; inversamente, percebe-se que um monitor abusa do poder, o repreende.

Levando em conta o descrito por Jauregui e Bastos e que em começos do século XIX se contava com
poucos docentes, o método lancasteriano permitia o trabalho para um só docente, beneficiava o governo,
uma vez que evitava o pagamento de salários, e cumpria com sua proposta de educar os cidadãos sob
os ideais da república.

É de se compreender que a partir desses benefícios, no dia 31 de janeiro de 1825, Bolívar decrete no
Peru que o sistema lancasteriano: “é o único método de promover rápida e eficazmente o ensino públi-
co”; por tal motivo mandou que se estabelecesse na capital de cada departamento uma Escola Normal,
segundo o sistema de Lancaster. Bolívar conheceu o método e Lancaster quando viajou para Londres,
o que estava em voga na época.

Um ano depois, Frei Sebastián Mora Berbeo e Pierre Commetant foram encarregados por Santander de
estabelecer Escolas Normais de ensino mútuo e instruir mestres de províncias e paróquias para que as
multiplicassem, o que abriu espaço para o método, por meio do decreto de plano de estudos de 3 de
outubro de 1826.

Enquanto isso, no Brasil, antes de 1823, o governo havia tomado algumas iniciativas para difundir o
método. Uma das primeiras foi por meio do decreto de 3 de julho de 1820, pelo qual concedeu ao pro-
fessor João Batista de Queiroz uma pensão anual para ir à Inglaterra aprender o sistema lancasteriano
(CASTANHA, 2012).

A segunda iniciativa foi tomada pelo Ministério da Guerra, por meio do decreto n. 69 de 1823, enviando
uma ou duas pessoas com aptidão para aprender o método, razão pela qual a Coroa solicitou a alguns
militares que se colocassem à frente da educação dos alunos nas províncias às quais pertenciam, para
difundir o método. Em junho de 1824, com a decisão n. 138, o imperador determinou que os alunos que
estavam frequentando a escola e foram suficientemente habilitados para se empregar como professores
seriam reenviados às suas províncias a fim de iniciar o trabalho de ensino.

Depois, em 1825, o governo enviou o aviso ministerial n. 182 com uma nota em que reconhecia a grande
utilidade que provém do estabelecimento das escolas públicas de primeiras letras pelo método lancas-
teriano, admitidas em todas as nações, e que foram adequadas para imprimir na juventude os primeiros
conhecimentos.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013. 99


Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
A quarta iniciativa foi o decreto das escolas de primeiras letras, de 15 de outubro de 1827, conhecido
como a primeira lei de instrução pública nacional do império do Brasil, que propôs a criação das escolas
primárias com a adoção do método lancasteriano como método oficial. Foi dessa maneira que as escolas
de ensino mútuo se estabeleceram mais rápido nas províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia
e Rio de Janeiro.

Castanha (2012, p. 4) considera que esses decretos, avisos e notas evidenciam, por parte da Coroa, uma
preocupação com a difusão do método de ensino mútuo em todo o território brasileiro.

É de se notar que a preocupação em estender o método se deu nos dois países para o que se determinou,
mediante decretos e leis, a sua adoção e a conformação das Escolas Normais, as quais tinham a tarefa
de formar os docentes com o método e, dessa maneira, garantir que ele fosse difundido em todas as
escolas de primeiras letras dos dois países.

OPINIÃO DOS HISTORIADORES

Tanto no Brasil quanto na Colômbia a implementação do método foi tema de diversas investigações de
historiadores, estudantes de licenciatura ou de pós-graduação.

Sobre o método, disse Zuluaga (2001, p. 43):

O método lancasteriano fomentava a competência da função do alcance de conquistas indivi-


duais; em cada momento, o sistema quantificava os erros cometidos e as conquistas obtidas.
O conjunto dos procedimentos configurava um sistema articulado com rigidez à disciplina e à
ordem, necessárias para garantir os mecanismos que davam suporte ao método.

Para Echeverri (2002, p. 38), esse método não era mais recomendável porque a férrea disciplina com que
se deviam cumprir os deveres escolares tornou célebre o ditado: “a letra com sangue entra, e o labor
com dor”.

Bastos (2012, p. 88-89) retoma Villela, que manifesta que as investigações demonstram que o método
lancasteriano não se adequa à realidade das escolas brasileiras do período e atraía a atenção dos dirigen-
tes por seu sistema disciplinar fortemente baseado nas ideias de hierarquia e ordem, valorizadas pelo
projeto conservador. Algo disso se evidencia no que foi mencionado, em 1838, pelo ministro Bernardo de
Vasconcelos: “Até agora os resultados do sistema lancasteriano não correspondem à expectativa pública
no tempo e na perfeição. E não é só em nosso país que se observa: na Europa... é sabido que o método
lancasteriano se limita a uma instrução grosseira, por assim dizer, própria das últimas classes da sociedade”.

Bastos manifesta que as críticas ao método se referem à incompetência dos monitores, por ser um sistema
mecânico com inclusão de fórmulas e receitas, sem sentido educativo; a transmissão do conhecimento
acontece de forma superficial, por tanto não leva os alunos à reflexão e não desenvolve a inteligência.

No entanto, a autora afirma que o entusiasmo pelo método residia na facilidade de manter a disciplina, o
progresso rápido nas classes, a possibilidade de se tornar monitor, as recompensas, e o pouco dinheiro
que recebiam aqueles que eram monitores, o que estimulava o trabalho dos alunos.

100 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Outra situação que obrigava o aluno a desenvolver as atividades eram as sanções, entre as quais se
encontravam: ficar em quarentena num banco, estar isolado em um gabinete especial, ficar no salão
depois de terminados os exercícios, permanecer diante de um cartaz contendo as faltas cometidas e, a
mais grave, ser expulso da escola.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013. 101
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
CONCLUSÕES

O método Lancaster foi difundido nas escolas primárias de um grande número de países, como a Colômbia
e o Brasil, que o adotaram na segunda década do século XIX, e dessa maneira se garantiu a educação
nos dois territórios. Atualmente, algumas de suas características continuam vigentes nas práticas dos
docentes, como: número considerável de alunos dirigidos por um professor, ter um monitor ou aluno mais
avançado que ajuda os companheiros, a localização das cadeiras para o desenvolvimento das atividades
acadêmicas, o desenvolvimento de atividades em silêncio, a disciplina estrita, o diário ou observador do
aluno, entre outros. De todo modo, o modelo da educação a distância com seus tutores segue mutatis
mutandis as trilhas do lancasterianismo.

Embora o método pedagogicamente não tenha contribuído com resultados significativos na educação e
para a educação, tanto no Brasil quanto na Colômbia, gerou conversações “pedagógicas” para encontrar
a melhor forma de ensinar e formar mestres a serviço da população. É ali onde se veem os primeiros
“pedagogos”, que mesmo sem serem mestres e sem contarem com a experiência de aula, se encarre-
garam de fornecer diretrizes para a organização do sistema escolar.

Por outro lado, devido ao desejo de implementar o método, se começa a ver a necessidade de formar
mestres para formar a população, o que implicou na criação de Escolas Normais no Brasil e na Colômbia,
que garantiram a formação de outros mestres que iam trabalhar nas escolas de primeiras letras; ou seja,
o magistério começou a se ajustar.

Outro aspecto positivo do método refere-se à proposta de organizar os grupos homogêneos, o que contribui
para que todos os alunos avancem no mesmo ritmo, nenhum é mais adiantado do que o outro, evita-se
a competição entre eles, e todos os alunos têm as mesmas oportunidades. No caso dos professores,
eles estabelecem atividades apropriadas ao nível de todos os alunos, podem exigir sem fazer distinções
e têm uma visão mais clara do grupo com o qual trabalham.

Para o contexto da época nos dois países, o método foi um avanço e chegou a oferecer a educação a um
maior grupo de cidadãos brasileiros e colombianos.

102 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS

BASTOS, M. H. C. Educação pública e independências na América Espanhola e Brasil: Experiências lan-


casterianas no século XIX. Revista Historia de la Educación Latinoamerican, v. 14, n. 18, jan.-jun. 2012.

BASTOS, M. H. C. O ensino monitorial/mutuo no Brasil (1827-1854). In: STEPHANOU, M.; BASTOS, M.


Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. II – Século XIX. Petrópolis: Vozes, 2005.

CASTANHA, A. P. A introdução do método Lancaster no Brasil: História e historiografia. In: ANPED SUL,
11., SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 2012. Disponível em: <http://www.
ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/1257/12>. Acesso em: 19 out. 2014.

ECHEVERRI, A. Surgimiento de la instrucción pública en Bogotá, entre 1819 y 1842. Historia de la Educación
en Bogotá, Bogotá, 2002.

JAÚREGUI, R. M. El Método de Lancaster. Revista El aula, vivencias y reflexiones, ano 7, n. 22, jul./set.
2003.

VALENCIA, C. Las Escuelas Normales y la formación del magisterio. Primera mitad el S XX. Colección
tesis doctorales RUDECOLOMBIA, Universidad de Caldas, 2006.

VILLELA, H. O. Santos de. A primeira Escola Normal do Brasil: uma contribuição à História da forma-
ção de professores. Rio de Janeiro: UFF, 1990. Dissertação (Mestrado em Educação) – Rio de Janeiro,
Universidade Federal Fluminense, 1990.

VILLELA, H. O. S. Primeira Escola Normal do Brasil. Concepções sobre a institucionalização da formação


docente no século XIX. In: ARAUJO, José Carlos S.; FREITAS, A.; LOPEZ, A. As escolas normais no Brasil.
Campinas: Alínea, 2008.

ZULUAGA, G. O. L. Las Escuelas Normales en Colombia. Durante las reformas de Francisco de Paula
Santander y Mariano Ospina Rodríguez. Revista educación y pedagogía, n. 12-13, p. 266-267,

ZULUAGA G. O. L. Entre Lancaster y Pestalozzi: los manuales para la formación de maestros en Colombia,
1822 a 1868. 1822-1868. Revista Educación y Pedagogía, v. XIII, n. 29-30, jan.-set. 2001.

BRASIL, Lei 10 de 1835, Rio de Janeiro. Artigo 2. Disponível em: <http://infoiepic.xpg.uol.com.br/hist_ato10.


htm>. Acesso em: 19 out. 2014.

COMLÔMBIA, Lei 6 de agosto de 1821, Colombia. Disponível em: <http://www.bdigital.unal.edu.co/21/34/


leyes_de_1821.pdf >. Acesso em: out. 2013.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 96-103, jul./dez. 2013. 103
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS

Educação, terra e liberdade: Formação nos princípios


educacionais do MST
Carlos Bauer

RESUMO: O presente ensaio apresenta sucintamente algumas passagens da história do Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), suas influências políticas e seus princípios educacionais.
Além disso, busca apontar que os cursos de formação de professores em países com forte tradição rural,
desmedida concentração fundiária e importância política e econômica da agricultura como um dos traços
mais marcantes da sua história social não podem prescindir de discutir, com os seus interessados,
determinados aspectos nevrálgicos dessa realidade camponesa muito presente no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: MST, história social da educação, princípios políticos e educacionais. 

 
ABSTRACT: This paper presents briefly some passages in the history of the Landless Rural Workers
Movement (MST), their political influence and their educational principles. It also seeks to point out that
teacher training courses in countries with strong rural tradition, excessive land concentration and political
and economic importance of agriculture as one of the most striking features of his social history cannot do
without discussing with its stakeholders, certain nerve center of this peasant reality very present in Brazil.

KEYWORDS: MST, social history of education, political and educational principles.

104 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
INTRODUÇÃO

Os cursos de formação de professores em países com forte tradição rural, desmedida concentração fundi-
ária e importância política e econômica da agricultura como um dos traços mais marcantes da sua história
social não podem prescindir de discutir, com os seus interessados, determinados aspectos nevrálgicos da
questão agrária presentes no Brasil. Imbuído dessa preocupação, o presente ensaio apresenta sucintamente
algumas passagens da história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), suas influências
políticas e seus princípios educacionais, e faz ainda a sugestão do uso didático de filmes e músicas aos
docentes que atuam no ensino médio, na formação de professores e nos cursos de licenciaturas e que
estão dispostos a trabalhar criticamente a questão agrária com os seus alunos em sala de aula.

O MST nasceu em decorrência de um processo de enfrentamento e resistência contra a política de


desenvolvimento agropecuário instaurada durante o regime militar entre 1978 e 1985. Esse processo
compreende o movimento contra a expropriação e a exploração do desenvolvimento do capitalismo.
Nesse período de luta pela democracia, de transição política e de rupturas, a classe trabalhadora retoma
suas perspectivas reivindicativas de melhoria de suas condições de vida conquistando novos espaços
de atuação e de manifestação dos seus interesses no campo e na cidade. Os acontecimentos mais
importantes dessas conquistas começaram com as experiências construídas nas lutas populares, que
desafiavam as formas institucionais autoritárias vigentes. Os desafios se apresentavam no avanço da
organização em relação aos partidos políticos legais e clandestinos, nas rupturas com tradições e práticas
conhecidas e no rompimento com esquemas populistas e clientelistas do passado, com isso, rompendo
com as estruturas vigentes, desafiando-se e criando um novo processo de conquistas na luta pela terra.

A formação de inúmeros movimentos sociais foi um processo profundamente marcante no cenário político
nacional, pois representou um espaço de atuação conquistado pelas diversas experiências e mobilizações
populares, como é o caso do MST, fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica no Brasil.
Nasceu da articulação das lutas pela terra que foram instauradas a partir da década de 1970, especialmente
na região centro-sul, e aos poucos se expandiu pelo Brasil inteiro. O MST teve sua gestação no período
de 1979 a 1984, e foi criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que
aconteceu entre os dias 21 e 24 de janeiro de 1984, em Cascavel, no Paraná. Hoje o MST está organizado
em 22 estados e segue com os mesmos objetivos e princípios políticos e sociais definidos nessa ocasião
e, posteriormente, ratificados no I Congresso Nacional de Trabalhadores Sem Terra, realizado em Curitiba,
no ano 1985. Como principais objetivos estão as lutas pela terra, pela reforma agrária e pela construção
de uma sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores.

SOBRE AS RAÍZES HISTÓRICAS DO MST

Quando buscamos as raízes históricas do MST faz-se importante dizer que esse é um movimento que
surgiu fortemente ligado à Igreja Católica. Isso representa um importante componente político, apesar
de não ser nenhuma novidade histórica, já que a maior parte dos movimentos sociais contou, a partir da
década de 1970, com uma influência bastante grande e bem visível de alguns setores do clero católico,
principalmente os que buscavam inspiração na Encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra) do Papa João XXIII
sobre “a paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade” e nos fundamentos
emancipatórios da teologia da libertação. Mesmo nos anos de auge do regime militar, as Comunidades
Eclesiais de Base (CEB) produziram ambientes políticos nos quais os trabalhadores encontraram condições
para se organizarem e, assim, lutarem contra as injustiças e por seus direitos sociais.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013. 105
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
Nos idos de 1960, o presidente João Goulart, com o apoio do então Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
defendia que a reforma agrária deveria ser instaurada com o objetivo de aumentar a produção agrícola do
país e ampliar o mercado interno. Para ele, esse gesto poderia concretizar outra bandeira de seu governo:
o desenvolvimento da indústria nacional. Com esse intuito, o governo Goulart estimulou a formação de
uma insólita aliança com a Igreja e os comunistas – a chamada Política de Frente Única – que buscava
realizar mudanças profundas nas relações agrárias no Brasil e, ao mesmo tempo, combater as Ligas
Camponesas que naquele momento assumiam uma posição mais radical – a revolução camponesa.

O MST não tem o radicalismo de esquerda que está presente em outros grupos latino-americanos como
os do Peru (Sendero Luminoso, Tupac-Amaru), nem a identi­dade dada pelos vínculos étnico-culturais dos
zapatistas de Chiapas, no México, ou dos aymaras da Bolívia. Ele se definiu e criou sua identidade por uma
ausência: ser sem-terra. Criou também ícones emblemáticos para essa identidade, que se materializam
nos bonés e nas bandeiras vermelhas, facilmente identificáveis. O movimento tem um modelo de reforma
agrária moderno, que inova a pauta de reivindicações dos trabalhadores ao introduzir na agenda questões
relativas ao acesso e à democratização do crédito, à agricultura familiar e ao desenvolvimento sustentá-
vel, assim como tem contribuído para a divulgação a esfera público-estatal e de suas responsabilidades
em assegurar o exercício da cidadania para a população do campo. Entretanto, seu modelo de reforma
agrária tem encontrado muitas dificuldades e barreiras na atual conjuntura das políticas neoliberais de
desregulamentação do papel do Estado na economia, de fortalecimento do agronegócio e de crescente
presença dos produtos agrícolas na balança comercial brasileira. Trata-se de um modelo que depende de
fundos públicos para desapropriar áreas, de auxílio à implantação dos assentamentos, de investimentos
na agricultura familiar e de questionamento da monocultura da soja, do setor agro-sucro-alcooleiro, etc.

ALGUMAS INICIATIVAS EDUCACIONAIS E FORMATIVAS DESTINADAS


AOS TRABALHADORES RURAIS

As iniciativas educacionais destinadas aos trabalhadores rurais estiveram muito dependentes de setores
da Igreja ou de campanhas oficiais de alfabetização de adultos. Podemos nos lembrar de iniciativas como
o Movimento de Educação de Base (MEB), o Programa Nacional de Alfabetização (PNA), o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), o Projeto Minerva e o Projeto Rondon que, embora estivessem
centrados na alfabetização de adultos, tratavam também de outras questões como direitos trabalhistas,
legislação previdenciária, reforma agrária, etc. A essas bandeiras, principalmente no caso das experiências
protagonizadas pela Igreja Católica por meio de suas pastorais, se somam a defesa dos direitos humanos
e da justiça social.

Nesse cenário complexo e muitas vezes buscando superar os vários desafios que se mantinham como
uma herança maldita do período anterior, a proposta do MST tem como objetivo a alfabetização de
jovens e adultos e a discussão do trabalho cooperativo no assentamento. Esse é um processo lento,
pois o adulto tem mais resistência ao aprender a ler e a escrever, uma vez que, no entender de alguns
assentados, para trabalhar na terra não há essa necessidade. Por outro lado, eles sentem a necessidade
de alcançar a organização de associações ou cooperativas de pequenos produtores e, para tal, é funda-
mental a educação comprometida com o ler e o escrever e, acima de tudo, com a emancipação política
e cultural dos assentados.

A tendência ascendente das lutas dos trabalhadores rurais, associada ao contexto de efervescência
política do período imediatamente anterior ao golpe civil-militar de 1964, quando a bandeira da reforma
106 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
agrária tinha um extraordinário significado político, forçou o Estado a absorver algumas demandas dessa
importante parcela da população brasileira. Os direitos sociais e trabalhistas desses trabalhadores rurais
foram reconhecidos nesse período e consolidados em alguns desses marcos legais, como o direito à
organização sindical e a criação do Estatuto do Trabalhador Rural a partir de 1963, além do Estatuto da
Terra, promulgado em 1965. Por meio desses instrumentos, o Estado procurava estender ao campo os
mesmos direitos (mas também alguns dos mesmos instrumentos de controle) conferidos ao conjunto
dos trabalhadores desde a instituição, na década de 1930, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Entretanto, essa consolidação ocorreu com muita luta e até mesmo com o sacrifício da vida de incontá-
veis trabalhadores rurais.

Exatamente pela compreensão dessa problemática realidade, o Setor de Educação do MST enfatiza
o trabalho com os temas assentamento, luta, trabalho no assentamento, etc., sempre destacando os
alunos como sujeitos do processo de conquista da terra. A proposta parte da realidade para contextos
mais amplos. O objetivo é não ficar somente na descrição da realidade, já que ela é apenas o ponto de
partida das discussões.

Anteriormente, a tônica das atividades formativas e educacionais girava em torno da preparação das
lideranças para o conhecimento das leis e para uma prática social que tinha na cobrança pelo seu cum-
primento o eixo da ação, apesar de esse não ser o limite de sua atuação. Aparecia também como desta-
que a questão da gestão do universo rural, na qual se tinha como meta padronizar sua organização em
todo o país. Simultaneamente a isso, a política estatal procurava influenciar tanto os técnicos quanto os
dirigentes políticos dos trabalhadores rurais, numa consciente tentativa de uniformização do discurso.

O Estado brasileiro institui uma série de medidas destinadas a estabelecer um determinado padrão de
modernização à produção agrícola brasileira, com base na integração da agricultura com os demais se-
tores produtivos (com destaque à indústria de insumos e à indústria de processamentos de alimentos).
Efetivamente, esses dois aspectos possibilitaram a instituição de um novo padrão de organização da
agricultura e do próprio meio de vida rural.

Essa modernização, tendo em vista o seu caráter conservador, a rapidez e a intensidade com que foi
promovida, gerou uma série de situações de conflito que não podiam ser absorvidas pelos instrumentos
legais perpetrados com esse fim. As agitações por terra explodiram nesse período, o uso de trabalho
forçado cresceu e a exclusão econômica dos pequenos agricultores atingiu números nunca antes vistos.
Essa intensificação do conflito social agrário acontecia em um momento em que a ditadura militar co-
meçava a enfrentar dificuldades de sustentação em decorrência de um visível esfriamento do chamado
milagre brasileiro e de um desgaste perante a opinião pública pelas irrefutáveis evidências de práticas
de violência, tortura, perseguição política e restrição de direitos civis.

A formação política do MST se articula decididamente a outra vertente: as chamadas políticas educacio-
nais. Nesse sentido, a luta por educação nos assentamentos e acampamentos é a luta por cidadania,
pelo cumprimento das leis e pela transformação social. Portanto, para além da especificidade do MST,
é a luta por uma sociedade diferente e por uma escola que seja da classe popular e não para ela. Uma
escola que seja do campo e não para o campo. Uma educação que seja do MST, do acampamento, do
assentamento e não para o assentamento/acampamento. O desafio que tem sido enfrentado pelo MST
é a criação de uma educação que seja construída em conjunto com instituições interessadas em discutir
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013. 107
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
e gerar um processo educativo diferenciado, reconhecendo o papel que os docentes/pesquisadores uni-
versitários podem desenvolver na construção da “educação diferenciada” e respeitando suas autonomias,
seus conhecimentos e suas experiências.

Esse flanco da formação política e educacional desenvolvida pelo MST, que, com o crescimento das lutas
pelas políticas públicas, aos poucos foi convergindo para a conformação de um projeto alternativo de de-
senvolvimento sustentável que foram, inclusive, muito alimentados, no interior do MST, pela abordagem
temática das tecnologias alternativas e do associativismo e do cooperativismo como possibilidade de
servirem à instauração de um novo modelo societário.

O desenvolvimento do projeto político do MST ocorreu e continua ocorrendo em dois campos prioritários
de ação: um externo e outro interno ao movimento. No campo externo, o MST busca atualizar suas ban-
deiras de lutas, além de inovar e massificar suas formas de ação, porém deverá continuar precária a sua
capacidade de superar os sectarismos próprios da grande imprensa para com o movimento. No campo
interno, o MST promove a unificação, ainda que conflitante e muito difícil, das tendências em disputa no
seio de sua organização, gerando uma atualização de sua estrutura organizativa e política com o intuito
de avançar no terreno da formatação técnica da produção, da cooperação e, principalmente, da educação.

Tais características são fundamentais para se entenderem os pontos mais marcantes da política e dos
princípios educacionais do MST na atualidade. O que ocorre é que os conteúdos, temas e práticas produ-
zidas no campo educativo deverão se dar exatamente onde o projeto político do MST conseguiu resgatar
a esperança e a dignidade dos trabalhadores rurais sem-terra: o assentamento.

Mesmo que os analistas e críticos possam apontar alguns problemas dessas propostas educacionais,
como também o caráter principista e ideologizado dos seus conteúdos, é necessário reconhecer que está
implícito, no projeto educativo do MST, um princípio de que o caminho para a libertação é a conscientização
política. Trata-se de uma visão emancipatória inspirada na obra de Paulo Freire.

A forma com que os educadores do MST realizam ou procuram realizar essa conscientização não deve
ser vista como uma única e exclusiva vertente ortodoxa das propostas educacionais.

Os projetos educacionais e de formação política do MST contribuíram largamente para aprofundar a capaci-
dade de compreensão da problemática da terra e da exclusão social em nosso país, principalmente quando
foi capaz de debater com os gigantes da agroindústria e com os representantes dos governos estaduais
e federais sobre a possibilidade de um projeto alternativo de desenvolvimento. Entretanto, eles também
revelaram fortes barreiras no que diz respeito à incorporação de suas propostas de reforma agrária nas ações
governamentais, que implicariam em mudanças estruturais no modelo organizativo do Estado brasileiro.

O MST conseguiu ampliar as relações com outros setores da sociedade brasileira, particularmente com
os estudantes e a intelectualidade universitária, e promover uma articulação entre ensino e pesquisa,
entre o processo de formação política e técnica de suas lideranças e a educação básica. No interior do
MST, a pesquisa é projetada e articulada com o objetivo de relacionar a teoria com a prática, respeitando,
além das diferentes faixas etárias, as metodologias educacionais e as exigências específicas de cada
realidade em que se produz.

108 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS NO CAMPO

O MST vem se constituindo como uma objetiva e singular expressão da luta do homem do campo para
superar as desigualdades às quais está submetido. Quando nos dispomos a observar a coesão manifesta
pelos participantes do MST na luta pela aquisição legal da terra, entre outras coisas, percebemos que há
uma identidade coletiva, insistimos constituída a partir da luta pela posse da terra, que se sobrepõe aos
desejos individuais de cada sujeito associado a esse movimento social. A formação de quadros não está
sendo estimulada somente para a atuação em assentamentos, mas também para suprir as necessidades
do MST em todas as instâncias. O desejo de possuir um lugar é um dos referenciais de identificação,
além de representar um signo de esperança às gerações presentes e futuras durante o contínuo processo
de luta e durante a formação de uma identidade coletiva que supere as diferenças históricas e culturais
dos sujeitos. Essa identidade grupal e a consciência política são expressas nas representações sociais e
nos seus significados sobre a posse da terra, nos conteúdos presentes em cada uma das dimensões da
consciência política e nas experiências de cada sujeito no decorrer da sua existência histórica.

Os conflitos pela posse da terra vêm ocorrendo em praticamente todos os estados e regiões do país.
Esse quadro tem transformado a questão dos trabalhadores rurais sem-terra em um verdadeiro problema
nacional e, nos últimos anos, as lutas e ocupações se expandem e se intensificam por todos os cantos
do vasto território brasileiro.

A incessante multiplicação desses conflitos acabou convertendo o MST no principal protagonista das lutas
camponesas no Brasil atual. Essas lutas pela terra não têm sido nada pacíficas: são centenas de mortos
e feridos produzidos pelos mais diferenciados enfrentamentos apenas ao longo da década de 1990. Para
os membros desse movimento, são dias difíceis e tensos que se têm pela frente.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013. 109
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil existem quase 17 milhões de trabalhadores rurais ou, aproximadamente, 4,8 milhões de famílias,
sem contar os milhões que foram expulsos do campo, impedidos de produzir e que se aglomeram nas
periferias das grandes cidades.

Para nós trata-se de buscar compreender, numa perspectiva histórico-crítica, o que está ocorrendo no
campo, qual é a dinâmica de luta, qual é o caráter das organizações que falam em nome dos trabalhadores
rurais sem-terra, seus métodos e sua política. Oficialmente, não temos no Brasil uma guerra civil aberta
no campo, porém, nos contínuos enfrentamentos, ela se manifesta de forma embrionária ou velada, não
pela pouca disposição dos trabalhadores rurais, mas pelo férreo controle que suas direções que almejam
uma reforma agrária nos marcos da legalidade produzida pela sociedade capitalista exercem.

Nos últimos anos, no campo brasileiro, vem se desenvolvendo uma série de ações unificadas de diferen-
tes setores dos trabalhadores rurais, nas quais se combinam fortes elementos de guerra civil, conflitos
e acirramento da violência. No dia a dia, porém, é pouco provável que arrebentem guerras camponesas
similares àquelas que explodiram em várias regiões brasileiras em fins do século XIX e início do século XX.

O que está se desenvolvendo é uma sórdida ofensiva dos grandes proprietários de terras, que impul-
sionam a violência contra aqueles que, na concretude da vida social, contrariam os princípios constituin-
tes da sociedade capitalista. É que o questionamento da propriedade da terra inclui todo o sistema de
propriedade, e, portanto, o próprio estado capitalista, o que tem estabelecido o ponto mais crítico da
contemporaneidade política brasileira. Esse é o cenário que proporciona o desenvolvimento de perspec-
tivas educacionais ecléticas no interior do MST, inspiradas no marxismo e na práxis de Makarenko e nos
valores cristãos e princípios libertadores e emancipatórios de Paulo Freire.

Em alguns momentos, a luta dos trabalhadores rurais influenciou positiva­mente os movimentos sociais urba-
nos. Isso ocorreu, por exemplo, numa grande mobilização e manifestação dos trabalhadores rurais sem-terra
realizada no mês de abril de 1997, em Brasília. Esse protesto, pela sua pujança e significativa mobilização
social, praticamente, abriu uma nova conjuntura nacional favorável aos trabalhadores. Essa influência também
é muito grande na esfera educacional, principal­mente quando o MST anunciou a inauguração, em 23 de
janeiro de 2005, da Escola Nacional Florestan Fernandes, construída na cidade paulista de Guara­rema em
regime de mutirão ao longo de quatro anos, contando com o trabalho voluntário de centenas de militantes
de todo o país e pronta para oferecer cursos fundamentais para a formação dos trabalhadores rurais.

As lutas produzidas pelo MST o inserem na categoria daqueles movimentos sociais que, com suas experi-
ências de rebeldia e confronto, se colocam como uma indiscutível presença autônoma diante do poder e do
Estado brasileiro. O tema da educação continua receben­do atenção do MST, que destacou no V Congresso
Nacional a necessidade de investir em educação e em comunicação. O documento final de 2007 preconizou:

• Lutar para que a classe trabalhadora tenha acesso ao ensino fundamental, à escola de nível médio e à
universidade pública, gratuitas e de qualidade.

• Desenvolver diferentes formas de campanhas e programas para eliminar o analfabe­tismo no meio rural
e na cidade, com uma orientação pedagógica transformadora.

110 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
• Lutar para que cada assentamento ou comunidade do interior tenha seus próprios meios de comuni-
cação popular, como por exemplo, rádios comunitárias e livres.

• Lutar pela democratização de todos os meios de comunicação da sociedade, contri­buindo para a for-
mação da consciência política e a valorização da cultura do povo.

• Na busca pelo desenvolvimento dos princípios educacionais, o MST produz profundos gestos de rein-
venção da própria educação, do seu desenvolvimento como expressão da vontade, da experiência e da
ação coletiva e rebelde desses trabalhadores rurais em busca da afirmação dos seus direitos sociais, de
sua identidade política e de um lugar na história do Brasil.

SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO MST

BOX

A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) é fruto do esforço do MST, que conseguiu reunir ins-
tituições e atores políticos no Brasil e no exterior em torno da proposta de educação e de formação
política para militantes dos movimentos sociais. Funciona na cidade de Guararema (a 60 quilômetros da
cidade de São Paulo no sentido do Rio de Janeiro) desde 23 de janeiro de 2005, tendo sido construída
em regime de mutirão ao longo de quatro anos, contando com o trabalho voluntário de centenas de
militantes de todo o país e tendo a disposição de oferecer cursos fundamentais para a formação dos
trabalhadores rurais organizados pelo MST.
Como afirmam Stédile e Fernandes (2005), referindo-se às tarefas do MST, é necessário “lutar contra
três cercas: a do latifúndio, a do capital e a da ignorância”. A ENFF faz parte do esforço para vencer a
ignorância e, para isso, procura desenvolver um trabalho que pretende educar para a liberdade e não
para a reprodução de modelos já forjados e praticados, caracterizados pelo professor Alfredo Bosi
como “mundo do receituário”, ou seja, o universo escolar como formador de cidadãos prontos para
reproduzir os valores vigentes do status quo e não para superá-los.
Nesses tempos em que o modelo dominante de sociedade busca liberdade para o dinheiro e para as
mercadorias e que a globalização resultante do processo de unificação de mercados tende a repro-
duzir situações favoráveis ao capital e desfavoráveis aos trabalhadores, iniciativas que buscam formar
cidadãos com capacidade de intervir na realidade são fundamentais para oferecer contrapontos ao
neoconservadorismo e às teses do fim da história. Na contramão do sistema, homens e mulheres de
diversas partes do mundo conectam-se e se solidarizam em busca de alternativas em todas as áreas.
Em praticamente todas as situações, a educação é lembrada como elemento essencial, seja para
melhorar a produtividade dentro do sistema, seja para organizar as novas práticas voltadas à superação
do atual modelo e de suas limitações. Educação e escolarização institucionalizadas para a reprodução
dos interesses do capital ou de segmentos da sociedade em conflito com tal ordenação do mundo?
Como parte integrante do campo progressista, inclusive na área da educação, a ENFF propõe superar
as limitações do atual modelo partindo da análise de experiências de educação popular e de formação
política desenvolvidas no Brasil e em outros países. A ENFF é uma escola que pretende educar para
o trabalho junto ao povo, educar para repensar a tradição cultural, educar para criar novos valores de
solidariedade e, no momento atual, mais do que nunca, pôr em prática o ensino do maior mestre da
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013. 111
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
educação brasileira, Paulo Freire: educar para a liberdade. As palavras de ordem que abrem esse item
do trabalho refletem o espírito que orienta a prática político-pedagógica da ENFF: não basta formar
brasileiros que atuam nos movimentos sociais; é preciso ir além e incluir militantes de movimentos
de outros países, caracterizando o internacionalismo necessário à superação dos limites impostos
pelas regras do sistema atual, que busca liberdade para o capital e para mercadorias, mas não para
seres humanos.

112 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
REFERÊNCIAS, OBRAS DE APOIO E INDICAÇÕES COMPLEMENTARES.

BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/


legislacao/129019/estatuto-da-terra-lei-4504-64>.

BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000.

FERNANDES, B. M. MST: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000.

GOHN, M. da G. Mídia, terceiro setor e MST: impactos sobre o futuro das cidades e do campo. Petrópolis:
Vozes, 2000.

JANES, R. Alfabetização de jovens e adultos em acampamentos e assentamentos da reforma agrária:


a autogestão do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Relatório de pesquisa. Marília,
2001. Relatório de pesquisa.

JOÃO XXIII. Enc. Pacem in Terris, 11 de abril de 1963, em AAS 55 (1963), p. 259-260. Conferir em: <http://
w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html>.

KAY, M. R. Q. Currículo e teoria crítica na proposta de formação do MST. Pulsar: Revista de Educação,
São Paulo, n. 1, p. 5-120, out. 2005.

KRISCHKE, P. A Igreja nas bases em tempo de transição (1974-1985). Porto Alegre: L&PM; Cedec, 1985.

LEANDRO, J. B. Curso técnico em administração de cooperativas do MST: a con­cepção de educação e a


sua influência no assentamento Fazenda Reunidas de Pro­missão – SP. 2002. 232 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.

MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico Vol. 3. São Paulo: Brasiliense, 1983.

MORIGI, V. A escola do MST: uma utopia em construção. Porto Alegre: Mediação, 2003.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Carta do 5º Congresso Nacional do MST.
Brasília, DF, 15 jun. 2007. Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/872>.

SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores
da Grande São Paulo (1970-1980). São Paulo: Paz e Terra, 1988.

SOUZA, M. A. de. As formas organizacionais de produção em assentamentos rurais do Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST. 1999. 284 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

STÉDILE, J. P.; FERNANDES, B. M. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São
Paulo: Perseu Abramo, 2005.

TERRA para Rose. Direção: Tetê Moraes. Fotografia: Walter Carvalho; Fernando Duarte. Brasil: Versátil,
1987. 1 DVD (84 min), colorido.

VENDRAMINI, C. R. Terra, trabalho e educação: experiências socioeducativas em assentamentos do


MST. Ijuí: Unijuí, 2000.

Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 104-113, jul./dez. 2013. 113
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Você também pode gostar